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Dirigido por Rogério Sganzerla, lançado em 1968, O Bandido da Luz Vermelha é a

epítome do que mais tarde seria conhecido como o movimento do Cinema Marginal. Filmado
inteiramente no centro da cidade de São Paulo, a cinematografia do filme é notável pelo seu
estilo caótico e aspecto semi-documental — característico dos mestres da Nouvelle Vague de
Sganzerla como Jean-Luc Godard.
Por mais improvisada que a fluidez da narrativa aparente ser, os filmes de Rogério
possuíam uma mise en scène detalhadamente calculada, previamente escrita no roteiro como
relatado pela atriz Helena Ignez e o próprio diretor de fotografia, Carlos Ebert. Não que não
houvesse improvisação durante a filmagem, mas essa improvisação estendia e ampliava uma
sofisticada e elaborada mise en scène preexistente no roteiro e a isso também se incluía as
decisões da decupagem da fotografia.
A linguagem fotográfica do filme é calcada nessa mistura de imagens e sons ruidosos
que constroem a São Paulo caótica do Bandido da Luz Vermelha. A película escolhida era
uma 16mm Gevapan 30, característica pelo seu grão fino (fotos abaixo) de acordo com a 5ª
edição de 1980 da American Cinematographer. Quando a película em 16mm era ampliada
para o 35mm para circulação da projeção, a sensibilidade do filme estourava o grão da
película. Essa ampliação garantia ao filme uma estética do lixo, de um preto e branco
anárquico muito contrastado pela luz, já que à época as películas não possuíam tanta
sensibilidade e precisavam de luzes muito mais fortes.

Filmado em uma Cineflex (fotos abaixo), a portabilidade dessa câmera garantia que
os movimentos tivessem muito mais mobilidade e destreza do operador e dos atores para a
encenação. Assim, Ebert e Sganzerla tinham a habilidade de fazer longos travellings
acompanhando os gritos de Paulo Villaça pelo centro de São Paulo e deixando a cenografia
ao acaso, ou seja, uma improvisação planejada.
Uma escolha de câmera muito provavelmente herdada da influência da Nouvelle
Vague ao filme de Sganzerla, em Acossado, de Godard, existe a mesma escolha do tipo de
câmera. A 16mm portátil permitia ao operador vagar pelas ruas da cidade sem as dificuldades
de peso, técnica e elétrica que uma câmera mais profissional traria. A impressão que se tem
com essa liberdade da movimentação é que o público assume a postura de uma câmera
viajante, uma câmera vagante pela marginalidade urbana da cidade.
O Bandido possui uma gama de enquadramentos bastante diversa, semelhante a uma
montagem de histórias em quadrinhos, do plano detalhe ao geral, com uma composição que
sempre deixa os personagens à margem do quadro ou inseridos na imensidão urbana de São
Paulo. Paulo Villaça e Helena Ignez sempre estão emergidos na cidade: lêem os jornais das
bancas, interagem com transeuntes pelas esquinas ou olham da sacada do apartamento para a
avenida de baixo. As lentes escolhidas por Ebert, duas Schneider e uma Zeiss, possivelmente
contemplando uma milimetragem de 20mm a 100mm pelos planos do filme, garantiram a
pluralidade de planos e enquadramentos do filme, que mais tarde, seria útil para Sganzerla
cortar e recortar na montagem.
Quanto às condições técnicas referentes à profundidade de campo não existem
trucagens estéticas, nenhuma alteração nas frações de segundo do obturador, nem pretensões
de desfoque pelo uso do diafragma. Assim como a exposição, as intenções de
Sganzerla/Ebert aparentam ser de manter a fotografia do filme estável para largar os atores ao
texto do roteiro e a improvisação que poderia surgir dentro dele. Essas circunstâncias
garantem ao filme um formato semi-documental, de um cine-jornal que passava antes da
projeção de um filme de algum bandido à solta pela cidade de São Paulo.
“Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e se esculhamba.”
diz o bandido de Paulo Villaça, na sequência final do filme (01:23:07 do link abaixo), o
personagem se vê cercado de policiais por todos os lados enquanto uma rádio informa sua
morte junto a outros exotismos culturais como discos voadores. A montagem é acelerada
quadro a quadro pela diversidade dos planos e a câmera fixa para potencializar o corte estilo
história emquadrinhos. A cinematografia do Bandido da Luz Vermelha é o símbolo do
tropicalismo cinematográfico do cinema brasileiro. Ao final, o bandido se suicida como no
Pierrot Le Fou de Godard, o resto é samba e Jimi Hendrix.

Referências
https://abcine.org.br/artigos/perfil-carlos-ebert-abc/
https://sombraseletricas.webnode.pt/arquivo/a-turma-da-s%C3%A3o-luiz-carlos-ebert/
http://www.contracampo.com.br/61/depoimentoebert.htm
https://filmstocks.info/stocks/agfa-gevaert-863-gevapan-30-reversal-film
http://analoguephotolab.com/agfa-gevapan-30/
https://www.youtube.com/watch?v=pSbBA4OiqBc

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