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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

A contribuição da Tópica aristotélica para o Direito: uma análise a partir de Theodor Viehweg

Projeto de Pesquisa apresentado à Universidade


de São Paulo para participação no Programa
Unificado de Bolsas de Estudos para Estudantes
de Graduação (PUB-USP), Edital 2021-2022.

RIBEIRÃO PRETO

2021
1. Título:

A contribuição da Tópica aristotélica para o Direito: uma análise a partir de Theodor Viehweg

2. Resumo

Os grandes jusfilósofos que já comentaram a obra de Viehweg procuram traçar os

múltiplos aspectos e caminhos que o autor levou para elaborar sua contribuição à investigação

dos fundamentos jurídico-científicos. Há outros autores, não menos importantes, que apenas

elucidam e extraem as principais ideias contidas no pensamento do jurista teuto, sem se

aprofundarem nos pormenores de cada fase de sua teoria.

Para citar um exemplo destes últimos, tem-se Luis Recaséns Siches, que, na sua Nueva

Filosofía de la Interpretación del Derecho (1980, p. 118-19), sintetiza, didaticamente, da

seguinte forma o trabalho do professor alemão: Viehweg, resgatando a construção da tópica1 e

da dialética de Aristóteles, Cícero e dos jurisconsultos romanos2, demonstra como o

pensamento jurídico não pode ser sistemático e nem dedutivo, porque deve ser um

pensamento sobre problemas3. Não apenas isto, deve-se considerar todos os componentes

desses problemas, além dos valores em consonância com os critérios apropriados. Deve,

portanto, ser aquilo que Nicolai Hartmann chama de aporético4.

Entretanto, pouco analisada é a ligação entre Viehweg e Aristóteles, bem como a

leitura que aquele faz deste, e se esta estaria de acordo com a nossa — obviamente, sem

desconsiderar o cânone mais relevante sobre o assunto, na área da filosofia. Ademais,


1
Our treatise proposes to find a line of inquiry whereby we shall be able to reason from opinions that are
generally accepted (ἔνδοξα) about every problem propounded to us, and also shall ourselves, when standing up
to an argument, avoid saying anything that will obstruct us. First, then, we must say what reasoning is, and what
its varieties are, in order to grasp dialectical reasoning: for this is the object of our search in the treatise before
us. Disponível em: http://classics.mit.edu/Aristotle/topics.1.i.html
2
Sem desconsiderar, como nota, no prólogo, a tradutora da edição aqui utilizada de Tópica e Jurisprudência, que
a inspiração de Viehweg é a partir da leitura do italiano Vico.
3
“O aspecto mais importante na análise da tópica constitui a constatação de que se trata de uma técnica do
pensamento que está orientada para o problema” (VIEHWEG, 2008, p. 33).
4
“O termo aporia serve, propriamente, para designar a questão que se coloca e a qual não se esclarece, a “falta
de um caminho”, a situação problemática que não pode ser apresentada em parte e que Boezio traduziu, ainda
que não precisamente, com palavra dubitatio” (VIEHWEG, 2008, p. 33).
analisar-se-á em que medida a Tópica de Aristóteles pode contribuir para o estudo da

Jurisprudência5 — aqui, entendida como a Ciência do Direito. É, pois, por este caminho que a

pesquisa deverá ser conduzida.

3. Justificativa

Primeiramente, é importante ressaltar que não é o filósofo estagirita quem cria a

Tópica6, mas ele quem a nomeia, tornando-se um dos grandes autores, se não o maior, no

esforço de sua sistematização. E este trabalho, presente principalmente na obra Tópicos, foi,

por muito tempo, deixado de lado e pouco abordado pelos comentadores, conforme observa

Slomkowski (1997, pp. 1-2), não existindo muitos textos pertinentes sobre o assunto, por

exemplo, dos anos 1900-1950. Otto Bird (1962, p. 307) constata que, da Grécia a Ockham, os

Tópicos ocuparam um relevante espaço no estudo da lógica e da linguagem, mas que o tratado

estava começando a ser redescoberto contemporaneamente.

Da segunda metade do século XX até hoje, e, inclusive, da publicação da obra de

Viehweg até então, houve muito debate acerca do corpus aristotélico. Manual Berrón (2017,

p. 209), por exemplo, argumenta, citando diversos trabalhos recentes, que “La discusión

actual sobre el carácter de la exposición aristotélica en sus tratados científicos sigue siendo

materia de polémicas”. E com tratado Ton Topikon, uma das principais fontes para este

trabalho, não seria diferente, pretende-se demonstrar.

Justamente por essa razão, precisa-se revisitar a obra de Viehweg, que ainda continua

a influenciar juristas brasileiros. Sabe-se que a contribuição de Viehweg foi enorme, e, aqui,

não se desconsiderará seu mérito. Porém, é necessário analisar se sua leitura e interpretação

5
Jurisprudenz, em alemão, assim como Jurisprudence, em inglês, não significa jurisprudência tal como significa
em português, aquelas decisões estabilizadas, uniformes sobre determinado assunto, de um determinado tribunal
ou de todos os tribunais de um país. Jurisprudência, em seu sentido mais originário, embora continue guardando
esse sentido, significa Ciência do Direito, significa saber dos juristas.
6
Segundo Viehweg (2008, p. 18), ela é patrimônio da antiguidade, tendo sido trabalhada bem antes de
Aristóteles.
de Aristóteles se sustenta. Sabe-se, também, que o autor esteve limitado durante a sua

pesquisa, tendo apenas uma biblioteca escondida dentro de um claustro como sua fonte

principal, haja vista que ficou desempregado durante a guerra e precisou se refugiar fora de

Munique7.

4. Resultados Anteriores (para projetos consolidados com características de

continuidade)

Não se aplica. Todavia, as reflexões que originaram a ideia para a pesquisa são fruto

dos debates e cursos ministrados e coordenados pelo docente, pertencentes ao Grupo de

Pesquisa “Justiça e razão prática: Aristóteles, seus interlocutores e o mundo contemporâneo”:

http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/501138

5. Objetivos

Com base na introdução do tema e problema, assim como sua respectiva justificativa,

o objetivo é estudar, de forma aprofundada, a Tópica em Aristóteles, porquanto é dos

principais conceitos nesse estudo de Viehweg e neste trabalho. Pretende-se, com isso, no

âmbito formacional do bolsista, proporcioná-lo uma formação sólida não só da teoria, como,

igualmente, do saber prático, já que trabalhará conceitos de lógica e argumentação, tão úteis

para a prática jurídica, que lhe será útil em sua vida acadêmica e profissional.

No campo da pesquisa, esse estudo será essencial para verificar, na obra de Viehweg,

como o trabalho do pensador grego foi assimilado e interpretado, sem deixar de verter

críticas. Desta forma, pretende-se contribuir para o debate, sobretudo no Direito.

7
Viehweg ficou desempregado durante a guerra — era juiz —, quando os nazistas fizeram a limpeza étnica e
ideológica. Quando terminou a guerra, continuava desempregado, e no fim da guerra estava no interior, vivendo
em uma fazenda, com uma enxada na mão, fazendo o que podia fazer para comer, trabalhava como trabalhador
rural e encontrou uma biblioteca de um mosteiro, no interior da Alemanha, e começou a consultar. E, nesses
anos, sozinho, escreveu a tese de habilitação dele de livre-docência.
6. Métodos

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com as seguintes fontes, buscando sempre as

mais relevantes para o problema, seja nacional ou internacional, além dos originais dos

autores: livros e capítulos de comentadores dentro e fora do Direito, trabalhos acadêmicos e

artigos científicos em revistas de importante circulação, nacionais e estrangeiras.

Conjuntamente à etapa anterior, aplicar-se-á os métodos analítico e estrutural de

interpretação. No primeiro caso, será feita uma análise crítica e atenta dos conteúdos já

levantados e a serem levantados, com a devida observação daquilo que contribui com a

pesquisa. No segundo caso, esse “método corresponde a uma metodologia de exposição e

exegese de um discurso filosófico visando, sobretudo, a explicitação do tempo lógico do

texto” (RIBAS, 2019, n.p.).

7. Detalhamento das atividades a serem desenvolvidas pelo(s) bolsista(s)

Será necessário apenas um bolsista para o desenvolvimento deste projeto de pesquisa,

que deverá estar em contato com o orientador docente, mantendo o acompanhamento e

avanço da pesquisa. O aluno deverá ler as obras já levantadas, assim como as que serão

posteriormente, com auxílio do orientador, auferidas. Deverá, de mesmo modo, fichar as

partes essenciais dos textos, pois isto será útil para as redações parciais e final.

8. Resultados previstos e seus respectivos indicadores de avaliação

Independentemente de ter errado ou não em certos pontos de sua análise sobre a tópica

de Aristóteles, como apontam alguns de seus críticos, Viehweg foi um dos pioneiros a tratar

daquilo que se convencionou como tópica jurídica, e seus esforços são consideráveis. E nessa

edificação, a leitura que ele fez de Aristóteles foi uma das precípuas. Por isso, esperamos
que, conciliando principalmente esses dois autores, os resultados advindos desta pesquisa

possam contribuir para o entendimento do discurso argumentativo jurídico contemporâneo.

Além disso, prevê-se que resultados advindos desta pesquisa sejam transformados em

um artigo, a ser publicado, preferencialmente, em uma revista científica qualis,

preferencialmente A1-B1.

9. Cronograma de execução

Tarefas/Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Levantamento da bibliografia e sistematização

Análise dos conteúdos pertinentes ao projeto e


fichamentos

Redação do esboço

Redação final, revisão da


pesquisa e entrega do relatório

10. Outras informações que sejam relevantes para o processo de avaliação.

BIBLIOGRAFIA INICIAL:

a) Fontes primárias:

ARISTÓTELES. Refutações Sofísticas.

_____________. Retórica. Tradução e notas de M. Alexandre Jr., P. F. Alberto e A. N. Pena.

Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2005.

_____________. Tópicos.
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência: uma contribuição à investigação dos

fundamentos jurídico-científicos; trad da 5. ed alemã, de Profª Kelly Susane Alflen da Silva.

Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed. , 2008.

b) Fontes secundárias:

BERRÓN, M. El Método Em Poética 1-6 de Aristóteles. Dissertatio, v. 45, p. 209–233, 2017.

Bird, Otto. “The Tradition of the Logical Topics: Aristotle to Ockham.” Journal of the

History of Ideas, vol. 23, no. 3, 1962, pp. 307–323.

KREUZBAUER, Guenther. “Topics in Contemporary Legal Argumentation: Some Remarks

on the Topical Nature of Legal Argumentation in the Continental Law Tradition.” Informal

Logic 28 (2008): 71-85.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2. ed. Tradução de José Lameto. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

OWEN, Gwilym Ellis Lane (ed). Aristotle on Dialectic: the Topics. Proceedings of the Third

Symposium Aristotelicum. Oxford, 1963). Oxford: Clarendon Press 1968.

RIBAS, Jéssica Erd. O Método de Análise Estrutural de Textos Filosóficos em Jean Maugué,

Martial Guéroult e Victor Goldschmidt: considerações sobre a herança formativa uspiana.

Revista Gestão Universitária, 2019. Disponível em:

<http://www.gestaouniversitaria.com.br/artigos/o-metodo-de-analise-estrutural-de-textos-filos

oficos-em-jean-maugue-martial-gueroult-e-victor-goldschmidt-consideracoes-sobre-a-heranca

-formativa-uspiana>.

RUBINELLI, Sara. Ars Topica: the Classical Technique of Constructing Arguments from

Aristotle to Cicero. Springer, 2009.

SICHES, Luis Recasens. Nueva filosofía de la interpretación del derecho. Ciudad de México:

Editorial Porrua, 1980.


SMITH, Robin. “Aristotle on the Uses of Dialectic.” Synthese, vol. 96, no. 3, 1993, pp.

335–358.

SLOMKOWSKI, Paul. Aristotle’s Topics. Philosophia Antiqua, v. 74. Leiden; New York;

Köln: Brill, 1997.

SOBOLEVA, Anita. “Law as a System of Topoi: Sources of Arguments v. Sources of Law.”,

in New Rhetorics for Contemporary Legal Discourse, edited by Angela Condello,

Edinburgh University Press, Edinburgh, 2020, pp. 156–170.

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