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Stop-motion: De primeiro efeito-especial à técnica de animação

Marcela Kieling
Audiovisual – Tecnologia Audiovisual – Prof.ª Gisele Frederico

Centro Universitário Senac – 2023

Introdução:
Stop-motion (ou traduzindo, “movimento-parado”) é uma técnica de animação que
utiliza a fotografia de objetos inanimados em sequência, mudando-se ligeiramente a posição
ou o formato desses objetos, para criar a ilusão de movimento. A compreensão do Stop
Motion como movimentação decorre do fenômeno da Persistência Retiniana, que gera uma
ilusão no cérebro humano, dando a sensação de movimento contínuo quando há mais de 12
quadros por segundo na tela.
As técnicas de desenvolvimento e experimentações com animação em Stop-motion
surgiram em datas bastante próximas ao início do cinema, ocorrendo paralelamente à
exploração das fotografias em movimento no final da década de 1890.
Um dos precursores desta técnica foi o cineasta francês George Mèliés, criador do
ilustre “Viagem à Lua” (1902). Conhecido por fazer o uso de diversos tipos de trucagens em
seus filmes, uma das mais famosas era a parada para substituição, que nada mais é que cortes
na cena para substituição ou movimentação de algum objeto ou personagem. Os truques de
Mèliés estão diretamente associadas com a animação em Stop-motion, uma vez que esta é
justamente a produção de uma série de imagens em que cada uma possui uma pequena
alteração em relação à anterior para, quando exibidas rapidamente, criarem a ideia de
movimento.

Figura 1: Cena do filme “Le voyage dans la Lune”, de Georges Méliès, 1902.

Fonte: https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/a-magica-da-animacao/
Um pouco mais anteriormente, em 1889, o fotografo inglês Eadweard Muybridg
também realizava experimentações para conseguir imagens em movimento. Muybridg
desenvolveu uma técnica de captação instantânea de imagens, fotografando em tempos
diferentes e utilizando várias câmeras, para dar as imagens uma ilusão de movimento quando
colocadas uma após a outra.

Figura 2: Uma mulher dançando, fotogravura de Eadweard Muybridg, 1887.

Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:A_woman_dancing._Photogravure_after_Eadweard_Muybridge,_188
7_Wellcome_V0048646.jpg

Ao longo da história do cinema, a técnica de animação em Stop-motion foi se


aperfeiçoando e ficando cada vez mais elaborada. De apenas um complemento de efeitos
especiais em filmes live-action se tornou um gênero de animações bem consagrado no mundo
cinematográfico. Tendo isto posto, para delinear uma comparação entre o Stop-motion antigo
e um mais atual, este trabalho irá abordar dois grandes nomes da técnica: O King Kong (1933)
e o Noiva Cadáver (2005).

King Kong:
King Kong é um filme estadunidense de 1933, dos gêneros aventura, suspense,
fantasia e terror, dirigido por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack. Foi um os primeiros
filmes a utilizar o Stop-motion como efeito especial, uma tecnologia complementar aos filmes
em live-action. E certamente foi um dos mais icônicos, eternizando no imagético
cinematográfico o gorila gigante que luta contra aviões enquanto se segura no Empire State.
Figura 3: Fotograma do filme King Kong.

Fonte: https://viajento.com/2015/09/03/nova-york-king-kong/

Em King Kong, a animação em Stop-motion inverteu o papel de técnica complementar


a que havia sido submetida pelo live-action, e, embora se mantivesse como complemento nos
filmes, a técnica tornou os atores reais, coadjuvantes do boneco.

Para conseguir criar essa interação entre atores reais e bonecos animados, o filme
aprimorou uma outra técnica de efeitos especiais chamada rear-projection (em tradução,
projeção traseira). O rear-projection é um sistema técnico de montagem de projeções de
fotogramas nos cenários da animação, a fim de manipular a percepção de realidade. É uma
técnica que combina performances de primeiro plano com fundos pré-filmados.

Esta técnica foi utilizada da seguinte forma em King Kong: a animação do boneco em
Stop-motion era gravada previamente, e era projetada nas gravações das cenas dos atores,
assim os atores contracenavam com a projeção do boneco, permitindo que suas emoções
fossem guiadas pelas imagens em movimento. Em algumas cenas o processo se invertia,
filmava-se os atores primeiro e depois animava-se o personagem, a partir dos fotogramas
projetados em locais específicos do set.

Figura 4: – Esquema de produção de efeito visual através de rear-projection e back-projection.


Fonte: DVD, King Kong. Extras: Origens de King Kong, Milestone: efeitos visuais. 2005, Warner.

O Stop-motion utilizado no filme foi dado a partir da confecção de quatro bonecos no


total do gorila de aproximadamente 30 centímetros cada. Construídos basicamente de
alumínio, látex, borracha e pelo de coelho, os bonecos possuíam modelos de articulações
internas em materiais mais leves e mais resistentes, que possibilitava a mudança de
movimento sem que se alterasse a textura do material nem deformasse nenhuma parte. Já para
contracenar em algumas outras cenas, um rosto gigante do Kong foi construído de metal e
madeira e pele de urso, e um braço gigante mecânico também.
Para a sua época de lançamento, King Kong foi – e é ainda – um filme revolucionário
tecnologicamente. Até então, havia sim algumas experimentações do uso de Stop-motion
como complemento de filme live action, mas nada no nível de King Kong. O filme sobretudo
promoveu um tipo específico de filmes de fantasia e terror, de monstros gigantes e destruição
de cidades, algo que até aquele momento era difícil de imaginar que poderia ser gravado e
sobretudo, que ficaria acreditável, verossímil.
A efeito de comparação o mais recente filme de King Kong (o de 2017) poderia ser
utilizado também. Claramente os efeitos especiais são muito mais modernos e a interação
entre atores e gorila gigante, feito agora praticamente inteiro no computador, é bem mais
crível e orgânica. Entretanto, narrativamente falando, o filme inova pouco, sendo realmente
mais do mesmo.

Noiva Cadáver:

Noiva Cadáver é um filme de animação em Stop-motion de 2005, produzido por Tim


Burton e dirigido pelo mesmo em companhia de Mike Johnson. É um filme pensado,
viabilizado e produzido exclusivamente por Stop-motion, sem possuir interações dos
personagens com atores reais, se diferenciando de King Kong cujo Stop-Motion é um
complemento de live action.

Neste momento, o Stop-motion já era uma técnica consagrada no meio das animações,
tendo sido lançados outros curtas e até longas-metragens, e seu uso com o live action havia
caído a algum tempo devido a avanços tecnológicos na produção de efeitos especiais e
personagens feitos completamente em computação gráfica.
Nele, os personagens, que são em sua maioria esguios e muito expressivos, estilo
clássico do Tim Burton, foram os primeiros modelos de boneco a possuírem um sistema de
articulação interna que envolviam expressões faciais por revestimentos sintéticos, através de
um complexo sistema mecânico de manipulação das falas e massas de látex que compunham
as suas cabeças. Esse novo mecanismo possibilitava o movimento muscular da face, sorriso,
expressões de raiva e falas, e melhores movimentos dos personagens em si como mover partes
de seu corpo, andar e até tocar piano.
Figura 5: Mecanismos de articulação das cabeças dos bonecos de Corpse Bride

Fonte: http://www.stopmotionworks.com/corpsebridepage.htm

De fato, Noiva Cadáver é um espetáculo da tecnologia da animação. Os mais de 70


anos que o separam de King Kong (1933) evidenciam o avanço tecnológico do Stop-motion
como um todo. Enquanto o boneco de Kong se movimentava de maneira mais rígida, e sua
face contia um número mais seleto de expressões; os bonecos de Noiva Cadáver possuem
movimentos muito mais fluídos e mudanças de expressão bem súteis, algo que até então não
havia no mundo das animações em Stop-motion, pois as expressões eram dadas através da
mudança da cabeça completa dos personagens.
Para o filme foram utilizados no total 300 bonecos referentes a 30 diferentes
personagens. Em relação ao personagem da Noiva foram construídos 14 exemplares de
bonecos, e para Victor, o protagonista da história, 12 bonecos iguais.

Outra novidade alcançada por Noiva Cadáver é que foi o primeiro filme produzido
completamente em fotografia digital. A animação Stop-motion foi dada com fotografias em
câmeras still, a câmera fotográfica Canon EOS-1D Mark II, uma câmera de lentes reflex, e
por processo de transfer modificado para película 35mm. Este processo de captura em câmera
fotográfica still permitiu uma enorme popularização dos processos de realização em Stop-
motion, que antes eram todos realizados em câmeras de vídeo profissionais de 35 mm. A
produção utilizou 24 câmeras Canon EOS-1D Mark II para as distintas 24 equipes de
animação, em 24 sets simultâneos de produção. É perceptível o impacto desta novidade
tecnológica na quantidade de volume das realizações em Stop-motion, comparando-a com
curtas-metragens independentes.

Ao final da produção da animação, foram feitos também três cenários completos, num
trabalho que levou mais de três anos para ficar pronto. Para se ter uma ideia do esforço que é
produzir um filme deste tipo, uma cena de 12 minutos utilizava 8 640 fotos. São praticamente
720 fotos por minuto, mantendo a constância de 24 quadros por segundo.
Figura 6: Cena do filme “Noiva Cadáver”, de Tim Burton, 2005.

Fonte: https://www.intofilm.org/films/4197

Em conclusão, nota-se como uma mesma técnica de animação pode passar por
diversas revoluções tecnológicas e avanços em sua forma de produção em toda a história do
cinema, começando pelas primeiras experimentações cinematográficas e chegando as
produções mais recentes e modernas. Por fim, vale ressaltar aqui que por mais que King Kong
e Noiva Cadáver sejam filmes com propostas diferentes e o uso do Stop-motion também seja
para diferentes finalidades, nenhum longa perde seu valor. Ambos são filmes que foram
inovadores para suas respectivas épocas, e os estudos desenvolvidos pela realização deles
trouxeram mudanças significativas no como produzir filmes se utilizando da técnica Stop-
motion.

Referências:
BRASIL, Rildo. STOP MOTION: Uma Linguagem Artística no Ensino de Artes.
Trabalho de Conclusão de Curso, Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Sul
e Sudeste do Pará. Pará, p. 42 2018
RIBEIRO, Thiago. Animação em stop-motion: Tecnologia de produção através da
história. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais. Minas Gerais, p.
148. 2009.

ONE HUNDRED YEARS OF CINEMA. 1933: King Kong - How Early Special
Effects Created the 8th Wonder of the World. YouTube, 31 de jul. de 2017. Disponível
em: < https://www.youtube.com/watch?v=K4ViuqIdsJg >. Acesso em: 19 de junho de 2023.
DANI. MAKING OF | Noiva Cadáver. Khnum, 2015. Disponível em: <
https://khnumvfx.wordpress.com/2015/06/11/making-of-noiva-cadaver/ >. Acesso em: 19 de
junho de 2023.

DESOWITZ, Bill. 'Corpse Bride': Stop Motion Goes Digital. AWN: Animation World
Network, 2005. Disponível em: < https://www.awn.com/vfxworld/corpse-bride-stop-motion-
goes-digital>. Acesso em: 19 de junho de 2023.

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