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R E S E N H A DESCRITIVA:

SILVA, Flávio Silvério.

Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Vol. V. São Paulo, Ed. 34. 1997.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix.
Stalker.
Direção de Andrei Tarkovski. Roteiro: Andrei Tarkovski, Boris Strugatsky, Arkady
Strugatsky. Estônia: Mosfilm, 1979. (163 min.), son., color. Legendado.

O presente texto procura realizar uma aproximação das subjetividades


presentes no filme “Stalker” (1979), que tem a direção de Andrei Tarkovski, com
as proposições colocados por Gilles Deleuze e Félix Guattari, no capítulo1 do
livro Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia (1997).

A produção cinematográfica “Stalker “, nos coloca indagações profundas


sobre as relações humanas, a partir da análise de vários contentamentos e
frustrações revelados através dos personagens. As incertezas e avocações
referentes à sociedade, se mostram de forma suavemente subjetivas, mas
contundentes, por meio das imagens repletas de significância que a obra
apresenta.

A narrativa discorre sobre a saga de um guia, chamado de “Stalker”, que


é contratado para nortear um escritor e um pesquisador no caminho que leva à
uma área conhecida como “Zona”. O local, carregado de mistérios, sedia uma
sala responsável por conduzir a estigma de realizar os desejos daqueles que
entram nela. A Zona é um lugar considerado de propriedades peculiares que,
hipoteticamente, após a queda de um meteorito, se tornou resguardado por
vigias, na tentativa de inibir o livre acesso ao local.

De antemão, é de relevância ressaltar a fotografia da obra. A poetização


da imagem cinematográfica, muito bem trazida no filme pela simbolização de
duas ambiências diferentes, promove reflexões filosóficas sobre quanto a
natureza das imagens promovem uma relação de desagrado e prazer dos
personagens com o meio. A Zona torna-se um espaço de manifestação poética,
que dá vazão às vaidades de cada personagem.
Em aproximação com a produção de Deleuze e Guattari, Mil Platôs:
capitalismo e esquizofrenia (1997), podemos fazer uma análise das questões
subjetivas expressas no filme Stalker. No capítulo que inicia a obra, de título
Rizomas, os filósofos franceses usam dos conceitos da botânica para uma
análise das relações, com base em 6 princípios que têm como ponto de partida
a associação das estruturas sociais com um rizoma.

Os 1º e 2º princípios, abordados no capítulo em questão, falam,


respectivamente, da conexão e heterogeneidade, onde, segundo os autores,
qualquer parte do rizoma pode ser conectado a outro ponto, mesmo que estes
apresentem características diferentes. No filme, é possível perceber a
aproximação com tal proposição, ao observar uma pertinente demanda da
jornada, representada pelo relacionamento de três sujeitos com visões de mundo
distintas. A análise dessa relação se torna ainda mais provável, dentro dos
princípios de Deleuze e Guattari, ao constatarmos que, mesmo possuindo perfis
diferentes, os três personagens ainda assim se conectam em busca de encontrar
respostas para suas inquietações e seus vazios.

O 3º princípio, da multiplicidade, nos traz que os rizomas não têm relação


com o objeto e mudam de natureza sempre que necessário. Para os autores, a
multiplicidade não constitui sujeito e muito menos objeto, mas apenas
determinações, grandezas e dimensões, "que não podem crescer sem que se
mude de natureza" (DELEUZE e GUATTARI, 1997). No filme, os personagens
rompem uma lógica de aprisionamento, em busca de valores próprios,
transpondo as exigências de isolamento do local por parte das autoridades da
cidade onde a trama se passa. O Stalker, junto à figura do Professor e do
Escritor, luta para ultrapassar as barreiras impostas por um sistema totalitário
que dita as regras, mostrando assim uma multiplicidade, como colocada por
Deleuze e Guattari, ao se aproximarem da busca de mudança.

O 4º princípio, colocado pelos filósofos, fala sobre a ruptura a-signficante.


Os autores citam que um rizoma pode ser rompido e quebrado em qualquer
lugar. Para Deleuze e Guattari (1997), a cada ocorrência de ruptura, no rizoma,
as linhas segmentares explodem numa linha de fuga. Eles sugerem o nômade
como um sujeito “desterritorializado”, mas não no sentido de não possuir uma
residência, e sim dentro de uma definição que nos leva a ver o indivíduo como
aquele sem um território fixo, sendo assim capaz de transitar. É dentro dessa
concepção que o ser adquire um valor de “reterritorialização”, ou seja, quando o
mesmo encontra o seu verdadeiro território. Uma das primeiras ações do Stalker
ao entrar na Zona é deitar-se no chão, sentindo os elementos daquele local e
contemplando a sensação de liberdade, de integração e reencontro com o lugar.
No sentido dado por Deleuze e Guattari (1997), refletimos uma espécie de
“nomadismo” do Stalker, retratado pelo filme através da “territorialização”,
“desterritorialização” e “reterritorialização” desse personagem, pela nítida
relação do mesmo com os meios significadores, hora mostrando a liberdade e
hora um certo aprisionamento, como acontece no início do filme.

Os 5º e 6º princípios, tratam respectivamente da cartografia e da


decalcomania. Para Deleuze e Guattari (1997), o rizoma é mapa, e não
decalque. "A orquídea não reproduz o decalque da vespa, ela compõe um mapa
com a vespa no seio de um rizoma" (DELEUZE e GUATARRI, 2004, p. 22). O
mapa é aberto e desmontável, pode ser conectado em qualquer uma de suas
partes ou dimensões, é reversível e suscetível de receber montagens de
qualquer natureza. “O mapa tem entradas múltiplas, contrário ao decalque, que
volta sempre ao mesmo”. (DELEUZE e GUATARRI, 2004, p. 22). Como já dito,
o filme de Tarkovski tem muito a dizer, principalmente a respeito das relações
entre os sujeitos e seus ambientes. Dentro dos últimos princípios analisados, o
que procuramos ressaltar está exatamente ligado a essas relações. Nossa
percepção está em como tais relações são, em determinados momentos,
revigoradas. Isso, pelo objetivo de construção de outras práticas de vida que
consigam contribuir para o aprimoramento das reflexões críticas a respeito das
aspirações de cada um.

A obra Stalker, nos traz grandes reflexões. O filme, investigado e


analisado com o auxílio das concepções compartilhadas por Deleuze e Guattari,
nos permite fazer interpretações de vários conteúdos, por meio dos aspectos
mais sensíveis dos acontecimentos e indo além das ideias e conceitos que,
inicialmente, poderiam parecer óbvios.
Referências:

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia. Vol. V.
São Paulo, Ed. 34. 1997.

STALKER. Direção de Andrei Tarkovski. Roteiro: Andrei Tarkovski, Boris Strugatsky,


Arkady Strugatsky. Estônia: Mosfilm, 1979. (163 min.), son., color. Legendado.

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