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NO PROCESSO CIVIL
Resumo
Se necessária reflexão crítica sobre o papel do Ministério Público como ór-
gão interveniente no processo civil, uma política de racionalização não pode
transitar sobre abstenção, dispensa ou renúncia do exercício de funções co-
metidas por lei. Atos normativos infralegais não têm força suficiente para
dispensar a intervenção (obrigatória) do Ministério Público no processo civil
prevista em lei (a menos que se trate de esclarecimento sobre a revogação im-
plícita ou não recepção de regra pelo advento de nova ordem constitucional).
É estratégica para a instituição a intervenção no processo civil e, notadamen-
te, nas ações constitucionais, no mandado de segurança e na usucapião, em
razão de sua função de defensor da ordem jurídica que abrange o controle
da Administração Pública e dos conflitos sociais envolvendo valores caros ao
Estado Democrático de Direito. Essa intervenção, ademais, qualifica o Minis-
tério Público e conforma seu perfil constitucional como órgão constitucional
independente, assim como o regime jurídico singular de seus membros, pa-
ramétrico aos magistrados. A abstenção de dever de atuar, nesses casos, sig-
nifica denegação do direito ao devido processo legal e tem a potencialidade
de empenhar responsabilidade civil.
Palavras-chave
Ministério Público. Intervenção no processo civil. Obrigatoriedade. Impossibili-
dade de abstenção, dispensa ou renúncia.
ABSTRACT
While necessary to critically thinking about the role of the Public Ministry as
an entity that acts as intervener in civil lawsuits, a rationalization policy cannot
swing between abstention, dismissal, or waiver of the roles established in law.
Infralegal normative acts do not have the authority to dismiss the (mandatory)
intervention of the Public Ministry in civil lawsuits when the law provides for
such (unless it is a matter addressing the clarification of an implicitly repealed
provision or of a rule not received by the new constitution). The Public
Ministry’s intervention in civil lawsuits is strategic to the institution, notably, in
constitutional lawsuits, writs of mandamus, and adverse possession suits, due to
the Public Ministry’s role as a protector of the rule of law, which encompasses
the oversight of Government and social conflicts involving values which are
dear to Democratic State. The intervening role, moreover, defines the very nature
of the Public Ministry and shapes its constitutional profile as an independent
entity established by the constitution, in addition to defining and shaping the
unique legal regime of its members, who are parametric to the courts. The Public
Ministry’s abstention of its duty to act, in these cases, means the denial of the
right to due process and may result in civil liability.
KEYWORDS
Public Ministry. Intervention in civil lawsuits. Mandatoriness. Impossibility of
abstention, dismissal, or waiver.
Sumário
Introdução. 1. A Recomendação n. 16/2010 do Conselho Nacional do Ministério
Público. 2. A obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público no processo
civil. 3. A intervenção do Ministério Público no mandado de segurança. 4. A inter-
venção do Ministério Público na usucapião. 5. À guisa de conclusão. Referências.
Introdução
Tanto a Lei Complementar n. 75/93 (art. 6º, XV) quanto a Lei n. 8.625/93
(arts. 25, V, e 26, VIII) preveem a figura do Ministério Público como órgão interve-
niente no processo civil (fiscal da lei) habilitado à oferta de manifestações denomi-
nadas pareceres (e inclusive recursos e incidentes lato sensu), reproduzindo, grosso
modo, o art. 82 do Código de Processo Civil.
Em função do novo perfil atribuído ao Ministério Público na Constituição
de 1988 emergiram propostas e técnicas de reformulação da tradicional forma de
intervenção no processo civil, alvo de paulatino e gradual redimensionamento sob
pretexto de atendimento a novas demandas geradas pela ampliação do grau de par-
ticipação como órgão agente em virtude da expansão da legitimidade ativa para pro-
moção da ação civil pública. Tratava-se de questão acerca das funções institucionais
e, também, de redefinição de atribuições envolvendo uma política de recursos hu-
manos, já que novas funções foram atribuídas ou dilatadas, e, portanto, prioridades
deviam ser definidas como reflexo desse novo estado de coisas.
Em seu percurso algumas das medidas orientadas por essa política de re-
dimensionamento, hoje avaliadas anos após, não renderam os frutos desejados e,
para agravar, exibem sérios e nocivos inconvenientes em relação à natureza e à
relevância social da atuação lato sensu do Ministério Público no processo civil, e,
em alguns casos, evidentes discrepâncias com o ordenamento jurídico nacional,
mormente com a edição da Recomendação n. 16/2010 do Conselho Nacional do
Ministério Público.
XVIII – Ação que envolva fundação que caracterize entidade fechada de previdência pri-
vada;
XIX – Ação em que, no seu curso, cessar a causa de intervenção;
XX – Em ação civil pública proposta por membro do Ministério Público, podendo, se for o
caso, oferecer parecer, sem prejuízo do acompanhamento, sustentação oral e interposição
de medidas cabíveis, em fase recursal, pelo órgão com atuação no segundo grau;
XXI – Assistência à rescisão de contrato de trabalho;
XXII – Intervenção em mandado de segurança”.
2. Esse movimento teve início em 2001 no Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos
Ministérios Públicos dos Estados e da União e do Conselho Nacional dos Corregedores do
Ministério Público dos Estados e da União, resultando na denominada “Carta de Ipojuca”
(CNMP, PP 935/2007-41, Rel. Cons. Cláudio Barros Silva).
5. STJ, REsp 686.377-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, 20-6-2006, v. u., DJ1º-08-2006, p.406.
6. STJ, Res p 819.238-RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, 28-11-2006, v.u., DJ 26-2-2007, p.588.
7. RTJ 173/288.
Sem embargo, uma adequada exegese induz a considerar que, para além
dessa regra geral, nos demais casos em que o Código de Processo Civil (arts. 478,
482, 487, III, 731, 944) ou leis especiais (Lei n. 12.016/2009, art. 12; Lei n. 4.717/65,
art. 6º, § 4º, v.g.) definam a obrigatoriedade da intervenção é porque ou se trata das
situações dos incisos I e II do art. 82 ou se cuida de presunção, na própria indicação
legal, do interesse público. Destarte, nesta última hipótese, não há espaço para a
discricionariedade que se contém no inciso III, in fine, do art. 82. Tal, por exemplo,
ocorre com a desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de refor-
ma agrária (art. 6º, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar n. 76/93). Outro critério reside
na simetria, e é muitas vezes empregado pelo legislador: se o Ministério Público tem
legitimidade ativa deve intervir como fiscal da lei se a demanda foi proposta por
colegitimado (art. 5º, § 1º, da Lei n. 7.347/85; art. 17, § 4º, da Lei n. 8.429/92; v.g.).
A linha a ser seguida reside nas premissas básicas de racionalização sem
renúncia de atribuições ou funções e de atuação permanentemente integrada entre
os órgãos do Ministério Público portadores de competências diversas, como agentes
e intervenientes, a partir do filtro proporcionado pela intervenção processual do
Ministério Público para sondagem das demandas sociais.
Além disso, é de se estimar que a intervenção do Ministério Público nas ações
(ou remédios) constitucionais vocacionadas à tutela de direitos fundamentais (como,
v.g., ação popular, ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão, arguição
de descumprimento de preceito fundamental, habeas data, habeas corpus, mandado de
segurança, mandado de injunção) é decorrência elementar de sua peculiar função de
defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. A intervenção do Ministério Público nas ações constitucionais é qualifi-
cada ponto luminoso do Estado Democrático de Direito que distingue a instituição no
tecido social e no aparelho estatal como defensor da ordem jurídica, constituindo bal-
drame que modela sua vocação e seu perfil institucionais como elemento absolutamen-
te imprescindível à tutela dos direitos fundamentais (e, em consequência, ao controle
jurisdicional) e à essencialidade do órgão na divisão funcional de poder concretizando
sua atuação de controle que convive, em simbiose, com o exercício de direito de ação.
Ademais, sua atuação em algumas ações especiais – como o mandado de
segurança e a usucapião – contribui, por exemplo, ao enfrentamento efetivo e inte-
gral de dois problemas históricos e sensíveis da realidade brasileira: o controle da
Administração Pública e a questão fundiária.
8. Antonio Raphael Silva Salvador e Osni de Souza. Mandado de segurança, São Paulo: Atlas,
1998, p.69.
9. Hely Lopes Meirelles. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, habeas data, 16. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 48.
elso Agrícola Barbi. Do mandado de segurança, 7. ed. ,Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.
10. C
205, n. 204.
11. Cássio Scarpinella Bueno. A nova lei do mandado de segurança, São Paulo: Saraiva,
2009, p.70.
12. Cássio Scarpinella Bueno. A nova lei do mandado de segurança, São Paulo: Saraiva, 2009, p.72.
13. Cássio Scarpinella Bueno. A nova lei do mandado de segurança, São Paulo: Saraiva, 2009, p.72.
14. STF, RE-ED 541.338-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 12-8-2008, v.u., DJe 29-8-2008.
15. “Tratando-se de mandado de segurança, no qual a intervenção do Ministério Público, na
qualidade de fiscal da lei, é considerada obrigatória por força do art. 10 da Lei n. 1.533/51,
tem incidência a Súmula n. 99/STJ, no sentido de que ‘o Ministério Público tem legitimida-
de para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso
da parte’ (...)” (STJ, EREsp 161.968-DF, 3ª Seção, Rel. Min. Felix Fischer, 24-9-2003, m. v.,
DJ 24-11-2004, p.227).
“Consoante entendimento harmônico da Primeira Seção deste STJ, face o evidente interesse
público, é obrigatória a intervenção do Ministério Público nas ações mandamentais, sob
pena de nulidade do processo” (STJ, REsp153.03-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha
Martins, 9-5-2000, v. u., DJ 12-6-2000, p.90).
20. No que tange à função social da propriedade imobiliária urbana a lei regula o seu uso em
prol do bem-estar geral e do equilíbrio ambiental (art. 1º, parágrafo único) que se opera
pela política urbana pelas diretrizes enumeradas no art. 2º, dentre tantas, o direito relativo
à terra e à moradia; o planejamento, efeitos preventivo e repressivo do desenvolvimento
urbano, ordenação e controle do uso do solo impeditivo do desuso, do subuso e do uso
inconveniente incompatível, inadequado ou excessivo; equidade na distribuição de bônus
e ônus decorrente de urbanização (art. 2º, I, IV, VI, IX e X); e, em especial, regularização
fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda com normas
especiais (de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação) proporcionais à situação
socioeconômica da população e as normas ambientais (art. 2º, XIV) e simplificadas para
redução dos custos e aumento da oferta (art. 2º, XV). Na lei, repete-se a serventia do plano
diretor para mensuração do cumprimento da função social da propriedade (art. 39).
21. A propriedade não tem mais caráter egoístico: os direitos a ela inerentes estão condicio-
nados ao cumprimento da função social da propriedade. Seu exercício exige consonância
com as finalidades econômicas e sociais e conformidade com a proteção ambiental cons-
tante de lei específica (art. 1.228, § 1º), tanto que se veda seu uso nocivo por atos animados
pela intenção de prejuízo a terceiro e que não tragam comodidade ou utilidade ao titular
da coisa (art. 1.228, § 2º).
22.Adilson Abreu Dallari. Instrumentos da política urbana, in Estatuto da Cidade (comentários
à Lei Federal 10.257/2001), 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.82, coordenação de Adil-
son Abreu Dallari e Sérgio Ferraz; Cláudia Maria Beré. Regularização fundiária do parcela-
mento do solo, in Temas de direito urbanístico 4, São Paulo: Imesp, 2005, p.203; Carlos Ari
Sundfeld. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, in Estatuto da Cidade (comentários
à Lei Federal 10.257/2001), 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.58-60, coordenação de
Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz.
23. “Art. 9º. Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cin-
quenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprie-
tário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independen-
temente do estado civil.
§ 2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais
de uma vez.
§ 3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de
seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Art. 10.As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas
por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são
susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam pro-
prietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2º. A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante
sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3º. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, indepen-
dentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito
entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4º. O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo
deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de
execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5º. As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por
maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes
ou ausentes.
Art. 11.Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer
outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imó-
vel usucapiendo.
Art. 12.São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente cons-
tituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
§ 1º. Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.
§ 2º. O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive pe-
rante o cartório de registro de imóveis.
Art. 13.A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de
defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de
registro de imóveis.
Art. 14.Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser
observado é o sumário”.
24. “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
(...)
§ 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em
extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável nú-
mero de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e
serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao pro-
prietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome
dos possuidores.
(...)
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como
seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo
requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no
Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor
houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços
de caráter produtivo.
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como
sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior
a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela
sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros
propriedade (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil), arguida como ação ou exceção, tem
declarado interesse social relevante e mercê da indefinição de sua natureza jurídica (de-
sapropriação judicial25, venda forçada ou alienação coativa26), ela valoriza a posse-traba-
lho e a posse-moradia, atendendo “aos reclamos e atividades organizadas pelos grupos
de trabalhadores rurais sem terra, no campo, e moradores de rua ou de cortiços, no âm-
bito das cidades”27, justificando a intervenção do Ministério Público também. Em outras
palavras, a valorização da posse-moradia ou da posse-trabalho (adotada como técnica de
solução de intensos e agudos conflitos de direitos fundamentais, cuja capilaridade social
é inequívoca) trafega pelas novas espécies de usucapião especial urbana, cunhadas na
Constituição de 1988 (art. 183), no Estatuto da Cidade (arts. 4º, V, j, 9º a 14) e no Código
Civil (art. 1.240), assim como instituto similar no âmbito rural (art. 191, Constituição de
1988; art. 1.239, Código Civil), previsto outrora na Constituição de 1934, no art. 98, Lei
n. 4.505/64 e no art. 1º da Lei n. 6.969/81, e coabitam com as tradicionais espécies de
usucapião do Código Civil (extraordinária e ordinária) de seus arts. 1.238 e 1.242.
Cuida-se de instituto em que há a potencialidade de controvérsias decorrentes da
própria composição normativa inferior do instituto pelo aparente conflito normativo, cuja
solução pode transitar por várias técnicas (supremacia da norma constitucional; especia-
lidade; cronologia), e que se manifestam, em especial: na accessio ou sucessio possessio-
quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua mora-
dia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou
a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez.
Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante
usucapião, a propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e
incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido
adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos
antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que
todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”.
25. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado, 3. ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 635-636; Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 7. ed.,
São Paulo: Atlas, 2007, v. V, p.199-200) ou indireta (Marco Aurélio S. Viana. Comentários
ao novo Código Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. XVI, p.48-54.
26. Francisco Eduardo Loureiro. Alguns aspectos sobre o novo Código Civil e o Urbanismo, in
Temas de direito urbanístico 4, São Paulo: Imesp, 2005, p.172-173.
27. Carlos Frederico Barbosa Bentivegna, in Comentários ao Código Civil, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p.915.
nis; na abrangência da dimensão total do objeto (área e/ou edificação) à vista dos limites
normativos; na inclusão ou não de posse de uso misto ou para outros fins (templos religio-
sos, associações de moradores, estabelecimentos comerciais, vias de circulação etc.); no
termo a quo da prescrição aquisitiva; no emprego de analogia ou interpretação extensiva
dos arts. 10 a 14 do Estatuto da Cidade para a instituição de propriedade coletiva e sua
extinção nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 e para as regras processuais pertinentes; na possibi-
lidade ou não de ocupação de fração ideal superior à permissão legal nas modalidades
coletivas; na delimitação do conceito indeterminado de população de baixa renda, o que
poderá ser superado por parâmetros jurídicos tomados por analogia (Leis n. 8.742/93 e n.
1.060/50, v.g.) e indicadores sociais e econômicos locais ou regionais etc. A necessidade
de atuação articulada entre os vários órgãos e respectivos plexos intestinos da organiza-
ção do Ministério Público, aliás, deve sopesar que a regularização fundiária não é restrita
a aquisição formal da propriedade, exigindo o concurso do poder público local na etapa
posterior de urbanização ou reurbanização (arts. 40 e 44, Lei n. 6.766/79; Decreto-lei n.
3.365/41, art. 5º, i; art. 4º, V, f, Lei n. 10.257/01), como forma objetiva de erradicação da
favelização, decorrente ou não de loteamentos irregulares ou clandestinos, mormente na
extinção do condomínio resultante da usucapião coletiva. Essa demanda não pode ter
desconsiderada para efeito da intervenção ministerial, inclusive nos casos que veiculam
as formas tradicionais de usucapião ou alheias ao instituto da usucapião especial, na
medida em que todas situam valores essenciais no regime jurídico.
Não bastasse uma reinterpretação das normas processuais disciplinadoras da
intervenção processual custos legis do Ministério Público (e, especificamente, a previ-
são do art. 12, § 1º, do Estatuto da Cidade e do art. 82, III, primeira parte, do Código de
Processo Civil), mais afinada com o interesse público e social à luz dos arts. 81 a 85 do
Código de Processo Civil e os arts. 127 e 129, IX, da Constituição de 1988, é, ainda,
razoável sustentar a legitimidade ativa concorrente do Ministério Público à usucapião
coletiva de imóvel urbano para fins de moradia de população de baixa renda, em que
pesem omissões legais, pois reflete os vetores de concepção de justiça social, de regu-
larização fundiária, de redução de desigualdades, e de defesa de interesses difusos ou
coletivos, sob o pálio dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal e do art. 1º, IV,
da Lei n. 7.347/85. Assim sendo, é conveniente a intervenção do Ministério Público
nos processos de usucapião, à vista da relevância social elementar e da necessidade
de articulação com o poder público para a completa e eficiente realização da política
pública de regularização fundiária, bem como pela natureza de seu objeto – a proprie-
dade, um dos valores supremos qualificados como direito fundamental.
5. à guisa de conclusão
O propósito de ensaio não é outro senão de despertar uma reflexão crítica sobre
o papel do Ministério Público como órgão interveniente qualificado no processo civil.
E também o de provocar o (re)exame da política de racionalização que não pode se
transitar sobre abstenção, dispensa ou renúncia do exercício de funções cometidas por
lei. Atos normativos infralegais não têm força suficiente para dispensar a intervenção
(obrigatória) do Ministério Público no processo civil prevista em lei, a menos que se
trate de esclarecimento sobre a revogação implícita ou não recepção de regra pelo
advento de nova ordem constitucional. É estratégica para a instituição a intervenção no
processo civil e, notadamente, nas ações constitucionais, no mandado de segurança
e na usucapião, em razão de sua função de defensor da ordem jurídica que abrange
o controle da Administração Pública e dos conflitos sociais envolvendo valores caros
ao Estado Democrático de Direito. Essa intervenção, ademais, qualifica o Ministério
Público e conforma seu perfil constitucional como órgão constitucional independente,
assim como o regime jurídico singular de seus membros, paramétrico aos magistrados.
A abstenção de dever de atuar, nesses casos, significa denegação do direito ao devido
processo legal e tem a potencialidade de empenhar responsabilidade civil.
REFERÊNCIAS
BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de segurança, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993.
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DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da política urbana, inEstatuto da Cidade (Comen-
tários à Lei Federal 10.257/2001), 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 82, coor-
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LOUREIRO, Francisco Eduardo. Alguns aspectos sobre o novo Código Civil e o Urbanis-
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