Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Essas afirmações são tão repetidas e, ao mesmo tempo, rejeitadas pela Igreja
que podemos desconfiar que essas não são mais do que grandes
superficialidades. Mas como responder a essas questões? Quais seriam as
razões do celibato? Possui origem bíblica? Poderia essa disciplina algum dia
mudar? Vamos afrontar aqui essas questões.
1. O ensinamento bíblico:
A primeira coisa a ser dita é que não há dúvidas que Jesus Cristo falou
explicitamente do celibato em sua pregação e Ele mesmo viveu desse modo.
Os Evangelhos dizem que ele foi chamado de «comilão e beberrão», de
«amigo dos publicanos e dos pecadores», mas jamais foi chamado de
luxurioso, de mulherengo. Numa ocasião os seus discípulos se surpreendem
ao vê-lo conversando a sós, perto de um poço, com uma mulher Samaritana.
Isso demonstra que seus discípulos jamais tiveram a menor suspeita da
castidade absoluta de Jesus. De fato, não há nenhum texto bíblico que sugira
que Jesus não fosse celibatário e nenhum texto “apócrifo”, nenhum escrito
extra bíblico dos primeiros séculos, que o afirme ou sugira. A descoberta
recente ganhou a atenção mediática exatamente porque é o primeiro texto
relativamente antigo (sec. IV d. C.) que parece sugerir essa possibilidade.
Jesus mostra aqui aos seus Apóstolos o que significa deixar «tudo» para segui-
lo: inclui o deixar mulher e filhos. Então aqui surge uma pergunta: então algum
dos Apóstolos era casado? O texto parece indicar que sim. De fato, São Pedro
pelo menos era casado, pois os Evangelhos contam que Jesus curou a sua
sogra (Mt. 8, 14-15). Entretanto, é interessante notar que aquela senhora, uma
vez curada da sua grave febre, imediatamente se levanta e começa a servir ao
Senhor e aos doze Apóstolos. O texto bíblico não fala nada sobre a esposa de
Pedro (nem aqui, nem em lugar algum do N.T.). Não foi essa que se colocou
ao serviço de Jesus, coisa que seria mais lógico do que uma mulher anciã e
convalescente. Não há dúvidas, pois, de que a Bíblia sugere que Pedro fosse
viúvo naquela ocasião.
O motivo pelo qual, nos primeiros séculos, houve padres casados foi porque o
matrimônio não era como é hoje, um consenso livre entre duas pessoas, mas
se fundava num contrato jurídico entre as famílias e o Cristianismo surgiu
dentro do Império Romano. De modo que no Cristianismo primitivo era comum
que houvesse pessoas casadas, devido a uma obrigação jurídica, e
celibatárias, «por causa de Cristo e do Reino dos Céus». E isso não era uma
obrigação exclusiva para os padres, mas sim uma escolha livre dos cristãos, de
homens e mulheres. De modo que na Igreja antiga os padres provinham de
três grupos diversos: dos celibatários que não eram legalmente casados, dos
monges, e dos homens casados legalmente, os quais, uma vez ordenados
diáconos, passavam a viver a continência absoluta.
São Paulo, que não pertencia ao grupo dos Doze Apóstolos, mas que foi
chamado posteriormente por Jesus a ser um «Apóstolo de Cristo», fala
também explicitamente do celibato, dizendo que não é um mandamento do
Senhor, mas ele queria que muitos cristãos fossem como ele. O fato de que ele
fosse celibatário, «Apóstolo» e um perfeito imitador de Cristo nos mostra que o
celibato era condição necessária para se abraçar o sacerdócio de Cristo. De
fato, o sacerdote diz todos os dias «Isso é o meu corpo entregue por vós».
Quem pensa seriamente nessas palavras compreende sem dificuldade alguma
a beleza e a exigência de se viver o celibato, entregando-se realmente ao
próximo como Cristo [ii].
Há ainda dois textos bíblicos utilizados como argumento pelos que pretendem
a abolição do celibato na Igreja. São 1 Tim 3, 1-5 e Tit. 1, 8-9, nos quais São
Paulo enumera as qualidades do bispo.
1 Tim 3, 1-5: «Eis uma coisa certa: quem aspira ao episcopado, saiba que está
desejando uma função sublime. Porque o bispo tem o dever de ser
irrepreensível, casado uma só vez, sóbrio, prudente, regrado no seu proceder,
hospitaleiro, capaz de ensinar. Não deve ser dado a bebidas, nem violento,
mas condescendente, pacífico, desinteressado; deve saber governar bem a
sua casa, educar os seus filhos na obediência e na castidade. Pois quem não
sabe governar a sua própria casa, como terá cuidado da Igreja de Deus?»
No primeiro deles se diz que o bispo dever ser casado uma só vez (unius
uxoris vir) e no segundo diz que o bispo de ver ser continente (encratés),
palavra usada na Igreja antiga e medieval para se descrever o celibato
sacerdotal. Como conciliar os dois textos? Certamente, assim como a Tradição
da Igreja o fez: o bispo que fosse casado antes da sua Ordenação deveria se
abster das relações sexuais com a sua esposa ao ser admitido às sagradas
Ordens. E isso está de acordo com os Evangelhos, pois quem quer seguir de
perto o Senhor deve deixar tudo, inclusive «mulher e filhos», por causa dele e
do Reino dos Céus. Assim foram interpretados esses textos pelos cristãos
desde o primeiro século, tanto no Oriente como no Ocidente. A documentação
sobre isso é abundante.
2. O celibato na Tradição da Igreja
Antes de tudo é preciso dizer que quem pensa que o celibato é apenas uma lei
disciplinar da Igreja, que poderia ser mudada a qualquer momento, assume,
talvez acriticamente, uma visão positivista do Direito, como se as leis da Igreja
fossem arbitrárias, provenientes apenas da vontade do legislador ou do
consenso humano e fossem totalmente desvinculadas das verdades da fé
(dogmas). Na verdade, a Igreja jamais teve uma visão positivista do Direito, de
modo que a lei foi sempre entendida como «uma ordenação racional para o
bem comum promulgada por quem dirige a comunidade» (Santo Tomás de
Aquino, S.Th. I-II, 90,4). As leis da Igreja não podem jamais ser arbitrárias, mas
são sempre racionais e tem como fonte a Revelação. Recentemente o
importante filósofo do Direito, Hans Kelsen bem demonstrou que o Direito (ius)
é diverso das leis (lex). O Direito é toda norma obrigatória, transmitida
inicialmente como tradição oral e como costume e, posteriormente, essas
normas são colocadas por escrito (lex). Essa descrição é correta, válida tanto
para as primeiras leis do Direito Romano como para aquelas eclesiásticas,
inclusive no que se refere ao celibato apostólico. Esse foi antes de tudo vivido
por Jesus Cristo, pelos Apóstolos (seja na forma de continência perfeita, seja
na abstinência das relações sexuais depois da Ordenação) e seus sucessores:
bispos, presbíteros e diáconos.
No Cânon 33, sob o título «sobre os bispos e ministros (do altar), que devem
ser continentes com suas esposas», lemos: «Se está de acordo sobre a
proibição total, válida para bispos, sacerdotes e diáconos, ou seja, para todos
os clérigos dedicados ao serviço do altar, que devem se abster de suas
esposas e não gerar filhos; quem fizer isso deve ser excluído do estado
clerical». O cânon 27 insistia também na proibição de que habitassem com os
bispos e outros eclesiásticos, outras mulheres não pertencentes à sua família.
Só poderiam levar para junto de si, uma irmã ou uma filha consagrada virgem,
mas de nenhum modo uma estranha.
Essa lei não era uma novidade na vida da Igreja, pois seria algo injusto e
irracional. Uma lei desse tipo criada ex ninhil seria uma grave injustiça e criaria
justificáveis reações. Mas as disposições daquele Concílio se referem a uma
disciplina recebida de Cristo, dos Apóstolos, de seus sucessores e que era algo
vivido pelos clérigos. De modo que essa lei era uma reação contra a
infidelidade de alguns que naquela época desrespeitavam a prática tradicional.
Por isso o Concílio pôde estabelecer uma grave e justa sanção a quem
desobedecesse àquela lei: o afastamento do estado clerical. O Papa Pio XI, na
sua Encíclica sobre o sacerdócio, afirmou que essa primeira lei escrita supunha
uma práxis precedente, de origem apostólica.
Um dos principais motivos dados pela Igreja antiga do celibato é que esse
torna eficazes as orações dos sacerdotes. Eles se baseiam no texto bíblico de
São Paulo, o qual escrevia aos esposos cristãos: «Não vos recuseis um ao
outro, a não ser de comum acordo, por algum tempo, para vos aplicardes à
oração; e depois retornai novamente um para o outro, para que não vos tente
Satanás por vossa incontinência» (cfr. 1 Cor, 7, 3-6.). São Paulo diz que os
casados só podem abster-se das relações sexuais por certo tempo, para se
dedicarem à oração e assim essas seriam escutadas. Os Padres da Igreja e os
primeiros Papas argumentavam dizendo que os sacerdotes devem ser com
mais motivos castos, para se dedicarem à oração em favor do povo de Deus.
Desse modo, suas orações seriam mais eficazes; os padres que se esforçam
por manter intacto o próprio celibato e procuram rezar com perseverança pelo
povo de Deus podem comprovar a verdade desses ensinamentos diariamente.
Sendo assim, o Código Teodosiano (ano 434) dizia que a continência pode ser
guardada, mas permitia à mulher morar com o marido, também depois da
Ordenação; a legislação do Imperador Justiniano I em matéria eclesiástica,
tanto no Código (ano 534) quanto nas Novellae (535-536) muda, em parte, a
disciplina: mantém a proibição de se admitir na Ordem sagrada aquele que se
tivesse sido casado mais de uma vez, assim como a de casar-se depois da
Ordenação, e isto para todos os três graus da Ordem; porém, se permitia aos
sacerdotes, diáconos e subdiáconos a coabitação com a esposa com o fim de
que pudessem continuar usando do matrimônio, sempre que tivesse sido
contraído uma só vez e com uma virgem.
A disciplina sobre o celibato decidida então é válida ainda hoje nas Igrejas
Orientais e diz que «todos os que depois do Batismo tenham contraído um
segundo matrimônio ou tenha vivido em concubinato, bem como aqueles que
se tinham casado com uma viúva, uma divorciada, uma prostituta, uma escrava
ou uma atriz, não poderiam tornar-se nem bispos, nem sacerdotes, nem
diáconos» (can. 3); «que aos sacerdotes e diáconos não estão autorizados a
se casar após a Ordenação» (can. 6); «os bispos não podem, após a
Ordenação, coabitar com sua esposa e, por conseguinte, não podem mais usar
do matrimônio» (can. 12); «… os sacerdotes, diáconos e subdiáconos da Igreja
oriental, em virtude de antigas prescrições apostólicas, podem conviver com
suas esposas e usar dos direitos do casamento para a perfeição e ordem
correta, exceto nos tempos em que prestam o serviço no altar e celebram os
sagrados mistérios, devendo ser continentes durante este tempo» (can. 13).
As decisões aqui são bem interessantes ao nosso tema. Podemos ver que a
Igreja oriental conserva para os bispos a mesma severa disciplina sobre a
continência que se praticou sempre em toda a Igreja. Não há dúvidas de que
essa lei pode ser considerada como um resíduo na legislação trullana da
tradição antiga, apostólica.
b) A proibição das relações sexuais dos sacerdotes com suas esposas nos dias
em que esses celebravam a Divina Liturgia (Missa), adotando assim uma
concepção de sacerdócio semelhante a do A.T. No início, o culto litúrgico na
Igreja oriental era feito somente nos domingos e em algum outro dia da
semana. Com o passar do tempo o culto passou a ser diário e era de se
esperar que a disciplina do celibato passasse a ser obrigatória sempre. Porém,
ocorreu exatamente o contrário.
Atualmente sabe-se que nas Igrejas orientais (assim como nas provenientes da
Reforma), onde não há mais a obrigação do celibato, há uma grande crise de
vocações. E essa crise de vocações lhes afeta inclusive na hora de se designar
um bispo para uma nova diocese, visto que os bispos devem ser celibatários e
que os sacerdotes deles, na maioria dos casos, são casados [iv]. Na Igreja
Católica isso não ocorre. Costuma-se dizer que a vocação ao episcopado é a
única que não encontra crises na Igreja latina. Ao mesmo tempo, percebe-se
nos últimos anos um aumento constante no número de Ordenações e de
vocações sacerdotais, a nível global, apesar das dificuldades. No mundo, em
2009 eram 410.593 sacerdotes, enquanto que em 1999 eram 405.000[v]. No
Brasil o número de padres passou de 16.772 no ano 2.000 para 22.119 em
2.010 [vi]. Nos Sínodos de Bispos em Roma, os bispos das Igrejas orientais
sempre afirmam a beleza do dom do celibato, conservado na Igreja Católica e,
ao mesmo tempo, falam da crise de vocações que essas Igrejas sofrem
atualmente.
Pode, pois, a disciplina da Igreja mudar? Por tudo o que vimos, podemos
concluir que é bem mais possível que se mude a disciplina nas Igrejas orientais
do que na Igreja Católica de rito latino, que mantém intacta a tradição recebida
por Jesus Cristo e pelos Apóstolos. Mas talvez haja ainda quem insista e diga:
«tudo bem, o celibato é bíblico e esteve sempre presente na vida da Igreja.
Mas não devia ser esse opcional, tal como diz São Paulo?» A resposta que
podemos dar a essa questão é uma só: o celibato na Igreja Católica sempre foi
opcional! Hoje como no passado, ninguém pode ser obrigado a ser ordenado
sacerdote, pois essa Ordenação seria inválida. Quem se sente chamado e se
decide a responder positivamente a Cristo, aceita tudo o que essa decisão
implica: inclusive o celibato. Ele é a pérola preciosa pela qual vale a pena
trocar todas as demais. Além disso, para alguém ser ordenado sacerdote
precisa ter ao menos 25 anos e ter passado no mínimo 5 anos de preparação
num Seminário para discernir se Deus lhe chamou para essa missão em favor
do povo de Deus. Um seminarista sabe, desde o primeiro dia seu no
Seminário, que sua vocação implica a luta por viver o celibato, que é antes um
dom de Deus. Quem escolhe de seguir a Cristo no sacerdócio, escolhe de lutar
por viver como Ele viveu, dando sua vida pelos outros. Como bem disse o
Beato João Paulo II na sua última carta aos sacerdotes, «as palavras da
instituição da Eucaristia devem ser, para nós, não apenas uma fórmula de
consagração, mas uma “fórmula de vida”» [x]. De modo que se Cristo foi o
Esposo da Igreja (Ef. 5), se Ele deu a sua vida por Ela, por que não devem
fazer o mesmo aqueles que se unem intimamente a Ele e agem in persona
Christi?
http://www.presbiteros.org.br/celibato-eclesiastico-historia-fundamentos-
teologicos/
PAPA BENTO XVI, Discurso Do Papa Bento XVI aos Cardeais, Arcebispos,
Bispos e Prelados Da Cúria Romana para a Apresentação bos Bons Votos de
Natal, em 22/12/2006. Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2006/december/docu
ments/hf_ben_xvi_spe_20061222_curia-romana_po.html
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2010/june/documents/
hf_ben-xvi_spe_20100610_concl-anno-sac_po.html
[i] Cfr. Papa Bento XVI, Vigília por ocasião do encontro internacional de
sacerdotes. diálogo do papa Bento XVI com os sacerdotes, em 10/06/2010.
Disponível
em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2010/june/docum
ents/hf_ben-xvi_spe_20100610_concl-anno-sac_po.html
[ii] Dizia o então teólogo calvinista, M. THURIAN: «Cristo nunca se casou. Sua
vida é justificativa da vocação para o celibato. Jesus Cristo questiona as leis da
criação e da natureza; questiona a Lei da Antiga Aliança, que buscava
restabelecer a ordem na criação e na natureza, perturbada pelo pecado». «O
celibato é um desses sinais a nos recordar as exigências absolutas de Cristo,
seu retorno libertador, a economia do Reino do Céu, a necessidade de estar
vigilante, de romper com o mundo, com a carne, com a luxúria e de, com
alegria no coração, aceitar a renúncia às paixões pelo puro amor de Jesus».
De modo semelhante, disse um famoso teólogo protestante Karl Barth: «por
que surpreender-nos de que entre os seguidores de Jesus, e mais tarde na
Igreja primitiva, e mais tarde ainda, havia, ao que parece, homens que
achavam razoável praticar essa outra possibilidade (essa segunda vocação
conhecida como celibato), homens para quem fazer parte da Igreja e nela viver
tomava definitivamente o lugar da união conjugal e da vida de casado: não por
hostilidade ao casamento entendido no sentido da Carta aos Efésios 5, 31 – o
casamento restaurado em toda a sua dignidade – mas antes por causa dessa
reavaliação do casamento e inspirados diretamente no próprio exemplo de
Jesus». Cfr. K. BARTH, Die kirchliche Dogmatic, t. III, 6. p. 160.
Cfr.: http://www.presbiteros.org.br/base-teologica-do-celibato-sacerdotal/
[iv] O site da Igreja Ortodoxa de Buenos Aires explica muito bem a disciplina
celibatária hoje vigente, em substância, a mesma do “Concílio Trullano II” e fala
que atualmente são muito os padres “brancos”, ou seja, os que não fizeram os
votos monásticos, que optam pelo celibato. Também reconhecem a dificuldade
que se tem atualmente de se ordenar bispos ortodoxos.
Cfr: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/igreja_ortodoxa/a_igreja_ortodoxa_fe
_e_liturgia7.html#5
[x] Cfr. JOÃO PAULO II, Carta aos Sacerdotes por Ocasião Da Quinta-Feira
Santa de 2005. Disponível
em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/2005/documents/hf_jp
-ii_let_20050313_priests-holy-thursday_po.html