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Divã Ocidento Oriental
Divã Ocidento Oriental
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Goethe pelo Oriente, pelo antigo mundo das A4//e uma
no/fes, pelas civilizações dos livros sagrados. Nascido do .J
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micas, o zoroastrismo, a sabedoria popular e a mística
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islâmica do sufismo, deixando transparecer a espiritua- .r
+
e
lidade panteísta que marcou a vida madura de Goethe. ]5'3: ':''X B .';':.
Aos poemas segue-se uma seção na qualo autor, em sua
prosa i nconfu ndivelmente poderosa, elucida suas fontes,
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destrincha seu fazer poético e brinda suas ideias sobre
a história da literatura e da tradução.
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TRADUÇÃO E POSFÁCIO
DANIELMARTINESCHEN À
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EDIÇÃO BILÍNGUE
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BM45 POESIA
d Tombo: 501 91 831.6
5792351
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"Divã" é uma palavra oriunda do persa (22man) e
em sentido literário significa "coletânea", "ciclo
O divã que se apresentaaqui ao leitor brasileiro,
em apuradíssima tradução, é fruto do fascínio que
o sexagenárioGoethe experimentou pela cultura
e pela poesia do Oriente, especialmente pelo seu
"gêmeo" (assim diz o poema "Ilimitado") Ha6ez,
que viveu em Xiraz no século XIV Esse Emcínio
trouxe consigo o rejuvenescimento que num dos
poemas iniciais fm o poeta exclamar: "Tu, velho
querido,/ não deves chorar;/ teu cabelo é embran-
quecido,/ mas tu vais amar". Goethe encontrou
então durante viagem pela região do Reno em
1814 Marianne von Willemer, logo transfigu-
+
rada na Zuleica, parceira amorosa do poeta, que
+
por sua vez assume o disfarce oriental de Hadem.
Desse encontro nasce o magnífico "Livro de Zulei-
ca", o mais extenso dos doze livros que compõem a
coletânea. E à semelhança do que ocorre na poesia
persa, também em Goethe o tema amoroso entre-
laça-secom outro proeminente mclivo: o vinho,
propiciador tanto do êxtaseerótico quanto do
religioso, conforme postula o "Livro da Taverna"
Ainda sob a influência de Ha6ez (e tantos outros
poetas persas e árabes), este ciclo abre amplo espaço
ao lslã, mas em sua corrente sulista, cuja mística
é intensificada por Goethe a fim de distanciar-se
de toda ortodoxia: "morre e te transformam",na
mensagem místico-religiosa de TAnelo abençoado",
poema que Manuel Bandeira outro admirador
dos gazéis hafezianos traduzirá apenas como
'IAnelo". O leitor perceberá assim estar às voltas
com uma religiosidademundana, no fundo de
caráter panteísta, e poderá talvez vislumbrar afini-
dades entre o "Livro do Paraíso", que fecha o divã
goethiano, e a última cena do Xaz/ira, igualmente
impregnada de uma religiosidade iz// gf erü, que
culmina no símbolo do Eterno-Feminino.
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Dl\n OCIDENTO-ORIENTAL
JOHANN
WOLFGANG
VON
GOETHE
TRAOUÇÃO EPOSFÁCIO
DANIEL
MARTINESCHEN
CP.ülILAC.CESAF
F 3731-52ln
Título original: West õstiícher Díz?arz
© Editora EstaçãoLiberdade, 2020, para esta tradução
G546d Talismãs 21
Quatro graças 23
Goethe, Johann WolfgangVon, 1749 1832
Divã ocidente-oriental/ West õstlicher divan/ JohannWolfgargVon Goethe ; tradução Confissão . 25
e posfácio Daniel Martineschen. - ]. ed. - São ]%ulo : Estação Liberdade, 2020. 448 p. ; 23 cm.
Elementos 27
Tradução de: West-õstlicher divan
Incluibibliografia Criado e animado 29
ISBN 978-85-7448-307-8
Cisão 31
1. Poesiaalemã.2. Poesiaalemã - História e crítica.1.Martineschen,Daniel. ll.Título. 31
Aparição
CDD:831 33
19-61870 Amável .
COU:82-1(430)
Passado no presente 35
Vanessa Magra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644
09/12/2019 12/12/2019 Poesia e forma 37
Atrevimento 37
Curto e grosso 39
A TRADUÇÃO DESTA OBRA CONTOU COM UM SUBSÍDIO DO
Toda vida 41
ê0 GOETHE EMANHA+ BRASIL
de
GOETHE-INSTITUT, FINANCIADO PELO MIINISTÉRIO DAS
RELAÇÕES EXTERIORES OA AI.EMALHA. 43
Ando abençoado.
LIVRODEHAFEZ. 47
Apelido 49
Todosos direitos reservadosà Editora EstaçãoLiberdade. Nenhuma parte da obra pode ser reprodu- Acusação 51
zida, adaptada,multiplicada ou divulgada de nenhuma forma (em particular por meiosde reprografia
ou processos digitaisj sem autorização expressa da editora. e em virtude da legislação em vigor
Fátua 53
O alemão agradece 53
Esta publicação segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, Decreto no 6.583, de
29 de setembro de 2008. Fátua 55
Ilimitado 55
EOnORA ESTAÇÃO LIBEROAOE LEOA. Tnl {t n rã n 57
Rua Dona Elisa, 116 Barra Funda 01155 030 59
São Paulo SP Tel.: (11) 3660 3180 Claro enigma
www.estacaoliberdade.com.br Aceno . 59
LIVRO DO AMOR 61 Ressonância . 195
Modelos . 63 Zuleica 197
Livro de leitura 63 Reencontro 197
Avisado 65 Noite de lua cheia 201
Imerso 65 203
Criptografia
Pensativo 67 Reflexão 205
Mau consolo 69 Zuleica . 207
Satisfeito 69 LIVRODATAVERNA 211
Saudação 71 219
Ao garçom
Entrega. 71 219
Ao escanção .
Inevitável 73 219
O escanção fala
Secreto. 73
Escanção 223
Secretíssimo. 75 227
Escanção
LIVRO DAS CONTEMPLAÇOES 77 227
Escanção
Cinco coisas. 79 Poeta 229
Cinco outras 79 Noite de verão . 231
Ao Xá Shuja e seus iguais . 87 LIVRODASllARABOLAS 237
A mais alta graça. 87 É bom. 245
Ferdusi. 89 LIVRODOl:ARSE 247
Jalal al-Din Ruma. 89 249
Legado da antiga crença persa
Zuleica 89 LIVRODOlJARAISO. 257
LIVRODOMAUHUMOR 91 Homens autorizados . 259
Paz de espírito do viandante 109 Mulheres escolhidas 263
LIVRODOSPROVÉRBIOS 115 Animais favorecidos 265
LIVRO DE TIMUR 135 267
Superior e supremo .
O Inverno e Timur . 137 Os sete adormecidos 271
A Zuleica 139 Boa noites
LIVRODEZULEICA 141
Convite. 143 NOTAS E ENSAIOS ])ARA MELHOR COMPREENSÃO
Hatem 145 DODIVAOCIDENTO ORIENTAL 279
Zuleica 147 281
Introdução
Zuleica . 149 Hebreus 282
Hadem 149 A.abes 284
Ginkgo biloba 153 Transição 290
Zuleica 191 290
Antigos persas -
Imagem sublime 193 294
O Regimento .
História 295 Do Antigo Testamento. 361
Maomé 297 lsrael no deserto 361
Califas 301 Outros auxílios
Comentário para prosseguimento 302 Peregrinações e cruzadas 378
Mahmud de Gázni 302 Marco Polo . 378
Reis poetas. 305 Jehan de Mandeville 379
Tradições 305 Pietro dellaValle 380
Ferdusi (morto em 1030) 307 Perdão 392
Anvari (morto em 1152) 308 Olearius 392
Nezami (morto em 1180) 309 Tavernier e Chardin. 393
Jalal al-Din Ruma(morto em 1262) 310 Novos e mais novos viajantes . 394
Saadi(morto em 1291 com 102 anos) 311 394
Professores: antecessores e contemporâneos
Hafez(morto em 1389). 312 Von Diez 396
Jami(morto em 1494,aos 82 anos de idade) 314 Von Hammer 401
Visão geral 314 Traduções 403
Considerações gerais. 316 Fecho finall 407
Considerações mais gerais 319 Revisão . 412
Novas, novíssimas . 320
Dúvidas 322 POSFÁCIO 415
Despotismo 323 Tn+rnd i i r :i n
417
Objeção 326 História do Díoã 418
Adendo 327 Estrutura do Díz7ã 421
Compensação 329 Traduções do Dfz7ã. 427
Tncprrãn 331 O Díoã no Brasil 431
Elementos fundamentais da poesia oriental 332 Sobre esta tradução. 434
Transiçãode tropos para símiles. 333 Leituras aprofundadas e referências. 441
Alerta 335
Hegire Hégira
Nord und West und Süd zersplittern, Norte e oeste e sul se espalham,
Throne bersten, l<eiche zittern, tronos racham, reinos falham,
Fltichte du, im reinen Osten Vai te à terra oriental,
Patriarchenluft zu kosten, sorve o ar patriarcal;
Unter Lieben, Trinken, Singen Pois no amar, beber, cantar
Soll dich Chisers Quell verjüngen. Vai Chadir te remoçar.
14 15
LIVRO DO CANTOR
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
Porta-sortes
Ta/fsmã em cornalina
Talismã?zin Karneol,
traz ao crente sorte à sina;
Glâub'gen bringt er Glück und Wohl;
quando em ónix lavrado,
Steht er gar auf Onyx Grunde,
dá-lhe um beijo consagrado l
Küíg ihn mit geweihtem Mundel
Ele afasta todo mal
elles tJbel treibt er fort,
cobre a ti e ao teu local:
Schützet dich und schützt den Ort:
se, encravada como tal,
Wenn das eingegrabne Wort
Allahs Namen rein verkündet, a palavra amar a Alá,
e ao amor te incitar.
Dica zu Lieb' und Tat entzündet.
Und besonders werden Frauen E as mulheres, sobretudo,
Sich am Talisman erbauen. tiram dele seu estudo
16 17
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Die /zzsc;zreftaber hat nichts hinter sich, Mas nada atrás da !?zscríção
se escondeu
Sie ist sie selbst und mula dir elles sagen. pois se sustenta por si e diz tudo,
Was hinterdrein mit redlichem Behagen ao que tu, em afã honesto e puro,
Du geme sagst:lch sag' esl lchl diz com gosto: "Eu digol Eul"
Freisinn Livre-senso
Lalgt mich nur auf meinem Sattel geltenl Me deixe estar sobre a minha selar
Bleibt in euren Hütten, euren Zeltenl Fiquem nas suas tendas, suas celasl
Und ich rente froh in alle Ferne, E eu voutrotaraolonge,aoléu,
Uber meiner Mütze nur die Sterne. apenas estrelas sobre o chapéu.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO CANTOR
Talismane Talismãs
Gottes ist der Orienta É de Deus o Oriente,
Gostes ist der Okzidentl é de Deus o Ocidentel
Nord und südliches Gelãnde Norte ou sul, todo torrão
Ruht im Frieden seiner Hãnde.
jaz na paz da Sua mão.
20
21
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL T .íyprn nrl r'A\Tvr"\n
Den Turbas erst, der besser schmückt Primeiro o turbante: graça tal
Als alle Kaiserkronen; nem mesmo os reis têm tanto
Ein Zelt, das man vom arte rtickt, A tenda se ergue do local
Um überall zu wohnen; pra morar em qualquer canto.
Und Blum' und Früchte weiígich euch E flor e fruta sei servir
Gar zierlich aufzutischen, a voces, mui graciosas;
Wollt ihr Moralien zugleich, se morais querem ouvir,
22 23
LIVRO DO CANTOR
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
Gestãndniss Confissão
Was ist schwer zu verbergen? Das Feuerl O queé ruim de esconder?O fogos
Denn bei Tage verrãt's der Rauch, Seao dia a fumaçao trai
Bei Nacht die Flamme, das Ungeheuer. à noite a chama o monstro, o ogro.
Ferner ist schwer zu verbergen auch Difícil de esconder ainda mais,
Die Liebe; noch se stille gehegt, O amor: guardado em cura calma,
Sie doch gar leicht aus den Augen schlãgt. pula ágil pra fora da alma.
Am schwerstenzu bergenist ein Gedicht; O pior mesmo é esconder um poema
Man stellt es untern Scheffel nicht. pois cobri-lo dá o maior problema.
Hat es der Dichter frisch gesungen, Seo poeta o recém-cantou,
Soisterganz davon durchdrungen. de poesia se encharcou;
Hat er es zierlich neta geschrieben, se o poeta o escreveu com classe,
Will er, die ganze Welt sola's lieben. quer que todo o mundo o abrace.
Er liest escedemfroh und laut, A todos lê, alegre e forte.
Ob es uns quãlt. ob es erbaut. Azar de nós -- ou será sorte?
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Elemente Elementos
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Doch mit Gebein und Glied und Kopf Ossos, membros, cuca ao topo
Blieb er ein halber Klumpen, nunca foi um bolo inteiro,
Bis endlich Noah für den Tropf até Noé achar o copo
Das Wahre band, den Humpen. que pra gota é o verdadeiro.
So, Hafís, mag dein holder Sana, Hafez, que teu beato canto,
Dein heiliges Exempel, teu santo exemplo,
Uns führen, bei der Glãser Klang, faça-nosver, taças em pranto,
Zu unsres Schõpfers Tempel. do Criador o templo.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Zwiespalt Cisão
Wenn links an Baches Raid
Se à esquerda do regato
Cupido flõtet,
Cupido canta à toa,
Im FelderechterHand
e à destra em campo vasto
Mavors drommetet,
Mavorte atroa,
Da wird dorthin das Ohr
paralá o seu ouvido
Lieblich gezogen, é docemente puxado,
Doch um desLiedes Flor
maspor ruído o florido
Durch Lãrm betrogen. da canção é perturbado
Nun flõtets immer voll
Já soa linda a flauta
Im Kriegesthunder,
em meio a um fraque
lch werde rasend,toll,
Se me agito, peralta:
lst das ein Wunder.
não é um milagre?
Forawãchst der Flõtenton, E sobe o tom da flauta,
Schall der Posaunen.
trombeta que soa.
lch irre, use schon,
Erro e saio da pauta:
lst daszu staunenl mas essa é boas
Phãnomen
Aparição
Wenn zu der Regenwand Se ao muro de chuva
Phõbus sich gattet, Febo está unido,
Gleich steht ein Bogenrand surge a sombra recurva
Farbig beschattet. em sombra colorida.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Liebliches Amável
Was doch Buntes dort verbindet Onde a cor que me apega
Mir den Himmel mit der Hõhe? firmamento com a altura?
Morgennebelung verblindet Bruma matutina cega
Mir des Blickes scharfe Sehe. no meu olho a vista pura.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Und mit diesem Lied und Wendung Com este canto e esta guinada
Sind wir wieder bei Hafisen, a Hafez retomaremos,
Denn es ziemt des Tags Vollendung pois pro bem desta jornada
com cultores cultuaremos.
Mit Genieígern zu genielgen.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Mag der Grieche seinen Ton Pode o argivo com sua argila
Zu Gestalten drücken, formas espremer,
An der eignen Hãnde Sohn sua própria mão destila
Steigern sem Entzücken; o que eleva o seu prazer;
Dreistigkeit Atrevimento
Worauf kommt es überall an.
Donde vem que em todo lado
DaB der Mensch gesundet? O Homem a si se cura?
Jeder hõret gern den Schall an, Todos ouçam de bom grado
Der zum Ton sich rundet.
O som que em tom se apura.
Alles wegl was deinen Lauf stórtl Manda embora o que te estrova l
Nur kein düsterStrebenl
SÓevita o mau quererá
Eh er singt und eh er aufhõrt Seja quieto, seja em prova,
Muíg der Dichter leben. C) poeta há de viver.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO CANTOR
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO CANTOR
Alleben
Toda-vida
Staub ist eins der Elemente, PÓ é um dos elementos
Das du gar geschickt bezwingest,
que tu moves muito hábil,
Hafis, wenn zu Liebchens Ehren
ó Hafez, quando em honra do amado
Du ein zierlich Liedchen singest. lindo canto sai-te aolábio.
Denn der Staub auf ihrer Schwelle Pois no umbral da casa dela
lst dem Teppich vorzuziehen,
o pó afasta até o tapete,
Dessem goldgewirkte Blumen
em cujas flores tão douradas
Mahmuds Günstlinge beknieen. curvam os bons de Mahamede
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DIVÃ OCIOENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO CANTOR
Tut ein Schilf sich doch hervor, Como o caldo vem da cana
Welten zu versüígenl e adoça a todo o mundo,
Muge meinem Schreibe-Rohr flua amor de minha pena
Liebliches entflieígenl
sem parar nem um segundo
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HAFISNAMEH LIVRODEHAFEZ
Beiname
Apelido
DICHTER
POETA
Mohamed Schemseddin, sage, Muhammad Samsu d-Din, então
Warum hat deinVolk, dashehre, porque oteu povo,o honrado,
HízÚsdich genannt?
chamou-te fí(zjez?
HAFIS
HAFEZ
lch ehre,
Honrado,
lch erwiedre deine Frade.
eu respondo àtua questão.
Weil in glücklichem Gedãchtnis
Porque,com feliz memória,
Des Korans geweihtVermãchtnis do Corão sagrada história
Unverãndert ich verwahre
sem mudança eu preservo,
Und damit se 6omm gebahre, e qual bom e pio servo
Dali gemeinen Tages Schlechtnis
repudio a diáriainglória
ceder mich noch die berühret
a tocar aqueles -- e a mim --
Die Prophetenwort und Samen
que a palavra e a semente
Schãtzen, wie es sich gebühret; do profeta têm na mente;
Darum gab man mir den Namen.
é por isso o nome, enfim.
DICHTER
POETA
Hafis drum, se will mir scheinen.
Bem, Hafez, me parece,
Mõcht' ich dir nicho geme weichen: não me devo a ti igualar:
Denn, wenn wir wie andre meinen,
pois quem opinião alheia tece
Werden wir den andem gleichen. a outros vai se assimilar.
Und se gleích ich dir vollkommen,
E assim me igualo a ti,
Der ich unsrer heil'gen Bücher
pois dolivro doslivrossantos
Herrlich Bild an mich genommen, bela imagem extrai:
Wie auf ienes Tuch der Tücher
daquelepano dospanos
Sich des Herren Bildnis drückte,
que aface do Senhor guardou,
Mich in stiller Brust erquickte, meu peito em calmaserenou
TrotzVerneinung, Hindrung, Raubens,
com negação, óbice, rapinagem
Mit dem heitern Bild desGlaubens.
com a fé e sua serena imagem.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE HAFEZ
Anklage Acusação
Wilgt ihr denn, auf wen die Teufel lauern, Sabem quem o diabo espreita no escuro,
In der Wüste, zwischen Fels und Mauern? no deserto, entre as pedras e o muros
Und, wie sie den Augenblick erpassen, E, quando aguardam apenas o momento
Naco der Hõlle sie entführend fassen? de seduzir pro Inferno adentroP
Lügner sind es und der Bõsewicht. São mentirosos, e o vilão.
Der Poete, warum scheut er nicho Poeta, onde está tua vexação
Sich mit solchen Leuten einzulassenl
de ter com essagente envolvimento?
Weilg denn der, mit wem er geht und wandelt? Mas sabecom quem vive e transfigura?
Er, der immer nur im Wahnsinn handelt. Aquele que só opera na loucura.
Grenzenlos, von eigensinn'gem Lieben, Sem limite, de amor obstinado,
Wird er in die Õde fortgetrieben, levam-no a território assolado;
Seiner Klagen Reiml in Sand geschrieben, seu lamento, na areia gravado,
Sind vom Winde gleich verjagt; logo o vento leva embora;
Er versteht nicho, was er sagt, o que diz eleignora.
Was er sagt, wird er nicho halten. O que diz não vai guardar.
Doch semLied, man lãlgt es immer walten, Mas seu canto fazem sempre soar,
Da es doch dem Koran widerspricht. pois ele contradiz o Corão.
Lehret nun, ihr, des Gesetzes Kenner, Ensinem, vocês, que sabem da lei,
Weisheit-fromme, hochgelahrte Mãnner, grandes doutos, sábios desta grei,
Treuer Mosleminen feste Pflicht.
ao fiel muçulmano a obrigação.
50 51
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DE F{AFEZ
Fetwa
Fátua
Hafis' Dichterzüge, sie bezeichnen
Os versos de Hafez eles mostram
Ausgemachte Wahrheit unauslõschlích;
verdades arranjadas, indeléveis;
Aber hie und da auch Kleinigkeiten
mas aqui e ali também miudezas
Aulgerhalb der Grenze des Gesetzes.
para fora dos limites da lei.
Willst du sicher gehn, se mulgt du wissen,
Sequiseres andar seguro, deves
Schlangengift und Theriak zu sondern --
distinguir peçonha e teriaga --
Doch der reinen Wollust edler Handlung mas entregar-se ao nobre ato
Sich mit frohem Mut zu überlassen,
de volúpia pura em boa vontade,
Und vor solcher, der nur ew'ge Pein folgt,
e proteger-se, com bom senso,
Mit besonnenem Sinn sich zu verwahren,
daquilo que leva ao tormento eterno,
lst gewiB das peste, um nicht zu fehlen.
é mesmo o melhor, pra não errar.
Diesel schrieb der arme Ebusuzídeuch,
Isso escreveu-lhes o pobre Eb ísuude,
Gota verzeih ihm seine Sünden alle.
Deus perdoe-lhe todos seuspecados
52
53
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE HAFEZ
Fetwa Fátua
Der Mufti las des À4ísrí Gedichte, Poemas de Mísrí o mufti os leu,
Eins nach dem andem, alle zusammen, um a um, todosjuntos numa trama,
Und wohlbedãchtig warf sie in die Flammen, e, deliberado, jogou na chama:
Das schõngeschriebne Buch, es ging zu nichte. o livro bem escrito se foi no breu.
Verbrannt sei feder, sprach der hohe Richter, Disse o grão-juiz: que se queime e mate
Wer spricht und glaubt wie Mís7"f er allein quem falar e pensar qual À4ísr] -- só e]e
Sei ausgenommen von des Feuers Pein: se excluída dor do fogo:pois Ele,
Denn Allah gab die Gabe cedemDichter. Alá, deu o dom a todo vate.
Miígbraucht er sie im Wandel seiner Sünden, Use-o mal no andar de seus pecados,
So seh' er zu mit Gott sich abzufínden com Deus passará por maus bocados.
Unbegrenzt Ilimitado
Dali du nicho enden kannst das macht dich groíg, Te engrandece que não tens término
Und dali du nie beginnst, das ist dein Los. e que não comeces, é o teu destino.
Dein Lied ist drehend wie das Sterngewõlbe, Teu poema gira como o firmamento,
Anfang und Endeimmer fort dasselbe, fim e início, o mesmo eternamente.
Und was die Mitte bringt ist offenbar E o que o meio traz sabe-se bem:
Das was zu Ende bjeibt und Anfangs war. o que fica no fim e era na origem.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DE HAFEZ
Nachbildung Imitação
In deine Reimart hoff' ich mich zu finden,
Nas tuas rimas espero me achar,
Das Wiederholen soll mir auch gefallen, repetir-te vai ser,sim, muito bom,
Erst werd' ich Sinn, sodann auch Worte finden; de início o sentido, e aí verbos achar;
Zum zweitenmal soll mir kein Klang erschallen, duas vezes não terei nenhum som:
Er mülgte denn besondern Sina begründen, ele deve ter um sentido a fundar,
Wie du's vermagst begünstigter vor allen. qual fazestu, de nós quem tem mais dom
Denn wie ein Funke fãhig zu entzünden Pois, qual faísca capaz de inflamar
Die Kaiserstadt, wenn Flammen grimmig wallen, a cidade do Rei, chamas sem proporção.
Sich Wind erzeugend,glühn von eignen Winden,
ventando-se, queimam de próprio ar,
Er, schon erloschen, schwand zu Sternenhallen; ela, extinta, estrela sumiu no salão;
So schlang'svon dir sich fort, mit ew'gen Gluten tal veio, a mim, de ti eterna chama
Ein deutsches Herz von frischem zu ermuten.
que um peito teuto renova e inflama.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE HAFEZ
Wink Aceno
Und doch haben sie recht, die ich schelte: Mas têm razão os que censuro
Denn daRein Wort nicht einfach gere pois é claro que a palavra
Das mülgte sich wohl von selbst verstehn. não tem só um sentido puro
Das Wort ist ein FãcherlZwischen den Stãben Pelas hastes do leque a palavra
Blicken ein Paar schóne Augen hervor. um belo par de olhos espreita
Der Fãcher ist nur ein lieblicher Flor, O leque é só um buquê doce,
Er verdeckt mir zwar das Gesicht; que de fato oculta a face,
Aber dasMãdchen verbirgt er nicht, mas a moça nao se esgueira,
Wei] das schõnste was sie besitzt pois o mais belo que ela tem
Das Auge, mir in's Auge blitzt. o olho, no olho me rejampeia.
58 59
USHKNAMEH LIVRO DO AMOR
Sabe mir,
Diz,a
Was mean Herz begehrt?
Que anseia meu coração?
Musterbilder Modelos
Hór und bewahre Ouve, lembra de cor
Sechs Liebespaare. seis pares de amor.
Wortbild entzündet, Liebe schürt zu Palavra atiça, amor a queimar
Rustan und Rodawu Restam e Rodava.
Unbekannte sind sich nah: Desconhecidos, venham cá:
Jussuph und Suleika. lussuf e Zuleica.
Liebe, nicht Liebesgewinn: O amor não dá ganho ao Hm:
Ferhad und Schirin Ferhad e Xirin
Nur für einander da: Unidos, como em baila:
Medschnun und Leila. Majnun e Laila.
Liebend im Alter sah Velho, admirando está
Dschemil auf Boteinah Jamil a Botainá.
Sülge Liebeslaune, Um doce humor sem regra,
Salomo und die Braunel Salomão e a negral
Hast du sie wohl vermerkt, Se tens isto bem guardado,
Bisa im Lieben gestãrkt. és na vida reforçado
62 63
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO AMOR
Gewarnt Avisado
Auch in Locken hab ich mica Em cachoseu também
Gar zu gern verfangen, gostei de me enredar.
Und se, Hafis, wãr's wie dir Ah, Hafezl E se a mim
Deinem Freund ergangen. o mesmo se fosse passará
Versunken Imerso
Voll Locken kraus ein Haupt se rundl -- Cabeça redonda de crespa cacheadol
Und darf ich dann in solchenreichen Haaren E se passo em ricos cabelos tais
Mit vollen Hànden hin und wider fahren as mãos cheias pra frente e pra trás,
Da fühl ich mica von Herzensgrund gesund. sinto-me no âmago revigorado.
Und küss' ich Stirne, Bogen, Auge, Mund, Beijo lábios, pestana, olhos um bocado,
Dann bin ich frisch und immer wieder wund. então estou vivo e de novo esfolado.
Der fünfgezackteKamm, wo sollt er stocken? O pente de cinco dentes, onde guardar?
Er kehrt schon wieder zu den Locken. Prós cachosjá deve retornar.
Das Ohr versagt sich nicho dem Spiel, Nem o ouvido vai deixar de jogar:
Hier ist nicht Fleisch,hier ist nichoHaut, não é só carne ou pele, ora essa,
So zart zum Scherz se liebeviell
tenra pra brincar, pronta pra amar,
Doch wie man auf dem Kõpfchen kraut, mas quando acariciamos a cabeça,
Meanwird in solchen reichen Haaren
passamosem ricos cabelostais
Für ewig auf und nieder fahren. sempre as mãos pra frente e pra trás.
So hast du, Hafis, auch getan, Assim também fizeste, Hafez;
Wir fangen es von vornen an. recomecemos por nossa vez.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO AMOR
Bedenklich Pensativo
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO AMOR
Genügsam Satisfeito
»Wie irrig wãhnest du,
"Quão errado disparadas
Aus Liebe gehõre das Mãdchen dir zu.
que só com amor a moça aias?
Das kõnnte mich nun gar nicho freuen,
Isso jamais me alegrada,
Sie versteht sich auf Schmeicheleien.«
Pois ela gosta de galanteria."
DICHTER
POETA
lch bin zufrieden, dali ich's habel
Sou feliz porque eu a tenhol
Mir diene zur Entschuldigung: Razão tenho e sou astuto:
Liebe ist freiwillige Gabe,
Amor é dom sem empenho,
Schmeichelei Huldigung. Bajulação é tributo.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO AMOR
Gruíg
Saudação
O wie selig ward mira
Im Lande wandl' ich Oh, como sou abençoados
Perambulopela terra
Wo Hudhud über den Weg lãuft. Hudhud é o nome árabe para
Des alten Meeres Muscheln, onde Hudhudt passano caminho.
a poupa eurasiática juRaRa
As conchas do velho mar
Im Stein sucht ich die versteinten epops), ave descrita no Antigo
Entrega
»Du vergehst und bisa se freundlich,
"Tu passas e és tão amigo,
Verzehrst dich und singst se schõn?<<
Tão bem cantas no teu evolarl
DICHTER
POETA
Die Liebe behandelt mich feindlichl
O amor me tem como inimigos
Da will ich gera gestehn
lch finge mit schweremHerzen. Admito sem pesar
Canto com o peito em dor.
Sieh doch einmal die Kerzen,
Mas vê a vela, que em ardor,
Sie leuchten, andem sie vergehn.
Ilumina ao se passar.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO AMOR
Unvermeidlich Inevitável
Wer kann gebieten den Võgeln. Quem é que manda as aves
Still zu sem auf der Flur?
ficarem quietas no prado?
Und wer verbieten zu zappeln E quem proíbe agitar-se
Den Schafenuntar der Schur?
o cordeiro que está amarrado?
Wer will mir wehren zu singen Quem é que proíbe meu canto
Nach Lusa zum Himmel hinan?
alegre aos céus acimaP
Den Wolken zu vertrauen Confiando àsnuvens
Wie lieb sie mir's angetan. o quanto ela me anima.
Geheimes Secreto
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO AMOR
Geheimstes
Secretíssimo
>»Wir sind emsig,nachzuspüren,
"Nós, os fofoqueiros,
Wir, die Anekdotenjàger,
estamos muito preocupados
Wer dein Liebchen sei und ob du
quem é tua amada, e se tu
Nicho auch habest viele Schwàger. não tens muitos cunhados.
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TEFKIR NAMEH LIVRO DAS CONTEMPLACOES
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DAS CONTEMPLAÇÕES
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DAS CONTEMPLAÇÕES
Lieblich ist des Mãdchens Blick, der winket, Amável é o olhar da moça que acena,
Trinkers Blick ist lieblich eh er trinket,
olhar do ébrio é amável antes da cena.
Gruíg des Herren der befehlen konnte,
aceno do senhor que sabe mandar,
Sonnenschein im Herbst der dich besonnte.
luz do sol no outono que te fez pensar
Lieblicher als alces diesel habe
Mais amável que tudo isso, tem
Stets vor Augen, wie sich kleiner Gabe
emvista: como,por um vintém,
Dürft'ge band se hübsch entgegen drãnget, a bela mão carente se estende
Zierlich dankbar was du reichst empfãnget. a apanhar, grata, o que despendes.
Welch ein Blickl ein Gruígl ein sprechendStrebenl
Que olhará que acenos um alto quererá
Schaues recht und du wirst immer geben. Olha bem, e sempre vais oferecer.
t
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DAS CONTEMPLAÇÕES
Man sagadie Gãnse wãren dumm, Diz-se que os gansos são tolos
OI glaubt mir nicht denLeuten: Ahl Não creio nessepovo:
Denn eine sieht einmal sich rum vê: uns torcem os seus colos
Mich rückwãrts zu bedeuten.
pra me ver recuar de novo.
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DIVÃ OCIDENTO ORIENTAL
LIVRO DAS CONTEMPLAÇÕES
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DAS CONTEMPLAÇÕES
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DAS CONTEMPLAÇÕES
Ferdusi
Ferdusi
SPRICHT
FALA
O Weltl wie schamlosund boshaft du bistl Ó mundos és indecente e malvados
Du nãhrst und erziehest und tótest zugleich. Alimentas, educame matas como ninguém
Washeiígt denn Reichtum? -- Eine wãrmende Sonne, Que é riqueza? -- Um sol que aquece,
GenieBt sie .der Bettler, wie wir sie genieígenl que o pedinte desfruta, e nós também.
Es muge doch keinen der Reichen verdrieígen
Que entre os ricos não aborreça ninguém
Des Bettlers im Eigensinn selige Wonne. o pedinte, que em enlevo se apetece.
Dschelâl-Eddín Ruma
Jalal al-Din Ruma
SPRICHT
FALA
Verweilst du in der Welt, sie flieht als Traum, Se ficas no mundo, ele foge qual sonho,
Du reisest, ein Geschick bestimmt den Raum,
Viajas, o espaçoda sina é risonho;
Nicho Hitze, Kãlte nicho vermagst du festzuhalten, Calor ou frio, nada podes conter,
Und was dir blüht, sogleich wírd es veralten.
E o que te floresce,já vaifenecer.
Suleika Zuleica
SPRICHT
LULA
Der Spiegelsagtmir: ich bin schõnl
O espelho me diz que sou lindas
Ihr saga: zu altern sei auch mein Geschick.
Dizem que envelhecer é o meu destino
Vor Golf mula alles ewig stehn, Aos olhos de Deus a vida é infinda;
In mir liebt Ihn, für diesel Augenblick. Neste instante. amai em mim o Divino
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KrNDJI NAMEH LIVRODOMAUHUMOR
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRODO MAU HUMOR
In schauerlichen Nãchten,
Em noites de pesadelos,
Bedrohet von Gefechten; acossado porduelos;
Das Stõhnen der Kamele
o camelo e seu gemido
Durchdrang das Ohr, die Sede, cruza a alma e o ouvido;
Und dererdie sie führen
e o condutor, por sua vez,
Einbildung und Stolzieren. cruza o orgulho e a altivez
t +
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO MAU HUMOR
Und se band ich's denn auch fuste Sempre achei muito correto,
In gewissen Antichambern, nas antessalas adentro,
Wo man nicho zu sondern wuígte onde não se sabe ao certo:
Mãusedreck von Koriandern. se coca de rato ou coentro?
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO MAU HUMOR
Befindet sich einer heiter und gut, Se alguém está alegre e bem,
Gleich will ihn der Nachbar pein'gen. vem vizinho incomodar;
Solangder Tüchtige lebt und tut, Sevive certo o homem de bem
Móchten sie ihn geme stein'gen. vem o mundo apedrejar.
lst er hinterher aber tot, E depois? Se ele morre,
Gleich sammeln sie grotge Spenden. bom montante é recolhido,
Zu Ehren seiner Lebensnot
ergue-se então uma torre
Ein Denkmal zu vollenden; em honra desse sofrido;
Doch ihren Vorteil sollte dann
essa gente deveria
Die Monge wohl ermessen,
pensar bem seu rendimento,
Gescheiterwãr's, den guten Mann este homem estaria
Auf immerdar vergessen. bem melhor no esquecimento.
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LIVRO DO MAU HUMOR
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO MAU HUMOR
Denn die Menschen sie sind gut, Pois a gente, ela é boa,
Würden besser bleiben, mas melhor ficaria
Sollte nicht wie's einer tut,
não fizesse uma pessoa
Auch der andre treiben. como outra faria.
Auf dem Weg da ist's ein Wort, O caminho é bem falado
Niemand wird's verdammen: dele não falarão mal:
Wollen wir an Einen Ort,
melhor ir acompanhado
Num wir gehn zusammen. se for a este local.
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DIVÃ OCIDENTO ORIENTAL
LIVRO DO MAU HUMOR
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTA LIVRO DO MAU HUMOR
Aber ihr wollt' besser wissen. Mas vocês têm sua certeza
Was ich weilg, der ich bedachte de saberem mais que eu,
Was Natur, für mich beflissen, que escutei a Natureza,
Schon zu meinem Eigen machte. e este estudo tornei meu.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO MAU HUMOR
\A/anderers Gemütsruhe
Paz de espírito do viandante
In dem Schlechtenwaltet es
No Mal elas prosperam
Sich zu Hochgewinne,
para um alto ganho;
Und mit Rechtem schaltet es
e no Bem é que operam
Ganz nach seinem Sinne.
bem do seu tamanho.
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LIVRO DO MAU HUMOR
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO MAU HUMOR
Argert's jemand, daíg es Gota gefallen Quem não gostar que guarda e sorte
Mahomet zu gõnnen Schutz und Glück. Deus quis dar a Maomé,
An den stãrksten Balken seiner Hallen no feto, na viga mais forte,
Da befestig' er den derben Strick, amarre corda, suba e até
Knüpfe sich daranl das hàlt und trãgt, se pendure nelasMire e veja:
Er wird fühlen, dali sem Zorn sich lega. verá que Sua fúria se despeja.
t t
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HIKMETNAMEH LIVRODOSPROVERBIOS
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DOS PROVÉRBIOS
Talismane werd ich in dem Buch zerstreuen, Talismãs no livro quero diluir
Das bewirkt ein Gleichgewicht. pra que tudo pese o mesmo.
Wer mit glãub'ger Nadel sticht Crente, espeta a agulha a esmo
Überall soll gumesWort ihn freuen. palavra boa vais fruir.
t t
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DOS PROVÉRBIOS
überall will jeder obenauf sem, Sempre há o que quer estar por cima
Wie's eben in der Welt se geht. é o que acontece neste mundo.
Jeder sollte freilich grob sem, Cada um é lide para ser bruto,
Aber nur in dem, was er versteht. mas apenasnaquilo que domina.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DOS PROVÉRBIOS
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Einen Helden mit Lusa preisen und nennen Nomear e louvar um herói com prazer
Wird jeder, der selbstals Kühner stritt. sabe aquele que lutou com bravura.
Des Menschen Wert kann niemand erkennen O valor humano só vai reconhecer
Der nichoselbstHitze und Kãlte litt. quem sentiu toda temperatura.
Gumestu rein aus des Guten Liebe, Faze o bem por amor ao bem,
Wasdu tust. verbleibt dir nicht; o que fazes não te pertence;
Und wenn es auch dir verbliebe, se te pertencesse também,
Bleibt es deinen Kindern nicht. aos teus filhos não permanece
Soll man dich nicht aufs schmàhlichste berauben, Pra que um vil ladrão não limpe tua despensa,
Verbirg dein Gold, dein Weggehn, deinen Glauben. esconde teu ouro, tuas fugas, a tua crença.
t +
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTA LIVRO DOS PROVÉRBIOS
Wie kommt's, dali man an cedemOrte Como pode que em cada cantinho
Soviel Gutes, se viel Dummes hõrt? se ouça coisas boas, coisas reles?
Die Jüngsten wiederholen der Áltesten Worte, Jovensrepetemo que diz um velhinho
Und glauben, dali es ihnen angehõrt. e acreditam que pertença a eles.
>>Warum
ist Wahrheit fern und weit? "Por que a verdade está na lonjura?
Birgt sich hinab in tiefste Gründe?<. Escondida em tão grande fundura?"
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DIVÃ OCIDENTE-ORIENTAL LIVRO DOSPROVÉRBIOS
Als ich einmal eine Spinne erschlagen, Quando matei uma aranha certo dia
Dacht ich, ob ich das wohl gesollt? pensei: será que agi certo?
Hat Gott ihr dochwie mir gewollt Quis Deus que ela, decerto,
Einen Anteil an diesel Tagenl como eu também vivesse este dia?
»Dunkel ist die Nacht, bei Gott ist Licht. 'A noite é escura, a luz está em Deus.
\Varum hat er uns nicht auch se zugericht?« Por que não fez assim os filhos Seus?
t +
Wer schweigt, hat wenig zu sorgen, Quem cala tem pouco a temer,
Der Mensch bleibt unter der Zunge verborgen. sob a língua é possível se esconder
t +
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DIVÃ OCIOENTO-ORIENTAL LIVRO DOS PROVÉRBIOS
Wofiir ich Allah hõchlich danke? Por que dou tanta graça a Alá?
Dali er Leiden und Wissen getrennt. Ele separou a dardo saber.
Verzweifeln mülgte jeder Kranke Em aflição o doente cairá
Das Ubel kennend wie der Arzt es kennt se a doença como médico entender
Nãrrisch, dali jeder in seinem Falle Não é tolice que sua opinião
reine besondere Meinung preistl cada um queira enaltecer?
Wenn /s/am Gota ergeben heilgt, Selslã é a divina submissão,
In lslam leben und sterbenwir alce no lslã vamosviver e morrer
+
t
Wer auf die Welt kommt, baut ein neues Haus, Quem vem ao mundo faz uma casa
Er geht und lãlgt es einem zweiten, e quando vai um outro chega,
Der wird sich's anders zubereiten e de outro modo se aconchega,
Und niemand baut es aus. e ninguém termina a casa.
Wer in mein Haus tritt, der kann schelten, Quem me visita pode clliticar
Was ich lieíg viele Jahre gelten; o que anos durou no mêu ]ar;
Vor der Tür aber mülgt er passen mas porta afora deve saber:
Wenn ich ihn nicht wollte gelten lassen. eu digo o que varou não valer
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DOSPROVÉRBIOS
t t
»Wasbrachte Lokman nicht hervor, '0 que Lucman não nos trouxe,
Den man den garst'gen hieígl« ele que chamavam de fenol"
Die Süígigkeitliegt nicht im Rohr, A cana em si não é doce
Der Zucker der ist süíg. sem que açúcar seja feito.
t t
»Wasschmückstdu die eine Hand denn nun "Por que enfeitam aquela mão
Weit mehr als ihr gebührte?« mais do que pode merecer?"
Wassollte denn die linke tun, O que resta à esquerda então,
Wenn sie die Recite nicht zierte? senão a direita enaltecer?
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DOS PROVÉRBIOS
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Betrübt euch nicht, ihr guten Seelenl Ó boas almas, não se iludaml
Denn wer nicht fehlt, weilg wohl, wenn andre fehlen; Quem não falha vê onde outros falham;
Allein wer fehlt, der ist erst recht daran, mas só quem falha consegue saber,
Er weiíg nun deutlich, wie sie wohl getan. pois viu com os outros como fazer.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DOS PROVÉRBIOS
Die Flui der Leidenschaft, sie stürmt vergebens A maré da paixão, ela avançaem vão
Ans unbezwungne leste Land. -- contra a terra firme e incontida
Sie wirft poetische Perlen an den Strand, Deixa pérolas poéticas no chão,
Und dasist schon Gewinn desLebens. e isso já é um ganho na vida.
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TIMURNAMEH LIVRO DE TIMUR
DIVÃ OCIOEN'rO-ORIENTAL LIVRO DETIMUR
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DETIMUR
An Suleika AZuleica
Dir mit Wohlgeruchzu kosen, Praaromar-te de carícias
Deine Freuden zu erhõhn, eelevartuas alegrias,
Knospend müssen tausend Rosen devembotões de rosas mil
Erst in Gluten untergehn. desfazer-seno brasil.
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SULEIKA NAMEH LIVRODEZULEICA
Einladung Convite
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DaB Suleika von Jussuph entzückt war QueZuleica por Joséfoi encantada
lst keine Kunst, não é nada novo;
Er war jung, Jugendhat Gunst, era moço, graça de quem é novo;
Er war schõn, sie sagen zum Entzücken, erabelo, dizem, era de encantar;
Schõn war sie, konnten einander beglücken. era bela, podiam se deleitar.
Aber dali du, die se lange mir erharrt war. Masque tu, que me foste aguardada,
Feurige Jugendblicke mir schickst, jovens olhos de fogo me remetas,
Jetzt mich liebst, mica spãter beglückst, me amei já, depois me deleites:
Das sollen meine Lieder preisen isso em meus cantos exaltarei,
Sollst mir ewig Suleika heiígen. Zuleica sempre te chamarei.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
Hatem Hatem
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DE ZULEICA
Suleika Zuleica
Hochbeglückt in deiner Liebe Bendita teu amor me faz,
Schelt ich nicho Gelegenheit, eu nao perco a ocasião;
Ward sie auch an dir zum Diebe, seela bandido te faz,
Wie mich solch ein Raub erfreutl
feliz faz-me a espoliaçãol
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
Suleika
Zuleica
Hatem batem
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DE ZULEICA
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
SULEIKA ZULEICA
Sag,du hast wohl viel gedichtet? Então poetaste bastante?
Hin und her dein Lied gerichtet? -- Canções aqui, ali, adiante?
Schõne Schrift von deiner Hand, Bem escritas, da tua mão,
Prachtgebunden, goldgerãndet, capa boa,borda dourada,
Bis auf Punkt und Strich vollendet, cada vírgula bem colocada,
Zierlich lockend, manchen Band. uma linda coleção.
Stets,wo du sie hingewendet Certamente, quando usada.
War's gewiíg ein Liebespfand? do amor era a caução.
HATEM BATEM
Jal von mãchtig holden Blicken, Siml de olhares muito meigos,
Wie von lãchelndem Entzücken de sorrisos benfazejos,
Und von Záhnen blendend klar. dentes luzem, ofuscantes.
Moschusduftend Lockenschlangen, tranças-cobra almiscaradas,
Augenwimpern reizumhangen, pestanasdoce-emolduradas,
TausendfãltigeGefahrl mil vezespericlitantesl
Denke nun wie von se langem Zuleica profetizada
Prophezeit Suleika war. foi, olha, em tempo distante.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
SULEIKA
ZULEICA
Die Sonne kommtl Ein Prachterscheinenl Lá vem o SolaQue majestades
Der Sichelmond umklammert sie . A crescente o enleia.
Wer konnte solch ein Piar vereinen? Quem fez deste par unidade?
Dies Rãtsel, wie erklãrt sich's? Wie? E esseenigma, quem o clareia?
MATEM BATEM
Der Sultan konnt' es, er vermãhlte O sultãol pois ele casou
Das allerhõchste Weltenpaar, o par mais alto do céu,
Um zu bezeichnenAuserwãhlte, escolhidos designou:
Die Tapfersten der treuen Schar. valentes da greifiel.
Auch sei's ein Bild von unsrer Wonnel Seja o modelo do nosso prazerl
Schon seh ich wieder mich und dich, Logo revejo, a mim e a ti:
Du nennst mich, Liebchen,deine Sonne, me chamasSol, meu bem-querer,
Komm, süígerMond, umklammre michl vem, doce Lua, enleia mel
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
Komm. Liebchen, komml umwinde mir die Mütze Meubem-querer, veml adorna-me a testa
Aus deiner Hand nur ist der Tulbend schón. sóa tua mão faz o mais belo turbante.
Hat Abbas doch, auf Irans hõchstem Sitze, Abas,rei do Irã, em dia de festa,
Sem Haupt nicho zierlicher umwinden sehn. não conseguia ser mais elegante
Ein Tulbend war das Band, das Alexandern Alexandre portou tal faixa, o turbante
In Schleifen schõn vom Haupte fiel queem cachosnos ombros Ihe caía,
Und allen Folgeherrschern, jenen Andem, ea todos outros, seus pós-reinantes,
Als Kõnigszierde wohlgefiel. como real adereço apetecia.
Ein Tulbend ist's der unsern Kaiser schmücket, É o turbante que o nosso rei enfeita,
Sie nennen's Krone. Name geht wohl hino chamam coroa. Designação final
Juwel und Perlel sei das Aug entzücketl Jóiae pérolas o olho se deleita.
Der schõnste Schmuck ist stets der Musselin. O mais belo enfeite, ora, é a musselina
Und diesen hier, ganz rein und silberstreifig, Eesteaqui, com prata e puro inteiro,
Umwinde, Liebchen, um die Stirn umher. enrole,amor, para adornar-me a testa.
Was ist denn Hoheit? Mir ist sie gelãufigl O que é grandeza? Algo já corriqueiros
Du schaust mich an, ich bin se grolg als er. Sougrande como Ele: teu olho atesta.
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Nur wenig ist's, was ich verlange, Eu não sou de pedir muito,
Weil eben alces mir gefãllt, porque tudo já me agrada,
Und diesel wenige, wie lange, e este pouco, quando muito,
Gibamir gefãllig schon die Weltl o mundo dá de mão beijada
Oft sitz ich heiter in der Schenke No bar estou sempre feliz,
Und heiter im beschrãnkten Haus; feliz na casarestrita;
Allein sobald ich dein gedenke, logo que penso em ti,
Dehnt sich mein Geist erobernd aus seexpande a mente em conquista
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DE ZULEICA
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
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SULEIKA ZULEICA
Volk und Knecht und Überwinder Povo e escravo e o vencedor
Sie gestehn, zu feder Zeit, têm unanimidade:
Hõchstes Glück der Erdenkinder dos filhos da Terra o esplendor
Sei nur die Persõnlichkeit. é a personalidade.
MATEM HATEM
Kann wohl seinl se wírd gemeinet; Pode será assim foi dito;
Doch ich bin auf andrer Spur: mas exploro uma outra frente,
Alles Erdenglückvereinet todo esplendorunido
Find'ichin Suleikanur. vejo em Zuleica somente
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
Wollte, wo nicht gar ein Rabbi, Quisera-- não que um rabino se use;
Das will mir se recht nicho ein; talvez não seja o melhor
Doch Ferdusi,Motanabbi, Mlotanabbi ou Ferdusi
Allenfalls der Kaiser sem. fosse, enfim, o imperador.
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HATEM BATEM
Wie des Goldschmieds Basarlãdchen Sobre o ourives no bazar
MADCHEN MOÇAS
Zuleica e seus encantosl
Singst du schon Suleika wiederl
Diese kónnen wir nicht leiden, Não podemos suporta-la,
Nicht um dich -- um deine Lieder não por ti -- por teus cantos
Wollen, mtissen wir sie neiden. temos, temos que inveja-la.
Aber eben weil wir hübsch sind Mas justo por sermos belas
Mõchten wir auch gern gemalt sem. ser pintadas queremos,
e se pedes preço justo,
Und, wenn du es billig machest,
Sollst du auch recht hübsch bezahlt sem belamente pagaremos.
HATEM BATEM
Moreninhal Até és bonitas
Brãunchen komml es wird schon gehen;
Tranças, pentes dão beleza
Zõpfe, Kãmme, grolg'und kleine,
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
Und se kónnt ich alle loben Eis que assim eu todas amo,
Und se kõnnt ich alle lieben: eis que assim eu todas travo
Denn se wie ich euch erhoben quando assim eu as aclamo,
War dãe Herrin mit beschrieben a Senhora assim aprovo-
MADCHEN MOÇAS
Dichter will se geme Knecht sem, Poeta só quer servo ser,
Weil die Herrschaft draus entspringet; é disso que o poder vem;
Doch vor allem sollt ihm recht sem, sobretudo deve certo ser
Wenn das Liebchen sejber singet. quando o amor canta também
lst sie denn des Liedes mãchtig? Faz canção que se respeita?
Wie's auf unsern Lippen waltet: Como em nossoslábios passa
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
MATEM BATEM
Nun wer weilgwas sie erftilletl Bem, quem sabe dos seus feitos?
Kennt ihr solcher Tiefe Grund? Onde sua força se entoca?
Selbstgefühltes Lied entquillet, Jorram cantos tão perfeitos
Selbstgedichtetes dem Mund. prontos,belos,da sua boca.
MADCHEN MOÇAS
Merke wohl, du hast uns eine Tu nos trocaste, vê bem,
Jener Huris vorgeheucheltl por uma huri fingida;
h4agschon sem,wenn es nur keine pode ser que mais ninguém
Sich auf diesel Erde schmeichelt. se deixe ser seduzidas
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
HATEM BATEM
Lockenl haltet mich gefangen Cachosl têm-me enredado
In dem Kreíse des Gesichtsl nesta face redondas
Euch geliebten braunen Schlangen Teu castanho serpenteado
Zu erwidern hab ich nichos. não deixa quelheresponda
SULEIKA ZULEICA
Nimmer will ich dich verlierenl Te perder? Não, nada dissol
Liebe gibader Liebe Kraft. Amar nn nmnr dá fnr,-n
Magst du meine Jugend zieren PndPC dP''arar mPI l tri.-n
Mit gewalt'ger Leidenschaft. com paixão que reforça.
Acha wie schmeichelt's meinem Triebe. Ail me excita o adulador
Wenn man meinen Dichter preist:? do poeta favorito;
Denn dasLeben ist die Liebe, pois a vida é o amor,
Und des Lebens Leben Geist. vida da vida é o espírito.
t +
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
Bisadu von deiner Geliebten getrennt Sea amada não te está rente,
Wie Orient vom Okzident, como o Oriente do Ocidente,
Das Herz durch alia Wüsten rennt, no ermo o peito está corrente
Es gibt sich überall selbst das Geleit, Para todos os amantes
Für Liebendeist Bagdadnicht weit. Bagdánão está distante.
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OI dali der Sinnen doch se viele sindl Nossos sentidos são muitos, não negou
Verwirrung bringen sie ins Glück herein. Na nossa vida eles trazem o absurdo.
Wenn ich dich sehewünsch ich taub zu sem. Seeu te vejo, queria ser surdo;
Wenn ich dich hõre blind. se te ouço, cego.
Auch in der Ferne dir se nahl Mesmo longe tão perto de til
Und unerwartet kommt die Qual. Inesperados vêm os ais.
Da hõr ich wieder dich einmal, Já te ouço uma vez mais:
Auf einmal bisa du wieder dal de uma vez já estás aquil
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
SULEIKA ZULEICA
An des lust'gen Brunnens Rand À borda do poço bufão
Der in Wasserfãdenspielt que em fios d'água brincava.
WuBt ich nicht, was fest mich hielt; nao sei que me segurava;
Doch da war von deiner band mas como da tua mão
Meine Chiffer leis gezogen, minha cifra foi gfafada,
Nieder blickt ich, dir gewogen. baixo o olho a ti, prostrada.
HATEM HATEM
Muge Wasser,springend, wallend, Possamágua em fonte e onda,
Die Zypressen dir gestehn: o cipreste te resistir:
Von Suleika zu Suleika de Zuleica a Zuleica
lst meanKommen und meia Gehn este é o meu ir e vir.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DE ZULEICA
SULEIKA
ZULEICA
Kaum dali ich dich wieder habe
Tãologote abraço de novo,
Dich mit Kulg und Liedern labe,
e com beijo e cantos louvo,
Bist du still in dica gekehret;
estás quieto, ensimesmado;
\Vas beengt und drückt und stõret?
que te atou, vexou, prostrado?
HATEM
BATEM
Ach, Suleika. soll ich's sagen?
Ai, Zuleica, devo dizer?
Statt zu loben, mõcht' ich klagenl
Não quero louvar, só me doerl
Sangest sonsa nur meine Lieder,
Cantas só minhas canções,
Immer neu und immer wieder.
mais de mil repetições.
SULEIKA
ZULEICA
War Hadem tange doch entfernt,
Sematem ficou tão distante
Das Mãdchen hatte was gelernt,
a moça foi boa estudante;
Von ihm war sie se schõn gelobt,
se ele tão bem a louvou,
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
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Er sprach entzückt aus reiner Sede Drang; do fundo da alma soltou seu dom;
Dílaram schnell, die Freundin seiner Stunden, DÍ/ézram,velha amiga, logo em cima
Erwiderte mit gleichemWort und Klang. respondeu com igual palavra e som.
Und se, Geliebtel warst du mir beschieden E eis, amadas Me foste atribuída
Des Reims zu Hnden holden Lustgebrauch, para achares o uso de rimar bem,
Dali auchBehramgur ich, den Sassaniden, tal que eu Bahram-Gor, o grande sassânida,
Nicht mehr beneiden darf: mir ward es auch não mais possainvejar: eu sei também.
Hast mir doesBuch geweckt, du hast's gegeben; Deste-me o livro, que foi despertado
Denn was ich froh, aus voltem Herzen sprach, pois o que eu, cálido, vim a falar
Das klang zurück aus deinem holden Leben, na tua doce vida foi ecoado,
Wie Blick dem Blick, se Reim dem Reime nach. rima a rima, e também olhar a olhar
Nun tõn' es fora zu dir, auch aus der Ferne Que ainda te soe, e ainda que distante,
Das Wort erreicht, und schwãnde Ton und Schall chegue o verbo, eco e som vão calar se.
lst's nicho der Mantel noch gesãter Sterne? Não é o manto ora estrela abundante?
lst's nicht der Liebe hochverklãrtesAll? Não é amor ora o cosmo a sublimar se?
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Gestern, Acha war sie die letzte, Ontem, ail foi o final,
Dann verlosch mir Leucht und Feuer, luz e fogo se apagaram;
Jeder Scherz, der mich ergetzte, teus chistes fizeram mal:
Wird nun schuldenschwerund teuer. deram culpa e me custaram
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Suleika Zuleica
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Er sieht die schõnste Gõttin weinen, Vêa mais bela deusa chorando
Die Wolkentochter, Himmelskind, proleda nuvem, celestial;
Ihr scheint er nur allein zu scheinen, sópor ela surge brilhando,
Für alceheitre Rãumeblind; cegoa qualquer outro local.
Und se, umkrãnzt von Farb' und Bogen, Arco e cor cercam o rosto dela,
Erheitert leuchtet ihr Gesicht, que assim se ilumina feliz.
Entgegen kommt er ihr gezogen, Elevem de encontro a ela,
Doca erl doch achaerreicht sie nicht. Mas ail não chega por um triz
So, nach des Schicksals hartem Lose, A sorte impõe duro regime,
Weichst du mir Lieblichste davon, amada,tu vais me escapar.
Und wãr ich Helios der GroBe Fosseeu Hélio, o sublime,
Was nützte mir der Wagenthron? adiantariao carro solar?
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
Nachklang Ressonância
Lalgmich nicht se der Nacht dem Schmerze, Não me deixa no breu, na querela
Du Allerliebstes, du mein Mondgesichtl ó mais amada, rosto lunarl
Oh, du mein Phosphor, meine Kerze, ó meu Fósforo, minha vela,
Du meine Sonne,du mein Lichtl minha luz, meu raio solar.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTA LIVRO DEZULEICA
Suleika Zuleica
Doch dein mildes sanftes Wehen Mas tua brisa em sopro leve
Kühlt die wunden Augenlider; salva o olho tão cansado;
Ach, für Leid mülgt ich vergehen, ah, a dor me diz: relevel
Hofft' ich nicht zu sehn ihn wieder. Não queria tê-lo encontrado
Wiederfinden Reencontro
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DE ZULEICA
Eingedenk vergangnerLeiden,
lembrando o velho tormento
Schaudr' ich vor der Gegenwart.
hoje corre-me um tremor.
Auf tat sich das Lichtl sich trennte Acendeu-se a luzl A treva
Scheu sich Finsternis von ihm, débildela se separou,
Und sogleich die Elemente e, um por um, uma leva
Scheidend auseinander fliehn.
de elementos se apartou.
Rasch, in wilden wüsten Trãumen
Ágeis, por sonhos selvagens
Jedesnach der Weite rang, buscaram a vastidão,
Starr, in ungemelgnen Rãumen,
rijos, em amplas paragens,
Ohne Sehnsucht, ohne Klang. sem som, sem aspiração
Stumm war alles, still und õde, Tudo quieto, ermo; ora
Einsam Gott zum erstenmall
logo Deus estava sól
Da erschuf er Morgenrõte, Então Ele criou a aurora
Die erbarmte sich der Qual;
que da dor sentiu seu dó,
Sie entwickelte dem Trüben
eum jogo de cor no torvo
Ein erklingend Farbenspiel ressoante produziu,
Und nun konnte wieder lieben
eeis que pede amar de novo
Was erst auseinander fiel.
o que outrora se partiu.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
Was bewegt dir leis' die Lippen? Por que moves pouco o lábio?
Líspelstimmer vor dich hin, Sempre falas murmurado,
Lieblicher als Weines Nippenl bebendo vinho, amávell
lch will küssenl Küssenl sagt ich. Quero beijará Beijará eu digo
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
lch will küssenl Küssenl sag ich Quero beijará Beijará eu digo
Geheimschrift Criptografia
Laígt euch, o Diplomatenl
Diplomatasl Sua vontade
Recht angelegen sem, dediquem muito bem,
Und eure Potentaten
e às suas potestades
Beratetrein und feia. orientem muito bem.
Geheimer Chiffern Sendung Secretas cifras lendo
Beschãftige die Welt, o mundo vai ficar,
Bis endlich jede Wendung atéque cada segmento
Sich selbst ins gleiche stellt. a si vai se igualar.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
Abglanz Reflexão
Wenn ich nun voam Spiegel stehe, Sedo espelho estou diante,
Im stillen Witwerhaus, na casa da viuvez,
Gleich guckt, eh ich mich versehe, vejo ali em um instante
Das Liebchen mit heraus. a amada em placidez.
Schnell kehr ich mich um, und wieder Me viro, e no reverso,
Verschwand sie die ich sah; sumiu tão logo a vi;
Dann blick ich in meine Lieder, quando olho no meu verso
Gleich ist sie wieder da. logo ela volta aqui
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DEZULEICA
Suleika Zuleica
Jal mean Herz, es ist der Spiegel, Siml meu peito é o espelho,
Freundl worin du dich erblickt, amigo, onde te olhaste;
Diese Brust, wo deine Siegel esse peito que teu selo
KuJgauf Kuíg hereingedrückt. beijo a beijo encravaste
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DE ZULEICA
Wenn am Gebirg der Morgen sich entzündet, Quando ao monte a manhã se incendeia
Gleich, Allerheiternde, begrülg' ich dich; logo, Onirreluzente, saúdo a ti;
Dann über mir der Himmel rein sich ründet, depois sobre mim o céu puro se alteia,
Allherzerweiternde, dann atm' ich dich. Onicordiamplo, aí respiro a ti.
Was ich mit ãulgerm Sinn, mit innerm kenne, O que sei com senso externo, interno,
Du Allbelehrende, kenn' ich durch dich; tu Oni-instrutor, conheço por meio de ti;
Und wenn ich Allahs Namenhundert nenne, e quando os nomes de Alá, cem, externo,
Mit jedemklingt ein Namenach für dich. em cada um ressoa um nome de ti
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SAKINAMEH LIVRODATAVERNA
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DATAVERNA
Ja,in der Schenke hab ich auch gesessen, Sim,na taverna já me sentei,
Mir ward wie andem zugemessen, como os outros, me aconcheguei.
Sie schwatzten, schrieen, hãndelten von heut, Conversam, gritam, falam do dia,
So froh und traurig, wie's der Tag gebeut; do dia cheio de tristeza e alegria;
lch aber saía, im Innersten erfreut, sentei-me, o peito cheio de alegria,
An meine Liebste dacht' ich wie sie liebt? pensando nela -- como ela me ama?
Das weiíg ich nicht; was aber mich bedrãngtl Não sei; mas como me afligem
lch bebe sie, wie es ein Busen gibt, Eu a amo como um peito sempre ama
Der treu sich Einer gab und knechtisch hãngt. e a só uma, fiel servo, se cinge
Wo war das Pergament, der Griffel wo? Onde o pergaminho, o estilete,
Die alles faígtenl-- doch se war'sl ja, sol que tudo guardam? -- isso, exatamentel
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LIVRO DATAVERNA
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SULEIKA
ZULEICA
Warum du nur oft se unhold bisa?
Por que és assim tão grosseirão?
HATEM
MATEM
Du weilgt dali der Leib ein Kerker ist,
Sabe, o corpo é uma prisão
Die Sede hat man hinein betrogen,
que o espírito tem detento,
Da hat sie nicht frete Ellebogen.
sem espaço de movimento.
Wlll sie sich da und dorthin retten:
Se quiser fugir, independente,
Schnürt man den Kerker selbst in Ketten
a prisão envolvem de corrente;
Da ist das Liebchen doppelt gefãhrdet,
como a amada sofre duplamente,
Deshalb sie sich oft se seltsam gebãrdet.
e por isso age tão estranhamente
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Wenn der Kõrper ein Kerker ist, Seo corpo é uma cadeia,
Warum nur der Kerker se durstig ist? por que sua sede não sofreia?
Sede befindet sich wohl darinnen Sim,o espírito está ali contido,
Und bliebe gern vergnügt bei Sinnen; e pelos sentidos é entretido;
Nun aber soll eine FlascheWein agora o vinho, garrafas a fio,
Frisch eine naco der andem herein. esvai-se adentro, sem fastio.
Sede will's nicho lãnger ertragen, Nenhuma alma a mais suporta,
Sie an der Türe in Stücke schlagen. e espedaça todas contra a porta
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no 221
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DATAVERNA
Schenke Escanção
Welch ein Zustandl Herr, se spãte Que estados Senhor, tão tarde
Schleichst du heut aus deiner Kammer; escorregasem tua casaca;
Perder nennen's Bidamag buden, "Bidamag buden", diz o persa,
Deutsche sagen Katzenjammer. o alemão chama "ressaca
DICHTER
POETA
Lalg mich jetzt, geliebter Knabe, Me deixa, caro menino,
Mir will nicht die Welt gefallen, hoje não gosto nem do sol,
Nícht der Schein, der Duft der Robe. nem o brilho, cheiro de rosa,
Nicho der Sang der Nachtigallen. nem o canto do rouxinol
SCHENKE ESCANÇÃO
Eben das wi]] ich behandeln, Isso mesmo eu vou tratar,
Und ich denk', es soll mir klecken, e creio que vou suceder,
Hierl genieíg die frischen Mandem aquil frescas amêndoas
Und der Wein wird wieder schmecken prova, e vinho volta a saber
Schaul die Welt ist keine Hõhle, Vêl o mundo não é uma fossa,
Immer reich an Brut und Nestern, vida e ninhos tem aos montes,
Rosenduft und Rosenõlel Perfume e óleo de rosas
Bulbul auch, sie singt wíe gestern. Bulbul canta como ontem.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DATAVERNA
Schenke Escanção
Doch vom Singschwan will man wissen Sabemos que o cisne canta
Dali er sich zu Grabe lãutet; pra dizer que está morrendo;
Lalg mich jedes Lied vermissen, que eu esqueça todo canto
Wenn es auf dein Ende deutet. que o teu fim está dizendo.
Schenke Escanção
Doch ich ]iebe dich noch beber, Mas te amo mais amado
Wenn du küssest zum Erinnern; se o teu beijo permanece;
Denn die Worte gehn vorüber As palavras são passado
Und der KuB der bleíbt im Innern E esse beijo nunca esquece
Ruim auf Reim wi]] was bedeuten, Rima em rima diz, sim, algo
Besser ist es viel zu denken.
pensar muito é muito bom.
Singe du den andem Leuten Cantatu ao vário vulgo,
Und verstumme mit dem Schenken. e te cala com o garçom.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DATAVERNA
Dichter
Poeta
SCHENKE
ESCANÇÃO
Herr, du hast genug getrunken; Senhor, bebeste demasiado,
Nennen dich den wilden Zecherl
já te chamam de manguaça.
DICHTER
POETA
Sahstduje dalgich gesunken? Viste-me acaso afundado?
SCHENKE
ESCANÇÃO
Mohamed verbietet's. Maomé proíbe
DICHTER
POETA
Liebchenl Queridos
Hõrt es niemand, will dir's sagen. Ninguém nos ouve,vou te falar.
SCHENKE
ESCANÇÃO
Wenn du einmal germe redest, Quando desejas falar,
Brauch ich gar nicho viel zu fragen. pouco preciso perguntar
DICHTER POETA
Horchl wir andren Muselmanen OuvemNós outros muçulmanos,
Nüchtern sollen wir gebückt sem, sóbrios, devemos viver curvados
Er in seinem heil'gen Eifer que ele, em santo fervor,
Mõchte gera allein verrückt sem. seja sozinho o desvairado.
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DIVÃ OCIDENTO ORIENTAL
LIVRO DATAVERNA
Sommernacht
Noite de verão
DICHTER
POETA
Niedergangen ist die Sonhe,
O sol já desapareceu,
Doch im Westen glãnzt es immer;
no Oeste brilha duradouro
Wissen mõcht' ich wohl, wie lance Podes por favor dizer-me
Dauert noch der goldne Schimmer?
seainda há brilho neste ouro?
SCHENKE
ESCANÇÃO
Willst du, Herr. se will ich bleiben,
Queres, senhor, esperando
Warten auíger diesen Zelten,
fora da tenda vou Hcar;
lst die Nacht des Schimmers Herrin.
quando a noite se assenhorar
Komm'ich gleich es dir zu melden. do brilho venho te avisar.
Und das hellste will nur sagen: E onde é mais claro quer dizer:
Jetzo glãnz' ich meiner Stelle,
agora eu brilho no meu lugar,
Wollte Gota euch mehr betagen, se Deusum longo dia quiser
Glànztet ihr wie ich se helle.
lhes dar, vejam: eu vou brilhará
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DATAVERNA
DICHTER POETA
Zwar in diesem Draft und Garten Sim, neste jardim fragrante
Tõnet Bulbul ganze Nãchte, Bulbul canta a noite inteira,
Doch du kõnntest lange warten mas vais esperar bastante
Bis die Nacht se viel vermóchte. até que a noite esteja inteira
Siehdich uml sie kommtl wie schnellel Olha em voltam ela veml
Uber Blumenfelds Gelàngel -- Rápida em campos de floresl --
Hüben hell und drüben helle, Clara aqui, mais clara além,
A noite cede em estertores.
Ja,die Nacht kommt ins Gedrânge.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTA LIVRO DATAVERNA
Geh nur, ]ieblichster der Sõhne, Vai, meu filho mais amado,
Tief in's Innre schlieB die Türen. fecha a porta da fortaleza;
Denn sie mõchte deine Schõne
poissenão serásraptado
Als den Hesperus entführen. qual Héspero por sua beleza
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MATHAL-NAMEH LIVRODASPARÁBOLAS
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTA LIVRO DASPARÁBOLAS
Vom Himmel sank, in wilder Meere Schauer, l)o céu caiu na fúria do mar selvagem
Ein Tropfe bangend, grãtglich schlug die Flut, uma gota assustada e horrivelmente
Doch lohnte Gott bescheidnen Glaubensmut bateuna onda; mas Deus foi demente
Und gab dem Tropfen Kraft und Dauer. pelafé, e deu à gota força e coragem.
Ihn schloíg die stille Muschel ein A calma ostra a cingiu,
Und nun, zu ew'gem Ruhm und Lohne, e agora, por paga e fama imortal,
Die Pede glãnzt an unsers Kaisers Krone a pérola brilha na coroa real
Mit homem Blick und mildem Schein. com gracioso olhar e brilho macio.
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.»lch denke jetzt nur an Gewinn, 'SÓ penso agora no meu ganho,
Du muígt es mir verzeihen: tu terás que perdoar:
Denn wenn ich hier nichograusambin, se aqui eu não for tacanho
Wie soll die Schnur sich reihen?« como vou fazer o colar?"
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DASPARÁBOLAS
lch sah, mit Staunen und Vergnügen, yi. com espanto e com prazer,
Eine Pfauenfeder im Koran liegen, pena de pavão no Corão jazer,
Willkommen an dem hein'gen Platzl bem-vinda ao lugar sagrado,
Der Erdgebilde hõchster Schatz. destaterra o maior achados
An dir, wie an desHimmels Sternen Emti e nos astros do firmamento
lst Gottes Grólgeim Kleinen zu lernen. no detalhe está Deus no ensinamento
Dali er, der Welten überblickt, poisEle, que mundos sobreviu
Sem Auge hier hat aufgedrückt, aquiseu olho imprimiu,
Und se den leichten Flaum geschmückt aleve pena então vestiu
Dali Kónige kaum unternahmen Emvão tentaram reis a empresa
Die Pracht des Vogels nachzuahmen. de imitar da ave a realeza.
Bescheiden freue dich des Ruhms, Modesta,alegra-te da glória
So bist du wert des Heiligtums. e do sagrado és meritória
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DASPARÁBOLAS
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DAS ])ARÁBOLAS
Kein Wunder dali es uns berückt, Que nos enleve não admira
Wenn Auge frisch in Auge blickt, quandoum olho outro olho mira;
Als hãtten wir's se weit gebracht quãolongeisso noslevou,
Bei dem zu sem der uns gedacht. pra estar com Ele, que nos pensou
Und rufo er uns, wohlanl es seio E se nos chama, siml que sejam
Nur, dasbeding' ich, alle zwei. Mas ambos: quero que assim seja.
Dich halten dieser Arme Schranken. Te acolhem estes braços meus,
Liebster von allen Gottesgedanken. a mais bela ideia de Deus.
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PAREI NAMEH LIVRODOPARSE
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO PARSE
Vermãchtnis
Legado da
altpersischen Glaubens
antiga crença persa
Welch Vermãchtnis, Brüder, sollt' euch kommen
Irmãos, qual deve ser o legado
Von dem Scheidenden, dem armen Frommen?
daquele,pobre e pio, que é finado?
Den ihr Jüngeren geduldig nãhrtet,
Pelospupilos nutrido com paciência
Seine letzten Tage pflegend ehrtet.
honrado ao final de sua existência?
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO PARSE
Grabet euer Feld ins zierlich Reine, Ara o teu campo com pureza,
DaB die Sonne gern den Fleiíg bescheine, pra que o sol brilhe com presteza
Wenn ihr Bãume pflanzt, se sei's in Reihen, asárvores planta em fileiras:
Denn sie lãígt Geordnetes gedeihen. no sol vingam plantas ordeiras.
Auch dem Wasser darf es in Kanãlen Que à água não falte pureza
Nie am Laufe, nie an Reine fehlen, nos canais, nem correnteza;
Wie euch Senderud aus Bergrevieren seo Zandayeh da encosta pura
Rein entspringt, soll er sich rein verlieren. brota, sua foz deve ser pura.
Sanften Fall des Wassers nicho zu schwãchen, Praum fluxo d'água que não se abala
cuida de cavar bem sua vala;
Sorgt, die Grãben fleilgig auszustechen,
Rohr und Binse, Molch und Salamander, cana e junco, salamandra e anfíbios:
Wird die Sonne gern durch Lüfte scheinen, brilha no ar o sol com presteza,
Wo sie, ihrer würdig aufgenommen, onde ele, servido de modo honrado,
Leben wirkt, dem Leben Heil und Frommen dívida,e ao pio dá bênção e cuidado
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO PARSE
Und nun darf der Mensch, als Priester,wagen O homem pode, ou sacerdotesseus
GostesGleichnis aus dem Stein zu schlagen. da pedra extrair a imagem de Deus
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO I)ARSE
Wenn der Mensch die Erde schãtzet, Quando o humano a terra estima
Weíl die Sonne sie bescheinet,
pois o sol a ilumina, Agradeço a Leonardo
An der Rebe sich ergetzet,
junto à vinha se anima, Gonçalves Físcherpela
Die dem scharfen Messer weinet, eestachora à faca fina, tradução deste poema.
Da sie fühlt, dali ihre Sãfte,
já que sente que seu sumo,
Wohlgekocht, die Welt erquickend, fermentado,ao mundo joga
Werden regiam vielen Krãften, frescas forças no consumo,
Aber mehreren erstickend:
oas a muitos mais afoga:
WeiB er das der Glut zu danken ele é grato à energia
Die das alles lãigt gedeihen; em que tudo se levanta;
Wird Betrunkner stammlend wanken/ o ébrio treme e balbucia,
Mãlgiger wird sich singend freuen. o frugal se alegra e canta.
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CHULDNAMEH LIVRODOPARAÍSO
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
LIVRO DO PARAÍSO
reine Toten mag der Feind betrauern: Vele o inimigo sua gente morta,
Denn sie liegen ohne Wiederkehren; pois Jazem sem retorno;
Unsre Brüder sollt ihr nicht bedauern: Meus irmãos? Não me importam
Denn sie wandeln über jenen Sphãren. Noutra esfera giram em torno.
Und nun bringt ein süígerWind von Osten Um docevento leste vem soprando
Hergeführt die Himmels-Mãdchen-Schar; e as moças celestes ele traz,
Mit den Augen fãngst du an zu kosten, com os olhos já vais degustando,
Schon der Anblick sãttigt ganz und gar. sóde olhar já se satisfaz.
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DIVÃ OCIDENTE-ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
Und sie sehn es bald an deiner Wunden, Isso elas veem na tua ferida,
Die sich selbstein Ehrendenkmal schreibt. que um monumento de honra é
Glück und Hoheit alles ist verschwunden, A sorte altiva está sumida,
Nur die Wunde für den Glauben bleibt. sófica a ferida pela fé.
Jünglingl mehr als Jüngling bist willkommenl joveml Mais que jovem tens acolhidas
Alle sind wie alle licht und klar; Leve clareza cada um tem;
Hast du Eine dir ans Herz genommen; o teu peito já tem a escolhida,
Herrin, Freundin ist sie deiner Schar. amiga e chefe do teu harém.
Eine führt dich zu der andem Schmause, Uma te leva até outro banquete
Den sich jede ãuígerst ausersinnt; melhor do que tu possas sonhar.
Viele Frauen hast und Ruh im House, Tens mulher, uma casa que aquiete,
Wert dali man darob das Paradiesgewinnt. valeu a pena no Éden entrará
Und se schicke dica in diesel Frieden: Vem, mergulha fundo nesta paz:
Denn du kannst ihn weiter nicht vertauschen; pois depois não vais mais poder trocar;
Solche Mãdchen werden nicht ermüden, tais moças não cansam nunca mais,
Solche Weine werden nicht berauschen. tais vinhos não vão embriagar.
Und se war das wenige zu melden, Eis o pouco para quem quiser
Wie der sel'ge Musulman sich brüstet. sobre o muçulmano vangloriado
Paradies der Mãnner Glaubenshelden Éden dos homens heróis da fé
lst hiemit vollkommen ausgerüstet. está totalmente preparado.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
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LIVRO DO PARAÍSO
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
Animais favorecidos
Begünstigte Tiere
No Paraíso Deus determina
Vier Tieren auch verheiígenwar
In's Paradies zu kommen, queanimais entrariam, quatro;
Dort leben sie das ew'ge Jahr ali vivem o ano que não termina
com os santos e os beatos
Mit Heiligen und Frommen.
Den Vortritt hier ein Esel hat, Primeiro o jumento faz jus,
com passos alegres ele vem
Er kommt mit muntern Schritten:
ninguém menos que Jesus
Denn Jesuszur Prophetenstadt
carregou a Jerusalém.
Auf ihm ist eingeritten.
Meio tímido o lobo vem,
Halb schüchternkommt ein Wolf sodann,
Dem Mahomet befohlen: a quem Maomé recomenda:
deixa a rês a quem nada tem
LaR diesel Schaf dem armen Maná,
do rico pega a tua prenda.
Dem Reichen magst du's holen l
O gato de Hurairah ao pé
Abuherrira's Katze vier
do donoronronaeseaninha
Knurrt um den Herrn und schmeichelt:
pois sagrado um animal é
Denn immer ist's ein heilig Tier
se o Profeta o acarinha.
Das der Prophet gestreichelt.
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DIVÃ OCIOEN'rO-ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
lst somit dem Fünf der Sinne Um, dois, três, quatro, são cinco
Vorgesehn im Paradiese, sentidos no Paraíso,
Sicher ist es ich gewinne estou certo que lhes finca
Einen Sinn für alle diese. em todos eles algum siso.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
270 271
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
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DIVÃ OCIDENTE ORIENTAL LIVRO DO PARAÍSO
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NOTASEENSAIOSPARA
MELHOR COMPREENSÃO
DO D[VÃ OCIDENTO- O]UENTAL
Introdução
«TtJdo
a seu tempos" -- um ditado cujo significado aprendemosa reco-
nhecerquanto mais avançamosna idade. Segundo ele, há um tempo para
calar e outro para falar, e desta vez o poeta se decidiu por este último. Se
aatitude e a atividade caracterizam a idade jovem, convêm à mais tardia a
reflexãoe a comunicação.
Lancei ao mundo os textos dos meus primeiros anos sem prefácios,
semdar indicaçõesdo que se tratava ali, por breves que fossem;isso se
deuna crençade que a nação,cedo ou tarde, pudessefazer uso daquilo
que foi publicado. Assim, vários de meus trabalhos tiveram repercussão
imediata,enquanto outros, não tão compreensíveis e penetrantes, precisa
ramde vários anos para serem reconhecidos. Entrementes, essestrabalhos
também já passaram, e assim uma segunda e uma terceira geração renova-
dastêm me compensadomuitas vezes pelas inconveniências que tive que
suportar de meus antigos contemporâneos.
Agora, porém, não quero que nada obstrua a primeira boa impressão
destelisinho. Por isso, decidi-me a elucidar, esclarecere indicar, apenas
como objetivo de despertar uma compreensão direta nos leitores que es-
tejampouco ou nada familiarizados com o Oriente. Por outro lado, não
precisarádestesuplementoaqueleque já tiver tido um contatomaispró-
ximo com a história e com a literatura dessa tão curiosa região do mundo.
Esteirá, antes, identificar com facilidade as fontes e regatos cuja umidade
saciantefiz fluir ao meu canteiro de flores.
C)autor dos presentes poemas prefere ser visto como um viajante, que
merece ser elogiado se conseguir assimilar com afinco os modos específi
cos do estrangeiro, se conseguir se apropriar dos usos da língua, se souber
compartilhar modos de pensar e aceitar costumes. Que seja perdoado caso
isso só Ihe seja possível até um determinado grau e caso permaneça mar-
cadamente estrangeiro devido a um acento próprio e a uma inflexibilidade
indomável de seus conterrâneos. Nesse sentido, que se garanta já o per-
dão para estelivrinhos Os bons conhecedoresperdoam com compreensão;
já os entusiastas,menos incomodados por tais faltas, aceitam com impar-
cialidade o que lhes é apresentado.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DltpH 0CIDENT0-0RIEN7ZL
Mas para que tudo o que traz em sua bagagem agrade mais depressa Já que falamos de poesia oriental, é necessário considerarmos a Bíblia
aos seus,o viajante assumeo papel do comercianteque dispõe suasmer. como a coletânea mais antiga. Grande parte do Antigo Testamento foi es-
cadorias de maneira conveniente, e procura torna-las agradáveis de Várias crita com um ânimo elevado e com entusiasmo, e pertence ao campo da
maneiras. Por isso, não se deve levar a mal suas expressões apelativas, des- arte poética.
critivas e mesmo elogiosas. Sepensarmosvivamente naquela época em que Herdei e Eíc/z/zomnos
Antes de qualquer coisa, nosso poeta se permite declarar que se com.. iluminaram pessoalmente sobre esse assunto, vamos nos lembrar de um
prometeu, sobretudo, na ética e na estética, com a compreensibilidade: elevadodeleite, comparável a uma pura alvorada oriental. Aqui só pode-
por isso, empenhou-se em usar a linguagem mais simples e a métrica mos insinuar o que esses homens nos deram e nos deixaram, e que se nos
mais leve e compreensível de seu dialeto, e a sugerir só muito vagamente perdoe a pressa com a qual passamos por tais tesouros.
aquilo em que o oriental encontra o seu deleite por meio de artificialidade A guisa de exemplo, consideremos o livro de Rute. Em seu nobre pro-
e afetação. pósito de fornecer antepassadosrespeitáveis e interessantes a um rei de
Contudo, a compreensão pode ser impedida por diversas palavras es- lsrael,ele pode ser também considerado o mais amável pequeno conjunto
trangeiras inevitáveis, que são obscuras porque se referem a certos objetos, que nos foi transmitido de modo épico e idílico.
crenças,opiniões, usos, fábulas e costumes. Consideramos que esclarecer Passemosentão algum tempo nessa grande canção, constitutiva do
essaspalavrasé a próxima obrigação,e foram tomadas em conta as exi- que há de mais delicado e inimitável que chegou até nós, uma expres-
gências advindas de perguntas e objeções de ouvintes e leitores alemães. sãode amor apaixonado e gracioso. Chegamos a lamentar o fato de os
Um índice anexo: indica as páginas onde há passagensobscuras,e tam- poemas,aglomeradosde modo fragmentário e jogados uns sobre os
bém onde estas são explicadas. Essaexplicação, contudo, se dá dentro de outros,não proporcionaremum deleite puro e pleno -- e mesmoas
certo contexto, de tal forma que não surgem notas esparsas,mas sim um sim nos encantamosem nos imaginarmos nas situaçõesvividas pelos
texto autónomo que, ainda que apenassuperficialmentemanipuladoe poetas.Sopra uma leve brisa desde a amável região de Canaã; seguras
frouxamente conectado, garante ao leitor uma visão geral e clara. condições rurais, vinhas, jardins de flores e temperos, algo da limita-
Que seja agradável a realização dessa nossa tarefasPodemos esperar ção urbana, mas com uma corte real e suas nobrezas ao fundo. O tema
que seja, pois, numa época em que muito do Oriente está sendo fielmente principal, porém, ainda é a ardente atração de jovens corações que se
apropriado à nossa língua, pode ser proveitoso que nós, de nossa parte, procuram, se encontram, se afastam, se atraem, nas mais variadas e
também tentemos direcionar a atenção para lá, de onde há milênios têm simples situações.
chegado a nós tantas coisas grandiosas, boas e belas, e de onde se espera Pensamosvárias vezes em destacar e organizar algo nessa amável con-
que cheguem mais a cada dia. fusão; mas é justamente o elemento enigmático e indissolúvel que nos
dá umas poucas folhas de graça e particularidade. Com que frequência
Hebreus mentesde bom pensamentoe amantesda ordem não foram instigador a
encontrar ou a inserir algum contexto compreensível qualquer, passando
A poesia ingênua é a primeira de toda nação, pois serve de base para sempreo mesmo trabalho a algum sucessora
todas as posteriores. Quanto mais fresco e natural for o qeu surgimento, Assim, o livro de Rute já exerceuo seu irresistível fascínio em tantos
tanto mais feliz se desenvolverão as épocas posteriores. bravos homens, de tal maneira que eles se viam entregues ao devaneio de
ainda conseguirem tirar algum mínimo proveito de um estudo detalhado
Aqui Goethe se refere à edição original do Divã. Tal índice não consta da presenteedição em
e parafrástico sobre o que ocorre ali, representado de maneira inestimável
português.[N.E.]
em seu laconismo.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO D/I/À OCIDENTO-ORIENTAL
E dessa forma, livro a limo, o limo de todos os livros poderia ser pera. se, sublime, vanglorioso; AJ-H(ínfh, por sua vez, é cheio de sabedoria, discemimento
e dignidade. As duas últimas também se apresentam como debates poético-políticos
cruzado, de modo que nos seria permitido adentrar nele como num segun-
do mundo para nos perdermos, nos ilustrarmos e nos educarmos. que foram realizados frente a um conselho de árabes para aplacar o ódio destrutivo
entre dois clãs
Árabes
Enquanto com essas poucas linhas certamente estimulamos nossos leito-
resa lerem ou relerem essespoemas, acrescentamos aqui outro, da época
De um povo oriental, os árabes,descobrimosmaravilhosos tesourosno
de Maomé, que está totalmente imbuído do espírito daqueles.Pode-se
Muar/aqaf. São cantos de louvor que saíram vitoriosos de disputas poéti-
descrevero caráter deste como sombrio ou mesmo soturno, ardente,
cas, poemas surgidos antes dos tempos de Maomé, escritos em letras
vingativo e saturado de vingança.
douradas,pendurados nos portões da casa de Deus em Meca. Falam de
uma nação nâmade, rica em rebanhos, e guerreira, cheia de inquietações
internas devido a disputas entre várias tribos. São representadosneles: Sob afalésia datrilha
a mais firme adesão aos companheiros de clã, ambição, coragem, irre- Abatido jaz ele,
conciliável sede de vingança, atenuada por dores de amor, benevolência, Em cujo sangue
sacrifício, tudo sem limites. Essespoemas nos dão uma noção suficiente Não goteja orvalho.
da alta educação do clã dos coraixitas do qual veio o próprio Maomé, que,
Grande fardo me deixou
contudo, jogou sobre eles um escuro manto religioso, conseguindo assim
E partiu;
tapar toda a perspectiva de progressos mais puros Deveras este fardo
O valor desses excelentes poemas, em número de sete, fica ainda maior
Carregarem.
pela sua enorme variedade. Aqui não poderíamos prestar contas mais su-
márias e dignas do que as que o sagazJones2nos deu sobre o seu caráter. 'Herda minha vingança
como citamos aqui: O filho da irmã,
O disputável,
O poema de Imm ai-Qays é suave, alegre, brilhante, elegante, vário e vetusto. Tárcz- O inconciliável
ja: audaz, excitado, exultante e mesmo assim permeado por alguma alegria. Zuhayr
é afiado, sério, casto, cheio de leis morais e ditados sérios. A poesia de l,abíd é leve, Mudo exsuda veneno,
apaixonada, delicada, tenra, e lembra a segunda égloga de VirBnio, pois lamenta o or- Quieto qual víbora,
gulho e a soberba da amante e disso tira razões para enumerar suasvirtudes e elevara Qual cobra expele veneno
reputação da sua tribo até o Céu. A canção de Ánfara apresenta-se orgulhosa, ameaça- Contra o qual não há mágica
dora, precisa, suntuosa, mas não sem a beleza das descriçõese imagens. Amr é inten-
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DIVÃ OCIDENTE-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DJ\Ü OCIDENTO-OR/EN7HL
5
13
Violenta mensagem recaiu-nos Terrível cavalgava só,
De grande forte desgraça; Sem mais companhia
Mesmo o mais forte seria
Que a espada de lêmen,
Estraçalhado. Ornada de entalhes
6.
14
A fortuna me pilhou, Meio dia tomamos, novatos,
Ferindo o amistoso, A hostil caminhada,
Cujoconvidado
Marchando pela noite,
Nunca foi ferido.
Fluentes nuvens insones
7
15
Sob o solquente quedava Cada um uma espada,
Em dia frio;
Espadaem bainha;
Queimava Sirius, Desembainhada,
Era sombra e frescor. Um raio brilhante.
8.
16
Seco de ancas,
Sorviam o espírito do sono
Sem reclamar.
Mas quando cabecearam
amido de mãos, Caímos neles,
Ousado e violento E se foram
9
17
De ideia fixa
Vingança tivemos plena
Perseguiu seu fim
Fugiram de duas tribos
Até jazer; Bem poucos,
Jaz aí também a ideia fixa. Mínimos
10
18
Sob nuvensdechuva. E assim o hudailita,
Partilha presentes; A destruí-lo, quebrou a lança.
Atacando,
Pois este com sua lança
Um irado leão. Destruiu os hudailitas.
11
19.
Estado frente ao povo, Num bruto pouso
Cabelo negro, longa túnica; Deitaram-no,
Corre ao inimigo, Na pedra brusca onde até camelos
Um magro lobo. Partiam os cascos.
12
20
Dois gostos distribuía, Quando a manhã o saudou,
Mel e vermute;
No sítio escuro, assassinado,
Pratos de tais gostos Foiroubado,
A todos sabiam.
Furtado o butim.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)/t/À OCIDENTO-OR/EN7HL
25. Slnn/ Verfolgt' er sem Ziel/ 8is er ruhte;/ Da ruht' cuch der reste Sinn./ ]0. Wolkenregen war er,/
Alcança me a taça, então, Geschenke verteilend]/ Wenn er infiel,/Ein grimmiger Lõwe./ ] ]. Staatlich vor dem Volke,/Schworzen
Ó Sawad ben Abre Haares, langen Kleides,/ Auf den Feind rennend/ Ein magrer Wo]f./ ]2. Zwei Geschmõcke tellt' er
aus,/ Honig und Wermut,/ Speisesolcheí Geschmãcke/ Kostete feder./ ]3. Schreckendriu er ailein,/
Pois meu corpo, pelo amor do meu tio,
Niemand begleitet' ihn/Als dos Schwert von Jemen/Mít Scharten geschmückt./ 14.Mlttags begannen
É uma grande ferida.
wir Jünglinge/ Den feíndseligenZug,/ Zogen die Nacht hindurch,/ Wieschv/ebendeWolkenohne
26. Ruh./ 15. feder wor ein Schwert/ Schwert umgürtet,/ Aus der Schelde gerissen/ Ein glànzender
E o cálice da morte Biltz./ ]6. Sie schiürften die Geisterdes Schlofes,/Aber wie sie mit den Kõpfen nickten/ Schlugen
Alcançámos aos hudailitas, wir sle/ Und sie woren dahín./ 17.Racho nahmen wir vóliige;/ Es entrannen von zwei Stómmen/ Gar
Cujo efeito é lamento, v/enige,/ Die wenigsten./ 18. Und hat der Hudseílite/ Ihn zu verderben, dle Lanze gebrochen,/ Weil er
mit seiner Lonze/ Die Hudseiiiten zerbrach./ 19.Auf rauhen Ruhpiatz/ Legten sie ihn,/An schroffen
Cegueira e humilhação.
reis wo selbst Kamele/ Die Klauen zerbrachen./ 20. Als der Morgen ihn da bege(}íit,/Am d(}stern
27
Drt, den Gemordeten,/ War er beraubt,/ Die Beute entwendet./2]. Nun aber sind gemordet von mir/
Lá riam as hienas
Dle Hudseiiiten mlt tiefen Wunden./ Mürbe nlocht mích nichodas UnglClck,/Es selbst wird mC)rbe./
Na morte dos hudailitas
22. Des Speeres Durst ward geiõscht/ Mit erstem Trínken,/ Versagt war Ihm nicho/ Wiederholtes
E podias verlobos Trinken./23. Nun ist der Vgeinwleder erlaubt/ Der erst versagt war,/ Mit vieierArbeit/ Gewannich
De semblante reluzente. mir die Erlaubnis./24. Auf Schwert und Spieíi/ Und aufs Pferd erstreckt ich/ Dle Vergünstlgung,/ Das
28. lst nun aiies Gemeingut./25. Reiche den Becher dann/ OI Sawad Ben Abre:/ Denn Hein Kõrper um
Abutres nobres acudiram voando, des Oheims willen/ lst eine groge funde./26, Und den TodesKelch/ Relchten wir den Hudseiliten,/
Dessen Wirkung ist Jommer,/ 81indheit und Erniedrigung./ 27. Da lachten die Hyãnen/ Beim Tode
Pulando de corpo em corpo,
der Hudseiiiten./ Und du sahest Wõlfe/ Denen glãnzte das Angesicht./28. Die edelsten Gemer
flogen
daher,/Sie schrltten von Leichezu Leiche,/ Und von dem reichiich bereiteten Mahle/ Nichoin dle Hóhe
konnten siesteigen.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTA NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO Z)/I/À OCIDENTO-ORIENTAL
delineia-se a expedição contra os inimigos; a décima oitava reconduz para e estrelas clareavam a noite, igualmente inalcançáveis, pertencentes ao
trás, a décima nona e a vigésima poderiam estar imediatamente depois infinito. Por outro lado, o fogo colocava-sea seu lado, iluminando, aque-
das duas primeiras. A vigésima primeira e a vigésima segunda poderiam cendo segundo sua vontade. Fazer preces na presença desse represen-
encontrar lugar após a décima sétima; em seguida,vem o prazer da vitória tante, curvar-se frente ao que é sentido infinitamente torna-se a agradá-
e o gozo da refeição,já o fecho é compostopela terrível alegria de ver os vel obrigação de devoto. Nada é mais puro do que um alegre nascer do
inimigos caídos serem presas de hienas e abutres. Sol, e de modo igualmente puro deve-se acender e conservar as fogueiras,
Algo extremamentecurioso nessepoema é o fato de a prosa pura da para que sejam e permaneçam sagradas e similares ao Sol.
narrativa se tornar poética por meio da transposição de cadaevento indivi- Zoroastro pareceter sido o primeiro a converter a nobre e pura religião
dual. Por isso, e por faltar a ele quase toda decoração exterior, sua serieda- natural em um culto complexo. A oração mental que inclui e exclui todas
de é maior ainda, e quem o ler profundamente deverávislumbrar comoo asreligiõese perpassatodo o estilo de vida de poucaspessoasseleciona-
ocorrido, do início ao fim, constrói-se pouco a pouco frente à imaginação. daspor Deus desenvolve-sena maioria das pessoasapenas como sensação
ardentee abençoadado momento. Depois que ela desaparece,a pessoa
Transição retraídaem si mesma,insatisfeita e desocupada,retorna ao tédio infinito.
Preencher esse tédio com cerimónias, dedicações e expiações, com idas
Se agora nos voltarmos a um povo pacífico e civilizado, os persas,deve e vindas, curvações e prostrações, é obrigação e prerrogativa dos sacerdotes
mos (afinal, a poesia deles ensejou este trabalho) retroceder ao tempo que repartiram sua atividade, ao passar dos séculos,em infinitas pequeno
mais recuado, para que assim a época mais recente se torne compreensí- zas.Quem puder ter uma rápida ideia desde a veneraçãoinfanti] e devota
vel. O historiador considera curioso o fato de que, apesar de essaterra ter a um Sol nascente até a loucura dos zoroastristas que ainda hoje se encon-
sido tantas vezes conquistada, subjugada e até aniquilada por inimigos, tram na Índia perceberá,na primeira, uma naçãojovem e que se alça do
ainda assim certo cerne da nação preservou-se em seu caráter, de modo sonoem direção à incipiente luz do dia e, na última, porém, um povo obs-
que num piscar de olhos logo ressurgia uma conhecida e antiga manifes- curecidoque costuma matar o tédio cotidiano por meio do tédio devoto.
tação popular. E importante observar,contudo, que os antigos persas não honravam
Nesse sentido, que seja agradável ouvir sobre os mais antigos persase apenaso fogo: a sua religião estava totalmente fundamentada na vene-
avançar com passo rápido e também seguro e livre até os dias de hoje. raçãode todos os elementos,pois anunciavam a presençae o poder de
Deus.Daí vem o sagradopudor contra poluir a água, o ar e a terra. Tal
Antigos persas reverência,sobretudo com relação àquilo de natural que circunda o ser hu
mano, conduz a todas as virtudes do cidadão: atenção, limpeza e dedica-
A contemplação da Natureza fundamentava a antiga veneração persa çãosão estimuladas e cultivadas. Sobre isso se fundou a cultura nacional,
dos deuses. Quando rezavam ao criador, eles se voltavam para o Sol, pois da mesma forma que não sujavam nenhum rio, igualmente os canais
que nascia como a aparição mais maravilhosa. Ali acreditavam visuali- foram construídos e mantidos limpos segundo uma cuidadosa economia
zar o trono de Deus, cercadode anjos. A glória desseculto que elevava de água, sendo que do seu curso fluía a fertilidade da terra de tal modo
o coraçãopodia ser presenciadadiariamente por todos, mesmo o mais que o Império de então tinha mais de dez vezes o tamanho do anual.Tudo
humilde. De sua choupana saía o pobre, o guerreiro de sua tenda, e a aquilo sobre o que o Sol sorria era trabalhado com a maior dedicação, mas
mais religiosa de todas as funções estava cumprida. Ao recém-nascido cultivava-se sobretudo a vinha, a mais verdadeira cria do Sol.
dava-seo batismo de fogo em tais raios,e por todo o dia, por toda a vida A curiosa forma de sepultar seus mortos deriva justamente do prin
o persa via-se acompanhado da estrela-mãe em todas as suas ações. Lua copioextremo de não sujar os elementos puros. Mesmo o cuidado com
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS LURA MELHOR COMPREENSÃO DO DrvX OCIDENTO-OR/EN7AL
a cidade se dá a partir desses fundamentos: a limpeza das ruas era uma taria do reino, fora um mago alçado e mantido por algum tempo pelos
função da religião, e ainda hoje, quando os zoroastristas são exilados. seuscompatriotas. Dessemodo, percebemos como os magos muitas vezes
expulsos, desprezados e encontram morada apenas nos subúrbios e, no aterrorizam os regentes.
melhor dos casos,em bairros de má fama, um morto dessaconfissãoteu Espalhadospela invasão de Alexandre, não favorecidos entre seus su-
direito a uma soma em dinheiro para que uma ou outra rua da capital cessorespartos, recolhidos e reunidos pelos sassânidas, eles mantiveram-
possa ser totalmente limpa. Com uma veneração prática tão viva de Deus .sesemprefiéis aos seus fundamentos, e contrariaram o regente, que os
como essaé que foi possível existir essepovo inacreditável, do qual a his. repeliu.Assim, impediram de todas as formas a ligação de Cosroes' com a
tória é testemunha.
bela Xirin, uma cristã.
Uma religião tão delicada, fundada sobre a onipresençade Deusem Finalmente foram expulsos para sempre pelos árabes e exilados para a
suasobras do mundo sensorial,exerceuma influência muito própria so- Índia.Aqueles que restaram ou seus parentes espirituais na Pérsia são até
bre os costumes. Contemplemos seus principais mandamentos e proi- hoje desprezadose xingados, ora tolerados, ora perseguidos segundo a von-
bições: não mentir, não contrair dívidas, não ser ingratos A fertilidade tadedo governante.Ainda assim,essareligião preservou-seaqui e ali na sua
dessas lições será desenvolvida por toda pessoa ética e por todo asceta maisantiga pureza, mesmo em cantos miseráveis, de modo que o poeta pro-
com facilidade. Pois na verdade a primeira proibição contém as duas ou curou expressar isso no "Testamento da antiga crença persa
Erase todas as demais, que de fato só surgem da inverdade e da infideli Não há dúvida de que atravésdos tempos devemosmuito a essareli-
dade; e é por isso que podemos nos referir ao diabo:no Oriente comoQ gião e de que nela residia a possibilidade de uma cultura mais elevada que
eterno mentiroso. viria a se espalhar na parte ocidental do mundo oriental. Contudo, é muito
Uma vez que essareligião conduz à tranquilidade. ela poderia também difícil dar uma ideia de como e para onde essacultura teria se dissemi-
facilmente conduzir à fraqueza, assim como as longas e largas vestimentas nado.Muitas cidades estavam espalhadasem muitas regiões como pontos
pareceminsinuar também algo de feminino. Mas o efeito contrário tam- vitais.Paramim, contudo, o mais admirável é a fatal proximidade com a
bém era grande em seus costumes e regras. Eles portavam armas, mesmo idolatria indiana não ter conseguido agir sobre eles. É ainda muito notável
na paz e na vida em sociedade,e treinavam o uso delas de todas as for- o fato de as cidadesde Bactro e Bamiyan terem sido tão próximas uma da
mas possíveis. A montaria mais hábil e firme era tradição entre eles e tam- outra: enquanto nesta era possível ver os mais loucos ídolos preparados e
bém seusjogos, como aquele com a bola e o taco, jogado em grandes pis- idolatrados, naquela foram preservados os templos do puro fogo, erguidos
tas, mantinham-nos robustos, fortes, ágeis; e um alistamento inclemente grandesmosteiros dessa confissão e reunida uma grande quantidade de
transformava a todos em heróis ao primeiro aceno do rei. mobedes.A maravilha que deve ter sido a construção de tais instituições
Retomemos à veneração de Deus. No começo, o culto público era res- é testemunhada pelos homens extraordinários que saíram de lá. A família
trito a poucas fogueiras, e por isso era mais nobre; depois, cada vez mais dosBarmecidassurgiu dali, onde brilharam por tanto tempo como influen
cresceu um sacerdócio muito honrado, de modo que as fogueiras aumen- tes servos do Estado até que, finalmente, assim como uma casa semelhante
taram. O fato de esse poder religioso intimamente conectado por vezes a essetipo em nossos tempos', decaiu e Jloiexilada.
recusar o poder mundano se explica pela natureza dessa condição insu-
portável pela eternidade. Paranão falar que o falso Esmérdiss,que se apos-
5 Esmérdis(morto em 52Ta.C.) é o nome aditado por um impostorque usurpou de Cambises ll o 7 Estudiosos no D/võ não sabem ao certo a que casa Goethe se refere: se à família russa Dolgoruki
trono da Pérsía.Cambiseshavia ordenado matar seu irmão Esmérdiscom medo de uma disputa IDüntzerl, à casa italiana EsteIK. Mommsenl, à família alemã Dalberg (Wertheim)ou mesmo a
pelotrono. outra casa real da mesma época(Weitz)
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO Z)/IÜ OC/DEITO-ORIEN7HL
0 Regimento .aventurança,de sorte que veio, por fim, a sucumbir frente à ambição de
uma pequena e fragmentada nação vizinha.
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nos ocupando agora. A língua, os costumes e a religião dos gregos torna. Do Ocidente muito pouco parece ter se espalhado para o Oriente, pois
ram-se familiares para eles. E assim passaram-se quinhentos anos Sobre o olhar preferiu se manter sobre a Índia; e como os veneradores do fogo e
as cinzas dos antigos templos e altares nos quais o fogo sagradosempre dos elementos não poderiam considerar aceitável aquela religião louca e
se manteve cintilante, de modo que os sassânidas,no início do séculolll monstruosae o homem comum não poderia aceitar uma filosofia abstrusa,
da nossa contagem, ao se reconverterem à antiga religião e restaurarem a tomaram dessa região apenas aquilo que é sempre bem-vindo a todos os
antigo culto, encontraram uma quantidade de magos e mobedes que ti- sereshumanos: escritos que falam de sabedoria do mundo. Ao valorizarem
nham preservado a si e às suas convicções em segredo na fronteira da Ín. ao máximo as fábulas de Bidpai'', contudo, destruíram com isso uma poesia
dia, e para além dela. A antiga língua persa foi restabelecida, a grega su- futura na sua fundação. Adquiriram também, da mesma fonte, o jogo de
primida e lançaram-se novamente fundamentos para uma nacionalidade xadrez,que em relaçãocom essasabedoriado mundo é totalmente apro-
própria. Aqui encontramos, num espaço de tempo de quatrocentos anos. priado para dar cabo de toda sensibilidade poética. Se levarmos tudo isso
a pré-história mitológica dos eventos persas preservada minimamente em conta, admiraremose exaltaremoso que é natural dos poetaspersas
por meio de ecos poéticos e prosaicos. O crepúsculo reluzente dela ainda tardios, os quais sempre que condições favoráveis permitiram, lutaram con-
nos deleita, e uma variedade de personalidades e eventos desperta gran tra tais adversidades,evitando-as ou até mesmo superando-as.
de interesse
A proximidade de Bizâncio, as guerras com os imperadores ocidentais
Quanto ao que sabemos,porém, da pintura e da escultura dessaépoca, e as relações mútuas surgidas daí produziram finalmente uma mistura na
tratava-se meramente de pompa e glória, grandeza e magnitude e figuras qual a religião cristã se infiltrou entre os antigos persas,não sem resistên-
informes; e como poderia ter sido diferente, se tiveram que herdar sua arte cias dos mobedes e mantenedores locais da religião. As várias irritações,
do Ocidente, que ali já se encontrava degradada de maneira tão profunda? ou melhor, a grande desgraçaque recaiu sobre o grande príncipe Cosroes
O próprio poeta possui um sinete de Shapur 1, um ónix, provavelmente Parvezteve sua origem simplesmente no fato de a amável e charmosa Xi
cortado por um artista ocidental da época, talvez um prisioneiro de guerra. rin ter se mantido fiel à fé católica.
E se o escultor do sinete tivesse sido mais hábil que o escultor de selos Tudo isso, mesmo se considerado apenas superficialmente, obriga-nos
do vencido Valentiniano?' Sobre a aparência das moedas da época, infe a admitir que os objetivos e modos de agir dos sassânidas merecem todos
lizmente sabemosmuito pouco Mesmo o conteúdo poético e fantástico os elogios. Eles apenas não foram poderosos o suficiente para, cercados
daqueles monumentos remanescentesreduziu-se pouco a pouco à prosa de inimigos por todos os lados, sobreviverem numa das mais turbulentas
histórica por meio do esforço de especialistas.Neste exemplo percebemos épocas. Depois de forte resistência, foram subjugados pelos árabes, que
também,claramente,que um povo pode estar num alto nível moral e re- Maomé havia unificado e elevado à potência mais temível de todas.
ligioso, cercar-sede pompa e circunstância,e mesmo assim ser contado
entre os bárbaros no que diz respeito às artes. Maomé
Da mesma forma, se quisermos apreciar de maneira carreta a poesia
oriental e especialmentea poesia persa do período seguinte, e não supe- Como em nossasconsideraçõespartimos ou retomamos ao ponto inicial
restimá-la para nosso próprio desgosto e embaraço posteriores, devemos da poesia, é apropriado para nossos objetivos que falemos primeiramente
considerar de forma adequada onde, afinal de contas, a verdadeira e digna
arte poética poderia ser encontrada naqueles dias.
10 Bidpai lou em francêsP//poy)é o nome de um lendário autor indiano a quem se atribuem
antigos contos indianas coligidos ra obra chamada Panchafanfra. Essasnarrativas normalmente
9
Goethe cita erroneamente o imperador romano Valentiniano 1 (3n 372 d.C.), mas refere se ao envolvem animais, com uma "moral da história", semelhante às fábulas de Esopo ou aos contos
rnperador Valeriano 1(200 260 d.c.l. coligidos pelos irmãos Grimm
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DIVA OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DII/Â OCIDENTO-ORIEN7HL
desse homem extraordinário que afirmou ser profeta e não poeta, e que Diremos aqui com as palavras de um excelente homem aquilo que há
por isso seu Corão deveria ser visto como a lei divina e não apenas corra de mais importante que todo pesquisador da história deve reter':
livro humano, para instrução ou deleite.Se quiséssemosabordar coH
maior precisão a diferença entre poeta e profeta, diríamos: ambos são O objetivo principal do Carãopareceter sido unificar no reconhecimentoe no
tomados e inflamados por um deus, mas o poeta esbanja seu dom em louvor do único, eterno e invisível Deus, por cuja onipotência todas as coisas foram
deleite, para produzir o deleite, para conquistar glória e, de todo modo. criadase aquelasque ainda não foram podem ser criadas,do mais alto soberano,
Juiz e senhor de todos os senhores, sob a determinação de certas leis e dos signos
uma vida tranquila com aquilo que produz. Todosos demais fins ele
exteriores de certas cerimónias de uso em parte antigo, em parte novo, e que fo
esquece; almeja ser amplo, mostrar-se ilimitado em suas convicções e em
ram inculcadas por meio da concepção de recompensas e castigos tanto temporais
sua criação artística. O profeta, por outro lado, enxerga apenas um único
quanto eternos -- os confessores das três diferentes religiões então dominantes
fim. Para alcança-lo, lança mão dos meios mais elementares. Ele deseja na populosaArábia, que na sua maioria viviam no dia a dia misturadasumas às
propagar alguma doutrina e reunir os povos por meio dela e em torna outras e erravam sem pastores e guias, enquanto a maior parte dos idólatras e os
dela, como à volta de um estandarte. Para isso, é necessárioapenas que o restantes,ou judeus ou cristãos, eram de uma fé altamente errónea e herege;e
mundo creia; assim, ele deve ser e permanecermonótono, pois, admita- trazê ]os todos à obediência de Maomé, o profeta e enviado de Deus que, depois
mos, ninguém crê naquilo que é diverso. das repetidas lembranças, promessas e ameaças dos tempos antigos, deveria final-
Todo o conteúdo do Corão, para dizer muito com poucas palavras, en- mente plantar e afirmar a religião verdadeira de Deus por meio da violência das
armas,de modo a ser reconhecidotanto pelos altos sacerdotes,bispos ou papas
contra-se no início da segunda surata, e enuncia o seguinte:
nas coisas santas quanto pelos maiores príncipes nas mundanas.
Eis o livro que é indubitavelmente a orientação dos tementes a Deus; Que creem
no incognoscível, observam a oração e gastam daquilo com os que agraciamos; Mantendo em vista esse modo de ver, não poderemosnos aborrecer
Que creem no que te foi revelado (ó Mohammad), no que foi revelado antesde com o muçulmano se ele chamar o tempo antes de Maomé de tempo da
ti e estão persuadidos da outra vida. Estespossuem a orientação do seu Senhor e ignorância e se estiver totalmente convencido de que é com o lslã que
estes serão os bem-aventurados. Quanto aos incrédulos, tento se lhes dá que os inicia a iluminação e a sabedoria. Conforme seu conteúdo e seu objetivo,
admoestes ou não os admoestes; não crerão. Deus selou os seus corações e os seus o estilo do Cotão é rígido, temível e em alguns trechos verdadeiramente
ouvidos; seus olhos estão velados e sofrerão um severo castigo. (ALCORÃO,
2:2-7):: sublime. Assim, uma pedra move a outra, e assim ninguém pode se espan-
tar da grande eficácia desse livro. Essa é a razão pela qual ele foi declarado
E assim o Carão se repete surata após surata. Crença e descrença se também pelos verdadeiros louvadores como algo não criado pela mão do
dividem em superior e inferior; Céu e Inferno são apresentados para os homem e eterno como Deus. Não obstante isso, havia boas cabeçasque
convertidos e negacionistas.Uma definição mais precisa do mandamento reconheceramuma forma melhor de poetar e de escrevera partir da época
e da proibição, histórias fabulosas de religião judaica e cristã, amplificações anterior, e afirmavam que, se não tivesse agradado a Deus revelar de uma
de todo tipo, tautologias e repetições ilimitadas formam o corpo desse livro vez só a Sua vontade e uma educaçãodecididamente legal por meio de
sagrado que se opõe a nós quanto mais nos dirigimos a ele, depois nos atrai Maomé, os árabes teriam galgado pouco a pouco por si mesmos um tal
novamente, põe-nos em admiração e no final nos compele à reverência. degrau e um ainda mais alto, e teriam desenvolvido conceitos mais puros
em uma língua pura.
11
Citações do Cotão em português retiradas de: 0.4/cotão Sagrado. Versão digital do Centro Cultural 12 Jacob Golíus(1596-16671,orientalista e matemático holandês, reeditou a obra GrammaffcaÁraólca
BeneficenteÁrabe Islâmico de Foz do lguaçu. Disponível em: <http://wwwligaislamica.org.br/ 116561
de Thomas Erpenius (1584lõ241. O trecho citado por Goethe é do posfácio de Golius à
alcofao.sagra do.pd f> Grammatica
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIVÃ OC/DEITO-OR/EN7HL
Outros, temerários, afirmam que Maomé estragou sua língua e sua li- Califas
teratura de tal modo que estasnunca se recuperariam.Contudo, o mais
temerário de todos -- um brilhante poeta -- foi audaz o suficiente para as-
Pararetornarmos ao nosso círculo mais íntimo, repetimos que os sassâ-
segurar: tudo o que Maomé disse ele também queria ter dito e de maneira
melhor, e já estavajuntando alguns sectários em torno de si. Por isso, de- nidas governaram por quatrocentos anos, no final talvez sem a força e
o brilho de outrora. Se tivessem se mantido ainda por algum tempo, é
ram a ele o apelido zombeteiro de Mota7znabí,
que é o nome pelo qual o co.
certo que o poder dos árabes não teria crescido, de sorte que nenhum dos
nhecemos e que significa "alguém que gosta muito de brincar de profeta"
reinos antigos estavamais em condições de resistir a eles.Já sob Omar,
Agora, se a crítica muçulmana encontra muito o que refletir no Corão
por não se encontrarem anualmentemais alguns trechos que haviam sido logo após Maomé, essa dinastia que havia cultivado a antiga religião
persa e espalhado um grau incomum de cultura viria a sucumbir.
inseridos nele anteriormente, ou mesmo outros contraditórios e que se
anulavam, e coisas similares que são falhas inevitáveis em todas as tradi- Os árabesatacaramimediatamente todos os livros que, no seuponto
de vista, eram apenas escritos supérfluos ou nocivos; destruíram todos
çoes escritas: mesmo assim esselivro manteve sua efetividade por tempos
os monumentos da literatura, de modo que com dificuldade os meno-
imorredouros por ter sido redigido de maneira totalmente prática e con-
res fragmentos chegaram até nós. A língua árabe, introduzida logo em
forme às necessidadesde uma naçãoque fundamenta sua refutação em
antigas tradições e mantém-se fiel a ritos tradicionais. '-- seguida, impediu que se restabelecesse aquilo que podia se chamar de
Em sua recusa da poesia, Maomé mostra-se também bastante coeren- elemento nacional. Mesmo assim, a cultura dos conquistados superou
pouco a pouco a crueza do conquistador, e os vitoriosos maometanos
te ao proibir todas as fábulas. Essesjogos de imaginaçãoleviana -- que
oscilam incessantemente do real ao impossível e apresentam o imprová- aprenderam a gostar do prazer pelo luxo, dos belos costumes e dos res-
vel como verdade indubitável -- eram muito adequados à sensibilidade tos poéticosdos conquistados.Por isso, a época mais brilhante ainda
oriental, a uma tranquilidade macia e a uma preguiça confortável. Essas é aquela na qual os Barmecidas tiveram influência sobre Bagdá. Estes,
originários de Balkh, não tanto monges mas patronos e protetores de
imagens fugazes, flutuando sobre um solo caprichoso, multiplicaram-se
até o infinito na época dos sassânidas,como nos exemplificam as À4í/ e grandesmosteiros e instituições de ensino, preservaram entre si o fogo
uma }zo/tes,alinhadas como estão por um Ho tênue. Sua característica es- sagradoda arte da poesia e da retórica e firmaram-se, por meio de sua
sencial é a de não terem nenhum objetivo moral e, por isso, conduzirem e prudência e grandeza de caráter, numa alta posição na esfera política.
Portanto, diz-se proverbialmente que a era dos Barmecidasfoi uma era
carregarem as pessoasnão de volta para si mesmas, mas sim para fora de
si e para a liberdade incondicionada.Foi justamente o oposto que Mao- de vida e ação tão intensas que podemos apenas ter a esperança de que,
mé quis causar. Contemplemos como ele soube converter as tradições do tão logo tenha passado,volte talvez a brotar depois de alguns anos em
outros lugares sob condições semelhantes.
Antigo Testamento e os eventos de famílias patriarcais -- que sem dúvida
também se baseavam na crença incondicional em Deus, numa obediência Mas o califado também teve curta duração: o enorme império se man
teve por parcos quatrocentos anos. Os governadoresmais distantes tor-
navam-se pouco a pouco mais independentes por terem transformado o
soube expressar e aprimorar ainda mais, com minúcia inteligente, a crença
caliça,no melhor caso,num poder espiritual e num concessorde títulos e
em Deus, a confiança e a obediência. Apesar de ele mesmo ter se preocu- honrarias eclesiásticas.
pado em permitir algo de fabuloso, foi sempre a serviço de seus objetlvos.
Ele é admirável se contemplarmos e avaliarmos, nesse sentido, os aconte-'
''
cimentos pelos quais passaram Noé, Abraão e José.
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NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)II/À OCIDENTO-ORIEN7Ht
Comentário para prosseguimento na planície do Eufrates, prosseguiu com as atividades de seu predecessor
e se fez famoso à maneira de Alexandre e Frederico. Ele levou os califas a
Ninguém nega a açãofísica do clima sobre a formação da pessoahumana se tornarem uma espécie de poder espiritual que tinha algum reconheci-
e de características corporais", mas nem sempre se pensa que a forma de mento, certamente para proveito próprio; mas então ampliou o império em
governo pode criar um estado moral e climático no qual as características torno de si, avançouem direção à Índia com grande força e sorte singu
e diferentes modos de ser se desenvolvem. Não falamos da multidão, e lar. Como o maometano mais ávido, afirmou-se incansável e firmemente
sim de figuras importantes e de destaque. na expansãode sua fé e na destruiçãoda idolatria.A crençano Deus
Na república formam-se índoles grandiosas, felizes, de atividade pací- único sempre eleva o espírito quando remete as pessoasà unidade da
fica e pura; se ela ascendepara a aristocracia,surgemhomens honrados, sua própria interioridade. Mais próximo está o profeta nacional que exige
consequentes, hábeis, admiráveis em ordenar e obedecer. Se um estado apenas adesãoe formalidades e que comanda a expansão de uma religião
entra na anarquia, imediatamente surgem pessoasousadas, ladinas e que que, como qualquer outra, abre ao espírito sectário e partidário um espaço
desprezam os costumes, agindo repentinamente de maneira violenta até para infinitas interpretações e más interpretações, não obstante permane-
o espanto, banindo toda e qualquer moderação. O despotismo, por outro cendo sempre a mesma.
lado, cria grandesíndoles; visão calma e inteligente, atividade rígida, fir- Tal veneraçãosimplória de Deus tinha que se opor de maneira acirra-
meza, decisão: todas características necessárias para servir aos déspotas, da à idolatria indiana, evocarreação e luta, e até mesmo guerras de des
e que se desenvolvem em espíritos capazes e proporcionam a eles as pri- truição, ao passo que a avidez pela destruição e pela conversão permitia
meiras posições do Estado, onde se educam como governantes. Estes cres- sentir-se elevada por meio da conquista de infinitos tesouros. Imagens
ceram sob Alexandre Magno, e depois de sua precoce morte seus generais enormes e grotescas,cujos corpos ocos estavam repletos de ouro e jóias,
tornaram-se imediatamente reis. Com os califas acumulou-se um enorme foram reduzidas a pedaços e enviadas, em quatro partes, a vários recantos
império, que tiveram que comandar por meio de governantes cujo poder e de locais maometanos para reparos. Ainda hoje os monstros indianos são
independência floresceram na mesma medida em que retiravam a força do odiados por qualquer sentimento puro. Como os maometanos, aqueles
monarca supremo. Um homem excelenteque conseguiu fundar e merecer que não usam imagens, devem tê los achado abomináveisl
um império próprio é aquelesobre o qual falaremosem seguida,para co- Não seria totalmente deslocado aqui comentar que o valor original
nhecermos o fundamento da nova arte poética persa e seus significativos de uma religião pode ser avaliado a partir de suas consequênciasapenas
princípios de vida. depois de passadosalguns séculos.A religião judaica sempre vai difundir
certa teimosia estagnada, mas também uma inteligência lide e a ativida-
Mahmud de Gázni de viva; a maometanonão permite que seusfiéis saiam de uma limitação
abafada quando, sem demandar grandes obrigações, concede-lhes, dentro
dessasmesmas obrigações, tudo aquilo que é desejável e, simultaneamen-
Mahmud, cujo pai havia fundado um poderosoimpério nas montanhas
na fronteira com a Índia enquanto os califas afundavam para a destruição te, por meio de uma perspectivapara o futuro, instiga e preservaa cora
gem e o patriotismo religioso.
A doutrina indiana não tinha muito uso fora de sua casa,pois seus
13 Goethe aqui se refere à chamada teoria climática, ainda em vigor na sua época, que sugere que muitos milhares de deuses-- nenhum deles subalterno, todos igual e in-
as condições naturais em que vive um povo determinam suas características morais, físicas,
condicionalmentepoderosos-- apenasconfundem ainda mais as vicissi-
psicológicas e linguísticas. Segundo essa teoria, povos que vivem em regiões muito quentes
tenderiam a ser preguiçosos e lascivos, enquanto os que vivem em regiões de frio mais rigoroso tudes da vida, estimulam o absurdo de toda paixão e favorecem a loucura
seriam mais dados a tarefas intelectuais e teriam mais energia. dos vícios como o mais alto grau da santidade e da felicidade.
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Mesmo um politeísmo elevadamentepuro -- como o dos gregos e dos Negociantes e viajantes sempre fizeram crescer os tesouros e os conhe-
romanos -- acabou num caminho errado, perdendo tanto seus fiéis quanto cimentos. O interior do país, do Eufrates até o Indo, representava um mun-
a si mesmo. Por outro lado, a religião cristã merece o mais alto louvor, pois do próprio de objetos. Uma massade povos litigantes entre si, governantes
sua origem pura e nobre se cona.ma pelo fato de, mesmo depois das maio- expulsos e expulsantes, criavam uma surpreendente alternância entre vitó-
res aberraçõesàs quais conduziu as pessoassem esclarecimento, sempre ria e servidão, e faziam com que homens inventivos escrevessem as mais
ressurgir com sua primeira e amável característica como uma missão, como tristes observaçõessobre a onírica inconstância das coisasterrenas
uma comunidade familiar ou como uma irmandade para saciar as necessi- Devemoster em mente tudo isso e muito mais, na amplitude da infi-
dades éticas do ser humano.
nita hagmentação e do instantâneo restabelecimento, para que sejamos
Se aprovarmos o zelo iconoclasta de Mahmud, concederemosa ele os
justos com os poetas a seguir, sobretudo com os persas. Pois qualquer um
tesouros que ganhou na mesma época, e o valorizaremos sobretudo como
admitirá que as condições descritas não podem de maneira alguma servir
fundador da poesia e da alta cultura persas.Ele, saído de um clã persa, não como elementos dos quais o poeta poderia se nutrir, crescer e prosperar.
se deixou levar pela limitação dos árabes,e chegavamesmo a sentir que o Por isso, permitimo-nos abordar desde já a nobre contribuição dos poetas
mais belo solo e fundamento para a religião encontrava-se nessanacionali-
persasda primeira era como problemática. Mesmo essaépocanão pode
dade. Esta reside na poesia,que nos transmite as mais antigas histórias em ser considerada como a mais elevada. Devemos tolerar muitas coisas en-
imagens fabulosas, manifesta-se com clareza cada vez maior e, sem saltos, quanto os lemos, e perdoar-lhes outras depois de termos lido.
conduz o passado ao presente.
Com essas observações, chegamos ao século X da nossa contagem. Reis poetas
Lancemosum olhar sobre a alta cultura que semprese infiltrou no Orien-
te, independente da religião. Aqui foram coletados, quase contra a vontade
Muitos poetas se reuniram na corte de Mahmud: fala-se de quatrocentos que
dos selvagens e cacos governantes, os restos das contribuições gregas e ro-
ali praticavam a sua arte. E como tudo no Oriente deve se subjugar e subme-
manas e de muitos cristãos inventivos cujas peculiaridades foram rejeitadas ter a mandamentos superiores, da mesma forma o príncipe designou-lhes
pela igreja, pois esta, assim como o lslã, também tinha que trabalhar sobre um príncipe dos poetas que deveria testa-los, avalia-los e estimula-los ao
a base da crença única.
trabalho, de acordo com o talento de cada um. Essecargo era tido como um
Mas duas grandes ramificações do conhecimento e da ação humana
dos mais primorosos da corte: ele era ministro de todos os negócios cientí-
obtiveram uma atividade mais livre l
ficos, históricos e poéticos; por meio dele eram partilhados todos os favores
A medicina deveria curar as aflições do microcosmo, e a astronomia deve-
aos súditos, e quando ele acompanhava a corte, isso era feito em companhia
ria traduzir aquelas coisas com as quais o firmamento quer lisonjear ou amea-
tão grande e com um cortejo tão majestoso que se poderia muito bem pensar
çar nosso futuro. A primeira deveria honrar a Natureza e a última a matemáti- que fosse um vizir.
ca, e dessa forma ambas eram altamente recomendadas e bem cuidadas.
A administração de negócios sob regentes despóticos permaneceu Tradições
sempre uma empresa perigosa, mesmo sob grande atenção e precisão, e
um membro da chancelaria tinha que ter tanta coragem para se mover
Se alguém tiver que refletir sobre dar notícia a futuras gerações a respeito
dentro do divã'' quanto um herói para a batalha.Tanto um quanto outro
não estavam certos se voltariam a ver seus lares. de eventos que Ihe dizem respeito diretamente, essapessoa terá que se
sentir confortável com o presente e possuir uma sensibilidade para o alto
14
valor dessaépoca.Assim, ela primeiramente fixa na memória aquilo que
Aqui, "divã" na acepção de "conselho do regente'
ouviu dos patriarcas e o transmite recoberto de fábulas, pois a tradição
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)II/Â OC/BENTO-OR/EN7HL
oral sempre cresce de maneira fantasiosa. Se, porém, a escrita já tiver sido Ferdusi'; ( morto em 1030)"
inventada, então a alegria de escrever toma um povo após o outro, e desse
modo surgemcrónicasque preservamo ritmo poético por muito tempo
A importante época da arte poética persa que ora alcançámosnos permite
depois que a poesia já tiver desaparecido da imaginação e do sentimento.
contemplar os grandes acontecimentos mundiais que se desenvolvem
A última época nos fornece detalhados memoriais e autobiografias sob
quando certas afinidades, conceitos e intenções, disseminados aqui e ali de
várias formas.
maneira esparsa e sem coesão, movem se e crescem silenciosamente até
No Oriente também encontramos documentos bastante antigos so-
que, cedo ou tarde, dá-se uma cooperação geral. Nesse sentido, é bastante
bre uma importante cultura do mundo. Se nossoslivros sagradosforam
curioso que, na mesma época em que um poderoso príncipe ansiava pelo
codificados por escrito em certo momento posterior, suas tradições ori-
restabelecimentode uma literatura popular e tribal, um filho de jardineiro
ginárias são muito antigas e não podem ser contempladas com gratidão de Tus tenha também se apropriado de um exemplar do BasfaFz-?zízme/z e
suficiente. O quanto não deve ter surgido em alguma ocasião também no dedicado fervorosamente seu belo talento nato a tais estudos.
Oriente Médio, que é como podemos chamar a Pérsia e suas cercanias,
Com o objetivo de queixar-se a respeito do governante local devido
e se preservado apesar de toda devastação e fragmentaçãol Pois se para
a maus-tratos,ele se dirige à corte, esforça-seem vão por longo tem-
uma cultura superior se desenvolver em grandes extensõesde terra é bom
po para chegar a Ansari e alcançar seu objetivo por meio da intervenção
que elas não estejam submetidas a um único senhor, mas divididas entre deste.Por fim, um dístico rimado feliz e cheio de conteúdo, dito assim
vários, essa mesma condição serve à preservação, pois o que se perder
de chofre, faz com que o rei dos poetas o conheça e, tomando confiança
numa região vai perdurar em outra, o que for expulso deste canto vai po- do seu talento, recomende-o e Ihe confira o encargo de trabalhar nessa
derfugir para outro.
grande obra. Ferdusi inicia o Sbah-rzanzeh sob condições favoráveis. No
Dessamaneira, a despeito de toda destruição e devastação,devem ter início chega a ser bastante bem recompensado, mas depois de trinta anos
sido preservadasmuitas cópias de eras passadasque, de tempos em tem-
de trabalho, o presentedo rei não corresponde de maneira alguma às suas
pos, foram em parte copiadas,em parte renovadas.Assim descobrimos expectativas. Amargurado, ele abandona a corte e em seguida morre, justo
que sob ]zdegerdes [111,624-651], o ú]timo sassânida, foi compilada uma no momento em que o rei se lembra dele novamente de maneira favorável.
história do império, coligida provavelmentea partir de antigas crónicas, Mahmud vive por quase um ano a mais que ele, quando o velho Essedi,
semelhante àquela que Aasvero no livro de Enterjá mandava ler em noites mestre de Ferdusi, termina de escrever o Shah-narre/z.
insones. Preservaram-se cópias dessa obra, intitulada /3astarz-/game;z:
qua- Esta obra é um importante e sério fundamento nacional místico e his-
trocentos anos depois, sob Mansur l [t915j da casa samânida, fez-se uma
tórico no qual estão preservadas as origens, as vidas e as obras de antigos
reelaboraçãoque permaneceuinacabada,e a dinastia foi engolida pelos
gaznévidas. Contudo, Mahmud -- o segundo soberano de seu clã -- foi
tomado do mesmo impulso, e dividiu sete partes do Basfan-7zameh entre 15
ferdusi(940-1020) viveu em Tus, no Coração, na época em que a dinastia gaznévida dominava
sete poetas da corte. Ansaril1006-10881 foi quem conseguiu dar maior a região. Como Goethe delineia em seu texto, Ferdusi jque em persa quer dizer "aquele que veio
do Paraíso")compôs o monumental épico Shah nameh ou Livro dos reis, u'n poema com mais
satisfação a seu senhor, sendo nomeado rei dos poetas e encarregado de
de 60 mil dísticos que recupera a história da Pérsia desde suas míticas fundações até logo antes
terminar de elaborar a obra como um todo. Ele. porém, suficientemente
do domínio árabe sobre a região.O Shot-nameh ainda não tem tradução para o português,e foi
confortável e sagaz, soube atrasar essa empresa e deve ter encontrado ou- vertido para o alemão por Friedrich Rückert
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NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DII/Á OCIDENTO-OR/EN7HL
heróis. Ela trata tanto do passadoremoto quanto do mais próximo, e por quais ele mesmo conseguisse se elevar? Como a vinha no olmo e a hera no
isso no fim das contas é o conteúdo verdadeiramente histórico que se des- muro, nessas pessoas ele se enreda para satisfazer o olho e a mente. Deve-
taca, ao passo que as fábulas mais antigas transmitem de maneira enco- moscensurar um joalheiro que passa sua vida a utilizar as pedras preciosas
berta muitas verdades arcanasda tradição. de ambas as Índias para adornar pessoas excelentes? Devemos exigir-lhe
Ferdusi parece ter se qualificado de maneira soberba para uma Obra que adote o ofício, claramente muito prático, de pavimentador de estudas?
desseporte, pois se manteve apaixonadamente fiel a tudo que era antigo Mas enquanto nosso poeta estava de bem com a Terra, o Céu o arrui-
e verdadeiramente nacional, e no que se refere à língua também procurou nada.O povo foi exaltadopor uma previsãoimportante: certo dia uma
alcançar a antiga pureza e destemor, ao banir palavras árabes e dedicar enorme tempestade devastada a Terra.Ela, contudo, não sobreveio, e nem
atenção especial ao antigo dialeto pálavi. mesmo o xá conseguiu salvar seu preferido contra a fúria geral da corte e
da cidade.Ele, então, fugiu. Na remota província, o caráter resoluto de um
Anvari'' ( morto em 1152) amigávelgovernante foi tudo o que conseguiu protegê-lo.
Contudo, a honra da astrologia pode ser salva se assumirmosque a
Estudou em Tus, uma cidade famosa por suas importantes instituições conjunção de tantos planetas em um zílzícosigno apontaria para o futuro
de ensino e até mesmo suspeita de ter uma cultura alta demais. Quando, de Genghis Khan, que gerou mais devastaçõesna Pérsia do que qualquer
sentado em frente aos portões da escola,avista um grande homem passar tempestade de vento poderia ter causado.
a cavalo com seu pomposo séquito e ouve, maravilhado, que se trata de
um poeta da corte, ele se decide naquele momento a alcançar a mesma Nezami" (morto em 1180)
altura. Um poema escrito durante toda a noite, com o qual obteve a graça
do príncipe, chegou até nós. Um espírito delicado e altamente dotado que, tendo Ferdusi esgotado
Neste e em muitos outros poemas que chegaramaté nós, olha-nos todas as tradições de histórias de heróis, escolheu como matéria de seus
um espírito alegre, dotado de infinito tato e uma afiada e feliz perspi- poemasas mais amáveistrocas do amor mais íntimo. Majnun e Laica,
cácia, comandando uma quantidade imensurável de material. Ele vive Cosroese Xirin, pares de amor, ele os apresenta: destinados um ao outro
no presente, e da mesma forma que passa diretamente de aluno para por meio de intuição, habilidade, natureza, hábito, inclinação e paixão;
homem da corte, torna-se um livre encomiasta e descobre que não há decididamente movidos um em direção ao outro; depois, porém, separa
artesanatomelhor do que deleitar seus convivaspor meio de elogios. dos por capricho, obstinação, acaso, necessidade e dever, para depois se
Príncipes, vizires, mulheres nobres e belas, poetas e músicos ele orna reunirem de modo singular e, no final, de uma forma ou de outra, serem
com seu louvor, e sabe aplicar a cada um algo atraente retirado do amplo novamentearrancadose separadosum do outro.
repertório do mundo. Essestemas e esse modo de tratamento estimulam um anseio ideal.
Por isso, não podemos considerar justo que após tantos séculos ainda Não encontramos satisfação em lugar algum. A graça é abundante, e a
se considere que ele foi culpado pelas condições nas quais viveu e utilizou multiplicidade, infinita.
seu talento. O que dobraria de um poeta se não existissem grandes pessoas
poderosas, inteligentes, ativas, belas e habilidosas com virtudes acima das
]8 Nezami,Nisami ou rxizami(1141-1209)
de Ginja, no atual Azerbaijão,autor de várias histórias de
amor romântico(comode Majnune Laicae de Cosroee Xirin),é tido co"ao o mais importante
17 Poetae astrónomopersa,Anvari(11261189)tem sua obra coligadanum D/vã,do qual a elegia representante do épico romântico na literatura persa. Dentre suas obras mais famosas destaca-se
Lágrimas do Coração"(traduzida ao inglês pelo orientalista E. H. Palmer como "The Tearsof o poema Ha/t PoJ/karIAs seteóe/ecos),cuja história serviu de inspiração para as peças Turandof
Khorasan") é a mais famosa. colocadas em cena por Carta Gozzl e Frledrich Schíller.
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NOTAS E ENSAIOS IRRA MELHOR COMPREENSÃO DO DIVA OC/BENTO-ORIENTAL
Em seus outros poemas dedicados a fins diretamente moralistas pulsa pessoasideais, o poeta devoto a Deus toma refúgio no ser impessoal que
a mesma clareza amável. Toda a ambiguidade que o ser humano encontra permeia tudo desde a eternidade.
ele sempre traz de volta para o domínio das coisas práticas, achando numa Assim,Altar fugiu da corte para a contemplação,e Jalalal-Din, um jo-
forma ética de ação a melhor solução para todos os enigmas. vem puro e que também se afastarada capital e do príncipe, foi incitado de
No mais, consoante a sua tranquila atividade, levou uma vida sossega- maneira ainda mais intensa aos estudos mais profundos.
da sob os seljúcidas [império turco-persa, 1037-1194], e foi enterrado em Depois de completadas as peregrinações pela Ásia Menor com seu
sua cidade natal, Ginja. pai, eles se assentamem lconium jatual Cânia, Turquia]. Ensinam, são
perseguidos, expulsos, depois reinstalados, e por fim sepultados ali
Jalal al-Din Rumi''(morto em 12621 mesmo,junto com um de seusmais fiéis colegasde estudo.Nesseín-
terim, Genghis Khan tinha conquistado a Pérsia sem tocar a tranquila
Acompanhou seu pai, que deixou a cidade de Balkh por desavençascom o morada deles.
sultão, e iniciou longa jornada. A caminho de Meca, encontraram Attar:', De acordo com a apresentaçãoacima, ninguém deve culpar essegran-
que presenteouo jovem com um livro de segredosdivinos, instigando-o de poeta se ele se direcionar a coisas abstrusas. Suas obras parecem ter
aos estudos sagrados. algo de colorido; ele trata de historinhas, contos, parábolas,lendas, ane-
Aqui devemos comentar o seguinte: o verdadeiro poeta sente-se cha- dotas, exemplos e problemas para, assim, tornar acessíveluma doutrina
mado a recolher em si a majestade do mundo, e por isso sempre será mais misteriosa da qual nem ele mesmo sabeprestar contas de maneira muito
inclinado para o elogio do que para a acusação.Disso decorre que ele ten- clara. A instrução e a edificação são o seu objetivo, mas no geral ele pelo
ta encontrar o objeto mais digno e, após esgotar toda sua busca, dedicar menos tenta, por meio da doutrina da unidade, resolver todos os anseios
seu talento de preferência ao louvor e à glorificação de Deus. Essaneces- ainda que não possa resolvê-los, e indicar que é no ser divino que tudo
sidade, contudo, é mais afeita ao oriental, pois este sempre tende à exu- submerge e transfigura-se no final.
berânciae crê experimentaressaexuberânciana maior plenitude ao con-
templar a divindade, de modo que não devemos culpa-lo por excessosem Saadi:'(morto em 1291com 102anos)
qualquer de suas realizações.
O chamado rosário maometano ja misbaha],por meio do qual o nome Nascido em Xiraz, estudou em Bagdá, e por infortúnio no amor foi desti-
de Alá é glorificado com 99 características,é uma dessaslitanias de louvor nado já jovem à vida nâmade de dervixe. Quinze vezes peregrinou a
e adoração.Características
afirmativase negativasdesignamo mais in- Mleca,e em suascaminhadas alcançoua Índia e a Ária Menor, chegando
compreensível dos seres; o crente maravilha-se, entrega-se e acalma-se. ao Ocidente como prisioneiro dos cruzados. Sobreviveu a fabulosas aven-
E enquanto o poeta secular associa as perfeições que tem em mente com turas e adquiriu grande conhecimento sobre países e pessoas.Depois de
trinta anos, recolheu-se, revisou suas obras e as fez conhecidas. Viveu e
trabalhou dentro de uma ampla gama de experiências,e sua obra é rica
19 Mawlãnã Jalãl-ad-DTn Muhammad RümT(1207-12731nasceu em Balkh, na região do Coração, foi
em anedotas enfeitadas com ditados e versos. Instruir leitores e ouvintes
poeta,jurista e místico sua com uma obra que canta sobretudo o amor e a unidade entre todos
éseu decidido propósito.
os sereshumanos. Deixouvasta obra, com ruóaÜof(quadrinhas), gazéis,o poema longo Masnav/,
o D/wan-/ Shamse-ãoór/z/(D/vãde Shamsde nabo/z,escrito por Rumaapós a morte do místico
errante Shamsl e o conjunto de sermões rfh/ ma flhf, coligido por seus discípulos após sua morte.
21
No Brasil temos traduções de Marco Lucchesi, José Jorge de Carvalho e André L. S. Vergas. Saadi 11184-1291)
foi um dos maiores poetas persas- De sua obra chegaram até nós sobretudo
o Gu/isfar7(OJardim das rosas, traduzido no Brasil por Aurélio Buarque de Hollanda) e o Bastam
20 Fariduddín Attar de Níshapur 11145-12211,
um poeta muçulmano persa,da ordem sua. tOjardim floridos
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS ])ARA MELHOR COMPREENSÃO DO DJ}H OCIDENTO-OR/ENTRE
Viveu seu centésimo segundo ano muito recluso em Xiraz, e foi en-
sensível tinha que enveredar todos os esforços para voltar novamente à
terrado lá mesmo Os descendentes de Genghis Khan fizeram do Irã um basedo bom e puro texto. Por isso, na história do lslã também admiramos
reino próprio no qual as pessoaspuderam viver em paz. a exegese, a aplicação e o uso.
O mais belo talento poético foi educado e treinado para tal habilidade;
Hafez"(morto em 1389) a ele pertencia todo o Corão, e nenhum edifício religioso fundado nesse
livro era mistério para ele. Ele mesmo dizia:
Quem ainda se lembra de como, na metade do século XVlll, entre os
protestantes da Alemanha não se encontravam apenas clérigos, mas Foi por meio do Carão
também leigos que haviam se apropriado das Escrituras Sagradasa tal Que íiz tudo o que consegui.:'
ponto que, como enciclopédiasvivas, eram capazesde dizer onde cada
provérbio se encontrava e em que contexto, sabiam também os principais Como dervixe, sua e xeique, ele ensinou em sua cidade natal Xiraz, de
trechos de cor, e os tinham sempre prontos para qualquer aplicação deles; onde não saiu e onde era muito admirado e estimado pela família Muz-
este terá de admitir que em tais homens formou-se uma grande erudi- zafar e suas conexões. Ocupou-se de trabalhos teológicos e gramaticais, e
ção, pois a memória sempre ocupada de temas nobres preservava, para reuniu grande quantidade de discípulos ao seu redor.
o deleite e para o julgamento, material semprepronto a ser apreciadoe Seuspoemas encontram-se em posição diametralmente oposta a tais
aplicado.Chamavam-nos conhecedoresda Bíb]ia [bíbeeáest], e ta] ape]ido estudos sérios e a uma carreira real de professor, oposição passível de ser
emprestava uma honra excepcional e uma inequívoca recomendação. resolvida se dissermos que o poeta não deve pensar e viver tudo aquilo que
O que surgiu entre nós cristãosa partir de disposiçãonatural e de fala -- pelo menos aquele que, posteriormente, envolve-se em situações
boa vontade era obrigação para os maometanos. Se tal irmão de fé alcan- complicadas nas quais sempre se vale de uma máscara retórica e apresenta
çavao grande mérito de fazer ele mesmo cópias do Cotão ou de man- aquilo que seus contemporâneos querem ouvir. Parece-nos ser esse o caso
dar fazê-las,não era mérito menor aprender o mesmolivro de cor, de de Hafez. Pois da mesma forma que um contador de contos não acredita
modo a poder, a cada ocasião,recitar as passagensapropriadas e assim nos acontecimentos mágicos que narra, mas procura apenas anima-los da
promover edificação e resolver disputas. Dava-se a tais pessoaso título melhor maneira possível para o deleite de seus ouvintes, tanto menos o
honorífico de Hajez,e este é o nome distintivo que ficou para designaro poeta lírico precisa praticar tudo aquilo com o que procura deleitar e li-
nosso poeta.
sonjearleitores e cantores,dos mais altos aos mais baixos.Nosso poeta
Mesmo logo após a sua gênese,o Corno tornou-se objeto das mais também não pareceter dado muito valor às suascançõesmais fluidas, pois
infindas interpretações, deu ensejo às mais sofisticadassutilezas e, en- seusdiscípulos as coletaram apenas depois de sua morte
quanto estimulava os sentidos de todos, surgiam infinitas opiniões diver- Diremos pouco a respeito desses poemas, pois devemos frui-los e en-
gentes, combinações desvairadas, e as mais irracionais relações de todo trar em sintonia com eles. Deles flui uma vivacidade temperada, mas sem-
tipo foram tentadas, de tal modo que o homem realmente inteligente e pre crescente,modestamentefeliz e inteligente, que contempla de lon-
ge os mistérios da divindade mas também rejeita tanto a prática religiosa
22 Khwãja $amsu d DTnMuhammad Hãfez-e $írãzi(c. 1315-c. 13901,ou simplesmente Hafez, é o poeta quanto o prazer sensual. Assim, em geral esse tipo de poesia, seja lá o
lírico e místico persa com quem Goethe se relaciona mais intensamente para escrever o Z)/võ
que ela pareçaestar promovendo e ensinando, deve manter acima de tudo
oc/denso-orienta/. Seu pseudónimo significa "aquele que sabe o Corno de cor". A obra de Hafez é
uma mobilidade cética.
menta, mas sua recepção em língua portuguesa ainda não é muito profunda. Aurélio Buarque de
Hollanda publicou um volume com traduções em prosa de poemas feitas a partir do francês, em
Hafez(19441. 23
Durch den Koron hab' ich alces/ Wosmirje gelang gemacht
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOSPARA MELHOR COMPREENSÃODO D/VH OC/DEITO-OR/EN7ZL
Jami"(morto em 1494, aos 82 anos de idade) acima da multidão de homens excelentes,acima da miríade de talentos
medianos e cotidianos. Conseguiram isso tudo, porém, ao chegarem numa
Jami reúne todos os frutos dos esforços anteriores e soma toda a cultura reli- épocae numa situaçãoespeciaisnas quais puderam fazer uma generosa
colheita e também amenizar por algum tempo o impacto de sucessores
giosa, filosófica, científica e prosaico-poética. Tem a grande vantagem de ter
igualmente talentosos,até que novamente transcorresseum intervalo de
nascido 23 anos após a morte de Hafez e ter encontrado na juventude um
tempo no qual a Natureza revelaria novos tesouros ao poeta.
campo totalmente livre à sua frente. A maior clareza e a prudência são sua
Com isso em mente, retomemos uma a uma as pessoasapresentadas
propriedade. Assim, ele tenta e realiza tudo, e transparece simultaneamente
acima e comentemos que:
sensualidade e espiritualidade; a majestade do mundo real e do poético está
Ferdusí antecipou, preservando fabulosa ou historicamente, todos os
diante dele, e ele se move entre os dois. A mística não conseguiu cativa-lo
acontecimentos passados de Estado e do império, de modo que aos seus
Contudo, como ele não teria conseguidopreenchera esfera do interesse
sucessoresrestaram apenas referências e comentários, sem nenhum mate-
nacional sem ela, prestou contas históricas a respeito de todas as tolices por
rial paraum novo tratado ou apresentação.
meio das quais, gradualmente,o ser humano preso na sua forma terrena
tenta se aproximar e se unificar diretamente com a divindade. Mas nesse ,4nz;arímanteve-seno presente.Brilhante e portentosa como a Natu-
[eza se Ihe apresentava,contemplou a corte do seu xá também como cheia
processo vêm à luz no final apenas formas antinaturais, perversas e mons-
de alegrias e dádivas. Conectar ambos os mundos e suas vantagens com
truosas. Pois que outra coisa faz o místico que não se arrastar ao largo dos
as mais belas palawas era seu dever e prazer. Ninguém jamais se igualou a
problemas,ou empurra-los para o lado, se isso Ihe for possível?
ele nesse aspecto.
Nezami apanhou, com uma força amigável, tudo o que estava disponí-
Visão geral
vel na sua vizinhança a respeito de lendas de amor e de meios milagres.
Mesmo no Corão já havia a alusão de como seria possível tratar, elaborar e
Levando em conta a sequênciaordenada de modo muito respeitável dos
tornar aprazíveis arcanas tradições lacânicas para fins próprios, desenvol-
sete primeiros imperadoresromanos, costuma-se acreditar que essa vendo as em maior detalhe
história teria sido inventada de maneirainteligente e intencional, questão
Jalal ízZ-Dí7z
Rumaencontra-se desconfortável sobre o solo problemático
que deixamos aqui em aberto. Por outro lado, comentemosque os sete
da realidade, e procura resolver o enigma dos fenómenos internos e exter-
poetas -- considerados pelos persas como os primeiros e que apareceram
nos espiritual e espirituosamente, e por isso suas obras são novos enigmas,
um após o outro dentro de um intervalo de quinhentos anos-- têm uma
requisitando novas soluções e comentários. Por fim, sentiu-se impelido a
relação ética e poética entre si que também poderia nos parecer inventada
fugir para a doutrina da unidade, na qual tanto se ganha quanto se perde,
se as obras deles que chegaram até nós não nos dessemtestemunho de
sua existência real. e no fim o que resta é o zero, tão confortante quanto desconfortante.De
que modo, então, deve qualquer forma de comunicação se realizar, de ma-
Se contemplarmos melhor essa constelação sétupla, da maneira que
neira poética ou prosaica? Felizmente:
nos for possível a partir desta distância, descobriremos que todos possuíam
Slzízdí,
o excelente,
viajou parao grandemundo,foi soterradopor in-
um talento frutífero em renovaçãoconstantepor meio do qual se viram
findos detalhes empíricos dos quais soube tirar algum proveito. Sentiu a
necessidadede se compor, convenceu-sedo dever de ensinar, e é dessa
forma que se tornou frutífero e benéfico para nós, ocidentais.
24 Nascido em 1414e morto em 1492, o poeta e místico Jamí étido como o último dos poetas persas
clássicos. Autor de versos "românticos" nos quais imortalizou os mais famosos pa res amorosos da
Húláez,
um grande e alegretalento que se satisfazem rejeitar tudo aqui-
literatura persa: Majnun e Leila, e Yussufe Zuleica. lo a que as pessoasanseiam, em colocar de lado tudo aquilo que eles não
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS I)ARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIVA OC/DEITO-OR/EN7XL
querem suportar, e ao mesmo tempo em se mostrar como o alegre irmão ern suas atividades,prazerese contemplações,e é da mesma fom\a na poesia.
de seus iguais. Ele só recebeu verdadeira apreciação dentro de seu círcu. E se o oriental, no Hto de criar um efeito estranho, rimar o que não rima, assim
lo nacional e temporal. Contudo, transforma-senum companheiro para como o alemão que se deparar com tais coisas não deve olha-las de soslaio.
a vida toda tão logo o compreendemos.Assim, mais inconscientedo que A confusão que surge na imaginação por meio de tais produções é com-
consciente, hoje em dia pastores de camelos e mulas seguem cantando parável àquela que temos quando caminhamos dentro de um bazar oriental
suascanções,de modo algum devido ao sentido que ele mesmo, obsti- ou dentro de uma feira europeia. Nem sempre as mercadorias mais valiosas
nado, manteve fragmentado --, mas sim ao ânimo que se espalha,sempre estãobem separadasdas menos valiosas,elas se misturam aos nossos olhos, e
puro e prazeroso. Quem poderia sucedê-lo, se tudo o mais já havia sido com frequência também vemos os barris, caixas e sacosnos quais foram trans-
antecipado por seus antecessores? Ninguém além de: portadas. Como numa feira de frutas e legumes, não vemos apenaservas,raí-
Jamí, maduro com relação a tudo o que aconteceu antes dele e ao que zes e frutos, mas também aqui e ali toda sorte de rejeitou, cascas e tocos.
acontecia em torno de si. Como enfeixou, imitou, renovou e expandiu tudo Além disso, ao poeta oriental não custa nada elevar-nos da Terraaté o Céu
isso, como unificou com toda a clareza dentro de si as virtudes e os erros e de lá nos lançar para baixo, e vice-versa. Da carcaça de um cão que apodrece,
de seus predecessores, não restou a seus sucessores nada além do que se- Nizami consegue fazer uma observação ética que nos maravilha e edifica.
rem como ele, contando que não piorassem sua poesia. E assim também
foi por mais três séculos. Sobre isso, diremos apenas que, se mais cedo ou Senhor Jesus,que percorreu o mundo.
mais tarde a arte do drama tivesse conseguidoeclodir e um poeta desse Passou certa vez por um mercado,
calibre conseguidose destacar,toda a história da literatura teria tomado Um cãomorto estavano caminho,
um curso diferente. Arrastado até a porta de uma casa,
Um grupo estava em torno da carcaça
Se ousamos descrever com essas poucas palavras quinhentos anos da
Como urubus se juntam em torno de carcaças
arte poética e retórica persa, foi na esperança,para falarmos com nosso Um falou: "Meu cérebro vai
antigo mestre Quintiliano, de que elas sejam recebidaspor amigos do Se soltar totalmente pelo fedor.
mesmo modo pelo qual se aceitam números arredondados: não pela pre- Outro disse: "Para que isso tudo,
cisão, mas pela conveniência para se apresentar uma ideia geral de manei- O refugo do túmulo não traz coisa boa
ra aproximada. Assim cantou cada um sua ideia,
Para desdenhardo corpo do cão.
Quando chegou a vez de Jesus,
Considerações gerais
Disse, sem desdém, terno,
Disse de modo bondoso:
A fertilidade e a variedadedos poetaspersassurgema partir de uma 'Os dentes são brancos como pérolas.
amplitude indivisível no mundo exterior e na sua infinita riqueza. Uma Essapalavra fez os presentes,
vida pública sempre movimentada, na qual todos os objetos têm o mesmo Como conchas ferventes, arderem.2s
valor, movia-se à frente da nossa imaginação. É por isso que suas compa-
rações são frequentemente tão impressionantes e estranhas para nós.
Sem pensar demais, elas conectam as imagens mais nobres com as mais 25 "Hera Jesus. der die Welt durchwandert./ Gins elnst an einem Markt vorbei./ Ein totemHund lag auf
dem Wege,/ Geschleppet vor des Hauses Tor,/Ein Haufe stand ums Aas umher/ Wie Gemersich um Ãser
baixas, uma prática com a qual não nos acostumamos facilmente.
sommeln./Der eine sprach: Mir v/ird das Hirn/ Von dem Gestank ganz ausgelõscht./ Der andre spíach.
Digamos com Jlranqueza:um verdadeiro bo?zoíz7alzf
que respira de maneira
Wasbrauch t es vier,/ Der GrãberAuswurfbringt nur Unglück./So gang ein feder reine Weise,/Des to ten
livre no mundo prático não tem senso estético nem gosto: basta-lhe a realidade HundesLeib zu schmõhen./Als nun an Jesus kom die Reih./ Sprach, ohne Schmdh'n,er guten Sinns,/
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DII/À OCIDENTO-ORIEN7HL
Todos se sentem afetados quando um profeta tão amável quanto espi- importante aquilo que Ihe é mais característico. Eles têm naturezas-mortas
rituoso exige cuidados e compaixão, no seu modo tão próprio. Como sabe poéticas que podem ser colocadas lado a lado com as dos melhores artistas
conduzir poderosamente a multidão inquieta de novo para si mesma, para holandeses, chegando mesmo a supera-las num sentido ético. Justamente
envergonhar-se de rejeitar e amaldiçoar, e para contemplar méritos pouco devido a essainclinação e habilidade eles não conseguemprescindir de
considerados com reconhecimento, até mesmo com invejamTodos os que certos objetos favoritos: nenhum poeta persa se cansa de representar a
estavam ao redor pensam agora apenas em sua própria dentição. Em todo lamparina como cegante,a vela como luminosa. É justamente daí que se
lugar, sobretudo também no Oriente, belos dentes são apreciados como origina também a monotonia que tanto se critica neles. Contudo, contem-
uma dádiva de Deus. Uma criatura que apodrecetorna-se um objeto de plados mais de perto, para eles os objetos naturais tornam-se substitutos
admiração e da meditação mais pia por meio daquilo que permanece per- da mitologia: rosa e rouxinol tomam o lugar de Apoio e Dafne. Se consi-
feito no que ainda resta dela. derarmos o que lhes faltava, ou seja, que não tinham nem teatro nem arte
Essaexcelente comparação, não tão clara e penetrante para nós, finali- pictórica, mas levarmos em conta que seu talento poético não era menor
za a parábola. Por causa disso, dedicamo-nos a explica-la em detalhe. do que nenhum talento de outrora, então nos sentiremos obrigados, como
Nas regiões sem depósitos de calcário utilizam-se conchas para a pre- amigos do seu mundo tão distinto, a admira-los cada vez mais.
paraçãode um material de construçãomuito necessárioe, acomodadas
dentro de palha seca,são queimadas pela chama acesa.O espectador não Considerações mais gerais
pode evitar sentir que essesseres, que vivem e se nutrem no mar, pou-
co tempo antes ainda desfrutavam da alegria comum da vida, sendo que A característica maior da poesia oriental é o que nós alemães chamamos de
agora, não apenas queimados mas passados em brasa, mantêm sua for- espírito IGeíst], ou seja, a predominância de um guia superior. Essa caracte-
ma plena mesmo tendo a vida dentro deles já sido retirada. Consideremos rística unifica todas as demais sem que nenhuma delas se destaque,reque-
agora que a noite caia e essesrestos orgânicos realmente pareçam estar rendo alguma prerrogativa particular. O espírito pertence sobretudo à idade
em brasa ao olho do espectador, de modo que não é possível termos frente avançadaou a uma época mundial que estáenvelhecendo.Vamos encontrar
a nós imagem mais gloriosa do tormento secreto e profundo de uma alma. visão geral de eventos mundiais, ironia e uso livre dos talentos em todos os
Se alguém quiser visualizar isso com perfeição, que leve conchas de ostras poetas do Oriente. Resultado e premissas nos são apresentados simultanea-
para que um químico as submeta ao calor fosforescente.Ele vai concordar mente, e por isso também percebemos o grande valor que tem uma palavra
conosco que uma sensaçãoquente e fervente, como aquela que invade um pronunciada de improviso. Tais poetas têm todos os objetos frente a si, e
ser humano quando uma crítica justa o atinge na arrogância da confortá- relacionam facilmente as coisas mais distantes, e com isso também se apro-
vel autoimagem, não pode ser expressade maneira mais terrível. ximam daquilo que chamamos de astúcia [Wztzl; contudo, a astúcia não está
Tais comparações seriam encontradas às centenas. Elas pressupõem a tão no alto, pois ela é egoísta e complacente enquanto o espírito permanece
contemplaçãomais imediata da Natureza e da realidade, e simultanea- livre, e por isso pode e deve ser chamada sempre de genial.
mente despertam uma compreensão altamente ética que emerge de um Mas não é apenas o poeta que desfruta de tais méritos. Toda a nação é
sentimento puro e culto. espirituosa,como fica evidente a partir de incontáveis anedotas.Uma pa-
Nessa amplitude imensurável, o que é mais valioso é a atenção desses lavra espirituosa dispara a fúria de um príncipe, que por sua vez é mitigada
poetas ao detalhe, o amável olhar afiado que procura extrair de um objeto por outra. Afinidade e paixão vivem e operam no mesmo elemento; dessa
forma, Bahramgure Dilaram inventam a rima, Jamil e Sotaina permane
cem apaixonadamente ligados até a idade avançada. Toda a história da arte
Er sprach aus gütiger Natur:/ Die Zàhne sind wie Perlen weifi./ Dias Moremacha' den Umstehenden,/
Durchglühten Muschelnàhnlich, hein." poética persa vibra com tais exemplos.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)JI/Â OC/DEITO-ORIENTAL
Se tivermos em mente que Anushirvan", um dos últimos sassânidas. amigo dos estrangeiros e viajantes, pois eles devem ser considerados um meio de
não poupou despesase fez vir da índia as fábulas de Bidpai e o jogo de se adquirir boa reputação; sê hospitaleiro, estima os passantes,protege te de ser
xadrez,então teremosum retrato perfeito dessaépoca.De acordo com o injusto contra eles. Quem seguir esse conselho do embaixador certamente tirará
que nos foi transmitido, aquelespoetas sobrepujamum ao outro no que grande proveito dele
tange à sabedoria do mundo e a uma visão mais livre das coisas terre. +
nas. Por isso, quatro séculos depois, mesmo na primeira e melhor época Conta-se que Omar lbn Abd al-Aziz, um rei poderoso, certa noite no seu quarto,
cheio de humildade e submissão,dirigiu se ao trono do criador e disse:"Ó Se
da poesia persa, não era possível encontrar nenhuma ingenuidade pura
A grande amplitude da circunspecçãoque era exigida do poeta, o grande nhorl Confiasse grandes coisas à mão do teu fraco servo; pelo amor dos puros e
dos santos deste reino, concede-me justiça e equidade, protege me da maldade
conhecimento,as relaçõesna corte e na guerra -- tudo isso demandava
das pessoas.Temo que o coração dos meus inocentes possa ser afetado, e a maldi-
muita ponderação.
ção dos oprimidos almele o meu pescoço. Um rei deve sempre pensar no domínio
e na presença do ser mais alto, na permanente transitoriedade das coisas terrenas,
Novas, novíssimas deve pensar que a coroa passade uma cabeçadigna para uma indigna, e não se
deixe tentar pelo orgulho. Pois um rei que se torna altivo e despreza amigos e
Seguindo os modos de Jami e de seu tempo, os poetas que se seguiram vizinhos não pode durar muito tempo em seu trono; não devejamais permitir-se
misturaram cada vez mais poesia e prosa, de modo que apenas um estilo inflamar pela reputação de alguns dias. O mundo é como um fogo que é acesono
caminho: quem pegar dessefogo apenas o necessáriopara iluminar o seu caminho
era usado para todas as formas de escrita. História, poesia, filosofa, estilo
não sofrerá nenhum mal; mas quem pega demais, se queimara
diplomático e cartas: tudo era feito da mesma maneira, e isso persistiu
por três séculos. Felizmente, estamos em condições de apresentar um
Quando perguntaram a Platão sobre como ele vivera neste mundo, respondeu:
exemplo do mais novo que existe.
'Cheguei com dores, minha vida foi um constante espanto, e a contragosto vou
Quando o embaixador persa Mirza Abul Hassan Khan se encontrava embora, e não aprendi nada, a não ser que nada sei." Fica longe de todo aquele
em São Petersburgo, pediram-lhe algumas linhas com sua caligrafia. Ele foi que tenta realizar algo e é ignorante, de um pio que não é educado; pode-se com-
simpático o bastante e escreveuuma página cuja tradução inserimos aqui. parar ambos a um burro que puxa o moinho sem saber o porquê. O sabre é belo
de se olhar, mas seus efeitos são desagradáveis.Um homem que pensabem se
Viajei por todo o mundo, convivi por muito tempo com muitas pessoas,cada canto conectacom amigos,mas o mau se aliena do seuvizinho. Um rei dissea um ho
tinha algum uso para mim, cada talo uma espiga, e mesmo assim não vi nenhum mem chamado Behlul: "Dá-me um conselhos"Este respondeu:"Não inveja nem o
lugar comparávela esta cidade nem às suas belas huris. Que a bênção de Deus avaro,nem o juiz injusto, nem o rico que não sabe cuidar da casa,nem o generoso
repouse sempre sobre elas que gasta seu dinheiro inutilmente, nem o erudito a quem falta o julgamento."No
+ mundo não se adquire nem um nome bom nem um ruim; pode se apenasesco
Como falou bem aquele mercador que caiu entre ladrões que apontavam suas Iher entre um dos dois, e como todos devem morrer, bom ou mal, feliz daquele que
preferiu a reputação do virtuoso
mechascontra eles Um rei que oprime o comércio fecha as portas da salvação na
face de seu exército. Que homem judicioso quer visitar um país com tal reputação
A pedido de um amigo, no ano de 1231 da Hégira no dia de Demazsul Sana,
de injustiça? Se queres auferir um bom nome, então trata com atenção os mer-
segundo a contagem cristã em ... de maio de 1816, Mirza Abul Hassan Khan de
cadores e enviados. Os grandes tratam bem os viajantes, de modo a auferirem
Xiraz escreveu estas linhas durante sua estada na capital São Petersbugo, como
uma boa reputação para si. O país que não abriga os estrangeiros logo colapsa. Sê
emissário extraordinário de Sua Majestade da Pérsia Fath-'Ali Shah Qajar.:'
26 Cosroes 11501-5791 foi ovígéslmo e mais famoso reí da dinastia sassânida na Pérsia, tendo reinado
do an0 531 até o fim da sua vida.
27 Qajar(i772-T834)fol osegundoxá do império Qajarda Pérsiae governou de 1797atésua morte
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DIVà OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO Z)/v OC/BENTO-ORIENTAL
Ele espera que se perdoe com bondade a um ignorante que tentou escrever sagradostambém são fundamentais para eles, ainda que apenas na forma
algumas palavras. de lendas.
Já fomos introduzidos há muito tempo aos contos, fábulas, parábolas,
A partir do que lemos acima fica claro que há três séculos se preservou anedotas,piadas e ditos engraçados dessa região. A sua mística também
certa poesia na prosa, e o estilo comerciale epistolar permanece,em si- deveria nos ser atraente. Conforme uma seriedade profunda e rigorosa, ela
tuações públicas e privadas, sempre o mesmo. Assim, aprendemos que eu deveriapelo menos ser comparadacom a nossa,que mais recentemente
tempos recentes ainda se encontravam poetas na corte persa que coleta- tem expressado,se olharmos com cuidado, apenas um ando sem caráter e
vam e escreviam em belas rimas a crónica do dia e tudo o que o imperador talento. O seguinte verso mostra o quanto ela parodia a si mesma:
realizava e o que acontecia, e as repassavam a um arquivista especialmente
designado. Assim, parece que no Oriente imutável não houve nenhuma A eterna sede só quer me aprovar
grande mudança desde o tempo de Aasvero -- que mandava lerem para si [)epois da sede.:ç
tais crónicas em noites insones.
Comentámos incidentalmente que tal leitura se dá com certa decla-
mação, realizada com ênfase, ascensão e queda do tom, e que guarda Despotismo
muita semelhançacom a forma pela qual as tragédias francesassão de-
clamadas. Podemos imaginar isso melhor assim: os dísticos persas for- O que jamais vai entrar no entendimento dos ocidentais é a submissão
mam um contraste semelhante ao composto pelas duas metades de um espiritual e corporal ao mestre e regente que deriva de tempos ances-
alexandrino.
trais, quando os reis tomavam o lugar de Deus. No Antigo Testamento,
E essapersistênciadeve ser a razão pela qual os persasainda amam, lemos sem grande estranhamento quando marido e mulher prostravam-
estimam e veneram seus poemas há oitocentos anos. Nós mesmos tes- se diante de sacerdotese heróis e os veneravam, pois foram acostuma-
temunhamos um oriental contemplar e manusear um manuscrito do dos a fazer o mesmo diante de Elohim. O que antes aconteciadevido a
]L4aszaoí:'com tanta reverênciaquanto teria com o Corão. um sentimento natural de devoção transformou-se posteriormente num
complicado rito da corte. O Ku-tu, uma prostração tripla repetida três
Dúvidas vezes, deriva dessa tradição. Quantos emissários ocidentais enviados
a cortes orientais falharam nessa cerimonial E a poesia persa em geral
A arte poética persa, porém, bem como tudo o que se assemelhaa ela, não pode ser bem aceita entre nós se não nos esclarecermostotalmente a
nunca será recebida pelo ocidental em toda pureza e com toda facilidade, respeito desses assuntos.
um fato que devemos ter claro em nossasmentes se não quisermos ser Que ocidental vai conseguir tolerar que o oriental não apenasbata sua
repentinamente perturbados em nosso deleite. cabeçanove vezesna terra, mas que chegue a joga-la fora em qualquer
Não é a religião que nos afasta dessaarte poética. A unidade de Deus, lugar para servir a algum fim ou objetivo?
a entrega à Sua vontade, a mediação por um profeta, tudo isso combina O jogo de polo a cavalo, no qual bolas e marretas são os protagonistas,
mais ou menos com nossa crença e com nossas concepções. Nossos livros renova-serepetidamentedente ao olhar do governante e do povo, e chega a
ter até mesmo participação pessoal de ambos os lados. Contudo, se o poeta
28 Obra mais conhecida do sufismo, o Masnavi i Mo'nazi j"Dísticos rimados de significado espiritual
profundo") foi escrito por Rumaao longo de sua vida. Totaliza mais de 25 míl versos, contendo a 29 "Mlr wlll ewiger Durst nur frommen/ Nach dem Durste.' Verso do romance Ahnung und Gegenwart
essência da filosofia sua. de Joseph von Eichendorff.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIVA OCIDENTO-ORIENTAL
X
coloca sua cabeça como bola à disposição da marreta do xá, de modo que o
príncipe tome consciênciadele e com a marreta da sua mercê Ihe despache Aquele que meu crânio
Esmaga com os pés como pó,
para a felicidade futura, então não podemos nem queremos segui-lo, seja
Quero fazer-lhe um imperador
com nossa imaginação, seja com nossos sentimentos. Pois é assim que soa:
Quando ele retornar a mim."
Objeção
30 Wielong wlrst ohne Hand und FufÊ/Du noch des SchicksalsBallen selnl/ Und überspringst Du
hundert Bahnen./Dem Schlãgelkannst du nichoentfllehn./ Leg' auf des SchahesBahn den Kopf,/
l/fe//eicht, da8 er dica doca eró//ckf." Poema de Jami, traduzido para o alemão por Joseph von 33 Denjenigen, deí meine Scheitel/ Wie Staub zertritt mit FClgen,/ Will ich zum Kaiser machen,/ Wenn er
Hammer no seu Gesch/chfe der schónen Redekünsfe País/ens, p. 325. zu m/rzurückkommt." Gazes"Dal 126:9" de Hafez, D/won, v.l , p. 395
31
Nur dasjenlge Gesicht/ lst des Gltlckes Splegelwand,/ Das gerieben ward am Staub/ Von dem Hufe 34 'Me/rl Kopffm Sfauó des Wegesp/l)esWirfes selo w/rd." Gazes "Dal 50:3" de H afez, Dfwar7,v. 1, p. 278
d/fasesPáerdes."Gazes"Dal 12:9" de Hafez, í)/won, v. 1, p. 224.
35 Dem Vernünft'gen sind LockspeíseSchedschaai'sGedichte,/ Hundert Võgel wie ich flíegen begierlg
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MeanGesicht lag aufdem Weg,/Keinen Schritt hot er vorbeigetan./ Beim Staube deines Wegs/Meia darauf./ Geh meanGedicht und k(}fi' vor dem Herrn die arde, und sag ihm:/ Du, die Tugendder
Hoffnungszeitl/ Bei deiner FüfÊe Staub,/ Dem Wasser vorzuziehn." Gaze\ " Da \ \'í.\" de Hafez, Diwan, Zeit, Tugendepochebist du.' Traduz\dopor \fon Hammef no Geschichteder schõnenRedekünste
v.l. D. 232.
F'ers/ens,p.91
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS]UARAMELHOR COMPREENSÃODO DIVA OCIDENTO-OR/EN7XL
Para ganharmos alguma clareza a respeito da relaçãodos déspotascoU das virtudes e erros humanos, a guia para o fim da calma interior ou na épica, que
os seus e sobre o quanto ela ainda é humana, e também talvez para nos com audáciaimparcial coloca a mais nobre excelênciahumana ao lado do modo de
tranquilizarmos quanto ao procedimento servil dos poetas, introduzimos vida já não mais reprovado,mas aceito como a maior normalidade, e resolveambos
aqui uma ou outra passagemque oferece testemunho da maneira segundo os conflitos uniHcando-os em uma pura imagem da existência. Se a poesia épica cor
a qual conhecedoresda história e do mundo julgaram essamatéria. Um responde à natureza humana e é um sinal de sua origem sublime ao compreender
com entusiasmo a nobreza das ações humanas e de toda grande perfeição, pej'mitindo
judicioso inglês expressou-se assim:
como que uma renovação da vida interior, então o louvor do poder e da violência reve-
lados nos príncipes é um maravilhoso fenómeno na área da poesia que apenas decaiu
A violência ilimitada, que na Europa é atenuada pelos costumes e pelo conheci-
entre nós e com toda razão porque aqueles que se dedicavam a isso em geral
mento de uma era civilizada e se transforma num governo moderado, nas nações
não eram poetas,mas meros bajuladores. Quem, porém, que ouve Cajderón louvar
asiáticas mantém sempre a mesma característica e segue praticamente o mesmo
seu rei poderia pensar que o louvor é comprável, aqui onde o mais sagaz momento da
curso. Pois as pequenas diferenças que caracterizam o valor de estado e a hon
fantasia o leva junto consigo7 Ou quem quereria colocar seu coração contra os hinos
ra da pessoadependempor inteiro do humor do déspotae do seu poder, e com
de vitória de Píndaro? A natureza despótica dos govemantes da Pérsia encontrou sua
frequência mais deste do que daquele. Mas nenhum país pode ser feliz se estiver
contraparte justamente na época do culto comum da violência pela maioria dos que
exposto continuamente à guerra, como parece ter sido o caso de todos os reinos
cantavam louvores áos príncipes; mesmo assim, por meio da ideia de um poder trans
orientais mais fracos desde a Antiguidade. Disso segue-se que a maior felicidade
figurado que surgiu em mentes nobres, valiosos poemas nasceram para a admiração
que o povo pode desfrutar sob um governo ilimitado deriva da violência e da repu-
da posteridade. E como os poetas hoje ainda são dignos dessa admiração, também o
tação do seu monarca, assim como as benesses com que alegra minimamente seus
são essespríncipes nos quais encontramos um verdadeiro reconhecimento da dignida
súditos fundam-se no orgulho que nutrem por estarem sob tal príncipe.
de do ser humano e entusiasmo pela arte que celebra sua memória. Anvari, Hanqari,
Zahir Faijabi e Achsikati são os poetas dessa época que praticavam o panegirico e cujas
Por isso, não podemos atribuir motivos baixos e venais às bajulações que demons-
obras o Oriente ainda hoje lê com deleite, preservando seus nobres nomes de qualquer
tram aos príncipes. Insensíveis quanto ao valor da liberdade, ignorantes de todas
mácula.Uma prova do quanto o ímpeto do poeta panegíricoestápróximo da maisalta
as demais formas de governo, orgulham-se da situação na qual se encontram, ca-
exigênciaque se pode colocara um ser humano é a repentina transiçãode um desses
rentes de segurançae de prazer, e não estão apenas contentes, mas orgulhosos de
poetas panegnicos, Sanajis, à poesia religiosa: de alguém que louvava seu príncipe, ele
se humilharem frente a um grande homem quando encontram na grandeza da sua
transfom\ou-se em um cantor cheio de entusiasmo apenas por Deus e pela perfeição
força refúgio e proteção contra um mal maior e opressivo.;'
edemadepois de ter aprendido a encontrar, no mundo além desta existência, o concei
to de sublime que anteriormente tinha se contentado em procurar na vida."
Assim também um resenhista alemão oferece a seguinte afirmação in-
teligente e cheia de sabedoria:
Adendo
O autor, na verdade um admirador do grande impulso dos poetas panegiricos dessa
época, também chtica, com razão, o desperdício de força das nobres mentes dedica-
das aos exuberantes paneglricos e à humilhação da nobreza de caráter que costuma As con siderações desses dois homens sérios e contemplativos nos farão atenuar
ser a consequência disso. Porém, também se deve notar que no edifício da arte de um nosso julgamento a respeito dos poetas e encomiastas persas à medida que ao
povo verdadeiramente poético, construído com múltiplos adornos de grande perfei- mesmo tempo nossas afirmações anteriores se confirmarem: em épocas peri-
ção, a poesia panegtrica é tão essencial quanto a de tipo satírica,com a qual entra em gosas,o governo todo depende de o príncipe conseguir não apenas proteger
conflito. A solução desse conflito encontra se ou na poesia moral a juíza tranquila
seussúditos, mas também lidera-los pessoalmentecontra o inimigo. Sobre
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l -.
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NOTAS E ENSAIOS LURA MELHOR COMPREENSÃO DO D/\Ü OCIDENTO-OR/EN7HL
defendia um lado pelo qual tinha afinidade, e quando a ebriedade e a pai de. Essafala, atribuída ao rei ou ao historiador, confirma o que suspeita-
xão se retroalimentavam, no final tudo descambava para cenas violentas. mos anteriormente
Seguindo essecaminho, suspeitamos que o incêndio de Persépolisnão te. Ainda no século passado [XVlll] era possível contradizer impune-
nha sido instigado apenas por gula crua e absurda, mas, antes, inflamado mente o imperador da Pérsia em banquetes, mas no final o convidado
por uma tal conversa à mesa na qual um lado afirmava que os persas deve- abusado era arrastado pelos pés até próximo do rei, na esperança de que
riam ser poupados, já que estavam derrotados, enquanto o outro, trazendo esteIhe pudessetalvez perdoar. Se não perdoasse,para fora com ele, seria
aos convivas novamente o implacável avanço dos asiáticos na destruição espancado.
de templos gregos,convertia em cinzas os antigos memoriais imperiais ao Historiadores credenciadostransmitiram-nos anedotasa respeito das
incendiar a loucura e transforma-la em fúria inebriada. Nossa suposiçãoé maneiras infinitamente obstinadas e insubordinadas pelas quais os favori
reforçada pelo fato de as mulheres, sempre as mais veementes e irreconci- tos do rei conspiravam contra ele. O monarca é inexorável como o destino,
liáveis inimigas dos inimigos, terem participado disso. mas o desafiavam. Naturezas violentas recaem em uma espécie de loucura,
Se ainda houver alguma dúvida a respeito disso,nós, por outro lado, das quais podemos retirar os mais peculiares exemplos.
ficamos ainda mais certos do que teria disparado a cisão mortal no ban- Personalidades moderadas, firmes e coerentes se submetem, porém, ao
quete que mencionamos primeiramente -- a história preservou esseepi- poderio supremo do qual tudo flui, da bênção ao sofrimento, de modo a
sódio para nós. Foi a sempre repetida contenda entre os velhos e os jo- poderem viver e trabalhar à sua maneira. O poeta, acima de todos, tem
vens. Os velhos, ao lado dos quais Clito argumentava, podiam clamar para razões para dedicar-se às mais nobres pessoas que valorizam seu talento.
si uma série consistente de conquistas que fizeram com incansável força Na corte, ao lidar com grandes homens, abre-se a ele uma visão geral do
e sabedoriaem fidelidade ao rei, à pátria e ao objetivo pré-determinado. mundo da qual necessita para chegar à riqueza de todos os assuntos.Esta
Os jovens, por outro lado, até aceitavam que tudo isso havia acontecido, não é apenas uma desculpa, mas uma justificativa para a bajulação, como
que muito havia sido feito e que estavam de fato na fronteira com a Índia; sói ao panegrista que realiza melhor seu artesanato quando se enriquece
contudo, argumentavam que ainda restava muito a fazer, ofereciam-se com a plenitude da matéria de modo a adornar príncipes e vizires, moças
para igualar essesfeitos e, prometendo um futuro brilhante, sabiam obs- e moços, profetas e santos, e ao fim e ao cabo, sobrecarregado de humani-
curecero brilho de feitos realizados.Naturalmente o rei tomou este lado, dade,a própria divindade.
já que para ele não se podia mais falar de coisaspassadas.Clito, por outro Louvamos também nosso poeta ocidental quando acumula um mundo
lado, explodiu sua fúria secreta e repetiu, na presença do rei, maus ditos de beleza e suntuosidade para glorificar a imagem de sua amada.
que já haviam chegado aos ouvidos do príncipe quando Ihe Jlalavampelas
costas.Alexandre conteve-se de maneira impressionante, mas infelizmen- Inserção
te por tempo demais. Coito rebaixou-se sem limites falando discursos re-
pugnantes, até que o rei levantou-se de um salto e foi contido por aqueles A ponderação do poeta refere-se na verdade à forma, e o assunto o mundo
próximos a ele, que arrastaram Coito para longe. Este, porém, retornou Ihe fornece com grande generosidade; o conteúdo flui da plenitude do seu
alucinado com novas ofensas, e Alexandre o abateu, tomando a lança de
coração;inconscientes, ambos se encontram, e por fim não se sabe mais a
um guarda.
quem pertence a riqueza.
O que aconteceu depois não faz parte destasreflexões.Queremos ape- Mas a forma, apesar de se encontrar sobretudo no gênio, quer ser re-
nas comentar que a mais amarga queixa do rei desesperado contém a con- conhecida e contemplada, e aqui é necessário ponderar que forma, assun
sideração de que, a partir de então, ele viveria sozinho como um animal na
to e conteúdo se influenciam, submeteme interpenetram uns aosoutros.
floresta, pois ninguém em sua presençaousaria se expressarcom liberda t
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O poeta se considera numa posição alta demais para tomar partido pelo qual Reiske e Michaelis" primeiro elevaram tais poetas aos céus para de-
Serenidade e consciência são os belos dons pelos quais ele é grato ao cria- pois voltarem a trata-los como simplórios colegiais.
dor: consciência para não se apavorar diante do horror, e serenidade para Assim mesmo, é forçoso mencionar que os poetas mais antigos -- que
saber apresentar tudo de maneira satisfatória. primeiramenteviveram na fonte natural das impressõese construíram
sua língua com poesia -- devem ter tido grandes vantagens; aqueles que
Elementos fundamentais da poesia oriental nasceram numa época já bastante cultivada e em situações complicadas,
apresentam de fato o mesmo ímpeto, mas perdem pouco a pouco o rastro
Na língua árabe encontram-se poucas palavras com radicais que não do que é certo e louvável. Pois quando recorrem a tropos cadavez mais
se refiram a camelo, cavalo e ovelha, seja diretamente, seja por meio de distantes,o resultado é pura tolice. No máximo, o que resta não é nada
composições e transformações. Essa expressão primeva da natureza e da além do conceito mais geral sob o qual os objetos podem possivelmente
vida não podemos chamar meramente de metafórica ou trópica. Tudo o ser resumidos-- o conceito que destrói toda contemplaçãoe com isso a
que o ser humano fala de forma livre e natural refere-seà vida; e o árabe própria poesia.
estáligado ao camelo e ao cavalo de maneira tão íntima quanto o corpo
à alma. Nada pode acontecer a ele que não atinja também essas criaturas Transição de tropos para símiles
e conectesuasvidas e seus trabalhos com as dele. Se, além dos animais
acima, pensarmos em outros animais domésticos e selvagens que o Uma vez que tudo o que foi dito acima é válido também para os símiles,
beduíno nâmade encontrava com frequência, constataremostodos eles parentes próximos do trapo, devemos corroborar nossa afirmação com
em todas as relações da vida. Adiantemo-nos e contemplemos tudo o que alguns exemplos.
resta de visível: montanha e deserto, rochedos e planícies, árvores, arbus- Em campo aberto, vê-se o caçador que desperta e compara o Sol nas-
tos, flores, rio e mar e o estrelado firmamento. Assim, descobre-seque cente a um Áalcâo:
para o oriental tudo se refere a tudo, de tal modo que se costuma conectar
objetos muito distantes. Sem hesitar, ele deriva ideias contraditórias por Vida e feitos passam no meu peito,
meio das mais sutis mudançasem letras ou sílabas.Aqui podemosver Novamente estou em pé, aprumado
O falcão dourado, asasabertas,
que a língua é produtiva em si e por si. E retórica à medida que vai ao
Sobrevoa seu ninho azulado.':
encontro do pensamento, e é poética à medida que apela à imaginação.
Quem partisse dos necessáriostropos primevos para descreveros mais Ou, de maneira ainda mais grandiosa, a um leão
livres e audaciosos até chegar finalmente aos mais ousados, arbitrários e mes-
A aurora se tornou claridade,
mo inábeis,convencionaise de mau gosto -- esteteria conseguidodesenhar
Peito e mente, duma vez, contentes
uma bela visão geral sobre os principais pontos da arte poética oriental. Con-
tudo, poderia confira\ar com facilidade que simplesmente não seria possível
falar nessa literahra a respeito daquilo que chamamos de gosto, ou seja, a se- 40 Johann Jakob Relske (1716-1774),
tido como precursor da filologia do árabe, era estudioso da
Antiguidade grega e bizantina. Johann Davíd Michaelis (171717911foi teólogo e orientalista, autor
paração entre próprio e impróprio. Suas virtudes não podem ser separadas de
de famosa gramática do árabe e pivõ de acirradas discussões teológico literárias com Johann
suasfalhas, ambas se referem uma à outra, surgem uma da outra, e devemos
Gottfried von Herderj1744-1803)
aceita-las sem críticas ou acusações.Nada é mais insuportável do que o modo
4\ "Tat und Leben mir die Brust durchdrlngen,/ Wieder auf den Füíàensteh ich tese:/ Denn deí goldne
Falhe, breiter Schwingen,/ überschwebet sem azurnes Nest." Gaze\ "t)a\ \97" de Hafez, Diwon, v. \,
P.443
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l r .
Dês que a noite, gazela acanhada, Sejam sempre partidos como lascas, rasgados como farraposl
Fugiu da ameaçado leão da manhã.4z Marretados como pregos e fincados como estacasl's
Como Marco Polo, que viu tudo isso e muito mais, não deve ter se ma. Aqui é possível ver o poeta no quartel-general, visualizando a repetida
ravilhado com tais símilesl montagem e desmontagem do acampamento.
Vemos o poeta jogar incessantemente com cachos de cabelo. Com essespoucos exemplos, que poderiam ser aumentados até o in-
finito, resta claro que não é possível traçar nenhum limite entre o que o
Há mais de cinquenta anzóis nosso gosto consideraria digno de louvor e o que consideraria reprovável,
Em cada cacho dos teus cabelos': pois as virtudes deles são na realidade os frutos de suas falhas. Se quiser-
mos ter parte nessas produções dos espíritos mais elevados, então temos
Esseé um poema dirigido da maneiramais amável a uma linda cabeça que nos orientalizar, o Oriente não vai vir até nós. E, apesar de traduções
cheia de cabelos cacheados;a imaginação não se opõe a pensar nos cabelos serem muito bem-vindas para nos estimular e introduzir, torna-se eviden-
como ganchos. Se,porém, o poeta disser que está enganchado nos cabelos de te a partir do expostoacima que nessaliteratura a língua enquantolíngua
alguém, isso não nos agradará muito. E se, além disso, é dito sobre o sultão: é que desempenhao papel principal. Quem não quereria conheceresses
tesouros a partir de sua fonte?
Nas fitas dos teus cachos
Está preso o pescoço do inimigo," Se considerarmosque a técnica poética exercenecessariamentein-
fluência marcante sobre todo modo de poetar, descobriremos aqui tam
a imaginação ou produz uma imagem repugnante, ou nenhuma. bém que os versos rimados dois a dois dos orientais exigem um paralelis-
Que sejamos assassinadospor cílios pode até ser tolerado, mas ser mo que distrai a mente em vez de concentra-la, pois a rima alude a objetos
empolado por cílios não é algo que podemos apreciar. Se, além disso, cílios totalmente estranhos. Com isso, seus poemas ganham a aparência de im
forem comparados a vassouras que varrem as estrelas do céu, aí se torna provisação sobre rimas finais pré-determinadas, na qual apenas os mais
colorido demais para nós. A testa da bela é a pedra de afiar do coração; excelentestalentosconseguemcriar algo realmentenovo. Pode-sever o
o coração do amante é uma geleira deslizante, levada embora e arredon- quãorígido foi o julgamentoda naçãono fato de em quinhentosanos
dada por córregos de lágrimas: tal arrojo, mais curioso que sensível, tira de apenas sete poetas terem sido reconhecidos como os maiores.
nós apenas um sorriso amigável.
Altamente genial, porém, pode-se dizer quando o poeta trata os inimi- Alerta
gos do xá como equipamentos da tenda.
Podemos nos reportar a tudo o que já falamos até aqui como testemunho da
melhor boa vontade com relação à arte poética oriental. Por isso, creio que
podemos mesmo ousar ir ao encontro de homens que gozam de conheci-
42 Morgendãmmerung wandte sich in's Helle,/ Herz und Geist auf einmal wurden froh,/Als die Nocht,
mento realmente mais próximo e direto dessas regiões, com o alerta de não
d/e schúchferne Gaze//e,/ l/or dem Drãun des Morgen/ówens f7oh.' Heinrich Friedrich von Diez,
Denkw(}rdigkeiten vonAsien, v. 2, p. 121. negar o objetivo de afastar todo dano possível a uma coisa tão boa.
43 Es stecken mehr als funfzig Angeln/ in feder Lockedeiner Haare.' Gazes' Da\ \ 35" üe Haiez, Diwon.
v.l, P.107.
45 'Selen sie stets wie Spãne gespalten, wie Lappen zerrissen!/ Wie die Nàgel geklopRI und wie die
44 Indelner Locken Banden liegt/Des FeindesHall verstrickt."Gaze\" \.am 9. 21' de Hafez.Diwan, v. 2. p. 146. Páóh/egesteckt/" Anvari, "Ao suhão Melekshah"; Von Hammer, Redektjnsfe País/eras,p. 90
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Todos têm seu julgamento facilitado pela comparação,mas também da, onde os prêmios mais variados são ganhos pelos mais diferentes heróis
podemos nos complicar: pois se uma alegoria claudica ao ser levada ao das maneiras mais diversas durante as exéquias de Pátroclo. Nós alemães
extremo, então um julgamento comparativo será sempre inapropriado. não causámoso maior prejuízo ao nosso maravilhoso Níbelurzgopor meio
quanto mais cuidadosamenteo observarmos.Não queremos nos perder de uma comparação dessas?Atraentes como são essascomparações quan
muito longe, mas, no caso presente, dizer apenaso seguinte: quando o do nos integramos bem ao seu círculo e aceitamos tudo com confiança e
excelente Jones" compara os poetas orientais com os latinos e os gregos, gratidão, elas se mostram tão mais estranhas quando as medimos segundo
ele tem os seus motivos, e a relação com a Inglaterra e com os velhos crí- balizas que jamais deveríamos ter usado.
ticos de lá o obriga a isso. Ele mesmo, formado na rígida escola Clássica. O mesmo vale também dentro da obra de um único autor que escreveu
decerto percebia o preconceito excludente que não valorizava nada além muitas coisas diversas e por muito tempo. Deixemos para a massa comum
do que herdámos de Romã e de Arenas. Ele conhecia, valorizava, amava e ignara que louve, escolha e descarte ao fazer comparações.Contudo, os
seu Oriente, e desejava introduzir, contrabandear as produções de lá para mestres da nação devem começar num patamar no qual uma ampla e clara
a velha Inglaterra, algo que não era possível ser feito senãosob a égide visão geral promova um julgamento puro e impoluto.
da Antiguidade. Tudo isso é hoje totalmente desnecessárioe até mesmo
danoso. Sabemos estimar a poesia dos orientais, reconhecemos suas gran- Comparação
des virtudes. Mas eles devem ser comparados entre si mesmos. Devemos
honra-los dentro do seu próprio círculo, e esquecerque certa vez houve Já que acabamosde rejeitar quaisquercomparaçõescomo forma de
gregos e romanos.
julgar escritores,talvez pareça estranho que imediatamentedepois
Ninguém deve ser culpado por se lembrar de Horácio ao ler Hafez. disso falemos de um caso no qual a consideramos válida. Esperamos,
Sobre isso, um especialista prestou-nos um esclarecimento admirável, de contudo, que nos permitam essa exceção,pois a ideia não pertence a
modo que essaconexão foi resumida e determinada de uma vez por todas. nós, mas a um terceiro.
Ele diz:
Um homem que percorreu a amplitude, os altos e baixosdo Oriente,
achaque nenhum outro escritor alemão se aproximou tanto dos poetase
A similaridade entre Hafez e Horácio, no que tange às suas visões da vida, é mar-
dos outros autores orientais quanto Jean Paul Richter. Essaafirmação pa-
cante e pode ser esclarecida apenas pela similaridade das épocas nas quais ambos
recia ser importante demais para que não déssemos a ela a devida atenção.
os poetas viveram, nas quais -- com a destruição de toda a segurança da existência
burguesa -- o ser humano limitou se a um desfrute passageiro da vida, como se a Podemoscomunicar essescomentários de maneira mais simples se puder-
desfrutassejustamente na sua passagem." mos nos referir ao que explanamos anteriormente.
Para começarmos com a personalidade do autor, as obras do citado
O que pedimos insistentemente é que não se compare Ferdusi com amigo dão testemunho de uma mente compreensiva,visão ampla, sen
Homero, pois aquele deve perder em qualquer aspecto,seja no conteúdo, cível, educada, culta e acima de tudo isso benevolente e pia. Um espírito
na forma ou no tratamento. Quem quiser se convencer disso, confronte a tão bem dotado olha para o mundo, conforme o modo verdadeiramente
terrível monotonia das sete aventuras de lsfandiar com o 23e canto da IZü- oriental, com alegria e ousadia, cria as relações mais estranhas, colecta o
insuportável, mas de tal forma que um secreto fio ético se infiltra e conduz
o todo a certa unidade.
46 Sfr Willlam Jones (1746-1794), orientalísta britânico, autor da obra Poeseos as/af/coe Acabamosde apontar e descreveros elementos naturais a partir dos
commenfofodt/m//ór/ sex, avidamente consultada por Goethe.
quais os poetas mais antigos e excelentes do Oriente compuseram suas
47 Collin,op.cit., p.22.
obras.A partir disso, tenhamos muito claro o seguinte: se eles estiveram
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ativos numa região mais fresca e simplória; por outro lado nosso amigo vi- O prosador,por outro lado, tem os cotovelos bastante limes e é res
veu e trabalhou numa região culta, supercultivada, culta demais e intriga-
ponsávelpor toda ousadiaque se permitir; tudo o que puder ferir o bom
da, e justamente por causa disso foi obrigado a dominar os mais estranhos gosto entra na sua conta. Mas, segundo mostramos laboriosamente an
elementos. Para ilustrar rapidamente a contradição entre o ambiente de
tes, como nessaforma de escrever e compor é impossível divisar o próprio
um beduíno e o de nosso autor, vamos retirar as aârmaçõesmais impor- do impróprio, tudo dependedo indivíduo que empreendetal aventura.Se
tantes a partir de algumas páginas:
esteé um homem como JeanPaul,um talento de valor, uma pessoahon-
rada, então o leitor se reconcilia imediatamente; tudo é permitido e bem-
Tratado de barreira, folhas extras, cardinais, recessolateral, bilhar, canecasde cer-
-vindo. Sentimo-nos confortáveis na companhia dessehomem tão amiga
veja, bancos imperiais, cadeiras de sessão,comissário principal, entusiasmo, fila
vel, seus sentimentos transparecem. Ele estimula nossa imaginação, bajula
para o cerro, retratos de busto, gaiola de esquilo, especulador da bolsa, porcalhão,
incógnito, colóquios, saco canónico de bilhar, cópia de gesso,promoção, garoto da
nossospontos fracos e fortalece nossos pontos fortes.
barraca,documento de naturalização,programa de pentecostes,maçónico,pantomi- Exercitamos nossa própria astúcia ao tentarmos resolver os enigmas
ma manual, amputado, supranumerário, loja de bijuteria, caminhada do sabá, etc.« postos de maneira tão curiosa e nos deleitamos, dentro e detrás de um
mundo colorido e intricado -- como detrás de outro tipo de charada
Se todas essas expressões podem ser conhecidas por um leitor culto em encontrar entretenimento, estímulo, emoção e até ensinamento.
alemão ou aprendidas por meio de um léxico de conversação,da mesma E mais ou menos isso o que queríamos apresentarpara justificar mi-
forma com que o mundo exterior é conhecido pelo oriental por meio de nha comparação: concordância e diferença foi o que quisemos expressar,
caravanasde comércio e peregrinação -- então podemos ousar considerar tão breve quanto possível.Tal texto poderia nos seduzir a realizar um co-
que uma mentalidade similar é justa em empregar os mesmos procedi- mentário enorme e sem limites.
mentosliterários dentro de um contexto totalmente diverso.
Se.admitirmosque nosso tão estimadoe frutífero escritor,vivendo em Preservação
dias mais tardios, deva aludir da maneira mais variada a um estado de coi
sasinfinitamente enclausuradoe fragmentado pela arte, ciência, técnica, Quem considerar palavras e expressõescomo testemunhos sagradose
política, negociaçõese danos em guerra e paz, de modo a poder ser in- não quiser usá-las como usaria trocados ou dinheiro de papel -- apenas
ventivo em sua própria época -- então podemos acreditar ter confirmado para trocas rápidas e instantâneas -- mas aplica-las em câmbio e inter-
suHcientemente a orientalidade que se atribui a ele. câmbio intelectual como portadoras de valor verdadeiro: este não poderá
Gostaríamos de destacar, contudo, uma diferença entre o procedimento ser reprimido por chamar a atençãopara o quanto expressõestradicio-
poético e prosaico.]àra o poeta -- para quem metro, paralelismo, contagem si- nais, sobre as quais ninguém mais pensa muito, de fato exercemuma
lábica e rima parecem ser os maiores obstáculos --, tudo pode ser aproveitado influência nociva, obscurecempontos de vista, deformam nossosconcei-
para sua grande vantagem quando ele consegue resolver com felicidade os nós tos e colocam disciplinas inteiras na direção errada.
enigmáticos que Ihe são colocados ou que ele mesmo se coloca. Perdoamosa Certamente se pode considerar que a prática estabelecida para esse
mais ousada metáfora devido a uma rima inesperada,e nos deleitamos com a tipo seja utilizar o título de Bela arte retórícóz"como rubrica genérica sob
ponderaçãodo poeta, que ele reafímla mesmo em uma situação tão resüitiva. a qual se pretende compreender poesia e prosa, justapondo uma à outra,
segundo seus diferentes subtipos.
48 Jean Paul Richter, Hesperus oder45 Hur7dposffogeIHéspero ou 45 dias postais de cão] daqui, cita
49 Em ademão Schóne Redekünste, pa rte do títu lo da obra Geschfchfe derschónen redekünste Persfens
se o décimo dias,1795.
de Von Hammer, à qual Goethe faz feroz oposição
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gosto em uma sequência temporal. E apesar de esse método ser possivel- tradicional consulta oracular feita em algum livro importante, entre cujas
mente mais apropriado para a instrução, diversão e avaliaçãopróprias, eH páginas se colocavauma agulha e, abrindo a página marcada, lia-se o
vez de ser usado para a instrução de outras pessoas,talvez seja possível trecho com fé. Na juventude, estive intimamente ligado a pessoasque,
criar um esquema no qual as formas estejam dispostas em uma ordem desse mesmo modo, procuravam com confidencialidade conselhos na
compreensível, sendo que na parte externa estariam as ocasionais e, na Bíblia, na Caíxín;zade fcsoHíoss:
e em obras edificantes similares, e encon
interna, as essenciais.Contudo, esseexperimento sempreserá tão difícil travam muitas vezesconsolo em momentos de grande necessidadee até
quanto a busca nas ciências naturais pela relação entre característicasex- mesmo fortalecimento para toda a vida.
ternas de minerais e plantas e suas partes interiores, para assim formar No Oriente vemos essemesmo costume em exercício;ele é chama-
uma imagem mental da ordem natural. do Ja/, e Hafez foi agraciado com essahonra logo após sua morte. Pois
como os ortodoxos não queriam sepulta-lo com cerimónia, as pessoas
Adendo perguntaram por seus poemas, e como a passagem inscrita em sua lápide
demonstra -- que os peregrinos ainda venerariam esse dia --, conclui-
É muito estranho que a poesia persa não possua o drama. Se um poeta se que ele também deveria ser sepultado com todas as honras. O poeta
dramático tivesse conseguido surgir, toda a sua literatura teria ganho ocidental também alude a essecostume, e deseja que seu livrinho possa
outra face. A nação persa está inclinada à paz, ela adora que Ihe contem receber tal honrada.
histórias, e daí a grande quantidade de contos de fadas e os ilimita-
dos poemas.No mais, a vida oriental em si não é muito comunicativa. Troca de flores e signos
O despotismo não estimula o diálogo, e descobrimos que críticas contra a
vontade e a ordem do imperador encontram-se apenasem citações do Corão Para não pensarmos bem demais da chamada linguagem das flores ou
e em trechos famosos de poetas -- o que pressupõe simultaneamente uma esperarmosalgo delicado a partir dela, temos que procurar conselho
mentalidade inteligente e uma educação ampla, profunda e consequente com especialistas.Não se atribuiu apenassignificado às flores indivi-
Notamos que o oriental suporta as formas da conversaçãomenos do que duais para que elas veiculassem uma mensagem secreta num buquê, e
qualquer outro povo, e isso se vê na admiração que eles têm pelas fábulas não são apenas as flores que formam letras e palavras nessa conversa
de Bidpai, pela repetição, imitação e continuação delas. A conferência dos muda, mas tudo o que é visível e transportável também é utilizado da
pássaros de Farid ud-Din Attars' oferece os mais belos exemplos disso mesma maneira.
Contudo, só poderemos imaginar a forma como isso acontece -- ou
seja, como produzir uma comunicação,uma mudança de sentimento ou
Bibliomancia de ideia -- se tivermos em mente as principais característicasda poesia
oriental: o olhar amplo sobre todos os objetos do mundo, a levezapara
A pessoa presa todos os dias em obscuridade e que anseia por um futuro rimar, e também certo prazer e tendência da nação oriental para criar
mais esperançosoprocura ansiosamente por coincidências para arrancar enigmas que, ao mesmo tempo, nutrem uma habilidade em resolvê-los.
dali algum tipo de previsão profética. O indeciso só encontra a paz na Essahabilidade é evidente em todo aquele que tem talento para lidar com
decisãode submeter-se à leitura da fortuna. Uma dessasatividades é a charadas, logogramas e similares.
50 Farid ud-Din Attar (11451221)é o pseudónimo de Abü Hamíd bin Abú Bakr lbrãhím, poeta persa que
51 Schafzkõsf/eírl des rheínischen Hausfreurldes, livro devocional de Johan n Peter Hebel
viveu durante o período de reinado da dinastia seljúcida em Nishapur,no Coração jatual Irai.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS IRRA MELHOR COMPREENSÃO DO DIIM OC/DEITO-ORIEN7HL
Aqui devemos observar: se um ou uma amante enviar algum objeto à Cravo Murchar eu devo?
amada ou ao amado, o destinatário deve primeiramente descobrir a pala- Narciso Deves ter siso
vra e procurar algo que rime com ela, e por fim selecionar aquela dentre as Violeta Um pouco, aguenta.
muitas rimas possíveis que seja apropriada para a situação corrente. Salta Cereja Quer me dar inveja.
Pena decorvo Te quero de novo.
aos nossos olhos que isso exige uma capacidade apaixonada de profetiza-
Do papagaio Livre eu saio
ção. Um exemplo pode esclarecer o assunto, e portanto apresentamos o
Castanha Onde é nossa choupana?
curto romance abaixo com tal correspondência: Chumbo Estouno rumo
Rosa-tom Alegria. tem não.
Os vigias estão amarrados Seda Me obseda.
Por doces aros de amor;
Feijão Te deixo são
Como estamos acordados,
Manjerona Não é da minha conta.
Disso não damos rumor;
Azul Não é pra ti
Pois,querida,o quetraz a sina Vinha Adivinha
Deve a outros ajudar,
Amoras Defende-- apavoras
Vamos pois a suja lamparina
Figos Fecha o bico?
Da noite de amor limpar. Ouro lesou duradouro
E quem conseguir como nós
Couro Pena-escrevedouro
Destapar bem o ouvido,
Papel Assim sou teu.
E souber amar como nós,
Margarida Escreve àtoda brida
Vai rimar com bom sentido.
Goiveiro-do jardim Mando trazer,siml
Eu te mandei, tu me mandaste.
Umfio Eute confio.
Entendeu se de imediato.
Umramo Não faça esparramol
Buquê Estou em meu ser.
Amaranta Vi, me quebranta.
CiPÓs Me achas, ohl
Losango Quem está olhando? M.una
Pelo do Quer que te nutra
Guerreiro-tigre. Jasmim Leva a mim
Pelo da gazela Em que parcela? Cidreira '' '' '' na cama inteira.
Tufo decabelos Vais entendê-los
Cipreste Esquece, esquecem
Giz Fugis.
Feijão em flor Um falso ardor.
Palha Queimo, não falha. Cal
Uva Me seduza Estãojoviall
Carvão
Corais Que o *** te carregue, então
Me agudas mais.
Amêndoa Bem me soa
Nabo E se Jamil com Batalha
Quer-me amuado.
Não tivesse se entendido,
Cenouras Tu só me agouras.
Cebolas Como seria fresco e jovial
Por que me amolar?
Seunome ainda conhecido?':
Brancas uvas Que insinuam?
Uva. azul Crer -- em tu?
Grameira Está de brincadeira?
52
Die Wãchterslnd gebóndiget/ Durch süíle Liebestaten;/ Doch wie wir uns verstãndiget/ Das wollen
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345
r
+
Cifra
Os curiosos modos de comunicação mostrados acima podem ser facil-
mente levados a cabo por duas pessoas vivazes e atraídas uma pela Outra. Há outro meio de se comunicar,porém, que é inteligente e cordiall Se no
Tão logo o espírito tome essa direção, ele faz milagres. Como prova, sele- exemploanterior o ouvido e o tino estavam em jogo, aqui se trata de um
ciono uma história dentre muitas.
senso estético que ama com delicadeza e que se coloca lado a lado com a
Dois amantes fazem uma viagem de prazeres por muitas milhas, mais alta poesia.
passamum belo dia em companhiaum do outro; na viagemde volta, No Oriente, todos sabiam o Corno de cor, e por isso a mais leve alusão
conversam e fazem charadas entre si. Logo cada amante não apenas re- a suratase versos permitiam um rápido entendimento entre os iniciados.
solve rapidamente cadacharadatão logo saia da boca do outro, mas, ao
Vivenciamos o mesmo na Alemanha, quando cinquenta anos atrás a edu-
fim e ao cabo, chega a adivinhar e dizer a palavra que o outro está pen- cação foi direcionada a tornar todas as crianças versadas na Bibblia.Não se
sando, e quer transformar tudo num jogo de palavras por meio da mais aprendia de cor apenas provérbios importantes, mas era possível alcançar
direta adivinhação.
também um conhecimento suficiente de todo o restante. Claro que havia
muitas pessoascom grande capacidade de aplicar citações bíblicas a tudo
Se hoje em dia falarmos e conformarmosalgo assim, não se deve temer
o que acontecesse e a utilizar a Escritura Sagrada em conversações. É ine
o ridículo, já que tais fenómenos psíquicos não chegam nem perto do que o sável que a partir disso surgiram as mais sagazes e graciosas respostas, e
magnetismo orgânico já revelou .
hoje em dia ainda aparecemaqui e ali nas conversascertasfrasespadrão
de aplicação eterna.
De modo análogo, lançamosmão de palavras clássicaspor meio das
quais indicamos e expressamosum sentimento ou um evento como algo
wlr verraten;/ Denn, Liebchen, was uns Glück gebracht/ Das mug auch andem nutzen,/ So v/olien que retorna eternamente.
wir der Liebesnacht/ Die dústern Lampen putzen./ Und wer sodann mit uns erreicht/ Dos Ohr recht
Cinquenta anos atrás, quando ainda era jovem e admirava seuspoetas
abzufeimen,/ Und iiebt wie wir, dern wird es leicht/ Den rechten Sinn zu reimen./ lch schickte dir, du
schicktest mir,/Es war sogleich verstanden.
nativos, este poeta avivou sua memória por meio dos escritos deles e pro
Amarante/ lch sah und brannte./ Raute/ Wer schoute?/ Haar vom Tiger/ Eln kühner Krieger./ vou como os aceitava ao expressar suas próprias ideias por meio das pa-
Haar der Gaze[ie/An we]cher Ste]ie?/8(]sche] von Haaíen/ Du so]]st'serfahren./ Kreide/ Meide./ lawas cultas e seletas deles, admitindo assim que eles sabiam desenvolver
Stroh/ lch brenne lich terloh./ Trauben/ Wili'serlouben./ Korallen/ Kannst mir gefailen./ Mandelkern/ meus sentimentos mais íntimos de maneira muito melhor que eu.
Sehrgern./ Rüben/ Willst mlch betrilben./ Korotten/ Wilistmeiner spotten./ Zwiebein/ Waswiiist
Contudo, para chegarmos ao assunto de fato, lembremo-nos de uma
du gr(}beln?/ Trauben,die weigen/ Wassola das helílen?/ Trauben,die blauen/ Solalch vertrauen?/
Quecken/ Du wiilst mich necken./ Nelken/ Seleich verweiken?/ Narzlssen/ Du mufàt es wissen./ forma muito conhecida,mas ainda assim sempre misteriosa, de se utilizar
yeiichen/ Watt ein Weilchen./ Kirschen/ Wiilst mích zerknlrschen./ Feder vom Raben/ lch mu8 dich códigos: quando duas pessoas se decidem por um livro e usam indicações
haben./ VomPapageien/ Muíit mlch befrelen./Maíonen/ Wowollen wir wohnen?/ Biel/ Giücklch bin de página e linha nas suas cartas, conscientes de que o receptor consegui-
dabei./ Rosenfarb/ Die Freude starb./ Seide/ lch leide./ Bohnen/ Will dich schonen./ Majoran/ Geht
rá facilmente decodificar a mensagem.
mich nichosan./ Blau/ Nimm's nicht genau./ Traube/ lch glaube./ Beeren/ Wili's verwehren./Feigen/
Kannst du schweigen?/ Goid/ ich bin dlr hold./ Leder/ Gebíauch die Feder./ Papier/ So bin ich dir./ A canção que classificamos com a categoria de ceP'aaponta para um
MaBlieben/ Schrelb nach Belieben./ Nochtviolen/ lch laB es holen./ Eln Faden/ Blst eingeladen./ Ein acordo semelhante.Dois amantes utilizam alguns poemas de Hafez
Zweig/Mach keinen Streich./Straufi/ lch bin zu Haus./ Winden/ Wirst mich finden./Myrten/ Will dich como ferramentas para o intercâmbio de seus sentimentos; indicam
bewlrten./ Jasrnin/ Nimm mlch hin./ Melissen/ ' ' ' auf einem Kissen./ Zypressen/ Wlll's vergessen./
Bohnenblüte/ Du falsch Gem(}te./Kalk/Bisa ein Schalk./Kohlen/Mag der *' * dlch holen.
página e linha para expressar seu estado emocional corrente, e assim
Und hãtte mit Boteinoh se/ NichoDschemil sich verstanden,/ Wiewõre denn se frlsch und froh/Ihr surgem canções compostas que expressam os mais belos sentimentos;
Nome noch vorhanden ?"
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DIVÃ OCIDENTE ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO D/vÀ OC/BENTO-ORIEN7HL
maravilhosos trechos esparsos do inestimável poeta são conectados com Divã futuro
paixãoe sentimento,a afinidadee a seleçãoconferemvida internaaa
todo, e aquelesque estãodistantes encontram uma devoçãoconsoladora
Em certa época,circularam na Alemanha muitos impressosna forma de
ao enfeitar seu lamento com pérolas das palavras dele.
mízlzuscrífos
para a/migas.Quem achar isso estranho pense que, ao fim e
Abrir meu coração ao cabo, todo livro é escrito para simpatizantes, amigos, admiradores do
A ti eu anseio; autor. Eu gostaria de classificar meu Díoã nessa mesma categoria, e sua
C)uço sobre ti, edição anual só pode ser vista como incompleta. Em anos mais jovens, eu
A isso anseio; o teria guardado por mais tempo, mas agora acho mais vantajoso coligir
Como olha triste
suaspartes eu mesmo do que deixa-lo, como Hafez, para a posteridade.
O mundo a mima
Pois é justamente o fato de este livrinho existir do modo pelo qual o apre-
sento agora que me faz querer trabalhar mais e mais para conferir-lhe a
SÓ na minha mente
merecida completude. Quero indicar aqui o que seria isso livro por livro,
Mora o meu amigo,
na sequencia.
E mais ninguém,
Líorodo ca?ztor.
Nesse limo, na fom\a como está, encontram-se impressões
Nem o inimigo.
Como a aurora vivas e entusiasmadas a respeito do efeito que muitos objetos e fenómenos
Virou meu intentos exercem sobre a sensibilidade e a mente, e são feitas alusões a relaçõesmais
detalhadasdo poeta com o Oriente. Secontinuar assim,o belo jardim será en-
De hoje em diante, feitado o mais graciosamentepossível. Mas sua composição será expandida de
Apenas ao serviço maneira muito mais agradável se o poeta não tentar apenasfalar de si mesmo
Do amor dele
e em sua defesa,mas também dedicar sua gratidão honrosa a amigos e mece
Devoto minha vida
nas, de modo a lembrar-se dos vivos com palavras amigáveis, e a rememorar
Penso nele, me
com honrariasaquelesque já seforam.
Sangra o coração.
Aqui se deve ter em mente que a agilidade e o momento orientais, na
Forças nãotenho, quela poesia tão rica e extremamente laudatória, talvez não cheguem a
SÓpra amá-lo, apelar à sensibilidade do leitor ocidental. Por outro lado, nós nos movemos
Quieto, diligente. de modo ousado e livre. sem recorrer a hipérboles. Pois realmente apenas
Que virá disso? uma poesia pura e de sentimento verdadeiro consegue expressar,ao fim e
Quero abraça-lo, ao cabo, os méritos mais autênticos de homens excelentescuja perfeição
Mas não posso. só se percebe realmente quando eles já se foram, quando suas peculia-
ridades já não nos incomodam mais e quando as consequênciasde suas
açõessaltam aos olhos todo dia e toda hora. Há pouco tempo, o poeta teve
a felicidade de ter parte dessa culpa, à sua maneira, em uma maravilhosa
53 "Dlr zu eróffnen/ Hein Herz verlangt mich;/ Hõrt' ich von deinem,/ Darnach verlangt mich;/ Wie blickt
se traurig/ Die Weltmich on./ in meinem Sinne/ Wohnetmeia Freund nur,/ Und sonsten keiner/ Und
festividade na presençada mais alta majestade."
keine Feindspur./ WieSonnenaufgang/ Wardmir ein Vorsatz!/Hein Lebenwill ich/Nurzum Geschãfte/
Vonselner Liebe/ Von heut an machen./ lch denke seiner,/ Mir biutet 's Hera./ Kraã hab ich keine/Als
54 A procissão de máscaras de1818 para a imperadora Mana Feodorovna em Weimar
ihn zu lieben./ Sorecht im stillen./ V/assoladas werdenl/ Will ihn umarmen/Und kann esnicho.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO D/vÀ OCIDENTO-ORIENTAL
Z,íz?ro
de Hajez.Se todos aquelesque fazem uso do árabee de línguas Forçados somos, em viés,
aparentadas já nasceram e foram criados como poetas, então se pode pen- Onde os cachos se entrançam
sar que numa tal nação surgem mentes excelentes em quantidade enter. Brumas,plenos,grossosanéis
me. Contudo, quando tal povo admite apenassete poetas ao posto mais Que então no vento balançam
só se pode agradar às pessoas quando se lhes canta aquilo que gostam de Encerram a ti no xadrez
ouvir de maneira simples e confortável, tornando possível, aqui e ali, imis- Enquanto lide te soltam
A interna ordemsalutar
Perdoa, Mestre, sabes bem
Do mundo se foi mostrando,
Que eu me meço a todo instante,
Penugem cresce, peito a inalar
Se o olho já não se contém
Varão está se tornando.
Atrás do cipreste andante.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS ]UARAMELHOR COMPREENSÃO DO D/t/a OC/DEITO-ORIENTAL
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DIVÃ OCIDENTE ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS ])ARA MELHOR COMPREENSÃO DO Z)it/Â OCIDENTO-ORIENTAL
sentimento de ajuda e indulgência conectamo Céu com a Terra,e afere. linhas difamatórias,todo o elogio que tinha feito por tantos anos ao xá.
cem um paraíso devotado ao ser humano. Por outro lado, o mau humor Ele fugiu, escondeu-see não se retratou, mas transferiu seu ódio para
sempreé egoísta; ele é composto de exigênciascuja realizaçãoestá fora os de sua tribo, de modo que sua irmã desprezou e recusou um presente
dele; ele é arrogante, repugnante e não compraz a ninguém, tampouco considerável enviado pelo sultão (que procurava reconciliação) e que infe-
aqueles que são tomados do mesmo sentimento. Não obstante isso, o ser lizmente havia chegado apenas depois da morte do irmão.
humano nem sempre consegue conter tais explosões.De fato, ele faz bem Se quisermos expandir isso mais ainda, diríamos que partindo do tro
quando se esmera para ventilar a sua fúria, especialmente se ela for dispa- no, passando por todas as etapas para descer até o dervixe da esquina,
rada por uma atividade impedida ou obstruída. Mesmo agora esse livro tudo se encontra cheio de arrogância, cheio de altivez terrena e espiritual
deveria ser muito mais poderoso e rico; contudo, deixamos muito de lado. que, no menor incidente, explode de maneira violenta.
para evitar excessivadiscordância. Gostaríamos de comentar, neste ponto Com relação a essafalha moral, se pudermos considera-la assim, tem
que guardamospara publicaçãofutura sob a rubrica Paralipomenaos se uma atitude bastante estranha no Ocidente. A modéstia é, na verdade,
comentários, aparentemente inapropriados para este momento, mas que uma virtude social. Ela indica uma grande cultura, é a autonegação di-
no futuro serão tidos como inofensivos com alegria e benevolência recionada para fora que, fundada sobre um grande valor interior, é vista
Por outro lado, aproveitamos esta oportunidade para falar da arro- como a mais alta característicado ser humano. E assim ouvimos que o
gância,e em primeiro lugar sobre o modo pelo qual ela surge no Oriente povo valoriza sempre primeiro a modéstia nas pessoas excelentes, sem dar
O próprio governante é o primeiro arrogante, que parece excluir todos os muita atenção para suas demais qualidades. Modéstia está sempre ligada à
demais. Todos Ihe servem, ele manda em si mesmo, ninguém manda nele pretensão e a uma espécie de bajulação, eficaz quando faz o bem a outrem
e sua própria vontade cria o restante do mundo, de sorte que ele pode de forma não invasiva enquanto não o remove do seu confortável amor-
se comparar com o Sol e até mesmo com o Universo. Chama a atenção, -próprio. Tudo o que chamamos de boa sociedade se funda numa sempre
porem, que justamente por isso ele se sente obrigado a eleger um corre- crescente negação de si próprio, de modo que, ao fim e ao cabo, as rela-
gente que esteja a seu lado nesse campo ilimitado, ou melhor, que de fato ções sociais se tornam nulas. O talento deveria se desenvolver a ponto de
o mantenha sobre o trono do mundo. É o poeta que age com ele e por ele, sabermosbajular a vaidade de outra pessoasatisfazendo simultaneamente
e o eleva sobre todos os mortais. Quando na sua corte se juntam muitos a nossa propria.
dessestalentos, ele lhes dá um rei dos poetas, mostrando com isso que Contudo, gostaríamos de reconciliar nossos compatriotas com as pre-
reconhece o melhor talento como seu igual. Dessa maneira, contudo, o sunçõesdo nosso poeta ocidental. Certa jactância não poderia faltar ao
poeta é encorajado e até mesmo induzido a pensar sobre si mesmo como Díuã se o caráter oriental tiver que ser realizado de alguma maneira.
tão grande quanto o príncipe, e assim a se sentir como copossuidordos O poeta não se rebaixou a fazer afirmações desagradáveis contra as clas-
maiores privilégios e bênçãos. Com isso, ele se fortalece por meio dos ses superiores. Sua posição afortunada eximiu-o de qualquer luta contra o
inumeros presentes que recebe, da riqueza que acumula e da influência despotismo. O mundo concorda com o elogio que ele pede dedicar aos seus
que exerce.Ele também se prende tão firmemente nessa forma de pensar soberanos príncipes. As augustas personalidades com as quais esteve em
que qualquer desvio das suas expectativas pode leva-lo à loucura. Ferdusi contadoforam e são ainda muito admiradas. Pode-se até mesmo cüticar o
esperava receber pelo seu Shah-lzameb60 mil moedas de ouro, de acordo poeta pelo fato de a parte encomiástica do seu Díoã não ser rica o suficiente.
com uma primeira afirmação do imperador. Como, porém, recebeu apenas No que concerne ao Líoro do mau humor, decerto se podem encontrar
60 mil moedas de prata, justamente quando estava tomando banho, divi- algumas coisas reprováveis.Toda pessoa mal-humorada diz muito clara
diu a soma em três partes, deu uma delas ao mensageiro, outra ao dono da mente que suas expectativas pessoais não foram satisfeitas, que suas rea-
casa de banhos e a terceira para o escanção, e assim eliminou, com poucas lizaçõesnão foram reconhecidas.Assim também é com o poetar Não Ihe
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIVA OC/DEITO-ORIENTAL
restringem de cima, mas ele sofre a partir de baixo e dos lados. Uma massa chorar, e então eles choraram por algumas horas. Depois, alguns companheiros
intrusiva, frequentemente vulgar e maliciosa com seus porta-vozes, atrasa consolaram Timur e o divertiram com histórias estranhas, para fazê lo esquecer
sua atividade. Primeiramente se armou de orgulho e irritabilidade, mas de tudo. Timur parou de chorar, mas Hodja não parou, e aí começou a chorar forte
de verdade. Finalmente, Timur falou para Hodja: "OuvemOlhei no espelho e me
depois, irritado e pressionado demais, juntou forças suficientes para afir-
mar sua verdade. achei muito feio, depois fiquei triste porque não sou apenas imperador, mas tenho
também muitas propriedades e escravas,e além disso sou tão feio; por isso chorei
Mas admitamos que ele sabe mitigar muitas das suas presunções pelo E por que choras sem parar?"Hodja respondeu:"Se tu te olhaste no espelho e, ao
fato de direcioná-las à sua amada de maneira sentimental e habilidosa contemplar teu rosto, não conseguiste suportar a visão, mas choraste por causa
humilhando-se e até mesmo se anulando para ela. O coração e a mente da disso, o que devemos fazer, nós que olhamos teu rosto dia e noite? Se não chorar
leitor vão dar-lhe crédito.
mos, quem vai chorar? Por isso chorei." -- Timur arrebentou de tanto rir.
O Z.jurodos praz;érbíossobretudo deve crescer; ele está intimamente
relacionadocom os livros das Colzfemp/anões e do À4az{/humorProvérbios Lourode ZuZeica.Esselivro, sem dúvida o mais poderosode toda a co
orientais contêm a característicadistintiva de toda a arte poética, ao se letânea, pode ser considerado finalizado. O hálito e o espírito de uma pai-
referirem muito frequentemente a objetos visíveis, dos sentidos -- e há xão que sopra no todo não volta facilmente; pelo menos seu retorno deve
muitos dentre eles que poderiam ser chamadosde parábolaslacânicas. ser esperado,como um bom ano de vindima, com esperançae humildade
Essetipo é para o ocidental o mais difícil, pois nossa região é muito seca, Podemos fazer algumas considerações a respeito do comportamento
regulamentada e prosaica. Antigos provérbios alemães, porém, em que a do poeta ocidental nesselivro. Seguindo o exemplo de muitos predecesso-
sentido se constrói por meio de símiles, podem ser o nosso modelo. res orientais, ele se mantém longe do sultão. Como um dervixe modesto, ele
O Líz?rode Tz/Hufs'deveria na verdade ser totalmente refeito, e talvez pode até mesmo se comparar ao príncipe, pois o verdadeiro mendigo deve
se devessempassar alguns anos até que a interpretação atual demais dos ser um tipo de rei. A pobreza traz temeridade. Não reconhecer os bens ter-
fatos não venha a atrapalhar a contemplação de eventos mundiais terríveis. renos e seu valor, não os desejar ou desejar apenas um pouco, esta é sua de
Essatragédia poderia ser amenizada se decidíssemospermitir, de tempos cisão, que cria uma sensaçãoda maior despreocupação.Em vez de procurar
em tempos, algumas aparições ocasionais do engraçado Nasrudin Hodja. preocupado por posses, ele imagina entregar terras e tesouros, e escarnece
companheiro de viagem e de tenda do temível devastadorde mundos. Boas aquelesque realmente os possuíram e perderam. Na realidade, contudo, nos-
horas e uma mente livre nos darão o melhor incentivo para nosso caminho. so poeta admitiu uma pobreza voluntária para poder apenas aparecer mais
Incluiremos aqui um modelo das historinhas que chegaram até nós. orgulhoso, já que existe uma jovem que não obstante Ihe é devota e atenta.
Mas ele se orgulha de uma falta ainda maior: a juventude se Ihe esca-
Timur era um homem feio; tinha um olho cego e um pé coxo. Quando certo dia
pa. Sua idade, seus cabelos grisalhos ele enfeita com o amor de Zuleica,
Hodja estava com ele, Timur coçou a cabeça,pois era hora de raspar os cabelos, e mas não de maneira afetada e intrusiva, nãos Ciente do amor correspon
ordenou que chamassem o barbeiro. Depois que a cabeça estava raspada, o bar-
lido. Ela, a espirituosa, sabe valorizar o espírito que amadurece cedo a
beiro, como de costume, deu o espelho a Timur. Timur olhou no espelho e achou
juventude e rejuvenesce a idade avançada.
sua aparência feia demais. Então, começou a chorar, e também Hodja começou a
O Líz?roda fauerna. Nem a inclinação intemperada pelo vinho semi-
proibido, nem a sensibilidadepela beleza de um menino adolescentepo
57 Tamerlão ou Timir-Iene (que em turcomeno significa "Timur, o coxo") viveu entre 1336 e 1405 e deriam ser emitidas no Díuã. Esta última, porém. deve ser tratada com
foi um dos imperadores do período que se seguiu à dissolução do império de Genghis Khan(1162
toda a pureza, de acordo com a nossa moral.
12271.Sua última investida conquistadora foi em 1405,quando partiu em direção à China em
meio ao inverno e faleceu na cidade de Shymkent(atual Cazaquistãol. Na cidade de Samarcanda
A inclinação mútua entre a primeira e a terceira idades essencialmen-
laEualUzbequistãol foi erguido um mausoléu em sua homenagem, chamado de Gur Emir. te aponta para uma relação verdadeiramente pedagógica. Uma inclinação
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E :NSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIVA OCIDENTO-OR/ENCHI
apaixonadada criança pelo velho não é de maneira nenhuma um feno Gostaríamosde ir contigo, mas estás contra nós, como Zaid contra Amru, re
meno incomum, mas é muito pouco utilizada. Aqui devemosnotar a re. negado e animoso." Ele respondeu, com modesto embaraço, com alguns versos
de meus próprios poemas, e eu tinha a vantagem de poder Ihe dizer as coisas
laçãodo neto como avâ,e do último herdeirocom o surpresoe terno
mais bonitas desse mesmo jeito, e assim passamosalguns dias em conversas
pai. E nessa relação que se desenvolve de fato a inteligência das crianças.
graciosas. Quando, porém, a corte estava se preparando para nova viagem, e
Elas são atentas para a dignidade, experiência e força dos mais velhos:
nós queríamos partir cedo pela manhã, um de nossos companheiros disse a ele:
almas nascidas puras sentem a necessidade por uma inclinação respei- 'Este é o próprio Saadi, a pessoa por quem perguntaste.
tosa,e aqui o velho é capturado e mantido preso. Se a juventude sentee
aplica sua preponderância para alcançar objetivos infantis, para satisfazer O menino veio correndo até mim, colocou se com toda reverência de forma ami-
necessidadesinfantis, então o charme nos concilia com uma antiga tra- gável à minha frente e desejou que tivesse podido me conhecermelhor, e disse:
vessura. Contudo, é mais tocante a crescente consciência do menino que, 'Por que não quiseste te revelar nesses dias e dizer'Eu sou Saadi', de sorte que eu
estimulado pelo espírito elevado do mais velho, encontra em si mesmo pudesse te prestar as devidas honras segundo o meu melhor e oferecer humilde
mente meus serviços aos teus pés?" Respondi: "Quando te vi, não consegui pro
algo de admiração que Ihe revela que algo semelhante também pode se
nunciar as palavras 'eu sou ele', meu coração se abriu para ti como uma rosa que
desenvolver nele mesmo. Tentamos aludir a essas belas relações no Líoro
desabrocha."Ele perguntou ainda se não era possível que eu ficassemais alguns
da fauerfza,e aqui as explicamos com mais vagar. Saadi nos preservou al-
dias ali para que ele pudesse aprender a arte e a ciência comigo, mas eu respondi
guns exemplos cuja delicadeza, certamente conhecida de todos, propor- 'Não pode ser; pois vejo aqui pessoasexcelentessentadas entre grandesmon
ciona o mais perfeito entendimento.
tangas, mas eu gosto, agrada-me ter apenas uma caverna nesse mundo e passar
Ele narra o seguinte no seu O /ardem dlzs rosas: meu tempo ali."E como ele me parecia um pouco triste, falei: "Por que não vais à
cidade, onde poderia livrar teu coração do grilhão da tristeza e viver mais alegre?"
Quando Mahmud, o rei da Corásmia, fez as pazes com o rei de Khata, eu estava Ele respondeu:"De fato, lá há coisasbonitas e agradáveis,contudo na cidade as
em Kashgar (uma cidade dos uzbeques ou fartos) e fui à igreja, onde, como vo- ruas são sujas e escorregadias,de modo que até mesmo elefantes podem escor-
cêssabem,também há aulas da escola,e vi ali um menino, de bela aparênciae regar e cair; e assim, observando maus exemplos, eu também não conseguiria me
maravilhoso rosto. Ele tinha uma gramática na mão, para aprender a língua de manter firme em pé." Quando falamos isso, beijamo-nos na cabeçae no rosto, e
maneira pura e detalhada. Ele lia em voz alta um exemplo de uma regra: Safada nos despedimos. Então o que o poeta disse se tornou verdade:"Os amantes, na
Zaídon Amralz. Zaid bateu ou guerreou com Amru. Amru é o acusativo (ambos os despedida,são como as belas maçãs; uma maçã se pressiona contra a outra, fica
nomes aqui aludem a contendores, como em português: Jogo e Pedro). Quando vermelha de desejo e vida; a outra, porém, é pálida de mágoa e doença
ele repetiu essaspalavras algumas vezes para memoriza-las, eu disse: "Corásmia
e Khata de fato estão em paz; será que Zaid e Amru têm sempre que fazer guerra Em outro trecho, o mesmo poeta narra
um contra o outro?" O menino riu muito amavelmente,e perguntou de onde eu
era. Respondi: de Xiraz, e ele perguntou se eu não sabia algo de cor dos escritos de
Quando eu era jovem, cultivemuma amizade sincera e duradoura com um homem
Saadi,já que ele gostava muito da língua persa.
jovem como eu. Seurosto era para mim como uma parte do Céu, para onde nossas
oraçõesse voltavam como que para um ímã. Sua companhia era a melhor coisa
Eu respondi: "Assim como o teu temperamento se entregou à gramática mo-
que pude ter em todo o câmbio e intercâmbio da minha vida. Creio não haver
vido por amor pela língua pura, da mesma maneira meu coraçãose entregou
existido nenhuma pessoa no mundo (talvez apenas anjos no Céu) que pudesse ser
inteiramente a ti, de sorte que a forma da tua natureza obnubilou totalmente
comparada a ele em forma, sinceridade e honra. Depois de ter gozado tal amizade,
a forma do meu intelecto." Ele me contemplou com atenção, como se quisesse
fiz um juramento, e penso que seria errado de minha parte se dedicassemeu amor
analisar se aquilo que eu dissera eram palavras do poeta ou meus próprios sen-
a outra pessoa após a sua morte. Aconteceu que seu pé ficou preso nas cadeias
timentos; eu, porém, continuei:"Tu tens o coração de um amante preso nas tuas
do seu destino, apressandoo para o túmulo. Fiquei um bom tempo de guarda
redes, como Zaid. Gostaríamos de ir contigo, mas estás contra nós, como Zaid.
sobre seu túmulo, sentado e deitado, e compus várias canções de lamento sobre
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS I)ARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)II/Â OC/DEITO-ORIENTAL
sua morte e nossa separação,que permaneceram tocantes tanto para mim quanto ou até mesmonos assentar.Levezae seriedadeentrelaçam-se
aqui de
para outros. maneira bastante amável, e uma vida cotidiana sublimada nos dá asas,de
modo a alcançaro alto e o mais alto. E o que impediria o poeta de montar
Lforo das parííbolas.Apesar de as nações ocidentais terem se apropria- no cavalomaravilhoso de Maomé e voar por todos os céus?Por que ele
do de muitas riquezas do Oriente, ainda conseguiremos encontrar aqui não deveria festejar devotamente aquela noite santa na qual o Corão foi
muito que ganhar, o que revelaremosmelhor no que se segue. trazido completo ao Profeta de cima para baixo? Aqui ainda há muito a ser
As parábolas,como outros gênerospoéticos do Oriente que remetem alcançado.
à moralidade, podem muito bem ser divididas em três subgrupos:éticas,
morais e ascéticas.As primeiras contêm eventos e alusões que concernem Do Antigo Testamento
ao ser humano em geral e à sua condição, sem que se diga claramente o
que é bom e o que é ruim. Esse contraste, porém, é afirmado pelo segundo Depois de ter me lisonjeado com a doce esperançade conseguir tanto
grupo, que oferece uma escolha razoável para o ouvinte. O terceiro grupo, ampliar o Díoã quanto as explanaçõesanexas no futuro, percorro os
por outro lado, adiciona mais uma restrição: a sugestão moral torna-se lei e trabalhos preliminares que, inutilizados e não finalizados, encontram-
mandamento. Podemos ainda acrescentar uma quarta categoria: parábolas -se esparsosem inúmeras folhas. E ali encontro um tratado, escrito há
que apresentam os maravilhosos aros e conduções que emanam dos decre- cinquenta anos, que se refere a estudos e papéis ainda mais antigos.
tos imperscrutáveis e imponderáveis de Deus, ensinando e confirmando Dos meus ensaiosbiográficos, amigos lembrarão que dediquei muito
o verdadeiro lslã, a entrega incondicional à vontade de Deus, a convicção tempo ao Primeiro Livro de Moisés e passei muitos dias da minha juven
de que ninguém pode se desviar do seu destino já estipulado. Poderíamos rude nos paraísosdo Oriente. Mas nos escritos históricos que se seguiram
adicionar ainda uma quinta, que teria de se chamar mística: ela arranca o também apliquei muita dedicação e diligência. Os quatro últimos livros de
ser humano do seu estado anterior, que é sempre um estado de ansiedade Moisés obrigaram-me a realizar investigações pontuais, e o tratado abai-
e depressão,e o leva para a união com Deus nesta mesmavida, e para a xo contém seus curiosos resultados. Que ele tenha o seu lugar aqui. Pois,
provisória renúncia dos bens cuja eventual perda nos poderia causar dor. uma vez que todas as nossas andanças pelo Oriente foram proporcionadas
Teremos grande vantagem se mantivermos separados os diferentes obje- pelas Escrituras Sagradas,sempre retomaremos a elas, que são as fontes
tivos em todas as representaçõesimagéticas do Oriente. Mistura-las vai mais saciantes,apesarde aqui e ali um pouco túrbidas, um pouco escondi
confundir toda questão que contemplarmos por um uso moral quando não das sob a terra para depois voltarem a brotar puras e frescas.
é possível nenhum, além de podermostambém acabar ignorando algum
significado mais profundo. Prover exemplos marcantes de todos os tipos lsraelno deserto
tornaria o Lourodaspízrábo/asinteressantee instrutivo. Deixamosao leitor
atento a tarefa de categorizar as parábolas que apresentamos. "E levantou-seum novo rei sobre o Egito, que não conheceraa José"
Líoro do parte. Apenas variadas distraçõesimpediram o poeta de apre- [Êxodo 1:8]. Como o governante, também o povo perdeu a memória de
sentar toda a amplitude poética da reverência ao fogo e ao Sol, um fenó- seu benfeitor; aos próprios israelitas os nomes dos seus ancestrais pare
meno aparentemente tão abstrato, mas que tem uma efetividade bastante cem soar como antigos sons trazidos de longe. Por quatrocentos anos,
prática e sobre o qual há muito material rico à disposição. Que ele consiga a pequena família aumentou incrivelmente. A promessa, dada a seu
compensar com felicidade aquilo que foi omitido. grande antecessorpor Deus sob tantas improbabilidades, fora realizada;
Lourodo Parazbo.Esta região da fé maometana também tem muitos contudo, de que ela lhes serviu? Justamente essa grande massa levanta
lugares maravilhosos, paraísos no Paraíso,onde poderíamos querer andar suspeitas dos habitantes do país. Procura-se molestá-los, apavora-los,
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DII/À OCIDENTO-ORIEN7HL
exterminá-los, e, mesmo que sua natureza obstinada os proteja contra surgiram em ocasião posterior, por que foram inseridas e descritas nesse
isso, mesmo assim preveem seu ocaso total. Antigamente um povo pastor ponto. Não é possívelcompreenderpor que é feito, numa tão vasta cam
livre, agora se vê obrigado a construir cidades fortes com suas próprias panha atrapalhada por tantos obstáculos, o esforço tão determinado e pe
mãos, localizadas dentro das fronteiras e à beira delas, que claramente dante de aumentar todo o pacote de cerimónias religiosas, tornando assim
estão destinadas a ser seus cárceres e calabouços. todo progresso infinitamente mais difícil. Não é possível entender por que
Antes de prosseguirmos na análise desseslivros redigidos de maneira são declaradasleis para o futuro que ainda oscila por inteiro no desconhe
estranha e mesmo infeliz, perguntamos: O que vai nos restar como base. cêdo,numa épocaem que todo dia, toda hora precisade palavrase ações,
como matéria primordial dos quatro últimos livros de Moisés, uma vez e o pastor, que deve estar firme sobre suas pernas, prostra-se repetidas
que nos vemos impelidas a guardar muitas coisas,mas também a remover vezes para suplicar por misericórdia e punições de cima -- ambas conce
muitas coisas deles?
didas apenas de maneira esparsa --, de modo que se perde totalmente de
O único, verdadeiro e mais profundo tema da história do mundo e do vista o objetivo principal com o povo disperso
ser humano, ao qual todos estão subordinados, ainda é o conflito entre a Para conseguir achar saída nesse labirinto, dei-me ao trabalho de se
fé e a descrença.Todasas épocasnas quais a fé dominou, seja lá em que parar com cuidado aquilo que é narrativa real, seja história, fábula ou
forma ela apareça, são brilhantes, elevam o coração e são 6.utíferas para o ambas, seja poesia. Separei isto daquilo que foi ensinado e ordenado. Sob
contemporâneo e para a posteridade. Por outro lado, todas as épocasnas a primeira categoria incluo aquilo que seria apropriado a todos os paí-
quais a descrença,seja lá em que forma, afirma uma vitória miserável e ses,a todas as pessoasmorais, e, sob a segunda,aquilo que diz respeito
se elas permitem-se alardear um momento de brilho, desaparecempara em especial ao povo de lsrael e o unifica. O quanto isso me foi possível
a posteridade,pois ninguém quer se atormentar e reconhecero quanto não ouso avaliar, pois atualrnente não estou em posição de retomar esses
foram infrutíferas.
estudos uma vez mais, mas o que pretendo fazer aqui é apenas reunir
Se o primeiro livro de Moisés apresentou-nos o triunfo da fé, os quatro essespapéis mais antigos e mais novos e apresentar o que o momento
últimos têm como tema a descrença,que de fato não contestanem com- anualpermitir. Eu gostaria de direcionar a atenção de meus leitores a
bate a fé (que na verdade não se mostra em toda sua plenitude) da manei- duas coisas.Primeiramente, à maneira pela qual essa curiosa expedição
ra mais mesquinha, mas se opõe a ela pouco a pouco. A descrençanão é desenvolveu-sea partir do caráter do comandante, que no início não é
curada, não é eliminada nem por meio de boas ações,tampouco por meio mostrado numa luz muito favorável. E, em segundo lugar, à suposição de
de frequentes e terríveis penas, mas apenas aplacada temporariamente. que a expedição não teria durado quarenta, mas na verdade nem ao me-
Ela permanece sempre em seu caminho rastejante, de modo que um no- nos dois anos. Isso tanto justifica e restaura a honra do comandante (cuja
tável e nobre projeto empreendido segundo as maravilhosas promessas de conduta criticamos anteriormente), quanto, porém, igualmente salva e
um Deus nacional confíável ameaça falhar já no seu início, não podendo quase restabelecea pureza original do Deus nacional face à iniquidade
nunca ser completado em toda sua plenitude. da sua severidade, que é tanto mais desagradável quanto a obstinação de
Se nos sentimos desconfortáveis e perturbados pela natureza desagra- um povo.
dável desteconteúdo, pelo fío condutor confuso (ao menos num primeiro Lembremo-nosprimeiramente do povo israelita no Egito, em cuja
olhar) que perpassa o todo, então esseslivros se mostram totalmente im- grande aflição a posteridade mais tardia é chamada a participar. Entre es-
palatáveis devido a sua redação altamente triste e ininteligível. Vemos em sas pessoas,saídasda violenta tribo de Leva,surge um homem violento.
todo lugar o curso da história inteiramente obstruído por inúmeras leis Um senso vigoroso de certo e errado caracteriza esse homem. Ele parece
intercaladas,cuja maior parte não permite divisar qual seja o motivo ou nobre aos seus poderosos superiores, cujo progenitor exclama:
o objetivo, e muito menos por que foram dadasnaquele momento ou, se
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NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO D/IÜ OC/BENTO-OR/EN7HL
Simeão e Leva são irmãos; as suas espadas são instrumentos de violência. No seu
Ele consegue algum consolo nessa situação através de conexões que
secreto conselho não entre minha alma, com a sua congregação minha glória não
tem com seu próprio povo, mantida por meio de caravanasque vão e vêm
se ajunte; porque no seu furor mataram homens, e na sua teima arrebataram bois
Depois de muita dúvida e hesitação,ele decide voltar e tornar-se o sal-
Maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura; eu os dividirei em
Jacó, e os espalharei em lsrael. [Gênesis 49:5 7] vador de seupovo- Aarão, seu irmão, vai ao seu encontro e descobreque
a agitaçãodo povo chegavaao limite. Nesse momento, ambos os irmãos
Moisés se anuncia exatamentenesse sentido. Ele assassinasecreta- poderiam arriscar colocar-se como representantes frente ao rei. Este,con-
mente o egípcio que maltratava um israelita. Seu assassinatopatriótico tudo, mostra-se muito pouco inclinado a permitir tão facilmente que uma
é descoberto,e ele precisa fugir. Não é necessárioquestionar a respeito grande multidão saia e recupere sua antiga independência, ainda mais que
da educação de uma pessoa que tenha cometido tal ato e se apresentado essamultidão progrediu, nas suasterras, do pastoreio para a agricultura,
como uma simples pessoa da Natureza. Parece que ele fora favorecido por para o artesanato e para as artes, inclusive se mesclando com seus súditos,
uma princesa enquanto menino, fora criado na corte, mas nada exercera e também porque ela fornece uma maciçaforça de trabalho pelo menos
para erigir enormes monumentos e construir novas cidades e fortalezas.
efeito sobre ele; tornou-se um homem esplêndido e forte, maspermane-
ceu cru em todas as circunstâncias.E durante seu exílio o reencontramos Assim, a requisiçãoé recusadae, sendo repetida cada vez com mais
como um homem forte, rude, fechado e incapaz de comunicação. Seu pu- urgência com as calamidades que se apresentam, é recusada de maneira
nho sagazIhe garante a inclinação de um sacerdotede um príncipe midia- ainda mais firme. Contudo, o agitado povo hebreu, então com vistas na
nita, que também o liga à sua família. Ali ele conhece o deserto, onde mais terra que uma antiga tradição Ihe tinha prometido, cheio de esperança
tarde assumiria a pesada tarefa de ser um comandante de exército. por independência e por autonomia, não aceitaria mais nenhuma obriga-
E agora,mais importante ainda, lancemosum olhar aos próprios mi- ção.Sob o manto de uma festa geral, consegue-seobter por chantagem
dianitas, entre os quais Moisés se encontra nesse momento. Devemos re- vasos de ouro e prata dos vizinhos, e no momento em que o egípcio acre
conhecê-los como um grande povo que, como todos os povos nâmades e dita que os israelitas estão ocupados com inofensivos banquetes, ocorre
negociantes, parece muito maior do que é por meio das várias ocupações como que uma Véspera Siciliana ao contrário: o estrangeiro assassinao
de suas tribos e devido ao amplo espaçode mobilidade. Encontramosos nativo, o hóspede o estalajadeiro, e seguindo uma política horrenda, ma-
midianitas no monte Horeb, no lado ocidental do pequeno golfo, e depois tam-se os primogênitos para, numa terra na qual o primogênito desfruta
em direção a Moabe e a Arnon. Já antigamente os encontramos como ne- de tantos direitos, ocupar o egoísmo dos que nasceram depois e assim ser
gociantes viajando em caravanas passando por Canal até o Egito. possível fugir às pressas,escapando de uma vingança imediata. O estrata-
Moisés vive então no seio desse povo culto, ainda que como um pastor gema tem sucesso,os assassinossão banidos em vez de punidos. Apenas
segregado e fechado. Numa situação das mais tristes para um homem ex- mais tarde o rei reúne seu exército, mas os cavaleiros e carroças tão temi-
celente que não nasceu para o pensamento e a reflexão, mas para a ação, dos pelo povo descalçoempenham-se num terreno pantanoso, uma luta
vemo-lo sozinho no deserto,sua mente sempre ocupada com o destino desigual contra a retaguarda fraca e parcamente armada. Provavelmente
de seu povo, sempre voltado para o Deus de seusancestrais,sentindo an- esta era a mesma tropa decidida e audaz que já tinha ganho prática por
gustiado o exílio de um país que, sem ser pátria para os pais, mesmo assim meio da empresaousadado assassinatogeral, e que depois não teremos
é a pátria de seupovo; fraco demaispara erguerseu punho nessegrande como não reconhecer por seus aros terríveis.
evento, incapaz de conceber um plano -- e, caso o concebesse,incapaz de Uma expediçãomilitar e popular bem preparadapara atacar e defen
qualquer negociação, qualquer apresentação oral que pudesse apresentar der conseguiria escolher mais do que um caminho para a Terra Prometida.
sua personalidade numa luz favorável. Não seria de admirar se numa si- O primeiro deles, à beira-mar passando por Gaza, não era próprio para uma
tuação como essa uma natureza forte como a dele consumassea si mesma. caravana e poderia, devido aos bem armados e belicosos moradores, tornar-
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emissários e prosseguir até Cades. Quando os emissários regressaram, conceber-sede posse da melhor parte da terra desejada;porém os na-
trouxeram notícias do esplendor dessa terra, mas também da ferocidade tivos, atenciosos,conseguiramparar o avanço -- e agora, para onde ir?
dos nativos. Aqui surgiu de novo uma triste cisão,e a disputa entre fé e Já tinham avançadopara norte longe o bastante,e agoradeveriamno
descrença recomeçava. vamente migrar para leste para enfim tomar o caminho que deveriam ter
Infelizmente, Moisés tinha menos talento ainda como comandante de tomado desdeo início. Contudo, justamente ali no leste ficavao país cer
campo e regente. Já durante o conflito com os amalequitas, ele dirigiu- Gadode montanhas chamado Edom; solicitaram passagem,mas os inteli
se à montanha para rezar, enquanto Josué,à frente do exército, enfim gentes edomitas recusaram de forma categórica. Abrir caminho à luta não
conseguiu arrancar do inimigo uma vitória que por muito tempo parecia era recomendável, portanto era necessário acostumar-se com um desvio,
duvidosa. Chegando em Cades, encontraram-se outra vez numa situação pelo qual as montanhasedomitas ficariam à esquerda,e dali a viagem se-
ambígua. Josué e Calebe, os mais bravos entre os doze enviados, aconse- guiu-se sem grandes dificuldades; pois foram necessáriaspoucas estações
lharam atacar,declarando com confiança que conquistariam a terra. En- C)bote,ljé-Abarim para alcançarem o ribeiro de Zerede, o primeiro
tretanto, uma exagerada descrição de tribos armadas de gigantes propor- que despeja suas águas no mar Morto, e depois para chegarem a Arnom.
ciona terror e espanto; o exército acovardado nega-se a avançar. Moisés Entretanto, Míriam tinha falecido e Aarão desaparecido, pouco depois de
novamente não sabe o que fazer, desafiando-os num primeiro momen- terem se rebelado contra Moisés.
to e depois considerando perigoso um ataque por esse lado. Sugeriu que No ribeiro de Arnom tudo transcorreumelhor do que até então.
se mudassem para leste. Nesse ponto, uma parte mais comprometida do O povo se viu pela segundavez próximo de realizar seusdesejos,numa
exército poderia ter julgado indigno abrir mão de um plano sério e labo- região que colocava poucos obstáculos ao seu caminho; aqui seria possível
riosamente levado a cabo para chegar ao objetivo ansiado. Revoltam-se e para a massa investir com ímpeto e subjugar, destruir e expulsar os povos
sobem a cadeia de montanhas. Moisés, porém, fica para trás, e a arca não que lhes recusassem a entrada. Avançaram ainda mais, e assim foram ata
é movimentada; por isso, nem Josué nem Calebe consideram apropriado cados os midianitas, moabitas e amoritas nos seus territórios mais belos.
se colocaremà frente da tropa valente. Chegam
A vanguardaarbitrária e Os primeiros, a quem Jetro tinha cuidadosamentetentado evitar, che:
semapoio é derrotada,e a impaciênciaaumenta.O mau humor do povo, Batam a ser aniquilados. A margem esquerda do Jordão fora tomada, e
que explodiu tantas vezes, os repetidos motins dos quais até mesmo Aarão a alguns clãs impacientes foi permitido o assentamento.Mais uma vez
e Míriam tomaram parte, estouram novamente ainda mais fortes, e dão foram dadas novas leis e ordens segundo a tradição, fazendo com que
outra vez testemunho do quanto Moisés não está à altura de sua grande as pessoas hesitassem em atravessar o Jordão. Durante esses eventos,
vocação.Isso já não entra mais em questão, mas se prova irrefutavelmente Moisés desapareceuassim como Aarão havia desaparecido,e erraría
por meio do testemunho de Calebe de que nesse momento seria possível, mos gravemente se Josuée Calebe não tivessem achado por bem acabar
talvez mesmo indispensável, invadir a terra de Canaã,tomar posse de He- com o governo de um homem limitado que toleraram por alguns anos e
bron e da gruta de Mamre, conquistar a sagradatumba de Abraço e com manda-lo atrás dos desgraçadosque haviam sido despachados;assim,
isso criar um ponto objetivo, central e de apoio para a empresa como um dariam um fim nesse caso e, com seriedade, tomariam posse de toda a
todo. Por outro lado, quantas desvantagensnão afligiriam um povo infeliz margem direita do Jordão e das terras ali compreendidas.
se decidisse de repente que o plano sugerido por Jetro (ainda que não de Decerto meus leitores admitirão que nossa narrativa, do modo como
maneira desinteressada,nem tampouco inteiramente traiçoeira) deveria é apresentadaaqui, nos mostrao avançode uma empresaimportante
ser tão tolamente abandonados
de maneira tão rápida quanto coerente. Contudo, ela não vai auferir
O segundo ano, contado a partir do êxodo do Egito, ainda não havia confiança e aprovação imediatas, pois faz com que a expedição estes
passado, e antes de seu final (ainda que tarde o suficiente) seria possível dida na letra explícita da Escritura Sagradapara muitos anos -- termine
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muito rapidamente. Devemos fornecer as razões pelas quais acreditamos de quinze que, inseridas nos índices, causaram muito sofrimento aos geó-
justificada tal divergência, e isso não pode se dar de melhor forma do que grafos. Assim, as estações inseridas encontram-se numa feliz e fabulosa
refletindo sobre o terreno que essamassa de gente teve de percorrer,e relação com os anos em excesso,pois dezesseis lugares, dos quais nada
sobre o tempo que a caravana necessitaria para a expedição. Consideremos se sabe,e 38 anos,dos quais não se tem notícia, proporcionam a melhor
e comparemos, também, esta apresentaçãocom aquilo que nos foi trans- ocasiãopara se perder no deserto com os filhos de lsrael.
mitido pela tradição nesse caso em especial. Confrontemos as estações da narrativa histórica, que se destacaram
Passemosao largo da expediçãodo marVermelhoaté o Sinai, em con- pelo que aconteceulá, com as estaçõesdo índice, de modo que possa-
junção com tudo o que aconteceu na região da montanha. Mencionaremos mos diferenciar os nomes vazios daqueles nos quais reside algum con-
apenas que a grande massa de gente havia chegado ao pé do monte Sinai teúdo histórico.
no vigésimo dia do segundo mês no segundo ano do êxodo do Evito. Nem
quarenta milhas separamo monte do desertode Para,que uma caravana
ESTAÇOES DOS FILHOS DE ISRAEL NO DESERTO
carregada consegue transpor confortavelmente em cinco dias. Se dermos
Narrativa histórica Índice de estações
à coluna tempo para a viagem de cada dia, dias de descanso suficientes, e segundo osquatro últimos livros do Pentateuco segundo o capítulo 33 do quarto livro
por fim mais uma residência: pronto, no pior dos casos teriam chegado à [Êxodo, Levítico. Números, Deuteronâmio] do PentateucoINúmeros]
região destinada dentro de doze dias, o que também coincide com a Bíblia Ramessés
e com a opinião geral. Nesse momento, os emissários são enviados, toda Sucote
a massa de gente avança mais um pouco até Cades,para onde aqueles Etã
retornam após quarenta dias. Imediatamente depois de uma mal realiza- Pí-Hairote Pi-Haírote
da tentativa de guerra, iniciam as negociaçõescom os edomitas.Mesmo Mígdol
que déssemos a essa negociação tanto tempo quanto quiséssemos, ela não Pelo mar
poderia se estender por mais de trinta dias. Os edomitas rejeitaram de Mau, deserto de Sur Mau, deserto de Etã
pronto a passagem,e para lsrael não era de maneira alguma aconselhável Elim Elim. 12 fontes
passarmuito tempo em uma posição tão perigosa: pois se os cananeus Ao mar
tivessem entrado em acordo com os edomitas aqueles do norte, estes Deserto de Sim Deserto de Sim
do leste e se tivessem saído de suas montanhas, lsrael teria se visto em Dofca
rnnlxclpnrÁic Alus
Aqui a narrativa histórica também não faz pausa, mas logo será toma- Refidim Refidim
da a decisão de contornar as montanhas de Edom. Assim, a expedição as Deserto de Sina Deserto de Sinal
contorna, primeiro indo para o sul, depois para o norte, até que aproxima- Ouibrote Taavá Ouibrote-Taavá
damente quarenta milhas são deixadaspara trás em cinco dias. Se somar- Hazerote Hazerote
mos também os quarenta dias nos quais se enlutaram por Aarão, então Ritmo
ainda temos cerca de seis meses do segundo ano para todo tipo de retardo Cades em Para Rimom-Perez
e hesitação e para as expedições que os filhos de lsrael devem realizar até Libna
chegarem felizes ao rio Jordão.Paraonde foram os outros 38 anos, então? Russa
Essesanos causaram grandes esforços para os exegetas, assim como as Oueelata
41 estaçõesdo caminho; dentre elas, a narrativa histórica não dá notícia
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P
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIbH OC/BENTO-OR/EN7HL
Narrativa histórica Índice de estações O que devemosobservaracima de tudo é o fato de que, enquanto a
segundo os quatro últimos livros do Pentateuco segundo o capítulo 33 do quarto livro
[Éxodo, Levítico, Números, Deuteronâmio] do Pentateuco [ Números] história leva-nos imediatamente de Hazerote a Cades, o índice deixa Ca-
des de fora e a menciona apenas depois da sequência de nomes inseridos
Monte de Séfer
após Dibom-Gabe, de tal modo que o deserto de Zim é colocado em con-
Harada
tado com o pequeno braço do Golfo da Arábia." Aqui os comentadores
Maquelote
perderam-se em demasia, pois alguns aceitam duas Cades, enquanto ou-
Taate
tros a maioria -- apenas uma, e estes estão carretos, sem dúvida.
Tara
A narrativa histórica, da maneira como a separamoscuidadosamente
Mitca
de todas as inserções,fala de uma Cadesno desertode Para,e logo de-
Hasmona
pois de uma Cadesno deserto de Zim; é da primeira que os emissários
Moserote
são enviados, e da segunda toda a multidão parte depois de os edomitas
Bene-Jaacã
lhes terem negado a passagempor suas terras. Disso depreende-seque
Hor-Hagidgade
se trata do mesmo lugar, pois a expedição planejada por Edom foi uma
Jotbatá
consequênciada tentativa malograda de chegar à terra de Canaã por esse
Abrona
lado, e de outros trechos depreende-se claramente que ambos os desertos,
Ezion-beber
mencionadoscom frequência,fazem fronteira um com o outro, com Zim
jades. deserto de Zim Cades, deserto de Zim
ao norte e Paraao sul, e Cadeslocalizada num oásis como local de descan
Monte Hor. fronteira de Edom Monte Hor. fronteira de Edom
se entre os dois desertos.
Zalmona
Ninguém teria tido a ideia de imaginar duas Cades se não se houves-
Punon
se tentado fazer os filhos de lsrael vagarem por tanto tempo no deserto.
abate Obote
Contudo, aqueles que aceitam apenas uma Cades e ainda querem acredi-
ljé-Abarim
tar nos quarenta anos de expedição e dar conta das estaçõesintercaladas
Dibom-jade
na narrativa, estão muito mais errados. Especialmente se tiverem que tra-
Almon-Diblataim
çar o percursono mapa não saberãoinventar uma explicaçãomiraculosa
Montes de Abarim Montes de Abarim. Nebo
o suficiente para o impossível. Pois o olho claramente é um juiz melhor
Rio Sared
das incongruências do que o senso interno. Sanson" insere as quatorze
Arnon. aquém
estações falsas entre o Sinal e Cades. Aqui ele não consegue desenhar zi-
Mataná
gue-zagues suHcientes sobre seu mapa, e mesmo assim cada estação está
Naaliel
distante duas milhas da próxima, um trecho que não basta nem mesmo
Bamote
para que um enorme verme militar como esse se coloque em movimento.
Montanha Pisga
Esse deserto não pode ser tão populoso e com construções para ter
Jaza
locais de descanso -- quando não cidades e localidades -- designados por
Hesbom
Siom
Base
58 Goetherefere se aqui ao GolfodeAqaba, localizado a sudoesteda Jordânia
Reino dos moabitas no Jordão Reino dos moabitas no Jordão
59 NícolasSanson(160016671,
historiadore cartógrafofrancês.
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nomes a cada duas milhasl Que vantagem para o comandante e para seu precisosde 49 anos e que, portanto, certos números históricos tiveram que
povoa Essariqueza dos desertos internos, porém, logo se torna fatal para o ser modificados para criar essas épocas místicas. E onde poderiam 36 ou
geógrafo. De Cades até Dibom-Gabe há apenas cinco estações, e no retor- 38 anos que talvez faltassem num ciclo -- ser inseridos de forma mais
no para Cades,para onde ele tem de trazer seu povo, infelizmente nenhu- confortável do que numa épocaenvolta em tanta obscuridadee que su-
ma. Assim, coloca no caminho do povo viandante algumas cidades estra- postamente se passou em algum ponto desconhecido e deserto?
nhas e não mencionadas nem mesmo naquela lista, tal como antigamente Assim, sem tocar na cronologia -- o mais difícil de todos os estudos--,
se cobria o vazio geográfico com elefantes. Calmet" soube como se salvar queremos rapidamente contemplar, em favor da nossa hipótese, a parte
dessasituação com maravilhosos zigue-zagues, deslocando uma parte das poética dela.
localidades excessivaspara o Mediterrâneo, unindo Hazerote e Mozerote Vários números redondos, sagrados, simbólicos e chamados de poéti
em um lugar só e, finalmente, por extravagantes saltos, levando o povo até cos aparecem tanto na Bíblia quanto em outros escritos antigos. O número
Arnon. Wells':, que aceita a existência de duas Cades, distorce o desenho sete parece estar dedicado à criação, ação e atividade; o número quarenta,
da terra para fora das escalas. No1in" faz a caravana dançar uma polonesa, por outro lado, à contemplação e à expectativa, mas sobretudo à segrega-
pois ela chega novamente ao marVermelho e dá as costas ao monte Sinai ção. O dilúvio, que deveria ter separado Noé e os seus do resto do mundo,
em direção ao norte. Não é possível exibir menos imaginação, perspectiva, dura quarenta dias; depois de as águas terem permanecido tempo sua
exatidão e capacidade de julgamento do que esseshomens pios e íntegros. ciente, elas levam quarenta dias para baixar, e nesse tempo Noé mantém
Contemplando essa questão com mais exatidão, é muito mais prová- fechada a porta da arca. Moisés passa o mesmo tempo, em duas vezes, se
vel que o índice de estações supérfluas tenha sido inserido para salvar a bre o monte Sinal, separado do povo; os emissários permanecem o mesmo
história problemática dos quarenta anos. Pois no texto, que seguimos com tempo em Canaã,e assim também todo o povo, depois de passartantos
precisão na nossa narrativa, lê-se (Deuteronâmio 2:1 e seguintes): depois anos sofridos separado do resto dos outros povos, vai confirmar e santifi-
de serem vencidos pelos cananeus e terem negada a passagem pelas ter- car o mesmo espaçode tempo. Mesmo no Novo Testamento a importância
ras de Edom, contornaram estasterras a caminho do mar de Juncos [Yam dessenúmero é transmitida em todo o seu valor: Cristo passaquarenta
Suph] passando por Dibom-Gaber. Disso decorre o erro de assumir que dias no deserto para esperar pelo Tentador.
de fato chegaramao mar de Juncosdepois de passarpor Dibom-Gaber. Se conseguíssemos reduzir a caminhada dos filhos de lsrael do Sinal
que provavelmente ainda existia na época, apesar de o texto falar da volta até o Jordão para um período mais curto (mesmo que tenhamos dedicado
feita em torno das montanhas de Seir na estradamencionada.Como se demasiada atenção aos atrasos vacilantes e improváveis); se nos livrásse-
diz: "0 motorista pegou a Leipziger Straíge",sem necessariamenteter que mos de tantos anos infrutíferos, de tantas estaçõesinfrutíferas então o
dirigir para Leipzig. E se agora deixarmos de lado as estaçõessupérfluas, grande comandante (malgrado aquilo que tivemos que lembrar a respeito
decerto teríamos que tratar em algum momento dos anos supérfluos. Sa- dele) também teria restaurado todo seu valor. Além disso, a forma como
bemos que a cronologia do Antigo Testamentoé artificial, de modo que Deus figura nesseslivros não nos pareceria mais tão opressora quanto an-
toda a contagem do tempo foi pré-determinada para compreender ciclos tes, quando ele se mostra bastante horrível e assustador.Já no livro de
Josué e de Juízes, e mesmo adiante, um ser patriarcal mais puro surge no-
vamente, e o Deus de Abraão aparece amigável para os seus como outro-
60 Agostinho Calmet(1672-17571foi exegeta francês. Escreveu,entre outras obras, Hlsfoire de /'anc/en ra -- apesar de o Deus de Moisés ter nos enchido de medo e terror por
ef du nouveau [esfamenf ef(ies ./u/ísIHistória do Antigo e Novo Testamento e dos judeLs].
algum tempo. Paraesclarecer,digamos com clareza: como o homem, assim
61 Edward Wells(1667-1727), matemático, geógrafo e teólogo inglês. também é o seu Deus. Por isso, agora algumas palavras finais sobre o ca-
62 Jean Baptiste No1in(1657-17251,
geógrafo francês, foi também inquisidor do rei LuasXIV.
ráter de Moisésl
l 374 375
a
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
Repetição resumida
SEGUNDO ANO DO ÊXODO
dades de regente e comandante do exército. M.as o que afinal se destacava
nele? O que o legitimou para um chamamento tão importante? O que Ihe Meses Dias
Permanece no Sinal l 20
deu a temeridade de persistir em tal empresa apesar das desvantagensin-
Viagem até Cades 5
ternas e externas, se ele não preenchia aquelas pré-condições principais,
Dias de descanso 5
não possuía aqueles talentos indispensáveis que vocês, com inaudita in-
Parada devido à doença de Míríam 7
solência, negam-lhe?"Responderíamos da seguinte forma: não são os ta- Ausência dos emissários 40
lentos nem as habilidades para isto ou aquilo que fazem de fato o homem Negociações com os edomítas 30
de ação; é a personalidade, da qual nessescasostudo depende. O caráter Viagem até Arnon 5
baseia-se na personalidade, não nos talentos. Talentos podem se associar Dias de descanso 5
ao caráter, mas ele não se associa a eles: pois para ele tudo é dispensável, Luto por Aarão 40
a não ser ele mesmo. E assim gostaríamosde admitir que a personali- 157
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO D/\Ü OCIDENTO-ORIEN7HL
Peregrinações e cruzadas e seus preferidos; entretanto, os milhões de súdítos restantes têm que se
resolver com o intercâmbio de moedas falsas.
As inúmeras descriçõesdelas são também instrutivas a seu próprio Se acompanharmoso viajante no roteiro a partir da capital, ficamos
modo; contudo, elas mais desviam do que auxiliam a nossa imaginação sem saber onde a cidade termina, tantos são os seus subúrbios. Somos
no que diz respeito à verdadeira situação do Oriente. A unilateralidade abalroados por casasatrás de casas,vilarejos atrás de vilarejos, e ao longo
da visão hostil aos cristãos nos restringe por meio da sua limitação, que do magnífico rio uma série de estaçõesde opas.Tudo contado em dias de
se ampliou apenasum pouco recentemente,à medida que gradualmente viagem, e nao sao poucos.
tomamos conhecimento desseseventos de guerra por meio de escritores Depois o viajante se dirige, a pedido do imperador, a outras regiões.
orientais. Entretanto, devemosnossa gratidão a todos os agitados pere- Ele nos conduz por desertos imperscrutáveis, depois por regiões cheias
grinos e cruzados, pois devemos a proteção e a preservação das condições de rebanhos, cadeias de montanhas, até pessoas com formas e costumes
cultas da Europa a seu entusiasmo religioso e a sua oposição poderosa e maravilhosos, e por fim nos faz contemplar, sobre o gelo e a neve, a noite
incansável contra as intrusões orientais. eterna do polo norte. Então, de repente nos carrega como que usando um
manto mágico até o subcontinente indiano. Vemos Ceilão, Madagascar e
Marco Polo Javana nossa frente; nosso olhar perambula por ilhas de nomes estranhos,
e mesmo assim ele nos informa a respeito de figuras humanas e costumes,
Estehomem extraordinário está naturalmente acima de todos. Sua viagem paisagens, árvores, plantas e animais, com muitos detalhes para atestar
sua veracidade, embora muitas coisas possam parecer fabulosas. Apenas o
acontece na segunda metade do século Xlll; ele chega até o extremo
geógrafo bem treinado poderia ordenar e contemplar tudo isso. Temos que
Oriente, conduz-nos pelas mais estranhas situações,cuja aparência quase
fabulosa nos deixa maravilhados e estupefatos. Se deixarmos de lado os nos satisfazercom uma impressão geral, pois em nossosprimeiros estudos
detalhes minuciosos, a compacta narrativa desse viajante tão variado não tivemos notas e comentários para nos auxiliar.
mostra-se altamente apropriada para estimular em nós um sentimento
do infinito e do colossal. Encontramo-nos na corte de Kublai Khan (1215- Jehan de Mandeville
1294), que, como sucessor de Genghis Khan, dominou ilimitadas exten-
sõesde terra. Pois o que deveríamospensarde um império e de sua Sua viagem começa no ano de 1320, e a descrição dessa viagem chegou a
extensãodos quais se diz, entre outras coisas:"A Pérsia é uma grande nós como um livro popular, mesmo que infelizmente muito modificado.
província compostade nove reinos"; e todo o resto é medido de acordo Concede-se ao autor que tenha realizado grandes viagens, visto muitas
com essaescala.Igualmente imensa é a residênciaimperial no norte da coisas e as visto muito bem, e também descrito de maneira correta.
China; o palácio do Khan, uma cidade dentro da cidade, cheia de incalcu- .Porém, quando decide não apenas "arar com um novilho estrangeiro';
láveis tesouros e armas; incontáveis funcionários, soldados e pessoasda mas também introduzir fábulas antigas e recentes, mesmo a verdade de
corte; todos repetidas vezes convidados, cada um com sua esposa, para sua narrativa perde a credibilidade. Traduzido do original latino primei-
muitos banquetes. Tão impressionante é também uma estada no interior. ramente para baixo-alemão e depois para alto-alemão, o livrinho sofreu
Arranjos para todos os gostos, em especial um exército de caçadores, e novas falsificações dos nomes. O tradutor também se permitiu supri-
um prazer por caçar dos mais difundidos. Leopardos domados, falcões mir e acrescentarpassagens,como nosso Gõrres" aponta no seu valioso
treinados os mais ativos ajudantesdos caçadores--, incontável butim
acumulado. Por todo o ano presentes são enviados e recebidos. Ouro e 64 Joseph von Gõrres (1776-1848),
professor de escola primária e ginasial alemão, publicitário católico
prata, jotas, pérolas, todo tipo de objetos preciosos da posse do príncipe Autor, entre outras, da obra em quatro volumes D/e chr/st/acheMyst/k [A mística cristã] ]1836-18421
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NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIt/Ü OCIDENTO-ORIEN7HL
orfã oc ObNTO Dele IAL llVr
trabalho sobre os livros folclóricos alemães,fazendo com que o deleite e a Santo Sepulcro,ele implora ao Salvador,assim como o fez anteriormente
utilidade dessaimportante obra fossem prejudicados. a santa Catarina, para que o livre de sua paixão; e, tal qual caem escamas,
cai-lhe dos olhos o entendimento de que havia sido um tolo por considerar
Pietro della Valle a mulher adoradaaté então a única digna de adoração.Sua rejeiçãopelo
restante do sexo oposto então desaparece,ele procura em volta por uma
Originário de uma antiga linhagem romana, capaz de desenhar sua árvore companheira e escreveaos seus amigos, para os quais espera poder retor-
genealógica até as nobres famílias da República, Pietro della Valle nasceu nar em breve, pedindo-lhes que procurem uma mulher digna para ele
no ano de 1585 numa época em que todos os reinos da Europa desfrutavam Depois de ter visitado e rezado em todos os locais sagrados,muito
de uma grande cultura espiritual. Na ltália ainda vivia Tanso,mesmoque auxiliado pelas recomendações de seus amigos de Constantinopla se
numa condição triste, mas seus poemas exerceram influência sobre todos os bretudo Capighi, apontado como seu companheiro --, segue viagem com
grandes espíritos. A arte de escrever versos tinha se espalhado de tal forma a compreensãoplena dessesaumnios,para chegar primeiro a Damasco e
que já havia improvisadores,e nenhum jovem homem com mente vivaz depois a Alepo, onde se esconde sob roupas sírias e deixa a barba cres-
perderia uma chance sequer de se expressar em rimas. Línguas, gramática, cer. Ali vive uma aventura importante e determinante para seu destino.
arte retórica e estilística eram estudadas com afinco, e assim o nosso jovem Acompanha-o um viajante que não se cansa de falar a respeito da beleza
cresceu se educando cuidadosamente em todas essasrealizações. e amabilidade de uma jovem cristã georgiana que está em Bagdá com sua
Exercícioscom armas a pé e a cavalo,a nobre arte da esgrima e da família. Valle acaba se apaixonando, de maneira verdadeiramente oriental,
equitação serviam-lhe para o desenvolvimento diário de suasforças físicas por uma imagem feita de palavras e ao encontro da qual se lança em via-
e da força de caráter intimamente ligada a elas. As explorações selvagens gem. A presença dela aumenta sua inclinação e seu desejo, ele sabe vencer
das antigas cruzadas foram refinadas até então na forma de uma arte da a mãe e convencero pai. Contudo, ambos cedem muito a contragosto à
guerra e de uma conduta cavaleiresca,com a galanteria incluída.Vemos o sua impetuosa paixão: deixar sua querida filha partir parece um sacrifício
jovem fazer a corte a muitas belas mulheres, especialmenteem poemas, grande demais. Ao Hm e ao cabo ela se torna sua esposa, e assim ele ga-
porém passandopor grande tristeza quando a mulher de que deseja se nha o maior dos tesouros para a vida e para a viagem. Pois, embora tenha
apropriar e com a qual quer se unir a sério o rejeita, entregando-sea al- iniciado a peregrinaçãoequipado da sabedoria de um nobre e conheci-
guém de pouco valor. Sua dor é ilimitada, e para arejar sua mente decide mentos de todos os tipos, e tenha agido de forma atenta e afortunada em
caminhar até a Terra Santa em traje de peregrino. observânciade tudo o que diz respeito ao ser humano, ainda assim Ihe
Em 1614 chegaa Constantinopla, onde seu caráter nobre e cativante faltava o conhecimento da Natureza, cuja ciência da época era feita apenas
garante-lhe a melhor das recepções.Seguindo seus antigos estudos,de- no estreito círculo de pesquisadores sérios e de grande reflexão. Por isso,
dica-se de pronto ao estudo das línguas orientais, obtendo primeiramente conseguiu realizar apenasde modo imperfeito as solicitações de seusami-
uma visão geral da literatura, dos hábitos e costumesturcos, e logo depois, gos,que pediam notícias de plantas e madeiras, de raízes e medicamentos.
não sem os lamentos de seus novos amigos, parte para o Egito. Ele apro- A bela Maani, porém, uma amável médica do lar, sabia informar muito
veita também sua estada ali para procurar e perseguir, do modo mais sério, bem sobre como cultivar raízes,ervas e plantas; sobre como o comércio
os rastros do mundo antigo no mundo moderno. Do Carro seguepara o traz resinas, bálsamos, óleos, sementes e madeiras, enriquecendo assim os
monte Sinai, para venerar o túmulo de santa Catarina, e retorna à capital comentários de seu marido conforme os costumes de seu país.
do Evito, como se retornassede uma viagem de prazeres.Partindo uma Essaunião é mais importante ainda para sua atividade na vida e na
segunda vez em viagem, chega em dezesseis dias a Jerusalém, o que dá viagem. Maani, apesar de perfeitamente feminina, apresentava um caráter
a verdadeira medida da distância entre ambas as cidades.Ali, louvando o resoluto e maduro quanto a todas as contingências. Não temia nenhum
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL NOTAS E ENSAIOS ])ARA MELHOR COMPREENSÃO DO DIVA OC/DEITO-ORIENTAL
perigo, chegava mesmo a busca-lo, portando-se sempre com nobreza e Nas terras de Mazandarão, na costa setentrional do mar Cáspio, numa
serenidade.Ela montava no cavalo como um homem, sabia doma-lo e região provavelmente pantanosa e insalubre, o inquieto e ativo Abas ll ins-
conduzi-lo, e dessa maneira permaneceu uma companheira viva e anima- talou uma grande cidade,de nome Ferhabad,e ordenou que ela fossepo
da. Igualmente importante é o fato de ela estar sempre em contado com voada. Perto dali, construiu para si várias residências nas montanhas sobre
todas as mulheres, e assim seu marido era bem recebido, tratado e en- as alturasda baciaem forma de anfiteatro,não longe demais de seusini-
tretido pelos homens, enquanto ela sabia lidar e se ocupar bem com as migos, os russos e turcos, numa posição protegida pelas encostas monta-
esposas deles. nhosas.Ali morava confortavelmente, e DellaValle vai procura-lo. Ele chega
Mas eis que o jovem casaldesfruta de um tipo desconhecidode boa com Maani, é bem recebido, apresentadoao rei depois de uma circunspecta
sorte quando viaja pelo império turco. Os dois entram na Pérsia no tri- e prudente hesitação oriental, ganha as graças dele e é admitido à mesa e às
gésimo ano de reinado de Abas 11,que, como Pedra e Frederico, mere- festasde bebidas,onde tem que contar ao culto príncipe, ávido por conhe-
ce o título de "o Grande". Depois de uma juventude cheia de perigos e cimento, a respeito da constituição, dos costumes e da religião da Europa.
preocupações,ele percebemuito claramente,logo ao ser investido de seu No Oriente em geral, mas especialmentena Pérsia,encontra-se cer-
governo, que deve ampliar as fronteiras para proteger seu império, e ainda ta ingenuidade e inocência em todas as classessociais, até mesmo perto
quais os meios necessáriospara garantir também o domínio interno. Ao do trono. De fato, no degrau mais alto mostra-se uma resoluta formalida-
mesmo tempo seu plano e objetivo foram restaurar seu império despovoa- de em audiências,banquetes e assim por diante. Contudo, logo surge em
do com estrangeiros,e assim dar vida e facilitar o comércio dos seuspor torno do imperador uma espéciede liberdade carnavalescaque é muito
meio de estudas públicas e estalagens.Os grandes lucros e benefícios são divertida. Se o imperador estiver passeando por jardins e quiosques,nin-
utilizados para enormes construções.lspaã, uma prestigiosa capital, é pol- guém pode pisar com botas nos tapetes que se encontram na corte. Um
vilhada de palácios e jardins, caravançarás e casas para hóspedes reais. Um príncipe tártaro chega e tiram-lhe as botas. Contudo, desacostumadoa fi-
subúrbio é construído para os armênios, que incessantemente encontram car sobre um pé só, começa a balançar. O próprio imperador intervém e o
maneirasde provar sua gratidão ao negociarem tanto em conta própria segura até que a operação esteja concluída. À noitinha, o imperador está
quanto na conta real, sendo inteligentes o suficiente para pagar ao prín- num semicírculo, no qual circulam taças douradas cheias de vinho. Várias
cipe ao mesmo tempo com tributos e lucros. Um subúrbio para os geor- delas de peso considerável,mas algumas tão pesadasdevido ao fundo re
gianos e outro para os parses veneradores do fogo ampliam mais ainda a forçado que o convidado inexperiente derruba o vinho, quando não deixa
cidade, que se expande de forma tão irrestrita quanto um de nossos novos a taça cair, para diversão do imperador e dos iniciados. E assim se bebe em
centros imperiais. Sacerdotes católicos romanos, sobretudo carmelitas, são círculo, até que algum deles, incapaz de manter-se de pé, é levado embora
bem recebidos e protegidos. Esse não é tanto o caso da religião ortodoxa ou escapano momento certo. Na despedida,ninguém presta reverências
grega, que, sob a proteção dos turcos, parece fazer parte do grande inimigo ao imperador, todos se perdem, um após o outro, até que resta apenas o
comum da Europa e da Asia. imperador, que ouve por algum tempo uma música melancólicae final-
Por mais de um ano Della Valle permaneceu em lspaã, aproveitando mente se recolhe para descansar.Histórias ainda. mais curiosas são conta-
seu tempo de maneira atava para conseguir dar notícia exala de todas as das do harém, onde as mulheres fazem cócegasem seu governante, lutam
circunstânciase relações das pessoas.E quão vivas são suas descriçõesl com ele e tentam derruba-lo sobre o tapete, quando ele só consegue,sob
Quão exatas suas notíciasl Enfim, depois de ter provado tudo, falta-lhe muitas risadas,livrar-se e vingar-se delas por meio de xingamentos.
ainda o ápice: conhecer pessoalmente o imperador que ele tanto venera, Enquanto ouvimos falar tais coisas divertidas a respeito das relações
adquirir uma compreensão de como funcionam a corte, as tropas de bata- dentro do harém imperial, não devemos pensar que o príncipe e seu divã
lha e o exército. (o conselho) permaneciam inertes ou negligentes. Não foi apenas a mente
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL ! NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO Diva OC/BENTO-OR/EN7ÁL
aviva e inquieta de Abas que o fez construir uma segunda capital no mar e lutam aleatoriamente e a esmo, sem um comandante designado para a
Cáspio. Ferhabad estava numa localização privilegiada não somente para vanguarda, o flanco ou a retaguarda. Com isso, vemos por que uma afortu-
a caça e a corte, mas também próxima o suficiente da fronteira, protegida nada vitória pode ser tão facilmente alterada e uma única batalha perdida
por uma cadeia de montanhas, assim o imperador podia perceber qual- pode determinar o destino de um império por muitos anos.
quer movimentação dos russos e turcos -- seus inimigos mortais -- em Desta vez, contudo, não chegou a haver uma dessasterríveis lutas ho-
tempo hábil e tomar as medidas contrárias necessárias.Dos russos não mem a homem ou armadas.De fato, passarampelas montanhas e sofre-
havia nada a temer naquele momento: seu império interior, levado às ruí- ram inconcebíveis dificuldades. Entretanto, hesitaram, recuaram e estavam
nas por usurpadores e príncipes traidores, não se mantinha por si só. Os prontos para destruir suas próprias cidades de modo a fazer o inimigo pe-
turcos,por outro lado, tinham sido superadospelo imperador doze anos recer em regiões destruídas. Um alarme de pânico e vazias mensagens de
antes na batalha mais bem-sucedida que teve, de modo que na sequência vitória alternavam-se de maneira caótica. Num primeiro momento, con-
não havia mais nada a sobrepujar naquela região, pelo contrário, conquis- diçõesde paz recusadascom insolência e rejeitadascom orgulho, desejo
tara grandes extensões de terra deles. A paz de fato nunca pede se conso- fingido de lutar e hesitaçãopérfida atrasarama paz, mas no final a propi-
lidar entre esses vizinhos: provocações isoladas e demonstrações públicas ciaram. Assim, sob o comando e as ameaçasdo imperador, todos voltaram
mantinham ambas as partes em constante vigilância. para casa sem maiores danos ou perigos além do que ele já sofrera com a
Naquele momento, porém, Abas viu-se obrigado a se preparar de ma- multidão e com a viagem.
neira vigorosa para a guerra.No estilo antigo, reuniu todo o seu exército ReencontramosDella Valle também em Casbin nas cercaniasda cor-
nas planícies do Azerbaijão. Em toda parte acorreram guerreiros a pé e a te, insatisfeitopelo fato de a expediçãocontra os turcoster terminado
cavalo, com as mais variadas armas; uma infinita procissão. Afinal, como com tanta brevidade. Pois não devemos vê-lo meramente como um via-
numa emigração, cada homem leva junto sua esposa,filhos e bagagem. jante curioso, como um aventureiro levado para cá e para lá pelo acaso.
Della Valle também levou a bela Maani e suas amigas a cavalo e numa li- Na verdade,ele tem seuspróprios objetivos que continua a perseguir.A
teira em direçãoao exército e à corte -- o que fez com que o imperador o Pérsiada época era na verdadeuma terra de estrangeiros.A liberalidade
elogiasse,pois com isso provou ser um homem respeitável. longeva de Abas atraiu muitas pessoasde espírito alerta. Ainda não era a
Quando toda uma nação coloca-se de forma massiva em movimento, época de embaixadasformais, e viajantes inteligentes e ágeis se afirma-
não pode faltar absolutamentenada que seria necessárioem uma casa. vam. Sherley", um inglês, já havia conseguido anteriormente se encarregar
Para isso, comerciantes e negociantes de todo tipo viajam junto, abrindo como mediador entre Oriente e Ocidente. Da mesma forma, DellaValle --
um bazar temporário em todo lugar, contando com boas vendas. Por isso independente, rico, distinto, culto, recomendado -- encontrou uma porta
sempre se compara o acampamento do imperador com uma cidade, onde de entrada para a corte, e procurou incitar a hostilidade contra os turcos.
a ordem e uma boa polícia estão em ação,de modo que ninguém tenta O que o impulsionava era a mesma compaixão cristã que excitara os pri-
forragear ou roubar e muito menos saquear,correndo o risco de sofrer se- meiros cruzados.Havia assistido aos maus tratos de devotos peregrinos
veras penalidades. Pelo contrário, das coisas grandes até as pequenas, tudo no Santo Sepulcro, sofrido junto em certa medida, e todas as naçõesoci-
deve ser pago em dinheiro vivo. É por isso que não apenas as cidades no dentais queriam ver Constantinopla assolada a partir do Oriente. Contu-
caminho estão providas de um estoque abastecidocom fartura, mas comi- do, Abas não confiava nos cristãos, que, pensando em seu próprio lucro,
da e suprimentos fluem infalívelmente de províncias vizinhas e distantes. nunca estiveram do seu lado nos momentos em que mais necessitou.As-
Mas que operações estratégicas ou táticas é possível esperar de uma sim, chegou a um acordo com os turcos. Della Valle, porém, não desistiu e
desordenação
tão organizada?Em especialquando se descobreque to-
dos os grupos populares, tribais e militares estão misturados no combate 65 SirAnthonySherley11565-1635),
viajanteinglês
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nem a aparência. E mesmo assim: em que outro a natureza humana se- natureza liberal, sociável e bem-humorada, mas foi desviado pela descon-
ria tão pura e grandiosa, tão calmamentepaciente, tão alegrementeatava fiança, vexação e -- o que é pior -- por um mal concebido amor pela justiça;
sob condiçõesforçadas,do que numa situaçãona qual o pai não pode se se considerarmosque ele também era estimulado pelo hábito impetuoso de
queixar do filho, nem o filho pode se queixar do pai? Mesmo se ambos beber e, por último, era torturado e levado ao desesperopor uma doença
forem puros como anjos, os bajuladores vão se colocar entre eles, e as- angustiante e incurável -- então devemos admitir que aqueles que colocaram
sim a imprudência torna-se um crime, a aparência,uma prova. Quantos um fim nesse temível fenómeno da Terra merecem o perdão, quando não um
exemplos a História não nos fornecemPensemos apenas no lamentável la- elogio. Por isso, louvamos como abençoadosos povos cultos cujo monarca
birinto familiar no qual o rei Herodesviu-se preso. Não apenasos seuso governa a si próprio por meio de uma consciência moral nobre. Felizes dos
consideravamum perigo sempreiminente, mas uma criança evidenciada governos moderados e regulamentados que mesmo um governante tem
por uma profecia desperta sua preocupaçãoe proporciona uma crueldade motivos para amar e estimular, pois tal govemo poupa o governante de
generalizada logo antes da sua morte. muitas responsabilidades e mesmo de muitos anependimentos.
Foi isso que aconteceucom Abas, o Grande: filhos e netos tornaram- Não apenas o príncipe, mas também todo aquele que participa do po-
se suspeitos, e eles deram razão para isso. Um foi assassinadode forma der máximo por meio de confiança. graça ou arrogância corre o perigo de
injusta, o outro, meio culpado, foi cegado. Este disse: "Não tiraste a luz de transpassar o círculo que a lei, os costumes, o humanismo, a consciência,
mim, mas,sim, do império." a religião e o nascimento desenharam em torno da raça humana, para sua
A esseinfeliz crime do despotismo deve-se acrescentaroutro, que gera felicidade e tranquilidade. E assim ministros e preferidos,representantes
ates violentos e crimes ainda mais aleatórios e imprevisíveis. Todos somos do povo e o povo em si devem cuidar para não serem carregados pelo re-
governadospelo hábito, contudo nos comportamoscom moderaçãose demoinho da vontade irrestrita, carregando a si e a outros inevitavelmente
submetidos a restrições externas, e aí a moderação torna-se nosso hábito. para a destruição.
O exato oposto é o que encontramos nos déspotas. Uma vontade irrestrita Retornando ao nosso viajante, vamos encontra-lo numa situação des-
crescee deveavançarem direçãoao ilimitado,casonão hajaum alerta confortável. Com todo seu amor pelo Oriente, Della Malte deve ter final-
vindo de fora. Encontramos aqui a solução para o enigma segundo o qual mente sentido que morava num país no qual era impossível pensar em
um louvável jovem príncipe, cujos primeiros anos de governo foram aben planos e resultados, e no qual mesmo com o mais puro poder e a mais dili-
çoados,pouco a pouco se torna um tirano, para desgraçado mundo e para gente atividade seria impossível construir uma nova Romã. Os parentes de
ruína de sua família, que também por isso é obrigada a se entregar a uma sua esposanão permitiram mais se manter ligados pelos laços familiares.
cura violenta para essa agonia. Depois de terem vivido por algum tempo em lspaã no círculo mais íntimo
Infelizmente, nosso ímpeto inato pelo absoluto, ainda que estimule todas de amigos, acharam mais aconselhável retornar para o Eufrates e seguir ali
as nossas virtudes, terá um efeito mais terrível se for associado a estímulos o seu costumeiro modo de vida. Os georgianos restantes mostraram pouco
dos sentidos. Disso se desenvolve a pior hipertrofia de todas, que felizmente zelo, e mesmo os carmelitas, que teriam apoiado de coração esse projeto,
se dissolve, ao fim e ao cabo, em amortecimento completo. Referido-nos aqui não ganharamnem simpatianem auxílio de Romã.
ao uso exageradodo vinho, que causaum desastresem limites, rompendo O zelo de DellaValle esmoreceu, e ele decidiu retornar à Europa, infe-
por um momento a estreita fronteira da justiça e da equidade tempera- lizmente no momento mais impróprio. Atravessar o deserto Ihe pareceu
das (algo que nem mesmo o tirano pode negar por completo enquanto ser intolerável, e assimdecidiu seguir pela Índia. Contudo, justamente nesse
humano). Se aplicarmos isso a Abas, o Grande, que durante seus cinquenta momento se desenrolavam negociações de guerra entre portugueses, es-
anos de domínio elevou-se para se tornar a única vontade incondicional panhóis e inglesespor causade Ormuz, o mais importante centro comer-
de seu enorme e populoso império; se considerarmosque ele tinha uma cial, e Abas achou vantajoso entrar nessa disputa. O imperador decidiu
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combater os incómodos vizinhos portugueses, removê-los e atrair os solí- Para superar uma perda grande como essa,ele decidiu de maneira fir-
citos ingleses para a sua própria causa,talvez por malícia e atrasos, apro- me e irrevogávellevar o cadáverpara o túmulo de sua família em Romã.
priando-se de todas as suasvantagens. Faltavam-lhe resinas, bálsamos e especiarias preciosas, mas felizmente
Em tais períodos críticos, nosso viajante foi surpreendido pelo ma- encontrou a carga da melhor cânfora que, aplicada com cuidado por pes-
ravilhoso e peculiar sentimento que coloca o ser humano na maior ci- soas experientes, pede preservar o corpo
são consigo mesmo: o sentimento do afastamento da pátria, justamente Mas sobreisso fez as maiores reclamações,pois a partir de então ten-
no momento em que, desconfortáveis num país estrangeiro, queremos tou aplacar,por meio de suborno ou agudos, a superstiçãodos tocadores
voltar para casa e até mesmo já estar lá. Em tais casosé quaseimpossí- de camelos, as vantagens dos gananciosos funcionários públicos e desviar
vel evitar a impaciência. Nosso amigo também foi tomado por ela, seu a atenção dos funcionários da alfândega.
caráter vivo e sua autoconfiança nobre e poderosa o iludiram sobre as Acompanhamossua viagem até Lar, a capital do Laristão, onde es
dificuldades que encontraria no caminho. Com sua ousadia pronta para perava um ar melhor, uma boa recepçãoe a conquista de Ormuz pelos
assumir riscos, conseguiu superar todos os obstáculos, realizar todos os persas. Mas mesmo os triunfos não o fizeram avançar em seu projeto. Ele
planos, lisonjeou a si mesmo com visões da mesma felicidade, e decidiu se viu obrigado a retornar a Xiraz, até que finalmente conseguisseir até
tomar o caminho passando pela Índia, em companhia de sua bela Maani à Índia com um navio inglês. Aqui vemos que sua conduta foi a mesma
e de sua filha adotiva Mariuccia, já que um retorno através do deserto que tínhamos visto antes. Sua bravura firme, seus conhecimentos, suas ca
pareceinsuportável. racterísticas nobres Ihe renderam entrada fácil e pouso honroso em todo
Houve muitos acontecimentos desagradáveis como anúncios de lugar. No final, contudo, viu-se forçado a retornar ao Golfo Pérsico,e teve
ameaçasfuturas. Contudo, passou por Persépolis e Xiraz, sempre aten- que fazer a viagem de volta pelo deserto.
to, anotando e registrando com precisão objetos, costumese modos.As- Ali sofreu todas as dificuldades que temera. Decimado por chefes de
sim chegou ao Golfo Pérsico, mas ali encontrou, como previsto, todos os tribos, taxado por funcionários da alfândega, assaltado por árabes, e mes-
portos fechados, todos os barcos apreendidos após uso na guerra. Ali na mo dentro da cristandadeirritado e atrasado,enfim conseguiutrazer a
margem, numa região altamente insalubre, encontrou ingleses acampa Romã curiosidades e objetos preciosos suficientes; a coisa mais preciosa
dos cuja caravana,também parada, esperavapelo momento oportuno. Foi e estranha dentre elas, porém, era o corpo de sua amada Maani. Ali, em
bem recebido, juntou-se a eles, montou sua tenda por perto e colocou Ara Coeli, realizou um magnífico funeral, e quando desciaà tumba para
uma cabana de palmeira para maior conforto. Aqui uma estrela amigável Ihe dar as últimas honras, encontramos duas virgens a seu lado: Sylvia,
pareciabrilhar para eles Seu matrimonio não Ihe tinha rendido filhos até uma filha que havia crescido amavelmente durante sua ausência,e Tinatin
então, e para grande alegria de ambos os cônjuges Maani anunciou que de Ziba, que havíamos conhecido antes como Mariuccia, ambas com mais
estava grávida. Ele, porém, foi acometido de uma doença, pois comida ou menos quinze anos de idade. Contra a vontade de seus parentes -- e
ruim e ar viciado tiveram a pior influência sobre ele e, de modo infeliz, mesmo do papa, que planejava para ele relações mais ricas e refinadas
também sobre Maani. Ela foi confinada cedo demais, e a febre simples- decidiu se casar com essaúltima, que havia sido uma fiel companheira de
mente não baixava. Ela preservou seu caráter firme por algum tempo, viagem e o único consolo desde a morte de sua esposa.Por muitos bri-
mesmo sem ajuda médica, contudo, sentindo seu fim se aproximar, en- lhantes anos ainda afirmaria seu caráter veementemente inteligente e co
tregou-se em pia resignação,exigindo ser retirada da cabanade palha e rajoso, não sem querelas, problemas e perigos, e deixaria numerosa prole
levada para a tenda, onde faleceu nos braços de Della Malteenquanto este ao morrer, aos 66 anos de idade.
realizavaas precestradicionais e Mariuccia seguravaa vela consagrada.
Ela tinha 23 anos de idade
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66 "Wer den Dichter will verstehen/ Mufàin Dichters Lande gehenl/ Er Im Orient sich freue/Dar! das Are
seidosNeue.
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silêncio suas instruções, e nessesúltimos dias me alegrei grandemente ao Quando se anda pela Terra com cuidados,
receber de suas mãos a tão importante obra que nos esclarecesobre os pro- Seja acima, seja descendo do trono,
fetas e suas circunstâncias. Pois o que poderia ser mais agradável para o E a lidar com pessoas,como com cavalos,
Tudo isso o filho aprende com o seu patrono
homem quieto e contemplativo e para o poeta entusiastado que ver como
Sabemostudo de ti. que nos ensinaste;
esseshomens dotados por Deus viam os seus tempos movimentados e indi-
Agora tu envias uma tulipa em botão,
cavam aquilo de estranho e questionável que estava acontecendo enquanto
E se este quadro dourado não me limitasse,
punham,avisavam, consolavam e elevavam o coração dos seus ouvintes?
Até onde não louvada a tua contribuiçãol"
Que com estaspoucas palavras esteja expressaminha gratidão vitalícia
a essehomem honrado.
E assim se desenvolveu um diálogo por carta que esse nobre homem
[Georg Wilhelm] Lorsbízcb (1752-1816). Também é obrigatório falarmos
continuou fielmente, com uma mão quase ilegível e sob dores e sofrimen-
aqui do bravo Lorsbach. Ele entrou em nosso círculo já avançado na ida- tos, até o final de suavida.
de, e não conseguiu encontrar uma condição confortável para si. Mesmo
Uma vez que até então eu só havia obtido conhecimento dos costu-
assim, respondia às minhas questões com informações fiéis dentro dos li-
mes e da história do Oriente de maneira geral e praticamente não possuía
mites de seus conhecimentos,que frequentementegostava de delimitar
nenhum conhecimentoda língua, tal generosidadefoi de grande impor-
talvez com demasiada precisão.
tância para mim. Como estavatrabalhando segundoum modo planejado
No início pareceu-me curioso pensar que não encontraria nele um
e metódico, eu precisavade informação acessívelque teria exigido de mim
amigo particular da poesia oriental. E mesmo assim acontece de maneira
energia e tempo para procurar em livros, e por isso me dirigi a ele em ca-
semelhante com todo aquele que dedica com zelo e entusiasmo seu tempo sos de dúvida, e a toda vez recebi respostas satisfatórias e estimulantes às
e suas forças para alguma tarefa, e no final não acredita ter encontrado a
minhas questões. Essassuas cartas mereciam ser publicadas apenas pelo
recompensa esperada.E então a velhice é mesmo a época na qual falta a seuconteúdo e preservadascomo um monumento aos seusconhecimen-
recompensa, justamente nesse momento em que a pessoa mais a merece.
tos e à sua boa vontade. Como eu conhecia sua forma rígida e distinta de
Sua inteligência e sua sinceridade eram igualmente serenas,e lembro-me
pensar,evitei toca-lo a partir de certos lados. Contudo, ele foi muito agra-
com prazer das horas que passei junto a ele.
dável, algo totalmente contrário a seu modo de pensar,em traduzir para
mim algumas anedotas de Nasrudin Hodja, o engraçado companheiro de
Von Diez
viagens e de tenda do conquistador Timur, quando Ihe perguntei a respei-
to de seu caráter.Isso mostrou mais uma vez que muitos contos de fada
Uma influência importante em meus estudos, que reconheço muito agrade- audaciosos que os ocidentais trataram à sua maneira têm sua origem no
cido, foi a do prelado IHeinrich Friedrich] von Diez (1786-1817).Na época Oriente, ainda que a cor verdadeira, o correto e apropriado tom tenha se
em que me dediquei mais ao estudo da literatura oriental, chegou às minhas perdido em sua transformação.
mãos o l.foro de Cabras,e pareceu-me tão importante que dediquei muito Como um manuscrito desselimo se encontra na biblioteca real de Ber-
tempo nele, inclusive chamando a atenção de muitos amigos para que o lim, seria muito desejávelque um mestre dessamatéria nos desse uma
lessem. Por intermédio de um viajante ofereci um agradecimento sincero
a essehomem admirável de quem aprendi tanta coisa. Ele gentilmente me
67 " Wiemon mit Vorsichtauf der Erdewandelt,/Es sel bergauf,es sei hinab vom Thron,/Und wie man
enviou em resposta o pequeno livro sobre as tulipas. Eu tinha uma folha de
Menschen,wie mon Pferdehandelt:/ Daselles lehrt der Kónig seinen Sohn./ Wirwissensnun durch
papel de seda, na qual mandei ornar um pequeno espaçocom um esplên- dich, der unsbeschenktet/Jetzt fügestdu der TulpeFlor daran,/ Und wenn mlch nlcht der goldne
dido desenho floral dourado. Nessa folha, escrevi o seguinte poema: Rohm beschrànkte,/ Woendete, was Du fClruns getan
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'v NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)IX/H OCIDENTO-ORIEN7XL
tradução dele. Talvez ela pudesse ser realizada da maneira mais apropriada Ihe ensinaste a única coisa de que a vida dele precisa mesmo, que é o mais
em latim, de modo que o erudito fosse o primeiro a conhecê-lo comple- necessárioe no que ninguém mais o poderá ajudar." O professor ficou en-
tamente. Para o público alemão se poderia fazer uma tradução decente de vergonhado,ouvindo dizer que o príncipe não sabia a arte de nadar.Essa
alguns trechos desse livro.
arte também foi aprendida, ainda que com alguma resistência do príncipe,
Esta coleção de ensaios deve servir como prova de que fiz bom uso de e ela salvou-lhe a vida quando, durante uma viagem a Meca, seu barco
outros escritos do amigo, como o Corzfempiações
do Oriente [Derzkwürdíg- afundou no Eufrates cheio de peregrinos, dentre os quais apenas alguns
keífen des Oríelzts], etc. É mais arriscado admitir que mesmo sua predispo- poucos sobreviveram.
sição para o conflito -- nem sempre muito admirável -- também me foi de O fato de ele ter sido muito bem educado nas matérias do intelecto
grande utilidade. Lembrando meus anos de universidade,quando corria prova-se pela boa recepção que teve na corte de Gázni, de modo que foi
para o campo de esgrima para assistir a alguns mestres ou sêniores resta- nomeado companheiro do príncipe, o que na época significava que deveria
rem sua força e destreza uns contra os outros, ninguém vai negar que tais ser inteligente para conseguir reportar de maneira razoável e agradável
oportunidades me mostraram pontos fracos e fortes que talvez tivessem tudo aquilo que acontecesse.
ficado para sempre ocultos de um estudante. A sequência do trono de Ghilan era incerta, e incerta também era a pos'
O autor do l.juro de Cabras,
Qara lskander IK/e©awusl,rei dos dilemi- se do reino em si devido a vizinhos poderosose sedentospor conquistas.
tas, que habitavam a terra montanhosa de Ghilan, que ao meio-dia es- Finalmente,após a morte de seu pai, primeiramente depostoe depois re-
conde o PonfzzsEuxí?zus[o mar Negros: vamos gostar duplamente dele colocado no governo, lskander galgou o trono com muita sabedoria e cons-
quando o conhecermos melhor. Educado como príncipe herdeiro para a ciência decidida a respeito das consequências dos acontecimentos. Na idade
vida mais livre e aviva, deixou o país para estudar e se testar mais distante adulta, quando previu que o filho Ghilan Shah teria uma posição ainda mais
no Oriente.
perigosa do que a sua, escreveu esse memorável livro no qual fala a seu fi-
Logo após a morte de Mahmud (cujas grandiosas realizaçõesjá apre- lho: "Que queira se educar nas artes e ciências pelo seguinte motivo duplo:
sentamosanteriormente), veio a Gázni, foi muito bem recebido por seu ou para conseguir ganhar seu sustento por meio de alguma arte se vier
filho Messud e depois de muitos serviçosem guerra e paz casou-secom a ser colocado numa situação dessas por necessidade ou no caso em que
uma das irmãs deste. Numa corte na qual poucos anos antes Ferdusi ti- não precise da arte para a subsistência, que pelo menos seja bem instruído a
nha escrito o Shah-?nome;z,onde o novo governante,inteligente e belicoso respeito das razões de todas as coisas, se for permanecer no poder.
como seu pai, sabia valorizar uma companhia espirituosa, lskander conse- Se hoje em dia tal livro estivesseà disposição dos grandesemigran-
guiu encontrar a melhor oportunidade para ampliar sua formação. tes que, com admirável resignação, frequentemente se sustentaram com o
Mas precisamosfalar primeiro sobre sua educação.Seu pai o tinha fruto de seu trabalho manual, como lhes teria sido consoladora
confiado a um excelente preceptor para aperfeiçoar seu treinamento físico. Um limo excelentee inestimável como essenão é mais conhecido pro-
Este devolveu o filho hábil em todas as artes de cavalaria: tiro, cavalgada, vavelmente porque o autor o publicou sob suas próprias expensase a edi-
atirar cavalgando, atirar a lança, manejar a marreta para acertar a bola da tora Nicolai o pegou apenassob comissão,o que fez com que uma obra
maneira mais destra possível. Depois de tudo isso ter se realizado à per- como essa tenha ficado desde o início presa na ligaria. Para que nossa
feição e depois de o rei parecer estar contente, mesmo elogiando muito o pátria saiba que tesouro está esperando por ela, apresentamos aqui o con-
professor, adicionou: '.Ainda tenho algo para lembrar. Ensinaste meu filho teúdo dos capítulos e solicitamos às estimadas folhas diárias -- como Das
em todas as atividades para as quais ele precisa de uma ferramenta: sem M.orgenblatt e Der Gele//schaffer -- a tornar conhecidas do público geral as
cavalo não pode cavalgar, sem arco não pode atirar. O que é o seu braço anedotase histórias edificantes e divertidas, bem como as incomparáveis
se não tiver uma lança, e o que seria o jogo sem a marreta e a bola? Não máximas que essa obra contém.
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'1 NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)rvÀ OC/BENTO-ORIENTAL
32. Negócios.
SUMÁRIO DO L/VRO DE CABOS POR CAPÍTULOS
33. Regras dos médicos, e como se deve viver.
1. Reconhecimento de [)eus.
34. Regras dos astrónomos
2. Louvordo profeta. 35. Atributos dos poetas e da poesia
3. Deus élouvado 36. Regras dos músicos.
4. Plenitude na missa é necessária e útil. 37. A arte de servir imperadores.
5. Obrigações para com pai e mãe. 38. Conduta dos confidentes e companheiros do imperador
6. Elevar sua origem por meio da virtude. 39. Regras da chancelaria
7. Quaisregras devem ser seguidas ao falar. 40. Ordem do vizirado.
8. As últimas regras de Nushirvan. 41. Regrasdo comando do exército
9. Condição da idade avançada e dajuventude. 42. Regras do imperador.
Decência e regras nas refeições. 43. Regras da aragem e da agricultura.
11. Comportamento ao beber vinho. 44. Benefícios da virtude
12. Como hóspedes devem ser convidados e atendidos
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l NOTAS E ENSAIOS I)ARA MELHOR COMPREENSÃO DO D/vÀ OC/DENTE-ORIENTAL
me deu nenhuma noção, nenhuma ideia do valor, do mérito deste homem rubricas ali dadas, o que me proporcionou um ganho considerável.
extraordinário. Finalmente, contudo, quando a tradução completa de toda Quando a impacientemente aguardada obra completa enfim apareceu,
sua obra chegou às minhas mãos na primavera de 1813, apanhei com encontramo-nosde repente como dentro de um mundo conhecido,cujas
especialafinidade seu ser interior e procurei me colocar em relação com condições podíamos reconhecer e contemplar uma a uma com clareza,
ele através de produção própria. Essa amigável atividade ajudou-me a onde antes só se podia vislumbrar de maneira genérica e como que por
entre camadas oscilantes de névoa.
superar tempos difíceis, e enfim me permitiu desfrutar da maneira mais
agradável os frutos da paz conquistada. Que se possaHcar satisfeito com a utilização que fiz desta obra e se
Há alguns anos tive ciência de modo geral do trabalho vivaz dos Fuzzd- reconheçao objetivo de atrair aquelesque, de outra forma, teriam passado
gruben", mas agora chegou a hora em que tenho que tirar vantagens disso. toda sua vida ao largo dessaabundância de tesouros.
De muitas formas, essa obra indicou, estimulou e acalmou simultanea- Com certezapossuímosagora um fundamento sobre o qual a litera-
mente a necessidadeda época,e aqui mais uma vez se confirmou a expe- tura persa pode ser demonstrada de modo magnífico e claro, cujo modelo
riência de que somos auxiliados por nossos contemporâneos em qualquer pode servir de inspiração para elevar a posição e a apreciaçãode outras
área e da maneira mais bela quando nos dispomos a aplicar de modo gra- literaturas.Altamente desejável,porém, é que semprese mantenha o or-
to e amigável suas contribuições. Homens de grande conhecimento nos denamento cronológico e não se tente fazer uma organizaçãosistemáti-
ensinam sobre o passado,fornecem o ponto de partida a partir do qual ca segundo os diferentes gêneros. Nos poetas orientais, tudo é misturado
as atividades atuais emanam, e indicam o próximo caminho que devemos demais para ser separado individualmente; o caráter da época e do poeta
tomar. Felizmente,a maravilhosa obra citada ainda é continuada com o na sua épocaé, por si só, edificante e age de forma vivaz sobre qualquer
mesmo zelo, e mesmo se tivermos que nos colocar atrás em nossas pes- pessoa;que se siga fazendo do mesmo modo como foi feito aqui.
quisas nessa área, retomaremos sempre com prazer e com renovado inte- Que os méritos da brilhante Xirin, da séria e edificante "folha de trevo
resseàquilo que nos foi oferecido de forma tão frescamenteapreciávele que posicionei com tanto prazer ao final deste trabalho, possam ser am-
útil de tantas perspectivas diferentes. plamente reconhecidos.
Contudo, para lembrar-me de ízigo,devo confessarque essaimportante
coletânea teria me auxiliado de modo ainda mais rápido se os editores, que Traduções
naturalmente se empenham e trabalham apenas para especialistas,tam-
bém tivessem dirigido seu olhar a leigos e amadores e, se não para todos, Como os alemães também têm avançado cada vez mais em direção ao
tivessem precedido vários artigos de uma curta introdução sobre as con- Oriente por meio de traduçõesde todo tipo, sentimo-nos motivados a trazer
dições de épocas, pessoas e localidades do passado. Dessa forma, o ávido aqui algo a esse respeito que é de fato conhecido, mas que nunca se repete.
estudante teria sido poupado de muita busca cansativa e dispersiva. Existem três tipos de tradução. O primeiro deles nos familiariza com o
Mas tudo o que então tinha ficado a desejar foi agora proporcionado estrangeiro no nosso próprio sentido, e neste caso uma tradução simples e
em grandíssima medida, por meio da inestimável obra que nos transmitiu prosaica é a melhor. Apesar de a prosa eliminar por completo toda idios-
a história da poesia persa. Pois admito com prazer que, já no ano de 1814, sincrasia de qualquer arte poética e rebaixar o entusiasmo poético a um
quando os Gõffí?zgerÁnzeígerznos deram a primeira notícia do conteúdo mesmo nível, mesmo assim ela presta um grande serviço inicial, pois nos
dessa obra, organizei e realizei de imediato meus estudos segundo as surpreende com o extraordinário do estrangeiro dentro de nosso aconche-
go nacional e de nosso cotidiano, de modo que, sem que saibamos como,
fornece-nos um ânimo mais elevado e verdadeiramente nos edifica. A tra-
68 Furldgruben des OrienfsIMinas do Orientei, revista publicada por Joseph von Hammer entre 1809e
1818com análises e artigos a respeito do Oriente. dução da Bíblia de Lutero vai produzir sempre um efeito desses.
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'v NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO I)IvÀ OCIDENTO-ORIEN7HL
Se a Ca/zçãodosNíbelungos tivesse sido colocada numa prosa útil e im- Como não se pode permanecerpor muito tempo nem na perfeição
pressa como livro popular, teríamos tido muito ganho e o sentido cavalei- nem na imperfeição, e uma transformação sempre deve se seguir a outra,
resco estranho, sério, sombrio e macabro teria chegado até nós com toda a assim vivemos o terceiro período, que deve ser considerado o mais elevado
sua força. Se isso seria aconselhável e factível de fazer ainda hoje em dia, e o último, ou seja,aquele no qual se desejatornar a traduçãoidêntica ao
avaliarão melhor aqueles que se dedicarem mais decididamente a esses original, de modo que um não deva existir em vez do outro, e sim no lugar
assuntos antigos. do outro.
Uma segundaépoca se segue,na qual de fato nos esforçamosem nos Essaforma sofreu no início a maior resistência,pois o tradutor que se
colocar na condição do estrangeiro, mas na verdade apenas nos apropria- liga com firmeza ao seu original abandona mais ou menos a originalidade
mos do sentido estrangeiro e o reapresentamos segundo nosso sentido ca- da sua nação, e assim surge um terceiro para o qual se deve primeiramente
seiro.Tal épocagostaria de chamar,no mais puro sentido da palavra,de formar o gosto da multidão.
parodÊtíca.Na maioria são pessoasespirituosas que se sentem chamadas O nunca suficientemente estimado Voíg': não conseguiu satisfazer o
a realizar tal empresa. Os francesesvalem-se dessaforma na tradução de público de início, até que, pouco a pouco, aprendemos a ouvir nessa nova
todas as obras poéticas, e exemplos às centenas podem ser encontrados forma e nos adaptamos a ela. Quem agora não percebe o que se sucedeu,
nas transposições de Delille.'9 0 francês, quando torna as palavras estran quanta versatilidade chegou aos alemães, quantas vantagens retóricas,
geiras apropriadas à sua fala, procede igualmente com os sentimentos, rítmicas, métricas estão à mão do jovem com talento e gênio, como agora
pensamentos e até mesmo com os objetos, e exige para cada fruto estran Ariosto e lasso, Shakespearee Calderón já foram apresentados a nós duas
genroum substituto que tenha crescido em seu próprio solo. e três vezes como estrangeirosgermanizados,essa pessoapode esperar
As traduçõesde Wieland" pertencema essaforma; ele também tinha que a história literária fale abertamente de quem foi o primeiro a abrir esse
um senso racional e gosto próprios, com os quais se aproximou da An- caminho sob tantas dificuldades.
tiguidade e do estrangeiro apenas na medida em que encontrava conve- Os trabalhos de Von Hammer também apontam para um tratamento
niência neles. Este excelente homem pode ser visto como representante da semelhante de obras-primas orientais nas quais a aproximação à forma
sua época. Exerceu influência extraordinária, pois justamente aquilo que o exterior é o recomendável.Quão infinitamente mais vantajosos se mos-
motivava, a forma com que se apropriava e retransmitia também alcançou tram os trechos de uma tradução de Ferdusi que o citado amigo nos orou
seus contemporâneos de modo agradável e deleitoso. xe, contra aquelasde um modifícador, das quais algo se pode ler nos Fund-
grzlbetz.Essamaneira de modificar um poeta consideramoso erro mais
triste que um tradutor dedicado e em especialconscientede seu trabalho
69 Jacques Delille (1738-1813)
foi poeta e tradutor francês, traduziu Virgílio para o francês. É um dos poderia cometer.
representantes da chamada corrente trad utória das óe//es fnfidê/es. Como em toda literatura essastrês épocas se repetem e se invertem, e
70 Christoph Martin Wieland(1733-1813)foi poeta, editor e tradutor alemão. Juntamente com Herdei, como os modos de tratamento podem até mesmo ser aplicadossimulta-
Goethe e Schiller, fez parte do chamado Classicismode Weimar.Traduziu, entre outros, Cícero, neamente, talvez agora uma tradução em prosa do Shízh-rzameh e da obra
Horácio, Luciano e toda a obra de Shakespeare. Goethe se refere no texto a estas últimas, e em
de Nezami ainda seja desejável.Ela seria utilizada para a leitura rápida e
outros dois textos as analisa com mais vagar: um trecho da autobiografia Poesia e verdade,na
qual reflete sobre o impacto das traduções de Shakespeare numa época em que este autor era
dedicada a revelar o sentido principal, nos alegraríamos com o conteúdo
desconhecido na Alemanhal e o artigo "Zum brüderlichen Ardenken Wielands" [À memória
fraterna de Wíe]and],publicado em 1813quando do falecimento do amigo poeta. Excertosdesses
trechos (inclusive do capítulo "Traduções"do D/võ)foram reunidos na coletânea de textos sobre 71 Johann HeinríchVoB (17511826),poeta e tradutor alemão, traduziu para o alemão os poemas
tradução por Stõrig (1969), e vertidos para o português por Rosvitha Friesen Blume na coletânea épicos homéricos, bem como muitos outros clássicos gregos e romanos- Suas traduções são
C/ósslcosdo teoria da tradução IHnDERMANN, 2010, p. 28-35). consideradas até hoje exempiares e ousadas.
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histórico, fabuloso, ético geral e nos aproximaríamos com confiança cada Fecho fínall
vez maior às concepçõese modos de pensar, até que finalmente podería-
mos nos irmanar por completo com eles.
Os conhecedores e amigos julgarão com benevolência o quanto conse-
Lembremo-nos aqui do aplauso mais efusivo que nós alemães dedi-
guimos conectar o Oriente longínquo mais antigo ao mais novo e vivo.
camos a uma tradução dos Sakuntaia':, e poderemos atribuir à prosa geral
Chegou-nos à mão, porém, novamente algo que pertence à história anual
na qual o poema foi dissolvido toda a alegria que ela nos proporcionou.
e pode contribuir satisfatoriamente à conclusão alegre e vivaz do todo
Agora, contudo, seria tempo de nos darmos uma tradução do terceiro
Cercade quatro anos atrás, quando o enviado persa destinado a São
tipo que correspondesseaos diferentes dialetos, aos modos de linguagem
Petersburgo recebeu a tarefa de seu imperador, a nobre esposa do monarca
rítmicos, métricos e prosaicosdo original e fizessecom que essepoema
não desperdiçouessaoportunidade de forma alguma. Ela enviou de sua
nos parecessenovamente satisfatório e nativo, em todas as suas caracte-
parte signiâcativos presentes à Sua Majestade Imperadora Mãe de todos
rísticas próprias. Como nos dias anuaisse encontra em Paris um manuscri-
os Russos,acompanhadade uma carta cuja tradução" temos a felicidade
to dessaobra eterna, um alemão que morasse lá poderia nos proporcionar
de compartilhar.
um serviço imortal ao realizar tal trabalho.
O tradutor inglês do Mlensageíro
das nuue7zs ou À4eghaduta';é igual-
Carta da esposado imperador da Pérsia à Sua Majestade Imperadora
mente digno de todas as honras, pois o primeiro contato com uma obra Mãe de todos os Russos
como essa sempre marca época na nossa vida. Contudo, sua tradução
pertence na verdade à segunda época, parafrástica e supletória; bajula Enquanto durarem os elementos dos qtlais o mundo é composto, que a nobre setthora
o ouvido e o sentidodo Noroestej]ng]aterra]com o pentâmetroiâm- do Palácio da Grattdeza, a arca do tesouro das pérolas do Império, a coltstelação das
bico. Ao nosso Kosegarten", por outro lado, agradeço por alguns versos estrelasdo Império, aquela que carrega o Sol brilhante do g'attde Impâ'io, o círculo
vertidos diretamente da língua original, que com certeza proporcionam do ponto central do Império superior. a palmeira da fruta da força stlprema; que ela
possa estar sempre feliz e preservada de fatias as intempéries.
uma compreensão completamente outra. Além disso, o inglês se permitiu
transposições dos motivos que o experiente olhar estético descobre e de-
Depois de apresentados essesmeias mais sinceros desejos, como em ttossas épocas
precia de pronto.
felizes, por ação da grande misericórdia do Ser Todo-Poderoso,osjardins das duas
Por que chamamos a terceira época também de última, esclarecemos grandes potências produzetn ttouamettte j'iscas .Bofes de rosas, e tudo aquilo que se
aqui brevemente. Uma tradução que objetiva se identificar com o original inPltrou para separarambasas magní$cascortesjoi eliminado pela mais sittcera
se aproxima, ao fim e ao cabo, da versão interlinear e facilita muito a com- üttião e amizade; e tambéTnem reconhecimento dessa grattde bênção, como todos que
preensãodo original. Por ela somos conduzidos e até mesmo arrastados estãoligados a uma ou outra corte; tettho a ho tra de atttntciar qtle ttão cessaremos
ao texto-base, e enfim se fecha todo o círculo no qual se movimenta a de manter relaçõese correspondêttciasat?tigáueis.
74 Johar'n Gottfried Ludwig Kosegarten (17921860),orientalista e linguista alemão, além traduzir de 75 Aqui Goethe apresenta sua tradição a partir da versão francesa adquirida por meio de contados
poesia árabe, persa e indiana, editou um dicionário do dialeto baixo-alemão. com a corte russa
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retomo, que V. Ex', por meio de algumas gotas de cartas aTnigáueis, possa saciar o Por amor foi enviado a Londres
jardim de um coração que o atola muito. Da mestriaforma qtLepeço que me lisonjeie
E trouxe sorte e bem para o senhor dos cristãos.'
com pedidos, os qtlais me ofereço a atender do modo mais devoto.
UH)D )0
Qtle Deus mtnttenha seusdias puros,felizes e gloriososl
>9fi e?'J ü*ú-. UF a J'-';
Presentes bt Nt' 'xd2P obt 61d-â» ).>b'
N-i .lü ,a.úl ..,t.e4í.>-'' ...b*+
Um colar de pérolas com peso de 498 quilates.
Cinco xales indianos. b.t....,-J.É.« ,ü'rt ol;J' }-e Ú-/
Uma caixinha de cartão, trabalho de lspahã.
Uma pequena caixa para guardar penas-
.,bi ,c' ao)+.,9#ru'obi
Receptáculo com aparelhos úteis.
blü uüDO .Êb 'x+ÕJb} .l# --Jl>
Cinco peças de brocado. ..,b.. o..-lÍ P! .É,: bl' .J'ü UP
t bU W)' .»l }l OP úÜ .«Ut.F
Demonstraremos aos nossos conterrâneos o quanto o enviado que fi-
oJ'F ;'À- l»t .JdJ aJ- ;«' )l
cou em Petersburgo se expressou sobre as relações entre as duas nações de
modo prudente e modesto, ao nos conectarmos com a história da literatu- bU'' .Zr-;' / w)-" ) )' 'l' 0b
ra e da poesia persas apresentada acima.
Recentemente, porém, descobrimos que esse, digamos, efzpíado nato,
À faixa da Ordem Real com a imagem do Sol e do rei
quando em sua passagem para a Inglaterra, foi contatado em Viena pela
graçade seuImperador,cidadeà qual o próprio soberanoquer dar im- Deus abençoeesta faixa de brilho nobre;
portância e brilho por meio de expressão poética. Também estes poemas" O Sol retirou-lhe o véu
acrescentamosaqui, como a pedra final da nossacúpula, de fato feita de Seu enfeite veio do pincel do segundo Maxi,
muitos materiais, mas,Deus queiramconstruída para ser durável. A imagem do Fatih Ali Shah com a coroa do Sol
Um arauto grande do senhor com a corte celeste
À Bandeira É Abul Hassan Khan, erudito e sábio,
Da cabeça aos pés imerso em pérolas reais;
O grande Fatia Ali Shah, o Turco, é igual a Jamshid, O caminho do dever trilhou do começou ao fim
Luz do mundo, senhor do Irã, Sol da Terra. Já que queriam erguer sua cabeça ao Sol,
Seu escudo lança amplas sombras no prado do mundo, Deram-lhe como servo o Sol do céu.
Seu cinto exala almíscar no cérebro de Saturno. Tão boa nova é de grande sentido
O Irã é a garganta de um leão, seu príncipe o Sol; Parao emissário, nobre e louvável
Eis brilham leão e Sol no brasão de Dará.
A cabeça do arauto Abul Hassan Khan
77 'Auf die Fahne/ Fetch Ali Schah,der Türk,ist Dschemschid gleich,/ Weltiicht und Irans Herr, der Erden
Eleva ao doma celeste o brasão de seda.
Sonne./ Seio Schirm wirft auf die Weltflur weiten Schotten,/ Sem Gurt houcht Muskusin Saturns
Gehirn./iran lst Lõwenschlucht, sem Fürst die Sonne;/Drum prangen Leu und Sonn in DarásBanner./
Das Houpt des Boten Abul Hassan Chan/ Erhebt zum Himmeisdom das seidne Bonner./Aus Llebe
76 Traduzidos ao alemão por Kosegarten a pedido de Goethe.
ward nach London er gesandt/ Und brachte Glück und Heindem Christenherrn
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
'v NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DI}Ü OCIDENTO-ORIENTAL
Sua aliança é aliança do senhor do mundo, Dará, e obteve a gratidão dela. Alguns anos depois, o mesmo homem foi envia
11 Sua palavra é palavra do senhor com brilho celeste.'* do à Inglaterra com um considerávelséquito. Contudo, para glorifica-lo
aõ..l \O
da maneira correra,lança-se mão de recursos próprios. Não forneceram
todas as vantagens planejadas para sua viagem: pelo contrário, deixaram-
ul'sb -U «).P l..'
-lhe apenas créditos e o que mais fosse necessário para iniciar a jornada.
F .,PL" 'õH al} 'UI 'bt- Porém, mal chegando a Viena, foi abalroado por brilhantes confirmações
)o &$q ub=bõ./-! d..? uLul ,.G de sua glória, claros testemunhos de sua importância. Uma bandeira com
.ssU .:?l« eUa )l L.81.rb .s'b insígnias do império foi enviadaa ele, uma faixa da ordem real com o sí-
.r..;l uL'..;l 'U .+A )Las mile do Sol e decoradacom a efígie do imperador -- tudo isso fez dele o
representantedo mais alto poder, pois nele e com ele a majestadeestava
,La)o ub«l .LaKI..8É'
dá'' çl+e''
presente. Mas isso não é suficiente: poemas são adicionados, glorificando
)}ülJ mlf' ui ob ç>«al .PI
de maneira oriental a bandeira, o Sol e a efígie, com metáforas e hipérbo-
)r l ;pW u» )l ;« t'' Óy les magníficas.
.P )t Le .sq "''"Xs" 9 0)?p o;:P Paramelhor compreensão dos detalhes, adicionamos aqui alguns pou'
#«' t''..PP CfgL' .XJ)b -nl}3'' » cos comentários. O imperador se diz um turco, saído da tribo Katshar, fa-
.rab ol«l #« ..:H'b lo F lante da língua turca. Todas as tribos principais da Pérsia, que contribuem
cl# ú)UI u2Uü.a "'"'â Ü9o com contingente para o exército, são divididas, segundo a língua e a des-
cendência,nas tribos de língua turca, curda, úrica e árabe
;+«' -0#" w7'w )á'5 .J'ã« 01 .F
Ele se comparacom /amshíd,da forma pela qual os poderososprínci-
bÍo l-'L.ÚL+-. .x«' ú.x.e .....p ü'
pes se ligavam aos seus antigos reis, relacionando-se com certas caracte
pí' .> .J++« JP Wy ««. 'a rísticas: Feridun com sua honra, Jamshid com seu brilho, Alexandre com
+
seu poder, Dado com suas defesas. O imperador é ele mesmo um escudo,
As cortes orientais cultivam, sob uma aparente ingenuidade infantil, sombra de Deus na Terra, e certamente precisa de proteção num dia quen-
um comportamento particularmente inteligente e malicioso. Os poemas te de verão -- que, contudo, não faz sombra apenasnele, mas em todo o
acima são prova disso. mundo. O aromade aZmzbcízr, o mais refinado, duradouro e fragrantesobe
A última delegaçãorussaenviadaà Pérsiade fato encontrouMir- do cinto do imperador até a cabeçade Saturno. Para eles, Saturno sempre
za Abul HassanKhan na corte, mas não em condiçõesexcelentes.Ele se foi o maior dos planetas, sua órbita fecha o mundo inferior. Aqui a cabeça,
manteve de maneira modesta junto à delegação, prestou muitos serviços o cérebro de tudo: onde está o cérebro está a razão. Saturno, portanto,
ainda é sensível para o aroma de almíscar que emana do cinto do impera-
dor. Dará é o nome de Dado, e significa governante: a memória dos ante-
78 'Auf dos Ordensband mit dem E3iideder Sonne und des Kõniges/Es segue GotadoesBand des edlen
Glanzes;/ Die Sonne zíeht den Schleier vor ihm weg./ Sem Schmuck kam von des zweiten Mini
passadosnunca é mitigada. Consideramos significativo o fato de o Irã ser
Pincel,/ Das Bíld FetchAli Schahs mit Sonnenkrone./Ein Bote grog des Herrn mit Himmelshof/ chamado de garga7ztado leão,pois a parte da Pérsia onde a corte costumei-
lst Azul Hassan Chan, gelehrt und weise,/ Von Haupt zu FuB gesenkt in Herrschersperien;/ Den ramente se instala é bastantemontanhosa e permite imaginar o império
Dienstweg schritt vom Haupt zum Ende er./Da man sem Haupt zur Sonne woilt erheben,/ Gab man
como uma garganta, povoada por guerreiros -- ou seja, leões. A batzdeíra
ihm mit díe Himmeissonn' ais Diener./ So frohe Botschaft ist von grogem Sinn/ Für den Gesandten
de seda eleva o emissário tanto quanto possível, e uma relação amigável e
edel und beiobt;/ Sem Bund ist Bund des WeltgebietersDará,/ Sem Wort ist Wort des Herrn mit
Himmelsglanz. amável com a Inglaterra é proclamada ao final.
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DIVÃ OCIOENTO-ORIENTAL
''v NOTAS E ENSAIOS PARA MELHOR COMPREENSÃO DO DJvÀ OC/DEITO-OR/EN7HL
No segundo poema, podemos comentar de maneira geral que as rela- ela se torna viva pelo fato de sempreexistir algo a modificar e melhorar
ções entre palavras dão uma amável vida interna à poesia persa. Elas apa- naqueles pergaminhos e folhas. Se pudéssemoster acessoa uma cópia
recem com frequência e nos causamdeleite pela sua sonoridade sensível. reconhecidamentelivre de erros de um autor antigo, logo ela seria colo
cada delado
A.@íxatambém serve para todo tipo de cercamentoque tem uma entra-
da e, por isso, também necessita de um porteiro, como o original expressa Também não podemos negar que perdoamos muitos erros de impres-
e diz: "cuja cortina (ou porta) o sol levanta (abre)". Pois a porta de muitos sãonum livro enquanto nos vangloriamos por tê-los encontrado. Que esse
cómodos orientais é composta de uma cortina. O apoio e o mecanismo para hábito humano beneficie também este nosso trabalho, uma vez que fica
erguer a cortina são, portanto, o porteiro. À4íz/zídiz respeito a Manes, chefe reservado a nós ou a outros identificar falhas e corrigir erros no futuro. Mas
da seita dos maniqueus. Conta-se que ele foi um grande pintor, propagando mesmo pequenas contribuições não serão rejeitadas de maneira animosa.
suasestranhasdoutrinas por meio de pinturas. Ele apareceaqui da maneira Devo primeiramente abordar a ortografia dos nomes orientais, na qual
como faríamos aparecer Apelem ou Rafael. No termo pérolas do gooerrza?z- é difícil manter uma uniformidade. Pois como as línguas orientais e oci-
fe, a imaginaçãoé estimuladade modo estranho.Pérolastambém podem dentais são muito distintas, é difícil encontrar na nossa língua um equi
ser gotas, e assim podemos pensar num mar de pérolas no qual a grande valente para cada letra do alfabeto deles. Como, além disso, as línguas
majestade submerge o seu favorito. Se ela o puxar para fora, as gotas per- europeias conferiram valores e significados distintos ao próprio alfabeto
manecem penduradas nele, e assim ele fica belamente enfeitado da cabeça devido a diferentes afinidades e dialetos, fica ainda mais difícil encontrar
aos pés. Porém, o canal (Úcia/ também tem cabeçae pé, início e fim, começo uma uniformidade nesse campo-
e objetivo, e o servo é louvado e recompensado por tê-los percorrido com Fui conduzido a tais regiões principalmente por um guia hancês. O di-
fidelidade. As linhas seguintes novamente apontam para a efusiva elevação cionário de [Barthélemy d'] Herbe]ot (1625-1695)veio ao encontro de nos-
do emissário e para garantir-lhe a maior confiança na corte para a qual foi sos anseios. O erudito francês teve que se apropriar de palavras e nomes
enviado, como se o próprio imperador estivesse presente. Disso depreende- orientais e torna-los palatáveis à pronúncia e ao modo de escuta de sua
mos, pois, que sua missão na Inglaterra deve ter sido de grande importância. nação, algo que pouco a pouco se transmitiu também para a cultura alemã.
Sobre a poesia persa ]á foi dito, com grande verdade, que ela estaria Assim, preferimos "Hegire" [Hégira] a "Hedschra", pelo som agradável e
compreendida num eterno ciclo de diástole e sístole. Os poemas acima veri- em tributo à antiga amizade.
ficam esseponto de vista. Eles vão de forma contínua até o infinito, e depois E o quanto os ingleses de sua parte também realizaraml Apesar de eles
novamente até o finito. O imperador é a luz do mundo, e ao mesmo tempo não entrarem em acordo sobre a pronúncia de seu próprio idioma, adqui
é senhor de seu império. O escudo que o protege do sol aumenta sua som- riram razoavelmenteo direito de pronunciar e escreveressesnomes à sua
bra sobre os campos do mundo. Os perfumes de seu cinto chegam até Sa- maneira, fazendo-nos sempre hesitar e ficar em dúvida.
turno, e assim por diante tudo se dirige para longe e para perto, dos tempos Os alemães, que são aqueles que melhor escrevem como se fala e que
mais fabulosos até o presente dia da corte. Aqui aprendemos mais uma vez não se opõem a adaptar sons, ritmos e cadências estrangeiros, fizeram um
que seus tropos, metáforas e hipérboles nunca devem ser compreendidos serviço sério. Mas é justamente porque estes sempre se esforçaram para se
isoladamente,mas apenasdentro do sentido e do contexto do todo. aproximar cada vez mais do estrangeiro e do estranho, que entre eles se
encontram grandes diferenças entre escritos mais antigos e mais recentes,
Revisão de modo que é difícil encontrar uma autoridade na qual possamosconfiar.
Fui gentilmente aliviado dessapreocupação pelo cuidadoso e prestati-
Se considerarmos
a parte do legadopersaque foi confiadaà tradição vo amigo J. G. L. Kosegarten, a quem agradeço pela tradução dos poemas
escrita desde os tempos mais antigos até os mais atuais, veremos que imperiais acima. Ele também fez comentários e correçõesao meu texto.
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
Que esse confiável homem também possa olhar com simpatia as minhas
consideraçõespara um Díoã futuro.
+
Silvestre de Sa
DANIELMARTINESCHEN
(+19811é bacharel e mestre em ciência da computação pela Universidade Fe
deramdo ParanáIUFPRI,bacharel e doutor em alemão e tradução também pela UFPR,com tese
sobre o papel da tradução ro D/võocfdenfo orienta/ de Goethe. Étradutorjuramentado do idioma
79 "UnsermMelster,gehl Verpfãnde/Dich,o Büchlein,trauiich frohl/ Hier am Anfang, hier am onde,. alemão e, atualmente, professor de língua e literatura alemã e tradução na Universidade Federal de
õstiich, westlich, A und Q.
Santa Catarína (UFSC).Além de Goethe verteu para o português também Anna Seghers, Friedrich
80 "Wirhaben nun den guten Rat gesprochen/Und manchenunsrer Tapedran gewandt;/Mifltõnt er Rückert, Rosa Luxemburgo e as biografias Bé/a Guffmann. umo /anda do fütebo/ do sécu/oXX, de
Detlev Claussen, e Sabfna SP/e/re/n. de Jung a Freud, de cabine Richebãcher.
etwa in des Menschen Ohr /Nun, Botenpflicht ist spíechen. Damit gut.
414
Pnç pÁ r'ln
Introdução
417
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL
'v PosrÁcio
História do Divã Desta anotação de Goethe já temos a informação de que a poesia per-
sa não era novidade no Ocidente, mas conhecida ainda apenasde maneira
O Wesf-õsf/ícher Díoalz -- a partir de agora podemos chama-lo de Díz;ã
esparsae fragmentária. A tradução de Von Hammer representa, portanto,
um marco na história da relaçãoliterária Ocidente-Oriente por ser a pri-
ocídenfo-orfezzta/
-- é o único livro de poemaspublicadopor Goethe
meira edição de fôlego em alemão' e também por ter sido o "estopim" do
enquanto tal em todo seu longo período produtivo. A grande parte dos
milhares de poemas que escreveuestá em cartas, revistas, outros livros ávido interesse do autor pela poesia persa.
como os romances de WÍ/he/m À4eísfeco Werther, a Viagem à Ifá/fíz --, A partir de 1814 esseinteresse se intensificou, e Goethe mergulhou em
leituras, pesquisas e na escrita de poesia, com uma pausa a partir de 1816
almanaquese outros locais que não um /foro de poemas.Essefato coloca
o l)íoã numa posição singular dentro da vasta obra de Goethe.Ele foi (sua esposa Christiane faleceria nesse ano após longa e dolorosa enfer-
midade) até 1818, com a publicação da Geschfchte der schõtzen Redekürzste
publicado originalmente em duas edições (a primeira em 1819,a segunda
em 1827,ambaspelo editor Corta de Stuttgart), e sua história começa Persíensde Von Hammer, que Ihe reavivou o interesse.Até o final desse
em 1814. A primavera desse ano marca um singular encontro literário ano os poemas foram concluídos, e até agosto de 1819 ele se dedicou à
revisão e preparação da edição final.
entre a literatura alemã e persa quando, antes de se lançar em viagem às
A prosa do Díoã não foi escrita nem antes nem junto com os poemas
termas de Bad Berka, Goethe recebe de presente do editor Friedrich Corta
a primeira tradução integral do Z)íwatz'do poeta persa Hafez, traduzida Em 1817, Goethe publicou alguns poemas no semanário Taschenbuch .@r
Dametzaufdas Ja;zr]817 ILivro de bolso para damas, ano 1817], para testar
pelo diplomata austríaco Josephvon Hammer-Purgstall. O impacto da
leitura da obra de Hafez foi tão intenso que o impulsionou a escrever sua a reaçãodo público frente a uma poesia "exótica" e "estrangeira"-- e teve
própria resposta poética. O poeta diria posteriormente (anotando em seus seuleedback:uma incompreensão do público fundada numa curiosa ambi-
lag- und]ahresheffe [Diários e anuários] do ano de 1815) sobre o efeito da guidade, que o poeta registraria nos seus Tag- u?zd/ahreshe$fede 1818:
leitura do Dlwa?z:
A prévia enviada ao DamenkaZelzder
mais confundiu o público do que o preparou
A ambiguidade, de serem [os poemas] traduções ou imitações inspiradas ou apro
Se antes não consegui tirar nenhum proveito dos trechos desse magníHco poeta,
priadas,não teve bons resultadospara o empreendimento; deixei, contudo, que
traduzidos e publicados aqui e ali em revistas, agora eles agiram em conjunto se
tudo seguisse o seu curso, já acostumado a ver o público alemão tropeçar até que
bre mim de maneira muito mais viva, e tive que, em contrapartida, agir de maneira
consiga receber e apreciar [a[go novo]. (apud GOErnE,2010, p. 734)
produtiva, caso contrário não poderia ter resistido à poderosa aparição. O efeito
foi vivo demais, a tradução alemã estava disponível, e portanto tive que encontrar
razões para minha própria participação. Tudo aquilo que, no que tange ao conteú É curioso Goethe não ter tentado resolver essa "ambiguidade", e
do e ao sentido, guardou se e nutriu algo semelhante em mim, sobressaiu com tal isso torna ainda mais misteriosa a sua classificaçãotríplice de traduções
fereza que senti a mais extrema necessidadede fugir do mundo real que amei no capítulo"Traduções".
EsseJeedbízck
do público,porém,foi o impulso
çava, tanto às claras quanto secretamente-- para um mundo ideal, a cuja parte para a escrita da seção em prosa. Ela recebeu o título de "Besserem
mais agradável estavam dedicados o meu prazer, a minha habilidade e a minha Verstãndniíg" ["À me]hor compreensão"] na edição de 1819, mas ficou
vontade. (apud GOEIHE,
2010, p. 727)
conhecida como "Noten und Abhandlungen zu besserem Verstãndnilg des
2 1)/wan, na transcrição alemã, ou "divã" em português, é uma palavra de origem persa que significa 3 VonHammertambém publicou outras obrassobre a poesiado Oriente,como a revistaFundgruben
'coletânea", e é usada nas tradições poéticas de língua árabe, persa e turca para reunir toda a des Or/er7fsentre 1809 e 1818(amplamente consultada por Goethe), a obra Geschfchteder
poesia escrita por um determinado poeta. O Dlwon de Hafezé lido até hoje em todo o mundo schónen Redekür7sfePersfer?s[Hístória das belas artes retóricas da Pérs]a],em 1818,e a co]etânea
muçulmano como um livro de sabedoria, ao lado do Carão. Morgen/àndfschesK/eeó/aff [Fo[ha de trevo orienta]], pu b]icada em 1819
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL POSFÁCIO
West-ósf/zc;zen
Díoarzs"["Notas e ensaios para me]hor compreensão do Díoã (e não importa) se o amor que nutriam teve realizaçãono plano físico: o
ocídenfo-arie/
fízJ'],que é o título do segundovolume do Díoã publicado na que nos restou foi o jogo dialógico lírico-amoroso do Díoã ocíderzfo-orfenfal,
edição de obras completas de 1827. O comentário de Goethe sobre esse em especial no Llz;rode ZuZeíca,onde as figuras de Hademe Zuleica (perso-
jeedbízck
do público explica o impulso da escritadasNotas: "Sobretudo pare- rzas de Goethe e Marianne) trocam cartas cifradas, poemas, provocações,
ceu necessário esclarecer,para mim e para os outros, as características dos canções.Mas o papel da atroznão foi o de musa inspiradora para a persona
sete principais poetas persas e as suas contribuições" (GOE'rHE,
2010, p. 734).' de Zuleica, mas, sim, de ativa participante na criação poética: três dos
C) trabalho com o l)íoã significou para o autor não apenasestudos e poemas do Louro de ZuZeíca são da pena de Marianne, e foram incluídos ali
pesquisas, mas também aprofundamento de amizades, novas e antigas. O já sem serem creditados. Os poemas são "Hochbeglückt in deiner Liebe" (em
citadoJosephvon Hammer setornou uma referência constante.Importantes nossatradução "Bendita teu amor me faz"), "Was bedeutet die Bewegung?"
foram suas relações-- por carta ou por intermédio dos respectivosestudos ("0 que é o movimento?", também conhecido como "Canção do vento
com os orientalistas Johann G. L. Kosegarten (1792-1860) e Heinrich leste") e "Ach, um deite feuchten Schwingen" ("Ah, das tuas úmidas alas'
Friedrich von Diezs (1751-1817),e também com o historiador e colecio- também conhecido como "Canção do vento oeste").' Curiosamente, estes
nador de arte Sulpiz Boisseré (1783-1854).Johann Gottfried von Herder três poemas do Díuã de autoria de Marianne von Willemer são os que mais
(1744-1803),amigo-mentor de Goethe, também influenciou em grande foram musicados por diversos compositores, como Friedrich Schubert e
medida nos interesses do autor pela poesia oriental durante seus estudos sobretudo CaraFriedrich Zelter, amigo e correspondente de Goethe
em Estrasburgo,principalmente com relaçãoa um modo de ler o Antigo
Testamento (sobretudo o Cântico dos cânticos) como poesia e a uma aguda Estrutura do Divã
consciência sobre a interdependência entre as literaturas
O Díoã significou para Goethe também rejuvenescimento. A relação Se eu precisasseresumir o Pipa em poucas palavras, eu diria: dzlpZoe
mais importante para a escrita do livro foi a profunda e amorosa amizade profundo.A profundidade se reflete na densa rede hipertextual que se
entre o autor e a atriz austríacaMarianne von Willemer (1784-1860).Eles estabeleceem cada palavra, cada verso, cada estrofe com outras pala
se conheceram em julho de 1814, quando a moça ainda era protegida do vras, versos, estrofes dentro de um mesmo livro ou outros livros do Dípã,
amigo de infância de Goethe, o banqueiro Johann Jakob von Willemer, com outros poemas de Goethe, e com eventos da sua própria vida. Mais
que viria a desposara moça algum tempo depois. Goethe visitou o casal profundas ainda são as referênciasàs várias culturas que o autor coloca
de amigos várias vezes, e em setembro de 1814 passou um período mais em movimento: as tradiçõeshebraica, árabe pré-islâmica,islâmica, a
longo com elesna casade campo do casal,a GerbezmZihle, quando a rela- antiga religião persa, a herançacultural e linguística do Ocidente como
ção entre o autor e Mlarianne se tornou ainda mais intensa. Não se sabe um todo e a poesia de todas essas tradições, em suas várias expressões
e expoentes.Um exemplo é o poema "0 Inverno e Timur': que narra o
4 Vor allen Dlngen schien sodann nothwendig die Charaktere der siebenpersischen Hauptdichter und embate do inverno personificado contra o déspota mongol Tamerlão.'
hre Lelstungen mir und anderen kiar zu machen
X
Díez foi um feroz opositor de Von Hammer, tanto 10 que díz respeito aos seus estudos quanto,
Posteriormente, Marianne admitiria sua relação com Goethe e sua participação na escrita do D/võ
principalmente, com relação à qualidade e pujança de suas traduções, em especial nos
em carta enviada a Herman Grímm, que publicaria artigo sobre o assunto em 1869.Para mais
Fundgruóen e no pr(5prio D/wan. Goethe aceitaria o conselho de Diez e posteriormente solicitaria
sobre essarelação, cf. Grimm(}8691 e Unseld(1998)
traduçõesdo persa não a Von Hammer,mas a Kosegarten.Por diplomacia e por admirar o
trabalho pioneiro de Von Harnmer, Goethe não deixa de coloca lo entre os mais importantes Abordo essa intertextualidadeprofunda de maneira reais detalhada na minha tese de
nterlocutores no trabalho com o l.)/vã.Sobre a querela entre Diez e Von Hammer, cf. o detalhado doutoramento, defendida em 2016sob o título O lugar da [raduçõo no West óstlicher Divan de
estudo de Katharlna Mommsen, Goefhe und D/ez(MOMF.'SEN,
1961). GoefheIMARTINESCHEN,
2016).De lá retiro o material para este posfácio
420 421
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL PospÁcio
Quanto ao caráter duplo, pode-se dizer que a obra tem uma esfmtz4ra TITLJLO
TITULO TITULO TEMÁTICA
ORDEM EM PORTUGUES
dupla, em diversos níveis. Seu título já contém uma duplicidade: ocídenfo- EM PERSA EM ALEMÃO
.arieztaZ(west-óst/íc;z
em alemão)indica que a literatura ali contida é oci-
3 Ushk Nameh Buch der Liebe Livro do amor 0 amor
dental (da pena de um poeta europeu) e também oriental (a partir da poesia
persa). Esse adjetivo, já duplo, permite também uma dupla interpretação:
Buch der Livro das Reflexões. sabedoria.
tanto pode significar pane/e/esmo (a justaposição de Ocidente e Oriente apon- 4 Tefkir Nameh
Betrachtungen contemplações rnistica
ta para um espelhamento ou peso semelhante das duas grandes regiões do
mundo) quanto mouímerzfo, ao indicar que o poeta (ocidental) se volta para
Livro do mau Escárnio. humor
outra região (oriental) para buscar seus temas, formas, elementos poéticos. 5 Rendji Nameh Buch des Unmuths
humor ácido, critica
Dupla também é a estrutura geral do Diz?ã,com uma primeira seção
de poesia e uma segunda de prosa. A seção de poesia, por sua vez, está Livro dos Provérbios traduzidos
6 Hikmet Nameh Buch derSprüche
dividida em doze "livros"ou coletâneas,cada uma com uma temática pró- provérbios e/ou adaptados
pria que subsume os poemas ali contidos. Cada livro, como se vê na tabela
Timur Nameh Buch des Timur Livro de Timur Tamerlão
abaixo', possui um título que também é duplo, em alemão (aqui em portu- 7
talidade) dos poemas de cada livro. Alguns livros têm em seu frontispício
9 Saki Nameh Das Schenkenbuch Livro da taverna 0 vinho
uma pequena estrofe (em outros livros, incluída apenasna edição de 1827)
que faz as vezes de mote
Livro das Parábolas cristãs e
Essa divisão em "limos"não foi projetada de antemão por Goethe, mas U la Lllal llalllÇll Islâmicas
parábolas
se estabeleceuapenas em outubro de 1815, quando a quantidade de poemas
compostos e o tempo de imersão na literatura persa permitiram ao poeta or- Zoroastrismo e culto
11 Parsi Nameh Buch des Parsen Livro do parse
ao fogo
ganizar esse conjunto. Ou seja, a partir de um grande conjunto de poemas
"orientalizantes" intimamente relacionados, ele procurou emular a tradição
Buch des
dos poetas persas de dividir seus divãs em livros, e formou um grande "co- 12 Chuld Nameh Livro do Paraíso Sobre o Paraíso
Paradieses
lar de pérolas poéticas" -- para usarmos outra imagem cara à poesia persa.
Tamerlãoou Timur leng (que em turcomeno significa "Timur, o coxo") viveu entre 1336e 1405e
TITULO TITULO TITULO foi um dos imperadores do período que se seguiu à dissolução do império de Genghis Khan(1162
ORDEM TEMÁTICA
EM PERSA EM ALEMÃO EM PORTUGUÊS 12271.Suaúltima investidaconquistadorafoi em 1405,quando partiu em direçãoà Chinaem
meio ao inverno e faleceu na cidade de Shymkent(atual Cazaquistãol. Na cidade de Samarcanda
T
Moganni Nameh Buch des Sãngers Livro do cantor A poesia. o poeta jatual Uzbequistãol foi erguido um mausoléu em sua homenagem, chamado Gur Emir.
422 423
''T
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL POSFÁCIO
as "pérolas poéticas"do Díuã podem ser combinadas de diferentes manei- um "Comentário para prosseguimento", a respeito dos efeitos do clima
ras pelo leitor, de modo que relaçõesentre determinadoslivros se tornam sobre a constituição dos povos:' para chegar finalmente a "Mahmud de
mais evidentes e enriquecem a leitura. Assim, por exemplo, o Lourodo Gázni", soberanodo Império Gaznévida (que se estendeude 997 a 1030
cíznfore o l,furo de Hqáezpodem ser lidos em conjunto, por tratarem do no antigo Khorasanou Coração).
poeta e da poesia; o Louro do amor e o Líoro de Zuiefca parecem formar um Após discutir característicasda poesia persa, de costumesdo povo mu
belo par dialógico. Os livros podem ser agrupadosnão apenasem pares, çulmano ligados ao Corno, de novidades a respeito dessa região e de consi-
mas também em trios: os livros das cofzfempiações, das paníbolase dos deraçõespolíticas sobre déspotas conquistadores em vários outros capítu-
proaérbíospodem ser reunidos pelo caráter sapiencial e reflexivo dos seus los, Goethe fala da "Bibliomancia"-- referindo-se à prática de espetaruma
poemas;a temática religiosa permitiria também ler em conjunto os livros agulha no Corão ou no À4aslzaoíde Ruma para desfrutar da sabedoria do
do parte, das pízraüo/ase do Pízrazbo.
Essapossibilidade de leitura agrupada acaso--, sobre a "Troca de flores e signos"-- a linguagem floral da poesia
se explica em parte pelo caráter orgânico dessa poesia, escrita sem uma persa -- e "Cifra", em que trata do costume oriental de se comunicar por
compartimentação prévia mas arquitetonicamente organizada. meio da citação numerada de versos do Carão.:: O longo capítulo "Divã fu
A seçãoem prosa não é a parte mais conhecida do Pipa, e dela nor- furo" apresentao projeto de expansãodo Divã ocídento-arie?afaz, discutindo
malmente se conhece apenas o capítulo "Traduções" ("Uebersetzungen"), as expansõesdos livros da primeira edição ao mesmo tempo que explica
que contém uma classificaçãotríplice dos tipos de tradução segundo a vi- ao leitor as razões da temática e da composição de cada um. Segue-seum
sãode Goethe.PAs "Notas e ensaios"compreendem 51 capítulos nos quais capítulo "Do Antigo Testamento", que introduz a longa reflexão a respeito
o autor dá um testemunho da sua relação com a poesia de Hafez e com o de "lsrael no deserto", onde fala sobretudo de Moisés e da transmissão da
Oriente, numa recuperação que retrocede até seus estudos em Estrasburgo sua história pela Bíblia e pelo Corão, num belo exemplo de exegeseque
e à sua juventude. Goethe constrói nas "Notas"uma narrativa que descre- remonta às reflexõesbíblicas da juventude de Goethe
ve o processo criativo do Díaã, as fontes a que recorreu, contadosque es- Depois disso, trata de "Outros auxílios", e dedica capítulos a gamo
tabeleceu, recuperações teóricas e históricas sobre a recepção da literatura sos viajantes que foram ao Oriente e trouxeram notícias (e, muitas vezes,
oriental na Alemanha (e na Europa em geral), além de reflexões de ordem muito mais que isso) à Europa: "Marco Po]o", "Jehan [Juán] de Mande
religiosa, estética e moral. ville", "Pietro della Valle" interrompe-se com "Perdão" por ter se es-
Os sete poetas persas venerados por Goethe (os "Reis poetas") são, tendido demais sobre Della Valle --, "Olearius" e "Tavernier e Chardin"
segundo os títulos dos capítulos a eles reservados, "Ferdusi", "Anva- Depois dessesviajantes antigos, Goethe discorre sobre os "Novos e mais
ri", "Nezami", "Jalal al-Din Rumi", "Saadi", "Hafez" e "Jami". Essa or- novos viajantes": começa com seus "Professores: antecessores e contem-
dem corresponde à sequência cronológica das épocas em que viveu porâneos" onde aborda os tradutores e eruditos orientalistasWilliam
cada um deles. Antes de tratar desses poetas, Goethe considera necessá- Jones,Johann Gottfried Eichhorn e Georg Wilhelm Lorsbach -- para, em
ria uma "Introdução" (na qual se apresenta como "um comerciante que
dispõe suas mercadorias de maneira conveniente"), seguida de dois ca-
10 Concepção atualmente superada, conhecida como "teoria climática", segundo a qual, por
pítulos sobre os grandes povos do Levante ("Hebreus" e "Árabes"), para exemplo, povos que vivem em climas quentes e úmidos seriam propensos à preguiça e à
então fazer uma "Transição" aos '.Antigos persas"e chegar ao "Regimen- indolência, enquanto povos que vivem em florestas e savanas, como os hotentotes, teriam línguas
primitivas e saltitantes
to". À "História", que sobrevoamilhares de anos de histórias de povos
orientais, segue se uma discussão sobre "Maomé", os "Califas" e depois 11 Indiretamente, Goethe indica aqui uma prática semelhante que realizou com Marianne von Willemer
em cartas cifrados nas quais mencionavam apenas sujas e versos do Corno e versos de Hafez
9
Vedeacima nota e comentário sobre essaclassificação. 12 Cf. sobre isso o estudo Hermeneuf/k und Bibe/exegesebeímlungen Goefhe (TiLLMANN,
2006)
424 425
'v
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL PosrÁcio
Silvestre de Sa- Silvestre de Sai como "pedra de toque'l exceto no caso de Boyesen, para o qual uso a
quadrinha "Wer das Dichten will verstehen" que abre as "Notas"." Eis a
Uuserm Meister. gehl uerpfãtTde A nosso mestre, vaia penhora quadrinha do Louro docantor:
Dica, o Bilchtein,traLlliclt-froh; te, folhinha. gentil-sôfrega;
vier am Anlang, vier arte onde. Eis o início e o fim, ora: Zloanziglahreliedich gehn
Ostlich, loesttich, A alia Q. Leste, oeste, Alfa e Õmega. Und getto$ loas mir beschiedetl
Ef7zeReíhe oõ//lg schõn
Wie die Zeit der Barmekiden
CSwtw0
.rvi b'x+« .;i ;.., .-t.wl l.et b O reverendo americano John Weiss" (1818-1879) parece ter sido o
K.$Pi ,'x-«-, --l.- í..-l---; primeiro a traduzir a obra. Suas soluções são bastante simples e leves.
B).---b ut.-x-.CJI JJt .s-. er.ül Weissverteu assim a quadrinha, preservando a métrica e o esquemade
V)'Jt .? '/bçJ U).Üt .;? '$t .s'w rimas do original:
F--eo>-' ./-'"-'? W9' U9LJ)» 14 Há ainda uma edição bilíngue de 1974, à qual não tive acesso,de John Whaley com prefácio de
Katharina Mommsen
«-f «-4) &-Q '»c--) .r.s'
15 Dasversõesa que tive acesso,apenas a edição de Martin Bidney e a italiana de Koch & Porena
W} Ü-&b fL-H uyJ'«2 .F4
incluem as "Notas" o que seria de esperarde traduçõesfeitas em contexto académico(Bídney é
professor de literatura comparada na Blnghammton University e Ludovica Koch foi catedrática no
Wir habetl ttun deu gtlten Rat gesprochelt Pronunciamos então o bom conselho, Instituto Oriental de Nápoles, na ltália). As demais omitem as "Notas", quando não as desprezam
Und tKanchettültsrer Tapedraft guoandt; muitos dias nossos pusemos nisso; como "irrelevantes", como disse o tradutor John Weiss
Mi$tõnt er etion in des Menschen Ohr Se acasosoar mal no ouvido humano 16 Weissverteu também o He/nr/chvon O/terdingende Novalís e uma seleta de Phi/osoph/ca/ond
Nün. BotenpPichtist sprechen.Damit gut. Bom, dever de núncio é falar. E só. ,fsfheffc Letfers and Essoysde Schiller, e publicou também Goefhe and Sch///ec The/r L/vesand
Works (1879)
426 427
l
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL Posfácio
Twenty yearslet clip away prefácio de poucas páginas, escrito pela viúva do tradutor, faz breve retrós
Atl the bestofpleasure gaining;
pectiva da escrita da obra e da carreira de Goethe, mas não faz nenhum
Time no br{8hter nor se gay
comentário quanto à traduçãoe não menciona a existênciadas "Notas
When the Barmecides ioere reigning
A edição não é acompanhada de notas ou posfácio. Sua tradução, como a
(GOETHE,
1877,P.3)
de Weiss, procura repetir o verso trocaico alemão em inglês, sem, contudo,
adorar essa opção de maneira consistente. Observemos sua versão da qua
A tradução do poeta e professor norueguês-americanoHjalmar Hjorth drinha do Líoro do cíz7ztor:
Boyesen" (1848-1895)estáno primeiro volume de Goefbe'sWorks,publicado
por ele em 1885.:' Nessevolume, encontramos uma seleçãoque não chega
Tloenty years l let go post,
a metade dos cem poemas da primeira edição do D/uã, e o tradutor igual- Joying in lohat laje prouides;
mente exclui as "Notas"da sua versão. O volume não contém paratextos ex A traia, each louety as the !ast,
plicativos (notas,prefácio, posfácio, etc.). Como se trata de uma seleçãodos Years' cair as 'nenth the Barmecides.
poemas do Díuã, ocorre que a quadrinha selecionada para comparação não (GOETHE,
1912,P. I)
foi vertida. No lugar que ela ocuparia,no início do livro, foi traduzida a qua-
drinha "Wer das Dichten will verstehen", que tende a reproduzir o ritmo e a Martin Bidney oferece uma das mais completas versões a que tive
rima originais, contudo com torção gramatical e repetição ("rzeedsmusaseek") acesso.Seu trabalho procura diálogo com a "divanística"por oferecer uma
que mais parecem querer preencher o espaço do verso: tradução integral do Pipa incluindo as "Notas" e precedê-la com um pre
fácio que contextualizao livro dentro da obra de Goethe e com relaçãoa
Wer das Dichten loilt oerstehen.
teorias de tradução e com a filologia goethiana (em especial,a obra de Ka
Mu$ ins Lattd der Dichtung gerem.
tharina Mommsen). Esta edição contém de fato comentários explicativos,
Wer den Dichter loil{ uerstehelt,
mas Bidney não opta por notas no sentido estrito bibliográfico-filológico
Mu$ in Dichters Lande gehen.
do termo, mas por poemas de sua própria pena que, mescladosao seu
Who the sotlg would uTlderstand, estilo, emulam o texto goethiano.Vejamos sua versão para a quadrinha do
Needs tttust seek the gang's Olon tattd. Book ofthe Singer:
VVhothe minstre! ullderstand,
Needs must seek the minstrel's band. TwenQ years l let massby,
(GOETHE,
1885,P. I) Re/fshftzgmy desfz?zed
/of;
Time that Ze7zf
a p/easl re hfgh,
As when the Barmecideshad wrought.
O trabalho de Edward Dowden (1843-1933),publicado em 1912, tam-
(GOETHE,2010C, P. I)
bém exclui as "Notas", mas verte todos os poemas da edição de 1819.Um
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL Posfácio
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DIVÃ OCIOENTO-ORIENTAL Pn q F Á r-T n
432 433
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL PosrÁcio
O prometode Enderle, apesarde não explicitado, reproduz o metro ori- pouca ajuda para estabelecer uma dicção goethiana em português bra-
ginal do tetrâmetro trocaico valendo-se do octossílabo em português, de sileiro do século XXI -- sem falar da dificuldade de estabelecerdiálogo
modo a reproduzir a mesma quantidade de siOabas poéticasdo alemão,ain deqdo ao esgotamento das edições em sebos ou livrarias. A versão do
da que sem a "leveza"e o ritmo do original, sobretudo na passagemdo se Fausto de Jenny Klabin Segall serviu-me de auxílio principalmente para
gundo para o terceiroverso, onde o e@ambemetzt introduz um "solavanco' compreender e visualizar melhor referências entre os dois livros, como
na leitura. A quadrinha do Líoro do carztador: as apontadas pela edição comentada de Hendrik Birus. Muitos poemas
de Goethe traduzidos circulam em revistas acadêmicas,literárias e pela
Vinte anos deixei decorrer,
internet, em b/ogsde poesia, por exemplo -- numa quantidade e veloci-
E as horas estabelecidas
dade que tornam difícil acompanhar em tempo real como essa recepção
Gozei; tão belo suceder tem evoluído.
Como a era dos Barmecidas.
Pelasrazões acima, achei difícil me apoiar (conscientemente) em outras
(ENOEKLU,2010,p.167)
traduções para estabeleceruma linguagem comum. Para achar meu "mo-
dzJSfraducelzdí", então, procurei encontrar o que me pareceu ser o "modas
.áacíendí" de Goethe na escritura do Díuã. Esse "modas" inclui as opções
Sobre esta tradução
formais de verso, estrofe, rima e andamento, o registro e o vocabulário,
bem como a arquitetura geral da obra.
Por fim, mas não menos importante, comento aqui brevemente os proce
O verso utilizado na grande maioria dos poemasé o "tetrâmetro tro-
alimentos e escolhas que orientaram meu trabalho no Wesf-õst/ícher
caico", um metro profundamente enraizado na tradição de poesia oral e
[)íz;ízn.::A edição que utilizei mais amp]amente foi a edição crítica em
popular de língua alemã.Alternando sílabasfortes e fracas,na contagem
dois volumes organizada por Hendrik Birraspara a editora Deutscher
alemã os versos têm em geral oito sílabas poéticas, contando até a última
Klassiker Verlag (GOETnE,2010). Essa edição contém todas as versões
sílaba. A primeira estrofe do poema "Hégira" ilustra o uso desse verso:
publicadas em vida do autor, um catálogo com os poemas do espólio,
esboços e uma seção de figuras. Ao leitor interessado recomendo a Nord und West ltticí Süd zersplittem.
longa lista de referências de trabalhos sobre o Díoã nas páginas 1919 a Throne bersten, Reiche zittem.
2010 do volume 2. Outras edições e versões consultadas estão na lista de Fltichte du, {m reÍnen Osten
referências a seguir. PatriarcheTtlujtzu kostell,
A recepção de Goethe no Brasil é bastante curiosa.Apesar da indubi- enter Lieben, Trinken, Singen.
tável reputação do poeta alemão, ainda não há uma antologia ampla de So11dica Chisers Quell oeÜüngen.
(GOErnE,2010, p. 12)
sua poesia traduzida, o que torna difícil estabelecer uma dicção unificada
ou unificadora. A edição de Pfromm Netto, comentada acima, não per-
mite isso por reunir traduçõesfeitas com pressupostosmuito diferem Como afirma na "Introdução" das "Notas", Goethe "se comprome
tes, de épocas diferentes e com efeitos e rendimentos discrepantes entre teu, em primeiro lugar, na ética e na estética, com a compreensibilidade
si. A contribuição de Paulo Quintela é importante e poderosa, mas de O objetivo era escreveruma poesia que soassebem ao ouvido do leitor
alemão,e "por isso se empenhou em usar a linguagem mais simples e a
métrica mais leve e compreensívelde seu dialeto", sugerindo "só muito
22 0 que apresento foi retirado da minha tese de doutoramento(MARTiNESCHEN,
2016),na qual discuto vagamente aquilo no que o oriental encontra o seu deleite". Assim, Goethe
a presença da tradução no D/vã em muitos níveis e intensidades.
utilizou esse verso da poesia oral e popular como que para "acamar" a
434 435
DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL PosrÁcio
poesia estrangeira num "leito" alemão.:' O esquema de rimas adorado Vai te à terra oriental,
por Goethe também é muito tradicional e simples, com rimas alternadas sorve o ar patriarcal;
Pois no amar, beber, cantar
e paralelas, frequentemente rimas perfeitas e "rimas ricas", com alguma
Vai Chadir te remoçar.
licença poética. Dessaforma, os versos do Divã têm tal fluidez que, como
(P.13)
comentou Heinrich Heine em Díe romarzfíscheSc/zune[A escola român
tica], parecem "tão leves, tão felizes, tão sussurrados, tão etéreos, que nos
admiramos de que algo assim fossepossível em língua alemã" (rEiNE,2002 O leitor notará que uso extensamente o recurso da elisão vocálica para,
por um lado, garantir que se espelhea cadênciado verso original e, por ou-
[1836],p.s5-5ó)."
tro, conseguir fazer "caber mais em menos espaço". Assim, "Norte e oeste
Meu objetivo foi tentar traduzir o Díuã reproduzindo em português o
e sul" tem cinco sílabas e não sete. Outro metro frequente no Dfuã é o he
ritmo e a sonoridade da poesia (mesmo que isso soevago), procurando
xassílabo (também característico da canção popular), que verti em português
simplificar soluções e evitar rebuscamento. Procurei, assim, espelhar a mé
trica usada no original, e cada poema foi um caso particular. Na maioria pela redondilha menor, por ser este também tradicional da poesia em língua
dos casos,o verso ideal para essareprodução me pareceuser a redonda portuguesa, sobretudo a trovadoresca.A "compressão" desseverso é ain-
da maior do que na redondinhamaior, e o trabalho de "condensação"ainda
Iha maior, por ter o mesmo andamento do troqueu e uma quantidade de mais difícil.
sílabas poéticas semelhante ao original alemão. Além disso, a redondilha
O esquema de rimas da poesia do Pipa é bastante tradicional, com rimas
é uma forma/forma" tradicional da poesia e da cançãopopular. Levando
altemantes e paralelas, perfeitas e assonantes:', poucas internas e um uso con-
em conta que a língua alemã é muito rica em monossílabos significativos e
que em português a grande maioria das palavras é paroxítona, é difícil fa sistenteda aliteração.Na estrofe acima se nota a presençada paralela.Seria
zer essaconta "fechar"-- mas as duas "sílabas extras"ao final da redondi- de se esperar que Goethe, ao emular a poesia de Hafez, procurasse utilizar a
mononima típica da poesia persa", mas não é esseo caso.Goethe faz isso de
Iha maior me ofereceram flexibilidade para estender o verso para até nove
maneira muito consciente em poucos lugares quando essa repetição tem um
sílabas, quando o esquema de rimas o permitisse. Aqui a primeira estrofe
significado específico,como por exemplo no poema "Em mil formas podes de
do poema "Hégira" em minha tradução:
/ esconder", o último do Livro de Zuleica, no qual o poeta dialoga de maneira
Norte e oeste e sul se espalham, profana com os 99 nomes de Alá" ao atribuir vários epítetos à pessoa amada.
tronos racham, reinos falham, A monorrima se encontra sempre nos versos pares, como se fosse uma ora-
ção,neste caso dirigida ao amado e não (exclusivamente) à divindade:
23 Cf.essaimagem de aconchegono poema "Boa noite",o último do último livro do Divã, na p. 275
desta edição
24 26 Há momentos em que essa regra rão se mantém. Por exemplo, quebrando radicalmente a
t...\ dlesesind se ieícht, se glückllch, se hingehaucht,se ãtherisch, dag man sich wundert, wie
expectativa do leitor no poema "Cachosl têm-me enredado" do Livro de Zu/efta ip. t73). Goethe
dergleichen in deutscher Sprache mõglich war.
deixa de colocar seu nome no verso para rimar com MorgenrõtheIAurora], e usa "Hadem",o nome
25 Entender a forma poética também como /êrmo é uma maneira de estabelecer"o espaço de do amante de Zuleica.
liberdadedo tradutor" (CARDOZO,
2009, p. 1151,pois assim se abre ao tradutor a possibilidade
27
Quem incorporou largamente as formas e elementos poéticos árabes/persas em sua obra poética
de, ao verter um verso, optar pela via da forma (e assim criar um verso que obedeça as regras
foi Friedrich Rückert (1788T866),prolífico tradutor e linguista, tradutor do Corno e autor das
dessaforma, como a redondinhamaior) ou pela da /êrmo jsegundo a qual as Ideias têm que se
famosas Kfnderfodfen//eder, musicadas por Gustav Mahler no século XX
conformar a um determinado formato, a um determinado quadro de restrições que molda o verso
resultante).O verso em redondinhapode, então, ser composto ou ajustado pelo tradutor. Deixo 28
A canção islâmica a/ osmõ' a/ husnã (com os 99 "belos nomes de Alá") pode ser encontrada na
para o leitor interpretar o que predominou em minha versão. Wikipédia em: <https://pt.wíkipedia.org/wikí/Noventa e nove nomes de Al%C3%Al>
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DIVÃ OCIOENTO-ORIENTAL PosrÁcio
Em mil formas podes te esconder, contribuição para a versificaçãoalemã." Essa forma de estrofe não tem
mas, Oniamado, logo reconheço a ti; equivalente na versificação portuguesa. pelo menos não com essenome,
com véus mágicos vais te defender,
sobretudo porque as designações"masculina" e "feminina" caíram em de
Onipresente, logo reconheço a ti.
fuso há algum tempo ;oAqui um exemplo de SuZeíkasfrophe no qual tentei
No jovem cipreste, de puro ardor
manter essaalternância, ainda que sem ser totalmente bem-sucedido:
Oniviçoso, logo reconheço a ti;
Hatem Hatem
se a água viva do canal flui sem labor
Onilisonjeiro, claro, reconheço a ti.
Nicho Gelegeltheit macha Diebe, A ocasião não faz o ladrão
Sie ist selbst der grõ$te Dieb. pois ela é o maior ladrão
Quando as águas em fluxo se desdobram
Denn sie star! den Regi der Liebe roubou o resto da paixão
C)nibrincalhão, feliz reconheço a ti;
Die mir }toch{ln Herzen blieb. que eu tinha no coração;
quando nuvens formando se transformam
Onivariado, ali reconheço a ti.
/ Dir hat sie ihn übergebelt Todo o ganho da minha vida
No tapete florido que vela a campina, À4eírzes Lebens Uo7/gewílz/z, só a ti ela entregou;
C)nicolorstrelado,belo reconheço a ti; Da$ {ch nun, ueraYmt,Hein Lebell e pobre de mim, querida,
Nur oon dir gaoàrtig bin. sem ti eu nada não soul
e agarra em torno com mil braços vinha,
ó Oniacolhedor, ali conheço a ti
Doca ich ftlhle schon Erbnnne l Mas já sinto a empatia
Quando ao monte a manhã se incendeia, Im Karf11nke! deixes Blicks najoia do teu olhar,
logo, Onirreluzente, saúdo a ti; Und erteu' in deinenArtnen e em teus braços a alegria,
Mica emeuerten Geschicks. minha sorte, vou encontrar.
depois sobre mim o céu puro se alteia,
Onicordiamplo, aí respiro a ti. (GOETHE,
2010,P. 75) (P.143)
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL PosrÁcio
Schelzke Escanção ele se forme, e considerajocosamente o que o público pode pensar des
sa "incontinência
Nennen dica den gro$en Dichter, Chamam-te grande poeta,
Mean dica atifdem Markte zeigest; quando te mostras no mercado; Gestãndniss Confissão
Geme hõr' ich loenn du singest gosto de ouvirquando cantas
Und ich horcke weitK du schzoeigst. e ouço se estás calado. Was {st schwer zu uerbergen?Das Feuerl O que é ruim de esconder?O fogos
Denn bei Tapeoerrãt's der Rauch. Se ao dia a fumaça o trai
Doer {ch !iene dica }loch beber, Mas te amo mais amado Bei Nacht die Ftamtne,das Ungeheuer. à noite a chama o monstro, o obra
Menu du kÍissestzum Erinneltt; se o teu beijo permanece; Ferver ist schloa' ztl uerbergen auch Difícil de esconderainda mais,
Dente die Worte gehtt uorüber As palavras são passado Die Liebe; rtoch sestille gehegt, O amor: guardado em cura calma,
Und der Kti$ der bleibt ittt Innem. E esse beijo nunca esquece. Sie doca gar leicht aus den Augen schlligt. pula ágil pra fora da alma.
Am schloersten zu bergen ist ein Gedicht. O pior mesmo é esconder um poema:
Reím auf Refm wíi/ was bedeufen, Rima em rima diz, sim, algo, Mail stellt es lutem Sche#etlticht. pois cobri-lo dá o maior problema.
Besserist es uie! zu denken. pensar muito é muito bom. Hat es der Dichter#'isca gesungen, Se o poeta o recém-cantou,
Singe di{ den andem Leutert Canta tu ao vário vulgo, So ist er ganz dauotl durchdruttgen, de poesia se encharcou;
Und uerstumme mit dem Schenken. e te cala com o garçom. Hat er es zia'!ich nett geschrieben, se o poeta o escreveu com classe,
(GOETHE,
2010,P. IIO) (P.221) Will er, die gattzeWelt sola'slieben. quer que todo o mundo o abrace
Er liest escedem.Roh utld laut, A todos lê, alegre e forte.
Estruturalmente, como já mencionei, meu projeto de tradução não Ob es uns quãlt. ob es erbaut. Azar de nós ou será sorte?
abre mão de publicar a poesia e a prosa juntas, por serem indissociáveis (GOETnE,2010, P. 16) (P.23)
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DIVÃ OCIDENTO-ORIENTA
OBRASDEGOETHE
Wesf-ósfZícher
Díz;arz.Studienausgabe. Edição de Michael Knaupp. Stuttgart
ReGIam,1999a
[Mesf-ósf/zcher
Dfoarz.Munique: Deutscher Taschenbuch, 2006.
(OKV)}Vest-õst/ícher Díuan. Organização de Hendrik Birus. 2 v. Berlim: Deutscher
Klassiker, 2010b
442
DIVÃ OCIOENTO-ORIENTAL OBRAS DE GOETHE
West-easterlz Díoan ílz 7me/z;e Books. Tradução de Edward Dowden. Londres; ALCORÃO.
OÁicorãoSagrado.Versãodigital do Centro Cultural BeneficenteÁrabe Islâmico
Toronto: J.M. Dent & Sons, 1914. de Foz do lguaçu. LCC Publicações Eletrânicas, eBooksBrasil.com. Disponível em
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Le Díz?alz.Tradução de Henri Lichtenberger; prefácio e notas de Claude David.
Paria: Gallimard, 1984. Ai. MIAI.l.AQAT. Os poemas suspensos. Tradução do árabe. introdução e notas de Alberto
Mussa. Rio de Janeiro: Record, 2006
Obras completas.Tomo 1. Compilação, tradução, estudo preliminar, preâmbulos
e notas de Rafael Cansinos Assens. Madre: Aguilar, 1987 ["Divan de Occidente y AMARU.Poemasde amor. Tradução de Aurélio Buarque de Hollanda São Paulo: José
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/i Diz;a7zo
occíde7zta/e-arie?ztaie.
Edição de Ludovica Koch, Ida Porena e Filiberto ASKARIAN,Ghorbana li. Ost-wesf/acheBegegPzurzg
z/zder Poesíe.À4 hammad /quais "Bofschaff
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Goethe, Schlegel.Noaalis, Humboldt. Schleiermacher. Hõldertin. 'tradução de Mana
Emília Pereira Chanut. Bauru: Edusc, 2002 [19841.
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