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IMAGEM-TEMPO DE DELEUZE EM “HOWL’S MOVING

CASTLE”
Bárbara Falcão
Lorrany Trindade

1. INTRODUÇÃO

Esta análise versa acerca da teoria da Imagem-Tempo de Gilles Deleuze com ênfase
em sua aplicabilidade no filme "Howl 's Moving Castle” do Studio Ghibli. Adentramos sobre
como o filme é uma excelente caracterização da teoria de Deleuze, criando um círculo
perfeito. Segundo Ricardo Nascimento Fabbrini, doutor em Filosofia pela USP e professor de
Estética do Departamento de Filosofia da USP, a Imagem-Tempo seria não somente uma
simples regressão do presente a um passado empírico, mas seria um tempo em estado puro, de
uma forma imutável no que muda.
Apesar de Deleuze não ter feito comentários suficientes acerca da animação em si,
segundo os autores Juan Carlos Torres-Lizarazo, Gustavo Adolfo Díaz-Contreras e David
Fernando Torres-Lizarazo do ensaio “O aparecimento dos signos do tempo na animação: uma
reconexão a partir da filosofia do cinema de Gilles Deleuze”, a animação é considerada não
somente como cinema, mas também permite uma completa verificação dos signos
especificados por Deleuze, a partir da teoria da semiótica, desde os sinais de primeiridade,
secundidade e terceiridade típicos do cinema de movimento aos complexos sinais do tempo.
Ao pesquisar mais sobre a teoria de Deleuze e reassistir ao filme, levantamos o
seguinte questionamento: “Seria Howl’s Moving Castle uma caracterização ideal da teoria de
imagem-tempo?”

2. DESENVOLVIMENTO
O filme de Miyazaki “Howl’s Moving Castle” trata da história da Sophie Hatter e do
Howl Pendragon, Sophie é uma simples garota com uma alma/coração velho que trabalhava
em uma chapelaria que herdou de seu pai. Howl é um bruxo que vive em um castelo andante e
os rumores que circulam as cidades é de que Howl não tem coração e ele seduz garotas
bonitas e inocentes para comer o coração delas.
Certo dia ao visitar sua irmã, ela se vê encurralada por dois homens em uma rua pouco
movimentada, logo depois Howl chega e diz “ Aí que você estava, me atrasei. Estava te
procurando.”. Ao voltar para a chapelaria, ela se depara com a Bruxa Das Terras Desoladas

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que joga uma maldição em Sophie, deixando-a com uma aparência de idosa, de início ela fica
um pouco perturbada, mas simplesmente aceita seu destino e fala que agora suas roupas se
encaixam com sua aparência. Ela segue viagem além de sua cidade e se depara com um
grande castelo andante com pés feito de tralhas, cansada de seu percurso, ela resolve entrar
para descansar e passar a noite. Descobre que quem move o castelo é um demônio do fogo
chamado Calcifer que está preso ao castelo por causa de um pacto que fez com o dono do
castelo: Howl.
Toda a trajetória de Sophie é fixa em quebrar o pacto entre Calcifer e Howl, o que gera
uma grande amizade entre eles. Tudo isso ocorre em meio a uma guerra a qual os líderes das
cidades que Howl faz serviços mágicos, querem que ele participem da guerra, como tem dois
nomes ele é requerido por reinos diferentes, mas ele foge das propostas pois não quer guerra e
não entende o motivo dela, então ele só destrói aviões sem olhar a quem. Em meio a tudo
isso, Sophie está correndo contra o tempo para achar alguma solução para salvar Howl e
Calcifer quebrando o pacto entre eles, é quando Sophie é levada ao passado por um anel que
foi dado a ela por Howl. Lá, ela vê Howl quando era mais novo, pegando uma estrela cadente
e a engolindo, mas esse tipo de pacto requer um preço e no caso dele, foi seu coração, o qual
era guardado por Calcifer. Por falta de tempo no passado Sophie grita, enquanto cai para
retornar ao presente, para que Howl procure por ela no futuro, que ela saberá como lhe ajudar.
Ao final, Sophie restaura o coração de Howl, o qual estranha um repentino peso em seu
peito, e Calcifer fica livre do pacto, mas decide continuar a viver com eles no Castelo.
De acordo com os autores Juan Carlos Torres-Lizarazo, Gustavo Adolfo Díaz-Contreras
e David Fernando Torres-Lizarazo, as animações permitem uma completa verificação dos
sinais especificados por Deleuze, desde os signos de primeiridade, secundidade e terceiridade
típicos do cinema de movimento aos complexos signos do tempo. Esses signos são explicados
por Deleuze em seu livro Cinema 2: A Imagem-Tempo (1985), o qual seu conceito da
semiótica foi criado por Charles Sanders Peirce:

Peirce parte da imagem, do fenômeno ou daquilo que aparece. A imagem lhe parece
ser de três tipos, não mais: a primeiridade (algo que só remete a si mesmo, qualidade
ou potência, pura possibilidade; por exemplo, o vermelho que encontramos idêntico a
si mesmo na proposição *'você vestiu o vestido vermelho" ou "'você está de
vermelho"*); a secundidade (algo que remete a si apenas através de outra coisa, a
existência, a ação-reação, o esforço-resistência); a terceiridade (algo que só remete a si
relacionando uma coisa a outra coisa, a relação, a lei, o necessário). Notamos que os
três tipos de imagem não são apenas ordinais, primeiro, segundo, terceiro, mas

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cardinais: há dois na segunda, de modo que há uma primeiridade na secundidade e há
três na terceira.

A princípio, na teoria da imagem-tempo de Deleuze, o autor aborda que


imagem-tempo é uma ruptura da lógica em que as aparições óticas e sonoras não se
transformam em ações. Em Deleuze (1985) ele cita que:

Tudo é ordinário e regular. Tudo é cotidiano! Ela se contenta em reatar o que o


homem rompeu, reergue o que o homem vê quebrado. E, quando um personagem sai
um instante de um conflito familiar ou um velório para contemplar uma montanha
coberta de neve, é como se ela procurasse refazer a ordem das séries perturbadas em
casa, mas restituídas por uma natureza imutável e regular.

Ou seja, os momentos param de ter objetivos, que consequentemente culminam em


ações, para apenas contemplação do ser sobre o ordinário, em “Howl’s Moving Castle”, a
personagem constantemente tem esses “momentos de respiro” os quais nada acontece, onde a
Sophie apenas senta no gramado para contemplar as montanhas e a paisagem como um todo,
comer um pão e queijo. Essas cenas que não tem nada de absurdamente anormal ou
problemático, são de extrema importância para fundamentar o espectador na realidade do
mundo virtual ao qual o personagem está inserido. É um elemento estilístico bastante usado
por Miyazaki em seus filmes, sendo utilizado previamente também em “Spirited Away”.
Partindo desse conceito, a Zoe Crombie, pesquisadora em estudos de cinema e anime na
Universidade de Lancaster no Reino Unido, fala em um de seus estudos (O espetacular
mundano nos filmes do Studio Ghibli, 2021) sobre a estrutura narrativa e que “por si só
reforça o privilégio do mundano concedido a muitas produções do Ghibli, permitindo que os
momentos simples e discretos que compuseram a vida de uma jovem constituam toda a
duração de um filme”.
Dentro do conceito da imagem-tempo, há a imagem-cristal, que consiste em uma
relação entre o virtual e o atual. O virtual consiste na convivência das lembranças coexistentes
da memória, já a atualidade se refere como instantes que são desenvolvidos em uma sucessão
linear (ordem cronológica). Na imagem-tempo, o passado é contemporâneo do presente, pois,
segundo Deleuze (1988), “ todo passado coexiste como novo presente em relação ao qual ele
agora é passado”. Seguindo este parâmetro, a imagem-cristal seria nada mais que uma
imagem visível que possui uma imagem invisível, sendo correspondida como um duplo
reflexo: cristalizadas uma na outra. Dentro desta teoria, não há a expectativa sensório-motora,
esperada pela imagem-movimento, essa imagem não gera uma previsibilidade com relação ao
plano seguinte, tornando a nova cena completamente imprevisível para o mero espectador.

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Partindo desse princípio, a história do filme se encaixa perfeitamente nessa teoria, onde
o passado, presente e futuro são interligados. Quando a Sophie volta no passado e grita para o
pequeno Howl encontrá-la e o Howl do suposto futuro (que é passado do presente) fala
“Estava te procurando” coloca ainda mais em evidência o sentido do filme ser um “círculo
perfeito”, no qual o início se interliga com o final e em cenas que só fazem sentido depois de
ver o todo. Dessa forma:
“O passado coexiste com o presente que ele foi; o passado se conserva em si, como o
passado em geral (não-cronológico); o tempo se desdobra a cada instante em presente e
passado, presente que passa e passado que se conserva” (DELEUZE, 2007, p. 103)
Outra forma de aplicabilidade da imagem-tempo é na própria Sophie, que por causa da
maldição ela fica com aparência velha mas continua a mesma Sophie, em certos momentos
específicos ela rejuvenesce até voltar a idade real dela e novamente volta a ser velha em
questão de segundos, esse vai e vem coincide com a personalidade e sentimentos da
personagem que variam durante o filme. No início do filme ela dá a entender que acredita ter
uma alma velha, então nos leva a acreditar que a maldição representou a aparência de sua
alma e ao conhecer Howl se deixar ser amada por ele e se divertir a aparência dela volta ao
normal, mas no momento em que ela afirma que é feia e sem graça, ela volta a ter a aparência
idosa. Ao final do filme podemos perceber que ela volta a sua aparência jovem, mas seu
cabelo continua cinza, segundo Howl “da cor das estrelas”, nos levando a crer que ela nunca
quebrou a maldição propriamente e sim mudou seu jeito de olhar para o mundo e para si
mesma.

3. CONCLUSÃO

Em suma, a teoria de imagem-tempo de Gilles Deleuze aborda a relação passado,


presente e futuro, que no filme de Miyazaki a narrativa é feita a partir de uma antecipação de
fatores que apesar de qualquer coisa chegam ao mesmo lugar, ou seja, um “círculo-perfeito”.
O filme se encaixa perfeitamente na caracterização tanto da imagem-tempo e imagem-cristal
de Deleuze, quanto na teoria da semiótica de Peirce. Assim como a aparência da personagem
principal também incorpora a ação do tempo como um fator vivo e imutável, mudando-a
externamente mas não internamente, no que a faz ser ela.
Apesar de Miyazaki não ter comentado nada a respeito dessas teorias, o preciosismo no
filme é claro, nada é feito por acaso. Os momentos de “respiro” seguem na estrutura narrativa
de uma forma bela e cativante. O que nos leva a concluir que o filme “Howl’s Moving Castle”

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é um prato cheio das teorias cinematográficas, principalmente na animação, sendo construído
em favor da Imagem-Tempo e Imagem-Cristal.

4. REFERÊNCIAS

A Imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007 – (Cinema 2)

HOWL 'S Moving Castle. Direção: Hayao Miyazaki, 2004. DVD.

RANCIÈRE, Jacques. De uma imagem à outra? Deleuze e as eras do cinema. La fable


cinématographique, [s. l.], 2001. Disponível em:
http://www.rogerioa.com/resources/Fundamentos-textos/6.2.Fil2.pdf. Acesso em: 9 jun. 2022

TORRES-LIZARAZO, Juan Carlos; DÍAZ-CONTRERAS, Gustavo Adolfo;


TORRES-LIZARAZO, David Fernando. La aparición de los signos del tiempo en la
animación: una renexión desde la filosofía del cine de Gilles Deleuze. Gale OneFile:
Informe Académico, [s. l.], 2017. Disponível em:
https://go.gale.com/ps/i.do?id=GALE%7CA596404042&sid=googleScholar&v=2.1&it=r&lin
kaccess=abs&issn=20110472&p=IFME nsw=&user GroupName=nysl_me_jfkens. Acesso
em: 8 jun. 2022.

FABBRINI, Ricardo Nascimento. O cinema e o clichê em Gilles Deleuze. In: O cinema e o


clichê em Gilles Deleuze. [S. l.], 2 jul. 2019. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/o-cinema-e-o-cliche-em-gilles-geleuze/. Acesso em: 8 jun.
2022.

CROMBIE, Zoe. The Spectacular Mundane in the Films of Studio Ghibli. Journal of
Anime and Manga Studies, [s. l.], v. 2, p. 1-26, 2021. Disponível em:
https://iopn.library.illinois.edu/journals/jams/article/view/507. Acesso em: 8 jun. 2022.

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