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Suellen Nastri William Nassib Antonio Carlos

castro William buzaid

Realização:
Suellen Nastri Castro
William Nassib William Jr.
Antonio Carlos Buzaid

2021

1ª Edição
VENCER o câncer de pulmão e mesotelioma pleural (2021) | 1ª edição
Suellen Nastri Castro, William Nassib William Jr. e Antonio Carlos Buzaid.

ISBN 978-65-86538-05-2

Proibida a reprodução total ou parcial deste livro sem a permissão escrita dos editores.

Ilustrações: Ewerton Gondari.


Revisão médica: Adriana Tourinho Ferreira Buzaid e Everardo D. Saad.
Revisão gramatical: Ricardo Liberal.
Coordenação: Adriana Tobaruela.
Projeto gráfico e diagramação: Silvia Regina Cavalcanti Savi.
Impressão: Ipsis Gráfica e Editora.

Os autores e editores desta obra fizeram todo esforço para assegurar que as indicações dos fármacos, bem
como dos procedimentos apresentados no texto, estivessem de acordo com os padrões vigentes à época
da publicação. Em virtude dos constantes avanços da Medicina e de possíveis m.odificações regulamentares
referentes aos fármacos e procedimentos apresentados, recomendamos que o leitor consulte sempre outras
fontes fidedignas, de modo a se certificar de que as informações contidas neste livro estão corretas.

FICHA CATALOGRÁFICA

V449

Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural / Suellen Nastri Castro, William Nassib
William Jr. e Antonio Carlos Buzaid -- São Paulo:
Dendrix, 2021.
224p.

ISBN 978-65-86538-05-2

1. Oncologia. 2 Neoplasias. 3. Prevenção de doenças I. Título I. Castro, Suellen Nastri.


II. Título II. William Jr., William Nassib. III. Título III. Buzaid, Antonio Carlos.
CDD 616.992
NLM QZ 200

Dendrix Edição e Design Ltda.


Rua Joaquim Floriano, 72/24 - Itaim Bibi
04534-000 - São Paulo - SP
Tel: 11 3168-7088
Fax: 11 3167-1148
info@dendrix.com.br
www.dendrix.com
editores
Antonio Carlos Buzaid
Oncologista
Diretor Geral do Centro de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São
Paulo. Ex-Clinical Fellow of Medical Oncology and Hematology, Arizona Cancer
Center. Ex-Assistant Professor of Medicine, Department of Medicine, Section of
Medical Oncology, Yale University School of Medicine. Ex-Associate Professor of
Medicine, Department of Melanoma/Sarcoma Medical Oncology, Melanoma
Section, The University of Texas, MD Anderson Cancer Center. Ex-Medical Director of
the Melanoma and Skin Cancer, The University of Texas, MD Anderson Cancer Center.

William Nassib William Jr


Oncologista
Diretor Médico da Onco-Hematologia do Centro Oncológico da BP – A Beneficência
Portuguesa de São Paulo. Adjunct Associate Professor, former Chief, Head and Neck
Section, Department of Thoracic/Head & Neck Medical Oncology, The University of
Texas, MD Anderson Cancer Center.

Suellen Nastri Castro


Oncologista
Oncologista Clínica e Médica Assistente da BP – A Beneficência Portuguesa de São
Paulo. Formada em Oncologia pelo Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC),
São Paulo.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer primeiramente aos nossos pacientes com o diagnóstico
de câncer de pulmão, por toda a inspiração, motivação, aprendizado e crescimento
pessoal, aos seus familiares pelo amor incondicional e pela confiança a nós
concedida, aos colegas e profissionais que contribuíram de forma inestimável para
a construção deste livro, à Adriana Tobaruela e Silvia Cavalcanti Savi pela paciência
durante todo o processo, e a toda equipe de edição e ilustração pelo excelente
trabalho e em especial ao pessoal da DENDRIX que acreditou nessa ideia.

Suellen Nastri Castro


William Nassib William Jr.
Antonio Carlos Buzaid
Colaboradores
Este livro contou com a colaboração de diversos profissionais com o objetivo comum
de compartilhar o conhecimento e informações sobre o câncer.

Aknar Calabrich
Oncologista
Médica Oncologista do Grupo de Oncologia Torácica na Clínica AMO (Assistência
Multidisciplinar em Oncologia).

Aline Fusco Fares


Oncologista
Médica Oncologista do Hospital de Base de São José do Rio Preto.

Álvaro Guimarães Paula


Clínico Médico
Médico Residente da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Ana Caroline Zimmer Gelatti


Oncologista
Médica Oncologista Clínica do Grupo Oncoclínicas de Porto Alegre e Preceptora Oncologia
Torácica do Serviço de Oncologia do Hospital São Lucas da PUCRS de Porto Alegre.

Augusto Kreling Medeiros


Radiologista
Radiologista da Medicina Diagnóstica da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Bruno Lima Moreira
Radiologista
Médico Radiologista Torácico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Carlos E. Bacchi
Patologista
Diretor e Patologista Chefe do Laboratório Bacchi.

Carlos Jogi Imaeda


Cirurgião Torácico
Cirurgião Torácico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Clarissa Seródio Baldotto


Oncologista
Diretora Cuidado Integrado Oncologia D’Or e Membro Diretora do Grupo Brasileiro de
Oncologia Torácica.

Christina Shiang
Patologista
Patologista Sênior do Laboratório Bacchi.

Desirré Filizzola
Paliativista
Médica do Núcleo de Suporte e Cuidados Paliativos da BP – A Beneficência Portuguesa de
São Paulo.

Douglas Jorge Racy


Radiologista
Coordenador Médico do Departamento de Oncorradiologia e Medicina Interna da Med
Imagem da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Eduardo Bischoff
Clínico Médico
Médico Residente de Oncologia Clínica do Hospital São Lucas da PUCRS de Porto Alegre.

Fabio José Haddad


Cirurgião Torácico
Cirurgião Torácico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Fábio Nasser Santos


Oncologista
Médico Oncologista da rede D’Or de Fortaleza e do Hospital Geral de Fortaleza.

Fátima Martins de Oliveira Paula


Paliativista
Médica do Núcleo de Suporte e Cuidados Paliativos da BP – A Beneficência Portuguesa de
São Paulo.

Felipe Marques da Costa


Pneumologista
Chefe da Equipe Médica de Pneumologia COPAN da BP – A Beneficência Portuguesa de
São Paulo.

Felipe Roth Vargas


Radiologista
Médico Radiologista Intervencionista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Flavio Pola dos Reis


Cirurgião
Cirurgião Torácico do Núcleo de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Franciele Meurer
Clínica Médica
Médica Residente em Oncologia Clínica do Hospital São Lucas da PUCRS de Porto Alegre.

Gabriela Brito
Clínica Médica
Médica Residente em Oncologia Clínica da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Gislene Padilha Santos


Enfermeira
Enfermeira de Práticas Avançadas do Centro de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa
de São Paulo.

Iuri Amorim de Santana


Oncologista
Médico Oncologista do Grupo de Oncologia Torácica na Clínica AMO (Assistência
Multidisciplinar em Oncologia).

Jéssica Ribeiro Gomes


Oncologista
Médica Oncologista Clínica e Médica Assistente da BP – A Beneficência Portuguesa de
São Paulo.

Lara do Norte Garcia


Clínica Médica
Médica Residente do Programa de Residência em Clínica Médica da BP – A Beneficência
Portuguesa de São Paulo.

Lívia Alvarenga Fagundes Ferrigno


Radioterapeuta
Médica Radioterapeuta do Centro de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de
São Paulo.
Livia Ponte Correia Mota
Paliativista
Médica do Núcleo de Suporte e Cuidados Paliativos da BP – A Beneficência Portuguesa de
São Paulo.

Luiz Henrique Araujo


Oncologista
Médico Oncologista e Pesquisador do INCA/MS. Diretor Científico do Instituto COI.
Coordenador de Oncologia do Hospital Samaritano Botafogo. Assessor Científico do Grupo
Pardini.

Maiane Maria Pauletto


Clínica Médica
Médica Residente em Oncologia Clínica do Hospital São Lucas da PUCRS de Porto Alegre.

Marcel Martins Sandrini


Cirurgião
Cirurgião Torácico do Núcleo de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Michella Yara Gato


Paliativista
Médica do Núcleo de Suporte e Cuidados Paliativos da BP – A Beneficência Portuguesa de
São Paulo.

Milena Tenório Cerezoli


Pneumologista
Médica Pneumologista Assistente na Equipe de Pneumologia COPAN da BP – A Beneficência
Portuguesa de São Paulo.
Nelson Ho
Pneumologista
Médico Pneumologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Pablo Rydz Pinheiro Santana


Radiologista
Médico Radiologista e Coordenador do Grupo de Imagem Torácica da Medicina Diagnóstica
da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Paulo Manuel Pêgo Fernandes


Cirurgião
Cirurgião Torácico do Núcleo de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Pedro Genta
Pneumologista
Médico Pneumologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Ricardo Lopes Moraes de Oliveira


Cirurgião Torácico
Cirurgião Torácico do Hospital Santa Izabel e Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

Robson Ferrigno
Radioterapeuta
Coordenador Médico dos Serviços de Radioterapia do Centro de Oncologia da BP – A
Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Sabrina Wagner Tanaka


Radiologista
Médica Radiologista Torácica da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Tatiane Montella
Oncologista
Oncologista Torácica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Grupo Oncoclínicas.

Thamara Kazantzis
Cirurgião
Cirurgião Torácico do Núcleo de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Thiago Bueno de Oliveira


Oncologista
Médico Titular do Departamento de Oncologia Clínica do AC Camargo Cancer Center.

Vladmir Cláudio Cordeiro de Lima


Oncologista
Médico Oncologista da rede D’Or de São Paulo e do Instituto do Câncer do Estado de
São Paulo.
prefácio
O paciente é o centro do universo médico em torno do qual todos
os nossos trabalhos giram e para o qual todos os nossos esforços
se direcionam. – John Benjamin Murphy
O câncer é uma doença complexa e desafiadora. Ela afeta de forma direta ou
indireta a todos. Por esse motivo, exige um esforço coletivo no seu controle, que
inclui pacientes, familiares, amigos, profissionais de saúde e da sociedade como um
todo, para obtermos uma jornada de sucesso.

Neste livro, focaremos em duas doenças: o câncer de pulmão e o mesotelioma


pleural. Esse tema se faz importante porque o câncer de pulmão ainda é o câncer
com menores índices de sobrevida em todo o mundo. Mais da metade dos casos são
diagnosticados em fase avançada, representando um dos maiores desafios de saúde
pública na atualidade. Apesar de o mesotelioma pleural ser uma doença rara, traz
como semelhança ao câncer de pulmão a maior incidência de diagnósticos tardios.

No entanto, avanços importantes ocorreram nos últimos anos, modificando a


história natural dessas doenças. Hoje, graças à enorme evolução relacionada
aos métodos diagnósticos, à maior compreensão dessas doenças e à eficácia
dos tratamentos, é possível obtermos maior controle de doença, aumento na
sobrevida e, claro, melhora significativa na qualidade de vida desses pacientes,
mesmo em casos avançados. Mesmo assim, ainda há muito a fazermos, focando
principalmente em prevenção, diagnóstico precoce e tratamentos, tanto da doença
inicial quanto avançada.

Informações científicas e novidades relacionadas ao câncer de pulmão e


mesotelioma chegam diariamente para nós. Porém precisam ser analisadas e
interpretadas para facilitar a compreensão dos nossos leitores que não são da área
médica. E foi para isso que o “VENCER O CÂNCER DE PULMÃO E MESOTELIOMA
PLEURAL” foi escrito. Com o trabalho e a dedicação de profissionais competentes,
de renome nacional e internacional, e das mais variadas especialidades, este
livro foi feito em forma de perguntas e respostas, aliado a uma linguagem clara
e objetiva, para que você, paciente, familiar ou amigo, que tenha câncer ou não,
possa esclarecer qualquer dúvida relacionada a essas doenças.

Acredite: o conhecimento e o esforço são as ferramentas mais eficazes para


colocarmos essas doenças em seu verdadeiro lugar. E vocês, nossos pacientes, são
a fonte inesgotável de inspiração.
índice
capítulo 1
Os pulmões e a pleura 30
O que são os pulmões? 31
O que é pleura? 33
Qual a função da pleura? 34

capítulo 2
Nódulo pulmonar 36
O que é um nódulo pulmonar? 37
Achados incidentais de nódulos pulmonares: como interpretar? 38
Como calcular o risco de malignidade em um nódulo pulmonar solitário descoberto incidentalmente? 45

capítulo 3
Lesões pulmonares pré-malignas 48
O que são lesões pré-malignas pulmonares? 49
Como são diagnosticadas as lesões pré-malignas pulmonares? 49
As lesões pré-malignas pulmonares causam sintomas? 49
Quais são as principais lesões pré-malignas pulmonares? 50
O que mais está relacionado à DIPNECH? 56
Existe tratamento para lesões pré-malignas pulmonares? 57

capítulo 4
Rastreamento 58
O que é rastreamento? 59
Por que devemos fazer o rastreamento em câncer de pulmão? 59
Como é feito o rastreamento em câncer de pulmão? 59
Quais pacientes devem ser submetidos ao rastreamento em câncer de pulmão? 60
Como interpretar os achados no rastreamento? 61

capítulo 5
O câncer de pulmão 64
O que é câncer? 65
O que faz as células tumorais crescerem? 65
Em qual faixa etária o câncer de pulmão é mais comum? 66
O que são fatores de risco? 66
Quais os fatores de risco para câncer de pulmão? 66
Quais são os tipos de câncer de pulmão? 70
Como o câncer de pulmão se espalha pelo organismo? 71
Quais são os sintomas do câncer de pulmão localizado? 72
Quais são os sintomas do câncer de pulmão avançado? 73

capítulo 6
Tabagismo 74
O que é tabagismo ativo e passivo? 75
Como calcular o risco de câncer de pulmão associado ao tabagismo? 76
O quanto é benéfico cessar o fumo? 77
Quais as principais estratégias não medicamentosas para a cessação do tabagismo? 78
Quais medicamentos estão disponíveis para auxiliar na cessação do tabagismo? 79

capítulo 7
O diagnóstico 82
Qual a diferença entre a radiografia de tórax e a tomografia computadorizada de tórax? 83
Como deve ser feita a tomografia computadorizada de tórax? 84
Como fazer o diagnóstico de certeza? 85
Qual a importância na quantidade e qualidade do material da biópsia? 86

capítulo 8
A equipe multidisciplinar 88
O que é a equipe multidisciplinar? 89
A avaliação multidisciplinar faz diferença no tratamento e nos seus resultados? 89
Quem faz parte da equipe multidisciplinar? 90
Como deve ser a avaliação multidisciplinar? 90
Qual é o papel de cada membro da equipe multidisciplinar? 92
Qual é o papel dos enfermeiros navegadores no câncer de pulmão? 95

capítulo 9
A biópsia 96
O que é o exame anatomopatológico? 97
Quais são as informações mais importantes que devem estar descritas no exame
anatomopatológico do câncer de pulmão? 98
O que é imuno-histoquímica? 100
O que é a mutação de um gene? 101
O que é uma fusão de um gene? 102
Quais as mutações e fusões mais comuns em câncer de pulmão de células não pequenas? 103
Que exames podem ser realizados para detecção dessas mutações e fusões? 104
O que é PDL-1? 106
Porque é importante a avaliação do PDL-1? 106
O que é uma biópsia líquida? 107
Quando é feita a biópsia líquida em câncer de pulmão? 107

capítulo 10
O estadiamento 108
O que é estadiamento? 109
Quais são os estádios do câncer de pulmão? 109
Quais exames devem ser solicitados para o estadiamento? 112
Qual o papel e quando realizar o estadiamento invasivo do mediastino? 113
Quais são os métodos de realização do estadiamento invasivo do mediastino? 114

capítulo 11
Cirurgia 116
Quais são os princípios básicos da cirurgia para o câncer de pulmão? 117
Qual a quantidade de tecido pulmonar removido na cirurgia? 117
Quais são as modalidades cirúrgicas? 119
Qual a diferença entre cirurgia aberta, videotoracoscopia e cirurgia robótica? 120
Como e quando é feita a linfadenectomia mediastinal? 121
Quais são os cuidados no pós-operatório? 122
Quais as complicações mais comuns da cirurgia do pulmão? 124

capítulo 12
Avaliação pré-operatória 126
O que é a avaliação pré-operatória? 127
Como é feita a avaliação pré-operatória em pacientes candidatos à cirurgia pulmonar? 127
Como se realiza a avaliação da função pulmonar e qual a sua importância? 128
Como se interpreta a avaliação da função pulmonar? 129
Em que consiste a prova de função pulmonar com difusão de monóxido de
carbono (DLCO) e quando deve ser realizada? 129
Em que consiste a ergoespirometria e quando deve ser realizada? 130
O que é a reabilitação cardiopulmonar e quando deve ser indicada? 131

capítulo 13
Radioterapia 134
O que é radioterapia? 135
Como age a radioterapia? 135
O que é o planejamento da radioterapia? 136
Como são feitas as sessões de radioterapia? 137
Quais são os tipos de radioterapia externa? 138
Quais os tipos de radioterapia utilizados no câncer de pulmão? 139
Quando a radioterapia externa é utilizada no câncer de pulmão? 140
Quando a radioterapia estereotática é empregada no câncer de pulmão? 140
Em que situações a radioterapia é utilizada para câncer de pulmão metastático? 141
Em que situações a radioterapia estereotática é utilizada para pacientes com
câncer de pulmão metastático? 141
O que é e quando está indicada a radioterapia profilática do cérebro? 141

capítulo 14
Quimioterapia 144
O que é quimioterapia? 145
De onde vem a quimioterapia? 145
O que significa o termo quimioterapia adjuvante? 146
Por que a quimioterapia adjuvante é indicada em câncer de pulmão? 146
O que significa o termo quimioterapia neoadjuvante? 146
Quando a quimioterapia neoadjuvante é indicada? 147
O que significa quimioterapia paliativa? 147
Quais são os quimioterápicos mais utilizados no tratamento do câncer de pulmão? 148
Quais são os efeitos colaterais mais comuns dos quimioterápicos e como podem ser prevenidos? 148

capítulo 15
Imunoterapia 152
O que é imunoterapia? 153
Quais imunoterápicos são mais usados em câncer de pulmão? 153
Como funciona o ipilimumabe? 153
Como funcionam os anti-PD-1 e anti-PDL-1? 155
Em que situação está indicada a imunoterapia no câncer de pulmão? 156
Quais são os efeitos colaterais mais comuns da imunoterapia? 158

capítulo 16
Terapia-alvo 160
O que é um driver gene? 161
O que é tratamento dirigido contra alvos moleculares (terapia-alvo)? 162
Quais são os genes mais frequentemente alterados no câncer de pulmão? 162
Como diagnosticar esses genes alterados em câncer de pulmão? 162
Quais os medicamentos inibidores de EGFR? 163
Quais os medicamentos inibidores de ALK? 163
Quais os medicamentos inibidores de ROS1? 164
Quais os medicamentos inibidores de RET? 164
Quais os medicamentos inibidores de MET? 164
Quais os medicamentos inibidores de BRAF? 165
Quais os medicamentos inibidores de NTRK? 165
Quais os medicamentos inibidores de HER-2? 165
Quais os medicamentos inibidores de KRAS? 166

capítulo 17
Carcinoma de células pequenas de pulmão 168
O que são carcinomas de células pequenas de pulmão? 169
Quais são os fatores de risco para desenvolver carcinoma de células pequenas de pulmão? 169
Onde os carcinomas de células pequenas surgem? 169
Quais são os sintomas mais frequentes? 171
Quais exames são realizados quando se suspeita de carcinoma de células pequenas de pulmão? 171
Como os carcinomas de células pequenas são diagnosticados? 171
Como os carcinomas de células pequenas de pulmão são classificados? 172
Há necessidade de realização de testes complementares como testes genéticos no tumor? 172
Como se avalia a extensão de doença no carcinoma de células pequenas de pulmão (estadiamento)? 172
Quais os estádios do carcinoma de células pequenas de pulmão? 173
O que é doença limitada e como fazemos essa avaliação? 173
Em que consiste o tratamento da doença limitada? 174
Todos os pacientes com doença limitada podem realizar esse tratamento? 175
Quais os efeitos colaterais frequentes e que cuidados tenho que ter durante o tratamento? 176
É necessário algum tratamento preventivo para as recidivas cerebrais? 176
Após o término do tratamento, como é realizado o acompanhamento? 177
O que é a doença extensa e qual a sua importância? 178
Em que consiste o tratamento da doença extensa? 178
Todos os pacientes podem receber esse tratamento? 179
Quais pacientes com doença extensa devem receber radioterapia? 180
O carcinoma de pulmão de pequenas células responde bem ao tratamento? 180
Quais os efeitos colaterais do tratamento com quimioterapia e imunoterapia? 181
O que fazer se o tratamento falhar e o câncer progredir? 182
Existem novos tratamentos sendo investigados para o carcinoma de pulmão de
células pequenas? Se sim, quais os benefícios de participar desses estudos? 182

capítulo 18
Carcinoma de células não pequenas - doença localizada 184
O que é doença localizada? 185
Como é feito o tratamento no estádio clínico I? 185
Como é feito o tratamento no estádio clínico II? 186
Quais são os tratamentos no estádio clínico III? 187
Como são tratados pacientes em estádio III candidatos à cirurgia? 187
Quando é feito tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia? 188
Quando se usa a imunoterapia no câncer de pulmão localmente avançado? 188
Existem casos de doença localizada tratada apenas de maneira sistêmica? 189

capítulo 19
Carcinoma de células não pequenas - doença localmente avançada inoperável 190
O que é a doença localmente avançada inoperável? 191
Existem diferentes tratamentos para a doença localmente avançada? 191
Existe um tratamento-padrão para a doença localmente avançada inoperável? 191
Como é feito o tratamento concomitante? 192
Existem contraindicações para o tratamento concomitante? 192
Quais os efeitos colaterais do tratamento concomitante? 193
Existe papel para a imunoterapia na doença localmente avançada inoperável? 193
Como é monitorada a eficácia do tratamento? 194
Em quais situações o tratamento da doença localizada é feito apenas de maneira sistêmica? 195

capítulo 20
Carcinoma de células não pequenas - doença metastática SEM driver genes 196
Qual é o objetivo do tratamento? 197
Quais os tratamentos disponíveis? 197
Como é escolhido o tratamento em primeira linha? 197
Como é escolhido o tratamento em linhas subsequentes à primeira? 198
Qual é o melhor tratamento em primeira linha para pacientes com alta expressão de PDL-1
(maior ou igual a 50%)? 198
Qual é o melhor tratamento em primeira linha para pacientes com baixa expressão de PDL-1
(menor que 50%)? 199
Qual a sequência de tratamento após a primeira linha? 200

capítulo 21
Carcinoma de células não pequenas - doença metastática COM driver geneS 202
Qual é o objetivo do tratamento? 203
Qual a importância dos driver genes? 203
Quais alterações devem ser avaliadas e qual sua frequência? 203
Qual o tratamento em primeira linha? 204
Quando é necessário rebiopsiar e por quê? 205
Qual o tratamento após falha da primeira linha? 206

capítulo 22
Cuidados de suporte 208
O que são cuidados de suporte? 209
Qual a importância dos cuidados de suporte? 210
Quando são indicados cuidados de suporte? 211
Quais são as principais estratégias não medicamentosas para controle de sintomas? 211
Quais são os principais medicamentos usados nos cuidados de suporte? 213
Como cuidar do cuidador e da família? 215

capítulo 23
Mesotelioma pleural 218
O que é o mesotelioma? 219
Quais os fatores de risco para o mesotelioma? 219
Quais os principais sintomas e como fazer o diagnóstico? 220
Qual o estadiamento do mesotelioma? 221
Qual o tratamento do mesotelioma? 222
[retornar ao índice]

capítulo 1
Os pulmões
e a pleura

Paulo Manuel Pêgo Fernandes


Marcel Martins Sandrini
Flavio Pola dos Reis
Thamara Kazantzis

30 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que são os pulmões?

Os pulmões são órgãos do sistema respiratório, responsáveis pelas trocas gasosas.


Sua principal função é fornecer oxigênio para o sangue e eliminar gás carbônico do
sangue para fora do nosso organismo.

Trata-se de um par de estruturas esponjosas, repletas de ar, de coloração rosada.


Cada pulmão ocupa um lado do tórax, direito e esquerdo. Eles possuem um formato
ligeiramente cônico, com um ápice e uma base em cada um. O pulmão direito é
mais largo, porém mais curto, pois abaixo dele se encontra o diafragma, músculo
que separa o tórax do abdômen e ajuda no movimento respiratório; ele também
é mais elevado, porque abaixo se encontra o fígado. O pulmão esquerdo é mais
estreito, porque deve abrir espaço para o coração (Figura 1).

Figura 1. Anatomia do pulmão.

Laringe

Traqueia

Lobo superior esquerdo


Lobo superior
direito
Árvore brônquica

Brônquio

Lobo médio CORAÇÃO

Pleura

Lobo inferior
direto Lobo inferior
esquerdo

Diafragma

Capítulo 1 | Os pulmões e a pleura 31


Anatomia dos pulmões
Os pulmões são anatomicamente divididos em lobos: o pulmão direito possui três
lobos – superior, médio e inferior –, e o pulmão esquerdo possui somente dois
lobos, superior e inferior. Cada lobo é subdividido em segmentos pulmonares que
constituem unidades pulmonares consideradas independentes sob o ponto de vista
anatômico, uma vez que cada segmento possui brônquios e bronquíolos e irrigação
arterial e venosa própria.

Internamente, os pulmões são repletos de vias aéreas, por onde passa o ar – entra
oxigênio e sai gás carbônico –, e de vasos sanguíneos (artérias e veias). As vias aéreas
se iniciam na boca e nariz, por onde respiramos e, então, conduzimos o ar pela
faringe, laringe e traqueia (uma estrutura do trato respiratório inferior, formada por
fortes cartilagens na sua parte da frente – anterior – e músculo na parte posterior).
A traqueia se divide numa bifurcação em forma de “Y” invertido em dois grandes
brônquios, chamados brônquios principais, e cada um desses brônquios segue para
um pulmão direito ou esquerdo. Cada brônquio repetidamente se subdivide em
brônquios menores – lobares, segmentares, subsegmentares, até que seu calibre
fica muito fino, microscópico, quando passamos a chamá-los de bronquíolos. Em
suas extremidades, os bronquíolos formam estruturas em formato de “sacos”, as
quais nomeamos alvéolos, semelhantes a pequeninos cachos de uva. Cada pulmão
possui cerca de 60 milhões de alvéolos e, se fosse possível abri-los, eles ocupariam
uma área equivalente ao tamanho de uma quadra de tênis. Nesses microscópicos
alvéolos é realizada a troca de gases – o ar inspirado leva oxigênio para dentro
dos pulmões; esse oxigênio é jogado na corrente sanguínea e levado para todo
o organismo; o ar expirado retira o gás carbônico da corrente sanguínea, sendo
exalado através da via aérea até ser eliminado pelo nariz e boca (Figura 2).

Em relação à parte sanguínea dos pulmões, cada um recebe uma artéria pulmonar
principal, a qual, assim com os brônquios principais, divide-se progressivamente até
formar os microscópicos vasos que irrigam os alvéolos pulmonares. Inversamente,
saem dos alvéolos microscópicas veias, que vão se unindo e se tornando cada
vez maiores e mais calibrosas. As artérias dos pulmões carregam sangue pouco
oxigenado, que provém do lado direito do coração. Já as veias, após a troca de
gases, retornam ao lado esquerdo do coração, com sangue rico em oxigênio, o qual
será distribuído pelo coração a todo o corpo (cérebro, órgãos abdominais, membros
e músculos).

32 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Figura 2. Desenho com esquema do alvéolo pulmonar que mostra o fluxo de ar e o
envolvimento das artérias e veias.

Capilar sanguíneo

Alveolo pulmonar

Ar expirado

Ar inspirado
Bronquíolo

Veia pulmonar
Artéria pulmonar

Capilares sanguíneos

Alvéolos

O que é pleura?

Pleura é uma membrana dupla que recobre o pulmão e a caixa torácica, formada
por dois folhetos: a pleura visceral, que recobre o pulmão, e a pleural parietal, que
recobre a parte interna da parede do tórax (Figura 3).

Anatomia da pleura
As pleuras apresentam espessura mínima, são transparentes e aderidas à parede
torácica e ao pulmão. Entre as pleuras parietal e visceral temos a cavidade pleural,
com uma pequena quantidade de líquido, em torno de 10-20 mL, que funciona
como lubrificante, permitindo o deslizamento dos pulmões na caixa torácica, o que
facilita a respiração.

Capítulo 1 | Os pulmões e a pleura 33


Figura 3. Anatomia da pleura.

Pleura parietal Costela

Cavidade pleural

Pleura visceral

Pleura
parietal

Pleura
visceral

Qual a função da pleura?

A pleura serve para manter os pulmões abertos para as trocas gasosas. Isso
ocorre porque o líquido pleural, juntamente com uma pressão negativa
da cavidade pleural, mantém as pleuras parietal e visceral estabilizadas
e aderentes, evitando um colapso pulmonar e permitindo a entrada e
saída de ar. Além disso, é graças à presença do líquido pleural que os
pulmões conseguem deslizar suavemente sobre a caixa torácica durante
os movimentos da ventilação, prevenindo atritos que poderiam causar
alterações pleurais, tais como inflamações.

34 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


[retornar ao índice]

capítulo 2
Nódulo pulmonar

Augusto Kreling Medeiros

36 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é um nódulo pulmonar?

O nódulo pulmonar, também chamado com frequência na linguagem informal de


‘’mancha no pulmão’’, é uma área arredondada que é mais densa (mais “branca”
e mais “opaca”) do que os pulmões nos exames de imagem, como a tomografia e
a radiografia do tórax. Por definição mais precisa, um nódulo pulmonar aparece
nesses exames como uma opacidade arredondada mais ou menos bem definida,
medindo até 3 cm de diâmetro. As opacidades arredondadas que medem mais do
que 3 cm são denominadas massas pulmonares.

Uma das principais formas de avaliação dos exames de imagem na tomografia


computadorizada é a atenuação ou densidade tomográfica das estruturas, isso
porque as imagens da tomografia representam uma escala de tons de cinza, variando
do mais preto até o mais branco. Pode-se simplificar isso da seguinte maneira: as
estruturas menos densas são escuras na tomografia, como aquelas que contém
ar, tal qual os pulmões, enquanto as estruturas mais densas são brancas, como
os ossos. Tomando isso como base, quando analisamos os nódulos pulmonares
procuramos definir a sua atenuação (ou densidade), que pode ser dividida de três
formas:

1. Nódulos sólidos – É o tipo mais comum, caracterizado por uma atenuação mais
homogênea e mais branca em relação ao pulmão (Figura 1a).

2. Nódulos em vidro fosco – Possuem uma atenuação semelhante a uma “névoa”,


um pouco maior do que o pulmão e menor do que os nódulos sólidos, de forma
que as estruturas brônquicas e vasculares subjacentes não obscurecem. O
termo “vidro fosco” tem origem na forma pela qual filmes antigos retratavam
cenas do passado (flashbacks), através de lentes de vidro-fosco, que davam ao
filme um aspecto nebuloso característico. Outra forma de compreender esse
aspecto é visualizá-lo como se fosse o vidro semitransparente do boxe de um
banheiro (Figura 1b).

3. Nódulos parcialmente sólidos – Compreendem ambos os componentes de


atenuação sólidos e em vidro fosco (Figura 1c).

Observação: Os nódulos em vidro fosco e os nódulos parcialmente sólidos podem


ser chamados também, de uma forma genérica, de nódulos subsólidos.

Capítulo 2 | Nódulo pulmonar 37


FIGURA 1. Tipos de nódulos: sólidos e subsólidos.

A B C

Vidro fosco Parcialmente sólido

Nódulo sólido Nódulos subsólidos

Achados incidentais de nódulos pulmonares: como


interpretar?

O achado incidental de nódulos pulmonares é a identificação do nódulo em exame


realizado para outra finalidade. De certo modo, é um achado “sem querer”. O
achado incidental de nódulos pulmonares em pacientes assintomáticos é algo cada
vez mais comum na prática clínica. Isso se deve à maior quantidade de exames
que vêm sendo realizados e à melhora das tecnologias dos exames, permitindo
a visualização de nódulos que anteriormente passavam despercebidos. Como
nem todos os nódulos pulmonares são cânceres, a identificação e diferenciação
de nódulos com potencial de serem malignos através de guias de recomendação
publicados por diversas sociedades científicas é um desafio atual na medicina.

Esses guias nos ajudam na interpretação e nas recomendações de seguimento


ou diagnóstico de um achado incidental de um ou mais nódulos nos pulmões.
Entre esses guias, um dos mais reconhecidos é o da Sociedade Fleischner. O guia
da Sociedade Fleischner serve para nódulos pulmonares que são detectados de

38 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


forma incidental e, portanto, não é utilizado para programas de rastreamento de
câncer de pulmão. Conforme discutido em detalhes no capítulo 4, Rastreamento,
nos programas de rastreamento os pacientes são selecionados com base em
fatores de risco preestabelecidos que sabidamente apresentam maior chance de
ter câncer e realizam tomografias com baixa dose de radiação com o intuito de
detectar lesões potencialmente malignas de maneira precoce. Guias específicos
para essa finalidade foram desenvolvidos. Além disso, existem outras três
restrições na aplicabilidade do guia da Sociedade Fleischner: 1) Paciente com
diagnóstico estabelecido de câncer, devido ao risco de os nódulos representarem
metástases; 2) Paciente imunossuprimido (AIDS, por exemplo), devido ao risco de
os nódulos representarem infecção; 3) Paciente com menos de 35 anos, pois câncer
de pulmão nesse caso é muito raro. Quando nódulos incidentais são encontrados
nesses pacientes, a decisão precisa ser feita caso a caso, sabendo-se que as causas
benignas são muito mais comuns.

O guia da Sociedade Fleischner divide a interpretação dos nódulos por imagem


de acordo com a sua densidade (sólidos ou subsólidos), número (solitário ou
múltiplo) e dimensões, que ao serem somadas à probabilidade clínica de risco de
desenvolvimento de câncer de pulmão (pacientes de risco alto ou baixo) geram
diferentes recomendações para o seguimento de cada caso (Figuras 2 e 3). Cabe
ressaltar que, embora os algoritmos oferecidos por esses guias sejam ferramentas
de extrema importância, não devem dispensar a abordagem multidisciplinar para
cada caso, incluindo pneumologistas, oncologistas, radiologistas e cirurgiões
torácicos com experiência no campo de câncer de pulmão, além da inclusão das
preferências de cada paciente nas decisões de manejo.

FIGURA 2. Classificação do nódulo sólido para recomendação de seguimento em cada


caso, com tomografia computadorizada (TC).

Sólido Dimensões Números Riscos Recomendações


Risco baixo Sem acompanhamento
Solitário
Risco alto TC opcional em 12 meses
< 6 mm
Risco baixo Sem acompanhamento
Múltiplo
Risco alto TC opcional em 12 meses

Risco baixo TC em 6-12 m; despois considerar TC 18-24 m


Solitário
Risco alto TC em 6-12 m; despois TC 18-24 m
6-8 mm
Risco baixo TC em 3-6 m; despois considerar TC 18-24 m
Múltiplo
Risco alto TC em 3-6 m; despois TC 18-24 m

Solitário Todos Considerar em TC 3 meses, PET-CT ou biópsia

> 8 mm Risco baixo TC em 3-6 m; despois considerar TC 18-24 m


Múltiplo
Risco alto TC em 3-6 m; despois TC 18-24 m

Capítulo 2 | Nódulo pulmonar 39


FIGURA 3. Classificação do nódulo subsólido para recomendação de seguimento em cada
caso, com TC.

Subsólido Dimensões Recomendações

< 6 mm Sem acompanhamento

≥ 6 mm TC em 6-12 m para confirmar persistência;


depois TC em 3 e 5 anos

< 6 mm Sem acompanhamento

≥ 6 mm TC em 3-6 m para confirmar persistência;


depois TC anual por 5 anos

TC em 3-6 meses. Se estável,


< 6 mm TC em 2 e 4 anos

≥ 6 mm TC em 3-6 meses. Manejo dirigido pelo


nódulo mais suspeito

A caracterização dos nódulos deve ser realizada por tomografia computadorizada,


usando cortes tomográficos finos, com espessura ≤ 1,5 mm, tipicamente de 1,0 mm.
Isso se deve ao fato de que nódulos sólidos podem ter a aparência de nódulos
em vidro fosco quando os cortes são mais grossos. As dimensões do nódulo são
determinadas pelo radiologista, muitas vezes com auxílio de ferramentas de
computador (Figura 4).

FIGURA 4. Determinação das


dimensões do nódulo, feita pelo 7 mm
radiologista.
5 mm

Diâmetro médio = 6 mm

40 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Além do tamanho e da densidade do nódulo, existem outras características que
precisam ser avaliadas, tais como:

• Morfologia (ou forma): As espiculações marginais (com aparência de espinhas


dos nódulos) são conhecidas já há bastante tempo por possuírem associação
com nódulos malignos e, hoje, são confirmadas como um fator de risco para
câncer (Figura 5).

FIGURA 5. Morfologia: Nódulo com aparência espiculada possuem maior associação com
nódulos malignos.

• Localização: O câncer de pulmão ocorre mais frequentemente nos lobos


superiores, com uma predileção pelo lobo superior direito.

• Número de nódulos: Eis um impasse até o momento. Há estudo que refere


que o risco de câncer aumenta quando a contagem de nódulos aumenta de 1
para 4; porém, o risco reduz quando o número de nódulos é superior a 5. E há
estudo que refere que múltiplos nódulos apresentam associação com um risco
reduzido em comparação aos nódulos solitários.

• Crescimento: As tomografias de seguimento visam detectar possíveis nódulos


em crescimento, um indicativo de câncer. Como o câncer de pulmão apresenta
taxas de crescimento muito variáveis, que vão depender da morfologia e do
tipo de câncer, realizam-se tomografias em intervalos determinados que

Capítulo 2 | Nódulo pulmonar 41


permitam minimizar o número de exames e a chance de um câncer crescer
muito e se tornar mais avançado. Sabe-se que, em geral, um câncer pulmonar
de nódulos sólidos duplica de volume entre 100 e 400 dias, de tal forma que
um aumento de 26% no diâmetro de um nódulo representa a duplicação
de seu volume. Pode-se dizer, com base nisso, que nódulos sólidos que não
apresentam aumento de volume em dois anos são quase certamente benignos.
Já os nódulos cancerosos subsólidos apresentam taxas de crescimento mais
indolentes, com tempo de duplicação na ordem de 3 a 5 anos. Por essa razão,
nódulos subsólidos apresentam tempos de acompanhamento iniciais e totais
maiores do que os nódulos sólidos.

• Enfisema e fibrose: A presença de enfisema e de fibrose, em particular fibrose


pulmonar idiopática, são fatores de risco independentes para câncer de pulmão
(Figuras 6A e 6B). Parece haver também relação da gravidade do enfisema com
o risco de câncer: quanto maior a gravidade, maior o risco.

FIGURA 6. Fatores de risco para câncer de pulmão: presença de enfisema pulmonar (A) e
fibrose pulmonar (B).

A B

Existem algumas características dos nódulos que favorecem benignidade,


conhecidas como preditores de benignidade. Essas características são fundamentais
na avaliação, pois podem evitar outras medidas desnecessárias, por exemplo, uma
biópsia.

• Nódulos perifissurais: São definidos como nódulos sólidos em contato com uma
fissura ou com a superfície pleural e são considerados benignos, provavelmente
representando linfonodos intrapulmonares (Figuras 7A e 7B).

42 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


FIGURA 7A. Nódulos perifissurais, preditores de benignidade.

FIGURA 7B. Representação esquemática do aspecto tomográfico de nódulos perifissurais


(NPF) típicos (A), atípicos (B) e nódulos que não são perifissurais (C).

A B C
Típicos Atípicos Improvável
(Nódulo perifissural) (Provável nódulo perifissural) nódulos perifissural

• Nódulos calcificados: Geralmente não são considerados malignos, mas o tipo


de calcificação deve ser levado em consideração. Calcificações difusa, central,
laminada ou no formato de “pipoca” favorecem benignidade (Figura 8A).
Calcificação excêntrica, amorfa ou puntiforme favorece malignidade (Figura 8B).

Capítulo 2 | Nódulo pulmonar 43


FIGURA 8A. Calcificações cujo padrão favorece benignidade.

Difusa Central Laminada Pipoca

FIGURA 8B. Calcificações cujo padrão não favorece benignidade.

Excêntrica Amorfa / Puntiforme

44 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


• Atenuação de gordura: É uma característica na tomografia que sugere
componente de gordura de um nódulo pulmonar. É praticamente um
diagnóstico de hamartoma (uma lesão benigna) e exclui o câncer de pulmão
primário como uma causa potencial (Figura 9).

FIGURA 9. Lesão composta de gordura com característica benigna.

Como calcular o risco de malignidade em um nódulo


pulmonar solitário descoberto incidentalmente?

A probabilidade de malignidade em um nódulo pulmonar incidental deve ser


avaliada clinicamente ou por modelos matemáticos. Embora não haja nenhum
modelo que seja superior, todos combinam características clínicas e de imagem
para estimar a probabilidade de malignidade. Podemos classificar a probabilidade
de um nódulo maligno da seguinte forma:

1. Probabilidade baixa (inferior a 5%).

2. Probabilidade intermediária (de 5% a 65%).

3. Probabilidade alta (acima de 65%).

Capítulo 2 | Nódulo pulmonar 45


Um desses modelos quantitativos pode ser encontrado na forma de calculadora
para acesso via navegador online ou no formato de aplicativo (usuários Iphone/IOS).
Ressalta-se, no entanto, que esse não é um modelo perfeito e pode superestimar a
chance de câncer em populações de risco baixo (que nunca fumaram).

É possível acessar a calculadora pelo link abaixo:

• https://www.uptodate.com/contents/calculator-solitary-pulmonary-nodule-malignancy-risk-in-
adults-brock-university-cancer-prediction-equation.

Um exemplo de preenchimento da calculadora de risco para uma paciente fictícia:


mulher, tabagista, 60 anos, com história familiar de câncer de pulmão, com achados
de enfisema na tomografia (Figura 10). Ela apresenta um nódulo solitário sólido,
não espiculado, que possui um diâmetro médio de 9 mm localizado no lobo superior
direito. Nesse caso, a probabilidade de câncer de pulmão para esse nódulo é de
12,89%. Portanto, um risco considerado intermediário.

Figura 10. Exemplo de preenchimento de calculadora online com dados de uma paciente
fictícia.

Agora vejamos como exemplo a mudança de uma dessas variáveis: de um nódulo


sólido para um nódulo parcialmente sólido (Figura 11). Nessa circunstância, o risco
de câncer subiu de 12,89 para 17,75%.

Para aqueles que preferem uma ferramenta de mais fácil acesso, é possível utilizar
o aplicativo Lung Nodule Manager, disponível para Iphone/IOS. Eis abaixo o
preenchimento com o mesmo exemplo da paciente acima, ilustrada na figura 10
(Figura 12).

46 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Figura 11. Exemplo de preenchimento de calculadora online com dados de uma paciente
fictícia e mudança em uma das variáveis aplicada no exemplo anterior.

Figura 12. Exemplo de preenchimento de calculadora em aplicativo, com os mesmos


dados da paciente fictícia.

Capítulo 2 | Nódulo pulmonar 47


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capítulo 3
Lesões pulmonares
pré-malignas

Augusto Kreling Medeiros


William Nassib William Junior

48 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que são lesões pré-malignas pulmonares?

Lesões pré-malignas pulmonares são aquelas que ainda não progrediram


para lesões malignas, mas que têm potencial para progredirem. No entanto, é
importante lembrar que nem todos os tipos de câncer de pulmão evoluem a partir
dessas lesões, apenas alguns subtipos. Da mesma maneira, nem todas as lesões
pré-malignas evoluirão para câncer de pulmão. Cabe frisar, contudo, que o risco
de câncer de pulmão é certamente maior em pacientes com lesões pré-malignas
pulmonares do que na população geral sem essas lesões.

Do ponto de vista histológico (ou seja, na análise microscópica das lesões pelo
patologista), as lesões pré-malignas não adquiriram todas as características de
um câncer. As células pré-malignas apresentam capacidade de duplicação e
crescimento acelerado, mas elas ainda respeitam a arquitetura normal do tecido
e não invadem o pulmão profundamente. Dessa forma, as lesões pré-malignas
não têm a capacidade de se espalhar para órgãos distantes (ou seja, originar
metástases), o que é uma das principais características do câncer.

Do ponto de vista molecular, as lesões pré-malignas já apresentam algumas


alterações no DNA similares às encontradas nos cânceres. Essas alterações ocorrem
em menor quantidade e, à medida que as células vão adquirindo modificações
adicionais do DNA, as lesões podem progredir para câncer em um processo
chamado de transformação maligna.

Como são diagnosticadas as lesões pré-malignas


pulmonares?

Em geral, essas lesões são achadas incidentalmente (ou seja, “sem querer”) em
exames de imagem ou exames de broncoscopia.

As lesões pré-malignas pulmonares causam sintomas?

As lesões pré-malignas raramente causam sintomas. A exceção é a hiperplasia difusa


de células neuroendócrinas (DIPNECH), discutida posteriormente neste capítulo, e
que pode causar sintomas semelhantes à asma (tosse e chiado no peito). Devido a

Capítulo 3 | Lesões pulmonares pré-malignas 49


sua raridade, a DIPNECH pode passar despercebida por anos e ser erroneamente
diagnosticada e tratada como asma.

Quais são as principais lesões pré-malignas pulmonares?

As principais lesões pré-malignas pulmonares são as lesões pré-invasivas do


carcinoma de células escamosas, o adenocarcinoma pré-invasivo do pulmão e a
hiperplasia difusa de células neuroendócrinas (DIPNECH).

Lesões pré-invasivas do carcinoma de células escamosas:

• Displasia escamosa dos pulmões (DE).

• Carcinoma de células escamosas in situ do pulmão.

O carcinoma de células escamosas é um dos principais tipos de câncer de pulmão,


tendo sido por muito tempo o mais comum de todos. É um tumor que apresenta
importante associação com o tabagismo. Acredita-se que ele possa se originar de
diferentes estágios precursores.

Para se entender melhor esse processo é preciso compreender o que acontece


com o epitélio brônquico quando fica exposto ao hábito do tabagismo. Pois
bem, o epitélio brônquico é constituído por diferentes células, sendo que umas
das principais são alongadas, parecendo diversas colunas uma do lado da outra
que apresentam cílios em cima (como se fossem pequenos cabelos). Por isso, são
chamadas de células colunares ciliadas.

Quando esse grupo de células fica exposto ao cigarro ocorrem várias modificações
progressivas que as fazem chegar até o estágio de se tornarem células muito
parecidas com escamas (como as de um peixe), quando a chamamos, então, de
metaplasia escamosa. Até então, essas alterações podem ser reversíveis, pois são
uma resposta ao dano causado pela fumaça do cigarro.

O problema é quando essas alterações persistem e as células se tornam cada vez


mais diferentes, o que chamamos de atipia, transformando-se, portanto, em uma
displasia escamosa. A displasia tem diferentes graus, podendo ser leve, moderada

50 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


ou acentuada. Tudo vai depender do grau de atipia. Quando essa displasia chega ao
seu grau mais extremo e atinge toda a espessura do epitélio sem invadir a sua base
(membrana basal) chamamos isso de carcinoma in situ. Essas são consideradas as
duas formas de lesões pré-invasivas, ou seja, que têm potencial para evoluir para
uma forma mais temida, o carcinoma de células escamosas, que, diferentemente
do carcinoma in situ, passou a invadir a membrana basal. A Figura 1 ilustra essa
sequência de alterações.

FIGURA 1. Sequência de alterações de lesões pré-invasivas do carcinoma de células


escamosas para carcinoma invasivo de células escamosas.

Epitélio brônquico normal

] Célula
colunar
estriada

Membrana basal Metaplasia escamosa


]

Atipla
celular

Metaplasia escamosa completa Displasia escamosa


]

Invasão da
membrana
]

Carcinoma in situ
basal
]

Carcinoma invasivo
de células escamosas

Capítulo 3 | Lesões pulmonares pré-malignas 51


Adenocarcinoma pré-invasivo do pulmão:

• Hiperplasia adenomatosa atípica

• Adenocarcinoma in situ do pulmão

Adenocarcinoma é o tipo celular mais frequente de câncer de pulmão atualmente


e inclui: neoplasias pré-invasivas, minimamente invasivas e invasivas. Entre as
formas não invasivas, podemos destacar a hiperplasia adenomatosa atípica e o
adenocarcinoma in situ.

A relação da hiperplasia adenomatosa atípica com o adenocarcinoma é comparável


ao da displasia escamosa para o carcinoma de células escamosas que vimos
anteriormente.

As lesões geralmente medem 5 mm ou menos e são mais frequentemente


descobertas como achados incidentais. Essas lesões se caracterizam por um padrão
que chamamos de lepídico. Esse padrão ocorre quando a lesão cresce junto dos
septos alveolares, que são as estruturas que revestem os alvéolos, mantendo-os
intactos e coesos.

Diferentemente dos brônquios, abordados acima nos carcinomas de células


escamosas, que são estruturas que conduzem o ar inalado para dentro dos pulmões,
os alvéolos são as estruturas nas quais ocorrem as trocas gasosas, isto é, o processo
de respiração.

No padrão lepídico da hiperplasia adenomatosa atípica, a lesão cresce ao longo


dos septos, mas não causa invasão dos alvéolos (que permanecem intactos) ou
inflamação.

No adenocarcinoma in situ também é visto o padrão lepídico de crescimento, sem


sinais de invasão ou inflamação, mas ele costuma apresentar uma quantidade
maior de proliferação de células, normalmente mais atípicas do que na hiperplasia
adenomatosa.

Na Figura 2, ilustramos o padrão de crescimento lepídico para a hiperplasia


adenomatosa atípica e o adenocarcinoma in situ, seguidos de evolução para
adenocarcinoma invasivo.

52 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


FIGURA 2. Crescimento lepídico para a hiperplasia adenomatosa atípica (A), adenocarcinoma
in situ (B) e adenocarcinoma invasivo (C).

A B C

Na tomografia, ambas as lesões pré-invasivas podem se apresentar como nódulos


subsólidos com atenuação em vidro fosco. Na hiperplasia adenomatosa atípica,
os nódulos geralmente são pequenos, menores do que 5 mm, enquanto no
adenocarcinoma in situ, o tamanho costuma variar entre 5 mm e 3 cm.

Embora ambos se apresentem como nódulos em vidro fosco, a densidade


(atenuação) do adenocarcinoma in situ pode ser um pouco maior do que na
hiperplasia, provavelmente porque apresenta uma quantidade celular maior.

Os adenocarcinomas in situ podem, em alguns casos, apresentar um pequeno


componente sólido junto do vidro fosco (nódulo parcialmente sólido), que pode
representar um achado apenas benigno (uma cicatriz ou alvéolos que perdem
o ar no seu interior e se fecham), sendo indistinguível de um adenocarcinoma
minimamente invasivo. Se maior do que 5 mm, o componente sólido favorece
evolução para adenocarcinoma invasivo.

Na Figura 3, observamos exemplos representativos dessas formas não invasivas e


invasivas.

Capítulo 3 | Lesões pulmonares pré-malignas 53


FIGURA 3. Representação em exame de imagem dos adenocarcinomas pré-invasivos e
invasivo.

Hiperplasia Adenocarcinoma Adenocarcinoma


adenomatosa in situ invasivo
atípica
Adenocarcinoma
minimamente
invasivo

Hiperplasia difusa de células neuroendócrinas (DIPNECH)

Antes de comentarmos a hiperplasia difusa de células neuroendócrinas (DIPNECH)


é preciso entender o que são as células neuroendócrinas pulmonares (CNEP). Elas
correspondem a menos de 1% das células que ocorrem normalmente no epitélio
das vias aéreas e, geralmente, apresentam-se em grupos (clusters). Como o próprio
nome infere, possuem características de neurônios e células endócrinas secretoras
de hormônios, e o seu papel ainda está sendo estudado.

Acredita-se que funcionem como “antenas”, isto é, elas captam, interpretam e


integram diferentes estímulos ambientais. Na prática, diante de alérgenos nas
vias aéreas, as CNEP captam a sua presença e transmitem sinais para estimular o
sistema imune a induzir uma resposta sistêmica (Figura 4).

Em algumas situações, as CNEP podem passar por um processo proliferativo,


crescendo em número. O espectro do processo proliferativo é amplo, variando desde
uma forma reacional (pacientes tabagistas, por exemplo), como as hiperplasias,
até lesões neoplásicas. Quando um agrupamento de CNEP proliferam e invadem a
membrana basal, porém medem menos que 5 mm, são chamadas de tumorlets. Se
os agregados celulares medem 5 mm ou mais, demonstrando crescimento invasivo,
são chamados de tumores carcinoides (Figura 5).

54 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


FIGURA 4. Células
neuroendócrinas
pulmonares que
transmitem sinais
para o sistema imune.

FIGURA 5. Crescimento de um agregado normal de células neuroendócrinas pulmonares


que evolui para tumorlets e carcinoides.

Este é um agregado
Normal de células
neuroendócrinas

Quando estas
proliferam
e invadem a
membrana basal,
porém medem
menos de 5 mm
são chamadas de
tumorlets

Se os agregados
celulares medem
5 mm ou mais,
demonstrando
crescimento
invasivo, são
chamados
de tumores
carcinoides

Capítulo 3 | Lesões pulmonares pré-malignas 55


E, afinal, o que é DIPNECH?

É a situação na qual ocorre uma hiperplasia disseminada de CNEP, incluindo de


forma variável o espectro das proliferações: hiperplasias, tumorlets e carcinoides.

O que mais está relacionado à DIPNECH?

À medida que as CNEP se proliferam, ocorre a extensão para dentro dos brônquios
e, como consequência, obstrução direta. Porém o mecanismo mais importante
de obstrução da DIPNECH se dá através do desenvolvimento de um tecido fibroso
que circunda as vias aéreas, tornando-as estreitadas e tortuosas. Isso leva a uma
obstrução crônica das pequenas vias aéreas, a qual chamamos de bronquiolite
obliterante. É por esse motivo que vemos o padrão de atenuação em mosaico
na tomografia associado a múltiplos nódulos, indicando diversos distúrbios
ventilatórios distribuídos de maneira não homogênea nos pulmões (Figura 6).

FIGURA 6. Extensão das células neuroendócrinas do pulmão para dentro dos brônquios
com a formação de tecido fibroso circunjacente e a representação dos múltiplos nódulos
associados a padrão de mosaico na tomografia.

56 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Existe tratamento para lesões pré-malignas pulmonares?

Por muitos anos, o campo da medicina chamado de “quimioprevenção” vem


estudando estratégias para tratar e reverter as lesões pré-malignas pulmonares.
Até hoje, infelizmente, não existe nenhum medicamento que possa tratar as lesões
pré-malignas pulmonares. Pacientes com DIPNECH podem ter os sintomas que
se assemelham à asma melhorados se receberem medicações que bloqueiam as
células neuroendócrinas (como a octreotida).

Algumas lesões pré-malignas pulmonares têm os mesmos fatores de risco que o


câncer de pulmão, principalmente o uso de cigarros. A cessação do tabagismo é
fortemente recomendada para pessoas com lesões pré-malignas, podendo inclusive
reverter o processo de transformação em câncer.

Além da interrupção dos fatores de risco, pessoas com lesões pré-malignas devem
ter acompanhamento médico, para que possam identificar o aparecimento de
câncer de maneira precoce, se ele ocorrer. Se e quando um câncer for identificado
durante o acompanhamento, o tratamento adequado deve ser instituído, conforme
discutido nos vários capítulos desse livro.

Capítulo 3 | Lesões pulmonares pré-malignas 57


[retornar ao índice]

capítulo 4
Rastreamento

Pablo Rydz Pinheiro Santana


Sabrina Wagner Tanaka
Bruno Lima Moreira

58 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é rastreamento?

Rastreio, rastreamento ou screening é a utilização de exames para detectar uma


doença em pessoas sem sintomas (assintomáticas). O objetivo do rastreamento é
identificar a doença precocemente, antes dos sintomas, possibilitando o tratamento
na fase inicial da doença e aumentando as chances de cura.

Por que devemos fazer o rastreamento em câncer


de pulmão?

O principal benefício do rastreamento é a detecção do câncer de pulmão em estágio


inicial, possibilitando melhores tratamentos e levando à diminuição de morte pela
doença. É importante salientar que nem todos os pacientes que preenchem os
critérios de seleção serão beneficiados – alguns tipos de câncer de pulmão podem
não ser detectados pelos exames de imagem e nem todos os tipos de câncer serão
diagnosticados precocemente.

Além da detecção de câncer de pulmão, o exame de rastreamento pode diagnosticar


outras alterações que não sejam câncer, sendo as calcificações nas artérias
coronárias e nas valvas cardíacas os principais achados, inclusive com benefício de
redução da mortalidade relacionada a essas outras causas, independentemente de
o paciente ter câncer ou não.

Como é feito o rastreamento em câncer de pulmão?

O rastreamento do câncer de pulmão é realizado através de exames de imagem para


diagnosticar a doença em pessoas assintomáticas. As radiografias convencionais
de tórax eram utilizadas no passado para rastrear o câncer de pulmão, mas sem
demonstrar benefício na maioria dos pacientes, já que, muitas vezes, o diagnóstico
era feito numa fase mais avançada da doença. Nos últimos anos, estudos que
usaram a tomografia computadorizada de tórax com baixa dose de radiação (TCBD)
para o rastreamento do câncer de pulmão numa população considerada de risco
alto comprovaram redução da mortalidade pela doença nesses indivíduos.

Capítulo 4 | Rastreamento 59
Portanto, de acordo com as evidências científicas atuais, o exame de escolha para
o rastreamento de câncer de pulmão é a TCBD, que deve ser realizada anualmente
na população de risco. Essa técnica é um dos pilares do programa de rastreamento
do câncer de pulmão, que conta ainda com uma equipe multidisciplinar, incluindo
o pneumologista para efetivar a cessação de tabagismo, formando outro pilar
do programa.

Figura 1. Equipamento de tomografia computadorizada (TC).

Quais pacientes devem ser submetidos ao rastreamento em


câncer de pulmão?

A US Preventive Service Task Force (Força Tarefa de Serviço de Prevenção dos


Estados Unidos) atualmente recomenda rastreamento anual do câncer de pulmão
com TCBD para indivíduos que atendam às seguintes condições:

60 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


• ter idade entre 50 e 80 anos;

• ter histórico de tabagismo de pelo menos 20 anos-maço (média de 1 maço por


dia por 20 anos);

• ser atualmente fumante ou ter parado de fumar nos últimos 15 anos.

É importante que o paciente que decida realizar o rastreamento de câncer de


pulmão receba aconselhamento e acompanhamento para deixar de fumar se
ainda for fumante, tenha recebido informações sobre os possíveis benefícios
do rastreamento, bem como suas limitações e potenciais danos, e faça a TCBD
idealmente em centros com expertise em rastreio de neoplasia de pulmão.

Os benefícios do rastreamento anual do câncer de pulmão com TCBD numa


população de risco elevado incluem a prevenção de um número substancial de
mortes relacionadas à neoplasia pulmonar pela detecção de lesões suspeitas de
câncer, muitas vezes nos estágios iniciais e, consequentemente, com maior chance
de cura, além da redução da mortalidade por outras causas que não o câncer de
pulmão.

Os potenciais danos do rastreamento do câncer de pulmão com TCBD incluem


resultados falso-positivos, levando a exames e procedimentos invasivos
desnecessários, estresse emocional devido a resultados indeterminados e
excesso de diagnósticos (overdiagnosis), além da exposição à radiação ionizante.
É importante salientar que a dose de radiação utilizada é relativamente baixa e
segura. De maneira geral, os benefícios do rastreamento de câncer de pulmão
numa população definida de risco alto superam os potenciais danos.

Como interpretar os achados no rastreamento?

A classificação Lung-RADS® (Lung Imaging Reporting and Data System) é uma


classificação para auxiliar na interpretação dos achados nos exames de rastreamento
de câncer de pulmão com TCBD.

O objetivo da classificação é padronizar a conduta e as decisões de manejo dos


nódulos pulmonares detectados, estratificando as lesões de acordo com a
probabilidade de malignidade. Além disso, é um léxico para ajudar a comunicação
entre os profissionais de saúde.

A última versão do Lung-RADS® é a 1.1, lançada em 2019. A seguir, a tabela


adaptada do Lung-RADS 1.1 que é utilizada como guia na interpretação dos achados
no screening pelos radiologistas:

Capítulo 4 | Rastreamento 61
Tabela 1. Adaptação do Lung-RADS 1.1.

Prevalência
Risco de
Categoria Lung-RADS Recomendação estimada na
malignidade
população

Necessita imagens
adicionais da TC ou
Incompleto 0 n/a 1%
comparação com
exames anteriores

Negativo
(Nenhum nódulo ou nódulo 1
definidamente benigno)

Aparência ou Continuar
comportamento benigno rastreamento anual
(Nódulos com < 1% 90%
com TCBD em
probabilidade muito baixa 12 meses
2
de se tornarem um câncer
clinicamente ativo devido
ao seu tamanho ou falta
de crescimento)

Provavelmente benigno
(Nódulos com baixa
probabilidade de se 3 TCBD em 6 meses 1-2% 5%
tornarem um câncer
clinicamente ativo)

Suspeito
(achados para os quais
4A TCBD em 3 meses 5-15% 2%
são recomendados testes
ou PET-CT
diagnósticos adicionais)

Muito suspeito TC tórax com ou sem


4B contraste, PET-CT ou
(achados para os quais
são recomendados testes biópsia, dependendo > 15% 2%
diagnósticos adicionais ou da probabilidade
amostra tecidual) 4X de malignidade e
comorbidades
Outro
(achado clinicamente
significativo ou S De acordo com o n/a 10%
potencialmente achado específico
clinicamente significativo)

PET-CT: tomografia computadorizada com emissão de positron; n/a: não aplicável.

62 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Figura 2. Exemplo de um nódulo pulmonar classificado como Lung-RADS 4A.

Figura 3. Exemplo de um nódulo pulmonar classificado como Lung-RADS 4BS (o descritor S


se refere a outro achado clinicamente significativo, neste caso, calcificações coronarianas
grosseiras).

Capítulo 4 | Rastreamento 63
[retornar ao índice]

capítulo 5
O câncer
de pulmão

Suellen Nastri Castro

64 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é câncer?

O câncer consiste em uma proliferação descontrolada de células que eram


previamente normais e que têm a capacidade de se espalhar. Isso decorre de
alterações em seu DNA, ocasionadas por mutações (Figura 1).

Figura 1. Proliferação descontrolada da célula tumoral após alteração do seu DNA.

Célula tumoral

Alteração
do DNA

Câncer

Célula normal

O que faz as células tumorais crescerem?

A transformação de uma célula normal em uma célula tumoral ocorre através


de mutações em genes, os chamados oncogenes, que produzem substâncias que
induzem a proliferação celular. Como resultado, a célula tumoral não para de
crescer. É comum também a presença de mutações em genes que funcionam como
freios da proliferação celular. São os chamados genes supressores.

Capítulo 5 | O câncer de pulmão 65


Em qual faixa etária o câncer de pulmão é mais comum?

A incidência de câncer de pulmão é pequena em indivíduos abaixo de 40 anos,


porém aumenta progressivamente em pessoas acima dos 50 anos. A maioria dos
casos ocorre acima de 70 anos.

O que são fatores de risco?

Fator de risco é qualquer situação que aumente a probabilidade de uma pessoa


desenvolver câncer. É importante ressaltar que a presença de um ou mais fatores
de risco não significa que a pessoa irá desenvolver câncer, assim como a ausência
de fatores deles não significa que a pessoa não tenha chance de desenvolver câncer.
A explicação para isso é que provavelmente existam outras circunstâncias que não
conhecemos tão bem, como fatores ambientais e genéticos, que, em conjunto,
levam ao desenvolvimento do câncer. Por exemplo, alguns fumantes pesados nunca
desenvolvem câncer de pulmão, enquanto pessoas que nunca fumaram podem
desenvolver câncer de pulmão, até mesmo em idade precoce.

Quais os fatores de risco para câncer de pulmão?

Tabagismo
O tabagismo é o fator de risco mais importante para o desenvolvimento do câncer
de pulmão. Aproximadamente 85% a 90% dos casos de câncer de pulmão são
ocasionados pelo cigarro, em pessoas que fumam ou já fumaram. O risco de câncer
de pulmão aumenta tanto com o número de cigarros fumados por dia quanto com
a duração do tabagismo, ou seja, o tempo pelo qual a pessoa se manteve tabagista.
Além disso, outros fatores podem influenciar a probabilidade de desenvolver
câncer de pulmão em fumantes, como a idade em que se iniciou o tabagismo, o
teor de alcatrão e de nicotina nos cigarros e o uso de cigarros sem filtro. O risco
cumulativo de câncer de pulmão entre fumantes pesados pode chegar a mais de
30%, em comparação a menos de 1% em pessoas que nunca fumaram. A cessação
do tabagismo reduz o risco de câncer de pulmão ao longo da vida. Após 15 anos de
abstinência, o risco de câncer de pulmão cai 80% a 90%.

66 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Charutos e cachimbos
Embora o risco de desenvolver câncer pareça ser menor do que com cigarros, fumar
charuto e cachimbo também aumenta o risco de câncer de pulmão e, também, se
correlaciona com a quantidade e com a duração de uso.

Maconha e cocaína
Usuários dessas substâncias parecem ter um risco aumentado de desenvolver
câncer de pulmão, embora a magnitude desse risco ainda não tenha sido bem
quantificada.

Cigarros eletrônicos
O efeito dos cigarros eletrônicos na incidência de câncer de pulmão não é bem
estabelecido devido à alta frequência de fumantes de cigarros eletrônicos que
também fumam cigarros regulares, o que dificulta avaliar se o câncer foi ocasionado
pelo cigarro regular ou pelo cigarro eletrônico.

Tabagismo passivo
É a inalação da fumaça do cigarro por pessoas não fumantes. Existe uma relação
entre a intensidade de exposição à fumaça do cigarro e o risco relativo de câncer de
pulmão. Nesses casos, a exposição à fumaça do cigarro pode começar mais cedo na
vida do indivíduo em relação ao tabagismo ativo, e com isso a exposição a agentes
cancerígenos ocorrerá por um período maior ao longo da vida. O tabagismo passivo
é, portanto, um importante fator de risco no desenvolvimento do câncer de pulmão,
embora menor quando comparado ao tabagismo ativo.

Asbesto ou amianto
O asbesto, também chamado de amianto, é um mineral natural formado por silicato
de magnésio, extraído das minas, que pode se transformar em um tipo de fibra
utilizado em construções devido a suas características. Esse material é encontrado
em caldeiras, tubulações, ladrilhos sintéticos, massa de janelas, materiais de
telhado, fibras de cimento, isolamento acústico ou térmico, lonas e pastilhas de
freios, revestimentos de embreagem, na indústria petrolífera, têxtil, de papel e
papelão, entre outros. A inalação prolongada de fibras de amianto pode provocar
doenças graves, incluindo o câncer de pulmão, motivo pelo qual seu uso foi proibido

Capítulo 5 | O câncer de pulmão 67


por diversos países. A exposição ao asbesto ocasiona uma doença denominada
asbestose, que atinge os alvéolos pulmonares, reduzindo a capacidade respiratória
do indivíduo. Estima-se que 50% dos indivíduos com asbestose desenvolvem câncer
de pulmão. A associação dessa substância ao fumo apresenta um risco mais elevado
para câncer de pulmão, sendo essencial a cessação de tabagismo em indivíduos que
foram expostos ao amianto.

Radônio
O radônio é um gás incolor e inodoro gerado pela decomposição do rádio radioativo,
produzido pelo decaimento do urânio encontrado na crosta terrestre. Os níveis
de gás radônio variam de acordo com a localidade e com a composição do solo
e das rochas. Produtos radioativos liberados pelo decaimento do urânio ionizam
o material genético e causam mutações nas células do pulmão, podendo levar à
formação de câncer. A exposição ao radônio é a segunda maior causa de câncer de
pulmão na população geral, após o tabagismo.

Fumaça de cozimento e aquecimento


A queima interna de combustíveis de biomassa não processados (madeira e carvão)
é amplamente utilizada para cozinhar e aquecer em muitas localidades no mundo,
estando associada a uma taxa significativa de poluição. Tal poluição tem sido
associada a múltiplos problemas respiratórios, incluindo um aumento na incidência
de câncer de pulmão. A fumaça produzida pela queima de carvão betuminoso (carvão
mais impuro e o mais comercializado) foi associada a um aumento significativo na
incidência de câncer de pulmão ao longo da vida em comparação com aqueles
indivíduos que usaram carvão antracito (carvão mais puro, porém mais raro). O
risco de desenvolver câncer de pulmão foi de aproximadamente 20% para homens
e mulheres que usaram carvão betuminoso em comparação com 0,5% para aqueles
que usaram carvão antracito.

Poluição do ar e combustão do diesel


A exposição à fumaça do escapamento de motores a diesel está associada a um
aumento do risco de câncer de pulmão, e esse risco é proporcional ao tempo de
exposição. Embora seja um fator significativamente relacionado ao risco de câncer
de pulmão, deve-se lembrar que sua contribuição é relativamente pequena em
comparação ao tabagismo.

68 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Radioterapia
A radioterapia pode aumentar o risco de um segundo câncer primário de pulmão
em pacientes que foram submetidos a ela para tratar outras malignidades. Esse
aumento do risco parece ser mais acentuado em fumantes. Entretanto, as técnicas
mais aprimoradas de radioterapia utilizadas atualmente limitam a dose de radiação
ao tecido saudável e parecem reduzir significativamente o risco de câncer de
pulmão decorrente da radioterapia.

Doenças pulmonares benignas


Várias doenças pulmonares benignas têm sido associadas ao aumento do risco de
câncer de pulmão por consequência de inflamações crônicas. Pacientes com histórico
de enfisema, bronquite crônica, pneumonia e tuberculose têm risco aumentado de
desenvolver todos os tipos histológicos de câncer de pulmão (carcinoma de células
não pequenas e de células pequenas). Esse risco é semelhante em pessoas não
fumantes, fumantes ou ex-fumantes.

Doença pulmonar obstrutiva crônica


Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma mistura de bronquite com
enfisema pulmonar, causada principalmente pelo tabagismo. No entanto,
ela está associada a um risco aumentado de desenvolver câncer de pulmão
independentemente do fumo, provavelmente por causa da inflamação e cicatrizes
que fazem parte do desenvolvimento da DPOC. Além do tabagismo, é o fator de
risco isolado mais comum para o câncer de pulmão, aumentando o risco de duas
para cinco vezes.

Fatores genéticos
Algumas síndromes genéticas hereditárias (quando existe uma mutação na
célula embrionária que pode ser transmitida por gerações) apresentam um risco
aumentado de desenvolvimento de câncer de pulmão. Portanto, indivíduos com
parentes de primeiro grau com antecedente de câncer de pulmão ou múltiplos
familiares afetados devem ser avaliados para verificar tais alterações genéticas.
Portadores de uma mutação chamada TP53, que caracteriza a síndrome de
Li-Fraumini, por exemplo, têm um claro aumento de risco de câncer de pulmão,
assim como de outros cânceres.

Capítulo 5 | O câncer de pulmão 69


Quais são os tipos de câncer de pulmão?

O câncer de pulmão é tradicionalmente dividido em dois grandes grupos: o


carcinoma de pulmão de células não pequenas e o carcinoma de pulmão de células
pequenas.

Os carcinomas de pulmão de células não pequenas representam aproximadamente


80% dos cânceres de pulmão e são subdivididos em dois subtipos mais comuns:
adenocarcinoma e carcinoma escamoso. O carcinoma de células pequenas, por
sua vez, representa menos de 20% dos cânceres de pulmão. Esse subtipo tem
como característica mais importante o comportamento agressivo devido ao seu
crescimento rápido, fazendo parte da família dos carcinomas neuroendócrinos
de pulmão, que incluem também os tumores carcinoides e os carcinomas
neuroendócrinos de grandes células. A diferenciação do tipo histológico é de
extrema importância, pois impacta no tratamento e no prognóstico.

Carcinomas de células não pequenas


• Adenocarcinoma:

É o tipo histológico mais comum, representando aproximadamente metade


dos cânceres de pulmão, e pode acometer pacientes tabagistas e não
tabagistas. Geralmente são tumores que apresentam lesões mais periféricas
e comportamento, em geral, mais indolente. Além da identificação do tipo
histológico, é obrigatório avaliar os tipos de mutação. Esse diagnóstico é feito
através da análise pelo patologista do material da biópsia. As mutações, quando
identificadas, guiam o tratamento oncológico nas doenças avançadas, por meio
das chamadas terapias-alvo (veja capítulo 16, Terapia-alvo, para mais detalhes).

• Carcinoma escamoso:

É o segundo tipo histológico mais comum, frequentemente encontrado em


pacientes tabagistas pesados. São tumores que geralmente estão localizados
na região central do pulmão. A diferenciação histológica entre as histologias
escamosas e não escamosas é de suma importância para a determinação de
tratamento. Em geral, o tipo escamoso não tem mutações (driver genes), exceto
em indivíduos que nunca fumaram ou com baixa carga de tabaco.

70 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Carcinoma de células pequenas
Da família dos carcinomas neuroendócrinos, representa aproximadamente 15%
dos cânceres de pulmão e é extremamente raro em pacientes que nunca fumaram.
As características principais são de um tumor agressivo e de crescimento rápido,
necessitando de tratamento imediatamente após o diagnóstico na maioria
dos casos.

Como o câncer de pulmão se espalha pelo organismo?

As células tumorais produzem substâncias capazes de atingir tecidos adjacentes


e, com isso, alcançam os vasos sanguíneos e/ou linfáticos, podendo se disseminar
para qualquer órgão do corpo (Figura 2).

Figura 2. Processo de disseminação das células tumorais para outros órgãos (metástase).

As células crescem
Tornam-se invasivas
e invadem a
e entram no capilar
membrana basal
Epitélio normal

Lâmina
basal

Viajam através da
Capilar corrente sanguínea
(menos de 1 em
1000 células
sobreviverão para
formar metástases)

Escapam do vaso Células se instalam


Aderem a parede do
para a formação de em outro órgão e
vaso de outro órgão
micrometástases formam a metástases

Capítulo 5 | O câncer de pulmão 71


Quais são os sintomas do câncer de pulmão localizado?

Os sintomas mais comuns do câncer de pulmão localizado são tosse, hemoptise


(tosse com sangue), falta de ar, rouquidão e dor no peito, ocorrendo geralmente pelo
acometimento das estruturas adjacentes ao pulmão. É importante ressaltar que na
doença localizada não é infrequente os pacientes se apresentarem assintomáticos
ao diagnóstico, ou seja, sem nenhum sintoma.

Tosse
A tosse está presente ao diagnóstico em mais da metade dos pacientes com câncer
de pulmão e ocorre frequentemente em tumores que envolvem as vias aéreas,
pois nessa localização o tumor atua como um fator irritativo, causando tosse
geralmente seca.

Hemoptise
Hemoptise é a eliminação de sangue através da tosse, podendo ser classificada
como leve, moderada e maciça, dependendo da quantidade de sangue eliminado.
O volume de sangue irá determinar a gravidade desse sintoma.

Falta de ar
Também é um sintoma frequentemente encontrado em pacientes ao diagnóstico
de câncer de pulmão, podendo acontecer sobretudo pela obstrução das vias aéreas,
atelectasia (colapso total ou parcial do lobo pulmonar) e, eventualmente, derrame
pleural (acúmulo de líquido na pleura – as membranas que envolvem o pulmão).

Rouquidão
A perda ou alteração da voz pelo acometimento do nervo laríngeo recorrente no
câncer de pulmão, cujo trajeto vai desde a laringe (onde estão as pregas vocais,
responsáveis pela voz) até o arco da aorta. Se o tumor estiver próximo ao seu trajeto,
ele comprime o nervo e a prega vocal, paralisando o lado acometido pela doença.
Quando a prega vocal está paralisada, ela fica o tempo todo aberta, resultando em
rouquidão.

72 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Dor no peito
A dor no peito, em geral, é maçante e persistente, sentida no mesmo lado onde
o tumor se encontra. Ocorre devido ao acometimento, pelo tumor, da parede
torácica, mediastino ou pleura. A presença de dor indica um tumor avançado.

Quais são os sintomas do câncer de pulmão avançado?

Os sintomas do câncer de pulmão avançado podem variar dependendo das


estruturas ou órgãos acometidos. Os órgãos mais acometidos no câncer de pulmão
metastáticos são os ossos, glândulas adrenais, cérebro e fígado. Por exemplo, se
os ossos estão comprometidos, os sintomas predominantes serão dores ósseas e
fraturas; se o cérebro for acometido, o paciente apresentará sintomas neurológicos
que podem variar entre alterações de sensibilidade, força motora, dor de cabeça,
enjoo, vômitos e convulsão. Outros sintomas frequentemente observados em
pacientes com doenças avançadas são sintomas inespecíficos, como perda de peso,
inapetência, fraqueza e fadiga.

Capítulo 5 | O câncer de pulmão 73


[retornar ao índice]

capítulo 6
Tabagismo

Lara do Norte Garcia


Nelson Ho
Pedro Genta

74 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é tabagismo ativo e passivo?

O tabagismo é reconhecido como uma doença crônica causada pela dependência


à nicotina e integra o grupo de transtornos mentais e comportamentais associados
ao uso de substâncias psicoativas. Tabagista ativo é aquele que faz uso regular
e contínuo de cigarros e variantes (charuto, cigarrilhas, cachimbo, narguilé). A
fumaça do cigarro concentra mais de 7.000 substâncias químicas, como o alcatrão,
a nicotina, o monóxido de carbono, a amônia, cetonas e o benzeno. A queima do
tabaco libera produtos cancerígenos, entre eles, o arsênio, o níquel, agrotóxicos,
substâncias radioativas e até mesmo substâncias usadas em venenos para ratos
(Figura 1).

FIGURA 1. Componentes do cigarro.

Acetaideído Ácido clanídrico

Acroleína Toluidina

Acetona Amoníaco

Naftalina Uretano

Metanol Tolueno

Pireno Arsênico

Dietilnitrosamina Dibenzacridina

Formol Fenol

Nicotina Butano

Cádmio Polônio

Monóxido de carbono Estireno

Benzopireno DDT

Níquel Alcatrão

Mercúrio Chumbo

(Fonte: ONG ACT Promoção da Saúde – https://actbr.org.br/)

Capítulo 6 | Tabagismo 75
O tabagismo é a principal causa evitável de adoecimento e morte precoce no mundo,
relacionando-se a inúmeras condições, como câncer, doença pulmonar obstrutiva
crônica (enfisema pulmonar e bronquite crônica), doença arterial coronariana
(angina e infarto cardíaco), acidente vascular cerebral (AVC, também conhecido
como “derrame”), infecções respiratórias (pneumonias), tuberculose, úlceras
gastrintestinais, osteoporose, infertilidade e impotência sexual. Entre suas diversas
consequências, destaca-se o risco de desenvolvimento de câncer. Estima-se que
o tabagismo esteja associado a um terço de todos os cânceres diagnosticados,
incluindo pulmão, boca, bexiga, pâncreas, fígado, esôfago, colo do útero, estômago
e intestino.

O tabagista passivo não é fumante, mas convive com fumantes e por isso inala a
mesma fumaça tóxica. Todas essas substâncias acima citadas propagam-se pelo
ambiente em altíssimas concentrações. Apesar das tentativas de quantificação dos
componentes da fumaça nos ambientes, não há nível de exposição que seja seguro.
Portanto, a melhor forma de proteger os não fumantes é proibir o tabagismo em
ambientes fechados, como já é determinado por várias leis federais.

A longo prazo, a exposição a essas substâncias apresenta um risco maior de


surgimento de doenças graves, como câncer de pulmão, enfisema pulmonar,
bronquite crônica e infarto cardíaco. Embora a dose inalada seja menor no
fumante passivo, o tempo de exposição prolongado atinge níveis suficientes para
desenvolver essas doenças, pois o processo pode se iniciar logo ao nascimento e se
estender por toda a vida. No mundo, somam-se mais de 8 milhões de mortes por
ano relacionadas ao tabaco, sendo 7 milhões por uso ativo do produto e 1,2 milhão
pela exposição passiva.

Como calcular o risco de câncer de pulmão associado ao


tabagismo?

O tabagismo é o principal fator de risco para o câncer de pulmão, sendo responsável


por 80 a 90% de todos os casos registrados. Estima-se que o fumante tenha até
30 vezes mais chance de desenvolver esse câncer quando comparado ao não
fumante. No Brasil, o tabaco está associado a 23.762 mortes por câncer de pulmão
anualmente.

Além dessa relação causa-efeito, também se observa a relação dose-resposta, ou


seja, quanto mais intenso for o tabagismo, maior o risco de apresentar câncer de

76 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


pulmão. Essa intensidade, conhecida como carga tabágica, é o produto do número
de maços fumados em média por dia pelo número de anos de tabagismo. Por
exemplo, um indivíduo de 60 anos que fumou 1 maço por dia por 40 anos tem carga
tabágica de 40 anos-maço. Já um indivíduo que fumou meio maço de cigarro por
dia por 20 anos tem carga tabágica de 10 anos-maço. Essa carga tabágica, associada
à idade do fumante, auxilia na escolha dos pacientes que serão submetidos ao
rastreamento para câncer de pulmão (veja no capítulo 4, Rastreamento).

A exposição ao cigarro é também influenciada por outros fatores, como o número


de tragos, intensidade da tragada (profundidade de inalação da fumaça), idade em
que começou a fumar, total de anos de tabagismo, teor de alcatrão e nicotina na
sua composição e uso de cigarros sem filtro.

Existem algumas calculadoras, criadas por órgãos internacionais, que podem


também auxiliar os médicos a preverem a chance de o paciente ser diagnosticado
com câncer de pulmão ou morrer em decorrência dele. Essas calculadoras podem
ser utilizadas a fim de planejar o acompanhamento desse paciente e estão
disponíveis em websites para consulta (https://www.msdmanuals.com/medical-
calculators/LungCancerScreening-pt.htm).

O quanto é benéfico cessar o fumo?

A cessação do tabagismo promove notáveis benefícios para a saúde dos indivíduos,


inclusive naqueles que já evoluíram com complicações associadas ao fumo. Os
benefícios da cessação abrangem todas as idades. Parar de fumar precocemente,
por volta dos 30 anos, implica a maior redução da morte precoce, com ganho de até
10 anos na expectativa de vida. Interromper o tabagismo após os 60 anos, ou até
mesmo após os 80 anos de idade, também está associado ao ganho de sobrevida e
de qualidade de vida, em comparação àqueles que continuaram fumando.

Após a cessação, sintomas como tosse e falta de ar diminuem no período entre 1 a


9 meses; o risco de infarto cardíaco reduz pela metade em 1 ano e do AVC iguala-se
ao dos não fumantes em 5 a 15 anos. Em 10 anos, o risco de câncer de pulmão
cai pela metade e o risco do câncer de boca, garganta, esôfago, colo do útero e
bexiga também diminui (Figura 2). Entre as mulheres, há redução na dificuldade de
engravidar, partos prematuros, nascimento de bebês com peso baixo e abortos.
Crianças expostas ao tabagismo passivo também são favorecidas, com menores
taxas de ocorrência de asma.

Capítulo 6 | Tabagismo 77
FIGURA 2. Benefícios da cessação do tabagismo ao longo do tempo.

Linha do tempo ao para de fumar

48h 2 a 3 semanas 1 ano 10 anos


Melhora o olfato Melhora a O risco de A morte por câncer
e o paladar circulação doença de pulmão fica similar
sanguínea e coronariana a não fumantes
caminhar cai pela
fica mais fácil metade

72h 1 a 9 semanas 5 anos 15 anos


Melhora o olfato Diminui tosse, Risco de câncer O risco de doenças
e o paladar fadiga e falta de pulmão, boca, coronarianas torna-se
de ar garganta e esôfago o mesmo de um
cai pela metade não fumante

(Fonte: OPAS Brasil)

Quais as principais estratégias não medicamentosas para a


cessação do tabagismo?

A abordagem comportamental é fundamental e tem custo baixo. O primeiro passo


é reconhecer que a relação do paciente tabagista com o hábito de fumar é dinâmica
e passa por várias fases de mudança de comportamento. A fase pré-contemplativa
é aquela em que não há intenção de parar e não há crítica a respeito do vício. Na
fase contemplativa, o paciente já apresenta total consciência sobre os malefícios do
fumo, porém ainda hesita quanto à interrupção definitiva. Na fase de preparação,
o indivíduo aceita definir uma estratégia e uma data para essa interrupção. A fase
de ação é aquela em que o paciente efetivamente para de fumar, atingindo a meta
estabelecida. A fase de manutenção visa evitar a recaída, porém, caso ela ocorra, o
próximo passo é identificar o motivo e encorajar uma nova tentativa.

A intervenção nas fases iniciais, pré-contemplativa e contemplativa, tem o objetivo


de estimular o indivíduo a pensar em parar de fumar, reconhecer os motivos que
o impedem, criar estratégias para vencê-los e exaltar as vantagens da interrupção.
Aqueles indivíduos prontos para a cessação devem procurar sessões de

78 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


aconselhamento comportamental, que podem ocorrer em diferentes modalidades:
terapia presencial (face a face), individual, coletiva, via telefone, mensagens de
texto e aplicativos no celular, sites na internet e materiais de autoajuda (panfletos,
áudios, vídeos, livros). O importante é a escolha do método mais envolvente,
aceitável, adaptável à rotina, disponibilidade e preferências do indivíduo.

Durante essas sessões, são trabalhadas técnicas da Terapia Cognitiva


Comportamental (TCC), que ensinam a identificação dos fatores que levam ao
tabagismo (gatilhos) e às recaídas (automonitoramento), educação sobre os
sintomas de abstinência, redução gradual do número de cigarros e definição de
uma data para parar.

Na prática, as principais ferramentas para enfrentar o problema incluem: exercícios


físicos como válvula de escape, atividades de distração (colorir, desenhar, costurar,
ler, escrever), estratégias orais (mascar um chiclete, tomar água, comer uma fruta)
e controle do estresse (respirar fundo, meditar, alongar, mentalizar os benefícios
da cessação).

O acompanhamento deve ser a longo prazo, realizado por equipe multidisciplinar,


composta de médicos, psicólogos e terapeutas, com reavaliações periódicas
visando a uma abstinência contínua.

Quais medicamentos estão disponíveis para auxiliar na


cessação do tabagismo?

O tratamento medicamentoso, associado às medidas comportamentais, deve


ser considerado para todos os pacientes, sendo essa combinação superior às
terapias isoladas. Durante o acompanhamento, é indicada a aferição do grau de
dependência à nicotina, o qual se relaciona à dificuldade do processo de abstinência
e chances de recaídas. Um dos instrumentos utilizados é o Teste de Fagerström,
baseado em seis perguntas sobre a dependência, com distribuição dos pontos
conforme a resposta. Esse instrumento nos auxilia a entender a dependência de
cada paciente e assim individualizar seu tratamento. Os pacientes respondem aos
seguintes questionamentos: Quanto tempo após acordar fuma o primeiro cigarro?
Tem dificuldade de não fumar em lugares proibidos? Qual cigarro do dia traz
mais satisfação? Quantos cigarros fuma por dia? Fuma mais frequentemente pela
manhã? Fuma mesmo se estiver doente? (Tabela 1).

Capítulo 6 | Tabagismo 79
TABELA 1. Teste de Fagerström.

Pergunta Resposta Pontuação

Após 60 minutos - 0 ponto


1. Quanto tempo depois de acordar você fuma o - Entre 31 e 60 minutos - 1 ponto
seu primeiro cigarro? - Entre 6 e 30 minutos - 2 pontos
- Nos primeiros 5 minutos - 3 pontos

2. Você encontra dificuldades em não fumar nos


- Não - 0 ponto
lugares onde é proibido (exemplo: igrejas, local
- Sim - 1 ponto
de trabalho, cinema, viagens de avião)?

- Qualquer um - 0 ponto
3. Qual o cigarro seria mais difícil de abandonar?
- O primeiro da manhã - 1 ponto

- Menos/igual a 10 - 0 ponto
4. Quantos cigarros você fuma habitualmente - Entre 11 e 20 - 1 ponto
por dia? - Entre 21 e 30 - 2 pontos
- Mais que 31 - 3 pontos

5. Você fuma mais frequentemente nas


- Não - 0 ponto
primeiras horas do dia do que durante o resto
- Sim - 1 ponto
do dia?

6.Você fuma mesmo estando doente e - Não - 0 ponto


acamado? - Sim - 1 ponto

Pontuação Grau de Dependência


0 a 4 pontos Dependência leve
5 a 7 pontos Dependência moderada
8 a 10 pontos Dependência grave

Quanto às terapias disponíveis, a Terapia de Reposição de Nicotina (TRN) visa aliviar


os sintomas de abstinência nicotínica. Pode ser usada na forma de adesivo na pele,
trocado a cada 24 horas com liberação prolongada da substância, por um período de
8 a 10 semanas ou até a estabilização do indivíduo. Outras formas disponíveis são as
gomas de mascar e pastilhas, com liberação mais rápida de nicotina no organismo,
além de inaladores e sprays nasais. Os efeitos colaterais dependem da forma de
administração, sendo comuns náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, dor de
cabeça, irritação na pele, boca e garganta. A dependência da nicotina raramente
ocorre, já que sua liberação é contínua, e não está associada ao desenvolvimento
de câncer.

A vareniclina também é uma opção de tratamento, atualmente escolhida como


primeira opção. Esse medicamento se liga fortemente ao receptor da nicotina,
estimulando sua ação e efeitos, porém impedindo a ligação da própria nicotina.
Com isso, reduz a síndrome de abstinência, o desejo de fumar, a dependência à

80 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


nicotina e a sensação de “recompensa” que o tabagismo promove. É seguro,
inclusive em pacientes com distúrbios psiquiátricos e doenças cardíacas, e seus
efeitos adversos mais comuns são náuseas, insônia e sonhos vívidos. Esses efeitos
podem ser evitados com o ajuste gradual da dose da medicação.

Por fim, a bupropiona age aumentando a liberação de neurotransmissores, como


noradrenalina e dopamina, no sistema nervosa central. É contraindicada para
pacientes com histórico ou predisposição a crises convulsivas, já que aumenta o
risco de ocorrência. Insônia, agitação, dor de cabeça e boca seca podem ocorrer
durante o uso.

Há também opções como a nortriptilina, um antidepressivo com eficácia moderada


na cessação do tabagismo que pode ser usado em conjunto com medicações de
primeira linha.

É importante salientar que o tratamento para parar de fumar deve ser prescrito
por equipe especializada e ser personalizado, dependendo das características do
paciente e de sua dependência.

Capítulo 6 | Tabagismo 81
[retornar ao índice]

capítulo 7
O diagnóstico

Douglas Jorge Racy


Felipe Roth Vargas

82 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Qual a diferença entre a radiografia de tórax e a tomografia
computadorizada de tórax?

A radiografia, também conhecida como raios X, e a tomografia computadorizada


utilizam a radiação de maneira diferente para enxergar as estruturas do tórax,
ambas com o seu valor na prática clínica diária, tendo vantagens e desvantagens
inerentes à técnica.

Quando realizamos uma radiografia do tórax, tiramos uma “foto” em que as


estruturas aparecem sobrepostas, umas sobre as outras, nos dando a oportunidade
de examinar os contornos dessas estruturas (Figura 1). Porém a qualidade da
imagem não nos permite enxergar com precisão os pequenos detalhes das
estruturas menores, prejudicando o diagnóstico, especialmente de pequenos
nódulos pulmonares.

FIGURA 1. Radiografia do tórax, incidência anteroposterior (AP), revelando em tons de cinza


sobrepostos as estruturas torácicas, as mais densas, como os ossos, aparecendo com tons
mais claros e as menos densas em tons mais escuros, como o parênquima pulmonar.

Fonte: arquivo pessoal Douglas Racy.

Para melhorar a percepção de pequenas estruturas, a tomografia produz múltiplas


imagens do tórax, organizadas em fatias, que, quando dispostas umas sobre as
outras, reconstroem as estruturas milimétricas com ótima resolução (Figura 2).
Sendo assim, a tomografia é muito mais eficiente na detecção de lesões pequenas
e nódulos pulmonares, sendo superior à radiografia no diagnóstico precoce das
doenças pulmonares e na determinação de sua extensão.

Capítulo 7 | O diagnóstico 83
FIGURA 2. Corte axial da tomografia de tórax de alta resolução em janela pulmonar,
destacando as estruturas do parênquima como brônquios, artérias e veias, e permitindo
a distinção de estruturas milimétricas.

Fonte: arquivo pessoal Douglas Racy.

Como deve ser feita a tomografia computadorizada de


tórax?

Todo exame de tomografia inicia-se com o preenchimento dos questionários de


segurança. Eles são fundamentais para fornecer informações sobre os sinais e
sintomas do que está sendo investigado, e identificar os pacientes sabidamente
alérgicos a substâncias que podem ser usadas durante o exame.

Realizada a etapa de identificação e preenchimento dos questionários, o paciente


deita-se na cama do tomógrafo com os braços cruzados acima da cabeça. Ao
receber o comando, deve encher o peito com ar e prender a respiração. Nesse
momento a cama se move em direção ao arco do tomógrafo e em poucos segundos
as imagens são obtidas. Esse processo é repetido algumas vezes, de acordo com a
técnica solicitada.

Em alguns casos, o meio de contraste pode ser aplicado por via intravenosa, para
ajudar no estudo de estruturas vasculares e complementa o exame na pesquisa de
algumas doenças pulmonares e do sistema circulatório.

84 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Como fazer o diagnóstico de certeza?

Algumas doenças pulmonares se manifestam na tomografia de tórax como estruturas


nodulares. Elas têm as mais diversas origens, por exemplo, doenças autoimunes,
infecções e o câncer de pulmão, sendo na maioria das vezes indistinguíveis somente
pelos achados de imagem (conforme discutido no capítulo 2, Nódulo pulmonar). A
história clínica é fundamental para elevar ou reduzir o nível de suspeita.

Para os casos em que o nível de suspeita para doenças rapidamente progressivas é


baixo, o controle periódico com tomografia é fundamental pois o comportamento
do nódulo no intervalo de tempo entre os exames (crescimento) adiciona mais
informações.

Nos casos em que existe alta suspeita para a presença de câncer (Figura 3), torna-se
necessário prosseguir a investigação com biópsia, pois somente uma amostra da
lesão poderá dar o diagnóstico definitivo.

FIGURA 3. Imagem de tomografia computadorizada de alta resolução em corte coronal e


axial, revelando uma imagem nodular infiltrando o parênquima pulmonar, suspeita para
doença neoplásica.

Fonte: arquivo pessoal Douglas Racy.

Capítulo 7 | O diagnóstico 85
Qual a importância na quantidade e qualidade do material
da biópsia?

A tecnologia no tratamento do câncer se desenvolve a cada dia, sendo possível


extrair uma quantidade enorme de informações sobre a natureza e o prognóstico das
lesões tumorais, desde a identificação das estruturas celulares até as configurações
moleculares.

A obtenção desse material pode ser feita por técnicas invasivas ou minimante
invasivas, sendo que a quantidade e qualidade do material irá variar dependendo
da técnica empregada.

Os procedimentos minimamente invasivos são os mais empregados na pesquisa


inicial. Consistem em técnicas em que uma agulha é guiada até a lesão suspeita
utilizando-se a tomografia, ultrassonografia ou vídeo, podendo ser feito com
técnica endoscópica ou percutânea.

Uma vez acessada a lesão suspeita, uma amostra do tumor pode ser obtida por
punção aspirativa ou biópsia de fragmento, ambas sendo suficientes para o
diagnóstico. No entanto, as biópsias de fragmentos geram amostras que preservam
a estrutura tumoral e provêm maior quantidade de material quando comparadas
às punções por agulha fina.

Na biópsia endoscópica (Figura 4), a lesão suspeita é acessada pelo exame de


broncoscopia. O paciente recebe uma sedação, um aparelho com uma câmera
na ponta é introduzido pela boca e garganta do paciente, e as vias aéreas são
inspecionadas. O aparelho conta com uma agulha que é usada para a retirada de
material.

Na biópsia percutânea (Figura 5), a lesão suspeita é acessada por uma punção guiada
por imagem (em geral tomografia). O paciente recebe sedação e/ou anestesia
local, e uma agulha é introduzida pela pele do paciente. O trajeto da agulha é
acompanhado pelo exame de imagem até que ela atinja a lesão, quando então uma
amostra é retirada para envio ao laboratório de patologia.

Quando é possível obter material tumoral de boa qualidade e em grande quantidade,


temos a oportunidade de estudar a fundo a estrutura e organização celular, além de
realizar testes genéticos e moleculares. Todas as informações extraídas da biópsia
serão fundamentais na tomada de decisão dos tratamentos empregados.

86 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


FIGURA 4. Biópsia endoscópica por broncoscopia.

Broncoscópio

Agulha de biópsia

FIGURA 5. Biópsia percutânea guiada por tomografia computadorizada.

Agulha fina para aspirar a biópsia do pulmão

Agulha de
biópsia Agulha de
biópsia

Câncer

Capítulo 7 | O diagnóstico 87
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capítulo 8
A equipe
multidisciplinar

Álvaro Guimarães Paula


Gislene Padilha Santos
William Nassib William Junior

88 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é a equipe multidisciplinar?

A equipe multidisciplinar é o grupo formado por profissionais de saúde responsáveis


por discutir e definir em conjunto o tratamento mais adequado ao paciente
portador de câncer. Essa equipe é formada tanto por médicos especialistas quanto
por outros profissionais de saúde não médicos. O termo multidisciplinar deriva da
forma pela qual são abordados os casos e pode ser conhecido, do inglês, como
tumor boards.

Figura 1. Imagem ilustrativa de uma reunião de equipe multidisciplinar para discussão


de caso.

A avaliação multidisciplinar faz diferença no tratamento e


nos seus resultados?

A avaliação multidisciplinar tem se tornado uma prática cada vez mais comum nos
centros de tratamento oncológico. Isso, porque inúmeros são os possíveis benefícios
derivados dessas atividades, seja para o paciente, seja para os profissionais
envolvidos. Dados de estudos clínicos sugerem um menor tempo para o diagnóstico
e início do tratamento. Presume-se, inclusive, o aumento de sobrevida dos pacientes
quando submetidos ao tratamento por um time multidisciplinar. Além disso, o
alinhamento com diretrizes e protocolos estabelecidos por sociedades médicas e
a inclusão de um maior número de pacientes em protocolos de pesquisa clínica
parecem ocorrer mais frequentemente em centros oncológicos com reuniões
multidisciplinares.

Capítulo 8 | A equipe multidisciplinar 89


Acredita-se ainda que os pacientes que recebem cuidados por um time
multidisciplinar tenham uma melhor qualidade de vida; isso porque desde o momento
do diagnóstico eles podem ser avaliados por profissionais do time de cuidados de
suporte que, através de uma abordagem centrada no paciente, conseguem oferecer
melhor controle de sintomas derivados da doença ou do próprio tratamento. Ainda
nessa linha, pesquisas qualitativas com portadores de câncer de pulmão permitem
inferir uma maior satisfação dos pacientes com a qualidade do serviço prestado,
menor custo relacionado ao tratamento, melhora no sistema de referenciamento
para avaliação por outros profissionais, maior clareza nas respostas às dúvidas dos
pacientes e informações mais detalhadas e uniformes sobre o tratamento por parte
dos profissionais que prestam o cuidado.

Quem faz parte da equipe multidisciplinar?

O time multidisciplinar responsável pelo cuidado do paciente com câncer de pulmão


contempla as seguintes especialidades médicas: pneumologista, oncologista clínico,
cirurgião torácico, radioterapeuta, radiologista/radiointervencionista, médico
nuclear, patologista e paliativista. Além disso, o time é formado por profissionais
não médicos como enfermeiro, psicólogo, nutricionista e fisioterapeuta.

Como deve ser a avaliação multidisciplinar?

A avaliação multidisciplinar idealmente deve ser feita de maneira formal – ou seja,


todo paciente deve ser visto por todos os membros da equipe multidisciplinar que
terão papel no diagnóstico, tratamento ou acompanhamento dele. Nem sempre
toda a equipe terá um papel ativo no manejo de cada caso em todo o momento.
Por exemplo, na avaliação inicial de um caso de câncer de pulmão, o parecer de um
cirurgião é importante, mesmo que o tumor não seja operável, porque o cirurgião
poderá determinar a necessidade cirúrgica ou não de maneira mais adequada e
auxiliar na obtenção de material de biópsia, promovendo o correto estadiamento
da doença, ou seja, na avaliação da extensão do tumor. Da mesma maneira, em
um caso de câncer de pulmão operável, o cirurgião terá um papel fundamental
desde o início do tratamento até a recuperação pós-operatória. A partir de então, o
oncologista clínico pode desempenhar um papel importante, se o paciente precisar
de quimioterapia pós-operatória.

90 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Como o câncer de pulmão tornou-se uma doença complexa, a avaliação
multidisciplinar é geralmente realizada de maneira mais completa e coordenada
em grandes centros de tratamento integrado. É importante que os membros da
equipe multidisciplinar se comuniquem sobre cada caso e tenham acesso a todos
os registros e opiniões gerados durante as avaliações.

A reunião/encontro multidisciplinar entre os diversos especialistas tornou-se um


componente importante da avaliação do paciente. Nessas reuniões periódicas,
cada caso previamente preparado é apresentado aos participantes pelo especialista
que detém mais detalhes sobre aquele paciente e, após a apresentação inicial, o
coordenador ou líder da reunião assume o papel de dar voz aos demais especialistas
presentes a fim de que possam contribuir para a condução do caso. Ao final, o
coordenador faz uma síntese dos aspectos discutidos e das condutas definidas pelos
participantes. Os pacientes cujos casos são discutidos na reunião multidisciplinar
recebem, portanto, a oportunidade de ter o tratamento revisado por múltiplos
especialistas, garantindo um controle de qualidade superior e o uso das melhores
estratégias de condução médica que possam ter sido desconsideradas na avaliação
individual com cada médico (Figura 2).

Figura 2. Os aspectos envolvidos na reunião multidisciplinar (RMD).

Seleção
de casos

Adesão aos O que


protocolos discutir?

RMD

Registro das Líder da


discussões reunião

Discussão
clínica, imagens
e patologia

Capítulo 8 | A equipe multidisciplinar 91


Qual é o papel de cada membro da equipe multidisciplinar?

O papel que cada membro da equipe multidisciplinar desempenha está resumido


nas figuras 3 e 4.

Pneumologista
Atua desde o rastreamento, diagnóstico, decisão sobre as modalidades de
tratamento até a decisão compartilhada de cuidados paliativos. Além disso,
também faz parte das suas atribuições a implementação de medidas para apoio à
cessação do tabagismo.

Oncologista
Tem papel principal na indicação e escolha do tratamento. Com os avanços no
desenvolvimento de novas drogas, usualmente é o oncologista quem indica a
pesquisa de marcadores moleculares que predizem resposta a novos tratamentos,
seja quimioterapia convencional, imunoterapia ou terapia-alvo orais. A escolha do
tratamento deve considerar o controle de sintomas, aumento de sobrevida, perfil
de efeitos colaterais/toxicidades, custo × benefício. Quando o paciente progride às
terapias empregadas, também é papel do oncologista definir a maior atuação do
time de cuidados de suporte.

Cirurgião torácico
É o profissional responsável por identificar e selecionar os pacientes candidatos
ao diagnóstico ou tratamento cirúrgico. É o cirurgião quem também inicia em
conjunto com demais especialistas a avaliação dos riscos de cada procedimento e
elegibilidade dos pacientes.

Radioterapeuta
Auxilia na identificação das características do paciente e da doença para então
selecionar a melhora técnica de radioterapia a ser empregada em cada caso.
Nos pacientes que não têm indicação ao tratamento cirúrgico, é imprescindível a
avaliação do radioterapeuta para a oferta de um tratamento definitivo com intuito
curativo, seja ele concomitante ou não à quimioterapia.

Radiologista / Radiointervencionista / Médico Nuclear


São profissionais que em conjunto contribuem para o diagnóstico e estadiamento

92 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


adequado do câncer de pulmão. Esses profissionais realizam e interpretam os
exames de imagem, podendo auxiliar na obtenção de material de biópsia e na
realização de alguns procedimentos invasivos para tratamento (como drenagem de
líquido pleural, realização de crioterapia etc.).

Patologista
É o profissional que contribui para o diagnóstico histopatológico da doença,
bem como para a identificação de alterações moleculares específicas que são
determinantes na escolha do tratamento mais adequado a cada caso.

Cuidados de Suporte (ou cuidados paliativos)


São profissionais especialistas no manejo de sintomas e efeitos colaterais. Também
ajudam na definição dos objetivos do tratamento e, muitas vezes, na transição para
o óbito de maneira confortável e acolhedora.

Enfermeiro(a) oncológico
É o principal elo entre o paciente e o restante da equipe. É quem defende as
necessidade e demandas do paciente e facilita o acesso aos serviços de saúde.

Psicólogo
tem seu papel centrado na criação de vínculos e identificação de preocupações
relacionadas ao tratamento ou processo de adoecimento. Para isso, é muito
importante que tenham uma comunicação tão ou mais efetiva que os demais
membros da equipe.

Nutricionista
Avalia e trata distúrbios de desnutrição, frequentemente presentes nos pacientes
com câncer (por exemplo, perda de peso em decorrência do tumor).

Fisioterapeuta
Auxilia na reabilitação muscular e pulmonar (ou preservação dessas funções),
especialmente em pacientes que foram submetidos à cirurgia, ou pacientes
ambulatoriais ou internados que passam por tratamento debilitante.

Capítulo 8 | A equipe multidisciplinar 93


Figura 3. A configuração de uma reunião multidisciplinar (RMD).

Paciente
Apresenta sintomas

Médico clínico geral


Pedidos de diagnóstico
de imagem e biópsia

Multidisciplinar
Médico de
Equipe recebe diagnóstico
molecular e determina cuidados Cirurgião
plano de atendimento primários Intervencionista
Cirurgião Radiologista
Intervencionista Pneumologista
Patologista Coletar biópsia de tecido
Radiologista
Pneumologista

Oncologista
Patologista
Executa teste
molecular usando
sequenciamento de Patologista
nova geração Realiza análise histológica e
faz o diagnóstico do câncer
Oncologista de pulmão
Solicita imagens adicionais,
avaliação de driver genes e
expressão de PDL-1*

* Avaliação restrita a adenocarcinoma de pulmão.

Figura 4. Atividades desempenhadas pela equipe multidisciplinar no paciente com câncer


de pulmão.

Vigilância
oncológica
Tratamento Rastreamento
dos efeitos rotineiro do
colaterais câncer

Toxicidade
Imunizações
financeira

Suporte Cessação de
psicológica tabagismo
Manejo
da saúde não Estilo de vida
relacionada saudável
ao câncer

94 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Qual é o papel dos enfermeiros navegadores no câncer de
pulmão?

O enfermeiro navegador é um profissional especializado no cuidado do paciente


com câncer, facilitando o acesso oportuno ao tratamento. Essa é uma nova função
na área da saúde, uma vez que a coordenação de serviços para pacientes com
suspeita ou diagnóstico de câncer oferece melhores resultados a eles, sobretudo
àqueles com câncer de pulmão, pois navegar pelo sistema de saúde é especialmente
desafiador para os pacientes que precisarão ter acesso a diversos recursos e
especialidades durante a jornada do tratamento.

Sabemos que o diagnóstico e estadiamento do câncer de pulmão é um processo


complexo, que normalmente envolve o uso de muitos serviços e procedimentos
de saúde diferentes, que podem incluir biópsias e outros procedimentos invasivos,
assim como múltiplas avaliações de imagem e serviços especializados. Fatores
que contribuem para atrasos no diagnóstico e tratamento do câncer de pulmão
incluem falha de comunicação entre as equipes de cuidados e serviços, dificuldade
no agendamento de exames ou procedimentos, diversas consultas clínicas e
dificuldade no transporte. O enfermeiro navegador tem o papel de identificar,
intervir e agilizar atividades de acompanhamento relacionadas ao diagnóstico
e tratamento do paciente com câncer de pulmão e ser um elo com o paciente,
guiando-o através do processo de diagnóstico e tratamento. Os navegadores
trabalham para ajudar os pacientes a concluir as terapias recomendadas em tempo
hábil, gerenciar problemas relacionados ao tratamento e seus efeitos colaterais.

Capítulo 8 | A equipe multidisciplinar 95


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capítulo 9
A biópsia

Christina Shiang
Carlos E. Bacchi

96 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é o exame anatomopatológico?

O anatomopatológico é o exame analisado pelo médico patologista que dá o


diagnóstico de certeza da doença, ou seja, se de fato aquela lesão suspeita ao exame
de imagem é mesmo um câncer de pulmão. Ele é realizado a partir dos fragmentos
de tecido ou de células do corpo humano obtidos por meio de biópsia por agulha
guiada por tomografia ou broncoscopia ou fragmentos do tumor retirados durante
cirurgia (peça cirúrgica). Esse material, assim que extraído, deve ser embebido em
uma solução fixadora, preferencialmente o formol tamponado a 10%. Isso impede
a decomposição e preserva a integridade do tecido para a análise morfológica,
bem como para a realização de outros testes, como o exame imuno-histoquímico e
exames moleculares que serão descritos adiante.

A análise morfológica é composta de duas etapas: primeiro, o exame macroscópico,


isto é, a avaliação externa da peça a olho nu, e, depois, o exame microscópico. Na
macroscopia, o patologista identifica características do material recebido como
quantidade, tamanho, cor, consistência, aspecto das superfícies e relação entre as
estruturas presentes. Em seguida, todo o material (biópsias e peças pequenas ou
fragmentos selecionados de peças maiores) passa por uma série de tratamentos
químicos no laboratório de patologia e é preservado em bloco de parafina. O bloco
de parafina é, então, submetido a cortes e fatias finíssimas do tecido que são
dispostas em lâminas de vidro e coradas para serem analisadas no microscópio.
Com base na avaliação de como as células tumorais são ao microscópio, o médico
patologista classifica o tumor e estabelece o diagnóstico.

FIGURA 1. Sequência de etapas da biópsia: a) fragmento de tecido retirado do paciente


por biópsia por agulha; b) tecido fixado em formol a 10%; c) bloco de parafina com
tecido incluído; d) corte do bloco de parafina; e) lâmina com tecido corado; f) análise
microscópica.

a b c

d e f

Capítulo 9 | A biópsia 97
Quais são as informações mais importantes que devem
estar descritas no exame anatomopatológico do câncer
de pulmão?

O exame anatomopatológico define o tipo histológico, que é a classificação


morfológica do tumor de acordo com a análise microscópica. O carcinoma é o tipo
histológico mais comum de câncer de pulmão e se origina nas células que revestem
as vias aéreas e alvéolos pulmonares. Se as células tumorais são encontradas
somente na superfície dessas estruturas, o carcinoma é considerado não invasivo
ou in situ. Quando as células crescem ou infiltram camadas mais profundas das
estruturas que compõem o pulmão, o tumor é considerado invasivo. Isso significa
que o tumor pode se disseminar localmente para outras partes do pulmão e para
fora dele de forma regional (metástase em linfonodo) ou sistêmica (metástase à
distância).

Existem vários tipos de carcinoma de pulmão. Para fins práticos terapêuticos, são
divididos em dois grupos: carcinoma de pequenas células e carcinoma de células
não pequenas.

O carcinoma de pequenas células é um tipo de câncer de pulmão agressivo que


acomete quase exclusivamente fumantes. Origina-se de células presentes na
superfície que recobre as vias aéreas, chamadas células neuroendócrinas. Esse
tumor cresce e se dissemina rapidamente, de modo que, em geral, já se apresenta
com comprometimento fora do pulmão (metástase) no momento do diagnóstico.
Antigamente, esse carcinoma era conhecido em inglês como “oat cell carcinoma”,
porque, ao microscópio, as células são pequenas e se assemelham aos grãos
de aveia.

FIGURA 2. Carcinoma de pequenas células à microscopia, semelhantes a grãos de aveia.

98 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


No grupo do carcinoma de células não pequenas estão incluídos os subtipos
histológicos mais frequentes, adenocarcinoma e carcinoma de células escamosas.
O adenocarcinoma apresenta células neoplásicas grandes que se assemelham às
células dos alvéolos ou de glândulas mucosas. O carcinoma de células escamosas
contém células que se assemelham às células achatadas do revestimento das vias
aéreas. A distinção entre esses dois subtipos histológicos é importante para a
decisão do tratamento adequado e na indicação de outros testes complementares.
No entanto, em alguns casos, principalmente em amostras pequenas de biópsias,
pode ser difícil de definir se é adenocarcinoma ou carcinoma de células escamosas.
Para essas situações, o termo carcinoma de células não pequenas é usado até que a
neoplasia possa ser classificada por exame imuno-histoquímico, ou eventualmente
com a avaliação da totalidade do tumor após a cirurgia.

O exame anatomopatológico dos tumores ressecados cirurgicamente deve conter,


além do tipo histológico, outras características, que visam auxiliar na decisão da
necessidade de tratamento complementar. As principais características são:
• se o tumor é in situ ou invasivo;
• tamanho do tumor;
• invasão da pleura visceral;
• presença de células malignas dentro de vasos linfáticos ou sanguíneos;
• extensão do tumor para estruturas adjacentes;
• avaliação das margens cirúrgicas, ou seja, determinação de que o tumor tenha
sido inteiramente retirado, ou não;
• presença de células malignas nos linfonodos regionais.

O tamanho do tumor é determinado inicialmente pela medida ao exame


macroscópico em centímetros. A microscopia permite discriminar as dimensões
dos componentes in situ e invasivo, e somente a medida da parte invasiva no seu
maior eixo é usada na definição da extensão da doença ou estadiamento. Além
do tamanho do tumor, outras características de infiltração local podem indicar
maior agressividade ou risco de recorrência, tais como invasão da pleura visceral,
invasão de vasos linfáticos ou sanguíneos (invasão angiolinfática) e acometimento
de tecidos adjacentes ao pulmão que foram com ele removidos.

É preciso constar no relatório se há ou não comprometimento das margens


cirúrgicas. Margem cirúrgica é a borda do tecido onde o cirurgião fez o corte para
retirar a peça. A margem é considerada livre quando não há câncer nesse plano
de ressecção. Neste caso, o tumor é considerado completamente ressecado e as
chances de recorrência no local são baixas.

Capítulo 9 | A biópsia 99
Na avaliação do comprometimento dos gânglios linfáticos ou linfonodos, dado
importante para o estadiamento, é necessário constatar a quantidade de linfonodos
que contêm células malignas, especificar a localização desses linfonodos (cadeia
linfonodal) e verificar se há ou não extravasamento dessas células para fora da
cápsula do linfonodo com infiltração de tecidos adjacentes.

O que é imuno-histoquímica?

O exame imuno-histoquímico é um método diagnóstico complementar ao


anatomopatológico amplamente utilizado em patologia. Ele é realizado com novos
cortes e lâminas obtidos do bloco de parafina. O termo imuno-histoquímica provém
de “imuno”, referente a anticorpos, e “histo”, que significa tecido. Ele consiste na
identificação de antígenos específicos, que são proteínas presentes nas células, por
meio do uso de reagentes ou anticorpos. Essas proteínas podem estar localizadas
na parede (membrana), no citoplasma ou no núcleo da célula.

No câncer de pulmão, o exame imuno-histoquímico é frequentemente realizado


para confirmação do tipo histológico. Em geral, é utilizado um painel com vários
marcadores. No caso do carcinoma de pequenas células, observa-se expressão
ou positividade nas células cancerosas de marcadores que indicam a sua origem
neuroendócrina (por exemplo, cromogranina A e sinaptofisina).

Nos casos de carcinoma de células não pequenas, o patologista analisa um painel


contendo marcadores que permitem diferenciar o adenocarcinoma de pulmão,
cujas células são positivas para TTF-1 e/ou napsina A, do carcinoma de células
escamosas, que expressa um marcador chamado p40.

O exame imuno-histoquímico também é utilizado para indicar que a origem


do tumor é no pulmão em caso de adenocarcinoma proveniente de doença
metastática. Nesta situação, o painel inclui marcadores que confirmam a origem
pulmonar (TTF-1, napsina A) e marcadores que excluem a origem em outros órgãos
ou sítios anatômicos com a negatividade para os antígenos ou proteínas expressas
em mama, trato genital feminino, próstata, rim e trato gastrintestinal, por exemplo.

Outra importante utilidade desse exame é determinar indiretamente a presença de


algumas alterações gênicas ou avaliar a expressão de marcador para tentar prever
se o paciente responderá ao uso de drogas específicas.

100 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


FIGURA 3. Adenocarcinoma positivo
(marcação nuclear em marrom) para o
anticorpo anti-TTF-1, confirmando origem
em pulmão.

O que é a mutação de um gene?

Para entender esta questão, vamos rever alguns conceitos básicos de biologia. O
núcleo das células humanas contém 46 cromossomos organizados em 23 pares
(1 par de cromossomos sexual – XX nas mulheres e XY nos homens – e 22 pares
não sexuais ou autossomos). Cada cromossomo é composto de uma longa cadeia
de DNA (ácido desoxirribonucleico). O DNA é uma molécula que carrega toda a
informação genética de cada ser vivo, necessária para a síntese de proteínas e
para sua própria regulação. Tem uma complexa estrutura composta de substâncias
químicas interligadas criando uma forma parecida com uma escada em espiral,
chamada de dupla hélice. Cada uma das duas hélices ou fitas tem a parede formada
por fosfatos e açúcares e elas estão ligadas pelos degraus compostos de um par
de bases nitrogenadas, com uma base para cada fita. As bases são identificadas
pelas letras A, T, C e G, e as diferentes sequências e combinações compõem o
código genético.

FIGURA 4. No núcleo da célula estão os cromossomos. Cada cromossomo é uma longa


cadeia de DNA e contém vários genes. Gene é uma sequência específica de DNA para a
síntese de uma proteína.

Célula

Núcleo

Cromossomo
Braço

Centrômero
DNA

Gene
Braço

Capítulo 9 | A biópsia 101


Gene é um trecho de DNA que contém uma sequência específica de bases que
corresponde a um código para sintetizar uma proteína. Cabe a outra molécula,
chamada RNA (ácido ribonucleico), “transcrever” ou copiar esse código e carregá-lo
para outra parte da célula, onde essa proteína será sintetizada. Cada proteína
produzida tem uma função específica na célula.

Mutação de um gene é uma alteração permanente na sequência do DNA. Existem


dois tipos de mutações: mutação germinativa e mutação adquirida. A mutação
do tipo germinativa ou herdada está presente no óvulo ou no espermatozoide e,
portanto, é encontrada em todas as células do corpo, podendo ser transmitida para
a geração seguinte. A mutação adquirida, também chamada de somática, ocorre
em determinado momento da vida e em algumas células do indivíduo, que passam
a alteração para as suas sucessoras.

As mutações gênicas são decorrentes de substituição de um par de bases por


outro, de inserção ou de deleção, com adição ou remoção de uma ou mais bases
na sequência. Essas modificações no código genético podem resultar, por exemplo,
na não produção da proteína, no aumento descontrolado de sua produção ou na
síntese de proteínas anormais com função diferente da original.

A maioria dos cânceres, inclusive de pulmão, é causada por um acúmulo de


mutações somáticas que contribuem para a sua multiplicação e crescimento
descontrolado. Mas, em alguns tumores, é possível reconhecer um gene principal
mutado, considerado condutor (driver gene), que é diretamente responsável pelo
surgimento do câncer e fundamental para a sobrevivência das células malignas.
Identificar mutações condutoras em um câncer permite o desenvolvimento
e o uso de drogas dirigidas a esses alvos moleculares específicos nas chamadas
terapias-alvo.

O que é uma fusão de um gene?

Fusão de gene é um gene novo formado pela união de dois genes diferentes. É
uma classe distinta de alteração gênica que pode ser um evento-chave na iniciação
e progressão de vários cânceres. Esses novos genes (genes de fusão) podem se
originar de diversos tipos de quebras e rearranjos do cromossomo, por exemplo:

• Translocação: um cromossomo incorpora uma porção (gene) de outro


cromossomo diferente;

• Inversão: genes em um mesmo cromossomo trocam de posição;

• Deleção: dois genes se unem por perda de fragmento de cromossomo


entre eles.

102 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Esses genes de fusão produzem proteínas novas com atuação completamente
diferente das proteínas originais dos genes parceiros envolvidos ou resultam na
hiperprodução e ativação exagerada da proteína de um deles.

Quais as mutações e fusões mais comuns em câncer de


pulmão de células não pequenas?

O grupo dos carcinomas de células não pequenas, sobretudo o tipo histológico


adenocarcinoma, apresenta as mutações e fusões mais relevantes do ponto
de vista clínico por serem alterações moleculares condutoras (drivers) que em
geral respondem à terapia-alvo. Na grande maioria dos casos, essas alterações
são mutuamente excludentes, raramente ocorrendo em conjunto. As principais
alterações moleculares com essas características são:

• Mutação do gene EGFR. EGFR (receptor do fator de crescimento epidérmico)


é uma proteína presente na membrana das células, pertencente a uma família
de receptores chamada tirosina quinase, que tem papel na proliferação celular
e na capacidade da célula de sobreviver e migrar. A mutação do gene EGFR
leva à produção exagerada dessa proteína, de modo que as células passam a
se multiplicar sem controle, vivem mais e têm maior chance de invadirem os
tecidos adjacentes. Essa mutação ocorre mais frequentemente em mulheres,
asiáticos e indivíduos não fumantes. Em países ocidentais, é encontrada
em cerca de 15% dos carcinomas de células não pequenas. Os exames que
detectam a presença da mutação do EGFR buscam alterações em quatro
regiões desse gene chamadas éxons, mais precisamente os éxons 18, 19, 20 e
21. As mutações do EGFR mais comumente encontradas são a mutação L858R
no éxon 21 e as deleções no éxon 19. Uma mutação denominada T790M do
éxon 20 pode ser identificada em pacientes que estão em uso de terapia-alvo,
mas criam resistência e passam a não responder à droga.

• Fusão do gene ALK. O gene ALK (do inglês anaplastic lymphoma kinase) está
localizado no cromossomo 2 e codifica a proteína ALK. Essa proteína também
pertence à família de receptor tirosina quinase. O rearranjo do gene ALK ocorre
em 3 a 5% dos carcinomas de células não pequenas, em geral, em indivíduos
jovens e não fumantes ou fumantes leves. O rearranjo mais comum do gene
ALK ocorre por mecanismo de inversão com outro gene presente no mesmo
cromossomo 2 chamado EML4, resultando no gene de fusão EML4-ALK. A
quebra dentro do gene EML4 pode ocorrer em diferentes pontos, o que resulta
em diferentes genes de fusão EML4-ALK, que são chamados de variantes. A
proteína produzida do gene de fusão ALK promove sobrevivência e crescimento
tumoral.

Capítulo 9 | A biópsia 103


• Fusão do gene ROS1. O gene ROS1, localizado no cromossomo 6, também
codifica uma proteína presente na membrana das células que pertence à
família de receptor tirosina quinase. O rearranjo do gene ROS1 é um evento
raro, detectado em 1 a 2% dos carcinomas de células não pequenas, e acomete
preferencialmente indivíduos mais jovens, não fumantes ou fumantes leves.
Assim como ocorre com a fusão do gene ALK, há várias variantes descritas para
o gene de fusão ROS1 a depender dos genes parceiros envolvidos.

Outras alterações moleculares relevantes que podem ser encontradas nos


carcinomas de células não pequenas são as mutações dos genes KRAS, BRAF, MET
e HER-2, e rearranjos dos genes RET e NTRK.

Que exames podem ser realizados para detecção dessas


mutações e fusões?

Os exames para detecção dessas mutações e fusões somáticas são realizados


com o tecido tumoral emblocado em parafina (bloco de parafina). Dois aspectos
são cruciais para o sucesso desses testes: a qualidade do material (relacionada a
conservação do tecido, tempo de fixação e fixador utilizado, por exemplo) e uma
quantidade mínima de células tumorais que pode variar entre os testes.

O método convencional para a detecção da mutação do EGFR é baseado na


aplicação da técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase), que consiste em
fazer múltiplas cópias de uma região específica de interesse do DNA, seguida da
técnica de sequenciamento, na qual essas cópias são lidas por um equipamento que
analisa se há ou não alguma alteração na ordem das bases do DNA. Esse mesmo
método pode detectar as outras mutações relevantes encontradas nos carcinomas
de células não pequenas, por exemplo, KRAS, BRAF, MET e HER-2. No entanto, na
grande maioria das vezes, o bloco de parafina contém pouca quantidade de células
tumorais, suficiente para realizar a pesquisa de apenas uma ou duas mutações
separadamente por método convencional.

Com o avanço tecnológico na área molecular de medicina diagnóstica, hoje é


possível analisar essas mesmas mutações separadamente ou em conjunto de uma
só vez em painéis de genes, por meio de plataformas de sequenciamento gênico de
nova geração (NGS). Diferentemente do método convencional, o sequenciamento
gênico de nova geração é mais sensível, pode ser realizado em amostras muito
pequenas e, também detecta alterações gênicas mais raras. Além das mutações,
o NGS contempla metodologias para avaliar os genes de fusão e suas variantes.
Portanto, é um teste muito completo e sempre que possível é usado na avaliação
molecular dos carcinomas de células não pequenas de pulmão.

104 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Os genes de fusão (ALK, ROS1, RET, NTRK) são detectados pelo método de hibridização
fluorescente in situ, conhecida como FISH. Essa técnica utiliza um microscópio de
alta tecnologia acoplado a um computador, que conta os sinais da reação presentes
nos núcleos das células tumorais com a utilização de um software. No caso do ALK,
por exemplo, duas regiões do gene no cromossomo 2 são assinaladas com cores
diferentes, verde e vermelho. Uma dessas regiões é contígua ao gene EML4. Em
uma célula normal, os sinais verde e vermelho são encontrados juntos; já nos casos
em que há rearranjo do ALK, os sinais ficam separados, indicando que houve uma
quebra e surgimento de um novo arranjo entre esses dois genes (Figura 5).

FIGURA 5. Rearranjo de ALK e sinal visto em microscópico de fluorescência.

p23 ALK
p21 EML4
ALK EML4

Normal

Inv(2)(p21p23)
EML4-ALK
gene de fusion

ALK-EML4

ALK-EML4

Também é possível identificar a presença de rearranjos dos genes ALK, ROS1 e


NTRK de forma indireta pelo método de imuno-histoquímica através da pesquisa
da expressão das respectivas proteínas nas células cancerosas. O exame imuno-
histoquímico é um teste mais barato e mais rápido que o FISH. Um resultado positivo
por imuno-histoquímica indica a presença do gene de fusão e não há necessidade
de confirmação por outro método. O contrário, porém, não é válido. Se o resultado
for negativo, é preciso pesquisar esses rearranjos por FISH ou NGS.

Capítulo 9 | A biópsia 105


O que é PDL-1?

O PDL-1 (do inglês Programmed Cell Death Ligand 1) é uma proteína presente na
superfície de células normais ou cancerosas. Essa proteína se encaixa em outra
proteína (PD-1, do inglês Programmed Cell Death 1) que é encontrada nas células T
do sistema imune. Quando ocorre a ligação entre PDL-1 e PD-1, a célula imune
entende que não pode atacar a outra célula, inclusive cancerosa. O PDL-1, portanto,
é uma proteína que permite às células cancerosas escapar do sistema imune (ver
capítulo 15, Imunoterapia, para mais detalhes).

Porque é importante a avaliação do PDL-1?

Alguns cânceres podem apresentar células com alta quantidade de PDL-1 na sua
superfície. Isso impede as células imunes de atacá-las, promovendo o crescimento
tumoral. Algumas drogas anti-PD-1 e anti-PDL-1 foram desenvolvidas para bloquear
a ligação do PD-1 com o PDL-1 com o objetivo de deixar as células cancerosas
suscetíveis à ação do sistema imunológico.

FIGURA 6. Células tumorais com forte


expressão para PDL-1.

O grau de expressão do PDL-1 nas células cancerosas pode ser avaliado por exame
imuno-histoquímico. Esse teste serve para tentar identificar quais indivíduos
se beneficiariam mais do uso dessas drogas. O resultado do teste é considerado
positivo se mais de 1% das células tumorais apresentam expressão do marcador
na sua membrana. Trata-se de uma forte expressão se 50% ou mais das células são
positivas; e de baixa expressão se entre 1% e 49% das células tumorais são positivas.
Acredita-se que aqueles com forte expressão tendem a responder melhor ao uso
dos inibidores de PD-1/PDL-1.

106 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é uma biópsia líquida?

Biópsia líquida é um exame que usa uma amostra de sangue para detectar células
cancerosas que estejam circulando na corrente sanguínea ou pedaços de DNA
dessas células.

É um teste simples, não invasivo, e por isso tem grande apelo, pois bastaria uma
coleta de sangue para obter material capaz de identificar células cancerosas ou
fragmentos de seu DNA. No entanto, ainda é uma tecnologia em desenvolvimento
com potencial no futuro de revolucionar nossa maneira de diagnosticar os cânceres.
No momento, esse tipo de biópsia apresenta muitas limitações e não pode substituir
totalmente a análise do tecido obtido por biópsia por agulha ou cirurgia. Uma das
principais limitações é sua menor sensibilidade, uma vez que depende da presença
de grande volume tumoral. O teste é mais eficiente quando há doença extensa,
com vários órgãos acometidos, porque isso aumenta a chance de haver células
cancerosas ou fragmentos de seu DNA circulando no sangue.

Quando é feita a biópsia líquida em câncer de pulmão?

A biópsia líquida pode ser utilizada em algumas situações durante o


acompanhamento do câncer de pulmão, particularmente para o tipo histológico
adenocarcinoma, e com o objetivo de pesquisar a mutação do EGFR. O teste pode
ser solicitado quando a amostra de tecido não foi suficiente para avaliar a mutação
do EGFR e o paciente não tem condições de fazer um novo procedimento invasivo.
A biópsia líquida também pode ser útil para avaliar especificamente a presença da
mutação de resistência T790M, situação na qual o paciente deixa de responder ao
tratamento com inibidor de EGFR.

Não há evidências científicas para recomendar o uso da biópsia líquida no primeiro


diagnóstico de câncer. Esse diagnóstico deve ser feito por exame anatomopatológico
com análise de tecido e, mesmo nas situações mencionadas acima, se a biópsia
líquida for negativa para a pesquisa da mutação do EGFR, recomenda-se confirmar
o resultado com uma análise de tecido.

Capítulo 9 | A biópsia 107


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capítulo 10
O estadiamento

Ricardo Lopes Moraes de Oliveira

108 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é estadiamento?

Estadiamento significa classificar a fase ou estágio que o câncer se encontra


no momento do diagnóstico. No câncer de pulmão, o estadiamento depende
principalmente do tamanho do tumor primário, do envolvimento de linfonodos
(gânglios) e da disseminação da doença para outros órgãos, também conhecida
como metástases à distância. O estadiamento do câncer de pulmão é uma etapa
muito importante, pois o tratamento e o prognóstico da doença são específicos
para cada estágio da doença.

Quais são os estádios do câncer de pulmão?

O câncer de pulmão pode ser classificado em estádios de 0 a IV, em ordem crescente


de gravidade. Cada estádio é um grupo composto de formas da doença com
características semelhantes. Essas características são determinadas por um sistema
universal denominado TNM, no qual o componente T é definido principalmente pelo
diâmetro do tumor primário no pulmão, o N representa o comprometimento ou
não dos linfonodos e o M, a ausência ou presença de metástases em outros órgãos.

Na tabela 1 e nas figuras 1 a 4 estão exemplificadas de forma resumida as principais


características de cada estádio do câncer de pulmão.

Tabela 1. Características de cada estádio do câncer de pulmão.

Estádio Características

0 Carcinoma in situ (lesão pré-maligna).

I Tumor ≤ 4 cm sem linfonodos comprometidos (Figura 1).

Tumor entre 4 cm e 7 cm e/ou presença de


II
linfonodos hilares (pulmonares) comprometidos (Figura 2).

Tumor > 7 cm e/ou presença de linfonodos


III
mediastinais (extrapulmonares) comprometidos (Figura 3).

IV Presença de metástase(s) em outro(s) órgão(s) (Figura 4).

Capítulo 10 | O estadiamento 109


Figura 1. Estádio I. Tumor ≤ 4 cm (setas) sem linfonodos (em verde) comprometidos.
comprometidos. Tumor IA: até 3 cm. Tumor IB: entre 3 e 4 cm.

Tumor IA

Tumor IB

Figura 2. Estádio II. Linfonodo hilar comprometido ou tumor > 4 cm e ≤ 7 cm.

Tumor ≤ 4 cm e
linfonodo hilar
comprometido
(em azul)

Linfonodo hilar
comprometido

Tumor

Tumor entre 4 e 7 cm
e linfonodos não
comprometidos
(em verde)

Tumor

110 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Figura 3. Estádio III. Linfonodo mediastinal comprometido.

Linfonodo mediastinal
comprometido

Linfonodo mediastinal
comprometido do mesmo
lado do tumor (T1 a T3)
(em azul)

Tumor

Figura 4. Estádio IV. Presença de metástases no fígado, glândula adrenal e cérebro.

Cérebro

Pulmão

Fígado
Glândula adrenal

Capítulo 10 | O estadiamento 111


Quais exames devem ser solicitados para o estadiamento?

Para identificar corretamente o estádio do câncer de pulmão, devemos realizar


inicialmente exames de imagem.

Tomografia computadorizada do tórax e abdômen superior


Com esse exame, é possível determinar com precisão o tamanho do tumor primário
no pulmão e a relação com estruturas próximas. Além disso, os linfonodos hilares
(pulmonares) e mediastinais (extrapulmonares) são avaliados. Qualquer linfonodo
com diâmetro maior que 10 mm é considerado suspeito para comprometimento
pela doença. O fígado e as glândulas adrenais também são visualizados à procura
de metástases.

PET-CT (tomografia computadorizada com emissão de pósitron)


O PET-CT é um exame indispensável no estadiamento do câncer de pulmão. O
principal papel é detectar a disseminação da doença para linfonodos e metástases
para outros órgãos, com exceção do cérebro. Nesse exame, é utilizado um
contraste endovenoso (18-FDG) à base de glicose, que é a molécula de açúcar
utilizada normalmente pelas nossas células como fonte de energia. O consumo de
glicose pelas células para exercer suas funções representa a atividade metabólica
delas. Em geral, as células tumorais têm uma atividade metabólica maior que as
células normais de nosso organismo e, dessa forma, apresentam uma captação
maior de glicose e do contraste 18-FDG. Um resultado de PET-CT é positivo quando
se identifica uma maior concentração do contraste 18-FDG em determinado
local, traduzindo uma maior atividade metabólica, sendo, consequentemente,
considerado suspeito para comprometimento pelas células tumorais do câncer de
pulmão. É importante ressaltar que muitas vezes o PET-CT é um exame de triagem,
e um resultado positivo deve ser seguido por uma biópsia para confirmação, assim
como um resultado negativo não exclui completamente comprometimento pelo
câncer de pulmão. Na indisponibilidade do PET-CT, pode-se utilizar a tomografia
computadorizada (TC) de abdômen com contraste para investigação de metástases
no fígado e a cintilografia óssea para avaliação de metástases no osso.

Ressonância magnética do crânio


Um dos locais mais comuns de metástase no câncer de pulmão é o cérebro. O
melhor exame de imagem para investigação da existência dessa metástase é a

112 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


ressonância magnética (RM) do crânio. Na indisponibilidade da ressonância, a TC de
crânio pode substitui-la. Invariavelmente, todos os pacientes com tumor primário
no pulmão maior que 3 cm e/ou na presença de sintomas neurológicos, como dor
de cabeça, devem realizar a RM ou TC de crânio para investigar a presença de
metástase cerebral. Existem serviços que preferem realizar a RM ou TC de crânio
para todos os pacientes com diagnóstico de câncer de pulmão independentemente
do tamanho do tumor primário ou da presença de sintomas neurológicos.

Qual o papel e quando realizar o estadiamento invasivo do


mediastino?

Nos pacientes com câncer de pulmão sem metástase para outros órgãos, o
principal fator determinante do tipo de tratamento e prognóstico é a ausência
ou presença de envolvimento de linfonodos pela doença. A investigação desse
envolvimento é uma das principais etapas do estadiamento do câncer de pulmão
e deve ser feita de forma precisa através de exames de imagem (tomografia
computadorizada e PET-CT) e, muitas vezes, com biópsias dos linfonodos. Todos
nós temos linfonodos espalhados em diversos locais do organismo. Os grupos de
linfonodos que têm relevância no câncer de pulmão são aqueles localizados no
interior no pulmão (linfonodos hilares) e em uma região dentro do tórax externa ao
pulmão chamada mediastino (linfonodos mediastinais). Ter certeza se os linfonodos
mediastinais estão comprometidos pelo câncer de pulmão é o objetivo principal
do estadiamento do mediastino. No entanto, em algumas situações, os exames de
imagem não são suficientes para definir essa certeza e, então, é necessário realizar
biópsias desses linfonodos. Esse processo se chama “estadiamento invasivo do
mediastino”. É importante ressaltar que, quando indicado, o estadiamento invasivo
do mediastino deve ser realizado antes da definição do tratamento, pois pode
modificá-lo radicalmente.

ESTADIAMENTO INVASIVO BIÓPSIA DE LINFONODOS


DO MEDIASTINO MEDIASTINAIS

Em geral, o estadiamento invasivo do mediastino aplica-se apenas para pacientes


sem metástases para outros órgãos. A principal indicação é sempre que houver
suspeita de envolvimento de linfonodos mediastinais nos exames de imagem,
conforme especificado abaixo:

• Linfonodos mediastinais maiores que 10 mm na tomografia computadorizada


do tórax.

Capítulo 10 | O estadiamento 113


• Linfonodos mediastinais positivos no PET-CT.

O estadiamento invasivo do mediastino também está indicado quando a tomografia


computadorizada do tórax e PET-CT mostram linfonodos mediastinais normais,
porém ainda há uma chance de esses exames terem falhado em detectar doença
nesses linfonodos. Essas situações são:

• Tumor primário no pulmão com diâmetro maior que 3 cm;

• Tumor primário localizado na porção central do pulmão;

• Linfonodos hilares maiores que 10 mm na tomografia e/ou positivos no PET-CT.

Quais são os métodos de realização do estadiamento


invasivo do mediastino?

O estadiamento invasivo do mediastino pode ser realizado através de dois métodos:


ecobroncoscopia (EBUS) e mediastinoscopia.

Ecobroncoscopia (EBUS)
A ecobroncoscopia é um método não cirúrgico endoscópico no qual um aparelho
com um pequeno probe de ultrassom na ponta é introduzido por via oral ou nasal
e, em seguida, ele é inserido na traqueia e brônquios, e eventualmente, no esôfago
também (Figura 5). A imagem ultrassonográfica permite a visualização e realização
de biópsia dos linfonodos mediastinais com uma agulha fina específica. A grande
vantagem desse método é o fato de ser pouco invasivo e apresentar menor risco
de complicações. A desvantagem é que sua disponibilidade ainda é restrita a alguns
serviços no Brasil e a acurácia do resultado depende bastante da experiência do
operador do exame. Atualmente, se disponível, deve ser o primeiro método de
escolha para estadiamento invasivo do mediastino.

Mediastinoscopia
A mediastinoscopia é um método cirúrgico realizado sob anestesia geral no qual é
feita uma pequena incisão de 3 cm na região cervical e pela qual é introduzido um
equipamento chamado mediastinoscópio (Figura 6). Esse equipamento permite a
visualização direta dos linfonodos mediastinais e a coleta deles para biópsias. É um
método seguro com baixa taxa de complicações, sendo atualmente mais disponível
que o EBUS no Brasil.

114 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Figura 5. Biópsia de linfonodo mediastinal (em branco) por EBUS.

Figura 6. Biópsia de linfonodo mediastinal por mediastinoscopia.

Capítulo 10 | O estadiamento 115


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capítulo 11
Cirurgia

Fabio José Haddad


Carlos Jogi Imaeda

116 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Quais são os princípios básicos da cirurgia para o câncer
de pulmão?

A extensão e a complexidade da cirurgia para o tratamento do câncer de pulmão


são determinadas principalmente pelo tamanho do tumor, por sua localização e por
seu aspecto nos exames de imagem. O principal exame de imagem para avaliação
anatômica do tórax é a tomografia computadorizada com uso de contraste
endovenoso. Um aspecto muito importante da cirurgia torácica oncológica é
a margem de segurança, ou seja, uma porção de tecido pulmonar normal (não
acometido pelo câncer) que é retirada ao redor e juntamente do tumor, a fim
de não deixar células tumorais residuais que poderiam levar à recidiva local do
câncer. Outro aspecto relevante é a retirada de linfonodos (ou gânglios linfáticos)
responsáveis pela drenagem linfática do lobo ou segmento pulmonar acometidos
pelo tumor. Também são removidos os linfonodos que ficam ao redor dos brônquios
de maior calibre (linfonodos hilares) e os linfonodos que ficam no mediastino, que é
o espaço entre os dois pulmões, onde também ficam as vias aéreas de maior calibre,
o coração e os vasos sanguíneos do tórax, o esôfago, e estruturas nervosas locais.

Qual a quantidade de tecido pulmonar removido


na cirurgia?

Para a maioria dos pacientes com condições de serem submetidos à cirurgia, o


procedimento recomendado para o tratamento do câncer de pulmão é a retirada
do lobo pulmonar que contém o tumor (lobectomia). A lobectomia costuma
proporcionar boas margens cirúrgicas, assim como a retirada dos linfonodos
intrapulmonares do lobo em questão. Devem ser removidos também os linfonodos
hilares e os mediastinais do mesmo lado do tumor. As maiores evidências científicas
existentes até o momento recomendam a realização da lobectomia, juntamente
com a linfadenectomia completa.

Nos tumores muito pequenos e iniciais (até 1 cm no maior diâmetro), pode ser
realizada a chamada “ressecção em cunha”, em que se retira apenas o tumor com
margens adequadas, mas sem dissecção das estruturas brônquicas ou vasculares
do pulmão. Esse tipo de cirurgia só deve ser realizado em tumores periféricos
(localizados no terço externo do pulmão).

Em pacientes com tumores maiores que 1 cm e menores que 2 cm no maior eixo, pode
ser realizada uma ressecção menor que a lobectomia, chamada segmentectomia.
Esta difere da ressecção em cunha por ser considerada uma cirurgia em que os vasos

Capítulo 11 | Cirurgia 117


sanguíneos e brônquios que se dirigem ao segmento em questão são dissecados e
seccionados de modo independente (em separado), com a remoção dos linfonodos
de drenagem do segmento pulmonar correspondente. As ressecções menores que
a lobectomia também podem ser realizadas em pacientes com reserva pulmonar
insuficiente para suportar uma lobectomia.

Nos tumores maiores do que 2cm e naqueles ditos centrais, ou seja, próximos dos
brônquios de maior calibre, pode ser necessária a retirada de porções maiores
do que um lobo pulmonar. Assim, dois lobos pulmonares (do lado direito, que
possui três lobos), ou mesmo de um pulmão inteiro (pneumonectomia) podem ser
excisados no tratamento do câncer de pulmão. A Figura 1 mostra a extensão dos
diversos tipos de cirurgia para câncer de pulmão.

Figura 1. Extensão dos diversos tipos de cirurgia para câncer de pulmão.

Ressecção em cunha Segmentectomia

Lobectomia Pneumonectomia

118 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Quais são as modalidades cirúrgicas?

As modalidades cirúrgicas para o tórax são a cirurgia aberta (toracotomia) e as


chamadas “minimamente invasivas”. Estas são a cirurgia por vídeo (chamada de
videotoracoscopia) e a cirurgia robótica. Historicamente, a cirurgia aberta foi a
primeira a ser realizada, seguida da videotoracoscopia e, mais recentemente, com
o avanço tecnológico, foi desenvolvida a cirurgia torácica robótica (Figura 2).

Figura 2. Modalidades de cirurgia para câncer de pulmão.

Toracotomia Videotoracoscopia

Toracotomia

Braçadeira Grampeador

Câmera

Cirurgia robótica

Capítulo 11 | Cirurgia 119


Qual a diferença entre cirurgia aberta, videotoracoscopia e
cirurgia robótica?

A grande maioria das cirurgias pulmonares são realizadas com o paciente sob
anestesia geral, deitado sobre o lado normal, e com o pulmão a ser operado voltado
para cima. Isso significa que o cirurgião chega ao pulmão pelo espaço entre as
costelas do mesmo lado do tumor. Em situações muito raras, o acesso pode ser feito
pela parte anterior do tórax, como acontece nas cirurgias cardíacas (esternotomia).

A cirurgia aberta é aquela em que é feito um corte grande o suficiente para


visão direta do pulmão e das estruturas internas do tórax. Isso é conseguido com
afastamento das costelas para que o cirurgião e seus auxiliares possam ter acesso
à cavidade torácica do lado do pulmão afetado. Nessa situação, são utilizados
instrumentos cirúrgicos tradicionais. O cirurgião opera mantendo “vazio” (sem
insuflação) o pulmão operado, e o paciente anestesiado respira com o pulmão
que não está sendo operado. Isso é possível graças ao trabalho da equipe de
anestesistas, que pode controlar a localização do tubo responsável pela respiração
no paciente anestesiado. Após a remoção do tumor e da margem de segurança,
o paciente volta a respirar usando a parte normal do pulmão operado. Portanto,
é importante haver uma atuação harmônica entre a equipe cirúrgica e o time de
anestesistas, com comunicação efetiva antes, durante e ao final do ato cirúrgico.

A cirurgia minimamente invasiva prevê que sejam feitos cortes pequenos (até 8
cm, mas habitualmente menores que isso), sem o afastamento das costelas, e
com o uso de instrumentos desenhados especificamente para os procedimentos
minimamente invasivos. Isso reduz significativamente o trauma cirúrgico sobre
a parede torácica, bem como as dores pós-operatórias. Através dos cortes, são
inseridos tubos rígidos (trocartes) no espaço entre as costelas, com diâmetros
que variam entre 5 mm e 12 mm. Esses trocartes servem como porta de entrada
para colocação de instrumental específico para a cirurgia minimamente invasiva.
A visualização das estruturas a serem operadas faz-se através de uma câmera de
vídeo com diâmetros que variam de 5 mm a 10 mm.

Os dois tipos de cirurgia minimamente invasiva utilizados atualmente são a


videotoracoscopia (correspondente à videolaparoscopia na cirurgia abdominal)
e a cirurgia robótica. A videotoracoscopia, que existe há mais de 30 anos, era
inicialmente usada para procedimentos diagnósticos de menor porte. Com
a evolução da tecnologia, foi possível o desenvolvimento de técnicas para as
ressecções pulmonares ditas anatômicas (principalmente a lobectomia) que
são as mais realizadas para o tratamento do câncer de pulmão. Nesse tipo de
cirurgia, o cirurgião manipula os instrumentos olhando diretamente no vídeo que

120 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


fica ao lado do paciente, enquanto um cirurgião auxiliar “pilota” a câmera, e um
segundo cirurgião auxiliar ajuda a mostrar a área-alvo da dissecção cirúrgica. O
procedimento pode ser feito com um corte (uniportal), dois cortes ou três cortes.
Excepcionalmente, podem ser usados quatro cortes (todos pequenos), a critério
da equipe cirúrgica. Esse planejamento costuma ser feito antes da cirurgia, sendo
explicado para o paciente.

Na cirurgia robótica, tanto a câmera quanto os principais instrumentais são


controlados por um robô que está sob comando do cirurgião. Os instrumentos e a
câmera são acoplados aos braços mecânicos do robô. A depender do procedimento,
podem ser usados três ou quatro braços do robô, sendo um para a câmera e os
demais para pinças de dissecção das estruturas internas. O cirurgião controla o
robô usando um console, que permite visão tridimensional do campo cirúrgico. Os
instrumentos robóticos são articulados e mimetizam os movimentos dos punhos
humanos. Isso facilita a dissecção, já que os instrumentos das demais modalidades
de cirurgia habitualmente não são articulados desse modo. Por reduzir a agressão
feita à caixa torácica (pele, músculos, costelas e pleura), a cirurgia robótica causa
menor repercussão sobre a função respiratória após a cirurgia, o que reduz a chance
de complicações como pneumonias, infecções de ferida operatória, trombose,
embolia e outras.

É preciso saber que toda cirurgia que começa por via minimamente invasiva
pode ser convertida para cirurgia aberta a depender do grau de dificuldade do
procedimento, ou mesmo pela ocorrência de acidentes durante a cirurgia, por
exemplo, sangramentos. Felizmente, estas situações são bastante raras.

Como e quando é feita a linfadenectomia mediastinal?

O sistema linfático é importante elemento anatômico no tratamento do câncer


de pulmão, pois é um dos caminhos por onde os tumores malignos costumam se
disseminar. Esse sistema é formado por finos canais (vasos linfáticos) e gânglios
linfáticos (linfonodos) interligados, formando uma rede que tem a função de
drenar o fluido (linfa) dos tecidos e devolvê-los ao sistema vascular sanguíneo. O
sistema linfático começa na periferia dos pulmões, vai em direção ao centro (hilos
pulmonares) e continua pelo mediastino até alcançar a circulação vascular sanguínea.

A linfadenectomia mediastinal (dissecção linfonodal sistemática) é parte


fundamental do tratamento cirúrgico, completando qualquer tipo de opção
escolhida, desde a menor ressecção como a segmentectomia até a maior delas,
a pneumonectomia. O procedimento consiste na remoção de todo o tecido

Capítulo 11 | Cirurgia 121


mediastinal que abriga os vasos linfáticos, linfonodos e tecido gorduroso que fica
ao redor, de preferência em bloco único e respeitando as estruturas anatômicas
vitais, retirando desse modo tecidos que podem conter células tumorais. Já que
todo o sistema linfático pulmonar foi retirado na etapa anterior, juntamente com o
tecido pulmonar, a linfadenectomia mediastinal permite melhor controle local da
doença em virtude da remoção de todo o trajeto que as células tumorais podem ter
percorrido até o momento da cirurgia. Além disso, a avaliação completa do sistema
linfático pulmonar e mediastinal pelo patologista é importante para estabelecer de
modo mais preciso o estadiamento da doença, o que permite a escolha do melhor
tratamento adjuvante, quando indicado.

A linfadenectomia mediastinal é realizada no mesmo ato operatório da retirada


do tumor, podendo ser feita por toracotomia convencional aberta ou por
procedimentos minimamente invasivos (videotoracoscopia ou cirurgia robótica).

Quais são os cuidados no pós-operatório?

A prevenção de complicações pós-operatórias começa já no preparo pré-operatório.


Deve ser feita uma avaliação minuciosa do estado geral de saúde do paciente,
principalmente das capacidades pulmonar e cardíaca, bem como das funções do
fígado e dos rins, entre outros órgãos. Deve ser orientada a cessação do tabagismo
pelo menos 30 dias antes da cirurgia (quando for o caso), e a realização diária de
exercícios físicos orientados ainda durante o período em que o paciente se prepara
para a cirurgia (reabilitação pulmonar), principalmente nos casos de pacientes
sedentários.

Ao final da cirurgia pulmonar, é colocado um dreno de tórax cuja extremidade fica


na cavidade pleural, o espaço entre o pulmão e a parede torácica. A finalidade do
dreno é retirar o ar e os líquidos que se acumulam na cavidade pleural por conta
da cirurgia. Isso propicia uma melhor expansão do tecido pulmonar remanescente.
Os cuidados com o dreno são bastante importantes. O dreno e suas conexões não
podem ficar dobrados ou ocluídos por muito tempo, principalmente se houver
escape de ar. De modo geral, o reservatório onde o dreno fica conectado fora do
corpo deve ser mantido abaixo do nível da cintura do paciente, e deve-se evitar sua
elevação acima desse nível (Figura 3).

Ainda durante a internação, são importantes a mobilização precoce e a fisioterapia


respiratória. Para tanto, é essencial um controle adequado da dor, com
medicamentos via venosa, oral ou, ainda, peridural.

122 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Figura 3. Sistema de drenagem de tórax.

A prevenção de eventos como trombose e embolia pulmonar é realizada de


modo mecânico (meias elásticas e botas pneumáticas nas pernas), assim como de
modo farmacológico, com medicações anticoagulantes em doses preventivas. A
mobilização precoce do paciente também faz parte destas medidas profiláticas.

A prevenção profilaxia de infecções inclui todo o ritual de antissepsia (limpeza e


esterilização) no centro cirúrgico, a aplicação de antibióticos preventivos logo antes
do início da cirurgia e sua aplicação por mais algumas doses, durante as primeiras
24 horas após o procedimento. A isso, somam-se os cuidados de enfermagem
durante a internação (curativos, banhos etc.).

A imensa maioria dos pacientes recebe alta hospitalar 3 ou 4 dias após a cirurgia.
Nesse momento, devem receber orientações para que se mantenham ativos,
evitem ficar muito tempo deitados ou sentados, mantenham alimentação saudável
e retomem o uso de medicamentos para o tratamento de doenças prévias à
cirurgia (hipertensão, diabetes etc.). Em geral, medicamentos para controle de dor
e prevenção de trombose são ainda mantidos por um tempo após a alta hospitalar.

O retorno às atividades normais depende de cada paciente, bem como do tipo de


cirurgia. Em média, os pacientes voltam ao seu ritmo basal de vida 15 dias após o
procedimento.

Capítulo 11 | Cirurgia 123


Quais as complicações mais comuns da cirurgia
do pulmão?

Existem complicações que ocorrem durante a cirurgia, mas as mais comuns


acontecem no período pós-operatório.

Em cerca de 1 minuto, passa pelos vasos pulmonares aproximadamente metade


do volume total de sangue que temos no corpo. Isso significa que a lesão de vasos
pulmonares pode levar a sangramentos volumosos e potencialmente fatais. Uma
das complicações mais temidas, mas felizmente rara (menos de 1% das cirurgias),
é o sangramento intraoperatório, principalmente vindo das artérias pulmonares.
Existem, claro, estratégias cirúrgicas para evitar esse tipo de complicação, bem
como protocolos bem estabelecidos de ações para o controle desses sangramentos,
quando ocorrem.

No pós-operatório, o evento adverso mais frequente é o escape aéreo, ou saída


de ar pelo tecido do pulmão. Podemos perceber a ocorrência desse escape pelo
sistema de drenagem do tórax. Apesar de todos os cuidados tomados na sutura do
tecido do pulmão, ele é bastante frágil, principalmente em pacientes fumantes ou
ex-fumantes. Na maioria dos casos, o escape é autolimitado e cessa em poucos dias
(média de 4 a 6 dias).

A atelectasia pulmonar consiste em uma área do pulmão na qual o ar não consegue


chegar. A atelectasia pode ter diferentes causas, tais como inchaço no brônquio que
leva o ar para aquela porção do pulmão, secreção acumulada que não consegue ser
expelida pela tosse, pouca expansão do pulmão como consequência de dor torácica,
ou ainda quando o paciente fica acamado por muito tempo. Felizmente, esta tem
sido uma complicação cada vez mais rara. A atelectasia e o acúmulo de secreções
podem desencadear uma infecção pulmonar, ou pneumonia pós-operatória. Da
mesma forma, a mobilização precoce do paciente e o controle da dor reduzem
bastante a possibilidade dessa complicação. Pacientes que fumam durante o mês
que antecede a cirurgia ou que têm doença pulmonar crônica têm maiores chances
(até 4 vezes maiores) de desenvolverem uma pneumonia pós-operatória.

Em alguns raros casos, sangramentos podem ocorrer quando o paciente já está


em recuperação no quarto do hospital. O dreno de tórax serve como sentinela e
permite a detecção desses sangramentos, que são geralmente pequenos e sem
consequências. Sangramentos maiores podem requerer uma nova cirurgia para
seu controle e para a retirada de coágulos da cavidade pleural. Felizmente, essas
situações são raras.

124 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Outra complicação são os fenômenos tromboembólicos. Coágulos podem
formar-se na parte interior de veias das pernas ou pelve, podendo, eventualmente,
desprender-se da parede e viajar pela circulação venosa e levar ao entupimento
(embolia) de vasos pulmonares. O quadro de embolia pulmonar pode ser leve e
passar despercebido, mas pode também ser grave e levar o paciente ao colapso e
até mesmo à morte. Assim, a prevenção desses eventos é muito importante após
uma cirurgia de grande porte.

O coração e os pulmões funcionam de maneira interdependente. Por esse motivo,


arritmias cardíacas são frequentes após cirurgias pulmonares. A maioria são
arritmias como fibrilação atrial e flutter atrial, que costumam ser revertidas com
medicamentos endovenosos. Entre 10% e 20% dos pacientes submetidos a cirurgias
pulmonares, como lobectomias, podem desenvolver esse tipo de complicação.

Infecções dos cortes cirúrgicos (incisões) podem ocorrer, mas também são raras,
exceto nos casos em que são necessários cortes grandes em pacientes já infectados
no pré-operatório (casos em que a cirurgia serve para tratar o tumor e a infecção).

Capítulo 11 | Cirurgia 125


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capítulo 12
Avaliação
pré-operatória

Felipe Marques da Costa


Milena Tenório Cerezoli

126 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é a avaliação pré-operatória?

É a avaliação realizada por médicos especializados, que podem ser pneumologistas,


cardiologistas e anestesiologistas, antes de qualquer procedimento cirúrgico. Essa
avaliação visa identificar e reduzir os riscos inerentes ao procedimento cirúrgico.
O risco é maior quando o paciente apresenta fatores de risco. Em alguns casos,
esses fatores são modificáveis (por exemplo, por cessação do tabagismo, melhora
do condicionamento muscular e tratamento de doenças pulmonares crônicas), no
intuito de reduzir o risco de complicações cirúrgicas, bem como evitar cirurgias em
pacientes cujos os riscos superam os benefícios.

Como é feita a avaliação pré-operatória em pacientes


candidatos à cirurgia pulmonar?

A avaliação se inicia com uma boa história clínica e exame físico, como em qualquer
outra consulta.

A primeira preocupação nessa fase é identificar potenciais riscos para complicações


cardiovasculares, tais como doenças vasculares isquêmicas, arritmias ou
insuficiência cardíaca. Caso seja necessário, o paciente será encaminhado para uma
avaliação pelo cardiologista.

O segundo passo é a avaliação da função pulmonar do paciente, o que é feito com


um exame chamado espirometria ou prova de função pulmonar, que será detalhado
mais adiante.

Na presença de alterações aos exames iniciais, complementa-se a avaliação com


o teste de exercício cardiopulmonar, que mede a capacidade física e funcional do
paciente por meio de uma análise metabólica durante o exercício.

O terceiro passo (e não menos importante) é a estruturação de um plano


terapêutico para o paciente candidato à cirurgia, integrando os cuidados de
otimização medicamentosa de eventuais doenças diagnosticadas nessa fase (por
exemplo, doença pulmonar obstrutiva crônica), atualização do calendário vacinal,
reabilitação cardiopulmonar e cessação do tabagismo.

É fundamental que o time multiprofissional (oncologista, pneumologista,


cardiologista, cirurgião, anestesista, fisioterapeuta, psicólogo, fonoaudiólogo)
esteja alinhado quanto ao planejamento durante todo o período perioperatório
(período antes, durante e após a cirurgia).

Capítulo 12 | Avaliação pré-operatória 127


Como se realiza a avaliação da função pulmonar e qual a
sua importância?

A espirometria é um exame não invasivo que mede a quantidade de ar que uma


pessoa é capaz de inspirar e expirar a cada ciclo respiratório, além de obter a
velocidade (fluxo) com que isso ocorre (Figura 1).

Figura 1. Na espirometria, o fluxo de ar que entra e sai dos pulmões é representado


no gráfico.

Existe uma faixa de normalidade para cada parâmetro avaliado pelo teste, sendo
considerados normais valores acima de 80% do previsto para indivíduos do mesmo
sexo, idade e altura.

Recomenda-se que o exame seja feito antes e depois da inalação de uma medicação
broncodilatadora (popularmente conhecida como “bombinha”), usada para
abrir as vias aéreas. Os resultados da espirometria antes e depois da medicação
broncodilatadora são considerados na avaliação pré-operatória.

Os principais parâmetros obtidos pela espirometria são:

1. Volume expirado forçado no primeiro segundo (VEF1): volume de ar exalado no


primeiro segundo a partir do ponto de máxima inspiração.

128 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


2. Capacidade vital forçada (CVF): volume máximo de ar exalado com esforço
máximo a partir do ponto de máxima inspiração.

3. Relação VEF1/CVF: quanto do volume máximo de ar nos pulmões é exalado no


primeiro segundo.

4. Fluxos expiratórios: velocidade com que o ar é exalado.

Como se interpreta a avaliação da função pulmonar?

O VEF1 medido após o uso do broncodilatador é um dos principais parâmetros de


avaliação de risco para a cirurgia, sendo obrigatória sua realização.

Os valores devem ser avaliados considerando-se o tipo de cirurgia a ser realizada.


Com isso, é possível prever o VEF1 pós-operatório (VEF1 ppo).

Quando o valor do VEF1 ppo apresentam-se abaixo de 60%, o paciente deve ser
submetido a uma avaliação mais criteriosa, incluindo-se a prova de função pulmonar
com difusão de monóxido de carbono (DLCO).

Em que consiste a prova de função pulmonar com difusão


de monóxido de carbono (DLCO) e quando deve ser
realizada?

A prova de função pulmonar com DLCO nada mais é que a própria espirometria
acoplada a um método capaz de medir a troca de gás pelos pulmões. Essa prova
mede a quantidade de monóxido de carbono (CO) no ar inspirado durante o exame
que pode atravessar os alvéolos pulmonares e chegar aos glóbulos vermelhos do
sangue (veja o capítulo 1, Os pulmões e a pleura).

A DLCO é um exame de fácil realização indicado na avaliação de risco cirúrgico por


sua capacidade e prever complicações pós-operatórias. Seu resultado também
deve ser avaliado levando-se em conta o tipo de cirurgia, o que permite prever o
DLCO pós-operatório (DLCO ppo).

Quando os valores do DLCO ppo são menores que 60%, o paciente deve ser
submetido a outras modalidades de exames, tal como o teste de exercício
cardiopulmonar (TECP), também conhecido por ergoespirometria.

Capítulo 12 | Avaliação pré-operatória 129


Em que consiste a ergoespirometria e quando deve ser
realizada?

A ergoespirometria é um importante exame na avaliação pré-operatória de


indivíduos que apresentam valores reduzidos de VEF1 ppo ou DLCO ppo.

O teste é realizado durante esforço físico em esteira ou bicicleta ergométricas, e as


análises são feitas com auxílio de uma máscara facial ou sistema bucal. O paciente
é monitorizado durante o esforço com eletrocardiograma, medidas da pressão
arterial e da oxigenação do sangue (oximetria). A duração do exame varia de 8 a 12
minutos (Figura 2).

Figura 2. Esteira e bicicleta ergométricas usadas na ergoespirometria.

Na ergoespirometria, valores do pico de consumo de oxigênio (VO2máx) acima de


20 mL por quilo por minuto ou maior que 75% do previsto permitem uma cirurgia
mais segura, com menor risco de complicações. Esse valor indica que as funções
cardíaca e pulmonar do paciente são suficientes para a cirurgia.

Valores de VO2máx entre 10 e 20 mL por quilo por minuto ou entre 35 e 75% do


previsto indicam moderado risco de complicações no período pós-operatório,
porém não são impeditivos para a realização da cirurgia, e outros dados do teste
devem ser levados em conta.

130 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Valores abaixo de 10 mL por quilo por minuto ou menores que 35% do previsto
significam risco alto e, em geral, são considerados contraindicação à cirurgia.

O que é a reabilitação cardiopulmonar e quando deve ser


indicada?

A reabilitação cardiopulmonar consiste em um programa estruturado de exercícios


após uma avaliação inicial do paciente. Essa avaliação inclui histórico médico,
exame físico, bioimpedância, circunferências abdominal e de quadríceps, teste da
caminhada de 6 minutos, dinamometria, manovacuometria, teste de uma repetição
máxima, teste de sentar e levantar, aplicação de questionários de qualidade de vida
e exames complementares. Em seguida, são planejadas sessões cuja frequência vai
variar a depender do intervalo de tempo disponível até a cirurgia.

Nessas sessões, o paciente é submetido a exercícios aeróbicos, em esteira ou


bicicleta ergométrica, bem como a treino com auxílio de equipamento para
fortalecimento muscular e respiratório, este último com aparelho powerbreathe
(Figura 3).

Figura 3. Treino com aparelho powerbreathe para fortalecimento da musculatura


respiratória.

São propostos também exercícios de coordenação motora, equilíbrio e alongamento


envolvendo os principais grupos musculares. Durante todo o atendimento, o
paciente é monitorizado, com medidas de pressão arterial, frequência cardíaca e
oximetria (Figura 4).

Capítulo 12 | Avaliação pré-operatória 131


Figura 4. Pacientes durante sessão de reabilitação cardiopulmonar.

132 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Figura 5. Fluxograma simplificado da avaliação funcional do paciente candidato à cirurgia
de ressecção pulmonar.

ThRCRI
História cardiológica
Pneumonectomia = 1,5
DAC = 1,5
AVC = 1,5
Creatinina > 2 mg / dL + 1,0
ThRCRI < 2 ThRCRI ≥ 2

Ambos ≥ 60% prev VEF1 ppo e DCO ppo Cardiologista - otimização

Risco baixo Um < 60% prev

TECP máx

VO2máx ≥ 20 mL/Kg/min VO2máx 10 a 20 mL/Kg/min VO2máx < 10 mL/Kg/min

Risco baixo VE / VCO2 ≤ 35 VE / VCO2 > 35 Risco alto

Risco baixo Risco intermediário


e intermediário e alto

*Legendas: ThRCRI – índice de risco cardíaco revisado; DAC – doença arterial coronariana; AVC – acidente
vascular cerebral; VEF1 – volume expiratório forçado no primeiro segundo; DCO – difusão do monóxido de
carbono; ppo – previsto para o pós-operatório; TECP – teste de exercício cardiopulmonar; VO2 – consumo
pulmonar de O2; VE/VCO2 – relação entre ventilação por minuto e liberação pulmonar de dióxido de carbono.

Capítulo 12 | Avaliação pré-operatória 133


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capítulo 13
Radioterapia

Lívia Alvarenga Fagundes Ferrigno

134 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é radioterapia?

Radioterapia é o nome dado a uma especialidade médica e também ao uso de


radiações ionizantes para tratamento do câncer e de outras doenças. As radiações
ionizantes são aquelas com energia suficientemente alta para alterar a estrutura do
DNA das células tumorais, provocando sua morte.

Existem dois tipos básicos de radioterapia, de acordo com a distância entre a fonte
que emite a radiação e a parte do organismo a ser tratada:

1. Radioterapia externa ou teleterapia: na qual o paciente é posicionado a


determinada distância de uma máquina que emite a radiação. As máquinas
mais utilizadas são os aceleradores lineares, que produzem um tipo de radiação
chamado de raios X. Existem outras máquinas com outros tipos de radiação,
tais como o cobalto, mas elas são menos utilizadas hoje em dia.

2. Radioterapia interna ou braquiterapia: na qual a radiação vem de uma fonte


colocada em contato direto ou inserida no interior do organismo paciente.

Como age a radioterapia?

As radiações usadas na radioterapia são chamadas de ionizantes porque são capazes


de criar cargas elétricas negativas, quimicamente chamadas de “íons”. Esses íons
agem principalmente no DNA das células, provocando sua morte ou impedindo sua
multiplicação (Figura 1).

FIGURA 1. Nessa figura a Fóton


estrutura do DNA é mostrada
esquematicamente. A radiação
0H H20
atinge os átomos e remove elétrons,
que podem agir diretamente no DNA, e
quebrando sua fita (ação direta), Ação
P*
ou indiretamente, através da indireta
formação de radicais livres
(ação indireta).
Fóton

e
Ação
P*
direta

Capítulo 13 | Radioterapia 135


Quando absorvida pelos tecidos do organismo, a radiação ionizante remove elétrons
e produz radicais livres, que “quebram” a fita do DNA das células tumorais. Essas
“quebras” provocam alterações nos cromossomos que podem resultar na morte
celular ou na incapacidade de multiplicação. Tanto as células malignas quanto
as células normais podem sofrer danos, mas as células normais geralmente têm
maior capacidade de reparar esses danos e sobrevier às radiações do que as células
cancerosas.

O que é o planejamento da radioterapia?

Inicialmente o paciente passa em consulta com um time de médicos e enfermeiros


da radioterapia. A radioterapia pode ou não ser indicada. Quando a radioterapia
é indicada, o paciente faz exames de imagem para planejamento do tratamento.
Podem ser realizados PET-CT ou ressonância magnética, e sempre é feita uma
tomografia. Essa tomografia é feita já com os assessórios de imobilização utilizados
no tratamento, e por isso ela é chamada de tomografia de localização ou de
planejamento da radioterapia. Essa imobilização é importante para assegurar
o posicionamento correto do paciente durante as sessões de radioterapia. Os
acessórios de imobilização podem ser máscaras para tratamento da região da
cabeça e pescoço ou colchões, chamados de “vac-fix”, para tratamento de tumores
em outras partes do corpo.

Por meio de um programa de computador, o radioterapeuta usa os exames de


imagem da região do corpo do paciente a ser tratada para definir o volume tumoral
que necessita receber a dose de radioterapia e os órgãos normais que precisam
ser protegidos. Após definição dessas estruturas pelo médico, outro profissional,
chamado físico médico, utiliza o mesmo programa de computador para calcular
as doses de radioterapia necessárias para tratar o tumor e proteger os tecidos
normais. Após esse planejamento, o médico volta para o sistema de computador e
avalia se o plano realizado pelo físico está adequado, ou seja, se a dose de radiação
planejada é adequada para atingir o alvo e se os órgãos normais estão recebendo
doses seguras de radiação.

Após aprovação do plano, é feito um controle de qualidade para verificar se o


equipamento está emitindo a radiação nas doses e nos locais planejados. Terminada
essa fase de planejamento, o paciente começa a ser tratado. Todo esse processo
de planejamento, entre a tomografia e o início do tratamento, leva de 1 a 3 dias, a
depender da complexidade.

136 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Como são feitas as sessões de radioterapia?

O número de sessões varia de acordo com a área a ser tratada, o tipo do tumor e o
objetivo do tratamento. O número de sessões varia de 1 a 39, em dias consecutivos
ou alternados, geralmente entre segunda e sexta-feira. No caso da radioterapia
externa, o técnico da radioterapia controla a máquina que faz as aplicações,
seguindo as especificações do planejamento feito anteriormente (Figura 2).

As sessões são feitas nos dias e horários agendados e duram aproximadamente 15


a 30 minutos, com algumas variações, a depender da complexidade e do número
de alvos a serem atingidos. Durante a aplicação, não existe efeito imediato. A
radiação é invisível, e o paciente não sente nada durante a sessão. Para aplicação
de radioterapia, na maioria das vezes não é necessário jejum ou preparo prévio.
Também não há nenhum procedimento invasivo, como acesso venoso, exceto nos
pacientes que necessitam de anestesia para realização do tratamento, o que pode
ser o caso de crianças pequenas e pacientes que não compreendem a necessidade
de ficar imóvel. O paciente não fica com radiação no corpo após o término da
radioterapia externa, ou seja, ele não fica “radioativo”. Assim que o equipamento
é desligado, não há mais qualquer radiação na sala de tratamento ou no corpo do
paciente, que pode exercer suas funções normalmente, incluindo passear, namorar
e ter contato com crianças.

FIGURA 2. Acelerador linear, técnico de radioterapia e paciente em posição de tratamento.

Capítulo 13 | Radioterapia 137


Quais são os tipos de radioterapia externa?

Os tipos de radioterapia externa variam de acordo com a fonte usada; mais


comumente, a radioterapia é feita por aceleradores lineares (Figura 2), e mais
raramente são usadas fontes de cobalto. Quando se usam aceleradores lineares,
existem três tipos mais importantes de planejamento e tratamento:

1. Radioterapia conformada: na qual a área de tratamento é definida por uma


tomografia computadorizada de localização (ou planejamento) e o volume a
ser tratado é desenhado em três dimensões. Assim, a radiação é direcionada
de forma “conformada” ao volume-alvo, enquanto os tecidos normais ao redor
são protegidos.

2. Radioterapia com intensidade modulada (IMRT): é uma evolução da técnica


conformada em que a intensidade da radiação varia durante a liberação dos
raios X. Isso é possível graças à presença de lâminas que se movimentam dentro
da máquina de radioterapia, funcionando como filtros que maximizam a dose
no volume que se deseja tratar e diminuem a dose nos tecidos normais a serem
protegidos. A máquina que faz a radioterapia com intensidade modulada é a
mesma que faz a radioterapia conformada. A diferença está nos programas de
computador que fazem essa programação.

3. Radioterapia estereotática fracionada corpórea (SBRT – stereotactic body


radiation therapy, SBAR – stereotactic body ablative radiotherapy), ou
radioterapia estereotática craniana ou radiocirurgia estereotática (SRS –
stereotactic radiosurgery): embora o nome inclua a palavra “cirurgia”, este é
um tipo de radioterapia externa que utiliza feixes de radiação muito precisos
e bem direcionados; ou seja, não uma cirurgia propriamente dita. O nome de
“radiocirurgia” é dado porque a SBRT é uma alternativa à cirurgia em alguns
casos, uma vez que é capaz de usar doses muito altas de radiação que são
“ablativas”, no sentido de que podem “destruir” o local tratado. Essa técnica
é capaz de direcionar a radiação a alvos bastante precisos, enquanto minimiza
a dose nos tecidos ao redor. Na SBRT, são utilizados acessórios especiais de
imobilização e localização precisa por imagem durante a sessão de radioterapia.
O planejamento é mais complexo, e o tratamento pode ser feito através de
técnica conformada ou IMRT.

138 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Quais os tipos de radioterapia utilizados no câncer de
pulmão?

O tipo de radioterapia mais utilizado no câncer de pulmão é a radioterapia externa


(conformada ou IMRT), usada para tratar tumores de pulmão localizados, de forma
exclusiva ou em combinação com a quimioterapia. A radioterapia estereotática
fracionada (SBRT ou SBAR) pode ser utilizada em casos de tumor de pulmão em
fase inicial, como alternativa à cirurgia para pacientes que não toleram cirurgia de
grande porte. A braquiterapia raramente é utilizada no câncer de pulmão.

FIGURA 3. Ilustração esquemática da radioterapia estereotática corpórea (SBRT) para


câncer de pulmão. As figuras são imagens de tomografia sobre as quais são “desenhados”
os alvos a serem tratados e os órgãos a serem protegidos.

Capítulo 13 | Radioterapia 139


Quando a radioterapia externa é utilizada no câncer de
pulmão?

Em pacientes com câncer de pulmão localmente avançado (restrito ao tórax), a


radioterapia externa é frequentemente combinada à quimioterapia. Nesses casos,
em geral a cirurgia não é viável por conta do estágio da doença ou das condições
clínicas do paciente. A radioterapia é iniciada na mesma semana do primeiro ciclo
de quimioterapia. A taxa de cura obtida pela radioterapia conformada é equivalente
à da radioterapia com intensidade modulada, mas a toxicidade com a técnica IMRT
é menor, principalmente com relação às complicações cardíacas e pulmonares.

No câncer de pulmão de células não pequenas, em geral são feitas 30 aplicações:


uma aplicação por dia, 5 vezes por semana (em dias úteis), pelo total de 6 semanas.
No câncer de pulmão de células pequenas, quando a doença é limitada ao tórax
geralmente são feitas 30 aplicações de radioterapia, mas podem ser feitas 2
aplicações por dia (num regime chamado de hiperfracionado), e nesses casos a
radioterapia termina mais rapidamente – ou seja, o tratamento é feito em 15 dias
úteis (3 semanas).

Quando a radioterapia estereotática é empregada no


câncer de pulmão?

Embora a cirurgia seja o tratamento-padrão para tumores iniciais de pulmão


(estádios I e II), a radioterapia estereotática fracionada corpórea ou SBRT é
atualmente o tratamento-padrão para os pacientes sem condições de suportar a
cirurgia (com comorbidades sérias que tornam o risco cirúrgico inaceitável) ou em
pacientes que recusam a cirurgia. A SBRT, às vezes chamada de radiocirurgia de
pulmão, é um tratamento com potencial curativo com excelentes taxas de controle
local e poucos efeitos colaterais. Ela é feita geralmente em 3 a 5 aplicações em dias
alternados.

As sessões são feitas com hora marcada, e não existe restrição às atividades
habituais do paciente. É um tratamento realizado sem a necessidade de incisões
cirúrgicas ou acesso venoso, e o paciente sai da aplicação sem efeitos colaterais
imediatos, podendo retomar suas atividades logo a seguir.

140 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Em que situações a radioterapia é utilizada para câncer de
pulmão metastático?

No câncer de pulmão metastático de células não pequenas, a radioterapia é


utilizada para paliação de sintomas, como desobstrução de via aérea, melhora de
sangramento, melhora de dor ou melhora da deglutição (quando existe lesão que
comprime o esôfago ou região do tubo digestivo dificultando engolir). Ela pode ser
usada logo no início com essa finalidade ou após falha do tratamento inicial. Além
disso, a radioterapia externa pode ser utilizada em metástases ósseas para alívio de
dor ou para prevenir ou consolidar fraturas. Pode também ser usada para metástases
em órgãos internos com o intuito de aliviar dor ou alguma disfunção local.

Em que situações a radioterapia estereotática é utilizada


para pacientes com câncer de pulmão metastático?

A radioterapia estereotática ou SBRT é utilizada em alguns casos metastáticos


definidos como oligometastáticos (até cinco focos de metástases) em que é
necessário usar uma dose ablativa com o objetivo de controle local, atrasando a
progressão e melhorando a sobrevida. Em geral, são realizadas 3 a 5 sessões em
dias consecutivos.

O que é e quando está indicada a radioterapia profilática


do cérebro?

O câncer de pulmão de células pequenas tem a característica de disseminação


precoce, com frequentes metástases cerebrais que permanecem inicialmente
ocultas e não causam sintomas neurológicos. Mesmo pacientes com esse tipo de
tumor que têm uma boa resposta à radioterapia de tórax e quimioterapia podem
desenvolver metástases cerebrais. A radioterapia profilática do crânio diminui
muito a chance de aparecerem metástases cerebrais; com isso, podem-se evitar
complicações e sintomas associados a essas lesões e até prolongar-se a sobrevida.
O tipo de radioterapia empregada nessas situações é chamado de radioterapia

Capítulo 13 | Radioterapia 141


profilática do crânio ou PCI (prophylactic cranial irradiation). Ela é recomendada
para pacientes com tumor de pulmão de células pequenas que responderam
parcial ou completamente ao tratamento inicial de radioterapia de tórax associada
à quimioterapia. A PCI é feita em 10 sessões diárias, 5 vezes por semana. No tumor
de pulmão de células não pequenas, a PCI não está indicada. Os efeitos colaterais
agudos da PCI são cansaço, sono, coceira do couro cabeludo e perda de cabelo
temporária. Ao longo dos anos, os pacientes podem apresentar alteração da
memória recente, dificuldade de concentração e instabilidade para andar. Esses
efeitos ocorrem mais comumente em idosos e, por isso, a PCI deve ser utilizada com
muita cautela em pacientes com mais de 70 anos.

142 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


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capítulo 14
Quimioterapia

Ana Caroline Zimmer Gelatti


Eduardo Bischoff
Franciele Meurer
Maiane Maria Pauletto

144 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é quimioterapia?

Quimioterapia é o nome dado aos medicamentos que têm a capacidade de destruir


células tumorais, com a finalidade de interromper a multiplicação dessas células
e controlar a progressão do câncer. Como as células tumorais se dividem mais
rapidamente que as células normais do corpo, e como a quimioterapia atua de
forma mais intensa em células que se dividem rapidamente, as células tumorais são
as mais afetadas pela quimioterapia.

A quimioterapia é um dos principais tratamentos utilizados no combate ao câncer.


Os tratamentos com quimioterapia podem ser feitos com apenas um medicamento
quimioterápico (monoquimioterapia) ou com combinações desses medicamentos
(poliquimioterapia). Além disso, a quimioterapia pode ser utilizada em diversos
momentos e com variadas funções durante o tratamento do câncer de pulmão,
como veremos a seguir, ela pode ser inserida no cenário adjuvante, neoadjuvante
ou ainda no contexto paliativo.

De onde vem a quimioterapia?

O termo quimioterapia foi originalmente usado pelo cientista alemão Paul Ehrlich,
em 1907, na busca pela cura da sífilis, uma doença infecciosa muito comum na época.
Mais tarde, em 1917, na Primeira Guerra Mundial, e durante uma operação militar
na Segunda Guerra Mundial, algumas pessoas foram expostas acidentalmente ao
gás mostarda, e posteriormente descobriu-se que elas tiveram uma diminuição da
contagem de glóbulos brancos (leucócitos) do sangue. Foi então deduzido que um
agente capaz de afetar a multiplicação de leucócitos poderia ter um efeito similar
no câncer.

Ainda na década de 1940, muitos pacientes com linfoma avançado receberam


a droga por via intravenosa em vez de inalar o gás. A melhora desses pacientes,
embora temporária, foi notável. Essa experiência levou a pesquisas com outras
substâncias que tinham efeito similar contra o câncer, fossem elas naturais ou
produzidas em laboratório. Como resultado, muitos outros compostos químicos
foram desenvolvidos para tratamento do câncer.

Capítulo 14 | Quimioterapia 145


O que significa o termo quimioterapia adjuvante?

A quimioterapia adjuvante é a quimioterapia administrada após a cirurgia ou a


radioterapia, quando estas são realizadas para tratamento do tumor primário e, em
alguns casos, para tratamentodos linfonodos regionais envolvidos. A quimioterapia
adjuvante é utilizada quando existe um risco significativo de que haja células
tumorais presentes em agrupamentos microscópicos em outras partes do corpo,
mesmo que não possam ser detectadas por exames de sangue ou de imagem.

Por que a quimioterapia adjuvante é indicada em câncer de


pulmão?

A decisão de fazer quimioterapia adjuvante depende da estimativa do risco


de recidiva da doença após um tratamento definitivo feito com cirurgia ou
quimioterapia combinada com radioterapia. A recidiva ocorre porque focos
microscópicos do tumor podem persistir no organismo dos pacientes mesmo após
tratamento do tumor primário e dos linfonodos regionais envolvidos. A recidiva é
mais frequente em tumores primários grandes, com tipos mais agressivos e quando
há comprometimento de linfonodos na cavidade torácica.

Estudos mostraram que pacientes com câncer de pulmão nos quais o exame
anatomopatológico, realizado após a cirurgia, tenha mostrado um tumor de 4 cm
ou mais e aqueles com linfonodos locais acometidos apresentaram tempo mais
longo sem recidiva do tumor e maior sobrevida quando tratados com quimioterapia
adjuvante, em comparação com aqueles que foram somente observados após a
cirurgia. A taxa de sobrevida em 5 anos após a cirurgia é inferior a 50%. Com a
quimioterapia adjuvante, após 5 anos, 69 pacientes em cada 100 estavam vivos.
Então, a quimioterapia adjuvante é indicada para reduzir o risco de recidiva e
aumentar as chances de cura.

O que significa o termo quimioterapia neoadjuvante?

O termo neoadjuvante significa aplicação do tratamento quimioterápico antes do

146 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


tratamento principal. No caso do carcinoma de pulmão de células não-pequenas, o
tratamento neoadjuvante é feito antes da cirurgia.

Quando a quimioterapia neoadjuvante é indicada?

A indicação de quimioterapia neoadjuvante no câncer de pulmão ainda é bastante


controversa. Realizar o tratamento quimioterápico antes da cirurgia teria como
vantagem teórica a redução do tumor com maior facilidade para sua remoção. Outro
potencial benefício seria a erradicação de micrometástases, antes que esses focos
possam crescer e ameaçar a vida do paciente. Por fim, o tratamento neoadjuvante
oferece a oportunidade de avaliar a resposta ao tratamento quimioterápico, ou
seja, observar se os medicamentos usados são eficazes contra as células tumorais.
No caso do tratamento adjuvante, não é possível avaliar diretamente essa eficácia,
porque o tumor já foi removido, e os eventuais focos residuais da doença são
microscópicos.

Até o momento, sabemos que a quimioterapia neoadjuvante traz o benefício de


redução do risco de recidiva e de morte semelhante ao da quimioterapia adjuvante
em pacientes com carcinoma de pulmão de células não-pequenas. Portanto, a
quimioterapia neoadjuvante também aumenta as chances de cura. Porém, ainda
existe preferência pelo tratamento adjuvante, sobre o qual existe maior quantidade
de informação na literatura médica. Muitos estudos estão em andamento por todo
o mundo para avaliar o papel do tratamento neoadjuvante com base em terapia-
alvo (veja capítulo 16, Terapia-alvo, para mais detalhes) e imunoterapia (veja
capítulo 15, Imunoterapia, para mais detalhes).

O que significa quimioterapia paliativa?

É a quimioterapia realizada em pacientes com doença metastática, ou seja,


quando a doença se espalhou para outros órgãos. Nesse momento, o tratamento
não tem proposta curativa e ela é utilizada para controle da doença pelo maior
tempo possível, com o intuito de melhorar os sintomas relacionados à doença e,
consequentemente, a qualidade de vida.

Capítulo 14 | Quimioterapia 147


Quais são os quimioterápicos mais utilizados no tratamento
do câncer de pulmão?

Vários medicamentos quimioterápicos são usados no tratamento no câncer de


pulmão, nos diferentes cenários em que eles podem ser utilizados – como doença
localizada ou metastática. A depender do objetivo do tratamento, os esquemas de
aplicação (como combinações de medicamentos, dose e intervalos de tratamento
– semanal ou a cada três semanas, por exemplo) variam. Entre os medicamentos
mais comuns estão carboplatina, cisplatina, paclitaxel, nab-paclitaxel, docetaxel,
pemetrexede, etoposídeo, gencitabina, vinorelbina, irinotecano e topotecana. Essas
medicações atuam em diferentes pontos da replicação/divisão celular, impedindo a
multiplicação das células tumorais ou levando-as à morte.

Quais são os efeitos colaterais mais comuns dos


quimioterápicos e como podem ser prevenidos?

Náuseas e vômitos
Podem acontecer com praticamente todas as medicações utilizadas no tratamento
do câncer de pulmão, com maior intensidade quando carboplatina e cisplatina
estão envolvidas no tratamento. Atualmente, no entanto, com o uso de diferentes
medicações anti-eméticas aplicadas antes da quimioterapia, conseguem-se evitar
náuseas e vômitos mais intensos em até 90% dos casos. Além disso, o médico pode
receitar medicações para o paciente tomar em casa e utilizar no caso de persistência
de sintomas. Algumas adequações durante o cotidiano também podem trazer alívio
dos sintomas. Entre elas estão a realização de refeições menos volumosas e em
menor intervalo de tempo (comer de 3 em 3 horas, por exemplo), evitar ingerir
líquidos durante as refeições, dar preferência a alimentos secos (bolachas, pães)
e evitar ingestão de alimentos muito processados (pré-prontos, fritos, embutidos)
durante o período de tratamento.

Perda de apetite
O apetite do paciente em quimioterapia pode diminuir, tanto como consequência
do tratamento como da doença. Sensação de boca seca, náusea e cansaço podem

148 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


contribuir para esse sintoma. É muito importante manter uma ingestão adequada
de nutrientes a fim de manter o corpo forte para prosseguir o tratamento. Tomar
quantidade adequada de água, realizar refeições mais leves (como sopas, vitaminas,
iogurtes, sorvetes), e enriquecer as refeições com suplementos proteicos e
vitaminas prescritos por um profissional da área da nutrição, quando devidamente
indicado, podem ajudar a diminuir o impacto da perda de apetite. Se há intolerância
ao volume de comida, também é possível alimentar-se com menor quantidade e
mais vezes ao dia (refeições de 3 em 3 horas, por exemplo).

Diarreia e/ou constipação


Alterações do hábito intestinal são bastante comuns e ocorrem com praticamente
todos os tipos de quimioterapia. É muito importante o paciente conhecer seu
próprio hábito intestinal a fim de poder agir quando alguma alteração acontece.
No caso de diarreia causada por quimioterapia, é possível fazer uso de medicações
que diminuem a frequência das evacuações. No caso de constipação, medicações
laxativas podem ser utilizadas. Além de medicações, manter ingestão adequada de
frutas e verduras (a fim de garantir o consumo de fibras) bem como de água para
prevenir desidratação (no caso de diarreia) ou ajudar na formação do bolo fecal (no
caso de constipação).

Feridas na boca (mucosite)


A mucosite, caracterizada por feridas como aftas (como bolhas pequenas)
dentro da cavidade oral, pode ser dolorosa e dificultar a alimentação. Caso essas
feridas apareçam, é sempre importante notificar o médico na próxima consulta
de avaliação. Na presença de mucosite, deve-se tomar cuidado para não ingerir
bebidas muito quentes ou alimentos com muito resíduos (grãos, por exemplo), para
evitar ou diminuir o trauma da mucosa que reveste a boca.

Fraqueza (astenia)
Comum a quase todos os tratamentos quimioterápicos, pode causar bastante
angústia, por poder ser confundida com piora da doença de base. Deve-se
sempre lembrar que a perda de apetite, anemia e outras alterações causadas
pela quimioterapia podem acabar piorando a fraqueza. Da mesma forma que
para outras possíveis complicações, manter dieta e ingestão de água em volumes

Capítulo 14 | Quimioterapia 149


adequados é essencial. É importante sempre lembrar-se de manter o equilíbrio no
que diz respeito aos nutrientes – como proteínas animais/vegetais (carnes em geral,
alguns legumes e vegetais) e carboidratos (pães, massas, de preferência integrais,
e frutas). Além disso, é fundamental manter um hábito saudável de exercício físico
que respeite os próprios limites (caminhar de 10 a 15 minutos por dia pode trazer
bastante benefício ao tratamento).

Piora da função do rim (nefrotoxicidade)


Especialmente relacionada ao uso de cisplatina, a piora da função do rim pode
levar a quadros graves, com necessidade de tratamento intra-hospitalar e até
hemodiálise (quando o sangue do paciente deve ser filtrado por uma máquina, no
caso de falência renal). No entanto, esse cenário é raro. O paciente deve sempre se
lembrar de se manter hidratado durante o tratamento quimioterápico e procurar
ajuda caso perceba que não consegue ingerir quantidade suficiente de água.

Inchaço (edema periférico)


Pode acontecer com o uso de docetaxel e pemetrexede, mais comumente.
Caracteriza-se especialmente por inchaço dos pés e pernas; às vezes, o inchaço
ocorre em volta dos olhos (região periorbital). É importante lembrar-se de manter
as pernas erguidas um pouco acima do nível do quadril, se possível, para ajudar a
controlar o inchaço de membros inferiores.

Alopecia
A queda de cabelo pode acontecer nos pacientes em quimioterapia. Paclitaxel
e docetaxel são as medicações que mais comumente causam esta alteração,
que costuma acontecer cerca de 20 dias após o início do tratamento. O cabelo
geralmente volta a crescer cerca de 3-4 meses após o tratamento. O uso de tocas
térmicas pode reduzir de modo significativo a alopecia.

150 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Infecções
Um dos possíveis efeitos colaterais mais graves da quimioterapia é a queda da
contagem de leucócitos do sangue, as células de defesa do nosso organismo. Essa
queda geralmente acontece em 7-10 dias depois da aplicação da quimioterapia.
Portanto, o paciente em tratamento quimioterápico que apresenta febre (definida
como temperatura axilar > 37,8°C) deve sempre procurar atendimento médico a
fim de diagnosticar uma possível infecção. Além disso, essa é uma das razões pelas
quais o médico geralmente solicita exames laboratoriais antes de cada ciclo de
quimioterapia a fim de conferir em qual nível se encontram os leucócitos.

Anemia
Da mesma forma que os leucócitos, a contagem de glóbulos vermelhos (as hemácias)
também pode ser reduzida durante a quimioterapia, levando ao quadro de anemia.
Como sintomas, o paciente pode apresentar cansaço, falta de ar e palidez. Deve-se
tomar cuidado para não confundir esses sintomas com os da progressão da doença
ou de outras complicações. É muito importante manter ingestão de água e de
alimentos adequada para que não haja deficiência nutricional que possa piorar a
anemia (por exemplo, de ferro ou de vitaminas importantes para a formação do
sangue).

Dependendo do grau de anemia e dos sintomas apresentados, é possível realizar


transfusão de sangue, a fim de melhorar tais sintomas. Geralmente, se espera uma
hemoglobina em torno de 9 ou 10 mg/dL no hemograma do paciente com câncer e
em tratamento quimioterápico.

Sensação de formigamento em pés e mãos (neuropatia periférica)


Associada especialmente ao uso de paclitaxel e docetaxel, a neuropatia pode
ser bastante incômoda e gerar prejuízos no cotidiano do paciente (como perder
chinelos ao caminhar ou não conseguir utilizar uma caneta). A frequência e a
intensidade desse efeito adverso são geralmente proporcionais ao número de
ciclos de quimioterapia já realizados, e os sintomas podem ser transitório. Assim, o
paciente com sintomas de neuropatia deve sempre notificar seu médico, de modo
que o profissional possa ajustar o tratamento em função da queixa apresentada.

Capítulo 14 | Quimioterapia 151


[retornar ao índice]

capítulo 15
Imunoterapia

Antonio Carlos Buzaid


Jéssica Ribeiro Gomes

152 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é imunoterapia?

A imunoterapia é um tipo de tratamento que estimula o sistema imunológico,


possibilitando que as células imunes reconheçam e combatam as células tumorais.
Em condições normais, o sistema imunológico é capaz de eliminar células tumorais,
mas isso deixa de acontecer em pessoas que desenvolvem um câncer. Portanto,
todos os cânceres existem simplesmente porque o sistema imune não foi capaz de
eliminar o tumor enquanto este se desenvolvia. Por exemplo, as células cancerosas
podem se “camuflar” para não serem reconhecidas pelo sistema imunológico ou
produzir substâncias que suprimem a ação das células imunes.

Quais imunoterápicos são mais usados em câncer de


pulmão?

As medicações mais modernas de imunoterapia atualmente utilizadas pertencem


à classe dos chamados “inibidores de checkpoints”. No sistema imunológico
existem pontos regulatórios que são responsáveis por modular e frear a sua ação,
evitando assim reações autoimunes, isto é, reações em que o sistema imune ataca
o próprio corpo.

Os inibidores de checkpoints são anticorpos que atuam no bloqueio de receptores


específicos dos linfócitos T ou das células tumorais, de forma a ativar a ação do
sistema imunológico contra o tumor. Os linfócitos T são os “soldados” mais
importantes do sistema imunológico na guerra contra as células tumorais.

Os inibidores de checkpoints mais comuns são os inibidores de CTLA-4, de PD-1 e de


PDL-1. O único inibidor de CTLA-4 aprovado no mercado para câncer de pulmão de
células não pequenas é o ipilimumabe. Os inibidores de PD-1 são o pembrolizumabe,
o nivolumabe e o cemiplimabe, e os inibidores de PDL-1 são o atezolizumabe e
o durvalumabe.

Como funciona o ipilimumabe?

O início da resposta imune ocorre nos linfonodos, também chamados de gânglios


linfáticos. Temos linfonodos espalhados por todo o corpo. Lá, células especializadas
do sistema imunológico chamadas células apresentadoras de antígeno “digerem”
e processam partes de células tumorais mortas, apresentando esses pedaços de

Capítulo 15 | Imunoterapia 153


tumor, chamados de antígenos, para os linfócitos T, cuja função é encontrar e
eliminar as células tumorais. Quando as células apresentadoras de antígeno entram
em contato com os linfócitos T, elas ativam esses linfócitos através de dois receptores
que são necessários para que essa ativação ocorra. Para evitar uma resposta imune
excessiva, aproximadamente 24 a 48 horas depois, uma proteína chamada CTLA-4
normalmente se interpõe no processo “roubando um dos receptores”, o que
resulta na inativação do linfócito T. Quando se administra um inibidor de CTLA-4 ao
paciente, o CTLA-4, que é responsável por inativar o linfócito T, não funciona. Isso
faz com que o linfócito T fique ativo por mais tempo (Figura 1).

FIGURA 1. Após a célula apresentadora de antígeno interagir com o linfócito T através de


dois receptores (A), 24 a 48 horas depois a proteína CTLA-4 aparece e retira a ligação
entre o B7 e o CD28, resultando em uma paralisação do linfócito T (B). O anti-CTLA-4
(ipilimumabe) se liga ao CTLA-4 e evita que este funcione, resultando em uma ativação
mais prolongada do linfócito T (C).

antígeno
TCR

MHC CD28

A
B7
CTLA-4 Linfócito T
Célula
apresentadora
de antígeno

antígeno
TCR

MHC
CD28

B Célula
apresentadora Linfócito T
CTLA-4
de antígeno

B7
antígeno
TCR

MHC
CD28

C B7
CTLA-4
Linfócito T
Célula
MHC: complexo principal de apresentadora
histocompatibilidade; de antígeno
TCR: receptor da célula T.
anti-CTLA-4

154 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Como funcionam os anti-PD-1 e anti-PDL-1?

Após o linfócito T ser ativado, ele circula no corpo e vai tentar eliminar as células
tumorais. Um dos mecanismos que o corpo habitualmente usa na regulação do
sistema imunológico consiste no uso de uma proteína chamada PDL-1, presente
em várias células do organismo, para paralisar o linfócito T. Isso ocorre porque o
contato entre o linfócito T – com seu receptor chamado PD-1 – e a proteína PDL-1
de outras células resulta na “paralisação” do linfócito T. Por exemplo, a placenta é
rica em PDL-1, evitando que o sistema imunológico da mãe ataque os tecidos do
feto. As células do câncer de pulmão, assim como de outros tumores, usam esse
mesmo truque para paralisar o sistema imunológico. Sabemos que frequentemente
as células do câncer de pulmão têm em sua membrana uma expressão aumentada
do PDL-1. Dessa forma, quando os linfócitos T tentam atacar a célula tumoral,
seu PDL-1 entra em contato com o PD-1 do linfócito T e o paralisa, evitando o
ataque. Hoje temos anticorpos chamados de anti-PD-1s, que se ligam ao PD-1, o
receptor que fica na membrana do linfócito T, e anticorpos que se ligam ao PDL-1,
os chamados anti-PDL-1s, presentes nas células tumorais. Ao ligarem-se ao PD-1
ou ao PDL-1, esses anticorpos impedem a “paralisação” do linfócito T e permitem
sua ação contra o tumor. Exemplos de inibidores de PD-1 são o pembrolizumabe,
o nivolumabe e o cemiplimabe; os inibidores de PDL-1 são o atezolizumabe e o
durvalumabe. A figura 2 ilustra o mecanismo de ação dos anti-PD-1s e anti-PDL-1s.
FIGURA 2. O linfócito T se
acopla na célula tumoral Célula
por reconhecer o antígeno A tumoral
na sua membrana. A célula
Antígeno
tumoral usa o PDL-1 na sua
Receptor do linfócito T
membrana, que se liga ao PDL-1
receptor PD-1 presente,
resultando em paralisação
do linfócito T (A). Há duas PD-1
maneiras de bloquear o eixo Linfócito T
PD-1/PDL-1: bloqueando
o PDL-1 da célula tumoral
com anticorpo anti-PDL-1 ou
bloqueando o receptor PD-1 B Célula
presente no linfócito T com tumoral morta
anticorpo anti-PD-1 (B).

PDL-1

Anti-PDL-1

Linfócito T
Anti-PD-1 PD-1

Capítulo 15 | Imunoterapia 155


Em que situação está indicada a imunoterapia no câncer de
pulmão?

A imunoterapia é hoje parte essencial do tratamento do câncer de pulmão de


células não pequenas localmente avançado ou metastático. Porém ela ainda não
é usada na doença inicial como prevenção após a cirurgia, o que chamamos de
tratamento adjuvante.

Em pacientes com câncer de pulmão localmente avançado, que são tratados com
quimioterapia combinada com radioterapia, a imunoterapia com durvalumabe
deve ser iniciada logo em seguida e administrada por um período de 1 ano. A
taxa de cura é maior quando se administra esse imunoterápico após tratamento
com quimioterapia e radioterapia do que quando se usa somente quimioterapia e
radioterapia.

No câncer de pulmão metastático de células não pequenas, a imunoterapia é


utilizada como parte do tratamento inicial (primeira linha) nos pacientes cujo
tumor não possuei alterações em genes específicos (os chamados driver genes).
Essas alterações gênicas agem como motores que estimulam o crescimento do
tumor (veja capítulo 9, A biópsia). Assim, todo paciente com câncer de pulmão
metastático de células não pequenas deve ser inicialmente avaliado, para que
se possa detectar a presença dos driver genes. Quando o paciente possui essas
alterações, o tratamento inicial, em geral, não inclui a imunoterapia, e sim terapias
que bloqueiam a ação desses genes alterados (chamadas de terapia-alvo – veja
capítulo 16, Terapia-alvo, específico sobre esse tópico).

Por outro lado, nos pacientes que não apresentam os driver genes, o tratamento
de primeira linha é dividido de acordo com a expressão de PDL-1 nas células
tumorais ou imunes. Naqueles com expressão de PDL-1 maior ou igual a 50%
nas células tumorais (ou, em alguns casos, nas células imunes), podemos usar
imunoterapia isolada, sem quimioterapia. Nesses casos, pode-se utilizar anti-PD-1
(pembrolizumabe ou cemiplimabe) ou anti-PDL-1 (atezolizumabe) isoladamente ou
até mesmo a combinação de ipilimumabe com nivolumabe. Pode-se usar também
a combinação de quimioterapia com imunoterapia nesses casos. A quimioterapia
destrói parte das células tumorais e ajuda o sistema imune a ser ativado. Não
está claro, entretanto, qual a melhor estratégia: quimioterapia combinada com
imunoterapia ou imunoterapia isolada nos pacientes com expressão de PDL-1 maior
ou igual a 50%.

156 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Imunoterapia isolada

Forte expressão de PDL-1


Quimioterapia combinada
com imunoterapia

Em pacientes sem expressão de PDL-1 ou com baixa expressão (PDL-1 inferior a


50%), favorecemos, em geral, combinação de quimioterapia com imunoterapia.
Se o paciente com expressão de 1 a 49% não puder receber quimioterapia,
excepcionalmente pode-se usar pembrolizumabe isolado nesses casos. Os seguintes
esquemas de quimioterapia com imunoterapia são considerados apropriados para
pacientes sem ou com baixa expressão de PDL-1:

• Carboplatina mais pemetrexede mais pembrolizumabe

• Carboplatina mais pemetrexede mais ipilimumabe mais nivolumabe

• Carboplatina mais paclitaxel mais bevacizumabe mais atezolizumabe

• Carboplatina mais nab-paclitaxel mais atezolizumabe

Quimioterapia combinada
Baixa ou sem expressão de PDL-1
com imunoterapia*

*Quando há contraindicação à quimioterapia e a expressão de PDL-1 está entre 1 e 49%, pode-se usar
pembrolizumabe isolado em casos selecionados.

Em caso de falha do tratamento de primeira linha, pacientes que não receberam


imunoterapia inicialmente e foram tratados apenas com quimioterapia devem ser
expostos à imunoterapia com anti-PD-1 isolado. Aqueles tratados com terapia-alvo
na primeira linha e que tiveram progressão da doença devem ser tratados com
quimioterapia combinada com imunoterapia. Nesses casos, damos preferência
ao esquema de carboplatina mais paclitaxel associado a bevacizumabe mais
atezolizumabe.

Capítulo 15 | Imunoterapia 157


Quais são os efeitos colaterais mais comuns da
imunoterapia?

Os efeitos colaterais ocorrem por um excesso de estimulação do sistema


imunológico, que passa a agir contra as células do próprio organismo do paciente.
Essa hiperestimulação pode ocorrer basicamente contra qualquer órgão, sendo os
mais comumente afetados a pele (causando uma erupção que lembra uma reação
alérgica), o intestino (ocasionando colite e/ou diarreia), o fígado (hepatite), a tireoide
(hipotireoidismo ou hipertireoidismo) e o pulmão (pneumonite – inflamação do
pulmão). Raramente, pode haver sintomas ligados aos nervos e ao coração. Na
maioria das vezes, são reações leves e de fácil tratamento, embora, ocasionalmente,
possam ocorrer efeitos colaterais mais graves. O reconhecimento precoce desses
eventos autoimunes é muito importante para evitar que se tornem graves.

Quando o sistema imunológico ataca o corpo de forma severa, usamos corticoides


em doses altas para suprimir sua ação. Quando os corticoides não ajudam, pode ser
necessário acrescentar outras medicações para reduzir a ação excessiva do sistema
imunológico do paciente. Não é apropriado usar imunoterapia em indivíduos que
usam corticoides em doses altas, pois o sistema imune não consegue ser ativado
nesses casos. Entretanto, pacientes que desenvolvem fenômenos autoimunes
causados pela imunoterapia e por isso precisam usar corticoides frequentemente
se beneficiam da imunoterapia, pois ela já atuou contra o câncer deles antes que a
imunossupressão fosse usada.

158 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


[retornar ao índice]

capítulo 16
Terapia-alvo

Luiz Henrique Araujo


Thiago Bueno de Oliveira

160 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é um driver gene?

Os genes chamados de driver (do inglês, “motorista” ou “condutor”) são


aqueles capazes de iniciar e manter as alterações celulares que caracterizam
o que chamamos de câncer. Esses genes, que têm sua função modificada como
consequência de mutações ou outras alterações, produzem proteínas capazes de
induzir as células tumorais em suas funções de proliferação, sobrevivência, invasão
de tecidos vizinhos e formação de metástases. Conhecer o driver genes de um
câncer pode ajudar a definir o “calcanhar de Aquiles” daquele tumor, uma vez que
existem tratamentos específicos capazes de bloquear o funcionamento anormal
das proteínas produzidas por esses genes.

Mutações no DNA de drivers genes podem levar à produção de proteínas com


funcionamento alterado que contribuem para o desenvolvimento e a progressão
do câncer. A proteína mutada é um receptor na membrana celular. Esse receptor
de membrana defeituoso ativa uma série de funções celulares que contribuem para
o desenvolvimento e a progressão do câncer, que envolvem proliferação celular,
invasão de tecidos vizinhos, inibição da morte celular (apoptose), desenvolvimento
de novos vasos sanguíneos (angiogênese) contribuindo para a formação de
metástases (Figura 1).

Drogas inibidoras dos drivers genes (chamada de terapia-alvo) podem bloquear


essa atividade acelerada da proteína mutada, ajudando a controlar o câncer.

Figura 1. Mutações no DNA de drivers genes.

Proteína mutada
(driver gene)

Proliferação Angiogênese

Invasão Metástase
Inibição da
apoptose

Cromossomo

DNA

Gene mutado

Capítulo 16 | Terapia-alvo 161


O que é tratamento dirigido contra alvos moleculares
(terapia-alvo)?

A terapia-alvo é um tipo de tratamento direcionado a alterações específicas da


célula do câncer. Também é chamada de terapia inteligente, medicina personalizada
ou oncologia de precisão. O câncer de pulmão se tornou o principal modelo da
utilização dessa estratégia graças aos bons resultados da terapia-alvo nos pacientes
cujo câncer de pulmão apresenta mutações do tipo driver. Por isso, é fundamental
a pesquisa molecular ampla em busca das alterações do tipo driver nas células do
câncer de pulmão, especialmente no tipo câncer de pulmão de células não pequenas.

Quais são os genes mais frequentemente alterados no


câncer de pulmão?

Os genes mais frequentemente alterados em câncer de pulmão relevantes para


o tratamento são: KRAS, EGFR, ALK, ROS1, RET, MET, BRAF, NTRK e HER-2. Em
alguns casos, essas alterações são mutações; em outros, ocorrem diferentes tipos
de fenômenos genéticos (amplificações, translocações, fusões etc.) que levam ao
aumento da função desses genes.

Como diagnosticar esses genes alterados em câncer


de pulmão?

A pesquisa dos drivers genes é rotineiramente realizada através de técnicas de


biologia molecular, que são feitas utilizando-se os blocos de biópsia preservados
em parafina. Como as alterações genéticas acontecem no DNA das células tumorais,
o bloco de parafina é usado como fonte para a extração desse DNA. Em seguida,
a sequência genética do DNA é pesquisada em busca das mutações nos drivers
genes, um processo chamado de sequenciamento genético. Em alguns casos, como
as fusões de ALK, ROS1, RET e NTRK, o RNA extraído do bloco de parafina também
pode ser utilizado. Por fim, algumas técnicas avaliam a expressão das proteínas
geradas pelos drivers genes. A imuno-histoquímica para pesquisa de expressão de
ALK e ROS1 é exemplo dessa estratégia. Em casos específicos, algumas mutações em

162 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


drivers genes também podem ser pesquisadas através da chamada biópsia líquida.
Para isso, uma amostra de sangue é utilizada em busca de pequenos fragmentos do
DNA tumoral que possam ser encontrados na circulação sanguínea. É importante
frisar que a biópsia líquida não deve substituir a biópsia inicial do tumor para o
diagnóstico do câncer de pulmão (ver capítulo 9, A biópsia, para mais detalhes).

Quais os medicamentos inibidores de EGFR?

Os inibidores de EGFR podem ser classificados em inibidores de primeira, de


segunda e de terceira geração. Entre os de primeira geração estão o erlotinibe
e o gefitinibe, primeiras moléculas dessa classe a serem utilizadas nos pacientes
com câncer de pulmão. Em seguida, vieram os inibidores de segunda geração,
afatinibe e dacomitinibe, com capacidade de se ligar de forma irreversível ao
EGFR, além de agirem em outros alvos. Por fim, osimertinibe é o único inibidor de
terceira geração em uso clínico atualmente. Esse medicamento tem a capacidade
de se ligar de forma irreversível ao EGFR, além de agir em casos em que houve
resistência aos inibidores de primeira e de segunda geração, resistência esta
causada pela mutação T790M. O osimertinibe tem perfil de tolerância favorável,
com índice baixo de efeitos colaterais tais como a erupção cutânea acneiforme,
frequentemente associada ao uso dos outros medicamentos da classe. Atualmente,
o osimertinibe é o medicamento de escolha desde a primeira linha do tratamento.
Embora sejam mais comumente usados de forma isolada, os inibidores de EGFR
podem, em ocasiões específicas, ser utilizados em combinação com inibidores da
angiogênese ou com quimioterapia.

Quais os medicamentos inibidores de ALK?

Assim como no caso dos inibidores de EGFR, os inibidores de ALK também são
classificados em primeira, segunda e terceira geração. Na primeira geração, o
crizotinibe foi relativamente eficaz em casos com alterações do gene ALK, porém
esse medicamento tinha baixa potência contra esse alvo e baixa capacidade de
proteger o cérebro contra a progressão da doença. Dessa forma, inibidores mais
específicos, mais potentes e com capacidade de agir no sistema nervoso central
foram desenvolvidos. Entre os medicamentos de segunda geração estão o ceritinibe,
o alectinibe e o brigatinibe. O lorlatinibe é um inibidor de terceira geração, com

Capítulo 16 | Terapia-alvo 163


atividade contra ALK mesmo após o desenvolvimento de resistência aos inibidores
de primeira e de segunda geração. Atualmente, os inibidores de segunda e terceira
geração tendem a ser utilizados desde o início do tratamento. Os efeitos colaterais
diferem entre cada inibidor, podendo incluir alterações visuais, elevação de enzimas
do fígado e anemia, entre outros.

Quais os medicamentos inibidores de ROS1?

O crizotinibe, já citado como um inibidor de ALK de primeira geração, assim como


outros inibidores de ALK, possuem ação inibitória também contra ROS1, dada a
semelhança estrutural entre esses dois drivers genes. Nos pacientes com fusão de
ROS1, o crizotinibe tem uma boa potência contra o alvo, com atividade no controle
da doença semelhante à de outros inibidores de segunda e terceira geração, porém
com ação ainda limitada no cérebro. No momento, crizotinibe é a única terapia
aprovada para uso clínico e, em situações específicas, como piora da doença
no sistema nervoso central, o uso de outros inibidores de ROS1 pode ser uma
alternativa.

Quais os medicamentos inibidores de RET?

Os inibidores mais modernos contra RET incluem pralsetinibe e selpercatinibe.


Ao contrário de medicamentos mais antigos, como vandetanibe e cabozantinibe,
os inibidores atuais têm altas potência e especificidade. Dessa forma, a taxa de
resposta dos tumores é bastante elevada, com perfil de tolerância satisfatório.
Estudos definitivos, de fase 3, encontram-se em andamento.

Quais os medicamentos inibidores de MET?

O primeiro medicamento utilizado contra MET foi o crizotinibe. Em seguida, duas


moléculas foram desenvolvidas especificamente para esse alvo, o tepotinibe e
o capmatinibe. Esses inibidores têm maior capacidade de controlar os tumores
positivos para MET e estiveram associados a boa tolerância em estudos preliminares.
De nota, o principal efeito colateral da classe parece ser o inchaço nas pernas, em
até metade dos casos.

164 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Quais os medicamentos inibidores de BRAF?

Pacientes com câncer de pulmão podem ter mais de um tipo de mutação de BRAF,
sendo que em cerca de metade dos casos a mutação presente é chamada V600E.
Justamente para essa mutação do BRAF existem terapias-alvo específicas. Nesses
casos, utiliza-se uma combinação de duas drogas, o dabrafenibe, um inibidor de
BRAF, e o trametinibe, um inibidor de uma proteína chamada MEK, que tem íntima
relação com o BRAF. A combinação desses dois medicamentos se mostrou mais
efetiva que o uso apenas do inibidor de BRAF. Atualmente essa combinação é
utilizada na prática clínica no tratamento desses pacientes.

Quais os medicamentos inibidores de NTRK?

As fusões de NTRK, que envolvem os três genes da família, NTRK-1, NTRK-2 e NTRK-3,
podem ocorrer em vários tipos de tumores em adultos e crianças, incluindo o câncer
de pulmão. A droga mais utilizada atualmente nesse contexto é o larotrectinibe, um
inibidor de primeira geração bastante potente e com boa ação no cérebro, o que
também é o caso do entrectinibe. Inibidores de NTRK de segunda geração já estão
sendo desenvolvidos, como o repotrectinibe, que podem ser uma alternativa em
caso de desenvolvimento de resistência às drogas de primeira geração.

Quais os medicamentos inibidores de HER-2?

O gene HER-2 é bastante conhecido no contexto de câncer de mama, em que


sua hiperexpressão ocorre em cerca de um terço das pacientes. No caso do
câncer de pulmão, podem ocorrer tanto mutações do gene HER-2 como também
hiperexpressão. O papel das terapias-alvo está mais estabelecido em mutações
do HER-2, especialmente com o uso de terapias-alvo acopladas a quimioterápicos
(chamados anticorpos-droga conjugados), como TDM-1 (trastuzumabe entansina)
e trastuzumabe-deruxtecano, que apresentam boa efetividade. Alguns inibidores
de EGFR, especialmente aqueles com ação em uma mutação específica do
gene, localizada no éxon 20, também são efetivos em mutação de HER-2: são o
mobocertinibe e o poziotinibe. A ação das terapias-alvo em pacientes com câncer
de pulmão com hiperexpressão de HER-2 parece ser mais limitada; estudos em
andamento tentam esclarecer seu papel nesse cenário.

Capítulo 16 | Terapia-alvo 165


Quais os medicamentos inibidores de KRAS?

Apesar de o KRAS ser o driver gene conhecido há mais tempo em câncer de pulmão,
apenas recentemente a terapia-alvo contra ele tem-se mostrado ativa. Inibidores
específicos contra uma mutação pontual de KRAS, a G12C, mostraram atividade
promissora em estudos preliminares. Os inibidores sotorasibe e adagrasibe se
mostraram ativos mesmo em pacientes tabagistas, que já haviam sido tratados com
quimioterapia e imunoterapia. Esses medicamentos foram seguros, o que permite
a avaliação em combinação com outras terapias nesse cenário.

166 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


[retornar ao índice]

capítulo 17
Carcinoma de
células pequenas
de pulmão
Vladmir Cláudio Cordeiro de Lima
Aline Fusco Fares
Fábio Nasser Santos

168 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que são carcinomas de células pequenas de pulmão?

Os carcinomas de células pequenas de pulmão (também chamados de carcinomas


neuroendócrinos de células pequenas) correspondem a 10 a 15% dos tumores
malignos do pulmão. São tumores de crescimento bem rápido, pois suas células
se multiplicam muito rapidamente. Esses tumores costumam disseminar-se para
outros órgãos (sobretudo pulmões, cérebro, fígado, adrenais e ossos) bastante
precocemente, de forma que a maioria (70-80%) dos pacientes já apresenta doença
avançada ao diagnóstico. Os carcinomas de pequenas células de pulmão costumam
ser bem sensíveis à quimioterapia e à radioterapia, mas apresentam uma elevada
taxa de recorrência após o tratamento mesmo em estágios iniciais.

Quais são os fatores de risco para desenvolver carcinoma


de células pequenas de pulmão?

Os carcinomas de células pequenas de pulmão são mais comuns em homens,


ocorrem em idades mais avançadas e têm uma forte associação com tabagismo
intenso (só 2% dos casos ocorrem em não fumantes). Acredita-se que fatores
genéticos desempenhem um papel menor no desenvolvimento desse tipo de
tumor, mas dados recentes sugerem que talvez outros fatores tenham um papel
ainda a ser confirmado.

Onde os carcinomas de células pequenas surgem?

Os carcinomas de células pequenas surgem de células especializadas (células


neuroendócrinas) presentes no revestimento das vias aéreas inferiores
(brônquios). Normalmente, esses tumores se localizam nas partes mais centrais
do pulmão, surgindo nos brônquios de maior calibre, mas crescem rapidamente
comprometendo os gânglios linfáticos do mediastino (espaço que fica entre os
dois pulmões) e se espalhando para outros órgãos através da corrente sanguínea
(metástases) (Figura 1).

Capítulo 17 | Carcinoma de células pequenas de pulmão 169


FIGURA 1. Os carcinomas de células pequenas de pulmão normalmente surgem nas vias
aéreas (brônquios mais centrais) do pulmão (tumor primário) e crescem muito rápido,
além de acometerem os linfonodos (gânglios linfáticos) do mediastino, que costumam
ficar bem volumosos, comprimindo os órgãos adjacentes (como brônquios, traqueia e
esôfago). Células do tumor primário comumente entram na circulação sanguínea (células
tumorais circulantes) e colonizam outros órgãos (ossos, fígado, adrenais, pulmões e
cérebro), dando origem às metástases.

Cérebro

Linfonodos
Osso
Tumor
primário
Pulmão

Fígado

Adrenais

Vaso sanguíneo

Células
tumorais Hemácias
circulantes

170 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Quais são os sintomas mais frequentes?

A maioria dos pacientes encontra-se sintomática já ao diagnóstico, e em geral os


sintomas aparecem rapidamente. Os sintomas mais frequentes são tosse (às vezes
com sangue), chiado no peito e falta de ar. Devido ao crescimento dos gânglios
linfáticos no mediastino, os pacientes podem apresentar inchaço no pescoço, face
e membros superiores, rouquidão e dificuldade para engolir.

Quais exames são realizados quando se suspeita de


carcinoma de células pequenas de pulmão?

Quando há suspeita de que o paciente tenha um tumor de pulmão, o exame mais


indicado é a tomografia de tórax. Se for identificada alguma lesão suspeita na
imagem, o paciente será submetido a uma biópsia, que pode ser realizada através
de broncoscopia (tipo de endoscopia das vias aéreas) ou guiada por tomografia.
Caso se confirme a presença de um carcinoma de células pequenas, o paciente
deverá fazer tomografias do crânio, abdômen e pelve, ou preferencialmente, um
PET-CT (exame de medicina nuclear associado à tomografia da cabeça, pescoço,
tórax, abdômen e pelve) e uma ressonância de crânio a fim de se avaliar se o tumor
se disseminou para outros órgãos.

Como os carcinomas de células pequenas são


diagnosticados?

O diagnóstico é realizado através da análise das características das células de


amostras do tumor. Essas amostras podem ser obtidas por meio de cirurgia (naqueles
poucos casos em que o tumor é descoberto muito inicialmente e removido por
cirurgia) ou de biópsias realizadas por broncoscopia (tipo de endoscopia que vê as
vias aéreas por dentro) ou guiadas por tomografia computadorizada (quando se
obtém um fragmento do tumor do pulmão ou de alguma metástase). Essa análise é
feita pelo patologista (veja capítulo 9, A biópsia).

Capítulo 17 | Carcinoma de células pequenas de pulmão 171


Como os carcinomas de células pequenas de pulmão são
classificados?

A classificação dos carcinomas de células pequenas de pulmão é feita com base nas
características das células vistas ao microscópio (tamanho e formato), na maneira
pela qual elas se organizam e pela presença ou não de proteínas específicas na
superfície dessas células detectadas por uma técnica chamada imuno-histoquímica.
Esses tumores se caracterizam por serem formados por células pequenas e
arredondadas ou em formato de fuso, com muitas células em divisão, organizados
de maneira bem compacta. Os carcinomas de células pequenas de pulmão são
subclassificados em carcinomas puros (80% dos casos) ou combinados (20% dos
casos), conforme contenham ou não outros de tipos de células misturadas. A
resposta ao tratamento e a sobrevida nesses dois subtipos são semelhantes.

Há necessidade de realização de testes complementares


como testes genéticos no tumor?

Não. De modo geral, esses tumores não apresentam alterações genéticas que
ajudam atualmente no tratamento. As exceções são os casos que ocorrem em não
tabagistas (2%) ou os casos de tumores combinados com adenocarcinoma (< 3%).
Nesses cenários, pode-se solicitar o sequenciamento do DNA do tumor para tentar
identificar alterações que permitam empregar terapias específicas, chamadas
terapias-alvo.

Como se avalia a extensão de doença no carcinoma de


células pequenas de pulmão (estadiamento)?

Uma etapa importante para a definição do tratamento do carcinoma de células


pequenas de pulmão é o estadiamento, que consiste na investigação dos locais do
corpo que estão acometidos pela doença. Informações como número, tamanho dos
tumores, localização, proximidade ou invasão de órgãos ou estruturas vizinhas são
importantes para a avaliação feita pelos profissionais envolvidos no planejamento
terapêutico.

172 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Nessa investigação, muitas vezes é necessária a combinação das informações
obtidas durante a consulta médica com aquela que vem dos diferentes métodos de
imagem (tomografia computadorizada, ressonância magnética, PET-CT, cintilografia
óssea) e, eventualmente, exames endoscópicos como a broncoscopia ou outros
procedimentos invasivos. Dessa forma, é comum a necessidade de interação entre
profissionais de diferentes especialidades médicas, tais como cirurgião torácico,
radioterapeuta, oncologista clínico, radiologista e médico nuclear, em um contexto
de abordagem multidisciplinar.

Quais os estádios do carcinoma de células pequenas de


pulmão?

O carcinoma de células pequenas de pulmão pode ser estadiado de forma


semelhante ao que se faz para os demais tumores de pulmão usando-se o sistema
chamado TNM, que leva em consideração a extensão do tumor primário (T), o
acometimento dos gânglios linfáticos do pulmão ou do tórax (N) e se há ou não
metástases em outros órgãos, na pleura ou no outro pulmão (M). Esses parâmetros
são combinados para gerar os estádios I e II (doença inicial), III (doença localmente
avançada) ou IV (doença avançada). Para fins práticos, entretanto, no caso dos
carcinomas de células pequenas de pulmão costumamos classificar a doença em
dois estádios: doença limitada e doença extensa.

O que é doença limitada e como fazemos essa avaliação?

Após o processo de avaliação, chamamos de doença limitada aquela restrita a uma


metade do tórax (esquerda ou direita), podendo envolver os linfonodos regionais
(gânglios linfáticos responsável pela drenagem da região acometida) e que seja,
assim, passível de tratamento local com um único campo de radioterapia (Figura
2A). Nessa situação, o tratamento tem intenção curativa.

Doenças que envolvem ambos os lados do tórax, que apresentem acúmulo de


líquido na pleura (membrana que envolve os pulmões) ou pericárdio (membrana
que envolve o coração), assim como casos em que há metástases fora do tórax são
classificados como doença extensa (Figura 2B).

Capítulo 17 | Carcinoma de células pequenas de pulmão 173


Figura 2. Na figura A, ilustramos um exemplo de doença limitada, caracterizado pela
presença de doença em apenas uma metade do pulmão e linfonodo regional, sendo
possível tratamento com radioterapia (RT) em um campo somente. A figura B ilustra
um exemplo de doença extensa, podendo haver envolvimento de ambos os lados do
tórax e/ou doença em outros órgãos do corpo.

Carcinoma de pulmão Carcinoma de pulmão


A de células pequenas B de células pequenas
doença limitada doença extensa
Tumor
Tumor primário Metástase
primário linfonodal

Metástase
cerebral Metástase
Campo pulmonar
RT

Metástase
hepática
Linfonodos Outros locais
de metástase
Metástase
óssea

Em que consiste o tratamento da doença limitada?

O tratamento da doença limitada do carcinoma de células pequenas de pulmão


requer uma abordagem multidisciplinar, sendo empregada, na maioria das vezes, a
combinação de quimioterapia e radioterapia.

A quimioterapia consiste, geralmente, na aplicação endovenosa de dois agentes


quimioterápicos diferentes, sendo um deles um composto derivado da platina
(classe de quimioterápico) e o outro, o etoposídeo. A platina de preferência é a
cisplatina. As aplicações são em geral realizadas durante 3 dias consecutivos, sendo
a cisplatina e o etoposídeo administrados no primeiro dia, e apenas o etoposídeo
nos dois dias subsequentes. Esse esquema de tratamento deve ser repetido a cada
21 dias a partir do primeiro dia da aplicação, sendo programado um total de 4 ciclos.

174 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Esse esquema de tratamento representa o regime de quimioterapia mais
estudado no tratamento da doença limitada, apresentando os resultados mais
estabelecidos. Entretanto, outros esquemas ou variações podem ser utilizados,
podendo ser prescritos pelo oncologista clínico de acordo com aspectos individuais
de cada pacientes, como a troca de cisplatina por carboplatina nos pacientes com
disfunção renal.

A radioterapia consiste no emprego de feixes de radiação (raios X de alta energia)


através de um equipamento chamado de acelerador linear, que direciona doses
elevadas de radiação para os tecidos acometidos pela doença. Na maioria dos
centros, o tratamento é programado com sessões diárias, totalizando 60 Gy em
40 aplicações. Esse tratamento deve ser iniciado preferencialmente junto com o
primeiro ou segundo ciclo de quimioterapia.

A cirurgia é um tratamento pouco empregado no tratamento da doença limitada,


sendo reservada para um pequeno percentual de pacientes que têm o diagnóstico
da doença em fases muito iniciais. Nessas situações, é frequente ainda a necessidade
de tratamento complementar, com uso de quimioterapia e, em alguns casos, de
radioterapia, dependendo da extensão do tumor e de outros achados dos exames
de imagem e pós-cirúrgicos.

Todos os pacientes com doença limitada podem realizar


esse tratamento?

O carcinoma de células pequenas acomete majoritariamente pessoas com idade


mais avançada e com histórico de tabagismo. Nessa população, observa-se ainda
uma maior frequência de outras doenças cardiovasculares, pulmonares, renais e
diabetes, que compartilham fatores de risco semelhantes. Essas alterações podem
interferir na tolerância e segurança do tratamento. Em tais situações, a estratégia
de tratamento poderá ser revista pela equipe médica, adaptando o tratamento
à condição clínica do paciente. Dessa forma, é necessária, antes do início do
tratamento, uma avaliação detalhada das funções orgânicas de cada paciente
com o objetivo de reduzir o risco de consequências sérias que levem a maiores
complicações, interrupções do tratamento ou sequelas de longo prazo.

Capítulo 17 | Carcinoma de células pequenas de pulmão 175


Quais os efeitos colaterais frequentes e que cuidados tenho
que ter durante o tratamento?

O tratamento com radioquimioterapia (quimioterapia e radioterapia combinadas)


está associado a diversos efeitos colaterais. A maioria desses efeitos, entretanto,
são toleráveis e manejáveis com medidas clínicas ou ajustes no tratamento. Os
efeitos colaterais podem estar relacionados tanto à ação da radioterapia sobre os
tecidos sadios próximos ao tumor quanto à quimioterapia.

Os efeitos relacionados à radioterapia dependem do local em que o tumor se


encontra e da proximidade com outras estruturas que eventualmente acabam
recebendo parte da radiação direcionada ao tumor. Como exemplo, é frequente a
ocorrência de processo inflamatório no esôfago (esofagite) durante o tratamento
de tumores centrais em que o campo de tratamento envolva um segmento do
órgão. Nessa situação, sintomas como dor e ardor ao deglutir são comuns, podendo
impactar na capacidade de manter boa alimentação e hidratação. Irritação como
vermelhidão e ardência na pele também são comuns nos locais da pele sobre os
quais incidem os campos da radioterapia.

Os efeitos colaterais mais relacionados à quimioterapia envolvem náuseas e


vômitos, redução na contagem de neutrófilos (células do sangue responsáveis pela
imunidade) e risco de infecções, anemia, alterações da função renal (tanto pelo uso
de cisplatina quanto pelo risco de desidratação decorrente das náuseas, vômitos e
baixa aceitação da dieta) e queda do cabelo.

É necessário algum tratamento preventivo para as recidivas


cerebrais?

Apesar do tratamento adequado, alguns pacientes poderão sofrer uma recidiva


da doença. O cérebro, infelizmente, é um dos sítios frequentemente acometidos
nas recidivas (cerca de 60% dos casos). As razões para esta predileção ainda não
estão completamente esclarecidas, mas acredita-se que a baixa penetração da
quimioterapia em tecido cerebral sadio esteja entre uma das causas.

Diante desse fato, alguns estudos avaliaram o papel da radioterapia de crânio total
profilática, após o tratamento com quimioterapia e radioterapia, como forma de
prevenção das recidivas cerebrais. Diversos estudos sugerem que a realização desse
procedimento está não só associada à redução do risco de recidiva cerebral, mas

176 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


também a melhores taxas de sobrevida, o que leva à recomendação do procedimento
por diversos especialistas. Os pacientes submetidos a esse tratamento, entretanto,
estão sob risco de efeitos de longo prazo da radioterapia de crânio, como alterações
da função cerebral (perda de memória recente, dificuldade de concentração,
dificuldade de lembrar palavras, alterações de comportamento e até demência) ao
longo dos anos. Dessa forma, a indicação de radioterapia profilática de crânio deve
ser feita de modo personalizado para cada paciente, levando-se em conta aspectos
individuais como idade, histórico médico e preferências pessoais.

Após o término do tratamento, como é realizado o


acompanhamento?

Após o término do tratamento, os pacientes necessitam manter acompanhamento


médico especializado com o objetivo de identificar possíveis recorrências da doença,
assim como acompanhar e eventualmente tratar complicações decorrentes do
tratamento.

A maioria das complicações relacionadas ao tratamento é de curta duração, com


tendência a melhora e resolução nas semanas que se seguem ao término do
tratamento. Este é o caso de náuseas, vômitos, fadiga, queda do cabelo, irritação
da pele e esôfago em locais tratados com radioterapia. No entanto, alguns efeitos
podem perdurar ou mesmo surgir tardiamente, prejudicando a qualidade de vida,
como os efeitos da radioterapia na função pulmonar, cardíaca ou cerebral (em caso
de radioterapia profilática de crânio), assim como alterações de sensibilidade nas
mãos e pés ou alterações auditivas secundários ao uso de cisplatina.

As recidivas da doença são mais frequentes durante os primeiros 2 anos após o


término do tratamento, devendo-se nesse período manter acompanhamento mais
próximo com visitas médicas e realização de exames laboratoriais e de imagem
trimestrais (tomografia de tórax e abdômen total, ressonância de crânio). A partir
do terceiro ano, os acompanhamentos podem ser realizados semestralmente.

Durante o acompanhamento é ainda necessária atenção ao risco de surgimento de


outros tumores primários, tendo em vista a elevada frequência de tabagismo nessa
população, algo que também eleva o risco de outros tumores primários de pulmão,
de bexiga, de vias aéreas superiores (garganta, laringe) ou de esôfago.

Medidas para interrupção do tabagismo são ainda muito importantes durante


o acompanhamento, uma vez que a persistência no tabagismo está associada a
maior risco de novos tumores primários e aumento de complicações.

Capítulo 17 | Carcinoma de células pequenas de pulmão 177


O que é a doença extensa e qual a sua importância?

Cerca de duas a cada três pessoas com carcinoma de células pequenas de pulmão
têm doença extensa ao diagnóstico inicial. Nesse estágio, o câncer já se espalhou
para o outro lado do tórax ou para órgãos distantes, tais como cérebro ou outras
partes do sistema nervoso central, fígado, ossos, adrenais ou outras partes do
pulmão.

A doença extensa em geral não é considerada curável, e os objetivos principais


do tratamento são melhorar a qualidade de vida e prolongar o tempo de vida do
paciente.

De forma geral, pacientes com doença extensa podem-se encontrar debilitados


física e psicologicamente. Além de sintomas respiratórios importantes, podem
apresentar fadiga intensa e emagrecimento. A perda de desempenho físico pode
afetar a tolerabilidade ao tratamento, o que será avaliado pelo médico oncologista
antes de iniciar a quimioterapia e antes de cada ciclo de tratamento.

Em que consiste o tratamento da doença extensa?

Em geral, não há papel para cirurgia no tratamento da doença extensa.


Idealmente, o tratamento da doença extensa é feito com quimioterapia contendo
três medicações: cisplatina ou carboplatina, etoposídeo e um imunoterápico
(atezolizumabe ou durvalumabe). As aplicações são em geral realizadas durante 3
dias consecutivos, sendo a cisplatina/carboplatina, o etoposídeo e o atezolizumabe
infundidos no primeiro dia, e apenas o etoposídeo nos dois dias subsequentes. Esse
esquema de tratamento deve ser repetido a cada 21 dias a partir do primeiro dia da
aplicação, sendo programado um total de 4 a 6 ciclos. Em seguida, o imunoterápico
é administrado a cada 3 semanas em esquema de manutenção até progressão da
doença ou toxicidade que limite a continuação do tratamento (Figura 3A).

Durante o tratamento, o paciente será reavaliado com imagens a cada 3 ou 4 ciclos


(em média 2 a 3 meses), repetindo tomografias e ressonância de crânio ou em
alguns casos PET-CT. O objetivo dessas reavaliações por imagem é diagnosticar uma
eventual progressão da doença, com aumento das suas dimensões, extensão ou
surgimento de novas lesões metastáticas. No caso de progressão da doença, um
novo tratamento poderá ser programado pelo médico oncologista, a depender da
disposição clínica do paciente no momento.

178 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Se a resposta ao tratamento for acentuada, pode-se realizar radioterapia da lesão
residual torácica, na intenção de promover maior controle local do tumor. Além
disso, pode-se indicar radioterapia profilática do crânio, nos mesmos moldes da
realizada na doença localizada (Figura 3B).

FIGURA 3. A) O câncer de pulmão de pequenas células, doença extensa – representada


por metástases no pulmão e no fígado – tem como primeira opção de tratamento
quimioterapia e imunoterapia. B) Após o término da primeira fase do tratamento, inicia-se
manutenção com imunoterapia e discute-se consolidação com radioterapia no tórax e/ou
sistema nervoso central.

A B

IO

Radioterapia
QT-IO torax?

Radioterapia
profilática
de crânio?

QT: quimioterapia; IO: imunoterapia.

Todos os pacientes podem receber esse tratamento?

A escolha do tratamento vai depender de vários fatores, entre eles, o desempenho


físico do paciente, os exames laboratoriais e a existência de doenças prévias.
Pacientes com múltiplos problemas de saúde podem necessitar de tratamentos
menos agressivos, ou que não requeiram grande volume de hidratação concomitante

Capítulo 17 | Carcinoma de células pequenas de pulmão 179


(a aplicação de cisplatina necessita de grande volume de líquidos administrados
antes e depois da infusão).

Pacientes com doença autoimune ou com doença pulmonar obstrutiva crônica


grave podem ter contraindicação ao uso da imunoterapia. Isso deve ser avaliado
minuciosamente pelo médico oncologista em conjunto com uma equipe
multidisciplinar.

Quais pacientes com doença extensa devem receber


radioterapia?

Os pacientes com boa resposta ao tratamento inicial que mantêm doença visível no
tórax (doença residual) podem ter benefício da adição de radioterapia torácica, com
prolongamento de sobrevida. Entretanto, os estudos que avaliaram radioterapia
torácica foram feitos na era pré-imunoterapia, e por isso não se sabe ao certo o seu
papel nos pacientes tratados com a combinação de quimioterapia e imunoterapia.

A irradiação profilática do crânio, na tentativa de reduzir a incidência de metástases


sintomáticas de sistema nervoso central, pode ser realizada em pacientes com
doença extensa e resposta ao tratamento inicial. Entretanto, um estudo recente
demonstrou que o acompanhamento com ressonância magnética de crânio a cada
3 meses e eventual tratamento com radioterapia parece ser tão eficaz quanto
a irradiação profilática do crânio. A discussão dos prós e contras da irradiação
profilática do crânio deve ser feita com a participação do paciente, já que os efeitos
colaterais (entre eles, demência) afetam substancialmente a qualidade de vida.

O carcinoma de pulmão de pequenas células responde


bem ao tratamento?

Os objetivos do tratamento na doença extensa são prolongar a vida e aliviar


sintomas, melhorando a qualidade de vida. Apesar de ser uma doença incurável,
a doença extensa também apresenta uma boa resposta ao tratamento com ou
sem imunoterapia, com taxas de redução expressiva do tumor (taxa de resposta)
variando entre 60 e 80%. Além disso, cerca de 10-15% atingem resposta completa,
ou seja, o tumor não é mais visto nas imagens de reavaliação.

180 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O uso da imunoterapia pode prolongar tanto o tempo de resposta do câncer quanto
a sobrevida em alguns pacientes, mas não modifica a taxa de resposta.

Parte importante do tratamento e acompanhamento médico é o aconselhamento à


cessação do tabagismo. Estudos evidenciam que pacientes que continuam fumando
apesar do diagnóstico de câncer de células pequenas têm pior evolução do que
os que param de fumar ao diagnóstico. Além disso, sabemos que o tratamento
com quimioterapia e imunoterapia pode causar danos pulmonares, que podem ser
exacerbados com o uso contínuo do tabaco.

Quais os efeitos colaterais do tratamento com


quimioterapia e imunoterapia?

Os efeitos colaterais da quimioterapia são bem manejados com medicações


fornecidas aos pacientes antes e ao longo da aplicação do tratamento. Entretanto,
dependendo da sensibilidade do paciente, alguns podem apresentar efeitos
colaterais como náuseas e vômitos, redução na contagem de neutrófilos (células
de defesa responsáveis pela imunidade), das plaquetas ou dos glóbulos vermelhos
(anemia), aumento do risco de infecções, alterações da função dos rins e dificuldades
na audição (principalmente quando se usa cisplatina) e queda do cabelo.

A imunoterapia em geral é mais facilmente tolerada do que a quimioterapia, mas


pode levar a efeitos colaterais imunomediados de diferentes intensidades. Os
mais comuns são disfunção da tireoide (hipotireoidismo, diminuição da função,
ou hipertireoidismo, aumento da função), vermelhidão cutânea (rash cutâneo),
dor nas articulações, inflamação dos pulmões (pneumonite), diarreia (colite),
inflamação do fígado (hepatite), ou inflamação em outros órgãos (esses são eventos
menos comuns, mas qualquer órgão pode ser afetado). Em câncer de pulmão, o
efeito colateral mais temido é a pneumonite, que, quando acomete um pulmão
já comprometido pelo câncer, pela bronquite ou por enfisema decorrentes do
tabagismo, costuma ser mais grave.

O tratamento de reações imunomediadas graves pode necessitar de interrupção


imediata da imunoterapia e do uso de corticoides ou outras medicações
imunossupressoras, que serão indicadas pelo médico oncologista, se necessário.

Capítulo 17 | Carcinoma de células pequenas de pulmão 181


O que fazer se o tratamento falhar e o câncer progredir?

Durante o acompanhamento por exames de imagem, uma eventual progressão do


carcinoma poderá ser diagnosticada. O oncologista, em conjunto com o paciente,
decidirá quais os próximos passos do tratamento. Em geral, se o paciente se encontra
com boa disposição clínica, será novamente tratado com quimioterapia. O tipo de
quimioterapia depende do tempo que se passou desde o último tratamento: se
houver menos de 6 meses desde a última quimioterapia, o esquema mais realizado
contém topotecana ou irinotecano; se mais de 6 meses, tendemos a tratar o
paciente com uma combinação contendo carboplatina ou cisplatina, utilizada na
primeira linha de tratamento.

Estudos mais recentes sugerem que a combinação contendo cisplatina ou


carboplatina pode ser repetida até mesmo se a recidiva se deu ao menos 3 meses
após o último tratamento. Após a segunda progressão do câncer, pode-se discutir
a realização de imunoterapia se o paciente não recebeu esse tratamento na
primeira linha.

Existem novos tratamentos sendo investigados para o


carcinoma de pulmão de células pequenas? Se sim, quais
os benefícios de participar desses estudos?

Sim, existem. Apesar das inovações tecnológicas da radioterapia, do melhor


conhecimento sobre a patologia e a biologia do câncer de pulmão e dos recentes
ganhos com a adição da imunoterapia à quimioterapia na doença extensa, o
carcinoma de células pequenas ainda é uma doença com elevada mortalidade para a
maioria dos pacientes. Assim, novas estratégias de tratamento e o desenvolvimento
de medicações inovadoras que possam melhorar a evolução desses pacientes são
intensamente estudadas e aguardadas. A participação em estudos clínicos pode
ser uma forma não só de contribuir para esses avanços, mas também de ter acesso
a tecnologias experimentais em desenvolvimento. Encorajamos a participação
de pacientes nesses estudos dentro dos diversos centros de pesquisas existentes
no Brasil.

182 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


[retornar ao índice]

capítulo 18
Carcinoma de
células não pequenas -
doença localizada

Aknar Calabrich
Iuri Amorim de Santana

184 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é doença localizada?

No caso do câncer de pulmão de células não pequenas, é frequente o uso do termo


“doença localizada” para abranger os casos em que a doença é diagnosticada em
estádios I ou II. Em muitos desses casos, os pacientes são operáveis do ponto de
vista técnico e serão submetidos à cirurgia se também apresentarem condições
clínicas. Da mesma forma, em alguns casos, fala-se ainda em doença localizada
para os casos em estádio III operáveis. Porém existem casos em estádio III que são
inoperáveis por questões técnicas, conforme discutido no capítulo 19, Carcinoma
de células não pequenas - doença localmente avançada inoperável, ou porque os
pacientes não apresentam condições clínicas satisfatórias para a cirurgia.

Como é feito o tratamento no estádio clínico I?

O tratamento do câncer de pulmão de células não pequenas em estádio clínico I é


baseado na cirurgia. Nesses casos, a prova de função pulmonar está indicada para
avaliar se o paciente tem risco de apresentar falta de ar ou outras complicações
após a retirada de uma parte do pulmão. A cirurgia-padrão para o tratamento é
a lobectomia pulmonar com linfadenectomia, que consiste na retirada do lobo
pulmonar acometido juntamente com a ressecção dos linfonodos do hilo e da
região do mediastino (Figura 1; ver também o capítulo 11, Cirurgia).

Figura 1. Representação gráfica de uma lobectomia superior direita.

Linfonodos
Lobo pulmonar

Capítulo 18 | Carcinoma de células não pequenas - doença localizada 185


Nas lesões grandes (maiores que 3 cm) e/ou centrais, ou seja, próximas dos
brônquios principais, é obrigatório que antes da cirurgia seja realizado o
estadiamento patológico dos linfonodos mediastinais através de mediastinoscopia
ou ultrassonografia endobrônquica (do inglês endobronchial ultrasound, abreviado
como EBUS) com biópsia, se necessário (ver capítulo 10, O estadiamento, para mais
detalhes).

Nos casos em que a cirurgia não é possível por contraindicações clínicas, como
problemas cardíacos ou baixa reserva de função pulmonar, é possível, como
alternativa, oferecer tratamento não cirúrgico com radioterapia. Nesses casos,
sempre que possível devem ser empregadas técnicas de estereotaxia, que permite a
aplicação de doses altas de radioterapia com baixíssimas taxas de efeitos colaterais,
mantendo-se a intenção curativa do tratamento (ver capítulo 13, Radioterapia,
para mais detalhes).

Como é feito o tratamento no estádio clínico II?

No estádio clínico II, o componente principal do tratamento continua sendo a cirurgia,


e os mesmos passos da avaliação pré-operatória citados anteriormente devem ser
seguidos. Porém, nesse caso, é imprescindível a realização de avaliação patológica
do mediastino antes da lobectomia, para confirmar que se trata realmente de um
estádio clínico II e que não há envolvimento dos linfonodos mediastinais, o que
levaria ao diagnóstico do estádio III.

O tratamento no estádio II ainda tem intenção de cura, mas o risco de recidiva é


suficiente para justificar tratamento complementar com quimioterapia adjuvante
(ver capítulo 14, Quimioterapia, para mais detalhes). Essa quimioterapia é composta
de uma dupla de medicamentos, sendo necessariamente um deles a cisplatina; a
outra medicação pode ser pemetrexede, paclitaxel, gencitabina ou vinorelbina. A
escolha deve ser feita pelo oncologista em conjunto com o paciente levando-se em
consideração o subtipo histológico (escamoso ou não escamoso), bem como o perfil
de efeitos colaterais. Por exemplo, o paclitaxel causa queda de cabelo e neuropatia;
já com o pemetrexede esse efeito não é esperado, porém só deve ser utilizado em
histologia não escamosa. Estudos demonstram eficácia muito semelhante entre
esses diferentes esquemas em relação à redução da chance de recidiva da doença.

Nos pacientes com contraindicações clínicas para tratamento cirúrgico, o tratamento


com radioterapia pode ser indicado. No caso de acometimento de linfonodos, pode
ser recomendado o uso de quimioterapia de forma concomitante à radioterapia.

186 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Quais são os tratamentos no estádio clínico III?

Quando o câncer de pulmão atinge o estádio III, porque acomete tecidos próximos
ou linfonodos do mediastino, a doença é chamada de “localmente avançada”. Não
existe um tratamento-padrão para todos as pessoas com câncer de pulmão em
estádio III; a melhor opção de tratamento depende do tamanho e da localização do
tumor, do envolvimento dos linfonodos e das condições clínicas do paciente.

Como há várias opções possíveis, a recomendação de tratamento deve ser


individualizada e feita por uma equipe multidisciplinar envolvendo oncologista,
cirurgião, radioterapeuta e pneumologista. As principais estratégias de tratamento
nesse estádio combinam diferentes modalidades e são mostradas na Figura 2.

Figura 2. Possibilidades de tratamento no estádio III.

Potencialmente operável (60%) Irressecável (60%) Irressecável (20%)

Alguns IIIA: T1-2N2; T3N1, T4n0-1 (20%) IIIA volumoso, todos IIIB e IIIC Muita doença

N2
N3
T4

T3N2
T1-2

Tratamento cirúrgico Tratamento multimodal Terapia sistêmica


combinado à quimioterapia não cirúrgico: quimioterapia (medicamentoso)
antes ou depois da cirurgia combinado à radioterapia
seguidas de imunoterapia

Como são tratados pacientes em estádio III candidatos


à cirurgia?

Duas situações comuns são encontradas no estádio III operável. Alguns tumores
grandes com envolvimento dos linfonodos apenas do hilo pulmonar (N1) podem

Capítulo 18 | Carcinoma de células não pequenas - doença localizada 187


ainda ser considerados ressecáveis pelo cirurgião se o paciente apresentar boa
condição clínica. Em outros casos, os pacientes são classificados antes da cirurgia
como pertencendo ao estádio II (doença inicial), mas o exame anatomopatológico
pós-operatório mostra linfonodos mediastinais comprometidos (N2), o que leva
à sua reclassificação como estádio III. Nessas duas situações, a quimioterapia
adjuvante deve feita como um tratamento complementar após a cirurgia.

Alguns pacientes ainda podem ser considerados potencialmente operáveis mesmo


com linfonodo mediastinal sabidamente comprometido pelo câncer; nesses casos,
a quimioterapia é feita antes da cirurgia (quimioterapia neoadjuvante), geralmente
após discussão com uma equipe multidisciplinar.

Quando é feito tratamento combinado de quimioterapia


e radioterapia?

Em alguns casos, o tumor compromete múltiplas cadeias de linfonodos mediastinais,


inclusive contralaterais, ou invade estruturas importantes do mediastino (como
pericárdio, grandes vasos, nervos frênico ou laríngeo, ou esôfago) ou da parede
torácica, que não podem ser removidas.

Se a condição de saúde do paciente for boa, o tratamento nesses casos envolve


quimioterapia combinada à radioterapia. Algumas pessoas podem até ser curadas
com esse tratamento. Porém há pacientes sem condições clínicas para essa
combinação de tratamento, os quais geralmente recebem apenas a radioterapia.
Maiores detalhes sobre o tratamento combinado ou a radioterapia isolada são
fornecidos no capítulo 19, Carcinoma de células não pequenas - doença localmente
avançada inoperável.

Quando se usa a imunoterapia no câncer de pulmão


localmente avançado?

Se a doença permanecer sob controle após a tratamento combinado de


quimioterapia e radioterapia, atualmente está indicado tratamento de consolidação
com imunoterapia com um medicamento chamado durvalumabe, que pode
ser administrado por até 1 ano e aumentar a chance de cura (ver capítulo 15,

188 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Imunoterapia e capítulo 19, Carcinoma de células não pequenas - doença localmente
avançada inoperável).

Nessa fase, é preciso bastante interação entre o oncologista e o pneumologista,


devido ao risco de pneumonite, uma inflamação no pulmão que pode acontecer
nos pacientes submetidos à radioterapia e então expostos à imunoterapia.

Existem casos de doença localizada tratada apenas de


maneira sistêmica?

Existem casos em que o volume de doença é muito extenso, não sendo possível
nem cirurgia nem radioterapia; em outros, a condição clínica do paciente está muito
debilitada. Nessas situações, o tratamento deve ser semelhante aos dos pacientes
com doença metastática (estádio IV). Portanto, a depender do perfil molecular e
expressão da PDL-1, utilizam-se drogas como terapia-alvo orais ou imunoterapia
combinada ou não com quimioterapia.

Capítulo 18 | Carcinoma de células não pequenas - doença localizada 189


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capítulo 19
Carcinoma de
células não pequenas -
doença localmente
avançada inoperável
Robson Ferrigno

190 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é a doença localmente avançada inoperável?

O câncer de pulmão de células não pequenas é considerado localmente avançado


e inoperável quando o tumor é grande (geralmente maior que 7 cm) ou invade
estruturas vizinhas, como grandes vasos do mediastino, diafragma, coração,
traqueia, esôfago ou corpo vertebral.

Além disso, independentemente do tamanho do tumor, considera-se o estágio como


localmente avançado quando os linfonodos mediastinais estão comprometidos
pela doença durante avaliação por tomografia de tórax ou PET-CT.

Existem diferentes tratamentos para a doença localmente


avançada?

Diversos tratamentos podem ser empregados na doença localmente avançada.


A decisão de qual o melhor tratamento para cada paciente envolve diferentes
especialidades médicas e exige discussão multidisciplinar entre radioterapeutas,
oncologistas clínicos e cirurgiões torácicos. Dependendo da situação clínica do
paciente e do tipo de tumor, pode-se utilizar apenas um tipo de tratamento ou a
associação de dois ou mais tratamentos.

Existe um tratamento-padrão para a doença localmente


avançada inoperável?

Atualmente, considera-se que os melhores resultados de tratamento são obtidos


quando se usa a combinação de radioterapia e quimioterapia.

Essa combinação, também conhecida como “tratamento concomitante”, tem como


objetivo controlar tanto o tumor primário quanto possíveis focos da doença nos
gânglios linfáticos (linfonodos) do mediastino.

Capítulo 19 | Carcinoma de células não pequenas - doença localmente avançada inoperável 191
Como é feito o tratamento concomitante?

A radioterapia, descrita detalhadamente no capítulo 13, Radioterapia, entrega a


dose de radiação ionizante (raios X de alta energia) prescrita pelo radioterapeuta
(Figura 1). A dose de radiação é fracionada em 30 sessões, 5 vezes por semana, com
duração no aparelho de 10 a 15 minutos.

Figura 1. A área azul neste corte de tomografia de tórax representa o volume do tumor de
pulmão direito que receberá a dose de radioterapia. A linha vermelha interna representa
o contorno do tumor, e a linha vermelha externa representa o volume total a ser irradiado,
incluindo o tumor e uma margem de segurança.

A quimioterapia é prescrita pelo oncologista clínico, que define a combinação das


drogas e o intervalo das infusões levando em consideração as características do
tumor e do paciente. Essa quimioterapia aumenta a ação da radioterapia sobre o
tumor e age nas células tumorais que podem estar circulando pelo corpo.

Existem contraindicações para o tratamento concomitante?

Em algumas situações, não é aconselhável iniciar a radioterapia devido ao grande


volume do tumor primário ao diagnóstico. Nesses casos, a radioterapia pode
causar complicações no próprio pulmão acometido pelo tumor. Para evitar tais

192 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


complicações, utiliza-se a quimioterapia isoladamente para redução do tumor,
sendo a radioterapia feita em seguida, com ou sem quimioterapia, a depender
do caso.

Quais os efeitos colaterais do tratamento concomitante?

A fase de tratamento com radioterapia e quimioterapia é, em geral, bem tolerada


pelos pacientes. Durante as sessões de radioterapia, o paciente passa em consultas
de revisão com o radioterapeuta uma vez por semana. Essas consultas permitem
ao médico avaliar possíveis efeitos colaterais e tratá-los adequadamente. A queixa
mais frequente é uma sensação de cansaço, conhecida como fadiga.

O paciente fica indisposto para realizar as atividades do dia a dia, e o que mais
ameniza esse sintoma é a prática de atividade física, respeitando-se a limitação de
cada paciente. Outro possível efeito colateral, a depender do local e do volume a
ser irradiado, é uma inflamação na mucosa do esôfago, conhecida como esofagite.
A esofagite é caracterizada por incômodo ou sensação de dor durante a passagem
do alimento pelo esôfago. Esse sintoma pode ser amenizado com medicações orais
que são prescritas a depender da avaliação médica.

A quimioterapia pode diminuir a contagem das células sanguíneas, tais como os


leucócitos, responsáveis pela defesa do organismo, e as plaquetas, responsáveis
pela coagulação sanguínea. Por conta desses possíveis efeitos colaterais, o
oncologista clínico também monitora os pacientes com exames de sangue antes de
cada aplicação de quimioterapia.

Existe papel para a imunoterapia na doença localmente


avançada inoperável?

Nos últimos anos, descobriu-se que a imunoterapia após o término da radioterapia


e quimioterapia aumenta as chances de cura. O principal estudo foi feito com o
medicamento durvalumabe, que foi aplicado por 1 ano. Essa estratégia, chamada
de imunoterapia de consolidação, é descrita no capítulo 15, Imunoterapia.

Capítulo 19 | Carcinoma de células não pequenas - doença localmente avançada inoperável 193
Como é monitorada a eficácia do tratamento?

Após término da fase de radioterapia e quimioterapia, o paciente é avaliado


com tomografia de tórax para verificação da resposta ao tratamento. Isso é feito
geralmente dentro de 1 a 2 semanas após a última sessão de radioterapia. Se não
houve progressão da doença, ou seja, se o tumor diminuiu, desapareceu ou se
manteve estável, e o paciente não apresenta contraindicação para imunoterapia,
ele pode ser tratado com imunoterapia de consolidação por 1 ano. A Figura 2 mostra
exame de tomografia antes e depois do término da radioterapia e quimioterapia
para avaliação de resposta antes de ser iniciada a imunoterapia.

Figura 2. Tomografia de tórax antes (à esquerda) e depois do término da radioterapia


e quimioterapia (à direita) em paciente com tumor inoperável. Observa-se importante
redução do volume do tumor.

A recomendação de monitorização mais utilizada é a realização de tomografia de


tórax a cada 3 meses no primeiro ano e a cada 6 meses a partir do segundo ano.
Outros exames, como PET-CT ou ressonância magnética de crânio ou de abdômen,
podem ser solicitados pelo médico se houver suspeita de recidiva da doença dentro
ou fora do tórax.

É importante saber que, durante o seguimento de um tumor de pulmão que recebeu


radioterapia, podem-se encontrar imagens anormais no local tratado. Essas imagens,
às vezes descritas pelo radiologista como semelhante a “vidro fosco” ou ao próprio
tumor, são devidas ao fenômeno de fibrose, que é uma cicatrização do tumor, e não
necessariamente representam doença em atividade. A diferenciação entre recidiva
do tumor e fibrose é feita por exames de imagens, tais como tomografia de tórax

194 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


e PET-CT, e, em algumas circunstâncias, pode ser necessária realização de biópsia
para que se chegue a uma conclusão. Isso reforça a importância do seguimento
adequado dos pacientes tratados com radioterapia e quimioterapia.

Em quais situações o tratamento da doença localizada é


feito apenas de maneira sistêmica?

Em casos de volume de doença muito grande, não sendo possível nem cirurgia
nem radioterapia, ou quando a condição clínica do paciente é muito debilitada,
o tratamento deve ser semelhante aos dos pacientes com doença metastática
(estádio IV). Portanto, a depender do perfil molecular e da expressão do PDL-1,
utilizam-se drogas como terapia-alvo orais ou imunoterapia combinada ou não com
quimioterapia.

Capítulo 19 | Carcinoma de células não pequenas - doença localmente avançada inoperável 195
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capítulo 20
Carcinoma de
células não pequenas -
doença metastática SEM
driver genes
Suellen Nastri Castro

196 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Qual é o objetivo do tratamento?

Quando nos referimos ao câncer de pulmão metastático, significa que ele já se


espalhou para outros órgãos e, portanto, é considerado uma doença incurável.
Diante desse contexto, o objetivo do tratamento é paliativo, ou seja, com intuito
de controlar a doença, prolongar a sobrevida e manter a qualidade de vida, com a
menor quantidade possível de efeitos colaterais.

Deve-se ressaltar, porém, que os avanços vêm ocorrendo de maneira cada vez mais
evidente, e os resultados do tratamento nitidamente melhoraram ao longo dos
últimos anos.

Quais os tratamentos disponíveis?

Para pacientes com carcinoma de células não pequenas metastático sem driver
genes (ver capítulo 16, Terapia-alvo para definição), os tratamentos disponíveis são
a quimioterapia isolada ou combinada a antiangiogênico, a quimioterapia associada
à imunoterapia com ou sem antiangiogênico, a quimioterapia associada a duas
imunoterapias, a imunoterapia isolada ou a combinação de duas imunoterapias.

Como é escolhido o tratamento em primeira linha?

A escolha do tratamento dependerá de alguns fatores. Os mais importantes são


a condição clínica do paciente, o tipo histológico de tumor (escamoso ou não
escamoso), a expressão de PDL-1 nas células tumorais ou imunes, e a presença de
contraindicação para a imunoterapia. O tipo histológico influencia a escolha do tipo
de quimioterapia – utilizada isoladamente ou em combinação com a imunoterapia.
Se o paciente apresentar contraindicação ao uso de imunoterapia, o tratamento
consistirá em quimioterapia combinada ou não a antiangiogênico.

As principais contraindicações à imunoterapia são a presença de doenças


autoimunes em uso de imunossupressores e o uso de corticoide sistêmico em
doses altas (maiores que o equivalente a 10 mg de prednisona por dia).

Capítulo 20 | Carcinoma de células não pequenas - doença metastática sem driver genes 197
Como é escolhido o tratamento em linhas subsequentes
à primeira?

Se houver falha do tratamento em primeira linha, a escolha dos tratamentos


subsequentes levará em consideração os medicamentos já utilizados nas linhas
anteriores, bem como a condição clínica do paciente e as características tumorais
já mencionadas. Caso o paciente já tenha recebido imunoterapia e mantenha boa
condição clínica, a melhor opção de tratamento é a quimioterapia com ou sem
antiangiogênico.

A associação com antiangiogênicos deve ser feita com cautela, levando-se em


consideração as contraindicações da medicação, que são a presença de lesões
centrais com envolvimento de grandes vasos sanguíneos, histórico de hemoptise
(tosse com sangue no catarro), histórico recente de tromboses e disfunção cardíaca.

Qual é o melhor tratamento em primeira linha para


pacientes com alta expressão de PDL-1 (maior ou
igual a 50%)?

Para pacientes com alta expressão de PDL-1 (ou seja, PDL-1 maior ou igual a 50%),
existe a opção de imunoterapia isolada. Nesses casos, podem ser utilizados os
anti-PD-1, pembrolizumabe ou cemiplimabe, o anti-PDL-1, atezolizumabe, ou até
mesmo a combinação de duas imunoterapias da classe dos anti-CTLA-4 e anti-PD-1,
ipilimumabe com nivolumabe, respectivamente (ver capítulo 15, Imunoterapia).

Outra opção nesses casos é a combinação de quimioterapia com imunoterapia,


associada ou não a um antiangiogênico, uma vez que a quimioterapia apresenta
maior eficácia quando combinada a essas medicações. A escolha entre os
tratamentos é individualizada e depende da avaliação do oncologista e da discussão
com o paciente sobre os prós e contras de cada opção (o algoritmo, na figura 1,
resume essas recomendações).

198 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Qual é o melhor tratamento em primeira linha para
pacientes com baixa expressão de PDL-1 (menor que 50%)?

Para paciente com baixa expressão de PDL-1 (ou seja, PDL-1 menor que 50%),
classicamente o tratamento se faz com quimioterapia associada à imunoterapia,
com ou sem antiangiogênico. Em alguns casos excepcionais, em pacientes com
expressão de PDL-1 de 1-49% que por algum motivo não sejam candidatos à
quimioterapia pode ser usada imunoterapia com pembrolizumabe isoladamente (o
algoritmo, na figura 1, resume essas recomendações).

Figura 1. Algoritmo de tratamento em primeira linha para pacientes com carcinoma de


células não pequenas doença metastática sem drive genes.

Imunoterapia isolada

{
2 imunoterapias

Quimioterapia +
PDL-1 ≥ 50% imunoterapia

Quimioterapia +
imunoterapia +
Carcinoma de células não pequenas antiangiogênico
SEM driver genes
Quimioterapia + 2
SEM contraindicação à imunoterapia imunoterapias
1ª linha de tratamento

{
Quimioterapia +
imunoterapia

PDL-1 < 50% Quimioterapia + 2


imunoterapias

Quimioterapia +
imunoterapia +
antiangiogênico

Carcinoma de células não pequenas


SEM drive genes Quimioterapia associado ou
Com contraindicação à imunoterapia não a um antiangiogênico
1ª linha de tratamento

Capítulo 20 | Carcinoma de células não pequenas - doença metastática sem driver genes 199
Qual a sequência de tratamento após a primeira linha?

Em caso de falha ao primeiro tratamento, uma vez que o paciente não tenha
usado esquema com imunoterapia, ele poderá receber imunoterapia isolada. As
drogas utilizadas nesses casos são pembrolizumabe (imunoterapia com anti-PD-1),
se houver expressão de PDL-1 maior ou igual a 1%, ou nivolumabe (imunoterapia
com anti-PD-1), ou atezolizumabe (imunoterapia com anti-PDL-1), ambas
independentemente da expressão de PDL-1.

Caso o paciente já tenha sido tratado com esquema contendo imunoterapia, o


esquema a seguir será quimioterapia com ou sem antiangiogênico (o algoritmo, na
figura 2, resume essas recomendações).

Figura 2. Algoritmo de sequência de tratamento após a primeira linha.

Carcinoma de células não pequenas


SEM driver genes
2ª linha de tratamento

Imunoterapia prévia?

SIM NÃO

Quimioterapia associado ou Imunoterapia com anti-PD-1


não a um antiangiogênico ou anti-PDL-1

200 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


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capítulo 21
Carcinoma de
células não pequenas -
doença metastática COM
driver geneS
Gabriela Brito
William Nassib William Junior

202 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Qual é o objetivo do tratamento?

Controlar a doença, prolongar a sobrevida e manter a qualidade de vida, com a


menor quantidade possível de efeitos colaterais, pelo maior tempo possível. Sendo
assim, é importante ressaltar, novamente, o intuito paliativo do tratamento (como
já discutido no capítulo 20, Carcinoma de células não pequenas - doença metastática
SEM driver genes).

Qual a importância dos driver genes?

Com os avanços científicos das últimas décadas, foram identificados subtipos de


câncer de pulmão com alterações moleculares específicas, chamadas drivers (ver
capítulo 16, Terapia-alvo), que são responsáveis pela proliferação celular, crescimento
e agressividade do tumor. O melhor entendimento dessas alterações permitiu o
desenvolvimento de terapias-alvo, que são mais específicas que a quimioterapia e
a imunoterapia (discutidas no capítulo 14, Quimioterapia; capítulo 15, Imunoterapia
e capítulo 20, Carcinoma de células não pequenas - doença metastática SEM driver
genes).

Quais alterações devem ser avaliadas e qual sua


frequência?

Atualmente, a avaliação molecular no câncer de pulmão metastático é considerada


procedimento-padrão, principalmente para análise dos genes EGFR, ALK, ROS 1,
BRAF V600E, NTRK, MET, RET e HER-2. Essa avaliação deve ser feita em todos os
tumores de histologia não escamosa, independentemente de outros fatores de
risco, como tabagismo e idade, e, também nos pacientes com histologia escamosa
que nunca fumaram ou com pouca exposição ao tabagismo. A incidência de
mutações do EGFR é de cerca de 15% quando consideramos todos os pacientes com
câncer de pulmão, porém esse número chega a pouco mais de 40% nas populações
de origem asiática.

Quando analisados separadamente, os pacientes com menos de 40 anos que nunca


fumaram e que têm adenocarcinoma de pulmão podem apresentar incidência de
mutações do EGFR, ALK e ROS1 somadas de até 77%, o que torna obrigatória a

Capítulo 21 | Carcinoma de células não pequenas - doença metastática com driver genes 203
avaliação molecular desses tumores, já que existem tratamentos específicos para
essas mutações. Além disso, é importante determinar o tipo específico de mutação,
uma vez que algumas conferem sensibilidade e outras, resistência ao tratamento.

Qual o tratamento em primeira linha?

Na primeira linha de tratamento para a doença metastática com mutação de driver


gene, utilizam-se medicamentos chamados de inibidores de tirosina-quinase (no
singular, TKI, do inglês tyrosine-kinase inhibitor). A maioria desses medicamentos
é usada por via oral, mas alguns tipos de terapia-alvo também podem ser
administrados por via endovenosa na forma de anticorpos monoclonais.

Os TKIs revolucionaram o tratamento do câncer de pulmão com driver genes,


levando a excelentes taxas de resposta. Estudos comparando os TKIs com o
tratamento quimioterápico padrão mostraram superioridade deles na primeira
linha de tratamento.

Na presença de mutação do EGFR, sempre que possível a primeira escolha


atualmente é o osimertinibe, TKI de terceira geração que alcançou taxas de resposta
de cerca de 80%, inclusive em pacientes com metástases no cérebro. Nos casos
com ALK positivo, a primeira escolha é o alectinibe, o brigatinibe ou o lorlatinibe,
todos também com atuação em metástases cerebrais. Já em relação aos pacientes
com mutação de ROS1, a primeira escolha é o crizotinibe, com taxas de resposta
superiores a 70%. Para a mutação do BRAF conhecida como V600E, é utilizada a
combinação de dabrafenibe com trametinibe. Em pacientes com mutação de RET,
a primeira escolha pode ser o selpercatinibe ou o pralsetinibe, também ativos em
metástases cerebrais.

Para a mutação de NTRK, podem ser utilizados larotrectinibe ou entrectinibe, ambos


com altas taxas de resposta e atividade em metástases cerebrais. Na mutação do
MET, a primeira escolha atual é o capmatinibe ou o tepotinibe. Por fim, para os
pacientes com mutação de HER-2 o tratamento de escolha ainda é inicialmente
baseado em imunoterapia, com ou sem quimioterapia associada. Quando o
paciente tem piora da doença após a primeira linha, o TDM-1 e o trastuzumabe
deruxtecana, anticorpos conjugados a um quimioterápico, têm sido as terapias-alvo
com melhores resultados.

De maneira geral, os TKIs têm perfis de toxicidade diferentes dos da quimioterapia,


com efeitos colaterais geralmente menos intensos, sendo alguns dos mais comuns
as alterações cutâneas e gastrintestinais, como a diarreia.

204 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Tabela 1. Mostra a medicação (terapia-alvo) de primeira linha usada para cada tipo de
driver-gene.

Drivers genes Terapia-alvo de primeira linha

EGFR Osimertinibe

ALK Alectinibe ou brigatinibe ou lorlatinibe

ROS 1 Crizotinibe

BRAF V600-E Dabrafenibe + trametinibe

MET Capmatinibe ou tepotinibe

NTRK Larotrectinibe ou entrectinibe

RET Selpercatinibe ou pralsetinibe

HER-2 Trastuzumabe deruxtecana ou TDM-1

Quando é necessário rebiopsiar e por quê?

Quando ocorre a progressão do câncer de pulmão com mutações em driver genes,


em pacientes em uso de terapia-alvo, uma nova biópsia pode ajudar a entender
possíveis mecanismos de resistência aos TKIs e ajudar a escolher a próxima linha de
tratamento mais adequada. Por exemplo, na mutação do EGFR, pacientes em uso
de erlotinibe ou gefitinibe, TKIs de primeira geração, desenvolvem uma mutação
secundária chamada T790M. Essa mutação confere resistência ao tratamento,
fazendo com que os agentes erlotinibe e gefitinibe parem de funcionar. Entretanto,
pacientes com mutação T790M são sensíveis ao osimertinibe, sendo indicada então
a troca do inibidor, o que leva a doença a permanecer sob controle pelo maior
tempo possível.

A mutação do T790M pode ser encontrada tanto na biópsia do tecido tumoral


quanto no sangue, a chamada biópsia líquida.

Capítulo 21 | Carcinoma de células não pequenas - doença metastática com driver genes 205
Figura 1. Biópsia líquida é a pesquisa de mutação no sangue periférico.

Qual o tratamento após falha da primeira linha?

Quando há falha dos TKIs na primeira linha e não é possível a troca de inibidor, o
tratamento da doença metastática com driver genes torna-se semelhante ao da
doença sem driver genes, sendo então baseado em quimioterapia associada ou
não à imunoterapia. Uma exceção à mudança de tratamento para quimioterapia
e imunoterapia são as progressões com lesão única ou de baixo volume, em que é
possível manter o TKI e realizar alguma forma de terapia local, como radioterapia
da lesão em progressão.

206 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


[retornar ao índice]

capítulo 22
Cuidados
de suporte

Desirré Filizzola
Fátima Martins de Oliveira Paula
Livia Ponte Correia Mota
Michella Gatto

208 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que são cuidados de suporte?

Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu cuidados de suporte,


também conhecidos como cuidados paliativos, como uma abordagem que promove
a qualidade de vida de pacientes – sejam crianças, sejam adultos – e seus familiares,
que enfrentam doenças que ameaçam a vida, prevenindo e aliviando o sofrimento
através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros
problemas físicos, psicossociais ou espirituais. Assim, o indivíduo é cuidado de
forma que todas as suas necessidades são avaliadas (Figura 1).

Figura 1. Cuidados de suporte, em que o indivíduo é cuidado nos âmbitos físico, psíquico,
espiritual, familiar e social.

Físico

Psíquico

Sociedade

Espiritual Família

Trabalho

Os cuidados de suporte são oferecidos por uma equipe multidisciplinar, em geral


composta de médico, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,
nutricionista, terapeuta ocupacional, assistente social e capelão. O atendimento
pode acontecer no cenário ambulatorial (em consultórios e clínicas), dentro do
hospital, ou até mesmo no domicílio.

Capítulo 22 | Cuidados de suporte 209


Do ponto de vista prático, no paciente com diagnóstico de câncer de pulmão, os
cuidados de suporte podem:

• Ajudar no tratamento dos sintomas da doença, como falta de ar (problemas


físicos);

• Auxiliar no controle de sintomas como ansiedade associada ao tratamento


(problemas emocionais);

• Orientar sobre os benefícios aos quais esse paciente tem direito, como isenção
de tarifa de transporte enquanto estiver em tratamento quimioterápico
(problemas sociais).

Qual a importância dos cuidados de suporte?

O tratamento de doenças oncológicas pode ser muito longo, podendo haver


necessidade de realização de vários exames, cirurgias, sessões de quimioterapia,
imunoterapia ou radioterapia, o que implica muitas idas ao hospital. Com isso, há
uma modificação na rotina de toda a família, que disponibiliza seu tempo e empenho
para a melhora da doença. No entanto, muitas vezes, não é possível suspender
todas as atividades para o cuidado exclusivo da doença oncológica. As atividades
comuns de vida continuam, como as preocupações familiares e profissionais, e
podem interferir no tratamento do paciente. Os cuidados de suporte podem ser
úteis durante esse processo, pois eles visam ao controle de sintomas associados
à doença e aos tratamentos oncológicos, dando também suporte emocional,
social e familiar. Dessa forma, o paciente poderá utilizar seus recursos temporais,
financeiros e até mesmo sua “energia” de maneira mais focada e orientada.

Durante o acompanhamento pelos cuidados de suporte, o paciente vai sendo


esclarecido sobre sua doença e expectativas que apresenta em relação ao seu
tratamento. Com essas informações, o paciente construirá, em conjunto com a
equipe que o atende e sua família, seu planejamento avançado de cuidados, que
são o conjunto de cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber de acordo com
a evolução de sua doença e com seus valores de vida.

Todo o tratamento em cuidados de suporte é baseado nos seguintes princípios


éticos:

• Autonomia: garantir o direito do paciente esclarecido a participar de decisões


a respeito do seu plano de cuidados.

210 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


• Beneficência: maximizar o bem que se pode fazer ao paciente.

• Não maleficência: não causar danos, não fazer o mal.

• Justiça: tratar o indivíduo de maneira justa, com os recursos adequados, que


lhe trarão benefícios, sem desperdício, com o que lhe é devido.

Quando são indicados cuidados de suporte?

Cuidados de suporte são indicados para todos os pacientes com doenças


consideradas graves, como é o caso do câncer de pulmão. Não há tempo ou fase de
doença para a indicação de cuidados de suporte. Eles devem ser prestados conforme
a necessidade, não somente no diagnóstico ou na doença avançada. Todos têm o
direito de serem tratados com qualidade, de acordo com suas necessidades, tendo
seu sofrimento e de seus familiares aliviado durante todo esse processo.

Quais são as principais estratégias não medicamentosas


para controle de sintomas?

Alguns sintomas podem surgir ao longo do adoecimento. Nem todos os pacientes


os apresentarão e, caso ocorram, podem vir de forma variável, com menor ou maior
intensidade. Para alguns deles, dispomos de estratégias não medicamentosas que
podem ajudar no controle. Falta de ar, fadiga e falta de apetite são os mais comuns.

Falta de ar
Dispneia é o termo técnico utilizado pelos profissionais para descrever falta
de ar. É um sintoma complexo e que pode estar ligado não só a alterações
anatômicas/estruturais dos pulmões pelo adoecimento, como também à perda
de massa muscular, que pode vir associada a perda de condicionamento físico.
Além disso, com as mudanças no corpo, idas mais frequentes ao hospital e o medo
diante da situação de enfrentar o câncer, pode haver um aumento da ansiedade,
que também é causa comum de falta de ar. Caso seja experimentada, deve ser
comunicada ao médico para uma melhor avaliação. A depender da causa, será
tratada de diferentes maneiras.

Capítulo 22 | Cuidados de suporte 211


Algumas dicas que podem melhorar esse sintoma são:

• Exercícios respiratórios.

• Acupuntura.

• Apoio psíquico, social e espiritual.

• Técnicas de relaxamento.

• Medidas de conservação de energia.

Para entender melhor esse último tópico: na realização de cada tarefa é importante
planejar o que será feito e é ideal que os movimentos não sejam realizados de forma
simultânea. Alguns exemplos:

• Ao calçar os sapatos, abaixe o tronco, esticando as mãos para alcançá-los. A


pessoa deve fazer a tarefa sentada e com uma perna apoiada sobre a outra.

• Para o banho: sentar-se em um banco ou cadeira de banho para diminuir o


esforço de ficar em pé e ensaboar-se ao mesmo tempo. Além disso, o ato de
enxugar-se pode ser feito também nessa posição. Deixar as roupas que irá vestir
separadas, em vez de procurá-las após o banho, para trazer maior conforto.

Fadiga
Esse sintoma pode ser definido como a sensação subjetiva de cansaço ou falta
de disposição, desproporcional ao esforço habitualmente realizado. Pode ser um
cansaço físico, emocional ou cognitivo, decorrente tanto do adoecimento como do
tratamento oncológico. Além disso, pode estar associado a outros sintomas, como
dor persistente, náuseas e vômitos, insônia e depressão, que devem ser tratados.

Algumas medidas simples também podem ajudar:

• Fazer exercícios físicos não extenuantes.

• Tomar sol pela manhã por períodos curtos diariamente.

• Melhorar a qualidade do sono, o que pode ser feito com medidas simples
como dormir em local escuro e silencioso, além de evitar o uso de dispositivos
estimulantes como celulares e tablets próximo à hora de se deitar.

Às vezes, mesmo com as medidas para melhorar a sensação de indisposição, o


incômodo se mantém. Nesses casos, recomenda-se descanso, pois é importante
ser gentil consigo mesmo, perceber que não será produtivo o esforço de realizar
atividades por obrigação e que isso não ocorre por preguiça.

212 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Falta de apetite
A falta de apetite pode estar associada com outros sintomas concomitantes, como
náuseas, vômitos, alterações no paladar, lesões orais secundárias ao tratamento
oncológico, como a inflamação das mucosas (chamada mucosite), dificuldade para
evacuar, mal controle de dor, ansiedade e depressão. Pode também decorrer do
próprio câncer que produz substâncias que inibem o apetite.

Esse é um dos sintomas mais difíceis de tratar e o momento da alimentação pode ser
extremamente angustiante para quem o experimenta. É importante conscientizar a
família e os cuidadores de que a falta de apetite não depende de quem vivencia esse
desconforto e a insistência para comer pode ser motivo de grande sofrimento. É
comum o sentimento de culpa e impotência ao ver alguém que amamos ou de quem
cuidamos perder peso por não se alimentar, e é essencial tentar conscientizar-se de
que existem situações que estão além do nosso poder de cuidado. O acolhimento
é a melhor estratégia, assim como o respeito aos limites colocados pelo paciente
em relação à consistência, tipo de alimento tolerado, intervalos entre as refeições
e quantidade de comida desejada. Além disso, alimentos frescos, com poucos
condimentos e em pequenas quantidades podem ser mais toleráveis em algumas
situações em que a falta de apetite é extrema.

Quais são os principais medicamentos usados nos cuidados


de suporte?

Durante a trajetória da doença, os sintomas podem apresentar períodos de


melhora e piora. Quando o sintoma passa a afetar as atividades diárias e se
tornam persistentes, associar medicações às medidas não farmacológicas pode ser
necessário.

Falta de ar
Como dito anteriormente, sua causa pode ser multifatorial e merece a avaliação
de um médico, que estará atento a algumas características: intensidade, fatores de
melhora ou piora, resposta às estratégias não farmacológicas e associação a fatores
emocionais. De acordo com o diagnóstico realizado, um tratamento específico será
instituído. Concomitantemente ao tratamento de causas específicas de falta de ar –
por exemplo, pneumonia, problemas no coração, acúmulo de líquido na membrana
que reveste o pulmão (chamado de derrame pleural) – pode ser necessário o uso
de medicações para alívio dos sintomas. Entre as principais medicações utilizadas

Capítulo 22 | Cuidados de suporte 213


estão a codeína, a morfina, o clonazepam, o alprazolam e o midazolam. É comum
vermos pacientes e familiares bastante receosos com o uso dessas medicações,
principalmente da morfina. Existe a crença de dependência, de utilidade apenas
no tratamento da dor e de seu uso denotar gravidade – associações que não são
verdadeiras. Utilizada de forma racional, orientada por um médico, a morfina é
considerada segura, tem risco baixo de dependência do paciente oncológico e
ajuda tanto no alívio de dor e falta de ar quanto na tosse e diarreias mais difíceis
de controlar.

Tosse
Pode estar presente em até 50% dos pacientes com câncer avançado e em mais de
80% daqueles com câncer de pulmão, mas não necessariamente está associada à
doença oncológica. Pode interferir na respiração, no sono, na fala, estar associada a
escarros com sangue (hemoptise) e até mesmo a vômitos após as crises. Para alívio,
sempre se deve tratar as causas potencialmente reversíveis.

Tosses produtivas e agudas necessitam de fluidificação do muco, limpeza e


expectoração eficaz. No entanto, por estarem mais debilitados, alguns pacientes
podem não conseguir realizar a expectoração. Para esse sintoma, pode-se
considerar o uso de inalações, antibióticos (caso a tosse esteja associada a infecção)
e antitussígenos (como morfina e codeína, citadas anteriormente, assim como
levodropropizina, gabapentina e pregabalina). Cada paciente deverá ser avaliado de
forma individualizada para que seja analisada a melhor medicação à sua condição.

Fadiga
Como citado anteriormente, medidas não farmacológicas podem ser adotadas no
intuito de melhorar a falta de disposição, assim como o tratamento de condições
associadas (dor, náuseas, vômitos, insônia). Quando o sintoma persiste, algumas
medicações podem ser utilizadas. Dexametasona, metilfenidato, modafinila e
acetato de megestrol são as principais alternativas.

Falta de apetite
Os agentes dexametasona, acetato de megestrol, suplementos alimentares,
medicações que aumentem a motilidade gástrica (como metoclopramida
e domperidona) e alguns antidepressivos podem ser considerados opções
medicamentosas. No entanto, como dito anteriormente, é um dos sintomas mais

214 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


difíceis de tratar e vale a pena frisar que o acolhimento daquele que o vivencia é a
melhor estratégia.

Como cuidar do cuidador e da família?

O diagnóstico de câncer traz consigo mudanças significativas na vida não somente


do paciente, mas também das pessoas à sua volta. Além dos sentimentos de medo,
ansiedade e incerteza, do ponto de vista prático, ocorrerão alterações na rotina, na
divisão de tarefas da casa, mudanças e adiamento de planos, podendo também gerar
impactos econômicos e sociais na rede familiar. Tempo e energia serão direcionados
para as consultas médicas, tratamentos, exames e possíveis internações. Todas
essas mudanças de rotina poderão exigir bastante dos familiares e de quem está
no papel de cuidador principal. Se essa pessoa estiver sobrecarregada, pode ainda
influenciar de maneira negativa no cuidado ao paciente.

Cuidar de uma pessoa doente pode causar desgastes físicos e emocionais no


cuidador. Por isso, a partir do momento em que se começa a cuidar de outra pessoa,
é de extrema importância que se lembre também do autocuidado. Muitas vezes, o
cuidador e o familiar imersos nas preocupações com o paciente não darão a devida
atenção a si próprios, sendo, portanto, papel também da equipe de saúde ter esse
olhar de cuidado aos familiares.

O suporte aos cuidadores deve ser realizado por todos os membros da equipe
multiprofissional envolvida na assistência. Isso inclui proporcionar uma boa
comunicação entre a equipe de saúde e os familiares, fornecer espaço para
orientações e retirada de dúvidas sobre os tratamentos e desafios esperados no
decorrer da doença e, sobretudo, garantir que tenham seus anseios, preocupações
e medos ouvidos, validados e acolhidos.

Os cuidadores e familiares podem, nesse momento, ter sentimentos diversos e


conflitantes, por exemplo, contentamento por poder ajudar o paciente e culpa por
achar que não estão fazendo o seu melhor no cuidado ao outro. A ajuda psicológica
às famílias é considerada essencial, e envolver o psicólogo, como profissional
capacitado para lidar com essas situações, faz parte da boa assistência. O
atendimento psicológico pode ocorrer nos mais diversos cenários, como no quarto
do paciente, em um canto do corredor do hospital, em uma sala do ambulatório,
durante a quimioterapia, na UTI, na sala de espera, no consultório do psicólogo, no
domicílio ou até mesmo online.

Capítulo 22 | Cuidados de suporte 215


Parte do objetivo desse cuidado, além do suporte emocional, é ajudar a identificar
e reforçar nos cuidadores os seus próprios mecanismos para lidar com essas
adversidades. Auxiliá-los no reconhecimento de seus limites, no acionamento da
rede de apoio social, encorajar o pedido de ajuda e a divisão de tarefas quando
o cuidador estiver se sentindo sobrecarregado são estratégias importantes
desse suporte.

Devem-se estimular os cuidadores a praticarem o autocuidado, que se traduz como


o comportamento, a ação de se cuidar, realizada de um modo ativo e responsável
pela própria saúde e qualidade de vida. Cabe aqui lembrar que a saúde se traduz
não apenas no bem-estar físico, como também psíquico, social e espiritual.
Sentimento de culpa e egoísmo, por sua vez, podem ser vivenciados pelos familiares
e cuidadores, por acharem que o foco do cuidado deve ser o ente querido adoecido.
Parte fundamental do suporte a esses cuidadores é estimulá-los a não enxergarem
o autocuidado como relapso ao cuidado com o paciente, fazendo aqui uma analogia
às orientações dadas pelos comissários que trabalham nos aviões: pede-se que,
em caso de despressurização da aeronave, os passageiros coloquem a máscara de
oxigênio primeiro em si e depois em quem precisa de ajuda (Figura 2). A premissa é
que só conseguimos cuidar bem do outro quando nós mesmos estamos bem.

Figura 2. A analogia da máscara de oxigênio.

VOCÊ PRECISA COLOCAR SUA


MÁSCARA PRIMEIRO, ANTES
DE AJUDAR OUTRA PESSOA.

NO CUIDADO A QUEM
SE AMA, É IGUAL.

VOCÊ PRECISA SE CUIDAR


PRIMEIRO, ANTES DE CUIDAR
DA OUTRA PESSOA.

NINGUÉM PODE DAR


O QUE NÃO TEM.

216 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


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capítulo 23
Mesotelioma
pleural

Clarissa Seródio Baldotto


Tatiane Montella

218 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


O que é o mesotelioma?

É um tipo de câncer que se origina no mesotélio, um tecido fino que reveste


alguns órgãos. De acordo com a localização, esse tecido recebe nomes diferentes,
como a pleura (nos pulmões), o pericárdio (no coração) e o peritônio (nos órgãos
abdominais). Trata-se de um tipo raro de tumor, sendo o mesotelioma da pleura
o mais comum, correspondente a 80% dos casos. Os pacientes diagnosticados
com essa doença têm, em geral, mais de 65 anos, sendo incomum a ocorrência
em jovens.

Quais os fatores de risco para o mesotelioma?

O principal fator de risco para o mesotelioma é a exposição a fibras de asbesto,


frequentemente ocupacional. O asbesto ou amianto é um material constituído por
feixes de fibras finas e longas, que podem ser facilmente inaladas ou engolidas. A
exposição crônica a essas fibras causa irritação, inflamação e mudanças genéticas
que podem originar o câncer (Figura 1).

FIGURA 1. Representação do pulmão, pleura e da formação do mesotelioma pleural.

Pleura pariental
(camada externa) Fibra de
asbesto

Mesotélio
acometido

Mesotelima
Pleura visceral Espaço entre as
(camada externa - duas pleuras
cobre o pulmão)

Capítulo 23 | Mesotelioma pleural 219


O tempo entre a exposição e o desenvolvimento de mesotelioma costuma ser
longo, variando de 10 a 50 anos. A Organização Mundial de Saúde incluiu o amianto
entre o grupo das principais substâncias cancerígenas. Desde 2017 sua extração,
industrialização e comercialização está proibida no Brasil. O amianto foi utilizado
principalmente na construção civil (cimento-amianto, pisos de vinil, telhas, caixas-
d’água, divisórias, forros falsos, tubulações, vasos de decoração), para isolamento
acústico ou térmico, na produção de lonas e pastilhas para freios de automóveis,
na produção de vestuário antichamas, tintas, instrumentos de laboratórios, nas
indústrias naval, petrolífera, têxtil, de papel e papelão, de fundições e de produção de
clorossoda. Também foram identificadas causas hereditárias do mesotelioma, como
mutações familiares em um gene chamado BAP1, embora muito menos comuns.

Quais os principais sintomas e como fazer o diagnóstico?

Os principais sintomas do mesotelioma pleural são problemas respiratórios e


o acometimento da parede torácica (a Tabela 1 lista os mais comuns). Quando
acomete outras regiões, além da pleura, os sintomas são específicos de cada
localização. O mesotelioma peritoneal, por exemplo, frequentemente cursa com
acúmulo de líquido (ascite) e dor abdominal.

Tabela 1. Principais sinais e sintomas do mesotelioma pleural.

Dor no tórax Falta de ar (dispneia) Tosse com sangue (hemoptise)

Tosse seca Febre Líquido na pleura (derrame pleural)

Cansaço Perda de peso Dificuldade de engolir

O diagnóstico depende da suspeita clínica e da realização de múltiplos exames. O


médico precisará obter uma história clínica completa, incluindo a identificação dos
fatores de risco. Durante a investigação diagnóstica é preciso excluir outras doenças
mais comuns que o mesotelioma e que se apresentam de forma semelhante (p.
ex.: câncer de pulmão ou metástases para a pleura, tuberculose e outras doenças
infecciosas e inflamatórias).

Exames de imagem como a radiografia e a tomografia computadorizada (TC)


podem levantar a suspeita de mesotelioma. A TC e, em alguns casos, a ressonância
magnética (RM) são solicitadas para determinar também a extensão da doença, o
chamado estadiamento. Para essa avaliação, pode ser recomendado o PET-CT com
FDG. Esse é um exame mais sensível e deve ser solicitado principalmente quando

220 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


o tratamento com cirurgia for considerado. A confirmação do diagnóstico só é
possível através de uma biópsia, que na maioria das vezes, é feita por toracoscopia
(uma cirurgia por vídeo, em que um tubo é inserido no tórax para inspecionar
a pleura). Durante esse procedimento, um fragmento do tumor é retirado e
enviado para análise pelo médico patologista. Além de confirmar o diagnóstico,
será determinada a subclassificação do mesotelioma entre os tipos epitelioide,
sarcomatoide ou bifásico. O procedimento cirúrgico também pode ajudar a retirar
líquido da cavidade pleural, aliviando sintomas como a falta de ar.

Qual o estadiamento do mesotelioma?

Como parte do processo de diagnóstico, o médico precisa determinar o


estadiamento do tumor, ou seja, a extensão da doença. Essa etapa é fundamental
para definir o melhor tratamento. O estadiamento do mesotelioma segue o sistema
TNM, como a maior parte dos tumores. O T se refere ao tamanho e extensão do
tumor primário, o N denota o acometimento do sistema linfático (linfonodos), e o
M, a presença de metástases distantes do local de início da doença. Pacientes com
doença em estádios I e II apresentam tumores mais localizados, nos quais a cirurgia
pode ser considerada. Pacientes com doença diagnosticada em estádios III e IV não
são candidatos à cirurgia (Figura 2).

FIGURA 2. Estadiamento do mesotelioma pleural.

Estádio I
Tumor localizado na pleura

Estádio III
Tumor extenso, acometeu
os pulmões, parede torácica,
abdômen e pericárdio

Estádio II
Tumor acometeu
o pulmão de um
lado e/ou linfonados
Estádio IV
Tumor com metástases além
do tórax, como abdômen,
pescoço e ossos

Capítulo 23 | Mesotelioma pleural 221


Qual o tratamento do mesotelioma?

O tratamento do mesotelioma pleural é quase sempre multimodal, podendo envolver


cirurgia, terapia sistêmica (quimioterapia e/ou imunoterapia) e radioterapia. O
planejamento dependerá da biópsia (subtipo de mesotelioma) e do estadiamento.
Muitos pacientes são diagnosticados com a doença mais avançada ou têm risco
cirúrgico elevado, sendo a cirurgia recomendada na minoria desses casos.

A cirurgia pode ser mais agressiva, com o intuito de controlar a doença, ou menos
radical, com o intuito de aliviar sintomas (paliativa). A cirurgia como tratamento
principal pode ser considerada em pacientes com doença inicial. A chamada
pleurectomia/decorticação é um tipo comum de cirurgia, consistindo na retirada
da pleura e outras áreas afetadas. Outra opção é a pneumectomia extrapleural,
que consiste na remoção do pulmão afetado, pleura, diafragma e pericárdio. São
cirurgias complexas, devendo ser realizadas em instituições com experiência no
tratamento do mesotelioma. A quimioterapia geralmente é indicada antes ou
depois da cirurgia. A radioterapia também pode ser recomendada para aliviar
sintomas ou em conjunto com a quimioterapia e a cirurgia.

O mesotelioma sem indicação cirúrgica deve ser tratado com terapias sistêmicas.
A cirurgia e a radioterapia poderão ser indicadas para alívio pontual de sintomas.
Atualmente, a imunoterapia é a primeira opção para o tratamento da doença
avançada. Utiliza-se uma combinação de drogas chamadas inibidor as de checkpoint
com ação anti-PD-1 e anti-CTLA. A quimioterapia com uma ou mais drogas
também é uma importante opção terapêutica. Entre as medicações ativas contra
o mesotelioma destaca-se a platina (cisplatina ou carboplatina) e o pemetrexede.
Esses medicamentos são administrados por via venosa, enquanto houver controle
da doença e tolerância pelo paciente.

O tratamento do mesotelioma peritoneal, o segundo mais comum, também


segue os mesmos princípios. Em alguns casos, pode ser indicada a administração
de quimioterapia intraperitoneal (na cavidade abdominal acometida) durante a
cirurgia. A recomendação terapêutica vai sempre depender de características do
paciente e de dados do tumor, podendo variar em momentos específicos.

222 Vencer o câncer de pulmão e mesotelioma pleural


Patrocínios:

Neste livro, focaremos em duas doenças: o câncer de pulmão e o mesotelioma


pleural. O câncer de pulmão ainda é o câncer com menores índices de sobrevida
em todo o mundo. Mais da metade dos casos são diagnosticados em fase avançada,
representando um dos maiores desafios de saúde pública na atualidade. Apesar
de o mesotelioma pleural ser uma doença rara, traz como semelhança ao câncer
de pulmão a maior incidência de diagnósticos tardios. Informações científicas e
novidades relacionadas ao câncer de pulmão e mesotelioma chegam diariamente
para nós. Com o objetivo de orientar a população brasileira sobre essas doenças,
os oncologistas Suellen Nastri Castro, William Nassib William Jr. e Antonio Carlos
Buzaid, do Centro de Oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo,
editaram este livro com a colaboração de outros profissionais da área médica, no
formato de perguntas e respostas.

VENCER o câncer de pulmão e mesotelioma pleural é dedicação às pessoas saudáveis


que querem evitar a doença e aos pacientes e familiares que lutam contra o câncer.

Apoio:

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