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CINEMA
Jean-Claude Bernardet analisa "Nós que Aqui Estamos
por Vós Esperamos", em cartaz em São Paulo
O espectador como montador
JEAN-CLAUDE BERNARDET
especial para a Folha
agitação urbana.
Aqui, o imaginário urbano mobilizado por Masagão é o
mesmo proposto pelo material original. Portanto seria nesse
caso mais adequado falar em citação, já que as imagens
conservam a significação do contexto original. É interessante
tentar estabelecer uma relação entre essas citações e a
ressignificação da sequência comentada acima. Essas
imagens prismáticas me parecem resistir a um processo de
ressignificação por ter uma elaboração visual forte (no caso,
a composição plástica possibilitada pelo prisma e a duração
do plano). Essa elaboração não se deixa facilmente diluir. A
operação praticada na sequência das mulheres é bem
resolvida por trabalhar com imagens menos destacadas,
facilitando a diluição e a ressignificação. É necessário que o
material tenha, digamos, uma certa neutralidade para que a
operação se realize plenamente. É só imaginar o que
ocorreria com a sequência das mulheres se uma delas,
espanando algum aparador, fosse Marilyn Monroe, ou
compará-la a "Home Stories", de Matthias Muller, que
contém apenas material de arquivo, em que a personagem
feminina se constrói com planos de Kim Novak, Doris Day,
Grace Kelly e outras vedetes.
Essa forma de montagem é usada em várias sequências do
filme, por exemplo, a do Muro de Berlim: a construção do
Muro inicia-se no campo, prossegue em ambiente urbano, e
a fuga do soldado se dá por cima de uma grade que nada tem
a ver com o que vimos sendo construído. Trata-se
indiscutivelmente do Muro de Berlim, mas como que
desrealizado, a montagem nos remete a um fato (muro) e ao
mesmo tempo distancia-se dele para possibilitar que nos
encaminhemos para uma reflexão mais ampla, de teor
político. Os regimes comunistas, a opressão. Mas a nossa
reflexão é dirigida: não caminharemos tanto na direção de
uma reflexão política geral, pois o primeiro plano do soldado
que se prepara para a fuga, bem como os antecedentes do
filme dedicado às "pequenas biografias", nos encaminha para
a presença do muro na vida cotidiana de pessoas
"insignificantes", um dos eixos temáticos do filme.
O filme de Masagão opera com outras formas de montagem
que merecem consideração. Uma delas consiste na inserção
de uma segunda imagem dentro de uma imagem principal.
Essas incrustações quebram a montagem visual consecutiva
que foi até agora a forma da montagem cinematográfica.
Mas deixo de lado esse assunto, de que não se pode falar
sem se deter longamente em Peter Greenaway. É bom, no
entanto, anotar que Masagão trabalha no mínimo duas
possibilidades da incrustação.
Numa delas, a imagem incrustada passa a ter um papel mais
importante do que aquela em que está incrustada, a qual se
torna um fundo. Assim, na longa sequência das mulheres,
aparece um plano amarelo apresentando uma mulher que
brinca com outras, que se encontram dentro de copos cheios
de água, estilo Bela Época. Nessa imagem, virão se instalar
outras que ocuparão a quase totalidade da tela, deixando
espaço apenas para as bordas do plano amarelo, as quais
passam a funcionar como moldura. É o que ocorre com o
trecho comentado acima, que acaba com a "depressão".
Nesse caso, a imagem incrustada tem o papel predominante,
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24/09/2019 Folha de S.Paulo - Cinema - Jean-Claude Bernardet: O espectador como montador - 15/08/99
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