Você está na página 1de 6

Universidade de Caxias do Sul (UCS)

Especialização em Literatura Infantil e Juvenil


Escrita de mulheres para jovens
Profª Drª Cristina Knapp

Juliana Gomes Gregolin

REPRESENTATIVIDADE FEMININA EM
HEROÍNAS NEGRAS BRASILEIRAS
EM 15 CORDÉIS

São Paulo - SP
Novembro de 2023
Às heroínas do presente, por acreditarem
num futuro possível.
Jarid Arraes

“Antes de chegar à idade adulta, nunca tinha ouvido falar de uma mulher
negra que tivesse feito algo de importante na História. Durante toda a minha vida
escolar e até mesmo nos conteúdos midiáticos de que me recordo, nunca me
falaram de mulheres negras que fizeram grandes coisas pela humanidade ou que
lutaram batalhas contra a escravidão do Brasil”. Este é o desabafo de Jarid Arraes,
escritora de 32 anos (29 na época do lançamento do livro) no início da orelha de seu
livro “15 heroínas negras brasileiras em cordéis”. Lembro-me de um grande
burburinho nas redes sociais sobre este livro quando foi lançado, sendo amplamente
elogiado por seu conteúdo. Assim, quando fomos desafiados a falar sobre um livro
escrito por uma mulher e que tivesse personagens femininas em seu enredo, este foi
o primeiro que me veio à cabeça, por considerá-lo potente e acessível ao público
juvenil.
Jarid é uma escritora, cordelista e poeta negra e nordestina. Em sua biografia,
carrega duas marcas que, infelizmente, são alvos de preconceito no Brasil: o ser
negro e toda sua carga histórica que se perpetua até os dias de hoje em forma de
preconceito ativo e desigualdade social, e, também, o ser nordestino, uma figura
que, principalmente nas regiões Sudeste e Sul, locais de migração deste povo em
busca de emprego, são ainda muito vistos com gozação ou com alcunhas
preconceituosas.
Em “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis”, Jarid faz uma reparação
histórica apresentando, em forma de cordel, 15 figuras negras femininas que foram
apagadas da história do Brasil. Apagadas por um ensino elitista e majoritariamente
branco. Além disso, sua raiz nordestina é também celebrada ao escolher o cordel
como meio de transmissão de sua obra. Jarid conta que o livro foi fruto de muita
pesquisa e estudo e, ao final dele, é possível ver as fontes de toda a bibliografia
consultada por ela. Como ela diz, também na orelha de seu livro, esses cordéis têm
“o papel de contar histórias que tentaram apagar, mas que sobrevivem, nos
representam e inspiram até hoje”. A autora se inclui naqueles que são inspirados
pela vida das mulheres representadas: ela, mulher negra, escrevendo sobre
mulheres negras que são símbolos de força e inteligência. Há aqui, uma relação
íntima e perceptível nos seus versos da escrevivência vivida pela autora em sua
criação. Escrevivência trazida à luz para nós por Conceição Evaristo, que explica
que a escrita conta muito da história de quem escreve e aborda, principalmente, o
contexto da mulher negra em uma sociedade marcada pelo preconceito.
No prefácio do livro, a professora e pesquisadora Jaqueline Gomes de Jesus
conta que o trabalho de Jarid imprime em seu trabalho a marca de sua identidade
própria, originalidade e de uma rica tradição, a partir da memória coletiva da família
originada no Cariri, Ceará. Para Jaqueline, “essa mulher negra se engajou para
versejar outras, relegadas ao silêncio, à invisibilidade. Corajosamente, Jarid decidiu
enfrentar o racismo e o machismo com prosa e verso”.
As mulheres negras escolhidas por Jarid para comporem os seus cordéis
foram: Antonieta de Barros, Aqualtune, Carolina Maria de Jesus, Dandara dos
Palmares, Esperança Garcia, Eva Maria do Bonsucesso, Laudelina de Campos,
Luísa Mahin, Maria Felipa, Maria Firmina dos Reis, Mariana Crioula, Na Agontimé,
Tereza de Benguela, Tia Ciata e Zacimba Gaba.
Agora, falando mais sobre o formato e conteúdo do livro em si, acredito que é
uma literatura potente para os jovens já em seu título: o herói, no caso aqui, a
heroína, é uma imagem presente no universo fantástico tão presente no mundo
infantojuvenil. Ao trazer, logo na capa, que o livro falará sobre heroínas negras e,
ainda por cima, brasileiras, pode sim atrair a atenção dos jovens, principalmente das
meninas, acredito eu, pelo uso do feminino em herói. Além disso, o livro possui uma
linguagem acessível: a leitura é fluida, ritmada, característica do cordel, o que pode
deixar a experiência ainda mais envolvente. Cada cordel também é acompanhado
por xilogravuras ou trechos destacados na página de ilustração.
Em todos os cordéis, Jarid destaca a força daquela personagem silenciada e
também sua relação com a história escrita. Colocarei, aqui, alguns exemplos:
Em “Antonieta de Barros”:
Conto aqui neste cordel
Uma história inspiradora
De uma preta muito forte
Que foi tão batalhadora
E com sua inteligência
Se mostrou norteadora.
Jarid realça as qualidades de Antonieta.

Pois não era só mulher


O que já era difícil
Era negra num passado
De racismo, de suplício (...)
Faz um retrato da sociedade na qual Antonieta vivia, dando um contexto
histórico.

E além de inspiradora
Pode muito desbravar
Foi abrindo os caminhos
Pra gente também passar.
Aqui, ela mostra identificação com a história que escreveu - ela se insere
nesse “a gente”.

Eu e todas as mulheres
Neste verso agradecemos
E esperamos que em frente
Sempre juntas caminhemos
Nesse, também, Jarid promove uma identificação e união entre as mulheres,
em vista de um passado e um futuro ainda cheio de desafios.
Em “Aqualtune”:
Foi vendida como escrava
Chamada reprodutora
Imagine o pesadelo
Que função mais redutora
Pois seria estuprada
De escravos genitora.
Jarid sempre mostra o contexto histórico de forma clara.

Eu só acho um absurdo
Porque nunca ouvi falar
Na escola ou na tevê
Nunca vi ninguém contar
Sobre a garra de Aqualtune
E o que pôde conquistar.
Mostra, de novo, sua relação íntima com aquilo que escreve. Era um absurdo
nunca ter ouvido nada sobre essas mulheres, nunca tê-las estudado na escola.

Mas eu tive que sozinha


As informações buscar (...)
Aqui, o trabalho solitário de resgatar a histórias dessas mulheres negras.
Vivemos em uma realidade ainda de muito apagamento.

Em “Carolina Maria de Jesus”:


E de novo catadora
Acabou no sofrimento
Só depois de sua morte
Teve o reconhecimento (...)
Jarid não romantiza nenhuma história. Ela tenta, pelo contrário, resgatar essas
histórias e a força dessas mulheres.
Por fim, em “Esperança Garcia”:

É por isso que Esperança


Na História se mantém
Porque teve essa coragem
E porque foi muito além
Não ficou só em silêncio
E mostrou que era alguém.

Por causa dessas mulheres


Hoje temos liberdade
É por isso que me orgulho
Da minha ancestralidade
Preservar é um prazer
E responsabilidade.
Jarid celebra o conhecimento e inspiração proporcionados por essas histórias
de vida, orgulhando-se e difundindo essa ancestralidade tão rica.

Poderia retirar trechos de todos os cordéis que traçam perfis de mulheres


negras e fortes, reais e resistentes, que inspiraram tanto a autora. É possível
acreditar na potência desse livro porque Jarid acredita e vive isso, como podemos
ver em sua escrita. É uma ótima porta de entrada para os jovens que lerem se
interessarem mais pela história das mulheres negras do Brasil. O próprio livro, após
cada cordel, traz um pequeno texto informativo sobre cada personagem. Este livro
pode, sim, também ser um símbolo de resistência e força para as jovens que o lerão,
como foi e é para Jarid.

Referências bibliográficas
ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis. São Paulo: Seguinte,
2020.
Sobre “escrevivência”:
https://blog.mackenzie.br/vestibular/materias-vestibular/conheca-conceicao-evaristo-
e-seu-conceito-de-escrevivencia/. Acesso em 09/11/2023.

Você também pode gostar