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Sobre a obra:
A presente obra é disponibilizada pela equipe
eLivros e seus diversos parceiros, com o objetivo de
oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e
estudos acadêmicos, bem como o simples teste da
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Para minha irmã, Maureen, e para meus irmãos,
Michael, Thomas e Gerard:
obrigado por terem me apoiado e me agüentado.
Não deve ter sido fácil.
E para
JCP,
que nunca teve a menor chance.
AGRADECIMENTOS
PODE ENTRAR:
A MÃE DA PEQUENA AMANDA DEIXOU A PORTA ABERTA
***
Passaram-se mais uns dez minutos antes que se
conseguisse restabelecer a ordem no campo externo e
convencer as crianças a recomeçar o jogo.
Nesse meio tempo, Sonya Garabedian nos apresentou a
alguns pais que tinham permanecido nas arquibancadas.
Uns poucos conheciam Amanda e Helene, e passamos o
resto da partida conversando com eles. O que resultou
dessa conversa — além da confirmação de que Helene era
uma pessoa preocupada exclusivamente com os próprios
interesses — foi um retrato mais completo de Amanda.
Ao contrário de Helene, que descrevia a filha como uma
espécie de marionete das comédias da televisão, que só
sabia sorrir, aqueles pais disseram que ela raramente ria,
era meio desligada e quieta demais para uma menina de
quatro anos.
“Minha filha Jessica”, disse Frances Neagly, “entre os dois
e os cinco anos de idade não parava quieta. E as perguntas
que ela fazia? A toda hora lá vinha ela: ‘Mãe, por que os
bichos não falam como a gente? Por que eu tenho dedos
nos pés? Por que é que tem água quente e tem água fria?’.”
Frances nos deu um sorriso cansado. “Quer dizer, era o
tempo todo. Todas as mães que conheço sabem como as
crianças de quatro anos podem ser exasperantes. Têm
quatro anos, certo? O mundo as surpreende a cada dez
segundos.”
“E Amanda?”, perguntou Angie.
Frances Neagly inclinou-se para trás e relanceou os olhos
pelo campo, onde as sombras se alongavam e pouco a
pouco cobriam os jogadores, dando a impressão de encolhê-
los. “Fiquei cuidando dela algumas vezes. Sempre sem que
nada tivesse sido combinado antes. Helene aparecia de
repente e dizia: ‘Pode ficar com ela um pouquinho?’. E
voltava seis ou sete horas depois para pegá-la. E o que é
que a gente ia fazer? Dizer que não?” Frances acendeu um
cigarro. “Amanda era muito quieta. Nunca deu problema.
Nem uma vez. Mas quem espera isso de uma criança de
quatro anos? Ela se contentava em ficar sentada no lugar
onde você a punha, olhando para as paredes, para a
televisão ou o que fosse. Não mexia nos brinquedos de
meus filhos, não puxava o rabo do gato nem nada.
Simplesmente ficava imóvel feito uma boneca, e nunca
perguntava quando a mãe viria buscá-la.”
“Ela tem alguma deficiência mental?”, perguntei. “Quem
sabe é autista?”
Ela balançou a cabeça. “Não. Se você conversasse com
ela, ela respondia direitinho. Ela sempre parecia um pouco
surpresa, mas se mostrava gentil e falava muito bem para a
sua idade. Não, ela é uma criança inteligente. Só que um
tanto apática.”
“E isso não lhe parecia muito natural”, disse Angie.
Ela deu de ombros. “Sim, acho que sim. Sabe o que é? Ela
parecia estar acostumada a ser ignorada.” Um pombo veio
voando e mergulhou em direção ao montículo do
arremessador, e um menino jogou a luva nele, mas não
acertou. Frances nos deu um pequeno sorriso. “E acho isso
lamentável.”
Ela se voltou quando sua filha se aproximou da placa do
arremessador, segurando o taco molemente com as duas
mãos enquanto observava a bola e o montículo à sua frente.
“Jogue-a bem longe, querida”, gritou Frances. “Você
consegue.”
A filha virou-se, olhou para a mãe e sorriu. Então balançou
a cabeça várias vezes e jogou o taco no chão.
7
É
“É trágico”, concordou Tanya, enquanto o rosto de
Amanda e o número do telefone da Brigada de Proteção às
Crianças reapareciam na tela por mais meio segundo.
“Em outro caso chocante”, disse Gordon, quando
cortaram de novo para ele, “a invasão de uma casa em
Lowell deixou um saldo de pelo menos dois mortos e um
terceiro baleado. Estamos com Martha Torsney na cobertura
desse caso. Martha?”
Cortaram para Martha, e um monte de neve apareceu na
tela por uma fração de segundo, seguindo-se
imediatamente uma tela escura — e nós nos preparamos
para ver o resto da fita, confiantes de que Gordon e Tanya
estariam ali para preencher nossas lacunas emocionais,
ensinando-nos como devíamos nos sentir em relação aos
acontecimentos que se desenrolavam à nossa frente.
Ó
“Ótimo”, disse Poole. “Mas e a casa? Qual era a cor da
casa?”
Ela deu de ombros. “Não me lembro.”
“Vamos procurar Likanski”, disse Broussard. “É só irmos
para a Pensilvânia. Diabos, eu vou dirigindo.”
Poole levantou a mão. “Vamos mais devagar, colega.
Senhorita McCready, por favor, tente lembrar-se. Lembre-se
daquela noite. Dos cheiros. Da música que Ray Likanski pôs
para tocar. Qualquer coisa que a ajude a voltar àquele carro.
Você foi de Nashua para Charlestown. É mais ou menos uma
hora de carro, talvez um pouco menos. Você estava
chapada. Vocês estacionaram na ruela, e então...”
“Não fizemos isso.”
“O quê?”
“Não paramos o carro na ruela. Como ela estava obstruída
por um carro velho e quebrado, deixamos nosso carro na
rua. Ficamos rodando uns vinte minutos até achar um lugar
para estacionar. Estacionar ali é um problema.”
Poole balançou a cabeça. “O carro quebrado na viela tinha
alguma coisa que chamasse a atenção?”
Ela fez que não. “Era só um monte de ferro velho em cima
de blocos de concreto. Não tinha pneus nem nada.”
“Por isso os blocos”, disse Poole. “Mais alguma coisa?”
Helene já ia balançando a cabeça, mas parou e deu um
risinho.
“Você se importa de contar a piada para o resto da
classe?”, pediu Poole.
Ela olhou para ele, ainda sorrindo. “O quê?”
“De que você está rindo, senhorita McCready?”
“De Garfield.”
“James A. Garfield? O vigésimo presidente?”
“Ahn?”, fez Helene, arregalando os olhos. “Não, o gato.”
Todos voltamos os olhos para ela.
“Sim, sim, o gato!”, disse ela, abrindo as mãos. “Dos
quadrinhos.”
“Hum hum”, fiz eu.
“Lembra quando todo mundo tinha um Garfield no vidro
de trás do carro? Bem, aquele carro também tinha. Foi por
isso que descobri que ele estava lá havia séculos. Quer
dizer, quem é que ainda põe um Garfield no carro hoje em
dia?”
“Tem razão”, disse Poole. “Tem razão.”
10
***
***
***
Duas horas depois, eles ainda estavam tentando
desvendar o mistério. A noite esfriara de repente, e
começou a cair uma leve chuva de granizo que batia nos
pára-brisas e se metia em nossos cabelos como piolhos.
Os policiais que entraram na fábrica abandonada voltaram
com um rifle Winchester 94 leve, com mira telescópica,
encontrado no interior do edifício. A arma fora jogada num
velho barril de petróleo no primeiro andar, à direita da
janela que dava para a plataforma do telhado. O número de
série tinha sido raspado. O primeiro agente da polícia
técnica que a examinou desandou a rir quando alguém
aventou a possibilidade de haver impressões digitais.
Outros policiais foram destacados para fazer novas buscas
no edifício, mas duas horas depois não tinham achado nem
cápsulas nem nada, e o pessoal da polícia técnica não
achou impressões digitais no parapeito da plataforma do
telhado nem nas guarnições da janela que dava para ela.
O guarda-florestal que resgatara Angie do outro lado da
colina que levava à pedreira de Swingle lhe dera uma
lustrosa capa de chuva cor de laranja e um par de meias
grossas, mas mesmo assim ela continuava a tremer e a
esfregar os cabelos com uma toalha, apesar de estarem
secos, ou congelados, fazia horas. Pelo visto, o veranico dos
índios desaparecera de Massachusetts da mesma forma que
os próprios índios.
Dois mergulhadores tentaram fazer uma busca na
pedreira Granite Rail, mas constataram que abaixo de nove
metros a visibilidade era zero. Além disso, devido ao mau
tempo, os sedimentos desprenderam-se das paredes de
granito, turvando ainda mais a água.
Os mergulhadores encerraram as buscas às dez horas,
sem ter encontrado nada a não ser duas calças jeans
masculinas penduradas num rochedo cerca de seis metros
abaixo do nível da água.
Quando Broussard alcançou o lado sul da pedreira, quase
diretamente fronteiro ao penhasco de onde Angie e eu
avistamos a boneca, havia um bilhete para ele, colocado
sob uma pedrinha e iluminado por uma lanterna do
tamanho de um lápis, pendurada num galho logo acima.
ABAIXE-SE
Angie
Quebrou uma perna. Que pena. Ou duas. Ah-ah.
Ruprecht Rogowski
É
“É uma boa pergunta. Você e Angie, intencionalmente ou
não, causaram o maior dano à imagem da polícia de Boston
desde Charles Stuart e Willie Bennet. Se eu fosse você,
mudaria de estado.”
“Eu quis dizer agora, Cheswick.”
Ele deu de ombros, acionou o controle remoto que ficava
junto com as chaves do carro. Ouvimos um bip, e as portas
do Lexus dele se abriram.
“Que se dane”, eu disse. “Vou para a casa de Devin.”
Ele se voltou para mim. “Amronklin? Você está maluco?
Vai se refugiar na casa de um policial?”
“No ventre da fera”, respondi, confirmando com um gesto
de cabeça.
Título original:
Gone, baby, gone
Projeto gráfico de capa:
João Baptista da Costa Aguiar
Foto de capa:
Edu Marin
Preparação:
Denise Pessoa
Revisão:
Ana Maria Barbosa
Renato Potenza Rodrigues
ISBN 978-85-8086-554-7