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A RELAÇÃO DOS SONHOS NO PROCESSO DE DIAGNÓSTICO DE

ESQUIZOFRENIA: UMA REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA

Daniel Medeiros Creazola¹, Andressa Hungria Pereira¹, Yanne Schultz Rodrigues de


Oliveira¹, Ana Karolina da Silva Almeida¹, Sílvia das Mercês Batista da Silva¹,
Roseane Ribeiro Mendonça²

Resumo

O presente trabalho aborda as interrelações possíveis entre sonhos e o espectro das


psicoses, em especial a esquizofrenia. Os sonhos e psicose compartilham
características importantes em relação aos sintomas e neurobiologia subjacente. A
esquizofrenia é um transtorno mental de grande gravidade e com relevantes impactos
na vida da pessoa com esse diagnóstico. Esta se caracteriza por distorções no
pensamento, na percepção, na linguagem e nas emoções. O construto sonho, embora
de interesse da psicologia desde muito cedo em sua história, ainda vem sendo estudado
sem consenso. Segundo a psicanálise freudiana, os sonhos para as pessoas com
esquizofrenia possuem o conteúdo da sua realidade em estado de vigília e o conteúdo
dos sonhos alterados, nos quais, durante o sonho, o inconsciente cria conteúdo para
que no estado de vigília tais manifestações possam se apresentar. Outros estudos de
vertente materialista fisicalistas divergem ao dizer que os sonhos são fruto do
processamento de sistema nervoso central e formados por associações de memórias
produzidas em estado de vigília. O objetivo do artigo é analisar a relação dos sonhos
no processo de diagnóstico de esquizofrenia, apontando se há ou não evidências na
literatura de marcadores específicos que influenciam nessa relação. Para isso, mais
especificamente propõe-se apontar as características de um diagnóstico de
esquizofrenia; conceituar o sonho a partir da perspectiva da psicanálise freudiana e da
neurociência e analisar a relação do construto sonho com o processo de diagnóstico de
esquizofrenia. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de revisão narrativa,
utilizando a base de dados do Google Acadêmico, com os descritores “esquizofrenia”
and “sonhos” and “psicose”. Frente às fontes consultadas, é notório como o transtorno
da esquizofrenia afeta a vida de uma pessoa em vários âmbitos, sociais e cotidianos.
Ademais, percebe-se como ainda há a necessidade de estudos mais aprofundados sobre
o tema. Quando busca-se a literatura que relaciona o sonho à esquizofrenia. Aqui
entra-se em uma área ainda mais imprecisa de hipóteses que ainda precisam ser
aprofundadas. Questões trazidas por psicanalistas e alguns neurocientistas divergem
em seus pressupostos básicos, devido a suas bases epistemológicas, incluindo o
problema mente-cérebro ainda discutido pela ciência. Com base no exposto,
percebe-se que a relação dos sonhos com o processo de diagnóstico de esquizofrenia
pode vir a ser muito útil caso melhor relacionada. Mesmo que ainda haja divergência
entre questões de mente-cérebro, relatos trazidos pelos pacientes sobre os seus sonhos
permitem verificar a sua forma de enxergar a realidade. Dessa forma, torna-se
relevante analisar e ter material para verificar se em seu cotidiano apresenta alterações,
sinais ou sintomas associados à esquizofrenia.

Palavras-chave: esquizofrenia. sonhos. psicose.


¹ALMEIDA, Ana K. S., Graduanda em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora.
¹CREAZOLA, Daniel M., Graduando em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora.
¹OLIVEIRA, Yanne S. R., Graduanda em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora.
¹PEREIRA, Andressa H., Graduanda em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora.
¹SILVA, Silvia M. B., Graduanda em Psicologia pela Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO/ Juiz de Fora.

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1. Introdução

O presente trabalho aborda o construto sonho e suas inter-relações com o


diagnóstico da esquizofrenia. Para isso, utiliza-se como base as perspectivas da
psicologia que possuem tradição na abordagem dos fenômenos oníricos, a saber, da
psicanálise e da neurociência.
Há algum tempo os sonhos vem despertando a curiosidade em filósofos,
psiquiatras e escritores. Segundo as teorias psicodinâmicas, por exemplo Jung, Freud e
Bleuler, acreditava-se existir semelhanças entre sonhos e alucinações psicóticas.
Entretanto, apesar de ter sido discutido algum tipo de relação, no século XX pode
notar uma desagregação entre essas concepções (MOTA; RIBEIRO, 2012).
Sigmund Freud (2018/1900) define o sonho como conteúdos que seriam
manifestações dos desejos. Tendo em vista que a psicanálise freudiana tem como base
o estudo das pulsões reprimidas, o sonhar pode servir como uma importante
ferramenta para auxiliar no processo terapêutico e na avaliação do paciente portador
de esquizofrenia.
No que se refere à esquizofrenia, os manuais classificatórios a definem um
transtorno mental dentro do espectro das psicoses, caracterizado por uma série de
sintomas que afetam a vida do indivíduo nos âmbitos social, escolar, ocupacional,
entre outras áreas da vida (SILVA; SARDINHA; LEMOS, 2021). Segundo Silva
(2006) os primeiros sinais costumam aparecer na fase da adolescência e início da vida
adulta, de forma branda, sem sintomas graves e antecedem o início da doença.
Sintomas como perda de energia, humor depressivo, isolamento, comportamento
inadequado, negligência com a higiene, podem durar semanas e até meses antes da
aparição dos sintomas mais característicos como: alucinações, delírios, transtornos de
pensamento e fala, perturbação das emoções e afeto, déficits cognitivos e perda de
motivação.
Santos (2006) afirma que a principal analogia entre sonhos e alucinações é a
forma de expressão do pensamento por meio de imagens. Assim, essas
particularidades de formação de imagem são um dos principais atributos da
manifestação onírica, permitindo cotejar sonhos com alucinações.

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A psicanálise freudiana acreditava-se que os pensamentos oníricos são
similares aos pensamentos em estado de vigília. Porém, diferentemente de quando
estamos acordados, na manifestação onírica do pensamento o inconsciente é quem está
comandando. (FREUD, 2018/1900)
Partindo das relações estabelecidas entre as vivências oníricas e sinais e
sintomas encontrados no espectro da esquizofrenia, o presente trabalho objetiva
apresentar a relação dos sonhos no processo de diagnóstico de esquizofrenia,
apontando se há ou não evidências de marcadores específicos que influenciam nessa
relação. Para isso, propõe-se apontar as características de um diagnóstico de
esquizofrenia; conceituar o sonho a partir da perspectiva da psicanálise e da
neurociência e analisar a relação do construto sonho com o processo de diagnóstico de
esquizofrenia. Tal tema mostra-se de grande relevância a pesquisadores e clínicos
devido às semelhanças fenomenológicas.
A fim de encontrar evidências sobre a relação entre sonhos e esquizofrenia, foi
realizada uma pesquisa bibliográfica, estruturada em forma de revisão narrativa. Como
estratégia de busca foi utilizada a base de dados do Google Acadêmico, Pepsic e
PubMed usando as palavras “esquizofrenia” and “sonhos” and “psicose”. A seleção de
artigos se deu considerando o espaço temporal de 2003 a 2023, com artigos que
fossem pertinentes ao tema. Não foram encontrados artigos nas bases de dados Pepsic
e PubMed. Encontrou-se 3.990 resultados no Google Acadêmico, que devido a
escassez de produção acadêmica sobre a relação dos sonhos com o diagnóstico de
esquizofrenia, optou-se por ampliar o espaço temporal para além dos últimos 5 anos.
Foram incluídos livros e artigos em português e inglês publicados nos últimos 20 anos
que fossem disponibilizados de forma gratuita no Google Acadêmico e que pudessem
contribuir para o problema de pesquisa. Foram descartados todos os livros e artigos
que não atenderam ao objetivo geral do presente estudo. Esse processo levou à seleção
de 13 artigos e três livros que foram selecionados da base de dados do Google
Acadêmico.
Levando em consideração que não há muitos artigos discutindo sobre a relação
dos sonhos no processo de diagnóstico de esquizofrenia, este artigo torna-se um dos
precursores sobre o tema, ainda que de forma exploratória inicial, o que pode
contribuir para antecipar o diagnóstico de esquizofrenia utilizando os sonhos como
uma ferramenta de análise. O presente artigo busca contribuir com futuras pesquisas

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sobre o tema e tem interesse em elucidar acerca da perspectiva do constructo sonho
para a psicanálise freudiana e para a neurociência.
Para alcançar o objetivo geral buscou-se avaliar o construto sonho a partir da
perspectiva da psicanálise freudiana e da neurociência, discutiu-se de forma
contextualizada a história da esquizofrenia apontando as características de uma
avaliação diagnóstica em casos de hipótese diagnóstica de transtornos do espectro da
esquizofrenia e outras psicoses, e por fim, foram apresentadas a relação do construto
sonho com o processo de diagnóstico de esquizofrenia.

2. A perspectiva do conceito de sonho para a psicanálise freudiana e para a


neurociência.

2.1 - A perspectiva psicanalítica de Freud sobre os sonhos

Sigmund Freud (2018/1900) em sua obra intitulada “A interpretação dos


sonhos", traz uma perspectiva histórica sobre o sonho. Em sua obra pode-se observar
que o sonho era visto como algo advindo da vontade divina, podendo ser essa vontade
emanada de seres celestiais ou demônios. Essa visão religiosa sobre os sonhos
começou a ser desmistificada após o início do debate sobre as causas que o estimulam,
onde precisava-se determinar se o sonho possuía apenas um estímulo ou vários deles,
fazendo com que os interessados sobre o tema se questionassem se a explicação da
causa do sonho está no domínio da psicologia ou da fisiologia.
Segundo a teoria freudiana sobre os sonhos, eles são constituídos de dois
conteúdos. O conteúdo manifesto que é a experiência que se é possível lembrar do
sonho e o conteúdo latente que trata-se das pulsões do inconsciente. O conteúdo
latente é composto por impressões sensoriais noturnas, de resto (impressões sensoriais
que ficaram registradas ao longo do dia) e das pulsões emanadas pelo id.
Freud também cita quatro tipos de fontes de sonhos, sendo eles os estímulos
sensoriais externos; estímulos sensoriais internos; estímulos somáticos internos e
fontes de estimulação puramente psíquicas. De acordo com Freud, pode-se concluir
que o sonho não é absolutamente um ato mental, mas sim um processo somático. É
devido a cessação completa da atividade motora voluntária que a repressão do Id fica
mais enfraquecida, sendo assim, aumentando a possibilidade das pulsões chegarem ao

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nível da consciência (CHENIAUX, 2006). Freud (1900/ 2018) afirma que na área da
psicologia dos sonhos, psicólogos juntamente com os médicos precisam voltar seus
olhares para a psicopatologia dos sonhos.

2.2 - A perspectiva da neurociência sobre os sonhos

Nas últimas duas décadas, houve uma relativa abundância de pesquisas sobre
cognição na esquizofrenia, muitas delas formuladas no âmbito da compreensão da
neurociência cognitiva da esquizofrenia. Essa ênfase na cognição na esquizofrenia se
deve em parte ao crescente corpo de pesquisa que sugere que a função cognitiva na
esquizofrenia é um dos determinantes mais críticos da qualidade de vida da pessoa,
potencialmente mais do que a gravidade de outros aspectos/sintomas da esquizofrenia,
como como alucinações, delírios.
Menegotto e Konkiewitz (2010) mostram que as teorias sobre os sonhos com o
tempo começaram a ser mais biologicamente fundamentadas. A hipótese de
ativação-síntese proposta por Hobson e McCarley (2006) rejeita que o sonhar seja um
fenômeno mental. A hipótese da ativação-síntese propõe que os sonhos são formados
por associações e memórias produzidas pelo córtex cerebral causadas por descargas
aleatórias originadas no bulbo durante o sono. Tal hipótese confronta a teoria
psicanalítica sobre os sonhos assimilando eles a delírios.
Baird, Rolim e Dresler (2019) revisaram a literatura neurocientífica sobre sonhos
lúcidos, incluindo estudos eletroencefalográficos, de neuroimagem, de lesões
cerebrais, farmacológicos e de estimulação cerebral e na pesquisa é destacado o
quanto os sonhos são relevantes não apenas para a neurociência da consciência, mas
também pode ter implicações clínicas e científicas e mostra potencial emergente como
metodologia na neurociência cognitiva da consciência.
Uma outra hipótese apresentada por Pinheiro e Herzog (2017) defende a teoria
freudiana da realização de desejos provindos do Id por meio dos sonhos. Tal hipótese
se baseia na investigação da área tegmental ventral (VTA), que está relacionada com a
busca de recompensas e satisfação física. Quando essa área é lesionada, o paciente
experimenta modificações negativas em seus desejos (imaginação, interesse em
interagir, planejamento e iniciativa) e quando se há uma hiperativação dessa área,

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induz a pessoa a ter pesadelos e sonhos que parecem ser muito reais e a apresentarem
sintomas psicóticos, mostrando a importância dos processos mentais durante o sonho.

3. A história da esquizofrenia e seu diagnóstico.

3.1 - A esquizofrenia em seu aspecto histórico

O psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1856-1926) em um dos seus estudos sobre


as doenças que possuíam um curso, sintomatologia e origem, denominou uma destas
como demência precoce. Sob este termo, existiam três tipos, a demência paranóide,
hebefrênica e catatônica, onde seus sintomas característicos eram semelhantes aos que
hoje caracterizam a esquizofrenia, dentre eles estão as alucinações e a catatonia.
Mais tarde, Eugène Bleuler (1857-1939) intitulou o termo esquizofrenia que
substituiu o termo demência precoce da literatura para indicar uma fixação entre
pensamento, emoção e comportamento. Bleuler incluiu a esquizofrenia simples e
manteve os outros três subtipos citados acima. Segundo ele, existem os sintomas
primários específicos da esquizofrenia conhecidos como os quatro “Ás”, são eles:
associação frouxa de ideias; ambivalência; autismo e alterações de afeto. E como
sintomas secundários, as alucinações e delírios (MOTA; RIBEIRO, 2012).
Ainda como sintomas, existem as perturbações das emoções de afeto e os
transtornos do pensamento e da fala que são peculiaridades da esquizofrenia, sendo
regularmente notado casos de alucinação e delírio em algum momento ao longo da
esquizofrenia. Os portadores desse transtorno possuem um déficit difundido, e com
isso, o desempenho é mais baixo nos testes cognitivos, indicando escassez em
atividades de raciocínio, habilidades motoras, sensoriais, perceptuais, memória de
aprendizagem nova e outros (DA SILVA, 2006).

3.2 - O diagnóstico de esquizofrenia atualmente

A esquizofrenia é um transtorno mental caracterizado por uma série de


sintomas que afetam a vida do indivíduo nos âmbitos social, escolar, ocupacional,
entre outros (SILVA; SARDINHA; LEMOS, 2021). Segundo Silva (2006) os
primeiros sinais aparecem, em geral, na fase da adolescência e início da vida adulta, de
forma branda, sem sintomas graves e antecedem o início da doença. Sintomas como

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perda de energia, humor depressivo, isolamento, comportamento inadequado,
negligência com a higiene, podem durar semanas e até meses antes da aparição dos
sintomas mais característicos como: alucinações, delírios, transtornos de pensamento e
fala, perturbação das emoções e afeto, déficits cognitivos e perda de motivação.
Segundo o DSM-5-TR (2023) para que seja feito um diagnóstico de
esquizofrenia, são necessárias várias alterações tanto em âmbito cognitivo quanto no
emocional e no comportamental, seguido de sinais e sintomas que associados ao
funcionamento social e profissional, fazem com que os mesmos sejam prejudicados.
Para um diagnóstico preciso, é necessário que o indivíduo tenha pelo menos dois
sintomas dos critérios adotados pelo DSM-5-TR, sendo eles alucinações delírios,
discurso desorganizado, comportamentos grosseiros, desorganizados ou catatônicos,
com persistência de até seis meses em algum desses sintomas. A esquizofrenia causa
prejuízo nas principais áreas de funcionamento como por exemplo no trabalho,
autocuidado e relações interpessoais, e se iniciada na infância ou adolescência, essas
pessoas não atingem o nível esperado de seu funcionamento.
O tratamento da esquizofrenia é através da interação entre psicoterapia,
socioterapia e intervenção medicamentosa com antipsicóticos. A psicoterapia e a
socioterapia são abordagens oferecidas e administradas de acordo com cada paciente e
o contexto em que está inserido. Enquanto a medicação pode reduzir os sintomas, o
apoio psicoterapêutico auxilia na adaptação ao ambiente e enfrentamento do estresse.
(DA SILVA, 2006).
Souza e Coutinho (2006) falam sobre o grande impacto que a esquizofrenia
causa tanto na história de vida dos diagnosticados quanto na de suas famílias e a
sociedade como um todo. A esquizofrenia acaba afetando uma grande parcela da
sociedade que é economicamente ativa, que são os jovens, o que acaba sendo algo
custoso para a sociedade. Oliveira, Facina e Júnior (2012) mostram que pessoas
diagnosticadas com esquizofrenia ainda são rotuladas e tratadas de forma pejorativa
pela sociedade, e com essa rotulação, a sociedade acaba por esquecer que a doença se
manifesta em cada indivíduo de forma diferente. É necessário que se haja uma
preocupação com a inserção dessas pessoas diagnosticadas com esquizofrenia na
sociedade, pois fatores como segurança pessoal, pobreza e isolamento social podem
acabar prejudicando e dificultando uma boa qualidade de vida.

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3.3 - A relação do sonho no processo de diagnóstico de esquizofrenia

Estudos atuais e clássicos sobre a relação entre o processo diagnóstico de


esquizofrenia e sonhos encontram-se principalmente nos campos da neurociências -
em especial de exames de eletroencefalograma (EEG) e de ciclos de sono REM e
NREM (MOTA; RIBEIRO, 2012) - e no campo das teorias psicodinâmicas, mais
especificamente da psicanálise freudiana (CHENIAUX, 2006). No que se diz respeito
ao exame do EEG em relação ao sono REM (rapid eye moviment), este estado de sono
se assemelha muito ao estado de vigília, onde se é possível constatar rápidas
oscilações de baixa voltagem durante o exame (MENEGOTTO; KONKIEWITZ,
2010). Referente ao sono NREM (Não-REM), também conhecido como sono de ondas
lentas, o exame não constata aumento da atividade cerebral e sua frequência se
mantém mais baixa. No sono NREM, não existe um aumento da atividade autonômica
periférica, o que faz com que o mesmo possua ondas lentas. O sono NREM
comparado ao sono REM possui fragmentos da vida real sem organização e narrativa,
costumam não ser tão lembrados e o sonhador se torna passivo nesse estado de sono
(CHENIAUX, 2006).
No que tange à literatura no campo das Neurociências , pode-se mencionar um
estudo realizado com adolescentes com diagnóstico de psicose que aponta que tanto o
conteúdo de sua realidade em estado de vigília quanto seu conteúdo dos sonhos podem
se encontrar alterados. Nesse estudo, observou-se que dezesseis dos dezessete
pacientes esquizofrênicos entrevistados informaram ter tido algum sonho com
conteúdos parecidos com seus sintomas em algum momento de sua vida (MOTA;
RIBEIRO, 2012). Durante o sonho, o inconsciente se mostra na formação de imagens
oníricas que dão conteúdos para que no estado de vigília essas manifestações se
apresentem (JUNIOR, 2015).
Para Mota e Ribeiro (2012) existem semelhanças entre os devaneios oníricos e
psicóticos que podem ser constatados através de estudos clínicos realizados sobre o
sono REM e os antipsicóticos. São de fato encontradas relações entre o sonho e o
estado psicótico, sendo elas: anatômicas, neuroquímicas, eletrofisiológicas e
cognitivas o que acaba comprovando mecanismos biológicos comuns presentes nos
dois fenômenos. Além dos sonhos, constata-se a presença dos pesadelos em estados
psicóticos agudos em pessoas esquizofrênicas, vindo como um anúncio de que a

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pessoa entrará em surto. O indivíduo esquizofrênico possui alterações
eletrofisiológicas e também neuroquímicas fazendo com que o mesmo possua
alterações no sono REM, causando uma mistura entre os estados de sonho e vigília e
impedindo que as memórias sejam processadas adequadamente.
Pandarakalam (2019) em seu artigo nos mostra que os neurocientistas têm se
empenhado em converter o conhecimento obtido com a pesquisa da esquizofrenia em
um modelo neuroquímico da mente. Infelizmente, não há modelos claros do complexo
cérebro-mente-consciência que possam ser adotados para explicar os sintomas da
esquizofrenia. É preciso mapear a consciência normal para estudar os estados
anormais. A consciência é como um grande quebra- cabeça com muitas peças ainda
faltando ou mal colocadas e que precisam ser descobertas e reorganizadas. As
perspectivas da neurociência nos estudos atuais consegue promover uma discussão de
como a atividade neuronal no cérebro causa consciência como uma aglomerado
funcional de conexões neuronais interativas no sistema tálamo-cortical que disparam
em múltiplas interações reentrantes milissegundo a milissegundo. Isso é relevante para
se obter uma explicação neurobiológica ou validação da ideia freudiana do
inconsciente (SHAW, 2016).
Já no que se refere a estudos de Psicanálise, Freud (1920) apud Chenianux
(2006) aponta que os sonhos repetidos devido a algum trauma não são manifestações
de desejos como anteriormente abordado no livro “Além do Princípio do Prazer”.
Esses sonhos, de acordo com o autor, têm como finalidade o acatamento ou
predomínio da euforia ocorrido através da recordação do trauma. Hartmann (1998)
apud Chenianux (2006) fala sobre sonhos de alguns indivíduos que vivenciaram
alguma experiência traumática e diz que os pesadelos não são uma exceção e que
formam um protótipo de todos os sonhos. Entretanto, no início constatou que não
passava de uma repetição do evento traumático, mas logo pôde-se notar que os
sentimentos de culpa ou pesar e medo permaneciam no sonho de outra forma. A
emoção era a mesma sentida no evento traumático e não tinha o estímulo sensorial
referente ao mesmo. Os sonhos descrevem a emoção dominante e a forma de
representá-la é através da pictórica. Sua suposição é que os sonhos têm a função de
reproduzir experiências traumáticas ou ameaçadoras vividas anteriormente na vigília.
Diversos autores presumem da relevância que os sonhos têm para a execução
de traumas e conflitos psíquicos, com papel terapêutico similar ao da psicoterapia.
Para elucidar a execução, tem sido utilizado o modelo da neurociência computacional.

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Acredita-se ainda, que as redes neurais se unem no sono com mais aptidão do que
durante a vigília. Portanto, essa união não ocorre de maneira aleatória, as redes neurais
seriam ordenadas pelas emoções que são associadas a outras que têm a mesma
conotação afetiva (CHENIAUX, 2006).
Segundo Parlikar, Bose e Venkatasubramanian (2019), na esquizofrenia, a
alucinação é encoberta pela percepção verídica e elas são simultâneas com o
processamento mental em andamento. Frequentemente, os sonhos não são lembrados
ao acordar e raramente afetam a experiência que a pessoa tem de si; as alucinações
ocorrem durante a vigília e não apenas são bem lembradas, mas também interferem na
compreensão que a pessoa tem de si e do mundo em que vive. Os sonhos e outras
experiências relacionadas ao sono, como a hipnagogia, compartilham algumas
características que se sobrepõem às alucinações como: descrições subjetivas como
complexidade, carga emocional e aceitação de cenários bizarros ou implausíveis, etc.;
e mecanismo neural subjacente. No entanto, existem diferenças cruciais e claras entre
os dois em características fenomenológicas e mecanismos neurais. Enquanto os sonhos
e a hipnagogia são experiências multissensoriais com modalidade visual dominando a
apresentação, na esquizofrenia, as alucinações são principalmente auditivas.

4. Considerações finais

Em virtude do material levantado e analisado, pode-se concluir que segundo


Freud os sonhos e as alucinações possuem semelhanças e esse construto é utilizado
nas psicoterapias de base freudiana como ferramenta que auxilia no processo
terapêutico. Santos (2006) afirma que a principal semelhança entre o sonho e a
alucinação é a expressão do pensamento através de imagens, o que permite relacionar
sonhos com alucinações. Com o objetivo de ter um conhecimento mais aprofundado
sobre corpo-mente, há muitos estudos sobre o tema, porém não existe um registro
sobre o início desse debate. Jung (2011) apud Okumura, Seberna e Doro (2020)
relatam que o mau funcionamento da psique atrapalha o corpo e, inversamente, uma
doença corporal interfere na psique, já que mente-cérebro estão diretamente ligados. A
fim de entender como os processos mais complexos da experiência humana ocorrem, a
consciência ainda é objeto de estudo da neurociência, juntamente com os sonhos. De
acordo com Pinheiro e Herzog (2017), os sonhos e pesadelos são ativados por uma
área cerebral responsável pela manifestação dos desejos, onde, tal área, ativa também

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os sintomas psicóticos. Sintomas psicóticos são característicos da esquizofrenia,
transtorno mental caracterizado por uma série de peculiaridades que afetam a vida do
indivíduo em diversas áreas da vida. Pela observação dos aspectos analisados, a
neurociência é o campo onde encontra-se a maior parte dos estudos sobre a relação
entre o processo de diagnóstico de esquizofrenia e os sonhos.
Nesta pesquisa objetivou-se verificar a relação dos sonhos no processo de
diagnóstico de esquizofrenia, em vista que não há muitas pesquisas com o tema
proposto, este trabalho contribui para o enriquecimento do estado da arte e para
possíveis pesquisas futuras, já que o tópico recebeu atenção crescente nos últimos anos
devido à sua relevância para a emergente neurociência da consciência, dado que a
escolha do método de revisão bibliográfica foi uma das limitações encontradas durante
a pesquisa. Inicialmente denominada como demência precoce por Emil Kraepelin
(1856-1926) e posteriormente este termo sendo substituido para esquizofrenia por
Eugène Bleuler (1857-1939) com o intuito de indicar alterações no comportamento,
pensamento e emoção, o diagnóstico da esquizofrenia auxiliará no entendimento do
processo de diagnóstico de esquizofrenia, sintetizando a perspectiva da psicanálise
freudiana e da neurociência em relação ao conceito de sonho, mostrando que dentro da
neurociência há um antagonismo entre a hipótese que defende a teoria freudiana sobre
os sonhos e outra que afirma tratar-se de associações e memórias.
Sendo assim, essa pesquisa ajudará futuros pesquisadores interessados no tema a
se beneficiar desse material produzido, sugere-se um aprofundamento do tema com o
enfoque para a utilização do artigo como embasamento de estudos qualitativos,
optando por um modelo de entendimento profundo de ligações entre elementos,
direcionado à compreensão da manifestação do objeto de estudo, para analisar
pacientes que possuem ou não o transtorno mental da esquizofrenia e sua possível
correlação com os sintomas de alucinação ou delírio, estruturando pesquisas a partir de
um funcionamento fenomenológico, a perspectiva da psicanálise freudiana e da
neurociência em relação ao conceito de sonho e assim alcançando um resultado
fidedigno e como efeito enriquecer o tema futuramente.

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