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Na segunda parte do filme, quando Carol chega a Wrenwood, Peter faz um discurso
inicial do ideal do retiro: a intenção de criar um lugar seguro, de acolhimento e de
amor. É somente nesse momento que a vemos retratada próxima fisicamente de
outras pessoas, buscando um contato, mesmo que superficial, com outros
moradores do retiro. Em contraponto, a ideologia imposta estabelece um controle
total sobre os locais internos e externos.
A câmera, nesse momento, se aproxima mais de Carol, se preocupando com suas
expressões e reações a partir dos diálogos, reuniões e conversas, contudo, continua
propondo enquadramentos mais amplos. Enquanto personagem e protagonista, o
silêncio é um marcador central da sua postura, reafirmando seu isolamento do
mundo.
Na cena final, observamos a consolidação do isolamento de Carol, no iglu,
renegando o ambiente e as relações externas em busca da auto aceitação por meio
da “ideologia positiva” divulgada pelo retiro. O espaço, ao longo da trama, se
restringe. A protagonista vai do máximo (sua casa e as diversas relações
interpessoais) ao mínimo (sozinha, em um dormitório pequeno), rejeitando o “mundo
externo doente” em troca de um suposto processo de “consciencialização”. A
doença parece operar num processo repetitivo, tolhendo sua autonomia física e de
pensamento. A escolha asséptica é o seu fim.
Em Melancholia, filme de 2011, o fim do mundo é iminente. Justine, diretora de arte,
acabou de se casar e se divorciar em menos de 24 horas. Claire, preocupada com o
quadro depressivo apresentado pela irmã, assume os cuidados da casa, filho,
marido e agora, de Justine, até o impacto do planeta - homônimo à obra - com a
Terra.
A câmera de Lars von Trier parece ter uma dinâmica próxima da protagonista,
retratando-a em quadros próximos, em close-ups, acompanhando-a e importando-se
com suas preocupações e desejos. Na parte I, o espaço parece enclausurante e os
movimentos “tremidos” de câmera são cruciais para essa sensação, uma busca
incessante ao longo do filme inteiro como espécie de incerteza de “qual” espaço
retratar, se aproximando a uma indefinição do espaço psicológico da protagonista.
Durante a noite do casamento, Justine se encontra rodeada de outras pessoas,
mesmo que, internamente, se entenda solitária.
A passagem de tempo é desenvolvida a partir da perspectiva de Justine, se
apresentando confusa ao telespectador. É através da lente dela que vemos as
relações se desenrolarem, de forma superficial, sem afeto e um tanto melancólicas.
Os amplos retratos espaciais, nesse sentido, servem para relembrar da pequena
escala em que nos localizamos quanto ao desconhecido, nisso, podemos imputar
uma justificativa para a percepção apática da família nuclear representada e as suas
relações plastificadas.
Na parte II, centralizada em Claire, as cores passam de claras e quentes para
escuro e pálido. Nesse momento, o filme retrata uma cronologia menos espaçada e
entendemos algumas pontas soltas: o planeta Melancholia se aproxima da Terra,
causando um clima de instabilidade e medo na família. O núcleo, a partir desse
momento, não possuiu qualquer outro contato humano e nem com nenhuma casa ao
redor, se isolando em um único local: a mansão. Nessa parte, o cenário é pouco
explorado, a câmera se preocupa com emoções e reações das irmãs, colocando-as
em plano de destaque. O espaço, aqui delimitado como a Terra, não é passível de
controle, mesmo que o local aparente estar.
Na cena final, temos mais uma consolidação do máximo ao mínimo: o fim, para essa
família instável física e psicologicamente, é na cabana imaginada. O espaço externo,
magnânimo e deformado pela percepção psicológica, transborda para o físico. O
lugar, cada vez mais restritivo, coloca a relação das irmãs como complementares a
partir das dinâmicas de apatia e desespero.
No último filme, aqui analisado, vemos em destaque os labirintos mentais e físicos.
Em The Shining (1980) de Stanley Kubrick, Jack é contratado como zelador do hotel
Overlook durante as férias de inverno. Sua mulher e filho acompanham-no.
O filme se inicia claro, com tons quentes, vivos e amplos enquadramentos, além de
cenários detalhados. Porém, ao deixarem a cidade para trás e se isolarem em um
local labiríntico, aos poucos, Jack vai enlouquecendo, gerando um transbordamento
nos enquadramentos. Kubrick transpõe o enclausuramento para os ângulos e
espaços apertados, especialmente nos corredores, além de ambientes mais
escuros.
O hotel Overlook, com uma estrutura magnânima, é o local central do desenrolar dos
fatos que levam Jack a tentativa de assassinar sua família, repetindo “a profecia” do
zelador anterior. Além da câmera que valoriza o movimento em cenas importantes
através de close-ups, buscando o olhar indireto das personagens, o teto quase
sempre está presente, limitando os ambientes que os Torrance circulam, mesmo que
saibamos serem amplos.
Um dos ambientes centrais para compreensão das estruturas narrativas da obra é o
labirinto, localizado na área externa do hotel. Através dele propomos um
espelhamento tanto para a área interna, quanto para o psicológico de Jack. A
câmera nos guia pelos corredores - do Overlook ou do labirinto - de formas
inebriantes, confusas e perdidas, marcadas por linhas horizontais que propõem o
lento distanciamento da família em cena. O diretor, ao escolher os ângulos,
enquadramentos e ritmos, cria uma tensão constante a partir da instabilidade do
ambiente.
O ponto central nas três tramas é desenhado pelo isolamento, delimitando os
lugares em que as personagens centrais se encontram a partir de suas psiques
deturpadas. Ao voltarmos para os três filmes aqui analisados encontramos três
obras localizadas em tempos distintos e com temáticas diferentes, contudo, vemos
três espaços cinematográficos limitados por câmeras fechadas, arquiteturas
grandiosas mas, ao mesmo tempo, enclausurantes e psiques delirantes.
REFERÊNCIAS
FREITAS, Marcello Raimundo Barbosa de. Panoptismo no cinema: a construção
do espaço através do olhar. 2008. PUC-RIO. Rio de Janeiro, 2008. Cap. 3.
MELANCHOLIA. Direção: Lars von Trier. Dinamarca, 2011, 136m.
SAFE. Direção: Todd Haynes. Estados Unidos, 1995, 119m.
THE SHINING. Direção: Stanley Kubrick. Inglaterra, 1980, 146m.
ZAN, Vitor. Espaço, lugar e território no cinema. Galáxia, São Paulo, v. 47, p. 1-23,
2022.