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Sumário

Prefácio

Resgate Introdutório

Ndaji (linhagem)

Nzó MutalesiKongo

Desenvolvimento do Mukongo por Tata Dya Nkisi Mukalesimbi

Continuidade Infinita

Glossário

imagens

referências bibliográficas
Prefácio

A ancestralidade é a memória coletiva passando de geração em geração.


O fluxo contínuo da existência, o ngunzo, num movimento circular, ir-
radiando os seres viventes em desdobramentos vitais e contínuos. A
raiz da palavra é a memória, reverberando de geração a geração, os sig-
nos sagrados.

Este livro é um exemplo profícuo da prática cotidiana de alimentar a


memória, o Mutuê, de forma cíclica e verossímil, fundamento que demarca
o alinhamento das existências suscitadas no tempo presente, projetando
futuros possíveis, através de Kitembo, Rei de Angola. O Ngunzo, através
da experiência transatlântico, moldando significados e significantes
na energia primordial dos primeiros povos africanos que fundaram a era
da diáspora africana no Brasil, reverberando a memória ontológica ances-
tral, em sua filosofia de vida.

O Ka Nzo Ndombe, materializado na CASA dos Negros, nas Américas, é o


Corpo território, que nos revive a partir das reminiscências dos povos
kongo-Angola, que pisaram primeiro em território pindoramico. Nossos an-
cestrais, precursores do Ubuntu, formam a base cosmogônica, filosófica e
ontológica das práticas africanas no Brasil.

Sendo com o todo, de forma contínua, o UbuNtu, enquanto fundamento es-


tratégico basilar da egrégora africana bantu e também, sendo casa de re-
cepção para os povos Yoruba, Dahome (Jeji), Egba, agregando as tradições
dos povos originários desta terra, tupiniquins, tupinambás, guaranis
e muitos outros, que encontraram no candomblé, o escape para continuar
existindo enquanto nações, povos, amparados no Nzo, Corpo familiar,
que se tornou abrigo necessário, para materializar o ciclo da continui-
dade infinita.

Fundamento do Kilombo, num movimento cíclico de partilhar a vida. Vi-


vificando a sabedoria ancestral, a palavra é o caule se transformando em
folha e sem folha não há axé. E sem Ngunzo não há memória.

Este livro é a escrevivência da memória da ancestralidade familiar do


Mukongo, Nzó MutalesiKongo. Território ancestral sagrado, materializado
na Cidade de São Francisco do Conde, na Bahia. Por lá passei, seguin-
do os passos de Marcus Garvey, atravessando as eras, conduzida por
Nzila, até a porta do retorno material de minha África.

O quilombismo de Beatriz do Nascimento, o pan africanismo Revolucionário


de Lumumba, a filosofia africana de Fu-Kiau, saindo do campo imaginati-
vo, para se tornaram reflexos da prática de vida no Nzó Mutalesikongo,
que abriu as portas para a comunidade da Cidade e também para a Univer-
sidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira, se fa-
zendo extensão de nossa própria casa.

Recepcionados por kitembo, Nkise, Rei de Angola, Acolhidos pelo cabo-


clo Sete Serras, através dos relatos contidos neste volume, reconecta-
mos a chave dos portais de nosso próprio tempo ancestral, reconhecendo
a memória das nações que habitam nosso mutuê, nos reconhecendo também,
kongo Angola na diáspora da Bahia.

Este livro representa um Portal da Memória do Mukongo, por onde podere-


mos viajar através das palavras que brilham feito o relâmpago de Nza-
zi Luango. MACAULAY Pereira é certeiro e objetivo, e com a proteção e a
fartura de Kabila, dos caboclos da terra e de mutakalambo, percorre uma
viagem ontológica, no entrelace da narrativa história, nos meandros da
memória coletiva e na concretização de sua própria reverberação de fé.

Mukuiu e a bênção ao Pai Alex, Tateto Mukalesimbi, por ser o zelador e


conselheiro, que nos permite partilhar da memória,vivenciada por gera-
ções de sua família. Mukuiu a meu irmão Makau, Lungu Azami, por nos pre-
sentear com suas palavras, e seu ngunzo, portal do pertencimento, até a
Casa dos Negros, transcrevendo a si e o todo, materializando a verdadei-
ra existência do Ubuntu.

Cátia Regina - Poeta da Ancestralidade.


Resgate Introdutório

A definição de religião é oriunda da palavra “religare” do latim, que


significa religar. No Brasil, devido a história da colonização lusitana,
incorporamos esta definição “religar ao sagrado” quando pensamos sobre
religiões. Este entendimento parte da premissa de que nós seres humanos
somos pecadores e por isso somos e estamos desconectados com Deus, en-
tão, a partir da religião nós podemos buscar uma ligação mais íntima com
o sagrado. Nosso objetivo não é discutir se essa compreensão é ou não
equivocada pois ela tem serventia para muitas pessoas. Entretanto, pre-
cisamos afirmar que nas cosmogonias africanas essa definição de religião
não faz muito sentido. Por que? Porque nós africanos e descendentes de
africanos nunca nos desligamos do sagrado, em outras palavras, a dimen-
são espiritual permeia todas as coisas, sejam elas humanas, naturais,
animais ou vegetais.

Para nós, a vida de maneira geral precisa ser ritualizada, encantada e


louvada, logo o sagrado é o nosso dia a dia. Uma borboleta pode pousar
no teu ombro para lhe trazer um aviso importante. O vento que vem de
longe chega no exato momento que você precisa ser acariciado por ele.
A água pode limpar a poeira de um vaso e com a mesma leveza purificar a
alma das dificuldades diárias que enfrentamos. Nós fincamos o pé no chão
tal como raízes das árvores para sentir a energia vital, o ngunzo que
emana e alicerça uma união que sustenta nossa crença da inseparabilidade
entre nós, os Minkisi e Deus. Fincamos em si, nsi, uma conexão que nada
tem a ver com nosso eu, nosso alter-ego, pelo contrário, consiste em
nosso eu-coletivo. O provérbio Bantu que diz “sou porque nós somos” não
é uma mera frase de efeito, trata-se de nossa fé, nossa ontologia, nosso
jeito Angola-Kongo de ser no mundo. E como ensina o honorável Tata Kim-
bwandende Kia Bunseki Fu­
Kiau: “ser-sendo”. Somos-sendo milhares e mile-
nares, pois a vida não acaba quando o corpo carnal esmorece, a vida con-
tinua através do legado de bem viver e respeito que deixamos para nossos
descendentes. No mesmo sentido, somos frutos da incansável resistência
de nossos ancestrais na preservação de nossa cultura a despeito de todas
as armadilhas, como nos ensina Abdias Nascimento, da persistente perse-
guição e aniquilação de nossos corpos e filosofias que o racismo brasi-
leiro tentou e tenta nos impor.

Em kimbundo, Kilombo significa literalmente União. Em nosso DNA ances-


tral corre a força da união, da resiliência e da harmonia, quando ento-
amos cânticos para louvar o sagrado, cantamos e dançamos em sincronia
com as forças da natureza, cada gota de suor que evapora de nossos cor-
pos no comprometimento com nossa cultura é devolvida para nós em cora-
gem, esperança, prosperidade espiritual e paz. Mais até do que união,
Kilombo significa Fortaleza. a intelectual afro-brasileira Maria Beatriz
Nascimento ensina que em nossa história os Kilombos sempre interagiram
com a sociedade global, desenvolvemos a partir de nossa cosmovisão redes
de resistência à escravidão, efetivamos estratégias de comércio, trocas
culturais e sociais mesmo estando em constante estado de sítio, rodea-
dos por um Estado que devasta nossas línguas, práticas espirituais, nos-
sa cultura, um Estado que se edifica com o sangue e suor de nossa gente.
Aprendemos a desenvolver possibilidades, como ensina a mais velha Bea-
triz, em dias de destruição.
Nossa prática comunitária é a favor da paz. Paz verdadeira, que não se
cala diante de forças contrárias. Nossa paz não é e tampouco pode igno-
rar a guerra contra nós, povos africanos, que historicamente o Estado
brasileiro promove. A paz de Lembá Ngana é uma paz engajada com nossa
continuidade. Traz a solidariedade entre nós e cega vagarosamente as in-
tenções de nossos inimigos. E Tempo é nosso Rei, seus bons ventos sempre
estarão a nosso favor porque, mais uma vez, somos uma continuidade que
não se finda.

Nossa bandeira é o equilíbrio entre as relações humanas e as forças da


natureza. Entre os vivos e mortos, entre os mais velhos e os mais novos.
Makota Valdina (Makota Zimewanga) ensina que “uma nengua só é nengua
quando ela sempre continua sendo muzenza. Um adulto tem que ser adul-
to sempre sabendo ser criança”, por isso não temos qualquer pretensão
de impor o que nós somos para quem quer que seja, na sensatez de Mame-
tu Nvunji , optamos por sermos a favor da enorme diversidade humana. A
Terra, Kavungu, tem uma grandeza imensurável onde cabem todas as for-
mas de estar e ser respeitosas. Aquelas que não cultivam o respeito pelo
próximo, mais hora ou menos hora serão engolidas pela braveza do leão
azul das montanhas, Nkosi Mukumbe e não serão perdoadas pela justiça dos
raios, justiça de Soba Nzazi. Ainda assim, com todos os paradoxos, aco-
lhemos até aqueles que não entenderam que o que temos para oferecer é a
proposta de um mundo melhor.

Dito tudo isso, nossa proposta não é religar. Nunca nos desvencilhamos
do sagrado, de Deus, Nzambi Apongo. Nossa proposta é resgate, resgate da
história de uma linhagem de uma família de Matriz Africana que está hoje
assentada no Nzó MutalesiKongo, ou melhor, a Associação Cultural e Re-
ligiosa Mukongo. Este livro reúne relatos sobre a história do Mukongo,
desde de sua linhagem passada por nós por Nenguá Tawamim de Gongobila ,
Nilzete Francisca dos Santos até os dias atuais os quais Tateto Mukale-
simbi, Alexandre Paulilo, zela pela preservação de nosso Nzó. Não é pos-
sível no escopo de um livro relatar tudo que construímos ao longo de 16
anos em São Francisco do Conde, entretanto, nosso esforço é para promo-
ver um diálogo de resgate e fortalecimento do que nós somos e do legado
ancestral que guardamos.

Diante deste cenário de profundo racismo religioso, de ódio à pele preta


e toda a cultura africana no Brasil. nós não nos renderemos e exercere-
mos a função de falarmos sobre nós mesmos. O verbo e os caminhos dessa
escrita já foram abençoados por Ngana Pambu-a-Nzila, o senhor de todos
os caminhos.

Eu, Kambono Lungu Azami, um filho feliz de Tateto Luango, escrevo essas
palavras com inesgotável felicidade. Escrevo daqui, do Mukongo, protegi-
do por Tateto Kabila patrono que rege o ngunzo deste lugar, Grande Pas-
tor que nos concede prosperidade. D’junto de Tateto Gongobila e Agé de
Beno Beno, patronos de nossa linhagem, energias da fartura da pesca e do
poder de todas as Nsabas. Além de Katisaba 7 Serras, senhor originário
dessa terra e protetor de todos nós.
Mukongo significa caçador.
Sinto-me caçador.
Sinto-me assim porque faço das palavras as flechas em
mira das histórias e dos sentimentos da experiência de
construção do Nzó MutalesiKongo.
Através desse livro, reúno o que é me ensinado enquanto
legado manifestado no agora.
Sem mais delongas, aproveitem a sacralidade das
palavras que neste livro confiamos.

Ngunzo!
Ndanji (Linhagem)

Ndanji em nosso linguajar cotidiano significa “linhagem”, este capítu-


lo vamos passar brevemente sobre a trajetória de nossa raiz familiar a
partir dos sacerdotes e sacerdotisas até a regência de Tata Mukalesimbi
no Nzó MutalesiKongo. Como já mencionado, somos uma comunidade afro-re-
ligiosa de matriz Angola-Kongo, nossa linhagem é de raiz Tumba Junsara.
O legado ancestral do Mukongo é resultado de uma continuidade de mais de
um século de resistência cultural.

Mediante a um contexto de desterritorialização de populações africanas


devido a escravização no Brasil pensar sobre família de axé é refletir
sobre a reconstituição de laços ancestrais de afrodescendentes através
do nosso modo de ser, viver, cultuar e estar. Passamos por um processo
sofisticado de aniquilação cultural que se inicia a partir dos primeiros
momentos da migração forçada que nos é imposta.

Abdias do Nascimento relata, em “O Genocídio do Negro Brasileiro”, que a


primeira ação dos colonizadores portugueses é tencionar nas mentes afri-
canas o esquecimento total de onde nós viemos, o que nós somos e o que
civilizicionalmente carregamos conosco como nossa conexão espiritual com
os nossos ancestrais, com as forças da natureza, com os Minkisi, além de
todo um complexo saber representado pelas nossas línguas originais. O
apagamento de nossos nomes originais é uma violência contra nossa cons-
ciência sobre nós mesmos, e sobretudo contra nossa importância no mundo.

No continente africano, o nome além do caráter consanguíneo, pode car-


regar um leque de informações como o propósito da sua existência, as
circunstâncias de seu nascimento, qual é a sua função no ínterim de sua
comunidade ou até mesmo sobre qual ancestral ou Nkisi você carrega con-
sigo. No candomblé Angola-Kongo no Brasil, existe a restituição desse
valor do nome. Todas as pessoas que são iniciadas carregam o que chama-
mos de dijina que significa literalmente em kimbundo “nome”, portanto,
cada Mona Dya Nkisi, Makota, Tata Kambono, Tat’etu Dya Nkisi ou Mam’etu
Dya Nkisi carregam consigo uma dijina que nos reconstitui uma dignidade
roubada e indicam qual Nkisi que é dono de nossas cabeças, nosso mutue.

“Entendemos que a pessoa morre para o mundo material para renascer no


Nkisi. Neste processo de morte/vida, o nome também é alterado, a partir
daquele instante o/a filho/a carrega com o seu nome a história de seu
ancestral, de seu Nkisi, de seu terreiro, de sua nação. Ter uma dijina é
uma reconexão de você com sua ancestralidade Bantu. É uma estratégia de
preservação de uma comunidade.” Tat’etu Nseremi (2019)

A experiência filosófica/existencial/religiosa/comunitária que o Candom-


blé passa é a possibilidade de restituição de nosso legado surrupiado.
Restituindo-nos de nosso nome. No passado, possibilitava-nos reconstruir
laços familiares em conjunturas de total esfacelamento de nossas famí-
lias, nos dias atuais, o Candomblé nos potencializa no sentido de en-
tender que nossa ancestralidade coletiva nos remonta, nos resgata, nos
resguarda e isso só é realizável através da família de axé, portanto de
nossa linhagem.
Para abordar brevemente a história de nossa linhagem, neste capítulo me
aproprio da entrevista realizada por Manuela de Kaiala (filha de santo
do Mukongo) com o Tata Mukalesimbi. Também nos utilizamos das pesquisas
de Alcides Barreto (2019) sobre a história da Nengua Tawamim, Mãe Nilza,
da tese de doutorado de Tássio Ferreira, Tata Dya Nkisi Nseremi, também
filho do Mukongo, além de outras pesquisas também de natureza acadêmica
e jornalística.

De acordo com Tata Mukalesimbi, nossa linhagem vai de Tat’etu Kimban-


da Kinunga (Roberto de Barros Reis), passando por Mam’etu Twenda Nzam-
bi (Maria Genoveva do Bonfim, Maria Neném), por Tat’etu Nlundiamungongo
(Manuel Ciríaco) que inicia Mam’etu Riasú (Silvina Maria de Almeida -
Mãe Nininha de Agé) que inicia Nengua Tawamim (Nilzete Santos) que ini-
cia Tat’etu Mukalesimbi (Alexandro Paulilo) em 1992. Em 2005, Tat’etu
Mukalesimbi estabeleceu o Nzó MutalesiKongo.

Tata Kimbanda Kinunga

Tata Kimbanda Kinunga nasceu em Angola e chega ao Brasil enquanto um


homem sob a condição de escravizado, não se sabe ao certo a data de
seu nascimento, a maior parte das informações sobre esse ancestral está
atrelada a Maria Genoveva do Bonfim, Mam’etu Twenda Nzambi que fora
iniciada por ele no final do século XIX. Aqui no Brasil, Tata Kimbanda
Kinunga respondia pelo nome de Roberto de Barros Reis, no período escra-
vocrata era imposto aos cativos os sobrenomes de seus algozes, pelo fato
de ser escravizado pela família Barros Reis seu nome também tinha esses
sobrenomes. Segundo o Tata Kisaba Kiundundulu (Profº Drº Sergio Paulo
Adolfo) , os relatos orais indicam que o Tata Kimbanda Kinunga era natu-
ral da região de Cabinda. Nesta região os povos predominantemente falam
Kikongo.

Na entrevista coletada por Manuela de Kaiala, Tata Mukalesimbi relata


que

Roberto de Barros Reis um homem negro que era escravo forro da família
Barros Reis veio para Salvador, mais precisamente ali pra o bairro onde
hoje se chama é Avenida Barros Reis, né? Que é aquele território todo
era da família Barros Reis era terra da família Barros Reis e esse es-
cravo forro ele tinha nome brasileiro de Roberto Barros Reis, mas ele
em África era batizado e conhecido como Kimbanda Kinunga. e o Kimbanda
Kinunda é o primeiro da linhagem de Bantus aqui na Bahia a criar o Can-
domblé Angola-Kongo de onde a gente descende, né?
Portanto, Tata Kimbanda Kinunga edifica o Nzó Tumbenci em 1850 no Beiru,
Salvador, e inicia Twenda Nzambi no final do século XIX, ele faleceu em
1909 quando Mam’etu Twenda Nzambi herda o sacerdócio do Terreiro.

¹ Esta entrevista foi concedida para Manuela Santos, filha de Kaiala do Nzó MutalesiKongo para seu projeto de
pesquisa intitulado “Cabelo e Aspectos da Construção Identitária da Mulher Negra” (2017).
Mam’etu Twenda Nzambi

Registrada com o nome de Maria Genoveva do Bonfim, nascida no Rio Gran-


de do Sul em 1865, com família em Salvador, ela é radicada em Salvador.
A Mam’etu Twenda Nzambi fora iniciada por Tata Kimbanda Kinunga e her-
da o Nzó Tumbenci em 1909. A sacerdotisa foi muito amada e conhecida em
terras baianas, iniciou muitas pessoas que deram continuidade à matriz
Angola-Kongo em vários estados do Brasil. Segundo a pesquisa de Hildete
Costa (2018) ela era uma mulher engenhosa, empreendedora, corajosa e com
muito afinco pelos fundamentos da nação Angola-Kongo devido a sua apren-
dizagem rigorosa com Tata Kimbanda Kinunga.
Ela foi iniciada para o Nkisi Kavungo, cultuava a cabocla Kisanga, Man-
daréa e Etiamungongo. Uma das histórias bem conhecidas dos atos de cora-
gem da Mam’etu, a pesquisadora Hildete Costa (2018) relata que:
Desde o século XIX, e na primeira metade do século XX, as religiões
afro-brasileiras sofreram, tendo seus terreiros invadidos e seus pra-
ticantes, em sua maioria mulheres libertas, continuavam sendo alvos da
violência física. Elas eram perseguidas e presas, mas, apesar de sofre-
rem violenta repressão, traçaram estratégias diferenciadas de enfrenta-
mento a fim de conseguirem conquistas sociais e políticas.
Conta-se a história quase lendária que Maria Neném foi a única a nunca
ser molestada pelo delegado Pedro Gordilho que, na década de 1920, per-
seguia os candomblés e os capoeiristas. E que inclusive, corajosamente
colocou em sua casa uma placa com os dizeres “Cá te espero” numa clara
afronta ao poder do sanguinário delegado. ( COSTA, 2018, p. 92)

A história do Candomblé Angola-Kongo no Brasil, sobretudo na Bahia não


pode desconsiderar o papel histórico da Mam’etu Twenda Nzambi exatamen-
te porque além de toda luta pela resistência dos fundamentos de nossa
nação, ela encara com braveza e criatividade o racismo religioso con-
tra nossas culturas religiosas, sem contar que seu sacerdócio é marcante
pelo fato de ter iniciado muitas pessoas de suma importância como o Tata
Nlundiamungongo (Manuel Círiaco), também ancestral do Nzó MutalesiKongo.

² Foto conseguida no Museu Digital Tombensi, disponível na internet


Tat’etu Nlundiamungongo

Registrado com nome de Manoel Ciriaco de Jesus, nascido em 1892 na


Bahia. É iniciado por Twenda Nzambi (Maria Neném) no Nzó Tumbenci em
1910. No ano de 1919, junto com seu irmão Tata Kambane (Manoel Rodrigues
do Nascimento), o Tata Nlundiamungongo edifica o Nzó Tumba Junsara em
Acupe, Santo Amaro da Purificação. Posteriormente, o Nzó Tumba Junsara
retorna para Salvador em diferentes bairros até se estabelecer definiti-
vamente no Engenho Velho da Federação.
O Tat’etu Nlundiamungongo, podemos dizer que é, abaixo de Twenda Nzambi
que é o esteio de todas as linhagens de Angola-Kongo na Bahia, o patro-
no da nossa linhagem. Toda vez que nós somos perguntados sobre qual é a
nossa linhagem no Mukongo, respondemos que somos raiz Tumba Junsara exa-
tamente pela história sacerdotal de Tata Nlundiamungogo. Ele foi respon-
sável por iniciar nossa ancestral Mam’etu Riasu de Agé quando Tumba Jun-
sara ainda se localizava em Santo Amaro da Purificação.

³ Foto conseguida no site do Tumba Junsara, disponível em


< http://www.terreirotumbajunsara.com.br/p/o-tumba-juncara.html >
Mam’etu Riasú de Agé.

Silvina Maria de Almeida nasce em 1900, natural de Mata de São João, é


iniciada pelo Tat’etu Nlundiamungongo no Tumba Junsara em Acupe, San-
to Amaro da Purificação em 1922. Segundo o trabalho de Alcides Barreto
(2019) , ela era conhecida como Menininha de Agé ou Nininha de Agé, era
parteira, se tornou muito reconhecida pelos partos difíceis que ela e
Agé realizaram nas cercanias de Mata de São João. Sua dijina é Riasú e
ela foi responsável por edificar o Terreiro Deus e as Águas de São Bene-
dito Katispero em Mata de São João, esta roça posteriormente é renomea-
da para Nzó Mutalemim, é nesse terreiro que tanto Nengua Tawamim quanto
Tat’etu Mukalesimbi são iniciados na religião.
Tata Mukalesimbi conta que a feitura de Mam’etu Riasú de Agé foi polêmi-
ca. Tata Nlundiamungongo iria iniciar um barco com muitas azenza, quando
lhe chega no Tumba Junsara, tomada por Agé Silvina de Almeida. Agé é um
vodum da nação Jeje que em nossa nação Angola-Kongo corresponde a Katen-
dê, no entanto, Agé de Mam’etu Riasú era um caboclo, Agé de Beno Beno,
que carrega a energia das Nsabas mas não é um Vodum, e portanto Mam’etu
Riasú foi iniciada para este caboclo: Agé de Beno Beno o que era e é
muito incomum até os dias atuais.

4 Imagem conseguida no trabalho de Alcides Barreto (2019) intitulado “Tawamim, Mulher Negra e Empoderada: A
Religião de Candomblé como Mecanismo Impulsionador ao Empoderamento
Mam’etu Tawamim

Nilzete Fransica dos Santos, nascida em 1935 no município de Mata de


São João - BA. Tawamim é sua dijina, era muito conhecida como Nilza
Tawamim. Foi adotada ainda criança por Mam’etu Riasú e passou pelo seu
processo iniciático ainda muito cedo. Foi iniciada para o Nkisi Gongobi-
la, toda sua vida foi dedicada para a preservação da religião de matriz
africana, principalmente da tradição Angola-Kongo. Ela dizia que “a vida
me fez uma mulher de axé, e eu fiz do axé a minha vida”. Todas as pesso-
as do Mukongo que tiveram a oportunidade de conviver e ser ensinado por
Nengua Tawamim falam com muita saudade e respeito pela tamanha grandio-
sidade de seus ensinamentos.
Nengua Tawamim, quando Mam’etu Riasú faz sua passagem, assume o sacer-
dócio do terreiro Deus e as Águas Claras de São Benedito Katispero, ela
renomeia o terreiro como Nzó Mutalemim. Importante salientar que sem
nenhum ancestral de nossa linhagem poderia existir nos dias de hoje o
Mukongo, sobretudo de Nengua Tawamim porque ela, Lage Grande (caboclo
que lhe acompanhava) e Gongobila tiveram em todos os momentos importan-
tes da construção do Mukongo. Ela inicia Tata Mukalesimbi no Nzó Muta-
lemim em 1992, além de ser uma matriarca, líder e zeladora espiritual de
profundo amor pelos Minkisi e por seus filhos de santo, ela foi respon-
sável por todas as obrigações de Tata Mukalesimbi até seus 21 anos de
santo.

5 Foto concedida pelo Tata Mukalesimbi de seu acervo pessoal.


Tat’etu Mukalesimbi

Alexandre Paulilo dos Santos, nascido em 1977 em Pojuca-Ba, foi iniciado


para Kabila pela Mam’etu Tawamim no Nzó Mutalemim em 1992. Com 7 anos de
santo foi escolhido por Gongobila para ser o Tata Kamukeenge do terrei-
ro. Enfermeiro de profissão e um estudioso de questões importantes para
o povo Angola-Kongo como as nossas línguas e nossa história.
Em 2005, por orientação de Katisaba 7 Serras (caboclo que o acompanha
e protege a todos no Mukongo) funda o Nzó MutalesiKongo ua Ngana Zambi
dia Iaundê (Mukongo) na Rua do Vencimento, Paramirim em São Francisco do
Conde. Desde então, tem sido o zelador espiritual de muitos filhos de
santo e principalmente dos Minkisi assentados no Mukongo. Nesses 16 anos
de sacerdócio no Mukongo, tem se dedicado à luta pelos direitos do povo
de santo em São Francisco do Conde a partir do Colegiado Permanente das
religiões de Matriz Africana, também é membro do Conselho Inter Reli-
gioso do município. Pai Alex de Kabila (como é conhecido na região) está
sempre nos momentos importantes de luta e de celebração do povo de axé
franciscano. O próprio Nzó MutalesiKongo é conhecido como Mukongo pelo
fato de além de ser um terreiro de candomblé ter se tornado uma Associa-
ção Cultural e de ação social, desde de 2005 portanto construímos nossa
história em São Francisco do Conde.6

6 Foto concedida pelo Tata Mukalesimbi de seu acervo pessoal.


Nzó MutalesiKongo ua Nganga dia Iaundê (MUKONGO)

No esforço de descrever a estrutura física do terreiro para aqueles(as)


leitores que não conhecem nossa comunidade possam visualizar como se or-
ganiza nosso espaço sagrado, este breve capítulo é como um guia geográ-
fico e simbólico sobre o Mukongo.

A Rua do Vencimento é uma rua longa que fica geograficamente perto do


quilombo Monte Recôncavo como também do município de Candeias. Admi-
nistrativamente, o Vencimento pertence ao distrito/bairro de Paramirim.
Tata Mukalesimbi conta que o lugar no passado era um engenho, Engenho do
Vencimento, e este nome é por causa da Igreja Nossa Senhora do Vencimen-
to, igreja centenária que fica atrás do Mukongo.

Vindo da BR-513, anda-se mais ou menos 500 metros ao longo da rua e se


estará de frente com o portal do Mukongo, tem-se um muro branco grande e
largo. Os mais antigos nos contam que anteriormente não havia este muro,
a própria Rua do Vencimento não era asfaltada tal como é hoje, tinha-
-se apenas o portal com uma descida de chão batido. Na realidade, todo o
terreno onde hoje está o Mukongo era composto por terra e uma mata den-
sa.

7 Localização geográfica do Mukongo, fotos printadas do Google Maps.


Teve-se um grande esforço coletivo para que se edificasse minimamente a
infraestrutura. Tata Kambono Assumean (Eduardo Bomba) conta que ele foi
a pessoa que foi responsável por construir a Casa de Pambu-a-Nzila. Em
nossa cosmogonia, Nzila é o primeiro sempre, este Nkisi é o senhor de
toda comunicação entre o mundo material e espiritual, portanto, a pri-
meira construção foi sua casa. Portanto, você desce as escadas à direita
tem-se a Casa de Pambu-a-Nzila, não se chega no Mukongo sem comprimentá-
-lo porque é falta de respeito, sem ele ninguém poderia sequer chegar.

Quando se desce as escadas, à esquerda você tem tanto o barracão quanto


na parte lateral do mesmo a Casa de Nkosi, Nkosi é o Nkisi que repre-
senta nossa defesa, é um Nkisi que emana uma energia guerreira e de caça
também, chama-se Nkosi Mukumbe ou Roxi Mukumbe que significa o Leão Azul
das Montanhas, ele olha por nossa comunidade como diz a cantiga “Nkosi
Mukumbe Tala Mesu Nanguê”: O leão azul das montanhas que olha pela sua
comunidade.

8 A primeira foto é o portal do Mukongo nos anos iniciais, a segunda foto é a parte interior do Mukongo na
qual se pode ver a extensão do grande muro branco, a terceira foto é o portal do Mukongo nos dias atuais A
quarta foto é a Casa de Pambu-a-Nzila. Todas as fotos me foram concedidas por Tat’etu Kiamungongo de Nsumbu
(filho do Mukongo, residente em São Paulo).
O barracão, como convencionalmente chamamos o salão principal das ce-
lebrações. O Mukongo tem um barracão relativamente grande de 80 m². O
barracão também é um espaço de constantes alterações, tanto no sentido
de sua estrutura quanto da pintura, o que eu sei é que os Jingoma (os
atabaques sagrados) sempre ficaram próximos Pépelê Jingoma onde ficam
os Kambonos. Atualmente, na parte intermediária do barracão tem-se uma
porta onde está o Sabagy (espaço nos quais os minkisi e orixás são re-
colhidos e são aprontados para dançarem no barracão), nesse mesmo espa-
ço está o Ndemburu (este espaço sagrado seria o ventre do terreiro, onde
são recolhidas as pessoas para os ritos de iniciação) que só é permitida
a entrada para pessoas iniciadas na tradição.

9 Casa de Tat’etu Nkosi Mukumbe, acervo pessoal de Tat’etu Kiamungongo.

10 A primeira foto é o espaço interior do barracão. A segunda imagem foca as jingoma


e o pêpelê na parte central do barracão do Mukongo.
Antes de continuarmos este guia, voltemos ao início. O portal, as es-
cadas, à direita a Casa de Nzila, à esquerda a Casa de Nkosi e o bar-
racão. Se caminharmos mais à frente, depois da casa de Nzila, tem-se a
Casa de Kitembo, Soba Kitembo, Kitembo é um Nkisi que representa os ven-
tos e o próprio tempo. Ele é nosso Rei. Rei de Angola. Todos os terrei-
ros de Angola, mas não só, tem a bandeira de Kitembo hasteada. Se con-
tinuarmos a caminhada nessa direção, passamos pela frente do barracão e
nos deparamos com a Casa de Katendê, onde ficam os logosê (cagádos) e
uma grande mangueira com o assentamento deste Nkisi, Katendê é o Nkisi
das folhas, das Nsaba, sem sua energia não pode existir candomblé pois
sem Nsaba não se tem nada, por isso que nossa cosmogonia aponta para o
respeito natural com toda a flora e fauna, em nossa cosmogonia o des-
respeito e desmatamento das forças da natureza não tem sentido tendo em
vista que os Minkisi são as próprias forças da natureza.

Bem, mais à frente descemos e chegamos no espaço onde podemos nos dire-
cionar a Aldeia de Arutendê de Katisaba 7 Serras, caboclo que protege a
todos os filhos e filhas do Mukongo, inclusive esta construção é também
uma das primeiras realizadas já que como conta Tata Mukalesimbi, quando
comprou o terreno não tinha intenção de estruturar um Nzó, apenas queria
construir a cabana de 7 Serras para que o caboclo fosse cultuado mas os
caminhos levaram o Tata a formar o Nzó MutalesiKongo. Em frente à caba-
na, tem-se a Casa de Nzinga e Hongolo, estes Minkisi representam a ener-
gia das cobras, da prosperidade e do arco íris.

11 A primeira foto estão os logosês se alimentando, os cágados têm uma importância fundamental em nossa ex-
periência religiosa, alguns desses animais têm quase meio século de vida. A segunda e a terceira foto são o
espaço e a Casa de Katendê.
Atrás da Aldeia de Katisaba de 7 Serras, tem-se as matas, onde ficam a
Maionga (local dos banhos sagrados) e o Ibô (assentamento dos ances-
trais).

Voltemos novamente para o início. Temos o portal, as escadas, à direi-


ta a Casa de Nzila, à esquerda temos a Casa de Nkosi e o barracão, se
adentramos o barracão na parte intermediária temos a porta que dá para
o sabagy e para o ndemburu. Ao invés de entrarmos nessa porta, pode-
mos continuar caminhando e chegaremos numa saleta onde estão os quartos
de Kabila e de Lemba Ngana, o primeiro Nkisi é o patrono de nossa casa,
Nkisi que é a energia do pastoreio e da fartura. O segundo Nkisi é a
energia da paz e da criação humana.

Andando mais à frente, chegamos ao espaço comum de convívio onde estão


uma sala com um quarto para hóspedes, mais a frente temos as cozinhas,
uma cozinha com a dispensa para os alimentos e a outra é cozinha sagrada
onde se preparam todos as comidas para os Nkisi. Se continuarmos andan-
do, entramos de novo nas partes das matas, o Mukongo tem seus lados in-
terconectados. Esta é uma breve descrição do espaço da estrutura física
de nossa comunidade.

12 Fotos da Aldeia de Arutendê morada de de Katisaba 7 Serras, de cima e de frente.


Desenvolvimento do Mukongo por Tata Dya Nkisi Mukalesimbi

Lungu Azami: Meu Pai, preciso que o senhor me fale um pouquinho sobre a
história da nossa linhagem e um pouquinho sobre o processo que te trouxe
para cá para o Vencimento, Paramirim e botou o Mukongo aqui?

Tateto Mukalesimbi: Vamos fazer essa retrospectiva no tempo e no espaço


e tentar remontar, muitas coisas que você falando assim me traz à tona
a lembrança. Eu sou Alexandre Paulilo dos Santos, sou Tata de Nkisi,
iniciado pela Nenguá Tawamin, mais conhecida como Nilzete Francisca dos
Santos. Ela que é a sexta geração do Tumba Junsara, matriz Kongo-Ango-
la que vem do Tumbenci de Maria Genoveva do Bonfim através de Ciríaco,
Manoel Ciríaco de Jesus, Nlundia Mungongo, que difundiu a cultura Ban-
tu aqui na Bahia em 1919. A partir daí a gente começa toda a história da
vivência do povo Bantu e da nossa própria linhagem, montagem da nossa
própria linhagem, minha avó Maria Silvina de Almeida, ela foi iniciada
pelo Tata Nlundia Mungongo, Ciríaco, em 1920 . A partir dela, ela fundou
o Manzo que fica lá em Mata de São João era mais conhecido como Katis-
pero, Terreiro do Katispero, mas ela tinha o nome de registro que ela
gostava que chamasse de São Benedito Deus e as Águas de Katispero, as-
sim que ela gostava que chamasse o espaço religioso dela mas carinhosa-
mente todos nós chamávamos de Katispero em homenagem ao próprio Orixá,
ao próprio Nkisi que era patrono da casa: Agé de Beno Beno. Minha mãe
foi iniciada em 1938, se não me falha a memória, e foi iniciada para o
Nkisi Gongobila, através dela eu recebi todos os ensinamentos que me
tornou esse sacerdote que eu sou hoje, então eu me torno Tata Mukale-
simbi, a partir do momento da minha iniciação como Muzenza e recebo a
dijina de Mukalesimbi porque sou filho de Kabila. Kabila, divindade
Kongo-Angola que se assemelha a Oxossi, dentro da liturgia, da cosmo-
logia. É Oxóssi, Deus da caça, provedor do alimento. Então para nós de
Angola, eu sou de Kabila, Kabila é o pastor, é aquele que direciona
as famílias, aquele que direciona os caminhos, aquele que aponta os ca-
minhos a serem seguidos.

Em 1992, foi a data da minha iniciação, cumpri todo o processo litúrgi-


co até a recebida do meu Kijiku que é a maioridade sacerdotal com 7 anos
de iniciação e não tinha pretensão nenhuma em abrir terreiro de candom-
blé, de ser sacerdote, de montar uma estrutura que conhecemos hoje como
terreiro de candomblé mas através do Caboclo que me acompanha que é meu
guia, meu mestre, o senhor Katisaba, esse caboco determinou que eu pro-
curasse um local para que fosse feita uma aldeia que levaria o nome de
Aldeia de Arutendê. Eu fiquei resistente, não queria muito fazer e um
dado momento, se não me falha a memória, em 2005 eu recebi a incumbên-
cia, o xeque-mate dele que eu deveria procurar terras para o lado da...
Ele não citou São Francisco do Conde, mas Ele citou: “do lado que o sol
nasce diante dos caminhos das Passagem dos Teixeiras, eu pensava que
era Candeias porque Passagem dos Teixeiras é ali em Candeias, mas ele
foi orientando e a gente acabou descobrindo que o lugar que ele se refe-
ria tinha uma capela Velha e que a capela era de Nossa Senhora do Ven-
cimento, eu não tinha conhecimento desse local, não tinha conhecimento
daqui desse espaço. Eu vim procurar, a mando Dele, eu vim procurar esse
local, visitando São Francisco do Conde em 2005, conheci o bairro de
Paramirim vim conhecer a Capela de Nossa Senhora do Vencimento que es-
tava abandonada na época que está ainda abandonada e tinha um terreno
próximo que estava à venda e esse terreno estando à venda, eu procurei a
pessoa que era proprietária e fizemos negócio, comprei o espaço mas na
intenção de não fazer terreiro ainda, montar apenas um espaço de cabo-
clo para colocar o caboclo, para cultuar o caboclo e fazer as coisas que
ele determinasse, nada mais do que isso e as coisas foram tomando outras
proporções. E a partir daí, 5 de dezembro de 2005, eu estava fundando
o Nzó MutalesiKongo Wa Ngana Zambi ni Alaundê que fica conhecido dentro
do território de São Francisco do Conde como Mukongo que em Bantu quer
dizer caçador. O Mukongo surge no final de 2005 com a proposta de reunir
os filhos do caçador dentro de uma aldeia que se chamava Arutendê que
era chefiada por esse espírito, por esse ancestral indígena que é Kati-
saba das 7 Serras. Fomos crescendo, fomos desenvolvendo trabalhos es-
pirituais, sócio-culturais, reunindo nosso povo, reunindo as pessoas de
fé, de boa fé que vinham nos procurar. Hoje, 2021, a estrutura do Mukon-
go reúne um arcabouço, vamos dizer assim, de várias dimensões no campo
social, cultural, filosófico, no campo espiritual e religioso que também
é fundamental, é a principal prática da casa. Eu tenho me estabeleci-
do e conseguido continuar minha missão desde então. Portanto, minha tra-
jetória começa lá atrás, em 92 quando eu me inicio, em 2005 ela toma um
novo direcionamento a partir do momento que eu sou incumbido de fundar o
Terreiro MutalesiKongo e chefiar esse espaço religioso.

Lungu Azami: Como foi esse processo de desenvolvimento da comunidade, de


desenvolvimento da estrutura, a história das dificuldades que o senhor
teve, eu também queria que o senhor falasse um pouco mais sobre o papel
do Mukongo dentro de São Francisco do Conde, as coisas que a gente já
conseguiu realizar aqui em São Francisco do Conde e também os nossos ho-
rizontes, dentro dessa cidade em relação ao Povo de Axé aqui da cidade.
Como que o senhor vê essas essas questões?

Tateto Mukalesimbi: Primeiramente, não é falar que foi fácil, que nada
foi fácil, nunca foi fácil. Minhas raízes, de certa forma, elas es-
tavam em São Francisco do Conde e só depois de algum tempo que eu vim
descobrir que minha ancestralidade vinha de cá porque Ciríaco, ele ti-
nha a primeira fundação de terreiro dele em Acupe de Santo Amaro, e de
lá minha avó, Maria Silvina de Almeida foi uma das parteiras da região
de Acupe, depois ela migra para cidade de Mata de São João mas que pres-
tava serviços como parteira na cidade de Candeias, na Vila de São Fran-
cisco que na época era conhecido como Vila de São Francisco e na cidade
de Santo Amaro. Esse espaço aqui onde tem hoje o Paramirim, o Engenho,
que é conhecido como Engenho Vencimento, tinha a Usina Cinco Rios e
essa Usina Cinco Rios era onde minha avó trabalhava como parteira, como
enfermeira, ela era conhecida como enfermeira porque ela fazia partos,
cuidava dos doentes, fazia curativo naqueles que precisasse e acaba-
va ajudando as pessoas que tinham necessidade de uma intervenção, vamos
dizer assim médica. Ela não tinha formação de médica, não tinha forma-
ção de enfermeira, mas ela detinha um conhecimento religioso e a prática
curativa através do benzimento, chás, enguentos, essas práticas do Povo
Preto. Então aqui esse território, de certa forma, era um território
que também fazia parte do meu pertencimento ancestral. A partir daí eu
percebo que essa escolha, ela foi direcionada pela ancestralidade como
uma forma de resgate. No começo não foi fácil porque o Vencimento não
tinha muito desenvolvimento e as pessoas também aqui não tinham aque-
la abertura ou conhecimento sobre a religião do Candomblé então causa-
va estranheza o espaço do terreiro dentro dessa localidade, mesmo que
em Paramirim já tinha um terreiro de candomblé, do finado Tote, o pai
de Mãe Rose, a Yalorixá Rosemeire Amorim, tinha o terreiro de Pai Au-
gustinho , mas dentro da comunidade do Vencimento, o primeiro terreiro
a se estabelecer foi o terreiro do MutalesiKongo, a Associação Mukongo,
como tínhamos muita facilidade com relação a contatos dentro de empre-
sas influentes, nós acabávamos conseguindo trazer para cá benefícios
como alimentos, roupas, a gente fazia campanhas para doação de alimen-
tos de roupas de brinquedo, a gente movimentava a comunidade naquela
época com ações de inclusão com os adolescentes, com as crianças com
jovens, com rodas de capoeira, a gente entretia a comunidade com es-
sas rodas de capoeira, com samba de roda, samba de viola. Quando ti-
nha época de colheita de mandioca para fazer farinha na casa de farinha
comunitária todos nós do terreiro acabávamos nos envolvendo também, a
comunidade interagia e isso foi quebrando esse paradigma do medo em que
as pessoas tinham com terreiro de candomblé e a comunidade no começo
ela tinha essa restrição em não ir para o terreiro mas aos poucos elas
foram quebrando essa resistência e começaram a frequentar. A partir daí
os primeiros adeptos, primeiros filhos, vão começando a surgir dentro
do espaço religioso.

O que é mais interessante que é aqui nesse espaço do Vencimento a gente


não tinha referência de terreiro mas a comunidade do terreiro Mukon-
go começou a manter uma relação de produção de alimentação através da
plantação de mandioca, de banana e começa esse beneficiamento da man-
dioca para poder fazer a farinha, o beiju, a gente também começou a in-
teragir com a população que existia aqui com a pesca, e aí a gente foi
criando esse laço de amizade com a comunidade que já existia aqui. A
partir daí a gente ganha a confiança desse público, e como eu sou en-
fermeiro de profissão, eu passei a ser também uma referência no local
para a indicação de tratamentos, auxiliar também no processo de cura,
no processo de encaminhamentos quando havia necessidade seja de uma
gestante, de um idoso ou de um acompanhamento de um adolescente numa
necessidade, de uma criança quando nascia então eu passei a ser orien-
tador dessas pessoas que aqui já conviviam e volto a falar que a nos-
sas ações não eram isoladas para o Vencimento, elas se estendiam tam-
bém para a comunidade do Coroado, Paramirim, Monte Recôncavo, a gente
acaba ajudando a todos que procuravam Associação Mukongo que ainda não
era Associação, era só terreiro de candomblé mas procurava referência
de Pai Alex como uma pessoa que estava aqui para organizar e ajudar as
pessoas quando falo organizar, eu digo organização de todo um sistema
onde as pessoas sentiam que através do espaço do terreiro eles poderiam
adquirir algo que era de necessidade primeira para aquelas pessoas,
chegava época do São João a gente fazia festa junina com a comunidade,
chegava época de Dia das Crianças distribuição de brinquedos, chegava a
época do Natal a gente fazia confraternização no bairro e a gente con-
seguiu se estabelecer e ganhar o respeito dentro da comunidade do Ven-
cimento.

A partir daí, eu passo a integrar o circuito de terreiros de São Fran-


cisco do Conde, passo a interagir com as outras autoridades religiosas
do município, então a gente funda o que a gente chama de Colegiado de
Matriz Africana e eu me torno coordenador executivo deste colegiado que
hoje tem representação da maioria dos terreiros. Somos 50 terreiros aqui
em São Francisco do Conde e o Colegiado de Matriz Africana representa 45
desses terreiros então todos esses sacerdotes, todas essas pessoas por
verem todo o meu comprometimento dentro da religião e dentro da luta re-
ligiosa eles acabaram que escolheram Pai Alex para representar eles den-
tro do Município de São Francisco do Conde na mesa diretora do Colegiado
de Matriz Africana e por eu ter também uma boa relação política dentro
do município a Comissão Inter-religiosa do município me faz também lem-
bro deste coletivo para que a gente pudesse discutir ações valorativas
para o povo de Matriz Africana dentro do segmento inter-religioso para
principalmente para trazer o que a gente tão espera: o combate à into-
lerância, tentar elucidar questões que estavam inseridas dentro do com-
portamento das pessoas de forma pejorativa, de forma negativa e através
tanto do Colegiado de Matriz Africana como também da Comissão Inter-re-
ligiosa, nós, povos de terreiros representados não só por mim Pai Alex
mas por outros membros que compõem a mesa diretora a gente começou a fa-
zer esse trabalho de formiguinha de conscientização de toda a população
de São Francisco do Conde. Nada foi fácil mas assim eu estou aqui desde
2005, dentro da militância me estabelecendo ainda, criando essas rela-
ções, promovendo as possibilidades, interagindo e buscando sempre fa-
zer com que a nossa religião de matriz africana seja mais aceita e menos
rechaçada, seja mais respeitada por todos. Essa essa é a minha bandeira,
a bandeira em que eu defendo a religião de Matriz Africana e defendo o
Povo Tradicional de Terreiro e o meu combate à intolerância e o racis-
mo e a todas essas práticas de ódio religioso nasce partir do momento em
que o Mukongo se instala dentro do município e eu levanto essa bandeira
e vou dialogar com os pares com a gestão municipal, com os meus iguais e
com os diferentes também. A partir daí eu começo a minha caminhada den-
tro São Francisco do Conde, ganhando assim não só o respeito das pesso-
as como também o privilégio de estar a mais de 8 anos dentro do Colegia-
do de Matriz africana como coordenador executivo.

Lungu Azami: Eu queria que o senhor falasse um pouco melhor.. Tem aquele
provérbio bantu que diz que “sou porque nós somos” então todo o proces-
so que o senhor bem salientou aí foi coletivo, eu queria que falasse um
pouco sobre os primeiros filhos de santo que você teve aqui na comunida-
de?

Tateto Mukalesimbi: Eu já vim com alguns filhos iniciados, por minha sa-
cerdotisa, no terreiro dela, E aqui dentro de São Francisco eu iniciei
outras pessoas que são do município e também fora município, mas acho
que a minha relação espiritual com essas pessoas dentro do espaço Mukon-
go, ela se dá primeiramente pelo cuidado. Então essas pessoas me procu-
ram pelo cuidado que eu tenho com elas, então assim como já mencionei
eu sou enfermeiro de profissão, e as pessoas veem em minha uma refe-
rência e essa referência do cuidar, não só pela profissão de enfermeiro,
mas como também de sacerdote ela é intrínseca em mim, então estou sempre
disponível a ouvir, a cuidar, a tentar ajudar então eu passei ser não só
zelador, não só o sacerdote mas aquela pessoa que facilita e que possi-
bilita as outras pessoas a capacidade de conseguir alívio para suas do-
res seja no campo espiritual material ou no campo da Medicina como tam-
bém no campo religioso que é o mais importante.

A maioria dos filhos de santo desta casa quando entrou para o terreiro
elas vieram por necessidade de saúde, então a gente cuida da parte es-
piritual e cuida da parte material, nesse trato com cuidado com a saúde,
cria-se um vínculo e acaba as pessoas permanecendo com esse vínculo de
fidelidade com a casa Mukongo. Isso é uma marca registrada com os nos-
sos, essa fidelidade dos mais antigos, essa fidelidade dessas pessoas
que procuram e que tem as suas necessidades atendidas a partir do plano
espiritual na comunidade do Mukongo.

Lungu Azami: Agora a saideira mesmo Pai, diante disso tudo, desses 16
anos que o Mukongo tem atuação aqui na cidade em vários campos, no campo
social, na luta pelo respeito em relação a nossa religião. Como que o
senhor vê também o horizonte? A gente está numa situação política ad-
versa, uma situação econômica muito complicada no país hoje em dia, como
é que você vê o horizonte daqui para o futuro em relação às comunidades
de tradicionalidade africana aqui em São Francisco do Conde? Como é que
você vê o horizonte aqui no Mukongo e da comunidade de axé de maneira
geral aqui na cidade?

Tateto Mukalesimbi: Se a gente fizer uma retrospectiva de 500 anos


atrás, eu lhe diria que a luta é a mesma, não mudou muita coisa não. Eu
acredito que essa luta se intensifica porque os nossos pares, os nos-
sos iguais, eles acabam não se identificando com a luta e acaba que não
conseguem promover o que a gente tem como ideal. Então assim Pai Alex,
Mukongo e toda a filosofia que rege os princípios desta casa, ela tem
como prioridade fazer com que os princípios da religião afro e princi-
palmente aos princípios da religião do Candomblé que são passado por
nossos ancestrais, eles vêm de lutas antigas e lutas contemporâneas que
são as mesmas e que a gente pensa que está melhorando mas que a cada dia
se camufla, a cada dia se cria uma estratégia nova para permanecer nos
silenciando, nos agredindo, nos desmotivando e fazendo com que a gen-
te desista da nossa própria fé, então o Mukongo entra como no divisor
de águas porque ele pega essa essa questão da fé como algo que é impor-
tante para a manutenção da própria religião. Então assim o candomblé só
vai se perpetuar enquanto houver pessoas de fé e essa fé tem que ser uma
fé viva, uma fé que não se deixa abalar por qualquer coisa, por ne-
nhum tipo de dificuldade porque se a gente pensar nas dificuldades que
nossos ancestrais tiveram 500 anos não haveria a abolição e se a gente
pensar nas dificuldades de 300 anos atrás, de 200 anos atrás, nós não
estaríamos aqui com o Candomblé livre, livre entre aspas, a gente con-
segue tocar com os nossos ritos, de certa forma, com certa liberdade,
de direito, mas ainda temos sim muito que fazer muito a combater, muito
ainda a desmistificar porque nós somos uma religião onde até então somos
sim rechaçados, somos sim demonizados, somos sim excluídos e precisamos
sim de políticas públicas valorativas, precisamos de mais inclusão, pre-
cisamos de respeito mas esse respeito tem que vir intra-religiosamente,
os próprios afro-religiosos, próprios povos de terreiro eles precisam
se auto identificar, eles precisam se auto reconhecer, eles precisam
praticar a tolerância entre si e depois é ir pedir que essa tolerância,
esse respeito, melhor dizendo, seja praticado por outros religiosos para
conosco e acho que a luta é constante e ela não acaba e nem vai acabar,
as dificuldades elas vão existir sempre, elas vão mudando de geração em
geração e o que nós temos que fazer é nos adaptar a todas as circunstân-
cias e criar estratégias de enfrentamento.

Lungu Azami: Agora para a gente fechar bonito, como o senhor já falou
aí, nós povos negros africanos, sobretudo a gente que é Kongo-Angola,
fomos os primeiros a chegar aqui no Brasil e fomos fundamentais para a
construção do Brasil tanto no sentido econômico, social, cultural, popu-
lacional, a gente falando da nossa religião, nossa religião tem várias
nuances, várias nações, várias identidades dentro da nossa religião.
Claro que a gente tem nossa identificação como todo global, mas a gen-
te tem nossa especificidade enquanto angoleiro. Eu queria que o senhor
falasse o quê os angoleiros de ontem e de hoje podem ensinar o Brasil e
para o mundo?

Tateto Mukalesimbi: Se você pegar dentro do próprio dicionário portu-


guês, tem vários exemplos da língua, da influência Bantu na língua por-
tuguesa, não digo na língua portuguesa falada em Portugal mas na língua
portuguesa falada no Brasil, essa fluência que nós temos com as pala-
vras, muitas dessas palavras que são usadas hoje é de origem Bantu e
esta contribuição é de um legado do Povo Bantu que aqui se instalou des-
de o começo da escravidão no Brasil.

Comportamentos de construções, de edificações, de cuidado com o meio am-


biente, com a terra, cuidado com água, com a agricultura, com manejo de
animais, essas questões todas nós hoje temos isso como prática que foi
herdada por nossos antepassados e isso dentro de nós é intríseco, então
assim, eu costumo dizer que todo o Povo Bantu, todo povo de Candomblé
Kongo-Angola ou de outra matriz também acaba sendo influenciado direta-
mente com comportamentos Bantu porque chegamos aqui primeiro, nos insta-
lamos primeiro, criamos toda nossa estrutura, seja ela de linguística,
seja ela de comportamento e que a partir do momento que houve essa mis-
tura entre outros povos, cada um foi se apropriando, vamos dizer assim,
foi se melhor colocando dentro do seu fazer pessoal.

Então o povo Kongo-Angola, o Povo Bantu, seja ele de qualquer denomina-


ção que veio de Angola ou de África para cá, acaba que aqui no Brasil
tem essa influência Bantu mais predominante, seja na gíria, seja no sam-
ba que é um dos nossos exemplos maiores, o próprio samba de viola, sam-
ba de caboclo que é uma das vertentes que também é cultuada no candomblé
de Angola e acaba sendo que é uma característica, o sorriso fácil, o não
desistir da luta, o estar sempre pronto para poder desbravar o dia, to-
dos esses comportamentos são do Povo Bantu, povo que tá ali resistindo
há mais de 500 anos a todos os efeitos da escravidão, a todos os efeitos
do pós-escravidão, do próprio racismo a gente vai se reiventando. Mas o
que a gente tem de fato como comportamento é essa alegria e essa resili-
ência que o Povo Bantu, ele é resiliente, eu não só o Povo Bantu, mas o
povo afro-religioso, nós povos de Matriz Africana que somos descendentes
desses ancestrais, nós somos resilientes por natureza, isso é uma ca-
racterística que é muito latente em nós, povos de Candomblé. Eu poderia
ficar aqui a noite toda falando de exemplos de coisas que a gente tem
no nosso dia a dia, da palavra, da literatura, da língua e da influên-
cia Bantu mais predominante, seja na gíria, seja no samba que é um dos
nossos exemplos maiores, o próprio samba de viola, samba de caboclo que
é uma das vertentes que também é cultuada no candomblé de Angola e acaba
sendo que é uma característica, o sorriso fácil, o não desistir da luta,
o estar sempre pronto para poder desbravar o dia, todos esses comporta-
mentos são do Povo Bantu, povo que tá ali resistindo há mais de 500 anos
a todos os efeitos da escravidão, a todos os efeitos do pós-escravidão,
do próprio racismo a gente vai se reiventando. Mas o que a gente tem de
fato como comportamento é essa alegria e essa resiliência que o Povo
Bantu, ele é resiliente, eu não só o Povo Bantu, mas o povo afro-reli-
gioso, nós povos de Matriz Africana que somos descendentes desses an-
cestrais, nós somos resilientes por natureza, isso é uma característica
que é muito latente em nós, povos de Candomblé. Eu poderia ficar aqui a
noite toda falando de exemplos de coisas que a gente tem no nosso dia a
dia, da palavra, da literatura, da língua e da influência mesmo do ne-
gro Bantu no comportamento do brasileiro mas isso aí os nossos antropó-
logos, nossos estudiosos e outros pesquisadores têm aí nos colocado a
disposição, a própria internet também nos facilita muito esse acesso e o
Mukongo ele traz também essa discussão da atualidade que abre o espaço
do terreiro para dialogar com os mais jovens, com a universidade, traz a
academia para dentro do terreiro para discutir justamente essa questão
dos tradicionalismos, do fundamentalismo, da literatura, da cultura, da
filosofia Bantu para que nada se perca ao longo do tempo.

O Mukongo além de espaço religioso sociocultural, ele também passa a ser


um espaço educacional a partir do momento que nós dialogamos com todos
os nossos iguais e abre as portas do nosso terreiro para receber a uni-
versidade e fazer as nossas rodas de conversa, tirar as dúvidas, des-
mistificar comportamentos e falas que há muito tempo tem nos subjugado.
Para melhor entender o que é o candomblé de Angola, o que é o comporta-
mento do povo, da cultura Bantu tem que viver o terreiro de candomblé,
tem que viver o candomblé de Angola, tem que participar, tem que visi-
tar. E para isso a gente deixa sempre as portas abertas para visitação.
Continuidade Infinita

Se pararmos para refletir sobre a história dos conhecimentos passados


através de gerações para que o Mukongo exista tal como é, entenderemos
que nós fazemos parte de uma continuidade que não se finda. Mesmo nas
mais adversas condições, homens e mulheres lutaram para que nossa dig-
nidade fosse mantida e nossa fé em nossos Minkisi pudesse ser exercida.
Não é e nunca foi fácil manter a integridade e o respeito por nossa re-
ligião. Muitas vezes nossos ancestrais tiveram que colocar suas vidas
em risco e enfrentar a opressão de frente como fez Twenda Nzambi ao en-
frentar as perseguições policiais contra o Tumbenci no século XX.

A resiliência, a sabedoria e a força da fé foram colocadas como meios


de resistência coletiva implacáveis. Saber defender nossa vida e nossa
cultura hoje é respeitar o legado daqueles e daquelas que vieram antes
de nós e também defender melhores dias para aqueles que no futuro virão.
Saber preservar nossa essência independentemente das grandes mudanças
que o mundo passa. Isso é Ancestralidade. A vida não acaba quando nós
não estamos mais aqui no mundo material, nós sempre retornamos pelas vi-
das de nossos descendentes sejam eles biológicos ou espirituais. Todos
nós deixamos marcas no mundo, sejam elas negativas ou positivas, que são
longevas. O Mukongo, nesses 16 anos de existência em São Francisco do
Conde tem deixado marcas positivas que reafirmam o legado de nossos an-
cestrais.

Muitas pessoas já encontraram no Mukongo uma cura, uma palavra positiva,


um alimento de axé. Muitas outras encontraram o lugar para aprender o
que é necessário para cuidarem de si, de sua fé e de sua continuidade. O
Mukongo tem uma comunidade que faz a diferença, somos afrodescendentes,
orgulhosos de nossa fé. A história do Mukongo demonstra que, independen-
te de nossas falhas, estamos contribuindo para uma cidade mais democrá-
tica na qual o exercício das mais diversas matizes religiosas seja sinô-
nimo de respeito mútuo. E continuaremos fazendo.

Porque, afinal, somos parte de uma continuidade infinita. Este último


capítulo, desfecho dessa primeira obra sobre a história do Mukongo, tra-
ta-se de uma entrevista com nossa Hutala Nengua Maza Huká. Maza tem 11
anos, chegou no Mukongo ainda bebê, experiencia sua infância dentro do
candomblé. Há poucos meses ela cumpriu sua obrigação de 7 anos iniciada
para Nkisi, e está sendo preparada para um dia ser zeladora do Mukongo e
todo legado que este terreiro carrega.
Mazá Huká

Lungu Azami: Eu sei que você cresceu aqui no Mukongo, você chegou aqui
quando ainda era um bebê, como está sendo para você sua infância aqui
dentro de um terreiro de Candomblé? Como é para você ser uma criança de
candomblé?
Maza Huká: Eu acho eu amo minha religião, eu não posso largar minha re-
ligião para nada eu não posso largar minha religião para nada eu amo o
que eu sou
Lungu Azami: Você tem orgulho de ser filha de Kavungu?
Maza Huká: Tenho.
Lungu Azami: Você já passou por algum preconceito por ser de candomblé?
Na escola ou em alguma situação?
Maza Huká: Já
Lungu Azami: Como foi isso?
Maza Huká: Eu estava na sala aí uma pessoa chegou perto de mim falou que
minha religião era do diabo. Aí eu chamei a diretora e a diretora tratou
com ele.
Lungu Azami: E você fez o que na hora? Você chorou?
Maza Huká: Não. Só falei para meu pai.
Lungu Azami: E meu pai foi lá e falou com a diretora?
Mazá Huká: Foi
Lungu Azami: Você estava de ojá?
Maza Huká: Não.
Lungu Azami: Você acha que é díficil ser uma criança de candomblé?
Maza Huká: Não. É fácil.
Lungu Azami: Aqui dentro né? E lá fora desses muros aqui?
Maza Huká: É fácil também.
Lungu Azami: Fácil é? Então por que você sofreu preconceito?
Maza Huká: Risos.
Lungu Azami: Pois é. Não é tão fácil assim como parece né.
Maza Huká: Pois é. risos.
Lungu Azami: Sim Maza, desde quando você chegou aqui essa roça já mudou
muito, quando você era criança essa estrutura não era assim dessa for-
ma, esse muro era diferente o barracão era diferente. A casa de Exu era
igual né, mas o espaço era completamente diferente né? E desses tempos
para cá, como você vê essas mudanças? Como você vê não, melhor, descreva
como era antigamente para o que se vê hoje em dia.
Maza Huká: A casa de Exu não era colado daqui não. Era separado. E o
barracão não era assim não.
Lungu Azami: Do lado daqui aonde? Daqui do assentamento de Tempo?
Mazá Huká: Uhum. E o barracão não era assim não. tinha uma porta, tinha
uma janela. O roncó não era ali, era lá do outro lado.
Lungu Azami: O roncó era lá perto do quarto de Lembá?
Maza Huká: É!
Lungu Azami: E como era a Casa de Katendê?
Mazá Huká: Era aberto.
Lungu Azami: E a cabana sempre foi assim, a cabana de 7 Serras?
Mazá Huká: Sim
Lungu Azami: E aquele assentamento ali do lado de Nzinga ? Quando você
era criança já tinha?
Maza Huká: Já.
Lungu Azami: E vem cá, como foi para você crescer entre as pessoas do
candomblé, os mais velhos você acha que as pessoas estão contribuindo
com sua formação?
Maza Huká: Estão!
Lungu Azami: Se você fosse falar com uma criança de candomblé de outro
lugar que você não conhece. O que você falaria para ela? Sei lá, pensei
numa criança de outro estado da sua idade que é de candomblé. O que você
falaria para essa criança, assim como uma palavra de força?
Maza Huká: Ah, eu falaria que sempre iria proteger ela e meu orixá tam-
bém. Sempre estaria ao lado dela.
Lungu Azami: Mês passado, você deu sua obrigação de 7 anos, agora já não
é mais uma Muzenza, agora você é uma Nengua. Como foi esse processo?
Mazá Huká: Foi muito, sei lá, uma transformação assim.
Lungu Azami: Uma transformação é? Você se sente grande agora? Como você
vê essas responsabilidades que agora você vai ter ?
Maza Huká: Olha, eu não estou muito preparada para isso, mas com certeza
Omulu e Nanã vai …
Lungu Azami: Te dar caminho para você ficar preparada?
Maza Huká: É!
Lungu Azami: Como você vê no futuro o Mukongo, no sentido de que tipo
um dia você vai estar a frente disso tudo aqui. O que você pensa sobre
isso, eu sei que você não está preparada agora para isso, não é o momen-
to mas um dia você deve estar preparada, e como você acha que vai ser
isso?
Maza Huká: Todo mundo vai me respeitar, eu vou sempre ficar ensinando.
Tipo assim, eu vou ter uma filha aí eu tenho que cuidar dessa filha eu
vou cuidar do meu jeito que me ensinaram aqui entendeu? Eu vou ensi-
nar tudo, a cantar, a dançar, a fazer reza, a fazer tudo. Quando levan-
tar, tomar banho, tomar benção da casa, bater paó. Vou levar para tomar
maianga quando tiver de ser, essas coisas
Lungu Azami: Se você pudesse enviar uma mensagem para todos que comungam
com nossa fé que é da religião e tem fé nos orixás, o que você falaria
para essas pessoas?
Maza Huká: Assim, nossos orixás não vão deixar a gente perder o caminho
nunca e vão sempre cuidar da gente.
Lungu Azami: Axé!
O autor do livro.

@makau_ngola
macaulaypereirabandeira@gmail.com

Filho de uma família negra da Baixada Fluminense, sua mãe, Nicéa Fonseca
Pereira, enfermeira, e seu pai, Claudionor Viana Bandeira, funcionário
público da Sucam-RJ. O autor nasceu em 1996 na cidade do Rio de Janeiro
e cresceu em Nova Iguaçu, foi registrado com o nome de Macaulay Pereira
Bandeira. Tem como ofício escritor, poeta, pesquisador e comunicador. De
2015 a 2017, estudou Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Neste período, para além da universidade, passa a es-
tudar sobre a história do povo negro, pensamento intelectual negro-afri-
cano, sobre a questão racial e afins. Participa ativamente de coletivos
universitários negros que moldam sua formação e sua consciência políti-
ca. O Coletivo Preto Dandaras da Baixada, organização esta que compõe
até hoje, teve um papel fundamental em seu processo de conscientização,
organização e produção de afeto preto.

Em 2017, o autor deixou o Rio de Janeiro para ir estudar na Bahia, espe-


cificamente em São Francisco do Conde, na Universidade da Integração In-
ternacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) onde se formou no Ba-
charelado Interdisciplinar em Humanidades em 2018. Neste mesmo ano, além
de se mudar para Santo Amaro da Purificação se insere na Capoeira Angola
se tornando aluno do Grupo de Capoeira Angola Cativeiro de Mestre Adó.
Neste mesmo ano, viaja pela primeira vez para África, nomeadamente para
Cabo Verde, país insular localizado a 400 km da costa ocidental africa-
na. Esta viagem tem um lugar especial em sua trajetória.

Em 2019, por meio de um professor afro-cubano Pedro Acosta Leyva, vem a


conhecer o Nzó MutalesiKongo e Pai Alex de Kabila. Pouco a pouco, foi
estreitando as relações porque tinha intenção de se cuidar espiritual-
mente e exercer sua fé nos Orixás/Minkinsi. Em 2020, além de começar sua
segunda graduação em Relações Internacionais pela UNILAB, ingressa no
mestrado no Programa de Estudos Étnicos e Africanos da Universidade Fe-
deral da Bahia (UFBA). Em 2021, no mês de julho passa pelo seu processo
iniciático no Candomblé na nação Angola Kongo pelas mãos de Tata Mukale-
simbi (Pai Alex de Kabila). Inicia-se para Tat’etu Luango e Mam’etu
Nvunji e recebe seu nome ancestral como Lungu Azami.

Ainda em 2021, Lungu Azami é aprovado no Edital Aldir Blanc pela Secre-
taria de Cultura e Turismo de São Francisco do Conde para o modalidade
E-pub, no qual escreve o presente livro. Trata-se do primeiro livro de
sua trajetória.
A Prefaciadora do livro

@poetadaancestralidade
catiareginacorreia@gmail.com

Cátia Regina Correia é Artivista, poeta e literata. curadora das pala-


vras, em diálogo constante com as múltiplas possibilidades de nar-
rativas, que comunicam a partir do corpo lírico ,oralituras, e escrevi-
vências. Emerge sua experiência sensorial, em seu trabalho autoral, com
a alcunha de “ Poeta da ancestralidade”. Nascida no recôncavo da Guana-
bara, atual região da Baixada Fluminense (RJ). É residente no recôncavo
da Bahia. Caminhos entre os Reflexos Das narrativas da encruzilhada
de sua própria África,Corpo-território-ancestral, a partir de suas vi-
vências junto às irmandades dxs pretxs da contemporaneidade.
A Ilustradora do livro

@folhadeloro
folhadeloroart@gmail.com

Folha de Lôro, tem 20 anos, é estudante de artes da Universidade Federal


da Bahia, designer e artista visual soteropolitana, suas criações trazem
como conceito suas vivências e olhares, majoritariamente, voltados para
o cenário artístico/cultural candomblecista. Filha do Tat’etu Mutakalam-
bo e do Nzó MutalesiKongo.
Glossário

Abdias do Nascimento - Nascido em março de 1914 em Franca-SP, foi um in-


telectual, professor universitário, dramaturgo, pintor, ator, poeta, mi-
litante afro-brasileiro. A história da vida de Abdias Nascimento reflete
a história da resistência política negra no século XX. Foi organizador
do Teatro Negro Brasileiro (TEN) nos anos 40, organização pioneira do
teatro negro brasileiro. Nos anos 60, devido a perseguição política da
ditadura civil-militar brasileira é exilado nos Estados Unidos, no campo
internacional além de ter sido docente de grandes universidades nos Es-
tados Unidos e na Nigéria, teve uma forte atividade política nos foros
internacionais posicionando-se sempre contra o mito democracia racial
que insistentemente as comissões diplomáticas brasileiras defendem, além
de ter um importante lugar em apresentar o povo negro brasileiro para o
Mundo Negro mundial.

Agé de Beno Beno - Caboclo regente na vida de Mam’etu Riasú. Patrono do


Nzó Mutalemim.
Azenza: Plural de Muzenza. Ver verbete Muzenza.
Bantu - “s.m. (1) Cada um dos membros da grande família etnolinguística
à qual pertenciam, entre outros, os escravos no Brasil chamados angolas,
congos, cabindas, benguelas, moçambiques etc, que engloba inúmeros idio-
mas falados, hoje, na África Central, Centro-Ocidental, Austral e par-
te da África Oriental. // adj. Pertencente ou relativo aos bantos ou às
suas línguas. Do termo multilinguístico ba-ntu, plural de mu-ntu, pes-
soa, indivíduo.” (LOPES, 2012, p. 45)

Gongobila - Divindade, Nkisi, ligada à energia da pesca e da caça. Pa-


trono do Nzó MutalesiKongo.

Hongolo - Do quimbundo significa Arco-íris, divindade, ligado à prospe-


ridade, à diversidade.

Jingoma - Plural de Ngoma. Ver verbete Ngoma.


Kabila - Divindade, Nkisi, ligado ao pastoreio, à prosperidade, à abun-
dância. Do clã dos caçadores, é o Nkisi de frente do Nzó MutalesiKongo.
Kaiala - Divindade, Nkisi, ligado ao mar, oceano.

Katendê - Divindade, Nkisi, ligado às folhas sagradas, à mata, à flora.

Katisaba 7 Serras - Caboclo regente na vida de Tata Mukalesimbi. Prote-


tor de todos filhos do Nzó MutalesiKongo.

Kavungu - Divindade, Nkisi, ligada à terra, à cura de todas as doenças,


à velhice e à sabedoria.
Kimbwandende Kia Bunseki Fu­
Kiau - “Nascido em Manianga, no interior da
atual República Democrática do Congo, no ano de 1934, Bunseki Fu-Kiau
iniciou-se em três grandes escolas de pensamento tradicional bantu (Lèm-
ba, Khimba e Kimpasi), assim como, mais tarde, ingressou numa relevante
carreira acadêmica (nas áreas de Antropologia Cultural, Biblioteconomia
e Educação), tendo, para tal, emigrado do seu país de origem em direção
aos Estados Unidos. Deste modo, também teve acesso significativo ao sis-
tema ocidental de pensamento.” (SANTANA, 2019, p. 110-111)

Kilombo - Do Kimbundo significa união. Kilombo é uma instituição políti-


ca, militar, social dos povos Imbangala-Jaga em Angola. No período colo-
nial brasileiro, este modelo societal chega no Brasil através dos afri-
canos bantu, aqui no Brasil convencionou-se chamar de “quilombo”, umas
das experiências mais longevas de resistência cultural, política e mili-
tar negra foi o Quilombo dos Palmares localizado entre na Serra da Bar-
riga entre Pernambuco e Alagoas teve quase um século de existência. Seu
último líder Zumbi dos Palmares faz parte do imaginário coletivo afro-
-brasileiro como um símbolo de emancipação, o dia de sua morte 20 de no-
vembro é o Dia da Consciência Negra no Brasil. Umas das maiores estudio-
sas sobre Kilombo Maria Beatriz Nascimento diz que “quilombo não é, como
a historiografia tem tentano traduzir, simplesmente um reduto de negros
fugidos, simplesmente a fuga pelo fato dos catigos corporais, pelo fato
de os negros existirem dentro de uma sociedade opressora, mas também a tentativa de indepen-
dência, quer dizer, a independência de homens que procuram por si só estabelecer uma vida para si, uma
organização social de negros, que foi só os negros que empreenderam essa organização social e que foi parlela
durante todo o período da escravização. E mais importante ainda, sendo essa uma organização social, ela se
projetou no século XX como uma forma de vida do negro e perdura até hoje. (NASCIMENTO, 2018, 129)
Laje Grande - Caboclo regente na vida de Mam’etu Tawamim.
Lembá Ngana - No Candomblé Angola-Kongo trata-se de uma divindade da energia da criação humana, da
paz e da tranquilidade.

Logosê - No linguajar do Candomblé Angola refere-se ao cágado.

Luango - Divindade, Nkisi, ligada ao ronco do trovão. Tem relação com Nzazi.

Makota - “[...] Nos CANDOMBLÉS bantos, sacerdotisa com muitos anos de iniciação, profunda conhecedora
da liturgia e dos fundamentos. [...] Do quimbundo makota, pl. de dikota, mais velho, maioral” (LOPES, 2012,
p. 151)

Makota Valdina (Makota Zimewanga) - Nascida em Salvador no dia 15 de outubro de 1943 foi uma profes-
sora, educadora, sacerdotisa, defensora dos direitos dos povos de religião de Matriz Africana e da população
negra. Makota Valdina era uma pensadora e tinha inserção dos movimentos políticos e culturais negros, teve
importância fundamental para valorização da Nação Angola-Kongo quando afirmou sua identidade angolei-
ra ao utilizar o termo “Makota” e não “Ekedji”. Ao longo de sua vida, além de ser uma das lideranças sacer-
dotais do Nzó Tanuri Junsara, teve um papel preponderante na disseminação da filosofia Angola-Kongo na
Bahia e no Brasil, inclusive ela recebeu Bunseki FuKiau quando este veio à Bahia.

Mam’etu - “s.f. Mãe de santo nos candomblés bantos (BH). Do quimbundo mama etu, mam’etu, nossa mãe.
(LOPES, 2012, p. 157)
Maria Beatriz Nascimento - Nascida em 1942 em Sergipe, muda-se com a
família ainda criança para o Rio de Janeiro. Torna-se uma intelectual,
educadora, historiadora, poetisa, militante. Múltipla. Beatriz Nascimen-
to foi uma das mais importantes pensadoras do século XX, tinha pesquisas
profundas sobre Quilombo, cultura negra e racismo entre outros assuntos.
Participou efetivamente em momentos importantes da história do movimen-
to negro do século passado contribuindo para o pensamento social negro
brasileiro. Em 1995, foi vítima de um feminicídio no Rio de Janeiro, ela
deixa um grande legado infelizmente ainda invisibilizado nos espaços de
produção de conhecimento hegemônicos.

Mona Dya Nkisi - Filho ou filha de santo. Do quimbundo mona significa


criança.

Minkisi - Plural de Nkisi. Ver verbete Nkisi.

Mukongo - Do quimbundo significa caçador.

Muzenza - “s.f. (1) Filha de santo, em CANDOMBLÉS de NAÇÃO ANGOLA. (2)


Primeira dança pública dos recém-iniciados.” (LOPES, 2012, p. 187)

Nengua - “s.f. Cargo hierárquico dos CANDOMBLÉS bantos, correspondente


ao da ialorixá nagô (YP). Do quicongo némgwa, mãe, mamãe.” (LOPES, 2012,
p. 189). Representa a maioridade sacerdotal de uma Muzenza.

Ndanji - No linguajar do Candomblé Angola-Kongo significa linhagem.

Ndemburu - Espaço sagrado considerado o ventre do terreiro, onde são re-


colhidas as pessoas para o processo iniciático.

Ndumbe - Noviços não iniciados que estão em processo de aprendizagem e


preparação para iniciação.

Ngana Pambu-a-Nzila - Divindidade, Nkisi, ligada à comunicação entre o


mundo material e o mundo espiritual. Primeiro de tudo. Primeiro a comer,
a ser saudado. Ngana do quimbundo significa senhor, Pambu-a-Nzila signi-
fica encruzilhada, portanto, Senhor das Encruzilhadas.

Ngoma - “s.m Tambor (YP). Do termo multilinguístico banto ngoma, tambor.

Ngunzo - Energia vital que está presente em todas as coisas, nos seres
humanos, nos plantas, nos animais, na natureza de maneira geral. Ngunzo
é fundamental na cosmogonia do Candomblé Angola-Kongo. Ngunzo é equiva-
lente ao termo Axé da nação Ketu.

Nkisi - Divindades cultuadas pelo povo de Candomblé Angola-Kongo.

Nkosi Mukumbe - Divindade, Nkisi, ligada a energia da batalha, da cria-


tividade tecnológica, da proteção da comunidade, do ferro, da caça. Tam-
bém conhecida como Hoji que significa Leão em quimbundo.
Nsabas - “s.f. Folha, erva; conjunto de folhas de utilização ritu-
al (ENC). De étimo banto. No quicongo, nsaba significa pequeno jardim,
plantação de tabaco. O termo quimbundo que corresponde ao português
“folha” é kisaba que talvez faça o plural em insaba ou isaba.” (LOPES,
2012, p. 137)

Nsi - Do kimbundo significa terra em português.

Nvunji - “adj. 2 gên. (1) Muito sabido, atilado, esperto. // s.m (2) Em
determinados CANDOMBLÉS, espírito traquinas, brincalhão. De origem ban-
ta. Provavelmente do quimbundo. Q.v. *nvungi, pessoa simples; * Vúngi,
divindade da justiça (RIBAS, 1985b, p. 221); *mvungi, criança nascida
de gravidez em que a menstruação não cessou (MATTA, 1893, b)” (LOPES,
2012, p. 255). Mam’etu Nvunji é uma divindade que representa a energia
de criança, de maternidade, da sensatez e da justiça, comumente sua re-
ferência é associada aos êres no Candomblé Angola-Kongo.

Nzambi Apongo - Significa Deus Supremo.

Nzinga - Divindade, Nkisi, ligado à energia das serpentes aquáticas.

Nzó - No linguajar do candomblé Angola-Kongo refere a unidade territo-


rial tradicional, referente a terreiro, casa, ilê.
Nzó Mutalemim - Primeiramente intitulado Terreiro Deus e as Águas de São
Benedito Katispero fundado por Mam’etu Riasú no começo do século XX em
Mata de São João -BA, quando ela falece, Mam’etu Tawamim renomeia para
Nzó Mutalemim.
Nzó Tumba Junsara - Terreiro fundado por Tat’etu Nlundiamungongo (Mano-
el Ciriaco de Jesus) em Acupe, Santo Amaro da Purificação.

Nzó Tumbenci - Terreiro de tradição Angola-Kongo fundado por Kimbanda


Kinunga (Roberto Barros Reis) em 1850 em Salvador.

Pépelê Jingoma - Altar sagrado onde se posiciona os atabaques (jingoma)


para percussão e orquestra dos Minkisi. em frente aos atabaques onde
ficam coisas essenciais para o Xirê nas cerimônias religiosas.

Ojá - Lenço que envolve a cabeça dos iniciados em Nkisi.

Sabagy - Espaço no qual se recolhem e se aprontam os Minkisi para dança-


rem no barracão. Esta palavra é uma variante Jeje-Nagô utilizada em al-
guns Nzó.

Soba Nzazi - Divindade, Nkisi, ligada aos raios, a força da justiça sa-
grada. Nzazi significa em quicongo Raio. Soba significa Rei. Portanto
Soba Nzazi, Rei Raio.

Tata - “s.m (1) Nos cultos de origem banta, grande sacerdote, chefe de
terreiro (OC). (2) Na linguagem familiar gaúcha, o mesmo que papai, papá
(ZN). Do termo multilinguístico (quimbundo, quicongo, etc.) tata, pai
(LOPES, 2012, p. 241)

Tata Dya Nkisi - “s.m. Tata, pai de santo (BH). Q. v. TATA e INQUICE”
Tata Kambono - “s.m. Em terreiros bantos, ogã encarregado de dirigir a
orquestra e puxar os cânticos (ENC).” (LOPES, 2012, p. 241) Além das
responsabilidades musicais nas cerimônias, existem uma série de funções
que os Tata Kambono são incumbidos no sentido de apoiar o/a sacerdote(i-
sa) em manter o funcionamento do terreiro.
Tata Kamukeenge - Cargo chamado pai pequeno na hierarquia sacerdotal de
um terreiro, significa que o Tata Kamukeenge é o segunda pessoa respon-
sável por um terreiro.
Tata Kisaba - “s.m. Em CANDOMBLÉS bantos, homem encarregado da cole-
ta das folhas rituais (ENC). De TATA+INSABA = “pai das folhas” (LOPES,
2012, p. 242)

Tat’etu - “s.m Chefe de culto (YP). Do quimbundo tata etu > tat’etu,
nosso pai.” (LOPES, 2021, p. 242)

Tempo - “[...] Do quicongo Témbo (Tembwa), nome de um INQUICE, derivado


de témbo, vento violento. A forma Tempo é encontrada no quioco, no nome
da heroína civilizadora Ndumba Tempo ou Ndumba wa Tembwé.” (LOPES, 2012,
p. 242). Na cosmogonia Angola-Kongo no Brasil é considerado o Rei de An-
gola. Carrega a bandeira branca como símbolo, todos os terreiros de An-
gola, mas não só, tem a bandeira branca de Tempo hasteada.

Vodum - Divindades cultuados pelo povo de Candomblé Jejê-Nagô


Imagens

Ajoye Odé Tundé levando água para fazer Sukurinise nos, anos iniciais do Mukongo /// Kota Mutinta Dilesi (In memorian)

Tat’etu Mukalesimbi / Nengua Onilesi Kamugeenge /// Portal do Mukongo nos anos iniciais, Casa de Nzila de pé

Primeiros anos da construção do barracão do Mukongo


Primeiros anos da Casa de Tempo, Rei de Angola, no Mukongo // Primeira construção do muro do Mukongo

Povo do Mukongo na kizomba de Kitembo /// Makota Ndemburo Célia, Coco Amean e Maza Huká

Makota Ndemburo Célia (in memoriam) /// Tata Mukalesimbi e Nengua Tawamim
Povo do Mukongo
Povo em Kizomba em
do Mukongo kizomba /// ///Makota Ndemburo Célia (in memoriam)

Makota Célia, Nengua Kafungeci e Tata Kiamungongo // Povo do Mukongo em Kizomba de Kitembu

Nkukuana no Mukongo
Tabuleiro de Omolu // Kota Rifumba Mona Nganga

Tata Oro Delci de Ndandalunda no Nzó Mutalemi // Kota Rifuma Mona Nganga

Nengua Tawamim e Tata Mukalesimbi


Kota Mona Nganga, Tata Lungu Azami, Nenguna Kisamba e Ogan Obademin // Nengua Kafugeci

ojé Almendes e Tata Kiamugongo // Tata Nvulasessi, Tata Kiamugongo e Tata Assumean

Atividade dos estudantes da UNILAB no Mukongo // Makota Itale e as ndubis


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FERREIRA, Tássio. Pedagogia da Circularidade Afrocênica: diretrizes me-


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LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto no Brasil. 2. ed. - Rio de Janeiro:


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Bunseki Fu-Kiau: tradução negra, reflexões e diálogos a partir do Bra-
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Sites acessados:

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https://inzotumbansi.org/2009/11/17/maria-genoveva-do-bonfim-o-nascimen-
to-da-nacao-congoangola-no-brasil/

http://www.museudigitalterreirotumbenci.uneb.br/

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