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Universidade Federal de Campina Grande

CCBS – Unidade Acadêmica de Psicologia

Processos Psicológicos Básicos

7. INTELIGÊNCIA

José Roniere Morais Batista


Eldo Lima Leite

Por exemplo, a observação me mostra que você esteve esta manhã na agência postal
da Wingmore Street, mas a dedução me faz saber que, ao chegar lá, expediu um
telegrama. – Correto – exclamei. – Correto em ambos os pontos! Mas confesso não
perceber como possa ter chegado a isso. Foi uma coisa que de repente me deu na
telha, e não mencionei a ninguém. — Pois é a própria simplicidade — afirmou ele,
rindo da minha surpresa. Tão absurdamente simples que torna supérflua qualquer
explicação. Contudo, pode servir para definir os limites da observação e da dedução.
A observação me diz que você tem um pequeno torrão avermelhado preso à sola do
sapato. Exatamente em frente à agência postal da Wigmore Street, abriram a calçada,
deixando um pouco de terra no caminho, de forma que é difícil não pisá-la ao entrar.
A terra é de um vermelho típico, que, até onde sei, não se encontra em qualquer outro
lugar das redondezas. Tudo isso é observação. O resto é dedução. — Como deduziu,
então, que mandei um telegrama? — Ora, evidentemente, eu sabia que não tinha
escrito uma carta, uma vez que passei toda a manhã sentado à sua frente. Vejo, além
disso, que há uma folha de selos na sua escrivaninha e um grosso maço de postais.
Para que iria, então, à agência postal, senão para mandar um telegrama? Elimine
todos os outros fatores, e o que restar deve ser a verdade.

Arthur Conan Doyle

Inquestionavelmente a figura fictícia de Sherlock Holmes é associada à imagem de uma


pessoa com elevado grau de inteligência. Seu exacerbado poder dedutivo lhe rendeu o
qualificativo de maior detetive da literatura. Não é difícil para nós aceitarmos que as habilidades
de raciocínio lógico e de conhecimento linguístico estão associadas com uma grande
inteligência. Nunca conheci alguma pessoa que tenha colocado em questão a inteligência de
Albert Einstein ou de qualquer outro físico. Mas o que dizer de outras habilidades, como as
demonstradas no mundo das artes, onde encontramos grandes músicos, pintores, escultores,
desenhistas e dançarinos? Usualmente classificamos esses indivíduos como criativos,
disciplinados, intuitivos, sensíveis, mas, dificilmente, como inteligentes. Seria a inteligência
restrita à nossa capacidade de raciocínio e à habilidade linguística? E uma pergunta mais
importante: o que é inteligência?

Ao longo da história da psicologia muitas definições foram apresentadas para a


inteligência, mas a grande maioria delas coincide em dois pontos: nossa capacidade para
aprender com a experiencia e seu valor adaptativo. Além desses fatores, veremos ao longo do
capítulo que as abordagens mais recentes se preocupam em entender a inteligência em seu
valor prático nos diferentes contextos do cotidiano. Dessa forma, vamos iniciar com uma
definição que incorpora todos esses elementos:

Inteligência – É a capacidade para aprender com a experiência, usando processos


metacognitivos para incrementar a aprendizagem e a capacidade para adaptar-se ao meio
ambiente que nos cerca. Pode exigir adaptações diferentes no âmbito de contextos sociais e
culturais diferentes. (Sternberg,2009, p.474)

Dois tópicos são recorrentes no estuda da inteligência, a forma como ela é mensurada
e os modelos que buscam explicar sua estrutura e funcionalidade. Na verdade, a história da
mensuração da inteligência é totalmente intrincada com a própria tentativa de se defini-la.
Durante algumas décadas, os behavioristas consideraram que a inteligência era justamente
aquilo que os testes mediam. Evidentemente essa tautologia vai se mostrar equivocada,
principalmente com a chegada da psicologia cognitiva, por volta dos anos 1960. Ainda assim, a
história da testagem da inteligência é crucial para sua compreensão e ainda desempenha um
importante papel na psicologia nos dias atuais.

MENSURAÇÃO DA INTELIGÊNCIA
Um dos primeiros teóricos a tentar mensurar a inteligência foi o britânico Francis
Galton, que foi motivado pelo possível papel que a genética teria na manifestação da
inteligência. Pela lógica de Galton, que era primo de Charles Darwin, algumas famílias tinham
mais membros inteligentes, e até gênios, em detrimento de outras famílias que, aparentemente,
não apresentavam parentes dotados com a mesma capacidade cognitiva. Ele tomou isso como
evidência de que a hereditariedade poderia ter um papel importante na determinação da
inteligência. Claro que Galton não considerou a importância do meio ambiente, uma vez que as
famílias que tinham mais pessoas inteligentes eram justamente as que possuíam mais recursos
e, consequentemente, melhores oportunidades de educação, mais tempo para estudar, além
de serem capazes de ter acesso a materiais valiosos para a aprendizagem.

Engajado em tentar mensurar a inteligência, Galton montou um laboratório em um


museu de Londres e passou a mensurar aspectos psicofísicos dos participantes de sua pesquisa.
Ele acreditava que as capacidades psicofísicas como a acuidade visual, capacidade auditiva,
habilidade em distinguir estímulos sonoros e táteis, força do sopro, vigor, dentre outras,
poderiam fornecer bons indicadores de inteligência, uma vez que considerava que o
conhecimento chegava à mente por meio dos sentidos. As medidas da inteligência de Galton,
no entanto, não apresentavam correlação com outros indicadores de inteligência, como por
exemplo, o rendimento acadêmico na universidade. A ideia de Galton foi abandonada, mas a
associação da inteligência com elementos psicofísicos retornaria décadas depois sob um novo
formato, nos estudos da psicologia cognitiva. Falaremos mais sobre isso em um outro momento.
A Escala de Inteligência Stanford-Binet
No início do século XX, Alfred Binet (1857-1911), renomado psicólogo francês, foi
incumbido pelo governo da França para criar uma forma de detectar as crianças que possuíam
uma incapacidade mental, de forma que estas pudessem ser direcionadas a escolas especiais.
Binet, juntamente com seu parceiro Theodore Simon, criaram um procedimento para mensurar
as habilidades cognitivas dos estudantes, com foco na capacidade de julgamento ético e moral,
atenção, memória e pensamento lógico (Davidoff, 2012). A escala Binet-Simon, como ficou
conhecida, classificava os participantes com base em suas respostas atribuindo uma idade
mental com base no escore total atingido. Dessa forma, uma criança de 7 anos que apresentasse
respostas na média das crianças da mesma idade, recebia um nível mental de 7. Essa mesma
criança poderia receber uma idade mental de 10 anos caso sua resposta fosse acima da média
para sua idade cronológica. Quando uma criança apresentava uma idade mental dois anos
abaixo da idade cronológica, era classificada como mentalmente retardada.

Quando chegou aos Estados Unidos, a escala Binet-Simon passou por uma revisão sob a
supervisão de Lewis Terman (1916), psicólogo da universidade de Standford, que padronizou
sua aplicação e incorporou o conceito de Quociente de Inteligência (QI) proposto por Willian
Stern (1912). O Quociente de Inteligência (QI) era a razão entre a idade mental e a idade
cronológica, multiplicada pelo valor 100. O resultado era uma proporção de inteligência que
permitia a comparação do desenvolvimento do QI entre diferentes grupos etários. O teste
passou a ser conhecido como a Escala de Inteligência Stanford-Binet, e é um dos testes de
inteligência mais populares até os dias de hoje.

A tabela a seguir adapta alguns exemplos apresentados por Sternberg (2012) para
ilustrar os tipos de itens e áreas avaliadas pela Escala de Inteligência Stanford-Binet. É
importante destacar que os itens da tabela não representam itens verdadeiros do teste, mas
apenas exemplos arbitrários que seguem a mesma estrutura das perguntas do teste.

ÁREA DE CONTEÚDO EXPLICAÇÃO DA TAREFA EXEMPLO

Raciocínio verbal Significado de palavras O que a palavra apaziguar significa?

Demonstrar entendimento de motivo Por que as pessoas, algumas vezes,


pedem dinheiro emprestado?

Raciocínio quantitativo Completar série de números 1,3,5,7,9, que número vem a seguir?

Solucionar problemas de aritmética Maria possui três maçãs, quer dividi-las


igualmente entre ela e suas duas amigas,
quantas maçãs dará para cada amiga?

Memória de curto prazo Ouvir uma sentença e repeti-la Repita a sentença: “Joana foi dormir
tarde e acordou cedo na manhã
seguinte”

Ouvir sequência de números e repetir na Repita esses números na ordem inversa:


ordem solicitada “9, 1, 3, 6”.

Raciocínio abstrato Resolver quebra-cabeças ou reorganizar


partes de uma figura para obter uma
forma geométrica.
Escala Wechsler de Inteligência
Com a popularidade da escala Stanford-Binet, diversos outros testes de inteligência
foram desenvolvidos. Mas de todos eles, o teste de inteligência que mais se destacou foi a Escala
Wechsler de Inteligência, criado pelo psicólogo David Wechsler, que pode ser considerada como
um aprimoramento da escala de Binet. O teste de Wechsler tem a vantagem de ter sido
atualizado para diferentes tipos de populações, possuindo escalas para crianças, adultos, idosos
e pessoas com lesões cerebrais. Atualmente a Escala Wechsler de Inteligência é o teste mais
utilizado para se avaliar a inteligência.

Sua pontuação é feita em três fatores: uma pontuação verbal, uma pontuação de
desempenho e uma pontuação geral, obtida pelo somatório das duas anteriores. Apesar da
popularidade do teste, Wechsler não acreditava que a inteligência pudesse ser representada por
pontuações nos testes, mas que devia ser compreendida em sua aplicação na vida diária
(Davidoff, 2012). Essa distinção é fundamental para se compreender a diferença entre aplicar
um teste e realizar uma avaliação da inteligência.

A seguir será apresentada uma tabela com exemplos de como as perguntas do teste são
feitas. Da mesma forma que o exemplo apresentado para a escala de Binet, os itens da tabela
são adaptados dos livros de Sternberg (2012) e Weiten (2016) e não são itens reais do teste, mas
apenas exemplos criados para ilustração:

ÁREA DE EXPLICAÇÃO DA TAREFA EXEMPLO


CONTEÚDO

Significado de palavras O que a palavra arqueologia significa?

Conhecimento social O que significa quando as pessoas dizem: “melhor um


pássaro na mão, do que dois voando”.
Por que os criminosos condenados vão para a cadeia?

Informações conhecidas Quem é Barack Obama?


Qual a capital da Bélgica?
Escala verbal Problemas de aritmética expresso Pedrinho possui R$14,43 e compra dois sanduíches
por palavras que custam R$ 5,23 cada, quanto ele receberá de
troco?

Ouvir uma série de algarismos e Repita esses números na ordem inversa: “8, 5, 9, 6, 3”
repetir na ordem solicitada.

Explicar similaridade de conceitos O que existe de parecido em uma avestruz e um


pinguim?

Solucionar quebra-cabeças,
combinar diferentes formas para
obter um determinado objeto

Organizar blocos físicos para formar


Escala de um desenho idêntico ao apresentado
desempenho

Complemento de imagem: indicar o


que está faltando na imagem
Dispor imagens em uma sequência
cronológica ou coerente

Determinar padrões de símbolos

MODELOS ESTUTURAIS DA INTELIGÊNCIA


Ao longo dos anos diferentes modelos surgiram na tentativa de explicar como a
inteligência é estruturada em nossa mente. Muitos desses modelos fazem uso da análise
fatorial, uma técnica estatística utilizada para separar um constructo em fatores, ou seja, em
elementos que o compõem. Seguindo essa premissa, iremos apresentar os dois modelos
estruturais mais difundidos na psicologia, para em seguida introduzir as abordagens mais
recentes, fundamentadas no contexto onde a inteligência é aplicada.

Fator G
Um dos primeiros modelos estruturais da inteligência foi proposto por Charles
Spearman (1863-1945) e ainda é um dos mais defendidos até hoje. Segundo o modelo de
Spearman, que ficou conhecido como Fator G, considera que a inteligência é um grande fator
geral (G), que representa toda a nossa capacidade, e que se manifesta em habilidades
específicas (s), que dependem de treinamento prévio ou da aprendizagem. Dessa forma, se eu
afirmo que uma pessoa possui elevada inteligência (fator G), estou considerando que este
indivíduo vai demonstrar habilidades em diversas esferas, podendo ser um bom orador, escritor,
jogador ou músico, desde que tenha a oportunidade de desenvolver essas habilidades. Para que
seja um bom músico, deve ter a oportunidade de entrar em contato com instrumentos musicais,
ou até mesmo ter acesso a informações sobre a música. Da mesma forma, ser bom em
matemática requer o conhecimento prévio de equações, notações e funcionamento do cálculo
matemático. O modelo do fator geral pressupõe o potencial em demonstrar desempenho nas
mais diversas competências, mas esse desempenho depende do contexto para o
desenvolvimento das habilidades específicas.

Múltiplos Fatores
Louis Thurstone (1887-1955) propôs que a inteligência não está estruturada em um
único fator geral, mas que seria composta por sete diferentes fatores. Esses fatores seriam
capacidades mentais básicas que incorporam as habilidades de compreensão verbal, fluência
verbal, raciocínio indutivo, visualização espacial, habilidade numérica, capacidade de memória
e rapidez perceptiva.
Quadro 1. Descrição dos fatores da inteligência segundo o modelo de Thurstone.

Compreensão verbal Capacidade de vocabulário; capacidade de compreensão


de ideias por de palavras.
Fluência verbal Capacidade de reproduzir rapidamente palavras a partir
de certas instruções.
Raciocínio Testes de analogias; tarefas para completar series de
números; capacidade de resolver problemas aplicando
princípios.
Visualização espacial Habilidade de rotação mental de imagens de objetos;
capacidade de visualizar objetos bidimensionais ou
tridimensionais.
Numérico Cálculos e testes envolvendo soluções de problemas
matemáticos simples.
Memória Testes de recordação de imagens e palavras.
Rapidez perceptiva Reconhecimento de pequenas diferenças entre imagens.

Inicialmente Thurstone postulou que os sete fatores da inteligência eram


independentes, mas teve dificuldade em provar essa independência ao testar a inteligência. Isso
fez com que considerasse que os fatores podem estar correlacionados. Como os fatores seriam
as capacidades mentais básicas, é de se esperar que algumas habilidades estejam relacionadas.
Se uma pessoa é boa em compreensão verbal, provavelmente seu desempenho em fluência
verbal também venha a ser elevado. Da mesma maneira o fator da memória pode estar
associado a habilidade de visualização espacial, que por sua vez vai requerer muito da memória
de curto prazo. No entanto, Thurstone defende que mesmo que não seja possível verificar a
total independência dos fatores, estes possuem características próprias e podem ser
considerados como unidades funcionais independentes. Essa preocupação em defender a
independência dos fatores é explicada pela necessidade em se distanciar do modelo do Fator
Geral de Spearman, o qual descreveu como uma forma pobre de representar a estrutura da
inteligência. De toda forma é importante destacar que, para Thurstone, a inteligência só pode
ser compreendida com a junção de todos os sete fatores.

ABORDAGENS RECENTES (CONTEXTUALISTAS)


Os modelos fatoriais apresentados até aqui compartilham algo em comum, todos foram
elaborados com base em testes que eram aplicados em amostras padronizadas retiradas de
populações típicas, além de dedicarem grande enfoque às habilidades lógico-matemática e
linguística.

A testagem da inteligência como um todo desconsiderava contextos específicos de


certos grupos, o que levou ao mau uso dos testes por um longo período de tempo. Pesquisas
realizadas no Brasil nos anos 90 mostraram que crianças pobres que vendiam objetos na rua
demostravam facilidade para realizar cálculos aritméticos envolvendo dinheiro, ao mesmo
tempo que tinham dificuldade em demostrar habilidade para os mesmos cálculos em sala de
aula (Sternberg, 2012). Se essas crianças fossem submetidas a teste de inteligência, certamente
teriam a mesma dificuldade em dimensões de raciocínio que envolvessem conhecimento
aritmético se os cálculos fossem apresentados fora de contexto. Considerar que tais crianças
poderiam ser “menos inteligentes” que outras seria um equívoco. Infelizmente a história da
psicologia está repleta de episódios onde esses equívocos foram cometidos. Levantamentos de
inteligência realizados com imigrantes nos Estados Unidos levaram a conclusão errada de que
essa população possuía uma inteligência inferior, e que isso seria decorrente de sua genética.
Esses estudos desconsideravam que os testes eram adaptados para uma população norte
americana composta por brancos pertencentes à classe média ou alta.

Diante desse cenário, surge uma corrente no estudo da inteligência denominada de


contextualismo, segundo a qual a inteligência deve ser compreendida a partir de seu contexto
de aplicação, em seus variados níveis, que podem ir desde situações familiares específicas até
as caraterísticas gerais da cultura de um país. O objetivo desses modelos é encontrar uma
interação entre a cognição e o contexto. Apresentaremos duas teorias contextualistas
modernas: a teoria de inteligências múltiplas e a teoria triárquica da inteligência.

Inteligências Múltiplas
Howard Gardner propôs a ideia de que teríamos não apenas uma, mas sim múltiplas
inteligências que englobariam diferentes capacidades e que funcionariam em módulos
totalmente independentes. Esses módulos, ao contrário do modelo de Thurstone, não são
fatores que se unem para definir a inteligência. Cada uma das inteligências funciona como um
sistema separado, embora elas possam interagir entre si quando necessário. Gardner propôs
oito tipos de inteligência, descritos no quadro abaixo:

TIPO DE INTELIGÊNCIA DESCRIÇÃO

Relacionada à habilidade de leitura de livros, elaboração poemas, criação de


Linguística
um romance, habilidade de escrita.

Habilidade de resolver problemas de matemática, problemas abstratos, usar


Lógico-matemática
o raciocínio lógico.

Habilidade de deslocamento no espaço, leitura de mapas, arranjo de objetos


Espacial
em lugares apertados, identificar formas e medidas.

Habilidade para estabelecer sentido em diferentes padrões de som,


Musical habilidade de cantar, compor, tocar instrumentos, compreender notações
musicais.

Habilidade em usar o próprio corpo, dançar, correr, mover-se, manuseio de


Corporal-cinestésica
objetos, habilidades nos esportes

Habilidade de relacionamento com outras pessoas, capacidade de empatia,


Interpessoal
identifica desejos e humores nos outros, gerencia equipes.

Habilidade de compreensão de nós mesmos, nossas capacidades e


Intrapessoal
interesses, reconhece próprias necessidades e opiniões.

Habilidade de compreender configurações na natureza, identificar e


Naturalística
distinguir animais, plantas e elementos do mundo natural.

Em suas primeiras pesquisas, Gardner estudou a inteligência de pessoas que eram


consideradas gênios, em seguida passou a estudar pessoas com lesões cerebrais ou com algum
tipo de disfunção. Com base em seus estudos, formulou a hipótese de que habilidades
especificas eram regidas por regiões distintas no cérebro, em um sistema modular. Ao
desenvolver a teoria das inteligências múltiplas, Gardner passou a fazer críticas ferrenhas ao
sistema educacional moderno, que estaria focado excessivamente na avaliação de conteúdos
com base na lógica e na capacidade linguística, desconsiderando todas as outras habilidades dos
seres humanos.

Teoria Triárquica da Inteligência


O psicólogo cognitivista Robert Sternberg propôs o modelo triárquico da inteligência no
qual entende a inteligência em termos de sua aplicação prática na solução de problemas, e
engloba três aspectos: relação com o mundo interno, relação com a experiência e relação com
o mundo externo.

A relação com o mundo interno diz respeito ao processamento mental de informações,


que pode ser entendido através de 3 componentes: metacomponentes - responsável pelo
planejamento, controle, monitoramento e avaliação do processamento mental durante a
resolução de problemas -; componente de desempenho (ou execução) - executa as estratégias
de resolução de problemas -; e o componente de aquisição de conhecimentos – responsável por
codificar, combinar e comparar informações durante a resolução de problemas. Esses
componentes não trabalham de forma isolada, atuando tanto simultaneamente como de forma
recorrente durante a solução de algum problema. A atuação conjunta desses componentes
forma o que Sternberg denomina de inteligência analítica.

Como o nome já sugere, a relação com a experiência se refere à interação dos três tipos
de componentes de processamento de informação com as nossas experiencias anteriores. Dessa
forma, quando uma tarefa é apresentada pela primeira vez, ela requer um maior esforço para
sua solução, mas, à medida que se torna familiar, passa a ser realizada de forma automática,
requerendo pouco esforço consciente para sua execução. Como se relaciona com o nível de
experiência individual, que por sua vez reflete diretamente na nossa capacidade de inovar,
Sternberg denomina essa relação como inteligência criativa.

Por fim, a relação com o mundo externo, também chamada de inteligência prática,
todos os aspectos da inteligência são aplicados para exercerem três funções nos diferentes
contextos do nosso cotidiano: adaptação aos ambientes existentes; moldagem de novos
ambientes; e seleção de novos ambientes. A relação com o mundo externo mostra como nossa
inteligência é aplicada ao cotidiano, em questões diversas do dia a dia. Essa parte da teoria de
Sternberg, em particular, mostra o papel fundamental do contexto e da aplicação prática da
inteligência, diferenciando-se da inteligência analítica, usualmente mensurada pelos testes de
inteligência.

Vamos compreender o modelo de Sternberg no seguinte exemplo: Você acaba de ser


contratado para um novo emprego, exercendo o cargo de auxiliar em um escritório de
engenharia. Como sua primeira tarefa, recebe as plantas de uma grande obra para a qual vai
precisar calcular o total de distribuição de água para as residências de um bairro. Como alguém
que não tem muita experiência com isso (assim como eu, dando esse exemplo que certamente
não possui muita relação com a realidade), utiliza os metacomponentes para escolher a melhor
estratégia para resolver o problema, que nesse caso seria procurar outras plantas no escritório
para usar como referência (componente de aquisição), ao mesmo tempo que vai pesquisar na
internet como realizar os cálculos matemáticos necessários (componente de aquisição). Uma
vez que tenha levantando esses dados, tenta realizar os cálculos com a planta da obra
(componente de desempenho), sempre avaliando se a estratégia está funcionando
(metacomponentes). Até aqui, todos os componentes utilizados fazem parte da relação com o
mundo interno.

Como é a primeira vez que a tarefa é realizada, ela vai requerer um considerável esforço
e dedicação (relação com a experiência), mas se for bem sucedida, certamente irá ser aprendida
e terá seu nível de dificuldade reduzido na próxima vez.

Já na relação com o mundo externo, nos dias iniciais do trabalho, você está tentando
entender como as coisas funcionam, quais as regras, como é a hierarquia do escritório, o estilo
do seu chefe e de seus colegas, bem como a forma que deve se vestir e se portar (adaptação ao
ambiente). Como sua primeira tarefa mostrou-se bem árdua, você decide que seria interessante
organizar bem seu ambiente de trabalho, comprar material adicional que possa melhorar seu
desempenho e, principalmente, fazer novos amigos que possam te orientar em suas tarefas
(moldar o ambiente). Por fim, caso isso não seja possível e você perceba que não está se
adaptando bem para aquele tipo de trabalho, pode decidir procurar uma nova função no
escritório ou, até mesmo, um novo emprego (selecionar novo ambiente).

INTELIGÊNCIA: HEREDITARIEDADE E AMBIENTE


Um dos debates mais antigos na psicologia é sobre até que ponto vai a influência de
fatores hereditários e ambientais na formação dos construtos. Com a inteligência não é
diferente e, como vimos no início do capítulo, a visão de que ela é determinada pela
hereditariedade foi uma das primeiras propostas a surgir ainda quando não existiam formas de
mensurá-la. Ao longo dos anos diversos estudos foram feitos na tentativa de se entender o papal
da biologia na determinação da inteligência. Os estudos modernos concentram-se
especialmente no estudo de irmãos que compartilham tanto o ambiente, quanto diferentes
porcentagens de carga genética. Gêmeos idênticos que são criados juntos, por exemplo,
apresentam um elevado grau de correlação entre os níveis de QI. Mesmo quando não
compartilham o mesmo ambiente, sendo criados por famílias diferentes, essa correlação se
mantém bastante elevada, indicando que há uma influencia genética considerável no potencial
da inteligência. O mesmo ocorre com gêmeos fraternos criados juntos e irmãos, que não são
gêmeos, criados juntos. No primeiro caso a correlação de QI chega a aproximadamente 0,6 e no
segundo a 0,57. De forma resumida, quanto maior a carga genética compartilhada, maiores são
as correlações de QI, principalmente quando os irmãos são criados no mesmo ambiente. Nos
casos em que o ambiente é diferente, percebe-se uma leve redução na correlação das
inteligências, de forma que ainda se mantém a evidencia da influência genética (Weiten, 2016).

Ao mesmo tempo, os teóricos também defendem que o ambiente pode causar um


grande impacto no desenvolvimento da inteligência. Pesquisas longitudinais mostram que
crianças entregues a orfanatos com carência de funcionários ou que cresceram na pobreza e
isolamento apresentaram reduções nas pontuações de QI. Quando estas mesmas crianças são
tiradas de orfanatos precários e passam para lares adotivos bem qualificados, observa-se uma
melhora de 10-12 pontos no QI.

Em uma tentativa de integrar a visão hereditária e ambiental, surgiu a proposta da


amplitude de variação, que prevê que a genética impõe um limite máximo para o
desenvolvimento da inteligência, mas que o ambiente determina onde a pessoa irá se situar
dentro desse limite.

REFERÊNCIAS:

Davidoff, L. (2012). Introdução à psicologia. São Paulo: Mcgraw-Hill.

Gleitman, H., Reisberg, D., & Gross, J. (2009). Psicologia. Porto Alegre: ArtMed.

Hockenbury, D. H., & Hockenbury, S. E. (2003). Descobrindo a Psicologia. São Paulo: Manole.

Sternberg, R. J. (2012). Psicologia Cognitiva. São Paulo: Cernage Learning.

Weiten, W. (2016). Introdução à psicologia: temas e variações. São Paulo: Cengage Learning.

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