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O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INTERVENÇÃO

NO PROCESSO CIVIL

THE PUBLIC MINISTRY AS INTERVENER


IN CIVIL LAWSUITS

Wallace Paiva Martins Junior


4º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social de São Paulo,
Mestre e Doutor em Direito do Estado (FADUSP), Professor de Direito
Administrativo (UNISANTOS).

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Resumo
Se necessária reflexão crítica sobre o papel do Ministério Público como ór-
gão interveniente no processo civil, uma política de racionalização não pode
transitar sobre abstenção, dispensa ou renúncia do exercício de funções co-
metidas por lei. Atos normativos infralegais não têm força suficiente para
dispensar a intervenção (obrigatória) do Ministério Público no processo civil
prevista em lei (a menos que se trate de esclarecimento sobre a revogação im-
plícita ou não recepção de regra pelo advento de nova ordem constitucional).
É estratégica para a instituição a intervenção no processo civil e, notadamen-
te, nas ações constitucionais, no mandado de segurança e na usucapião, em
razão de sua função de defensor da ordem jurídica que abrange o controle
da Administração Pública e dos conflitos sociais envolvendo valores caros ao
Estado Democrático de Direito. Essa intervenção, ademais, qualifica o Minis-
tério Público e conforma seu perfil constitucional como órgão constitucional
independente, assim como o regime jurídico singular de seus membros, pa-
ramétrico aos magistrados. A abstenção de dever de atuar, nesses casos, sig-
nifica denegação do direito ao devido processo legal e tem a potencialidade
de empenhar responsabilidade civil.

Palavras-chave
Ministério Público. Intervenção no processo civil. Obrigatoriedade. Impossibili-
dade de abstenção, dispensa ou renúncia.

ABSTRACT
While necessary to critically thinking about the role of the Public Ministry as
an entity that acts as intervener in civil lawsuits, a rationalization policy cannot
swing between abstention, dismissal, or waiver of the roles established in law.
Infralegal normative acts do not have the authority to dismiss the (mandatory)
intervention of the Public Ministry in civil lawsuits when the law provides for
such (unless it is a matter addressing the clarification of an implicitly repealed
provision or of a rule not received by the new constitution). The Public
Ministry’s intervention in civil lawsuits is strategic to the institution, notably, in
constitutional lawsuits, writs of mandamus, and adverse possession suits, due to
the Public Ministry’s role as a protector of the rule of law, which encompasses
the oversight of Government and social conflicts involving values which are
dear to Democratic State. The intervening role, moreover, defines the very nature
of the Public Ministry and shapes its constitutional profile as an independent
entity established by the constitution, in addition to defining and shaping the
unique legal regime of its members, who are parametric to the courts. The Public
Ministry’s abstention of its duty to act, in these cases, means the denial of the
right to due process and may result in civil liability.

KEYWORDS
Public Ministry. Intervention in civil lawsuits. Mandatoriness. Impossibility of
abstention, dismissal, or waiver.

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Sumário
Introdução. 1. A Recomendação n. 16/2010 do Conselho Nacional do Ministério
Público. 2. A obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público no processo
civil. 3. A intervenção do Ministério Público no mandado de segurança. 4. A inter-
venção do Ministério Público na usucapião. 5. À guisa de conclusão. Referências.

Introdução
Tanto a Lei Complementar n. 75/93 (art. 6º, XV) quanto a Lei n. 8.625/93
(arts. 25, V, e 26, VIII) preveem a figura do Ministério Público como órgão interve-
niente no processo civil (fiscal da lei) habilitado à oferta de manifestações denomi-
nadas pareceres (e inclusive recursos e incidentes lato sensu), reproduzindo, grosso
modo, o art. 82 do Código de Processo Civil.
Em função do novo perfil atribuído ao Ministério Público na Constituição
de 1988 emergiram propostas e técnicas de reformulação da tradicional forma de
intervenção no processo civil, alvo de paulatino e gradual redimensionamento sob
pretexto de atendimento a novas demandas geradas pela ampliação do grau de par-
ticipação como órgão agente em virtude da expansão da legitimidade ativa para pro-
moção da ação civil pública. Tratava-se de questão acerca das funções institucionais
e, também, de redefinição de atribuições envolvendo uma política de recursos hu-
manos, já que novas funções foram atribuídas ou dilatadas, e, portanto, prioridades
deviam ser definidas como reflexo desse novo estado de coisas.
Em seu percurso algumas das medidas orientadas por essa política de re-
dimensionamento, hoje avaliadas anos após, não renderam os frutos desejados e,
para agravar, exibem sérios e nocivos inconvenientes em relação à natureza e à
relevância social da atuação lato sensu do Ministério Público no processo civil, e,
em alguns casos, evidentes discrepâncias com o ordenamento jurídico nacional,
mormente com a edição da Recomendação n. 16/2010 do Conselho Nacional do
Ministério Público.

1. A Recomendação n. 16/2010 do Conselho Nacional


do Ministério Público
Não bastassem as impropriedades à boa técnica normativa, a Recomendação
n. 16/2010 do Conselho Nacional do Ministério Público articula que “em matéria
cível, intimado como órgão interveniente, poderá o membro do Ministério Público,
ao verificar não se tratar de causa que justifique a intervenção, limitar-se a consignar
concisamente a sua conclusão, apresentando, neste caso, os respectivos fundamen-
tos” (art. 1º) e que “em se tratando de recurso interposto pelas partes nas situações
em que a intervenção do Ministério Público é obrigatória, resguarda-se ao agente
ministerial de primeiro grau a manifestação sobre a admissibilidade recursal” (art.

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2º), sendo “imperativa, contudo, a manifestação do membro do Ministério Público a


respeito de preliminares ao julgamento pela superior instância eventualmente susci-
tadas nas razões ou contrarrazões de recurso, bem assim acerca de questões novas
porventura ali deduzidas” (art. 2º, parágrafo único).
O art. 3º, com a redação dada pela Recomendação n. 19/2011, estabelece a
desnecessidade de “atuação de mais de um órgão do Ministério Público em ações
individuais ou coletivas, propostas ou não por membro da Instituição, podendo ofe-
recer parecer, sem prejuízo do acompanhamento, sustentação oral e interposição
de medidas cabíveis, em fase recursal, pelo órgão com atuação em segundo grau”,
em total descompasso com os arts. 508 e 525, V e VI, do Código de Processo Civil.
Adiante, seu art. 5º inscreve catálogo de situações de facultatividade da inter-
venção ao determinar que, “perfeitamente identificado o objeto da causa e respeita-
do o princípio da independência funcional, é desnecessária a intervenção ministe-
rial nas seguintes demandas e hipóteses”1.

1. “I – Intervenção do Ministério Público nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária;


II – Habilitação de casamento, dispensa de proclamas, registro de casamento in articulo
mortis – nuncupativo, justificações que devam produzir efeitos nas habilitações de casa-
mento, dúvidas no Registro Civil;
III – Ação de divórcio ou separação, onde não houver cumulação de ações que envolvam
interesse de menor ou incapaz;
IV – Ação declaratória de união estável, onde não houver cumulação de ações que envolva
interesse de menor ou incapaz;
V – Ação ordinária de partilha de bens;
VI – Ação de alimentos, revisional de alimentos e execução de alimentos fundada no artigo
732 do Código de Processo Civil, entre partes capazes;
VII – Ação relativa às disposições de última vontade, sem interesse de incapazes, excetuada
a aprovação, cumprimento e registro de testamento, ou que envolver reconhecimento de
paternidade ou legado de alimentos;
VIII – Procedimento de jurisdição voluntária relativa a registro público em que inexistir
interesse de incapazes;
IX – Ação previdenciária em que inexistir interesse de incapazes;
X – Ação de indenização decorrente de acidente do trabalho;
XI – Ação de usucapião de imóvel regularmente registrado, ou de coisa móvel, ressalvadas
as hipóteses da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001;
XII – Requerimento de falência ou de recuperação judicial da empresa, antes da decretação
ou do deferimento do pedido;
XIII – Ação de qualquer natureza em que seja parte sociedade de economia mista;
XIV – Ação individual em que seja parte sociedade em liquidação extrajudicial;
XV – Ação em que for parte a Fazenda ou Poder Público (Estado, Município, Autarquia ou
Empresa Pública), com interesse meramente patrimonial, a exemplo da execução fiscal e
respectivos embargos, anulatória de débito fiscal, declaratória em matéria fiscal, repetição
de indébito, consignação em pagamento, possessória, ordinária de cobrança, indenizatória,
anulatória de ato administrativo, embargos de terceiro, despejo, ações cautelares, conflito
de competência e impugnação ao valor da causa;
XVI – Ação de desapropriação, direta ou indireta, entre partes capazes, desde que não envolvam terras
rurais objeto de litígios possessórios ou que encerrem fins de reforma agrária (art. 18, § 2º, da LC 76/93);
XVII – Ação que verse sobre direito individual não-homogêneo de consumidor, sem a pre-
sença de incapazes;

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O art. 6º recomenda, ainda, que as unidades do Ministério Público, respeita-


da a autonomia, disciplinem a matéria da intervenção cível, também por ato interno,
preservada a independência funcional dos membros da instituição, sem caráter nor-
mativo ou vinculativo, nos termos acima referidos.
Antes mesmo da Recomendação n. 16/2010, algumas unidades do Minis-
tério Público se apressaram na edição de atos normativos secundários (que não
podem ser contra legem), dispensando a intervenção do Ministério Público nesses
processos em movimento diametralmente oposto às leis que determinavam exata-
mente o contrário2.
Recomendação não é comando de observância compulsória. Portanto, não
estão obrigadas as unidades do Ministério Público nacional à edição de normas
disciplinando sua intervenção no processo civil. E mesmo se editadas, não podem
ter caráter cogente ou obrigatório, de maneira que não vinculam a atividade dos
membros do Parquet no processo civil.
Não foi o Conselho Nacional do Ministério Público investido em novo centro
absoluto e ilimitado de poder normativo em matéria referente ao Ministério Pú-
blico nem lhe foi conferido caráter substitutivo ao Poder Legislativo e, tampouco,
esmaecida a reserva de lei, de maneira ampla. Se o órgão central de controle tem
poder normativo primário, essa competência encontra limitação naquilo que é da
reserva de lei em sentido absoluto, como o estabelecimento das funções do Minis-
tério Público. A delimitação da competência normativa do Conselho Nacional do
Ministério Público não pode desbordar de suas funções genéricas previstas no § 2º
do art. 130-A da Constituição, não sendo admissível exceder o quanto evidenciado
pelo controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e pelo
cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Essas premissas se aplicam
às recomendações. Elas também devem expressar assuntos do círculo de compe-
tência do Conselho Nacional do Ministério Público, especialmente direcionadas à
autonomia, embora não tenha caráter vinculante por serem dispositivas.
Destarte, chama-se a atenção, preliminarmente, para a incompetência de
o Conselho Nacional do Ministério Público regular o assunto, ainda que mediante
recomendação.

XVIII – Ação que envolva fundação que caracterize entidade fechada de previdência pri-
vada;
XIX – Ação em que, no seu curso, cessar a causa de intervenção;
XX – Em ação civil pública proposta por membro do Ministério Público, podendo, se for o
caso, oferecer parecer, sem prejuízo do acompanhamento, sustentação oral e interposição
de medidas cabíveis, em fase recursal, pelo órgão com atuação no segundo grau;
XXI – Assistência à rescisão de contrato de trabalho;
XXII – Intervenção em mandado de segurança”.
2. Esse movimento teve início em 2001 no Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos
Ministérios Públicos dos Estados e da União e do Conselho Nacional dos Corregedores do
Ministério Público dos Estados e da União, resultando na denominada “Carta de Ipojuca”
(CNMP, PP 935/2007-41, Rel. Cons. Cláudio Barros Silva).

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Esses apontamentos se aplicam a atos normativos editados pelo próprio Mi-


nistério Público. Na verdade, e como será adiante demonstrado, eles são tão in-
constitucionais e ilegais como a Recomendação n. 16/2010 do Conselho Nacional
do Ministério Público porque, em síntese, não é dado a ato normativo infralegal
contrariar lei que lhe é hierarquicamente superior. E mesmo a sua eficácia perante
a responsabilidade administrativo-disciplinar é questionável: não parece acertado
dizer que o membro do Ministério Público ficará indene se a hipótese em que mani-
festou sua abstenção de intervenção era de obrigatória atuação. Aliás, soa curioso o
órgão central de controle, que tem dentre suas missões assegurar o cumprimento dos
deveres funcionais pelos membros do Ministério Público, exonerá-los de seu dever.
O que, em essência, não se acomoda o próprio desiderato de defesa da ordem
jurídica é o seu defensor declinar de seu encargo, e que não se confunde com a dose
ou a intensidade de cumprimento de seu dever legal de atuar (que deveria ser o alvo
de uma racionalização tendente a assegurar a razoável e célere duração do processo).
E a situação se agrava quando já não é mais isoladamente o Ministério Público que
se abstém de manifestar-se no processo civil como custos legis, mas, quando o juiz o
substitui, presumindo a dispensabilidade da intervenção, sequer lhe intimando.

2. A obrigatoriedade da intervenção do Ministério


Público no processo civil
Se à lei complementar (federal e estadual) cabe a fixação de atribuições dos
membros do Ministério Público (ou seja, compete-lhe exclusivamente a disciplina
da divisão interna de suas funções entre seus membros e órgãos), suas funções são
estabelecidas na lei ordinária que, de sua parte, deve compatibilidade à designação
das funções previstas nos arts. 127, caput, e 129, da Constituição Federal. Em função
do perfil constitucional do Ministério Público, a legislação deve cunhar funções que
reflitam a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e
individuais indisponíveis e, mais especificamente, da persecução criminal, da tutela
dos interesses transindividuais, do controle externo da atividade policial, do contro-
le de constitucionalidade de leis ou atos normativos, bem como outras compatíveis
com a finalidade expressa na cabeça do art. 127 e que não configurem representa-
ção judicial e consultoria jurídica de entidades públicas.
Há um largo espaço reservado à normatização infraconstitucional para, em
atenção à baliza de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interes-
ses sociais e individuais indisponíveis, construir (ou recepcionar) regras de interven-
ção do Ministério Público no processo civil, desde que atendidos o parâmetro da
compatibilidade e as vedações expressas. É absolutamente inadequado supor que
suas funções foram reduzidas ao catálogo do art. 129 da Carta Magna (que é exem-
plificativo, como revela seu inciso IX).
À luz da reserva legal absoluta, não se afigura possível que ato normativo
emanado da autonomia do próprio Ministério Público ou ato individual estabeleçam

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abstrata ou concretamente a abstenção, a dispensa ou a renúncia do Ministério Pú-


blico ao exercício de suas funções previamente fixadas em lei.
Não se ousa afirmar neste juízo crítico que todas as medidas de readequação
da atuação lato sensu do Ministério Público no processo civil estejam erradas. Porém,
o alcance de algumas delas destoa das diretrizes que devem presidir a atividade nor-
mativa e interpretativa subalterna correlata e consequente. Portanto, de per si, não é
possível glosar a míngua de maior profundidade teórica e estratégica o remodelamen-
to da intervenção do Ministério Público no processo civil de jurisdição voluntária.
Mas, em algumas outras situações, a crítica tem integral procedência, na medida em
que o redimensionamento da atuação interventiva do Ministério Público não pode ter
como baldrame a renúncia de atribuições normativamente explicitadas e justificadas
pela presença de um interesse público previamente identificado pelo legislador, senão
deve orientar-se pela técnica de racionalização e pelo critério de uma participação
processual proativa do Ministério Público como custos legis– que, afinal, tem raiz na
sua função de defensor da ordem jurídica constante do art. 127 da Constituição.
É, no mínimo, controversa a abstenção, a dispensa (ou facultatividade) ou
a renúncia de manifestação do Ministério Público no processo civil quando atua
como órgão interveniente em face de expressas previsões legais; é indevido partir
de um pressuposto que seja essencialmente uma consequência. Não é dado a ato
normativo subalterno ou recomendação contrariar lei que determina intervenção
obrigatória do Parquet. Não por acaso a recomendação do Conselho Nacional do
Ministério Público foi (corretamente) censurada pela imprensa ao resumir que “se a
legislação obriga os promotores e procuradores a intervir nessas ações, a eventual
omissão desses profissionais equivale à negação de direitos”3.
Embora a jurisprudência sublinhe que não acarreta nulidade processual a
ausência de manifestação do Ministério Público nos casos em que seja obrigatória,
salvo se não houver intimação pessoal, vetusta advertência de Pontes de Miranda
em torno do art. 85 do Código de Processo Civil, reproduzida por Yussef Said Cahali,
arrola entre os exemplos de responsabilidade civil pessoal e direta do membro do
Ministério Público “a não comparência nos casos de intervenção prevista em lei,
inclusive se há interesse público na causa, objetiva ou subjetivamente (art. 82, III)”4.
A questão demanda análise mais profunda. O Código de Processo Civil
contém regra geral declarativa de competência do Ministério Público para intervir
(art. 82) nas causas em que há interesses de incapazes (inciso I), nas causas con-
cernentes ao estado da pessoa, poder familiar, tutela, curatela, interdição, casa-
mento, declaração de ausência e disposições de última vontade (inciso II), e nas
ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas
em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da
parte” (inciso III). O inciso III desse art. 82 anteriormente só continha sua parte

3. “As prioridades do CNMP” (editorial), jornal O Estado de S. Paulo, 6 maio 2010.


4. Responsabilidade civil do Estado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 221.

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final. A primeira parte foi introduzida pela Lei n. 9.415, de 23 de dezembro de


1996, sob o império da Constituição de 1988.
Apesar de o conceito de interesse público ser indeterminado, de valor, não é
de difícil extração. De qualquer modo, se a lei processual civil nessa regra geral favo-
rece certa dose de discricionariedade ao Ministério Público, seu exercício depende
de parâmetros objetivos inferidos do ordenamento jurídico e das características de
fundamentalidade e transcendência do interesse público e do interesse social. Limites
há, como, ad esempia, julgado expressando que “o interesse público, a que alude o
art. 82, III, do CPC, não se confunde com o interesse da Fazenda Pública”5, mas, outro
aresto considerando que a interpretação que se devota à cláusula habilitante do art.
129, III, da Constituição é ampla, em execução de título extrajudicial de contrato de
financiamento para aquisição de debêntures conversíveis em ações de empresa estatal
decorrente de privatização, manifestou que se “nos termos dos arts. 129, III, da Cons-
tituição Federal; 1º, IV, e 5º da Lei n. 7.347/85, o Ministério Público tem legitimidade
para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de dano ao erário, uma vez
que se apresenta como defesa de interesse público (Súmula 329/STJ). Por analogia,
embora não seja obrigatória, justifica-se a intervenção do Órgão Ministerial no caso
concreto, haja vista que a origem do débito decorre do processo de privatização de
empresa pública, convindo à coletividade como um todo que o Parquet assuma sua
tutela, pela acentuada relevância do bem jurídico a ser defendido”6.
Não é a natureza da ação, mas o seu objeto que deve dimensionar a interven-
ção do Ministério Público no processo civil em cotejo com suas funções de defesa da
ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponí-
veis, do zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública pelos direitos constitucionalmente assegurados, da tutela dos interesses difusos
e coletivos (arts. 127 e 129 da Constituição), valendo obtemperar que o inciso IX do art.
129 da Carta Magna contém norma de encerramento, de modo a atribuir-lhe tudo aqui-
lo que não lhe for incompatível. Em outras palavras, a relevância social do direito posto
sob controvérsia à luz dos preceitos fundamentais da República e da Democracia.
Quando o Supremo Tribunal Federal (equivocadamente) negou legitimidade
ao Ministério Público à promoção de ação civil pública impugnando a cobrança inde-
vida de tributos, o Ministro Sepúlveda Pertence propugnou a identificação do interesse
social (outro conceito indeterminado de valor) segundo a Constituição, vislumbrado
a partir de certos critérios, como os pilares da ordem social prevista na Constituição e
correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República7. Dentre eles,
é possível arrolar os direitos à moradia, à saúde e à educação, a dignidade da pessoa
humana, a erradicação da miséria, o cumprimento da função social da propriedade, a
probidade e a transparência governamental, os direitos fundamentais etc.

5. STJ, REsp 686.377-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, 20-6-2006, v. u., DJ1º-08-2006, p.406.
6. STJ, Res p 819.238-RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, 28-11-2006, v.u., DJ 26-2-2007, p.588.
7. RTJ 173/288.

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Sem embargo, uma adequada exegese induz a considerar que, para além
dessa regra geral, nos demais casos em que o Código de Processo Civil (arts. 478,
482, 487, III, 731, 944) ou leis especiais (Lei n. 12.016/2009, art. 12; Lei n. 4.717/65,
art. 6º, § 4º, v.g.) definam a obrigatoriedade da intervenção é porque ou se trata das
situações dos incisos I e II do art. 82 ou se cuida de presunção, na própria indicação
legal, do interesse público. Destarte, nesta última hipótese, não há espaço para a
discricionariedade que se contém no inciso III, in fine, do art. 82. Tal, por exemplo,
ocorre com a desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de refor-
ma agrária (art. 6º, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar n. 76/93). Outro critério reside
na simetria, e é muitas vezes empregado pelo legislador: se o Ministério Público tem
legitimidade ativa deve intervir como fiscal da lei se a demanda foi proposta por
colegitimado (art. 5º, § 1º, da Lei n. 7.347/85; art. 17, § 4º, da Lei n. 8.429/92; v.g.).
A linha a ser seguida reside nas premissas básicas de racionalização sem
renúncia de atribuições ou funções e de atuação permanentemente integrada entre
os órgãos do Ministério Público portadores de competências diversas, como agentes
e intervenientes, a partir do filtro proporcionado pela intervenção processual do
Ministério Público para sondagem das demandas sociais.
Além disso, é de se estimar que a intervenção do Ministério Público nas ações
(ou remédios) constitucionais vocacionadas à tutela de direitos fundamentais (como,
v.g., ação popular, ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão, arguição
de descumprimento de preceito fundamental, habeas data, habeas corpus, mandado de
segurança, mandado de injunção) é decorrência elementar de sua peculiar função de
defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. A intervenção do Ministério Público nas ações constitucionais é qualifi-
cada ponto luminoso do Estado Democrático de Direito que distingue a instituição no
tecido social e no aparelho estatal como defensor da ordem jurídica, constituindo bal-
drame que modela sua vocação e seu perfil institucionais como elemento absolutamen-
te imprescindível à tutela dos direitos fundamentais (e, em consequência, ao controle
jurisdicional) e à essencialidade do órgão na divisão funcional de poder concretizando
sua atuação de controle que convive, em simbiose, com o exercício de direito de ação.
Ademais, sua atuação em algumas ações especiais – como o mandado de
segurança e a usucapião – contribui, por exemplo, ao enfrentamento efetivo e inte-
gral de dois problemas históricos e sensíveis da realidade brasileira: o controle da
Administração Pública e a questão fundiária.

3. A intervenção do Ministério Público no


mandado de segurança
A doutrina já se manifestou sobre a posição processual do Ministério Público
no processo de mandado de segurança8, atribuindo-lhe a singular conditio de parte

8. Antonio Raphael Silva Salvador e Osni de Souza. Mandado de segurança, São Paulo: Atlas,
1998, p.69.

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pública autônoma9 ou, em outras palavras, defensor do interesse público primário,


evoluindo da posição de advogado do interesse público secundário. Não é acaciano
registrar a peculiar funcionalidade do mandado de segurança (criação genuína do
direito brasileiro e que encontra paralelo no juicio de amparo do direito mexicano)
como principal instrumento constitucional de controle da Administração Pública,
desempenhando nele o Ministério Público importante papel “com as finalidades de
defesa dos valores e interesses mencionados no art. 127, e não em defesa da pessoa
jurídica de direito público ré na ação”10.
Assim como a Lei n. 1.533/51 (art. 10), lei não tornou dispensável o parecer
ministerial no parágrafo único do art. 12 da Lei do Mandado de Segurança; o parecer
continua sendo obrigatório, porém, a ultrapassagem do prazo fixado à manifestação do
Ministério Público não obsta a decisão, tal e qual o tratamento dispensado na Lei do
Processo Administrativo Federal ao parecer obrigatório e não vinculante (art. 42, § 2º, da
Lei n. 9.784/99). Nesse sentido expressa lúcida doutrina que “o dispositivo claramente
preserva a necessidade da intervenção do Ministério Público em sede de mandado de
segurança. E o faz na qualidade de fiscal da lei, ou, na expressão latina consagrada, cus-
tos legis. A Lei n. 12.016/2009, nesse sentido, toma partido expresso sobre interessante
e tormentosa questão assinalada por parcela da doutrina sobre se, com o advento da
Constituição Federal de 1988, o antigo art. 10 da Lei n. 1.533/51 teria sido recepciona-
do, diante da vedação feita pelo inciso IX do art. 129 daquela Carta quanto à atuação do
Ministério Público em prol de pessoas jurídicas de direito público”11. De tal sorte que o
preceito legal “deixa clara a opção mais recente do legislador, em ampla consonância
com as finalidades constitucionalmente impostas àquela instituição: a atuação do Minis-
tério Público em mandado de segurança, na qualidade de fiscal da lei, é imperativa”12.
Olvidando a importância do instrumento constitucional de controle do poder
público em face de condutas ilegais ou abusivas (art. 5º, LXIX, da Constituição) que
se conecta à missão do Ministério Público de defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Cons-
tituição), inclusive os previstos na Constituição, não é dado à norma infralegal e
secundária ou decisão individual desalinhar da regra primária de obrigatoriedade da
intervenção do Parquet no mandado de segurança (art. 12, da Lei n. 12.016/2009).
Deste teor é o escólio de literatura autorizada demonstrando que “não há,
no caso, qualquer margem de escolha a ser feita por aquele órgão quanto a intervir
ou deixar de intervir em mandado de segurança como, para os fins do art. 82, III,
do Código de Processo Civil, é possível sustentar. Em se tratando de mandado de

9. Hely Lopes Meirelles. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, habeas data, 16. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, p. 48.
 elso Agrícola Barbi. Do mandado de segurança, 7. ed. ,Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.
10. C
205, n. 204.
11. Cássio Scarpinella Bueno. A nova lei do mandado de segurança, São Paulo: Saraiva,
2009, p.70.
12. Cássio Scarpinella Bueno. A nova lei do mandado de segurança, São Paulo: Saraiva, 2009, p.72.

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segurança, independentemente de seu objeto, o Ministério Público deve intervir. Ser


mandado de segurança, no caso, faz toda a diferença. Não devem subsistir à nova
disciplina legal, destarte, todos os atos expedidos pelos Ministérios Públicos federais
e estaduais sobre as hipóteses que justificariam, ou não, a intervenção daquela ins-
tituição em mandados de segurança”13.
A paradoxal abstenção da intervenção (cuja obrigatoriedade resulta de lei) –
estimulada ou ordenada por ato infralegal – é perniciosa para o Ministério Público
que, em suma, abdica participar do controle externo da Administração Pública, com
prerrogativas e posições destacadas, de nível constitucional e cujo status encontra si-
militude nas demais ações constitucionais de tutela de direitos fundamentais (como,
v.g., a ação popular, a ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão,
a arguição de descumprimento de preceito fundamental, o habeas data, o habeas
corpus e a feição coletiva do próprio mandado de segurança). Ademais, afigura-se
inconveniente para justificação da mantença do tratamento simétrico ao da Magis-
tratura, sem olvidar a nocividade da abertura de espaço para outros órgãos postu-
larem a absorção da função do Ministério Público. O controle da Administração
Pública liga-se intimamente à ideia de cidadania, pois volta-se tanto à verificação da
regularidade dos atos da Administração quanto à tutela dos direitos fundamentais.
Impende considerar, ainda, que essa intervenção, além de proporcionar ao
Ministério Público o controle da Administração Publica, favorece-lhe à fiscalização
do próprio Poder Judiciário: não somente pelo writ impetrado contra ato judicial,
mas, também, pela potencialidade de interposição de recursos no processo. Com
efeito, “o Ministério Público tem legitimidade para recorrer em processo de manda-
do de segurança, onde oficie na condição de fiscal da lei”14, assim como tem para
requerer suspensão da liminar ou da sentença. E, efetivamente, a jurisprudência
proclama o direito de recorrer como consectário da obrigatória intervenção do Mi-
nistério Público no mandado de segurança.
Ora, a dispensabilidade da intervenção terá como corolário a falta de interes-
se de recorrer, em situações em que o interesse público primário poderá ser aviltado.
Nesse sentido, a jurisprudência proclama a obrigatoriedade de intervenção do Mi-
nistério Público15, asseverando que “ocorre nulidade processual insanável, quando

13. Cássio Scarpinella Bueno. A nova lei do mandado de segurança, São Paulo: Saraiva, 2009, p.72.
14. STF, RE-ED 541.338-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 12-8-2008, v.u., DJe 29-8-2008.
15. “Tratando-se de mandado de segurança, no qual a intervenção do Ministério Público, na
qualidade de fiscal da lei, é considerada obrigatória por força do art. 10 da Lei n. 1.533/51,
tem incidência a Súmula n. 99/STJ, no sentido de que ‘o Ministério Público tem legitimida-
de para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso
da parte’ (...)” (STJ, EREsp 161.968-DF, 3ª Seção, Rel. Min. Felix Fischer, 24-9-2003, m. v.,
DJ 24-11-2004, p.227).
“Consoante entendimento harmônico da Primeira Seção deste STJ, face o evidente interesse
público, é obrigatória a intervenção do Ministério Público nas ações mandamentais, sob
pena de nulidade do processo” (STJ, REsp153.03-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Peçanha
Martins, 9-5-2000, v. u., DJ 12-6-2000, p.90).

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O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INTERVENÇÃO NO PROCESSO CIVIL 169

o Ministério Público não é intimado para se manifestar em ação mandamental (art.


10 da Lei n. 1.533/51)”16, ainda que, em outras oportunidades, se absteve da de-
claração de nulidade processual diante da recusa afirmada pelo próprio Ministério
Público de intervir nos autos17, porque “a imposição de atuação do membro do Par-
quet, quanto a matéria versada nos autos, infringiria os Princípios da Independência
e Autonomia do órgão ministerial”18.
No plano do controle da Administração Pública configura-se eminentemente
bizarra a faculdade de intervenção do Ministério Público em assuntos ou temas
em que seja legitimado ativo para agir por meio de ação civil pública relativa, por
exemplo, a concursos ou licitações viciados, contratos administrativos de quaisquer
espécies fraudados, licenças ambientais ou urbanísticas em desconformidade ao in-
teresse público etc. e, para além, evidências de sinais de improbidade administrativa
ou de desvio de poder por atuações suspeitas, imotivadas, contrárias à orientação
normativa da própria Administração Pública, v.g.

“MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEI N. 1.533, DE 31.12.51, ART.


10. APLICAÇÃO.
‘Em Mandado de Segurança, não basta a intimação do Ministério Público; é necessário seu
efetivo pronunciamento.’ (EREsp 9.271/Pádua – Corte Especial)” (STJ, RMS 10.444-PB, 1ª
Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 20-4-1999, v. u., DJ 24-5-1999, p.97).
“MANDADO DE SEGURANÇA – MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – OBRIGA-
TORIEDADE – OBSERVÂNCIA DO PRAZO DO ART. 10, DA LEI 1.533/51 – DISPENSABI-
LIDADE – PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL DESTE STJ.
- Havendo evidente interesse público, a intervenção do órgão do Ministério Público Fede-
ral, oficiando como fiscal da lei, é necessária e obrigatória, não se o podendo submeter ao
prazo do art. 10, da Lei 1.533/51, sob pena de nulidade do processo” (RT 768/170).
“I – A orientação jurisprudencial desta e. Corte Superior firmou-se no sentido de que a par-
ticipação do Ministério Público nas ações de mandado de segurança é obrigatória (artigo
10 da Lei n.1.533/51)” (STJ, RMS 20.498-MG, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, 25-9-2007,
v. u., DJ 15-10-2007, p. 296).
“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. MINISTÉRIO PÚBLICO. CUSTOS
LEGIS. INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA. ARTIGO 10 DA LEI N. 1.533/1951. MANIFESTA-
ÇÃO EM SEDE DE APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DECRETAÇÃO DE NULIDADE.
DESNECESSIDADE.
1. Por ser obrigatória a intervenção do órgão ministerial em sede de mandado de segurança,
a mera intimação do Parquet para manifestar-se sobre a impetração não se mostra suficien-
te; exige-se, outrossim, o seu efetivo pronunciamento. Precedentes.
2. A teor do disposto no artigo 244 do CPC, considera-se válido o ato realizado de forma diversa
daquela prescrita em lei, sem cominação de nulidade, sempre que lhe alcançar a finalidade.
3. O Superior Tribunal de Justiça tem firmado a compreensão de que a decretação da nuli-
dade deve observar a presença de prejuízo.
4. Constatada a manifestação do Ministério Público em sede de apelação não há falar em
violação do artigo 10 da Lei n. 1.533/51.
5. Recurso especial não provido” (STJ, REsp 948.090-DF, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi,
26-5-2009, v.u., DJe3-8-2009).
16. STJ, RMS 13.360-MG, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, 22-10-2002, v.u., DJ 25-11-2002,
p. 247.
17. STJ, RMS 20.817-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, 13-5-2008, v.u., DJe 27-5-2008.
18. STJ, REsp 541.199-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 8-6-2004, v.u., DJ 28-6-2004, p.195.

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É a partir do controle exercido no mandado de segurança que se possibilita,


também, a ignição de controle próprio pelo Ministério Público das condutas omissivas
ou comissivas da Administração Pública que, em seu conjunto e visualizadas macros-
copicamente, exigem do Ministério Público medidas para correção ou inibição da ve-
tusta praxe administrativa de não reconhecer direitos subjetivos e, com isso, provocar a
sobrecarga do Poder Judiciário através de mandados de segurança ou de outras ações.
É dizer, a partir dessa intervenção, o Ministério Público poderá filtrar ou de-
tectar ilegalidades reiteradamente praticadas e, mediante atuação integrada entre
seus órgãos competentes, expedir recomendações, instaurar inquéritos civis etc.,
visando à promoção de ação civil pública para cessação de atividade nociva ou
prestação de atividade devida (evitando a sobrecarga do Poder Judiciário) ou para
imposição de sanções específicas da Lei da Probidade Administrativa, da Lei de
Responsabilidade Fiscal etc., sem prejuízo do exercício, na própria ação de manda-
do de segurança, dos direitos de recurso e de suspensão dos efeitos de liminar ou
sentença, quando contrariado o interesse público primário, o que pressupõe a efe-
tiva intervenção, notadamente quando vedado o uso da ação coletiva (v.g., matéria
tributária) ou a solução no remédio heroico for mais útil e célere à tutela do interesse
(saúde pública, acesso à educação pública etc.). A propósito, tome-se como hábil
exemplo aresto que proclamou a legitimidade ativa do Parquet para ajuizamento de
ação civil pública objetivando o fornecimento de certidão19.

4. A intervenção do Ministério Público na usucapião


O Código de Processo Civil impõe a intervenção do Ministério Público na
usucapião (art. 944) até porque a regra do art. 82, III, a determina nas ações que
envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural, nos termos da Lei n. 9.415, de
23 de dezembro de 1996, editada sob o império da Constituição de 1988.

19. “DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL –


CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO – RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCI-
ÁRIA – DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTI-
ÇÕES PÚBLICAS – PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONS-
TITUCIONAL – EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA
– LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ‘DEFENSOR DO POVO’ (CF, ART, 129, II) – DOUTRINA
– PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O direito à certidão traduz
prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indiví-
duo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência
social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. – A
injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legiti-
madores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados,
como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública. – O Ministério Público tem
legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos,
quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição
e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes” (STF,
RE-AgR 472.489-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 29-4-2008, v.u., DJe 29-8-2008).

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O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INTERVENÇÃO NO PROCESSO CIVIL 171

Ponto luminoso no direito brasileiro contemporâneo na Constituição é que,


se a propriedade é direito fundamental (arts. 5º, caput e XXII, 170, II), é obrigação
do proprietário o cumprimento de sua função social, assim como é dever do Estado
exigir o seu adimplemento e viabilizar que o direito subjetivo público daí nascente
se operacionalize concretamente (arts. 5º, XXIII e XXIV, 170, III). A parametricidade
desse dever nas áreas urbanas é o plano diretor (art. 182, § 2º) e nas áreas rurais é
a produtividade (art. 186). A Lei n. 10.257/2001 fornece balizas para o combate à
injustiça fundiária, à degradação ambiental e ao desequilíbrio da ocupação e do uso
do solo urbano e, em última análise, para assegurar o cumprimento da função social
da propriedade20 (conceito também presente no Código Civil21). O art. 4º do Estatuto
da Cidade traça exemplificativamente seus instrumentos divididos em planos, insti-
tutos tributários, financeiros, jurídicos e políticos, e medidas de precaução ou pre-
venção (estudos de prévio impacto ambiental e de vizinhança). Dos institutos jurídi-
cos destacam-se as zonas especiais de interesse social e a usucapião especial urbana
que convergem à regularização fundiária (art. 4º, V, q, da Lei n. 10.257/2001), em
que não pode ser descartada a participação ativa do poder público nos processos de
urbanização subsequentes à aquisição formal da propriedade. A par dos vários con-
ceitos doutrinários22, é ela uma política pública, ou seja, um conjunto de programas
estatais juridicamente ordenados como processo tendente à transformação de uma
situação de fato, elementarmente à margem do direito ou de difícil legitimação em
razão da clandestinidade ou da informalidade do uso e da ocupação do solo urbano,

20. No que tange à função social da propriedade imobiliária urbana a lei regula o seu uso em
prol do bem-estar geral e do equilíbrio ambiental (art. 1º, parágrafo único) que se opera
pela política urbana pelas diretrizes enumeradas no art. 2º, dentre tantas, o direito relativo
à terra e à moradia; o planejamento, efeitos preventivo e repressivo do desenvolvimento
urbano, ordenação e controle do uso do solo impeditivo do desuso, do subuso e do uso
inconveniente incompatível, inadequado ou excessivo; equidade na distribuição de bônus
e ônus decorrente de urbanização (art. 2º, I, IV, VI, IX e X); e, em especial, regularização
fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda com normas
especiais (de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação) proporcionais à situação
socioeconômica da população e as normas ambientais (art. 2º, XIV) e simplificadas para
redução dos custos e aumento da oferta (art. 2º, XV). Na lei, repete-se a serventia do plano
diretor para mensuração do cumprimento da função social da propriedade (art. 39).
21. A propriedade não tem mais caráter egoístico: os direitos a ela inerentes estão condicio-
nados ao cumprimento da função social da propriedade. Seu exercício exige consonância
com as finalidades econômicas e sociais e conformidade com a proteção ambiental cons-
tante de lei específica (art. 1.228, § 1º), tanto que se veda seu uso nocivo por atos animados
pela intenção de prejuízo a terceiro e que não tragam comodidade ou utilidade ao titular
da coisa (art. 1.228, § 2º).
22.Adilson Abreu Dallari. Instrumentos da política urbana, in Estatuto da Cidade (comentários
à Lei Federal 10.257/2001), 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.82, coordenação de Adil-
son Abreu Dallari e Sérgio Ferraz; Cláudia Maria Beré. Regularização fundiária do parcela-
mento do solo, in Temas de direito urbanístico 4, São Paulo: Imesp, 2005, p.203; Carlos Ari
Sundfeld. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, in Estatuto da Cidade (comentários
à Lei Federal 10.257/2001), 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.58-60, coordenação de
Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz.

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à condição de acesso e legitimidade mediante instrumentos jurídicos específicos


inclusivos, nos quais se compreendem o processo de inclusão à propriedade formal
e regularização de urbanizações clandestinas (direito de superfície, usucapião espe-
cial urbana, concessão de direito de uso especial para fins de moradia) e à ordem
urbanística popular (normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e
edificação tendo em mira a população de baixa renda) como a instituição de zonas
especiais de interesse social (art. 4º, V, f, da Lei n. 10.257/2001), a regularização de
loteamentos clandestinos ou irregulares (arts. 39 a 49 da Lei n. 6.766/79) ou quais-
quer outras medidas de acesso à moradia formal e urbanizada (desapropriação para
fins de urbanização ou de parcelamento do solo ou qualquer outro interesse social
previsto em lei ligado ao acesso à moradia e à regularização fundiária geralmente
em favor de população de baixa renda, ex vi do art. 44 da Lei n. 6.766/79; art. 5º, i e
j, § 3º, do Decreto-lei n. 3.365/41; art. 2º, I, IV, V, §§ 2ºe 4º, da Lei n. 4.132/62; arts.
8º, § 5º, e 42, da Lei n. 10.257/2001).
É o que se extrai do art. 2º, I, V, VI, VIII a X, XIV a XVI, do Estatuto da Cidade,
para o enfrentamento de agudas questões sociais, econômicas e jurídicas: a falta ou
informalidade de moradia, ou de acesso conforme a renda; a indignidade física da
moradia, a submoradia, a moradia clandestina ou irregular; a exclusão social pro-
vocada pelo distanciamento dos serviços públicos, pela ausência de urbanização,
de equipamentos urbanos, comunitários, de lazer ou de áreas verdes; enfim, o triste
retrato das ocupações habitacionais em favelas, mocambos, palafitas, cortiços e in-
clusive em bens públicos (viadutos, pontes, passarelas, calçadas etc.).
Numa visão global, tanto do Código Civil quanto do Estatuto da Cidade e, prin-
cipalmente, da Constituição de 1988, emergem os institutos de regularização fundiária.
A usucapião especial (arts. 183 e 191 da Constituição) foi disciplinada no Estatuto da
Cidade (Lei n. 10.257/2001), nas modalidades individual e coletiva, contando com a
participação do Ministério Público (art. 12, § 1º)23, sem prejuízo do traçado do instituto

23. “Art. 9º. Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cin-
quenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprie-
tário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independen-
temente do estado civil.
§ 2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais
de uma vez.
§ 3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de
seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Art. 10.As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas
por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são
susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam pro-
prietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

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O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INTERVENÇÃO NO PROCESSO CIVIL 173

da usucapião em todas as suas modalidades e espécies no Código Civil24. A privação da

§ 2º. A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante
sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3º. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, indepen-
dentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito
entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4º. O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo
deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de
execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5º. As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por
maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes
ou ausentes.
Art. 11.Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer
outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imó-
vel usucapiendo.
Art. 12.São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente cons-
tituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.
§ 1º. Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.
§ 2º. O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive pe-
rante o cartório de registro de imóveis.
Art. 13.A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de
defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de
registro de imóveis.
Art. 14.Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser
observado é o sumário”.
24. “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
(...)
§ 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em
extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável nú-
mero de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e
serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao pro-
prietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome
dos possuidores.
(...)
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como
seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo
requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no
Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor
houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços
de caráter produtivo.
Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como
sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior
a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela
sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros

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propriedade (art. 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil), arguida como ação ou exceção, tem
declarado interesse social relevante e mercê da indefinição de sua natureza jurídica (de-
sapropriação judicial25, venda forçada ou alienação coativa26), ela valoriza a posse-traba-
lho e a posse-moradia, atendendo “aos reclamos e atividades organizadas pelos grupos
de trabalhadores rurais sem terra, no campo, e moradores de rua ou de cortiços, no âm-
bito das cidades”27, justificando a intervenção do Ministério Público também. Em outras
palavras, a valorização da posse-moradia ou da posse-trabalho (adotada como técnica de
solução de intensos e agudos conflitos de direitos fundamentais, cuja capilaridade social
é inequívoca) trafega pelas novas espécies de usucapião especial urbana, cunhadas na
Constituição de 1988 (art. 183), no Estatuto da Cidade (arts. 4º, V, j, 9º a 14) e no Código
Civil (art. 1.240), assim como instituto similar no âmbito rural (art. 191, Constituição de
1988; art. 1.239, Código Civil), previsto outrora na Constituição de 1934, no art. 98, Lei
n. 4.505/64 e no art. 1º da Lei n. 6.969/81, e coabitam com as tradicionais espécies de
usucapião do Código Civil (extraordinária e ordinária) de seus arts. 1.238 e 1.242.
Cuida-se de instituto em que há a potencialidade de controvérsias decorrentes da
própria composição normativa inferior do instituto pelo aparente conflito normativo, cuja
solução pode transitar por várias técnicas (supremacia da norma constitucional; especia-
lidade; cronologia), e que se manifestam, em especial: na accessio ou sucessio possessio-

quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua mora-
dia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
§ 1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou
a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez.
Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante
usucapião, a propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e
incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido
adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos
antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que
todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”.
25. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado, 3. ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 635-636; Silvio de Salvo Venosa. Direito civil, 7. ed.,
São Paulo: Atlas, 2007, v. V, p.199-200) ou indireta (Marco Aurélio S. Viana. Comentários
ao novo Código Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. XVI, p.48-54.
26. Francisco Eduardo Loureiro. Alguns aspectos sobre o novo Código Civil e o Urbanismo, in
Temas de direito urbanístico 4, São Paulo: Imesp, 2005, p.172-173.
27. Carlos Frederico Barbosa Bentivegna, in Comentários ao Código Civil, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p.915.

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O MINISTÉRIO PÚBLICO E A INTERVENÇÃO NO PROCESSO CIVIL 175

nis; na abrangência da dimensão total do objeto (área e/ou edificação) à vista dos limites
normativos; na inclusão ou não de posse de uso misto ou para outros fins (templos religio-
sos, associações de moradores, estabelecimentos comerciais, vias de circulação etc.); no
termo a quo da prescrição aquisitiva; no emprego de analogia ou interpretação extensiva
dos arts. 10 a 14 do Estatuto da Cidade para a instituição de propriedade coletiva e sua
extinção nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 e para as regras processuais pertinentes; na possibi-
lidade ou não de ocupação de fração ideal superior à permissão legal nas modalidades
coletivas; na delimitação do conceito indeterminado de população de baixa renda, o que
poderá ser superado por parâmetros jurídicos tomados por analogia (Leis n. 8.742/93 e n.
1.060/50, v.g.) e indicadores sociais e econômicos locais ou regionais etc. A necessidade
de atuação articulada entre os vários órgãos e respectivos plexos intestinos da organiza-
ção do Ministério Público, aliás, deve sopesar que a regularização fundiária não é restrita
a aquisição formal da propriedade, exigindo o concurso do poder público local na etapa
posterior de urbanização ou reurbanização (arts. 40 e 44, Lei n. 6.766/79; Decreto-lei n.
3.365/41, art. 5º, i; art. 4º, V, f, Lei n. 10.257/01), como forma objetiva de erradicação da
favelização, decorrente ou não de loteamentos irregulares ou clandestinos, mormente na
extinção do condomínio resultante da usucapião coletiva. Essa demanda não pode ter
desconsiderada para efeito da intervenção ministerial, inclusive nos casos que veiculam
as formas tradicionais de usucapião ou alheias ao instituto da usucapião especial, na
medida em que todas situam valores essenciais no regime jurídico.
Não bastasse uma reinterpretação das normas processuais disciplinadoras da
intervenção processual custos legis do Ministério Público (e, especificamente, a previ-
são do art. 12, § 1º, do Estatuto da Cidade e do art. 82, III, primeira parte, do Código de
Processo Civil), mais afinada com o interesse público e social à luz dos arts. 81 a 85 do
Código de Processo Civil e os arts. 127 e 129, IX, da Constituição de 1988, é, ainda,
razoável sustentar a legitimidade ativa concorrente do Ministério Público à usucapião
coletiva de imóvel urbano para fins de moradia de população de baixa renda, em que
pesem omissões legais, pois reflete os vetores de concepção de justiça social, de regu-
larização fundiária, de redução de desigualdades, e de defesa de interesses difusos ou
coletivos, sob o pálio dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal e do art. 1º, IV,
da Lei n. 7.347/85. Assim sendo, é conveniente a intervenção do Ministério Público
nos processos de usucapião, à vista da relevância social elementar e da necessidade
de articulação com o poder público para a completa e eficiente realização da política
pública de regularização fundiária, bem como pela natureza de seu objeto – a proprie-
dade, um dos valores supremos qualificados como direito fundamental.

5. à guisa de conclusão
O propósito de ensaio não é outro senão de despertar uma reflexão crítica sobre
o papel do Ministério Público como órgão interveniente qualificado no processo civil.
E também o de provocar o (re)exame da política de racionalização que não pode se
transitar sobre abstenção, dispensa ou renúncia do exercício de funções cometidas por

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lei. Atos normativos infralegais não têm força suficiente para dispensar a intervenção
(obrigatória) do Ministério Público no processo civil prevista em lei, a menos que se
trate de esclarecimento sobre a revogação implícita ou não recepção de regra pelo
advento de nova ordem constitucional. É estratégica para a instituição a intervenção no
processo civil e, notadamente, nas ações constitucionais, no mandado de segurança
e na usucapião, em razão de sua função de defensor da ordem jurídica que abrange
o controle da Administração Pública e dos conflitos sociais envolvendo valores caros
ao Estado Democrático de Direito. Essa intervenção, ademais, qualifica o Ministério
Público e conforma seu perfil constitucional como órgão constitucional independente,
assim como o regime jurídico singular de seus membros, paramétrico aos magistrados.
A abstenção de dever de atuar, nesses casos, significa denegação do direito ao devido
processo legal e tem a potencialidade de empenhar responsabilidade civil.

REFERÊNCIAS
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BENTIVEGNA, Carlos Frederico Barbosa in Comentários ao Código Civil, São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2006.
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tários à Lei Federal 10.257/2001), 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 82, coor-
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NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado,3. ed.,
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SALVADOR, Antonio Raphael Silva e SOUZA, Osni de. Mandado de segurança, São
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58-60, coordenação de Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil, 7. ed.,São Paulo: Atlas, 2007, v. V.
VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Fo-
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