Você está na página 1de 61

PARECER

Sobre o projeto de diploma que altera o regime jurídico do Sistema


Elétrico Nacional (SEN)

Novembro 2021

Edifício Restelo - Rua Dom Cristóvão da Gama, 1


1400 – 113 Lisboa
Telefone: 21 303 32 00 - Fax: 21 303 32 01
Email: erse@erse.pt - Internet: www.erse.pt
Consulta: Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, 10/11/2021

Base legal: Competências consultivas dos artigos 15.º a 18.º dos Estatutos da ERSE.

Divulgação: Pode ser disponibilizado publicamente, após tomada de decisão ou um ano após a elaboração, sem
prejuízo do acesso ou divulgação anterior nos termos legais. A disponibilização não abarca informação
que, por natureza, seja comercialmente sensível ou configure segredo legalmente protegido ou dados
pessoais.

Nota de atualização de 11/02/2022:

Os pareceres emitidos pela ERSE no âmbito de um processo de decisão de terceiros, e aqueles que incidem sobre
iniciativas legislativas, recaem sobre as propostas ou projetos que lhe foram remetidos. Os textos finais aprovados e
publicados em Diário da República podem registar alterações integrando, ou não, no todo ou parte, aspetos que
tenham sido destacados pela ERSE no parecer.

Texto final aprovado: Decreto-Lei n.º 15/2022 de 14 de janeiro

URPN/INF 22-2021
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

ÍNDICE

1 ENQUADRAMENTO ............................................................................................................................1
2 APRECIAÇÃO ......................................................................................................................................2
2.1 Produção e armazenamento ..........................................................................................................3
2.1.1 Armazenamento ...................................................................................................................3
2.1.2 Autoconsumo .......................................................................................................................5
2.1.3 Atribuição de título de reserva de capacidade ...................................................................11
2.1.4 Comunidades de Cidadãos para a Energia e Comunidades de Energia Renovável .............14
2.2 Exploração das redes de transporte e distribuição ......................................................................15
2.2.1 Exploração das redes de transporte e distribuição.............................................................15
2.2.2 Centros de coordenação regionais .....................................................................................15
2.2.3 Gestor integrado das redes de distribuição ........................................................................15
2.2.4 Planeamento e Planos de investimento .............................................................................16
2.2.5 Redes inteligentes ..............................................................................................................20
2.2.6 Rede de distribuição fechada .............................................................................................21
2.2.7 Ligações à rede ...................................................................................................................22
2.2.8 Acesso à rede......................................................................................................................23
2.2.9 Códigos de rede europeus ..................................................................................................23
2.2.10 Aspetos referentes às novas concessões da rede BT..........................................................24
2.2.11 Utilização de apoios da rede de distribuição em BT por Operadores de
Telecomunicações ..............................................................................................................25
2.3 Mercados de eletricidade .............................................................................................................26
2.3.1 Modelo de Registo de Agentes de Mercado.......................................................................26
2.3.2 Agregador e agregador de último recurso..........................................................................26
2.3.3 Comercializador de último recurso.....................................................................................27
2.3.4 Serviços de gestão da procura ............................................................................................30
2.3.5 Definição de mercados de eletricidade ..............................................................................31
2.3.6 Operador Logístico de Mudança de Comercializador e de Agregador ...............................31
2.3.7 Regulação de Garantias de Origem ....................................................................................33
2.3.8 Direitos e deveres dos comercializadores de eletricidade..................................................33
2.4 Tarifas e CIEG................................................................................................................................34
2.4.1 Princípios gerais das tarifas ................................................................................................34
2.4.2 CIEG ....................................................................................................................................36
2.4.3 Rendas de concessão em BT como CIEG ............................................................................37
2.4.4 Clientes eletrointensivos ....................................................................................................37
2.4.5 Financiamento da tarifa social ............................................................................................43
2.4.6 Extinção das tarifas transitórias ..........................................................................................45

i
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

2.4.7 Regime remuneratório das atividades de produção e armazenamento ............................46


2.5 Consumidores...............................................................................................................................47
2.5.1 Conceito de cliente e consumidor ......................................................................................47
2.5.2 Fatura .................................................................................................................................48
2.5.3 Informação, reclamações e resolução de conflitos ............................................................48
2.5.4 Cliente vulnerável ...............................................................................................................50
2.5.5 Apropriação indevida de energia ........................................................................................50
2.6 Inovação .......................................................................................................................................51
2.6.1 Zonas Livres Tecnológicas ...................................................................................................51
2.7 Aplicação às regiões autónomas ..................................................................................................53
2.8 Outros Temas ...............................................................................................................................54
2.9 Norma revogatória .......................................................................................................................56
3 CONCLUSÕES ...................................................................................................................................56

ii
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

No contexto do processo legislativo que revê os diplomas de organização do funcionamento do Setor


Elétrico Nacional (SEN) e que transpõe as diretivas do Pacote de Energia Limpa para todos os Europeus, e
correspondendo a solicitação do Senhor Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros,
recebida a 10 de novembro de 2021 (n/ ref.ª R-Técnicos/2021/4573), a Entidade Reguladora dos Serviços
Energéticos (ERSE) emite o seguinte parecer sobre o projeto de diploma.

1 ENQUADRAMENTO

O Governo enviou à ERSE um projeto de decreto-lei que altera o regime jurídico do SEN, transpondo a
Diretiva (UE) 2019/944, e integra diversa legislação conexa num único diploma organizativo do setor.

As bases da organização e do funcionamento do SEN são compostas pelo Decreto-Lei n.º 29/2006 e pelo
Decreto-Lei n.º 172/2006, ambos de 15 de fevereiro. Estas peças legislativas sofreram sucessivas alterações
e complementos, através de legislação conexa.

A primeira aprovação das atuais bases do SEN transpôs a Diretiva n.º 2003/54/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 26 de junho, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade.
Em 2012, estes diplomas foram revistos para assegurar a transposição do chamado terceiro pacote de
diretivas do mercado interno de energia, nomeadamente a Diretiva n.º 2009/72/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 13 de julho. Já em 2019, foi publicada a quarta versão da diretiva do mercado
interno de eletricidade - a Diretiva (UE) 2019/944, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho
de 2019. Esta diretiva foi incluída no pacote Energia Limpa para todos os Europeus, uma iniciativa política
da Comissão Europeia que incluiu outras peças relevantes para o setor energético. O prazo de transposição
da Diretiva (UE) 2019/944 terminou em 31 de dezembro de 2020, pelo que se destaca a urgência do
presente projeto legislativo.

O projeto de diploma visa ainda a transposição parcial da Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes
renováveis, e que integrou igualmente o Pacote de Energia Limpa para todos os Europeus.

No projeto de diploma optou-se por incorporar diversa legislação conexa, o que poderá criar um quadro
legal mais integrado. São exemplos dessa integração, a legislação relacionada com a tarifa social de

1
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

eletricidade, com a apropriação indevida de energia, com o autoconsumo e as comunidades de energia


renovável ou com o sobreequipamento de centros electroprodutores, entre outras matérias.

Tendo em conta a dimensão do projeto de diploma sob análise e o reduzido tempo da consulta, o presente
parecer inclui uma súmula das principais questões identificadas e uma discussão dos temas mais
relevantes.

Não prejudicando a pronúncia da entidade própria, a apreciação da ERSE ao projeto legislativo inclui
referências à proteção de dados quando considerado oportuno. A proteção de dados pessoais tem ganho
relevância jurídica – com o recente quadro legal europeu e nacional – mas também grande acutilância no
setor elétrico em particular, devido ao desenvolvimento das redes inteligentes e de novos modelos de
partilha e comercialização de energia. Estes novos sistemas recolhem, tratam e disponibilizam dados de
consumo com grande detalhe e quase em tempo real, os quais são considerados dados pessoais a proteger.

2 APRECIAÇÃO

Sobre a estrutura e âmbito adotados para o projeto de diploma, reunindo numa única peça legislativa vários
regimes específicos dispersos, sugere-se uma cuidadosa verificação das consequências jurídicas. O projeto
de regime jurídico do SEN mantém pontos de contacto com legislação separada, complementar, ou com
legislação mais transversal para os setores económicos. A relação do texto em análise com a legislação em
vigor pode levantar dúvidas interpretativas. A proposta ora apresentada envolve um conjunto vasto de
alterações com substância num setor que está a observar alterações sistémicas e que, por isso, beneficiaria
de uma discussão mais envolvente e alargada.

Adicionalmente, algumas das matérias no presente projeto de diploma estão desenvolvidas em detalhe ao
nível do procedimento. Essa opção pode vir a prejudicar a sua adaptação e ajuste, em função da prática da
implementação do novo regime. Inclui-se nesta apreciação geral a opção, por vezes tomada, de incorporar
algumas das atuais soluções regulamentares no regime jurídico do SEN. Considera-se adequado ponderar
a sua previsão no regime jurídico de forma mais enquadradora e em termos dos respetivos objetivos, em
vez da incorporação de soluções concretas que podem vir a precisar de revisão ou adaptação no futuro,
situação que passaria a estar condicionada por uma revisão do regime jurídico.

2
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

O parecer estrutura a análise ao projeto de diploma nos vários capítulos que a seguir se apresentam, os
quais cobrem os temas: produção e armazenamento, exploração das redes de transporte e distribuição,
mercados de eletricidade, tarifas e custos de interesse económico geral e inovação.

2.1 PRODUÇÃO E ARMAZENAMENTO

2.1.1 ARMAZENAMENTO

Regista-se a opção de aproximar o tratamento do armazenamento à produção, ao nível do licenciamento


e ligação à rede, por exemplo. Esta opção parece adequada a uma atividade que se perspetiva
desempenhada com maiores requisitos técnicos e comerciais do que a mera utilização final de eletricidade.

A presença de sistemas de armazenamento de energia dentro das instalações de utilização elétrica é já


uma realidade (por exemplo, UPS para sistemas informáticos ou domótica doméstica, ou ainda
equipamentos de emergência). Assim, para limitar o processo de licenciamento às instalações relevantes,
sugere-se que a definição de instalação de armazenamento (art.º 3.º) se aplique apenas às instalações
licenciadas como tal (“armazenamento autónomo”), e não a instalações de produção ou de consumo que
também tenham equipamentos de armazenamento de energia. Esta precisão serve ainda para evitar
ambiguidades na classificação das instalações, como sendo de produção, de consumo ou de
armazenamento.

Regista-se o papel do armazenamento no renovado quadro jurídico do setor elétrico, constituindo um


potencial de oferta de serviços de flexibilidade à rede. Os operadores de rede deverão estabelecer
mecanismos de contratação desses serviços de flexibilidade em prol da eficiência da rede e da qualidade
de serviço. Este tipo de mecanismos deve ser regulamentado pela ERSE, tendo em conta a regulamentação
europeia em desenvolvimento.

A regra da incidência única no n.º 2 do artigo 213.º levanta dúvidas quanto à sua interpretação. Ela parece
sugerir que a aplicação de tarifas de uso das redes a instalações de armazenamento apenas pode acontecer

3
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

para uma das direções de utilização (carregamento ou injeção) 1. Se esta for a interpretação pretendida,
ela deve ser eliminada, ou reformulada, no sentido de apenas evitar a dupla oneração injustificada da
energia armazenada. Dependendo do sistema tarifário concreto, poderia ser economicamente desejável
aplicar tarifas pelo carregamento, de forma a refletir a escassez de capacidade da rede, e tarifas pela
injeção, para desincentivar a injeção em períodos de pouca procura. As regras tarifárias a aplicar devem
ser matéria a desenvolver no Regulamento Tarifário, o qual é precedido necessariamente por uma
discussão pública, que envolve as várias partes interessadas.

A nível europeu, ainda não existe uma visão comum quanto à definição adequada do sistema tarifário pelo
uso das redes a aplicar a sistemas de armazenamento, como se pode retirar dos recentes relatórios da
ACER sobre metodologias tarifárias 2. A prudência aconselha o acompanhamento da discussão a nível
europeu, aguardando pela identificação das melhores práticas em matéria tarifária, pela ACER, que decorre
do Regulamento (UE) 943/2019, regras que devem ser tidas em conta pelas entidades reguladoras ao
fixarem ou aprovarem tarifas de transporte e tarifas de distribuição 3.

Acresce que a eventual incidência dupla, pelo carregamento e pela injeção, não se aplicará a partir de
janeiro de 2022 devido à eliminação da aplicação da tarifa de uso da rede de transporte à injeção na rede
estabelecida no Regulamento Tarifário publicado em agosto de 2021.

No que respeita à isenção dos encargos com os CIEG para as instalações de armazenamento, importa
prever que a isenção apenas incide sobre os CIEG repercutidos através da tarifa de uso global do sistema,
à semelhança do regime de isenção que vigora para o autoconsumo e do regime agora proposto para os
clientes eletrointensivos, sob pena de se estarem a criar regimes de isenção com diversas modalidades,
que seriam de difícil compreensão e comparabilidade. Esta clarificação é necessária na medida que o
presente projeto inclui as rendas de concessão em BT na lista dos CIEG, que são repercutidos através da
tarifa de uso da rede de distribuição em BT, não estando por isso abrangidos pelos outros regimes de
isenção mencionados.

1 Outra leitura possível seria admitir que entre as várias tarifas de uso das redes existentes (uso da rede de transporte em MAT e
AT, uso da rede de distribuição em AT, MT e BT), apenas se poderá aplicar uma tarifa a ambos os tipos de utilização.
2 “ACER Practice Report on Transmission Tariff Methodologies in Europe” (ACER, dezembro de 2019), “Report on Distribution Tariff
Methodologies in Europe” (ACER, fevereiro de 2021).
3 Números 9 e 10 do artigo 18.º do Regulamento (UE) 2019/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019,
relativo ao mercado interno da eletricidade.

4
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

2.1.2 AUTOCONSUMO

TÍTULO DE REGISTO

O projeto de diploma refere a atribuição de título de registo de produção ao autoconsumidor individual ou


à EGAC, no caso do autoconsumo coletivo [art. 81.º, n.º 2]. No entanto, esse título (para UPAC ou para
armazenamento) deve ser antes atribuído ao titular da respetiva instalação de produção ou de
armazenamento. No modelo de autoconsumo coletivo, a EGAC é designada para gerir o relacionamento
do autoconsumo com o operador de rede de distribuição (ORD) e com a entidade licenciadora, mas não é
necessariamente titular da(s) UPAC ou armazenamento. Ao contrário, nas Comunidades de Energia
Renovável (CER), a UPAC deve ser da CER (pessoa coletiva) e não dos seus membros [vd. art. 189.º, n.º 1,
al. b)]. Para as Comunidades de Cidadãos para a Energia (CCE), embora o regime pareça não impor a
titularidade das instalações, tal como para as EGAC, também não prevê a possibilidade de participação das
CCE em autoconsumo (ou partilha de energia), ao contrário das CER [vd. art. 191.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al.
b)].

No âmbito do registo, a consulta ao ORD é dispensada, exceto quando há “previsão de injeção na rede”
(n.º 4 do art.º 81.º). Ora, o conceito da previsão é subjetivo e pouco claro, não sendo definida a entidade
que estabelece se é ou não previsível a injeção na rede. Sugere-se que a impossibilidade de injeção na rede
seja verificável através da existência de equipamentos que registem a injeção por parte da instalação.

Ainda sobre a isenção de consulta ao ORD para instalação de UPAC em determinadas condições (art.º 81.º),
regista-se que essas condições parecem ignorar aspetos de segurança das instalações privadas individuais
e coletivas (ex., a coluna montante do edifício ou a potência máxima da instalação de consumo). Como
exemplo, a injeção por inversores monofásicos em instalações de utilização trifásicas pode implicar que
50% da potência contratada, se injetada numa só fase, exceda a potência máxima por fase da instalação.
Sugere-se ainda que as condições das alíneas a) e b) do n.º 4 não sejam cumulativas, sob pena de, na BT,
sempre que a potência seja inferior a 30 kVA o ORD não ser consultado.

De sinalizar ainda a manutenção, que se considera positiva, relativamente às regras da titularidade das
UPAC, distinguindo os conceitos de propriedade da instalação individual da propriedade da UPAC,
permitindo assim, outros modelos alternativos de negócio relativos à gestão da UPAC, que se consideram

5
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

promotores do autoconsumo. Esta possibilidade transita do DL 162/2019, que já considerava que a UPAC
poderia ser propriedade de terceiros [art.º 2.º, al. cc)].

Efetivamente, ao permitir-se que os ativos de produção para autoconsumo sejam propriedade de outras
entidades, alarga-se o universo de potenciais autoconsumidores, uma vez que responde a uma barreira à
entrada de consumidores, nomeadamente daqueles sem meios próprios de financiamento ou sem
capacidade de financiamento por meios tradicionais. Estas entidades terceiras podem ser, por exemplo,
empresas que prestam serviços de energia (ESCO, «energy services companies») ou até entidades que
tenham como atividade o desenvolvimento de projetos de autoconsumo para autoconsumidores.

PROXIMIDADE

Um dos aspetos característicos do autoconsumo, decorrente da Diretiva UE 2018/2001, é a proximidade


entre a produção e o consumo de eletricidade («Autoconsumidores de energia renovável que atuam
coletivamente»: um grupo de pelo menos dois autoconsumidores […] que se encontrem no mesmo edifício
ou bloco de apartamentos»). A concretização do caso geral, para efeitos de interpretação da regra de
proximidade (art.º 83.º), é muito relevante e corresponde a um pedido insistente por parte dos
autoconsumidores interessados. A regra prevista materializa uma proximidade geográfica, mas também
elétrica, o que se considera adequado.

A restrição da proximidade nos projetos de autoconsumo tem uma exceção para os clientes
eletrointensivos (artº. 195.º). Esta exceção contraria um dos aspetos essenciais do próprio conceito de
autoconsumo definido na lei e na Diretiva europeia, pelo que não deve ser adotada 4. Em alternativa,
considera-se que a possibilidade de contratar, diretamente ao produtor, energia renovável produzida numa
instalação localizada na RESP, sem restrição de proximidade, pode ser assegurada através da figura do
“Contrato de aquisição de eletricidade renovável”. Essa figura pode ser desenvolvida para que o contrato
“direto” coexista com um contrato de fornecimento com um comercializador, tal como sucede no modelo
de autoconsumo através da RESP. Parece ser precisamente este o efeito do artigo 280.º, embora
caracterizado como regime transitório, ou seja, a isenção de CIEG na energia adquirida (sem limitações de
distância) em contratos de energia renovável.

4 Ver também discussão no ponto 2.4.4.

6
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Esta via permitiria assegurar o incentivo à aquisição de energia renovável, não penalizando estes clientes
com os custos de CIEG e, assim, evitar distorções desnecessárias e indesejáveis do conceito de
autoconsumo. Considera-se, assim, que a isenção da aplicação dos critérios de proximidade entre a UPAC
e a localização da instalação de consumo, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 195.º, deve ser eliminada.
Contudo, importa ter em conta as considerações sobre o conjunto das medidas de apoio aos clientes
eletrointensivos (ver ponto 2.4.4).

Refere-se ainda sobre o artigo 83.º (n.º 2) (incl. alíneas a) e b)) que está em falta a referência ao
armazenamento, ao contrário do n.º 1 do mesmo artigo.

DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS CONSUMIDORES

Os autoconsumidores mantêm os direitos e obrigações enquanto consumidores finais de eletricidade [art.


88.º, n.º 1]. Importa clarificar que esta disposição se refere ao fornecimento por um comercializador e não
à energia partilhada em autoconsumo. Nesta última, os procedimentos devem atender às relações de
proximidade entre autoconsumidores e assim estar isentos das obrigações de serviço público que se
aplicam ao fornecimento de eletricidade.

No que respeita aos direitos dos consumidores enquanto autoconsumidores e participantes em


comunidades (artigo 187.º da proposta), propomos a clarificação do texto da al. d) do n.º 2, o qual estipula
que a desistência de integrar uma comunidade não tem qualquer encargo. De salientar que, nos termos da
Diretiva 2019/944 os encargos referem-se exclusivamente ao ato da mudança em si (art. 12.º, n.º 2). A
redação proposta parece muito mais abrangente que isso. De salientar que a comunidade deve reger-se
pelas regras aprovadas entre as partes, não devendo a lei criar dificuldades de interpretação sobre a
exigência de eventuais encargos associados a serviços ou equipamentos, que a mera rescisão não extingue.
Neste contexto, sugere-se alterar a alínea d) do n.º 2 do artigo 187.º para especificar os encargos relativos
à mudança.

A alínea c) do n.º 2 deste artigo, refere que é assegurado que a integração em comunidades é acessível a
todos os consumidores, inclusivamente a famílias com baixos rendimentos ou em situação vulnerável. De
salientar que a concretização deste princípio, dada a natureza privada de uma comunidade de energia,
poderá exigir a disponibilização de mecanismos de apoio, designadamente financeiros, visando permitir a
adesão de todos os interessados, independentemente da sua condição económica.

7
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

A alínea e) do n.º 2 do artigo 187.º prevê a disponibilização de ferramentas de simulação, que se interpreta
como uma obrigação atribuída à ADENE, nos termos do artigo 90.º. Todavia, salienta-se que o
desenvolvimento destas ferramentas para comunidades de energia é uma obrigação de difícil
concretização, dada a natureza muito customizada de cada uma das comunidades. Ou seja, as ferramentas
de simulação teriam que ser adaptadas a cada caso em particular, sob pena de serem instrumentos
generalistas, não adequados para prestar informação sobre a viabilidade técnica e económica em cada caso
como se pretende.

ISENÇÃO DE CIEG E TARIFAS DE USO DAS REDES

Em matéria de isenção dos CIEG, o n.º 6 do artigo 212.º adota do Decreto-Lei n.º 162/2019, de 25 de
outubro, a necessidade de se realizar uma análise à sustentabilidade financeira a longo prazo do SEN, que
se compreende e aprova.

No que respeita aos n.ºs 7 e 8 do artigo 212.º, não fica evidente o que o legislador pretende. A formulação
parece sugerir que as tarifas de uso das redes, e consequentemente as tarifas de acesso às redes, aplicáveis
ao autoconsumo, devem ser em função do sistema de partilha aplicável, designadamente para o sistema
específico da gestão dinâmica. Estão previstos dois tipos de sistema de partilha: dinâmico e não dinâmico.
O sistema de partilha dinâmico diferencia-se do outro pela troca de informação, previsivelmente em base
diária, entre os autoconsumidores (a EGAC) e o operador da rede.

Considera-se que este elemento (troca de informação bidirecional diária) não justifica a obrigatoriedade
de aprovação de tarifas de acesso às redes distintas. A aplicação da informação real, ou de perfis definidos
ex-ante, aos preços aprovados, resultará em faturações distintas para cada autoconsumidor, revelando a
efetiva utilização da rede. Deve assegurar-se, através do sistema tarifário, a igualdade de aplicação e a não
discriminação entre clientes e atividades, pois do ponto de vista da utilização do sistema elétrico são, para
todos os efeitos, equivalentes.

Em paralelo com o previsto atualmente, também não deve haver distinção do preço das tarifas de uso das
redes aplicáveis, em função do tipo de equipamento de contagem disponível, designadamente, se existe
ou não contador inteligente, ou se este está ou não integrado na rede inteligente. Tal distinção nem seria
possível, considerando que, do ponto de vista da utilização do sistema, não há diferenças. Face ao exposto,
sugere-se a eliminação do n.º 7 e do n.º 8 do artigo 212.º.

8
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

CUSTOS COM A INSTALAÇÃO DOS CONTADORES INTELIGENTES EM INSTALAÇÕES PARTICIPANTES EM AUTOCONSUMO

O projeto de diploma clarifica que o ORD assume os custos com a instalação (presume-se que também com
o fornecimento) de contadores inteligentes em instalações de utilização participantes em autoconsumo
[n.º 11 do art. 95.º] e que esses custos são repercutidos nas tarifas de uso das redes pela ERSE. No entanto,
a recuperação automática dos custos com instalação de contadores através das tarifas,
independentemente dos serviços prestados para os consumidores ou da razoabilidade económica desses
custos, afigura-se contraditória com a promoção da integração efetiva de instalações nas redes inteligentes
capazes de facultar serviços com mais valia para os consumidores, designadamente os contemplados no
Regulamento dos Serviços das Redes Inteligentes de Distribuição de Energia Elétrica. Deste modo,
considera-se que o projeto de diploma não deverá mencionar que esses custos serão repercutidos nas
tarifas de uso das redes pela ERSE.

MEDIÇÃO NO CASO DA PARTILHA DE ENERGIA COM GESTÃO DINÂMICA

A definição de “sistemas específicos de gestão dinâmica” refere-se à determinação pela EGAC, de forma
dinâmica, dos coeficientes de partilha da produção em autoconsumo pelas instalações de utilização
participantes [art. 3.º., al. lll)]. No entanto, a definição refere que estes sistemas de gestão dinâmica
“consideram, para efeitos de faturação, as medições de consumo comunicadas por uma entidade externa
aos operadores de rede”.

A ERSE considera essencial clarificar esta definição, de modo a afastar a interpretação de que a
responsabilidade pela leitura do equipamento de medição de ligação das instalações à RESP possa não ser
do operador da rede pública. Esse é um princípio básico do modelo de responsabilidades no SEN [art. 95.º,
n.º 5] e não merece ser alterado neste caso particular. Os sistemas de gestão dinâmica da partilha em
autoconsumo podem certamente utilizar dados de medição obtidos diretamente nos equipamentos de
medição ou até em equipamentos de medição próprios. No entanto, é importante garantir que a gestão
dinâmica apenas interfere nas alocações de energia das UPAC pelas várias IU no autoconsumo coletivo.
Essa partilha de energia, determinada pela gestão dinâmica, é então descontada pelo operador de rede
aos valores de consumo medidos nos seus equipamentos de medição, dando origem ao conceito de
“consumo a faturar pelo comercializador”. Deste modo, permanece o operador de rede enquanto
responsável pelos dados de energia na RESP e a ter de responder pelos dados disponibilizados a todos os

9
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

agentes (consumidores, comercializadores, EGAC ou agregadores). De um modo geral, a definição não


aclara o conceito de sistemas de gestão dinâmica.

Igual argumento se aplica ao n.º 4 do art. 87.º, em particular à alínea b). A alínea a) refere, corretamente,
que a EGAC (e os seus sistemas de gestão dinâmica) devem aceder aos dados de consumo de cada IU,
medidos pelo operador de rede. Como tal, a alínea b) deveria dizer, sugere-se, que a EGAC fornece ao
operador de rede a energia partilhada com cada membro do autoconsumo (ou os coeficientes de partilha
correspondentes), para efeitos de dedução (pelo operador de rede) ao consumo medido nas instalações.

Nota-se que a definição da partilha de energia com cada membro, seja uma IU ou uma instalação de
armazenamento, implica no cálculo do consumo fornecido pelo comercializador, mas também do
excedente de energia e da aplicação das tarifas de uso da RESP à energia partilhada.

CONCEITOS

A proposta revoga o Decreto-Lei n.º 162/2019 [al. n), art.º 306.º]. A revogação parece não acautelar,
contudo, vários conceitos estabelecidos nesse diploma, designadamente: autoconsumidor, autoconsumo,
comercialização entre pares. Essa omissão, nalguns casos, pode motivar distintas interpretações desses
conceitos, quando utilizados na proposta e, noutros casos, determina mesmo a sua eliminação do quadro
legal em vigor (comercialização entre pares).

O diploma cria o Regulamento do Autoconsumo de energia elétrica [art. 243.º]. Esta opção é questionável,
por condicionar desnecessariamente a arquitetura regulamentar da ERSE. As matérias incluídas neste
regulamento aprovado pela ERSE cruzam-se com o objeto do Regulamento de Relações Comerciais, do
Regulamento Tarifário ou do Regulamento dos Serviços das Redes Inteligentes. Por isso, parte dessas
matérias foram já movidas para a sua localização original (e.g. as matérias tarifárias do autoconsumo foram
incorporadas no Regulamento Tarifário). Sugere-se a não explicitação deste regulamento, eliminando o art.
243.º. Não obstante, a manter-se a sua previsão, o mesmo deve ser referido expressamente no n.º 1 do
art. 246.º, que define a sua aprovação pela ERSE.

10
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

REGIME TRANSITÓRIO

Adicionalmente, e atenta a revogação do Decreto-Lei n.º 162/2019, não é claro que esteja assegurado
nesta proposta o conjunto de normas transitórias estabelecidas no art.º 29.º desse diploma. Embora o art.
278.º do projeto possa enquadrar-se neste objetivo, a sua aplicação aos casos previstos no Decreto-Lei n.º
162/2019 poderia ser clarificada.

2.1.3 ATRIBUIÇÃO DE TÍTULO DE RESERVA DE CAPACIDADE

O projeto de diploma prevê a atribuição dos títulos de reserva no regime de acesso geral em First-Come-
First-Served (art.º 19.º). Numa circunstância de escassez de capacidade disponível, esta opção incentiva a
corrida à submissão de pedidos, mesmo que os mesmos não apresentem a qualidade desejável (por
exemplo, sem apresentação de estudos de viabilidade económica ou ambiental pelo promotor).
A consideração de modelos alternativos poderia favorecer um quadro de prevenção de situações de
corrupção, by design, reduzindo ou anulando a vantagem de promotores que eventualmente tenham
melhor conhecimento dos momentos em que a capacidade disponível é revista pela DGEG/ORT/ORD. Em
alternativa, sugere-se instituir janelas temporais (trimestrais ou semestrais, por exemplo), com uma
primeira seriação dos pedidos segundo critérios de mérito. Esse mecanismo está aliás já previsto para a
modalidade de atribuição de capacidade por acordo entre promotores e operadores de rede (art.º 20.º).

O artigo 19.º prevê ainda, para a modalidade de acesso geral, a possibilidade de oferta de capacidades para
ligação à rede com restrições.

A ERSE interpreta esta modalidade de “capacidade com restrições”, como a atribuição de um valor de
capacidade que não tem associada uma garantia de injeção de produção ao longo do ano, e que, em caso
de necessidade, pode traduzir-se pela limitação da injeção por iniciativa do operador de rede.
Não se interpreta que esta “capacidade com restrições” corresponda a uma limitação fixa de injeção, ao
longo de um período de tempo, resultante, por exemplo, de atrasos na conclusão de um reforço de rede.

Assim, a ERSE considera que esta modalidade, em complemento à oferta de capacidade com caráter firme,
constitui um meio de permitir aumentar o montante de capacidade disponibilizado pela atual rede, ou seja,
um meio de oferecer mais capacidade adicional de injeção de produção sem a necessidade de reforço da

11
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

rede, reduzindo assim os custos a suportar pelos utilizadores e os impactes ambientais do setor elétrico, e
em consequência permitir ligar às redes um volume maior de nova produção de origem renovável. Este
princípio está aliás previsto na Diretiva UE 2019/944 (art.º 42.º), nomeadamente a possibilidade de o
operador oferecer capacidade de ligação sujeita a limitações operacionais, se essas limitações forem
aprovadas pela entidade reguladora.

Deste modo, a ERSE considera muito relevante esta evolução para uma modalidade de atribuição de
capacidade não firme, sobretudo num contexto de elevado volume de pedidos de ligação de nova produção
renovável, em geral, associada a uma fraca e intermitente utilização anual da capacidade.
A ERSE recomenda igualmente que os valores de capacidade não firmes a definir, com desagregação
horária, sejam eles próprios majorantes, podendo ser alterados a qualquer momento pelo operador da
RESP, por motivos associados à segurança de exploração do sistema elétrico, por atuação sobre a injeção
dos produtores associados a essa capacidade não firme, ou o equivalente do lado do consumo e
armazenamento.

Em linha com o proposto pelo Governo no Despacho n.º 9241-B/2021, relativamente à implementação de
um modelo piloto de gestão dinâmica da RNT no ponto de injeção atualmente ocupado pela central
termoelétrica a carvão do Pego, deverá ser definida uma metodologia relativa à gestão dinâmica da
capacidade por parte do operador, e particularmente no que diz respeito aos critérios a adotar em caso de
necessidade de atuação sobre a injeção dos produtores associados a capacidade não firme (ou o
equivalente do lado do consumo e armazenamento), devendo estes critérios ser aprovados pela ERSE sob
proposta do operador da RESP.

Assim, a cada ponto de ligação à rede deverá estar associado um valor de capacidade de receção firme,
que deverá ser constante ao longo do ano e corresponderá a uma garantia de injeção do produtor desse
montante, e outro valor de capacidade não firme, variável ao longo do ano, a definir em função de um
conjunto de estudos probabilísticos, associando cenários de exploração das redes a uma probabilidade de
incumprimento de critérios de segurança e estabilidade do sistema.

Para cada ponto de ligação, deverá haver, pelo menos, diferentes valores de capacidade para diferentes
horizontes temporais, em função da localização geográfica, das características da rede e dos cenários de
exploração que variam com a sazonalidade.

12
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

A ERSE defende, pois, um modelo em que os promotores tenham a possibilidade de exercer uma escolha
quanto ao valor de capacidade firme e de capacidade não firme a requerer, ponderando o grau de firmeza
e os custos de ligação, optando por um regime dinâmico, com valores de capacidade variável no tempo,
no caso de opção pela capacidade não firme.

Sugere-se, por isso, que a redação relativa à oferta de capacidade com restrições pelos operadores de rede
seja alterada, indexando as decisões sobre a capacidade a atribuir à regulamentação da ERSE (em adesão
ao texto da Diretiva), designadamente quanto aos termos a considerar nessa cenarização de restrições, e
em termos de modelo probabilístico associado à determinação da capacidade de ligação às redes a
oferecer (art.º 281.º). Sugere-se ainda que, a possibilidade de ligação com restrições de capacidade possa
ser estendida, pelo menos, à modalidade de acesso por acordo com o operador da rede.

Quanto ao regime de atribuição de título de reserva por acordo com o operador de rede, deixa-se a
preocupação com a equidade no acesso à rede entre este regime e o regime geral. O acesso por acordo
prevê que os produtores se organizam para promover e financiar o necessário reforço da rede para permitir
a injeção de energia na RESP. Com isso, ultrapassam as dificuldades sentidas pelos produtores que acedem
pelo regime geral e que esbarram na limitação de capacidade de receção de nova produção. Sem as devidas
precauções, estes regimes podem resultar num acesso à rede que só é efetivo mediante acordo com o
operador de rede ou mediante os concursos de atribuição.

Considera-se ainda que o projeto de diploma carece de melhorias na zona de fronteira entre os temas
“reserva de capacidade” e “ligação à rede”, áreas também de fronteira de competências da DGEG e da
ERSE.

EMISSÃO DA LICENÇA DE PRODUÇÃO

O art. 27.º define critérios gerais de atribuição das licenças de produção. Um dos critérios é o limite de
quota de capacidade de produção no âmbito do MIBEL (n.º 1, al. c). Sugere-se a clarificação sobre a
eventual consideração dos ativos de produção localizados em Espanha e sobre os mecanismos utilizados
para essa verificação. Adicionalmente, questiona-se se esta limitação à emissão de uma licença de
produção se aplica também nos casos de mudança de titular de uma licença. Sem essa outra consequência,
a limitação apenas à emissão “primária” da licença parece pouco eficaz para controlar o poder de mercado
dos agentes da produção.

13
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

2.1.4 COMUNIDADES DE CIDADÃOS PARA A ENERGIA E COMUNIDADES DE ENERGIA RENOVÁVEL

O regime das Comunidades de Cidadãos para a Energia (CCE) (artigo 191.º) aparenta ser um modelo muito
decalcado das CER (Comunidades de Energia Renovável) (artigo 189.º) mas sem a restrição da característica
renovável nas fontes de energia. Isso pode resultar num desalinhamento com a política energética.
Questiona-se se a utilização de fontes não renováveis não deveria, pelo menos, apontar para fontes de
baixo teor de carbono ou para tecnologias mais eficientes, resultando em qualquer caso em ganhos
ambientais para o setor.

O regime das CCE prevê a possibilidade de incluir a atividade de distribuição, embora pareça apontar
apenas para a modalidade de rede de distribuição fechada. Outra qualquer modalidade entraria em conflito
com o direito exclusivo atribuído aos ORD. Estando o regime das redes fechadas definido por si, não há
qualquer vantagem em incluir esta referência na lista de atividades de uma CCE. Sugere-se eliminar.
Cumprindo os requisitos de registo como operador de rede fechada, uma CCE pode automaticamente
exercer essa atividade. Pelo contrário, o mero registo como CCE não deve habilitar ao exercício da atividade
de operador de RDF. Adicionalmente, persiste uma incongruência entre o conceito de CCE (comunidade
de cidadãos) e o de rede fechada, que segundo a Diretiva UE 2019/944 exclui os consumidores domésticos.

No caso das CER, na aplicação do Decreto-Lei 162/2019 já se tinha colocado a questão de perceber o
alcance da lista das atividades possíveis de uma CER (e agora também para as CCE). A ERSE defende que o
exercício das várias atividades (produção, armazenamento, comercialização, autoconsumo, etc.) deve
cumprir os requisitos aplicáveis a cada uma. Essa parece ser, aliás, a interpretação mais adequada do
art.º 189.º do projeto de diploma: «3 - O exercício das atividades referidas no número anterior processa-
se nos termos definidos no presente decreto-lei.». Nesse sentido, não se vê a vantagem de incluir as
atividades possíveis de uma CER ou CCE, dado que terá apenas de se verificar o cumprimento dos requisitos
respetivos. A nomeação das atividades cria a dúvida de que o registo como CER habilite automaticamente
o exercício das mesmas. Essa dúvida será eliminada se não for incluída a referida lista.

Pelo contrário, seria mais útil e mais integrado no espírito do 4.º Pacote (Energia Limpa para todos os
Europeus), a inclusão de um princípio geral no diploma, sobre a proporcionalidade da regulamentação
aplicável às várias atividades [vd. n.º 4 do art.º 3.º da Diretiva UE 2019/944]. Essa proporcionalidade está
expressamente prevista na especificação detalhada dos procedimentos de licenciamento. Mas nas
restantes atividades está omissa.

14
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Regista-se, ainda, a existência de divergências relevantes com a definição de CCE na Diretiva UE 2019/944,
nomeadamente a ausência do requisito da CCE ser controlada pelos seus membros e a redação sobre as
entidades elegíveis para membro de uma CCE que parece ser mais ambígua do que na Diretiva, a qual limita
o conceito às pessoas singulares, PME e autarquias locais. Exatamente as mesmas questões podem ser
referidas sobre a definição de CER, comparando com a definição da Diretiva UE 2018/2001.

2.2 EXPLORAÇÃO DAS REDES DE TRANSPORTE E DISTRIBUIÇÃO

2.2.1 EXPLORAÇÃO DAS REDES DE TRANSPORTE E DISTRIBUIÇÃO

Os prazos máximos das concessões previstos nos artigos 103.º e 107.º (30 anos) parecem não estar
harmonizados em todo o diploma.

O diploma omite outras formas de exploração da rede além da concessão (art.º 115.º), o que poderá levar
a que normas dispersas por outros diplomas continuem vigentes.

2.2.2 CENTROS DE COORDENAÇÃO REGIONAIS

O Regulamento UE 2019/943 define a existência e as funções dos Centros de Coordenação Regionais e o


seu papel na coordenação regional dos operadores das redes de transporte quanto ao cálculo das
capacidades de interligação, à análise coordenada de segurança ou a elaboração de previsões regionais
entre outras. Regista-se o reconhecimento destas entidades regionais de cooperação e, sobretudo, os
deveres de cooperação do operador da rede de transporte com o centro regional respetivo e as atribuições
da entidade reguladora quanto à regulação destes centros (cfr. art.º 62.º da Diretiva UE 2019/944).

2.2.3 GESTOR INTEGRADO DAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO

Os contornos da figura do gestor integrado das redes de distribuição (art.º 108.º) não estão completamente
definidos, nem os bens, nem o regime de atribuição, nem o regime de regulação aplicáveis. Um dos temas
sensíveis é a propriedade dos bens da rede de BT (incluindo o sistema inteligente) e o acesso aos dados da
exploração pelo ORD BT. Considera-se que este tema necessita de maior discussão e densificação.

15
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Adicionalmente, a ERSE considera que o gestor integrado das redes de distribuição deverá estar totalmente
separado em termos de propriedade (ownership unbundling) de entidades que desenvolvam atividades de
produção ou comercialização de eletricidade, à semelhança do que acontece atualmente com o gestor
global do SEN. O papel que se pretende para este agente, o de peça chave na adaptação do SEN aos desafios
que enfrenta em termos descarbonização, descentralização e digitalização, sem pôr em causa a segurança
de abastecimento, não poderá ser concretizada se não for garantida a equidistância face a todos os agentes
que atuam em mercado. Apenas desta forma, será possível assegurar o exercício da atividade com
independência, de forma transparente e não discriminatória, como previsto no artigo 109.º.

Sugere-se finalmente que a atividade da gestão global do SEN e a atividade da gestão das redes de
distribuição sejam identificadas em alíneas separadas no artigo 6.º, dado que se tratam de atividades
distintas.

2.2.4 PLANEAMENTO E PLANOS DE INVESTIMENTO

ENQUADRAMENTO DO PLANEAMENTO

Previamente à discussão dos detalhes sobre os procedimentos associados à elaboração, atualização e


implementação dos planos de investimento nas redes, importa discutir o modelo de planeamento de
desenvolvimento das infraestruturas do setor elétrico.

A ERSE entende que o planeamento deve ser desagregado num primeiro exercício de caráter mais
estratégico, que deve ser efetuado pelo Concedente, e que constituirá um programa setorial para as redes
de transporte/distribuição, e de um segundo exercício, de caráter mais operacional (associado aos
investimentos propriamente ditos), que constituirá nas propostas de PDIRT e PDIRD.

O “Programa setorial da rede de transporte/distribuição”, prévio aos PDIRT/PDIRD deve ser enquadrado
pela legislação sobre ordenamento do território e pelos vários planos estratégicos da política energética
(como o PNEC2030, por exemplo), e deve ser proposto pela DGEG, com o apoio dos operadores de rede,
mas sem incluir detalhes relativos aos projetos de investimento em concreto. Em termos de aprovação,
este Programa deve ser discutido nos termos legais gerais (incluindo uma consulta pública a levar a cabo
pela DGEG, bem como uma consulta direta junto das várias autoridades competentes), sendo discutido na
Assembleia da República (AR) antes de ser aprovado pelo Conselho de Ministros.

16
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Já a nível operacional, a elaboração dos planos de investimento PDIRT e PDIRD deve manter um desenho
próximo do atual, ou seja, sem prejuízo de existir um plano decenal ou quinquenal, consoante a rede, cuja
proposta seja apresentada pelos operadores de rede apenas no ano anterior ao início do horizonte em
causa, deve existir um exercício de atualização e revisão, a cada 2 anos, mantendo-se o atual modelo de
consulta pública organizada pela ERSE.

No entanto, a ERSE defende que estas propostas de PDIRT/PDIRD não sejam sujeitas a discussão na AR, por
não terem carácter estratégico, sendo diretamente aprovados pelo membro do Governo responsável pela
pasta da energia após apreciação da DGEG, da ERSE e dos respetivos operadores de rede.

Tal entendimento deriva do facto de subjacente à elaboração destes planos estar a obrigação dos mesmos
terem de concretizar a estratégia definida no Programa setorial, de carácter estratégico (aprovado após
audição da AR), adaptando-se às circunstâncias de cada momento. Deste modo, e com este modelo,
cumprir-se-á o previsto na Diretiva 2019/944.

DISCUSSÃO DA PROPOSTA

O modelo proposto de elaboração, e de revisão, alteração e atualização dos planos de investimentos nas
redes de transporte (PDIRT), respetivamente nos artigos 125.º e 126.º, e nas redes de distribuição (PDIRD),
respetivamente 129.º e 130.º, assenta em diferentes momentos de aprovação. O modelo prevê um
primeiro momento de aprovação (a cada dez anos no caso do PDIRT, ou a cada cinco anos no caso do
PDIRD) e um segundo momento de aprovação pré-definido, relativo à atualização do plano inicial, a cada 2
anos (nos anos ímpares no caso do PDIRT e nos anos pares no caso do PDIRD).

Este modelo diverge do atual, na medida em que não existe uma nova proposta integral de PDIRT/PDIRD a
cada 2 anos, mas sim uma atualização, mantendo-se aprovados os aspetos que não sejam alvo dessa
atualização. Por outro lado, importa refletir sobre a periodicidade da apresentação inicial das propostas
quinquenais de PDIRD-E, uma vez que não é possível fazer coincidir esse momento com os anos pares, o
que implica uma primeira atualização do PDIRD logo no ano seguinte ao da sua apresentação ou revisão
(que coincidirá ao ano de aprovação face ao calendário associado à mesma), se esta apresentação ocorrer
em ano ímpar. Por exemplo, o próximo PDIRD-E 2023-2027, será apresentado em 2022, só terá
atualizações em 2024 e 2026. No entanto, no exercício seguinte de PDIRD-E 2028-2032, a apresentar
(revisão) em 2027, a primeira atualização ocorrerá logo em 2028.

17
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Esta situação não se verifica no caso do PDIRT-E, uma vez que o horizonte de 10 anos permite uma
periodicidade de atualização bienal que sucederá sempre dois anos apos apresentação inicial do PDIRT nos
anos ímpares.

Sobre o objeto das atualizações previsto no projeto de diploma, este abrange, não apenas questões e
aspetos económicos e financeiros, mas igualmente aspetos relacionados com a adoção de medidas para
garantir a adequação da rede e a segurança do abastecimento, e ainda a coerência do PDIRT com o plano
decenal não vinculativo de desenvolvimento da rede à escala da União Europeia.
Está ainda previsto que estas atualizações periódicas de caráter mais abrangente possam ser
complementadas com outras alterações que se revelem necessárias, de iniciativa do Governo, da DGEG,
da ERSE ou dos próprios operadores, o que acresce solidez ao modelo proposto, em conformidade com a
Diretiva 2019/944.

De facto, pela natureza dos planos e dos projetos, e pela dinâmica da evolução da rede, nomeadamente
em termos de necessidades de capacidade de receção de nova produção, poderá ser necessário rever os
projetos, ajustando o PDIRT e PDIRD em função dos congestionamentos estruturais da rede, e em termos
de maior ou menor celeridade no cumprimento das novas metas de política energética.
Por outro lado, a eletrificação da economia e a digitalização das redes implicam uma modernização
constante das mesmas, obrigando a um acompanhamento constante das necessidades de investimento.
Esta visão está expressa na Diretiva 2019/944, que prevê que, “de dois em dois anos, no mínimo, os
operadores da rede de transporte devem apresentar à entidade reguladora um plano decenal de
desenvolvimento da rede baseado na oferta e na procura existente e prevista, após consulta a todos os
interessados. Esse plano de desenvolvimento da rede deve prever medidas eficientes destinadas a garantir
a adequação da rede e a segurança do abastecimento.”

Em termos de consulta aos agentes, ao prever que a ERSE realize consulta pública não apenas para a
proposta inicial a ocorrer a cada 10 ou 5 anos, mas igualmente para as atualizações bienal dos planos, a
proposta está igualmente de acordo com a Diretiva 2019/944, uma vez que esta prevê que,
“a entidade reguladora deve consultar todos os utilizadores efetivos ou potenciais da rede sobre o plano
decenal de desenvolvimento, de uma forma aberta e transparente. As pessoas ou empresas que aleguem
ser utilizadores potenciais da rede poderão ser convidadas a fundamentar essas alegações. A entidade
reguladora deve publicar o resultado do processo de consulta, referindo em particular as eventuais
necessidades de investimento.”

18
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Destaca-se ainda como positiva a alteração da data de elaboração das propostas iniciais de PDIRT/PDIRD,
que passa a ocorrer até 15 de outubro, ao invés de 31 de março e 30 de abril, respetivamente.
Esta alteração é adequada, permitindo desfasar em 6 meses os exercícios de elaboração e apreciação do
planeamento das infraestruturas de gás, em linha com o que ocorre com o exercício tarifário de ambos os
setores.

Importa também realçar outro aspeto em que a proposta está em linha com a Diretiva, quando esta prevê
que a ERSE possa “forçar” o cumprimento dos PDIRT-E e PDIRD-E aprovados [art. 124.º], nomeadamente,
a) instando o operador da rede de transporte a realizar os investimentos em questão; b) organizando
concursos abertos a todos os investidores para o investimento em questão; ou c) obrigando o operador da
rede de transporte a aceitar um aumento de capital para financiar os investimentos necessários e a permitir
a participação de investidores independentes no capital.

Igualmente relevante e em linha com a Diretiva, a inclusão de disposições no sentido do planeamento das
redes e dos novos investimentos em infraestruturas de rede dependerem de uma prévia análise de custo
e benefício face a outras alternativas viáveis, designadamente o recurso à contratação, em mercado, de
flexibilidade de recursos distribuídos, nomeadamente o armazenamento, medidas de gestão da procura e
da produção de eletricidade [art. 123.º]. Regista-se também o papel dado à ERSE na aprovação desta
metodologia de avaliação.

Um outro tema determinante à segurança jurídica dos investimentos e transversal a ambos os planos diz
respeito às consequências da não aprovação dos PDIRT/PDIRD pelo Concedente. É essencial que estes
investimentos sejam aprovados pelo Concedente para poderem ser reconhecidos pela ERSE na base
regulada de ativos.

A ERSE considera fundamental que os processos de aprovação dos PDIRT/PDIRD tenham uma conclusão
atempada, com decisões finais pelo Concedente, num processo que se quer expedito, mas transparente,
envolvendo os interessados, permitindo concluir os projetos num horizonte coerente com a necessidade
dos mesmos. Nesse sentido, considera que se poderiam abreviar algumas etapas, substituindo o “relatório
da consulta” pelo “envio dos comentários à DGEG e ao operador da RNT”, para além da já referida dispensa
de discussão na AR (esse momento corresponderia ao programa setorial de caráter estratégico).

A não aprovação dos PDIRT/PDIRD de forma atempada poderá pôr em causa o planeamento eficiente ao
potenciar a realização de investimentos em imobilizado da atividade descontextualizados do processo de

19
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

planeamento ou, numa perspetiva oposta, poderá pôr em causa a própria segurança e fiabilidade das
redes, se os operadores não realizarem investimentos críticos para as redes enquanto aguardarem pela
aprovação desses planos. Esta situação também gera um risco regulatório para os operadores das redes,
visto que as condições para a prévia consideração para efeitos tarifários da recuperação dos custos com os
investimentos não são claras, e compromete a atuação da ERSE, que deve assegurar o equilíbrio
económico-financeiro destes operadores nas condições de uma gestão eficiente.

De modo a endereçar estas questões, a ERSE concorda com a disposição que prevê que os investimentos
em imobilizado que não sejam aprovados no PDIRT/PDIRD não sejam considerados para efeitos tarifários,
salvo quando digam respeito a investimentos relacionados com uma comprovada urgência e adequada
manutenção, modernização e reposição das infraestruturas.

No geral, sobre a aprovação dos Planos, espera-se que as dificuldades do passado sejam minimizadas com
a implementação do modelo proposto pela ERSE, separando as opções estratégicas, bem como abreviando
o processo de discussão, apreciação e aprovação dos planos.

2.2.5 REDES INTELIGENTES

Considera-se adequada a decisão de definir um calendário de instalação de contadores inteligentes e


integração em redes inteligentes (art.º 282º), pois permite assegurar um desenvolvimento uniforme no
território e não dependente da opção de cada operador de rede. O projeto de diploma adota os prazos
previstos no Anexo II da Diretiva UE 2019/944, que referem uma instalação de, pelo menos, 80% dos
contadores até 2024. Regista-se que a portaria referida no artigo 119.º parece incluir calendários de
instalação, tal como o despacho referido no artigo 282º. Sendo uma decisão circunstancial, parece
preferível a inclusão no despacho, ficando na portaria apenas o tema das funcionalidades e requisitos.

O diploma prevê no n.º 3 do artigo 119.º que o Governo define o financiamento dos custos inerentes às
infraestruturas das redes inteligentes e a sua repercussão tarifária. Esta norma apenas faz sentido se se
considerar esse custo como um CIEG (custo de orientação política), o que neste caso parece de difícil
aceitação. Por outro lado, no n.º 4 do mesmo artigo é referido que os critérios de recuperação dos custos
são definidos pela ERSE no Regulamento dos Serviços das Redes Inteligentes de Distribuição de Energia
Elétrica. Para além de contrariar o número anterior, considera-se preferível remeter de forma genérica
para a regulamentação da ERSE, permitindo assim processos de reorganização e melhoria da

20
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

regulamentação que se precisa de adaptar ao setor em mudança. Sendo a prestação dos serviços
associados a estas infraestruturas um custo da atividade de distribuição, a sua repercussão tarifária deve
ser definida pelas metodologias da ERSE.

A definição de “Infraestruturas das redes inteligentes” contém referências à RNT e à RND [art. 3.º, al. mm)],
quando, ao longo da redação do diploma, o conceito se aplica apenas às redes de BT. A inteligência das
redes de transporte ou das redes de distribuição em AT e MT já se traduz, há muito tempo, na sua
monitorização em tempo real e controlabilidade por meios remotos. Essa inteligência está há muito
incorporada nos processos de negócio e boas práticas da indústria e integra a atividade normal dos
operadores destas redes. A novidade dos tempos atuais é a gradual transformação da rede de BT numa
rede monitorizada e controlável em tempo real, à semelhança das outras. Em benefício da utilidade do
conceito no contexto do regime jurídico do SEN, sugere-se que o conceito de redes inteligentes seja
específico das redes de BT.

2.2.6 REDE DE DISTRIBUIÇÃO FECHADA

O diploma concretiza o modelo de registo das redes fechadas (artigos 120.º a 122.º), mantendo o seu
âmbito de aplicação bastante restrito, alinhado com a Diretiva europeia.

Define-se que no caso de revogação do registo de operador de rede fechada, o operador concessionário
de montante assume transitoriamente essa atividade, de acordo com as metodologias e regulamentação
a publicar pela ERSE, ouvidos os operadores da RESP. (art.º 122.º). A ERSE chama a atenção para o facto de
a rede fechada se situar no domínio privado (ex. aeroporto). Deste modo, trata-se de uma instalação
privativa, onde o ORD não tem intervenção, salvo nos aspetos comerciais (medição e faturação). Propomos
alterar a redação do art. 122.º de modo a clarificar que os aspetos a salvaguardar pelo ORD são apenas
relativos ao acesso dos clientes na RDF à rede pública, o que se materializa nos aspetos comerciais como a
medição e a faturação. A gestão e manutenção da rede privada deve permanecer desse âmbito, tal como
acontece nas redes internas de edifícios em propriedade horizontal.

A redação proposta prevê a definição, pelo operador da RDF, das condições do acesso, ligação e serviços
auxiliares necessários ao funcionamento das instalações no interior da exploração da RDF, bem como os
princípios tarifários e as tarifas aplicáveis, nos termos dos procedimentos a estabelecer pela ERSE nos seus
regulamentos (n.º 3 do artigo 214.º).

21
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

A ERSE concorda com a redação proposta. A definição de procedimentos de consulta e audição a


interessados é fundamental para garantir o acesso à informação relevante, em tempo útil pelos utilizadores
destas redes.

Importa sublinhar a importância de ser consagrado de forma expressa o direito de escolha de


comercializador pelos utilizadores da rede fechada, isto é, dos seus consumidores, assim como o direito de
qualquer comercializador fornecer um utilizador da rede fechada. Ou seja, impor o acesso por terceiros
nas redes fechadas. Recordamos que, no seu Acórdão de 28 de novembro de 2018, Solvay Chimica Italia e
o. (C‑262/17, C‑263/17 e C‑273/17, EU:C:2018:961), o Tribunal de Justiça da União Europeia esclareceu
que uma rede de distribuição fechada, na aceção do artigo 28.° da Diretiva 2009/72, não é, nem pode ser,
isenta da obrigação de livre acesso de terceiros prevista no artigo 32.°, n.° 1, desta Diretiva.

2.2.7 LIGAÇÕES À REDE

As condições comerciais de ligações às redes são matéria regulada pela ERSE [art. 240.º], designadamente
dada a sua relação próxima com as tarifas de uso das redes. Os custos das redes são recuperados por estas
duas componentes. Os custos do núcleo mais central da rede, que serve muitos utilizadores, pretendem-
se recuperados pelas tarifas de uso das redes. Os custos de troços mais periféricos, em que é possível
identificar os utilizadores (poucos) são recuperados pelos custos de ligação às redes.

Os custos de ligação às redes incluem custos com a construção de novos elementos de rede (classificados
no RRC como uso exclusivo ou uso partilhado) mas também custos de comparticipação nas redes
(referentes aos troços mais terminais da rede existente). São ainda definidos outros custos,
designadamente de estudos.

Propõe-se que o diploma em apreço inclua o seguinte:

 Clarificação da habilitação legal da ERSE para estabelecimento das condições comerciais de ligação
de produtores às redes, nomeadamente quanto ao custo, confrontando as normas que detalham
os custos a pagar na atribuição do título de reserva com o art.º 54.º sobre ligações às redes.

 Densificação das áreas de fronteira entre as condições técnicas (por vezes chamadas de
“viabilidade”) e as condições comerciais. Este tema é alvo frequente de reclamações e pedidos de
informação.

22
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

 Densificação da relação entre as ligações às redes e a atribuição de capacidade de receção.

2.2.8 ACESSO À REDE

Nos casos de atribuição de título de reserva por acordo com o operador de rede (art.º 20.º), e quando
envolve vários produtores associados, as condições de partilha da capacidade de ligação à rede poderiam
ser flexibilizadas, permitindo aos produtores otimizar (reduzir) essa capacidade. Em projetos de reduzida
simultaneidade (híbridos) ou com armazenamento, pode ser uma alternativa interessante para
desbloquear o seu desenvolvimento. Esta flexibilização implicaria que, no caso de congestionamento, o
operador de rede devesse indicar, a um ponto de contacto, a necessidade de restringir a produção, sendo
a distribuição dessa restrição pelos vários projetos definida por estes.

O artigo 71.º parece atribuir de forma automática um acréscimo de 20% de potência de ligação, no caso
de reequipamento total. No entanto, não é claro de que forma isso é compatível com situações em que
não existe disponibilidade de capacidade de injeção na rede.

2.2.9 CÓDIGOS DE REDE EUROPEUS

Os regulamentos e diretivas europeus sobre o mercado interno de eletricidade definem a responsabilidade


pela aprovação de códigos de rede europeus, segundo o processo de comitologia. A Diretiva UE 2019/944
(art.º 63.º) remete para a obrigação de conformidade das decisões das entidades reguladoras com os
códigos de rede. Esses regulamentos remetem ainda para decisões subordinadas, sobre metodologias ou
termos e condições de aplicação sobre matérias específicas. Importa referir que tais decisões se baseiam
no princípio da coordenação entre as várias entidades reguladoras dos Estados-Membros e com a Agência
para a Cooperação dos Reguladores de Energia europeus (ACER).

É certo que os regulamentos europeus vigoram automaticamente na ordem jurídica sem necessidade de
transposição (artigo 8.º, n.º 2 da CRP) e ainda que as diretivas vinculam o Estado (em sentido amplo) ao
seu cumprimento. Ademais, as normas europeias primam sobre as nacionais. Não obstante, considera-se
clarificadora a inclusão do princípio da conformidade das decisões da entidade reguladora com os códigos
europeus e ainda a cooperação da entidade reguladora com as congéneres nas decisões que se referem a
metodologias ou termos e condições com respeito a mecanismos, entidades ou sistemas regionais ou
europeus no art.º 206.º.

23
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

2.2.10 ASPETOS REFERENTES ÀS NOVAS CONCESSÕES DA REDE BT

O lançamento de concursos para a atribuição de novas concessões da rede de distribuição em BT, segundo
os elementos disponíveis conhecidos, implica alterações de natureza legal que não estão inteiramente
refletidos na proposta de diploma recebida.

Segundo a proposta, o operador da rede de distribuição em BT terá o seu escopo efetivamente restringido,
deixando de ser responsável designadamente pela gestão de fluxos e operação de equipamentos de
telemedida. Porém, não é firme, nem densificada, a instituição do gestor integrado da rede de distribuição.

Noutro plano, a preparação do concurso, tendo em vista as indeminizações a pagar e o objeto dos
concursos, pode aconselhar a que exista uma obrigação legal declarativa do atual concessionário, quanto
ao universo atual de bens que integram as concessões, sua propriedade e grau de amortização, que possa
ser escrutinada pelos concedentes em momento prévio ao lançamento dos concursos.

Para além disso, existem um conjunto de aspetos discutidos no Grupo de Trabalho que preparou as peças
procedimentais (a exemplo das virtualidades da rede futura, detalhe do cadastro, contrapartida pelo
acesso aos apoios da rede BT pelas empresas de telecomunicações, lojas físicas, iluminação pública) que
não se encontram refletidos na lei.

Aliás, o anexo V da proposta de diploma, correspondendo às Bases das concessões da rede de distribuição
em BT, apresenta uma redação muito próxima à do anexo V do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto,
não incorporando ainda alterações que se antecipam no quadro das novas concessões BT.

PLANOS DE DESENVOLVIMENTO DAS REDES DE BT

Ainda no contexto das bases das concessões de distribuição em BT, anexas ao projeto de diploma, a Base
XVIII remete o procedimento de aprovação dos respetivos planos de desenvolvimento para o PDIRD. Essa
redação levanta a dúvida sobre se o pretendido é que os planos de desenvolvimento das redes de BT
integrem o PDIRD (ou que sejam integrados na mesma consulta, já que o operador será possivelmente
distinto), ou se têm um percurso autónomo de apreciação e aprovação, análogo ao do PDIRD.

Neste contexto importa ponderar o princípio da uniformidade tarifária, pelo qual os custos de uma
determinada rede de BT são socializados por todos os utilizadores das restantes redes de BT. As opções de

24
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

desenvolvimento da rede devem por isso conformar-se a uma visão nacional coerente e não a lógicas
puramente locais.

Por outro lado, o desenvolvimento de uma rede de BT está essencialmente dominado por aspetos
circunstanciais relativos aos pedidos de ligação à rede, de produtores e consumidores. Esse
desenvolvimento não se relaciona com o PDIRT. Pelo contrário, deverá sujeitar-se a uma coordenação pelo
gestor integrado das redes de distribuição. Poderia então considerar-se que deve ser responsabilidade do
gestor integrado das redes de distribuição a apresentação do PDIRD BT, em termos que prevejam a
normalização das opções de investimento nas redes de BT e a interoperabilidade das tecnologias, sistemas
e equipamentos.

Admite-se ainda que os municípios (concedentes) podem determinar a realização de investimentos


adicionais, não previstos no plano, e que, nesse caso, os respetivos ativos não serão remunerados no
âmbito da concessão. A ERSE concorda com o princípio. Sugere-se a clarificação da redação do n.º 2 da
Base XVIII, quanto ao significado de “são suportados por aquele”, clarificando a dúvida sobre se quem
suporta o custo é o município (como parece) ou o concessionário.

2.2.11 UTILIZAÇÃO DE APOIOS DA REDE DE DISTRIBUIÇÃO EM BT POR OPERADORES DE TELECOMUNICAÇÕES

Os operadores de telecomunicações, nos termos do Decreto-Lei n.º 123/2009, podem utilizar os apoios da
rede de distribuição em BT no âmbito da sua atividade.

As condições remuneratórias fixadas pela E-Redes por tal utilização, na ausência de regulamento aprovado
pela ANACOM, são, nos termos legais (artigos 13.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 123/2009), orientadas para os
custos, evitando subsidiações cruzadas intersectoriais e, por determinação regulatória da ERSE, o valor
cobrado reverte totalmente para os consumidores no âmbito do SEN.

Historicamente, os custos cobrados pela E-Redes aos operadores de telecomunicações não incluem valores
a entregar aos municípios.

Neste âmbito, a pretensão de os municípios virem a obter uma contrapartida percentual sobre o valor
cobrado pelo concessionário aos operadores da rede BT, coloca questões de sustentabilidade: (i) quanto
aos valores passados em litígio, geradores de potencial perda financeira e (ii) face ao possível aumento do

25
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

valor cobrado no futuro pela utilização de tais infraestruturas, em termos que permitam satisfazer os custos
acrescidos na atividade da rede elétrica e as pretensões dos municípios.

Termos em que urge superar com celeridade a inércia provocada por a ANACOM não ter até ao momento,
nos termos dos números 4 e 5 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, com parecer vinculativo da ERSE,
aprovado, por regulamento, a metodologia a utilizar para a fixação do valor da remuneração a pagar pelas
empresas de comunicações eletrónicas como contrapartida pelo acesso e utilização das infraestruturas
aptas, que evite subsidiações cruzadas intersectoriais.

2.3 MERCADOS DE ELETRICIDADE

2.3.1 MODELO DE REGISTO DE AGENTES DE MERCADO

Sugere-se que seja aditado ao artigo 11.º um novo número que assegure a comunicação à ERSE dos registos
de produtores e sua posterior articulação, designadamente com os registos no âmbito do REMIT e no
regime de gestão de riscos e garantias do SEN. No caso da comercialização, o texto do projeto de diploma
assegura que os registos devem ser mantidos atualizados e publicamente acessíveis pela DGEG, pelo que
se pode suprir esta necessidade com o acesso a tais listagens atualizadas.

2.3.2 AGREGADOR E AGREGADOR DE ÚLTIMO RECURSO

A definição de Agregador de último recurso (artº. 148.º) refere a aquisição de energia a produtores com
tarifa garantida ou bonificada. Assim, a criação da figura do Agregador de último recurso (AUR) parece
apontar para uma transferência da responsabilidade pela aquisição de energia a produtores com tarifa
garantida do CUR para o AUR. Sugere-se clarificar se esta transferência ocorre de forma integral, quando
exista. No caso da aquisição de energia a produtores com potência inferior a 1 MW, a preços de mercado,
pelo CUR (art.º 287.º), o diploma já clarifica que apenas decorre até à atribuição de licença do agregador
de último recurso.

O AUR tem ainda um papel de agregador supletivo (por ausência de outras ofertas) no art.º 148.º. Nesse
âmbito, se o modelo de aquisição do AUR for muito benéfico (mesmo que indexado a preços de mercado),
o mercado não se desenvolve nesta área. Sugere-se incluir o princípio de não distorção do mercado.

26
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Sugere-se que seja ponderada a inclusão de uma disposição, semelhante à que se aplica ao CUR, que
preveja a agregação por parte do AUR de produtores de energia renovável quando se verifique que o seu
agregador tenha ficado impedido de desempenhar atividade, para assegurar a continuidade da colocação
dessa produção em mercado. Essa disposição deverá ser acompanhada da obrigatoriedade de o produtor
assegurar a contratação de um agregador em mercado no curto prazo, por exemplo, em 4 meses.

2.3.3 COMERCIALIZADOR DE ÚLTIMO RECURSO

A proposta de diploma vem prever que o Comercializador de último recurso (CUR) forneça clientes em BT
enquanto as tarifas transitórias de venda a clientes finais não forem extintas, prevendo-se no diploma a
calendarização da extinção das tarifas transitórias até ao final de 2025 (antecipando uma decisão que não
foi tomada na União Europeia e cujo processo depende de debate posterior a relatório a preparar pela
Comissão Europeia), e após a extinção destas, o fornecimento de eletricidade para satisfação das
necessidades de clientes finais economicamente vulneráveis que não tenham transitado para o mercado
livre.

Da redação do artigo 138.º, n.º 1 e 140.º, n.º 1, a) parece resultar uma alteração da atuação do CUR, face
aos clientes vulneráveis. Ou seja, parece que a obrigação de fornecimento pelo CUR aos consumidores
vulneráveis abrange apenas os clientes que não tenham transitado para o mercado livre. Desta forma, o
âmbito de atuação do CUR ficaria circunscrito aos clientes com quem tem contrato, não sendo permitido
a celebração de novos contratos com o CUR, ou, dito de outra forma, o regresso ao mercado regulado dos
clientes vulneráveis que já tinham transitado para o mercado livre. Todavia, essa leitura é prejudicada pela
redação dos n.ºs 5 do artigo 289.º, que expressamente prevê a possibilidade de os clientes
economicamente vulneráveis poderem optar por contratar com o CUR e do n.º 4 do mesmo artigo, que
proíbe ao CUR a celebração de novos contratos, com exceção dos clientes vulneráveis. Neste contexto,
sugere-se a alteração da redação do artigo 138.º e 140.º, visando clarificar que o CUR pode fornecer os
clientes vulneráveis que o pretenderem e não apenas os clientes vulneráveis que não tenham transitado para
o mercado.

27
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Portanto, o artigo 140.º prevê as diferentes situações de obrigação de fornecimento pelo CUR, que
atualmente se encontram dispersas em diversos diplomas. Sumariamente, o CUR tem obrigação de
fornecimento nas seguintes situações:

 Para satisfação das necessidades de clientes finais economicamente vulneráveis que optem pelo
CUR,
 Aos clientes cujo comercializador em regime de mercado tenha ficado impedido de exercer a
atividade,
 Ao fornecimento de eletricidade em locais onde não exista oferta dos comercializadores de
eletricidade em regime de mercado,
 Fornecer eletricidade aos seus clientes enquanto vigorarem as tarifas transitórias,
 Aos clientes finais para os quais os respetivos comercializadores titulares de fornecimento
recusaram a aplicação do regime de preços equiparado ao CUR,

 Aos clientes que detenham o estatuto de utilidade pública, nos termos atualmente estipulados pelo
artigo 11.º, da Lei n.º 36/2021.

A ERSE mantém as reservas relativamente ao direito concedido aos clientes com estatuto de utilidade
pública de serem fornecidos pelo CUR 5. A adesão ao mercado liberalizado é uma regra de aplicação geral
a todas as instalações de consumo, não se identificando o racional que justifique esta exceção. A finalidade
da Diretiva da Eletricidade e da sua economia geral é, reconhecidamente, prosseguir a realização de um
mercado interno total e efetivamente aberto e competitivo, no qual todos os consumidores possam
escolher livremente os seus fornecedores e todos os fornecedores possam livremente fornecer os seus
produtos aos seus clientes (v., neste sentido, acórdão de 10 de setembro de 2015, Comissão/Polónia, C
36/14, não publicado, EU:C:2015:570, n.° 45).

Acresce que na situação de aplicação das tarifas do CUR aos clientes com estatuto de utilidade pública, não
é identificada de forma clara o interesse económico geral 6 visado pelas tarifas. Nos termos da Diretiva o
objetivo terá de estar diretamente relacionado com o desenvolvimento do mercado para criar condições
de efetiva concorrência. Considerando o desenvolvimento do mercado, a presença de múltiplos

5 Conforme parecer da ERSE à proposta da Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, de novembro de 2020, disponível em
https://www.erse.pt/media/1dnlvbl3/parecer-da-erse-estatuto-utilidade-p%C3%BAblica.pdf.
6 Nos termos previstos pelo artigo 5.º, n.º 4, al. a) da Diretiva 2019/944.

28
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

comercializadores, a existência de múltiplas ofertas abaixo do valor da tarifa transitória, não se


compreende a sua previsão.

Adicionalmente, a ERSE propõe a inclusão da obrigação de fornecimento pelo CUR aos comercializadores de
último recurso que atuam exclusivamente em BT. Com a extinção das tarifas transitórias em MT, que
ocorrerá no final de 2021, deixa de haver uma referência de preço para efeitos da compra e venda de
energia entre o CUR e os CUR exclusivamente em BT. Atualmente, nos termos do Regulamento Tarifário,
os CUR exclusivamente em BT podem proceder ao aprovisionamento de energia para os seus clientes
através das diferentes modalidades de aquisição de energia. Não obstante, considerando que os CUR que
atuam exclusivamente em BT praticam as tarifas de venda a clientes finais fixadas pela ERSE, cumprindo
obrigações de serviço universal impostas por lei, importa assegurar que têm condições análogas ao
comercializador de último recurso para atuar no mercado, designadamente as mesmas condições de
aquisição de energia.

Considerando que as tarifas a aplicar entre o comercializador de último recurso e os CUR exclusivamente
em BT diferem das tarifas de referência aos clientes finais, dado que as tarifas de acesso às redes aplicáveis
aos CUR exclusivamente em BT são específicas da sua atividade, propõe-se também a introdução de um
novo número que clarifique a forma de atuação do CUR.

Face ao exposto, a ERSE propõe a introdução de uma nova alínea e um novo número, no artigo 140.º, com
a seguinte redação:

Artigo 140.º

Direitos e deveres do comercializador de último recurso

3. […]

f) […];

f1) Fornecer eletricidade aos comercializadores de último recurso a atuar exclusivamente em BT;

g) […]

4. […]

4A. Nas situações previstas na alínea f1) do número 3, o CUR aplica as tarifas de venda a comercializadores de
último recurso a atuar exclusivamente em BT, nos termos do Regulamento Tarifário.

5. […]

29
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

No âmbito da proposta de articulado, sugere-se alterar o n.º 5 do artigo 140.º, uma vez que é a ERSE a
entidade que tem primeiro conhecimento quando um comercializador fica impedido de exercer essa
atividade, nomeadamente quando existe suspensão dos contratos de usos de redes ou de adesão ao
mercado de serviços de sistema, e não a DGEG. Sugere-se, ainda, a eliminação do meio de comunicação
aos clientes definido por ser excessivamente onerosa a obrigatoriedade de as cartas serem registadas.

Esta proposta, não acompanhada da explicitação de outro modelo de comercialização de último recurso (a
exemplo dos modelos inglês ou holandês, permitidos pelo direito da UE, que permitem a atribuição
intermitente da função de último recurso a um comercializador de mercado) levanta dificuldades ao nível
da universalidade do serviço, quer para os clientes em BT que não migrem para o mercado livre
voluntariamente, quer para os clientes dos comercializadores em regime de mercado que possam soçobrar
(sobre esta questão ver também o ponto 2.4.6).

Noutro plano, o escopo desenhado para o CUR parece temporalmente dificilmente compatível com o
lançamento de um procedimento concursal para atribuição de nova licença com um prazo máximo de 20
anos.

Por fim, presentemente o CUR que atua em todo o Continente tem licença com prazo até 2044 (prazo da
concessão da RND) e os demais CUR que integram os pequenos operadores da rede de distribuição em BT,
que atuam em exclusivo em áreas de dimensão inframunicipal, verão o seu contrato caducar com o fim das
concessões municipais.

Assim, procurando salvaguardar a continuidade do fornecimento de energia, seria conveniente que o CUR
com licença atribuída pudesse transitoriamente assegurar o fornecimento em todo o território continental,
sem prejuízo de concurso a realizar ou da adoção de outro modelo no futuro.

2.3.4 SERVIÇOS DE GESTÃO DA PROCURA

Sugere-se a alteração da designação «Serviços de gestão da procura» para «Serviços de resposta da


procura». A gestão da procura está normalmente associada a um conceito mais alargado que pode incluir,
por exemplo, medidas de eficiência energética, enquanto a resposta da procura aparece normalmente

30
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

mais associada a uma alteração de consumo deliberada em resposta a ordens de variação por parte do
sistema. Refira-se que a Diretiva do mercado interno utiliza a expressão «Resposta da procura».

Sugere-se ainda que, na definição de serviços de gestão (resposta) da procura, se substitua a expressão
«mercados organizados» por «mercados de eletricidade» ou, em alternativa, se se optar por manter a
expressão «mercados organizados», adicionar também os «mercados de serviços de sistema» que, para
efeitos da proposta submetida a consulta pública, são tratados numa Secção distinta da dos mercados
organizados.

2.3.5 DEFINIÇÃO DE MERCADOS DE ELETRICIDADE

A definição de mercados de eletricidade que consta da proposta7 parece incluir a negociação de outras
formas de energia que não a eletricidade, pelo que se sugere a sua alteração para «os mercados de balcão,
as bolsas de eletricidade, os mercados de energia, de capacidade, de serviços de balanço e de serviços de
sistema, todos relativos à eletricidade, em todos os períodos de operação, incluindo os mercados a prazo,
de dia seguinte e intradiários.»

2.3.6 OPERADOR LOGÍSTICO DE MUDANÇA DE COMERCIALIZADOR E DE AGREGADOR

A rápida evolução tecnológica e a globalização criaram novos desafios em matéria de proteção de dados
pessoais, o que exigiu um quadro de proteção de dados sólido, consubstanciado no Regulamento Geral
sobre a Proteção de Dados (RGPD).

A utilização da plataforma eletrónica para suportar a mudança de comercializador ou de agregador, pela


natureza dos dados que irá tratar, é mais um caso em que a tecnologia está ao serviço das pessoas e das
organizações, carecendo de cautelas adicionais.

Para tanto, o OLMCA, responsável pelo tratamento, deverá adotar orientações internas e aplicar medidas
que respeitem, em especial, os princípios da proteção de dados desde a conceção e da proteção de dados
por defeito. Tais medidas podem incluir a minimização do tratamento de dados pessoais, a

7 «os mercados de balcão e as bolsas de eletricidade, mercados de comércio de energia, de capacidades, de serviços de balanço e
de serviços de sistema em todos os períodos de operação, incluindo mercados a prazo, de dia seguinte e intradiários»

31
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

pseudonimização de dados pessoais o mais cedo possível, a transparência no que toca às funções e ao
tratamento de dados pessoais, a possibilidade de o titular dos dados controlar o tratamento de dados e a
possibilidade de o OLMCA criar e melhorar medidas de segurança. Também há que acautelar a localização
dos dados pessoais, de modo a ocorrer em país sujeito à aplicação do RGPD ou com um nível de proteção
equivalente.

Assim, no contexto do desenvolvimento, conceção, seleção e utilização da plataforma tecnológica, o


OLMCA deve ter em conta o direito à proteção de dados aquando do seu desenvolvimento e conceção e,
no devido respeito pelas técnicas mais avançadas. No texto do diploma, sugere-se a explicitação do
princípio da proteção de dados pessoais no art. 155.º, n.º 2.

Assessoriamente, alerta-se para a consequência da classificação da ADENE pelo Instituto Nacional de


Estatística como Entidade Pública Reclassificada do regime geral (não simplificado) nas contas nacionais,
em setembro de 2019. Como tal, a ADENE está sujeita ao regime geral aplicável (cfr. artigo 2.º, n.º 4 da Lei
de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, na sua atual redação),
passando a atividade da ADENE para a esfera do Orçamento de Estado (OE) à data de 1 de janeiro de 2020.

Com este enquadramento, os princípios de cabimentação de despesas da Administração Pública podem


ter impactes relevantes ao nível da recuperação e sobretudo, devolução dos valores referentes a
ajustamentos de anos anteriores, nas contas reguladas da ADENE enquanto OLMCA. Estes impactes podem
concretizar-se em dificuldades de operacionalização dos fluxos económicos e financeiros ao nível da
atividade regulada pela ERSE. Neste sentido, e face às incompatibilidades entre as normas e obrigações
definidas no Regulamento Tarifário e os procedimentos associados ao OE, sugere-se optar por referência
clara no diploma que o OLMCA está sujeito às regras definidas no Regulamento Tarifário no âmbito da
regulação da atividade, o que obriga, porventura, a retirar a atividade da esfera do OE.

Por outro lado, a redação relativa à obtenção de receitas possibilita que esta ocorra através de preços pelos
serviços prestados e através de tarifas. No entanto, esta proposta além de juntar conceitos dificilmente
conciliáveis, como sejam o de utilizador pagador de serviços e o da perequação tarifária, não reflete a
natureza das atividades em causa. As atividades do OLMCA têm associados principalmente custos fixos,
cuja recuperação não se coaduna com volatilidade associada às receitas obtidas pelos preços dos serviços.
Deste modo, defende-se que a recuperação dos custos regulados do OLMCA seja obtida apenas, ou
principalmente, através da aplicação de tarifas, propondo-se que o número 3 do artigo 156.º passa a ter a

32
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

seguinte redação: “3- As receitas do OLMCA resultam da aplicação de tarifas pagas pelos consumidores,
nos termos definidos no Regulamento Tarifário”

A recuperação dos custos da atividade do OLMCA através de preços estabelecidos pela ERSE e a serem
suportados pelos comercializadores ou agregadores cessionários, é penalizadora para os comercializadores
novos entrantes que se veem obrigados a suportar um custo adicional na captura de clientes, o que
resultará num entrave à mudança e num custo que os agentes refletirão nos consumidores que pretendem
fazer a mudança. O modelo proposto de recuperação dos custos principalmente assente em preços, ao
penalizar a mudança de comercializador, não contribui para uma maior concorrência, o que se reflete no
nível médio de preços praticados no mercado, em prejuízo de todos os consumidores.

Deste modo, propõe-se que as receitas sejam apenas recuperadas pelas tarifas, em linha com a prática atual.

2.3.7 REGULAÇÃO DE GARANTIAS DE ORIGEM

Na proposta preliminar remetida pela ERSE, foi efetuada referência ao interesse em se proceder a uma
consolidação do processo de regulação das garantias de origem, o que a atual proposta de alteração
legislativa consagra, quer quanto à regulação da EEGO, quer quanto à monitorização da atividade desta.

Com efeito, conforme se havia referido na proposta preliminar da ERSE, sendo o sobrecusto da
remuneração garantida da produção em regime especial repercutido em termos tarifários pela ERSE e
tomando como experiência a realização dos leilões de PRE com tarifa garantida prevista no artigo 267.º do
Regulamento de Relações Comerciais dos setores elétrico e gás (RRC), foi feita a referência ao interesse em
concentrar mecanismos dispersos, facilitando os objetivos da transição energética, assim como a
integração das renováveis no mercado.

2.3.8 DIREITOS E DEVERES DOS COMERCIALIZADORES DE ELETRICIDADE

DEVER DE DISPONIBILIZAÇÃO DE CONTRATOS A PREÇOS DINÂMICOS

A redação proposta no artigo 136.º, sugere que que o dever de disponibilização de contratos a preços
dinâmicos é apenas aplicável aos comercializadores do mercado livre, em linha com a discussão ocorrida

33
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

no âmbito da recente reformulação do Regulamento Tarifário do Setor Elétrico. Os vários stakeholders


mostraram-se favoráveis a excluir o CUR desta obrigação, à qual estaria sujeito por o número de clientes
atualmente em Portugal continental ser superior a 200 mil 8.

Adicionalmente importa acautelar na transposição da diretiva europeia as regras para a monitorização


deste tipo de contratos, incluindo os relatórios anuais a publicar pelo menos durante os primeiros dez anos
da aplicação destes contratos, previstos no n.º 4 do artigo 11.º da Diretiva (UE) 2019/944. A ERSE está
naturalmente disponível para adicionar este dever às suas atividades de monitorização do mercado
retalhista 9. Apesar da al. aa), do n.º 3 do artigo 136.º referir a DGEG como a entidade competente para
recolha da informação estatística, a identificar em despacho do Diretor Geral, considera-se que a
monitorização deste tipo de contratos é uma matéria incluída nas obrigações de supervisão e
monitorização do mercado, atribuída à ERSE.

2.4 TARIFAS E CIEG

2.4.1 PRINCÍPIOS GERAIS DAS TARIFAS

Na redação proposta do artigo 207.º, relativa aos princípios gerais aplicáveis no exercício tarifário,
concorda-se com a introdução do princípio da partilha entre empresas reguladas e clientes dos resultados,
alcançados nas atividades sujeitas a regulação por incentivos. Esta alteração vai ao encontro das
orientações estratégicas da ERSE, concretizadas na alteração das metodologias de regulação e de cálculo
dos proveitos permitidos, promovendo uma regulação mais flexível e exigente que incentiva uma gestão
eficiente das atividades reguladas e que permite responder ao contexto de descarbonização e
descentralização no setor elétrico 10.

Em sentido oposto, sugere-se a eliminação da alínea b) que estipula a “variabilidade das tarifas em função
dos períodos horários, da natureza da fonte primária de produção de eletricidade e do tipo de instalação”.

8 Ver secção 2.5.1 do Relatório da Consulta Pública n.º 101 relativa à reformulação do Regulamento Tarifário do Setor Elétrico, que
inclui o resumo dos comentários recebidos.
9 Nesse caso sugere-se a inclusão de um novo artigo no Capítulo XVII, Secção II.
10 Neste sentido, este princípio foi aprofundado ao nível regulamentar, através da alteração do Regulamento Tarifário do setor
elétrico, no âmbito da consulta pública n.º 101.

34
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Enquanto princípio tarifário, assinala-se a dificuldade de interpretação desta alínea. A variabilidade das
tarifas em função dos períodos horários, como um princípio geral a nível tarifário, remete-nos para a
obrigatoriedade de assumir as tarifas multi-horárias, para todos os níveis de tensão e clientes. Ou seja, no
entender da ERSE, a aplicação regulamentar desse princípio, tem por consequência a eliminação de opções
tarifárias simples, designadamente ao nível das tarifas de Acesso às Redes e das tarifas de Venda a Clientes
Finais. A variabilidade dos períodos horários das tarifas é um elemento relevante para efeitos de eficiência
e correta alocação de custos, na utilização do sistema elétrico. Contudo, considera-se que é uma matéria
que deverá ser deixada à regulação, visando ser aplicada de forma gradual e adaptada às necessidades dos
consumidores e do mercado 11.

Recorde-se, ainda a este respeito, que a proposta de alteração regulamentar, realizada na consulta pública
n.º 101, visando a discriminação horária das tarifas de Acesso às Redes aplicáveis ao autoconsumo de
energia elétrica através da Rede Elétrica de Serviço Público (RESP), no caso particular da BTN, ser sempre
tri-horária, não reuniu consensos.

“A variabilidade das tarifas em função da natureza da fonte primária de produção de eletricidade e do tipo
de instalação” afigura-se igualmente dissonante dos objetivos da regulação e das exigências do exercício
tarifário. Conforme resulta da Diretiva (UE) 2019/944, os sistemas tarifários não poderão explicitamente
imputar a certas categorias de clientes o custo da intervenção nos preços que afetem outras categorias de
clientes. A aplicação do princípio tarifário na alínea b) contraria frontalmente os princípios da não
discriminação e da equidade, que devem ser assumidos na aplicação de tarifas, em linha com estipulado
na al. e) do n.º 1 do artigo 207.º.

As eventuais discriminações positivas ou negativas aplicáveis à produção ou tipo de instalação deverão ser
prosseguidas ao nível da política energética e não através do sistema tarifário, que resultará em repartições
desequilibradas de custos e receitas, entre atividades e clientes. De salientar, ainda, que não é claro o que
se pretende com o “tipo de instalação”. As tarifas não devem distinguir o tipo de uso que é dado à energia,
sob pena de termos um sistema tarifário extraordinariamente complexo, desigual e potencialmente
injusto.

11 De salientar que em BTN, com potência contratada inferior ou igual a 20,7


kVA, 94% dos clientes têm contratado a tarifa simples.
Mais informação em Caracterização da procura da energia elétrica em 2021, figura 10-10.

35
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Finalmente, registou-se que esta proposta de diploma introduz na regulação da ERSE o objetivo geral “de
garantia da sustentabilidade económico-financeira das atividades reguladas e, simultaneamente, a
proteção dos clientes” (al. d) do artigo 205.º). Este objetivo, que se considera legítimo face à natureza
dessas atividades, não pode, contudo, permitir a desresponsabilização económica e financeira das
empresas perante as suas opções de gestão, de operação e de desenvolvimento de atividades reguladas.
A introdução deste objetivo, sem qualquer critério, acabaria por penalizar os consumidores. Deste modo,
propõe-se que este objetivo passe a ter a seguinte redação: “A sustentabilidade económico-financeira das
atividades reguladas desde que geridas de forma eficientes e, simultaneamente, a proteção dos clientes”.

2.4.2 CIEG

O projeto de diploma introduz algumas alterações em matéria de Custos de política energética, de


sustentabilidade e interesse económico geral (CIEG), sobre os quais importa apresentar comentários.

Primeiro, na comparação com a Portaria n.º 332/2012, de 22 de outubro, na redação vigente, constata-se
que na lista de CIEG identificada no n.º 2 do artigo 208.º estão em falta os custos diferidos ao abrigo do
Decreto-Lei n.º 165/2008, de 21 de agosto. Por outro lado, observa-se a inclusão das rendas pagas aos
municípios pela concessão da atividade de distribuição de eletricidade em baixa tensão 12.

Segundo, o projeto de diploma inclui no n.º 3 uma norma que habilita o membro do Governo responsável
pela área da energia a estabelecer novos CIEG. Em coerência com o disposto no n.º 6, que obriga o Membro
do Governo a consultar junto da ERSE em caso de existirem critérios de repercussão diferentes para os
CIEG, também a criação de novos CIEG devia ser precedida de uma consulta ao regulador, de forma a avaliar
a sustentabilidade económica do SEN.

Terceiro, saúda-se a norma no n.º 5, que estabelece que a ERSE deve regulamentar a repercussão dos CIEG,
em função do nível de tensão ou do tipo de fornecimento, segundo critérios que assegurem a estabilidade
tarifária, a não distorção da estrutura tarifária e dos sinais de preço das tarifas. Contudo, importa assegurar

12 Ver também os comentários no ponto 2.4.3.

36
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

a revogação da Portaria n.º 332/2012, de 22 de outubro, sugerindo-se a explicitação desse ato na norma
revogatória.

2.4.3 RENDAS DE CONCESSÃO EM BT COMO CIEG

A inclusão das rendas pagas aos municípios pela concessão da atividade de distribuição de eletricidade em
baixa tensão (BT) na lista de encargos com CIEG referida no artigo 208.º pode ter impactes tarifários
relevantes devido à aplicação de isenções tarifárias, como é o caso do autoconsumo. Na legislação em
vigor, a isenção existente para o autoconsumo, estabelecida através do Despacho n.º 6453/2020, de 19 de
junho, apenas isenta o autoconsumo dos encargos com os CIEG previstos no n.º 1 do artigo 3.º da Portaria
n.º 332/2012, de 22 de outubro, não abrangendo assim as rendas pagas aos municípios pelas concessões
em BT. Dependendo da formulação do enquadramento legal a isenção pelo pagamento de CIEG passará a
incorporar esta rubrica com impacte muito relevante. No caso das isenções aplicadas aos clientes
eletrointensivos no artigo 195.º, essa situação está acautelada, na medida que a isenção referida não
abrange as rendas de concessão em BT. No despacho referido no n.º 4 do artigo 212.º, relativo às tarifas
aplicáveis às UPAC, será necessário ter em conta esta alteração. A ERSE entende que uma mera
reclassificação de uma rubrica de custos, como é aqui o caso para as rendas de concessão em BT não deve
aumentar o benefício económico de uma isenção tarifária estabelecida com um determinado racional.
Adicionalmente, alerta-se para os impactes tarifários sobre os restantes consumidores que não beneficiem
de regimes de isenção de CIEG.

De referir que nas Tarifas para o ano de 2021 as rendas de concessão em BT representaram 258 milhões
de euros, o que representou aproximadamente 38,5% dos proveitos da atividade de distribuição em BT, e
aproximadamente 11,1 % da tarifa de acesso às redes em BT.

2.4.4 CLIENTES ELETROINTENSIVOS

O estabelecimento de regras tarifárias específicas para clientes eletrointensivos, ao abrigo do “Estatuto do


Cliente Eletrointensivo”, poderá conflituar com o princípio tarifário da não discriminação. Não fica claro
como algumas das medidas de apoio, assentes na «redução dos preços finais pagos pela eletricidade e do
acesso à energia em condições mais favoráveis», se podem conciliar com os princípios gerais para as tarifas
reguladas, uma vez que extravasam o âmbito do SEN e da promoção da eficiência energética e da qualidade
ambiental.

37
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Em resultado, preocupações ao nível do comércio internacional e da competitividade industrial, e externos


ao setor elétrico, passam assim a impactar diretamente a sustentabilidade económica do SEN, seja em
forma de tarifas reguladas mais altas ou de atrasos na eliminação da dívida tarifária.

Do projeto de regime do SEN também não fica demonstrado se a soma das medidas de apoio são o
estritamente necessário para atingir o objetivo pretendido, i.e., de criar condições de maior igualdade em
matéria de concorrência face às instalações de idêntica natureza que operam noutros Estados-Membros
da União Europeia. Também se desconhece quais os Estados-Membros relevantes para aferir a
necessidade destes apoios. Estas preocupações são particularmente relevantes na medida em que o
diploma estabelece patamares mínimos para o montante da isenção com os encargos correspondentes aos
CIEG 13.

O n.º 2 do artigo 195.º estabelece várias medidas de apoio com efeito nas tarifas reguladas, as quais se
analisam separadamente, por resultarem em preocupações diferentes.

REDUÇÃO, PARCIAL OU TOTAL, DOS ENCARGOS CORRESPONDENTES AOS CIEG [ALÍNEAS A) E B)]

Sendo os CIEG um reflexo de medidas de política energética, a alocação dos encargos com estes custos é
suscetível de uma decisão política, desde que não seja contrária aos princípios tarifários inscritos na Lei,
entre eles, a transmissão dos sinais económicos para uma utilização eficiente do sistema elétrico.

Contudo, a isenção, parcial ou total, com o limite mínimo de 75%, destes encargos para alguns utilizadores,
implica necessariamente um aumento de encargos para outros utilizadores. A realocação de encargos deve
assim ser justificada com base em critérios justos e proporcionais.

A proposta de (1) redução parcial ou total, com um limite mínimo de 75%, dos encargos correspondentes
aos CIEG na componente de consumo de energia elétrica proveniente da RESP e de (2) isenção total dos
encargos correspondentes aos CIEG, que incidem sobre a tarifa de uso global do sistema, na componente
de energia elétrica em autoconsumo através da RESP, afigura-se como preocupante por dois motivos.

13 Redução mínima de 75% no consumo a partir da RESP e isenção total no autoconsumo através da RESP.

38
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Primeiro, a redução tarifária na componente de energia elétrica proveniente da RESP, com um limite
mínimo de 75% nos CIEG, pode comprometer a promoção de autoconsumo junto dos clientes
eletrointensivos, uma vez que reduz os benefícios económicos associados com essa modalidade (face a um
fornecimento com redução da tarifa de acesso, i.e. a isenção dos encargos correspondentes aos CIEG).
Aliás, no caso de uma redução total, o benefício económico é inclusive maior do que o benefício atribuído
ao autoconsumo, uma vez que no último caso a isenção apenas afeta os encargos transmitidos através das
variáveis de faturação aplicáveis ao autoconsumo (energia ativa), não existindo por isso uma isenção dos
encargos dos CIEG refletidos na potência contratada.

Segundo, a isenção total na componente de energia elétrica em autoconsumo através da RESP resulta
numa discriminação face aos outros autoconsumidores. Isto porque, no enquadramento atual, a isenção
de CIEG para o autoconsumo é estabelecida através do Despacho n.º 6453/2020, de 19 de junho,
prorrogado através do Despacho n.º 10376/2021, de 22 de outubro. Atualmente, a isenção vigora durante
7 anos, a contar do início de exploração do projeto de autoconsumo, e é suscetível de ser alterada no
tempo através de novo despacho, nomeadamente para acautelar sustentabilidade financeira a longo prazo
do SEN [art. 212.º, n.º 6]. A medida de apoio incluída no Estatuto do Cliente Eletrointensivo é, por isso,
mais duradoura e vantajosa do que o regime aplicável ao autoconsumo em geral.

Importa aqui constatar que o estabelecimento destas condições de redução ou isenção dos encargos com
os CIEG para os clientes eletrointensivos coincide no tempo com a eliminação do regime de
interruptibilidade, o qual remunerava a disponibilidade de certas instalações de consumo em serem
interrompidas em resposta a uma ordem de redução de potência dada pelo operador da rede de
transporte. Estima-se que haverá uma sobreposição relevante no universo de instalações de consumo
abrangidas por uma e por outra situação. A remuneração da prestação do serviço de interruptibilidade,
cujo valor era classificado como um encargo de CIEG, permitia avaliar a sua evolução no tempo e o impacte
tarifário que representava para o conjunto dos consumidores do setor elétrico. Em contrapartida, a
aplicação do regime proposto de redução ou isenção dos encargos com os CIEG não implicará uma
contabilização equivalente, apesar do seu efeito de agravamento tarifário nos restantes consumidores ser
análogo.

Acresce que a consagração de uma redução mínima de 75% ou de uma isenção total nos encargos dos CIEG
para os clientes eletrointensivos não inclui nenhuma clausula de salvaguarda para o caso da
sustentabilidade financeira do SEN ser posta em causa por esta medida de apoio. Por comparação, no caso

39
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

da redução parcial ou total de CIEG para o autoconsumo, encontra-se expressamente prevista tal clausula
[art. 212.º, n.º 6]. Caso seja mantido o regime de isenção no regime jurídico do SEN, seria desejável
estabelecer no mínimo uma cláusula equivalente para este caso.

Ainda em relação à redução dos encargos correspondentes aos CIEG na componente de consumo, a ERSE
realizou uma quantificação dos impactes tarifários dessa medida de apoio. Como pressuposto de base
utilizaram-se os valores das Tarifas do Setor Elétrico para o ano de 2021, em termos de procura total e de
preços. Para simular o consumo anual dos clientes eletrointensivos (CEI), e na ausência de melhor
informação, recorreu-se a um valor alinhado com a quantificação de impactes tarifários a respeito do
Parecer da ERSE, de maio de 2020, sobre o projeto de despacho que prevê a isenção de CIEG nas tarifas de
Acesso às Redes a aplicar ao autoconsumo através da RESP. Como tal, os impactes tarifários assumem um
consumo anual de 8,8 TWh, correspondendo aproximadamente ao consumo das instalações abrangidas
pelas bandas IE, IF e IG do Eurostat (i.e., consumo > 20 GWh/ano) em 2020, ligados em MAT, AT e MT, o
que resulta num peso de cerca de 37% face ao consumo total dos clientes em MAT, AT e MT. Tendo por
base estes pressupostos, adotaram-se dois cenários distintos, designadamente (A) a redução de 75% dos
encargos com os CIEG e (B) a isenção total de CIEG.

Para cada cenário, assumiu-se que o impacte tarifário da isenção aplicada aos CEI é realocado aos restantes
clientes de forma proporcional na tarifa de acesso às redes, assegurando-se a estabilidade tarifária. Os
resultados ao nível da tarifa de acesso às redes e da tarifa de referência de venda a clientes finais (tarifa de
referência) 14 são apresentados no Quadro 2-1 (Cenário A) e no Quadro 2-2 (Cenário B). O valor económico
da isenção, foi estimado em 122,4 milhões de euros no Cenário A e em 163,2 milhões de euros no Cenário
B. Consequentemente, a atribuição destas isenções aos CEI implica um agravamento tarifário significativo
para os outros clientes, que se manterá enquanto durar a isenção.

14O conceito de «tarifa de referência» inclui para além da tarifa de acesso às redes também valores relativos à energia e à
comercialização. Ele corresponde por isso ao conceito da «tarifa transitória», deduzida de eventuais fatores de agravamento.

40
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Quadro 2-1 – Impacte tarifário da redução de 75% nos CIEG (Cenário A)

Impacte tarifário, Tarifas 2021


MAT AT MT BTE BTN> BTN<
Cenário A: Redução de 75% nos CIEG
Impacte na Tarifa de Referência, em %

Clientes Eletrointensivos % -17,0% -17,5% -18,7% - - -

Outros clientes % +1,3% +1,4% +1,9% +2,4% +2,4% +2,5%

Impacte na Tarifa de Acesso às Redes, em %

Clientes Eletrointensivos % -54,73% -49,57% -40,2% - - -

Outros clientes % +4,0% +4,0% +4,0% +4,0% +4,0% +4,0%

Quadro 2-2 – Impacte tarifário da isenção total de CIEG (Cenário B)

Impacte tarifário, Tarifas 2021


MAT AT MT BTE BTN> BTN<
Cenário B: Isenção total de CIEG
Impacte na Tarifa de Referência, em %

Clientes Eletrointensivos % -22,7% -23,4% -25,0% - - -

Outros clientes % +1,7% +1,9% +2,5% +3,1% +3,2% +3,3%

Impacte na Tarifa de Acesso às Redes, em %

Clientes Eletrointensivos % -72,97% -66,10% -53,6% - - -

Outros clientes % +5,4% +5,4% +5,4% +5,4% +5,4% +5,4%

De referir que o impacte tarifário estimado depende do nível global dos CIEG incluído nas tarifas reguladas
de um determinado ano. Em particular, esse nível é sensível ao preço de energia nos mercados grossistas
de eletricidade, uma vez que influencia diretamente o valor diferencial de custo com a aquisição de energia
aos produtores de eletricidade e com a aquisição de energia ao abrigo dos Contratos de Aquisição de
Energia (CAE).

ISENÇÃO DA APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE PROXIMIDADE ENTRE A UPAC E A INSTALAÇÃO DE CONSUMO [ALÍNEA B)]

A ERSE manifesta-se contrária a esta medida de apoio. Enquanto as medidas de apoio relacionadas com a
redução ou isenção dos encargos CIEG dizem respeito à alocação de custos de política energética, a isenção
dos critérios de proximidade aplicáveis ao autoconsumo coletivo reflete-se diretamente na aplicação das
tarifas de uso das redes e, consequentemente, na recuperação de receitas das atividades reguladas pela
ERSE, interferindo assim no equilíbrio económico e financeiro dessas mesmas atividades.

41
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

A aplicação dos critérios de proximidade é relevante em termos tarifários, porque estabelece as condições
nas quais se estima que o autoconsumo coletivo através da RESP permite evitar custos nas redes ao
aproximar os pontos de produção e consumo, libertando capacidade nas redes elétricas para outros
utilizadores. São estes critérios de proximidade, conjugados com as futuras análises de inversão de fluxos
nas redes, que permitem à ERSE estabelecer a redução parcial ou total de algumas tarifas de uso das redes.

Inscrever a isenção destes critérios na legislação de bases para alguns clientes carece de fundamento
económico e prejudica a transparência e a equidade, podendo inclusivamente resultar em custos
acrescidos para todo o SEN se daí resultar o desenvolvimento de um autoconsumo pautado por grandes
distâncias entre os pontos de produção e consumo, comprometendo assim as vantagens desta nova forma
organizacional.

Precisamente por se tratarem de clientes eletrointensivos, a isenção poderá desviar artificialmente uma
parcela significativa de consumo nacional para o regime de autoconsumo, esvaziando o trabalho técnico
da ERSE nesta matéria que se apresentava como potenciadora da transição energética.

Acresce que, tal como referido no ponto 2.1.2, relativo ao autoconsumo, esta exceção contraria um dos
aspetos essenciais do próprio conceito de autoconsumo definido na lei e na Diretiva europeia, pelo que
não deve ser adotada. Em alternativa, considera-se que a possibilidade de contratar, diretamente ao
produtor, energia renovável produzida numa instalação localizada na RESP, sem restrição de proximidade,
pode ser assegurada através da figura do “Contrato de aquisição de eletricidade renovável”. Essa figura
pode ser desenvolvida para que o contrato “direto” coexista com um contrato de fornecimento com um
comercializador, tal como sucede no modelo de autoconsumo através da RESP.

Este modelo é precisamente o previsto pelo artigo 280.º, caracterizado como regime transitório. Assim,
considera-se que devem ser eliminadas as alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 195.º, sendo substituídas com o
mesmo efeito prático, pelo regime do art. 280.º. O referido artigo deve ser clarificado quanto à instalação
de produção cujo licenciamento faria cessar o regime transitório, pois não é claro a que instalação se refere
o artigo. Ao montante da isenção de CIEG a considerar, via art. 280.º, aplicam-se as considerações feitas
nos parágrafos anteriores quanto às alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 195.º.

42
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

MECANISMO DE COBERTURA DE RISCO [ALÍNEA D)]

O mecanismo de cobertura de risco, referido na alínea d), levanta um conjunto de dúvidas. Em primeiro
lugar, pelo papel pouco claro do Estado como garante do risco de preço em contratos bilaterais privados,
no qual, presumivelmente, a materialização de benefícios superiores aos previstos no contrato é imputada
aos privados, mas a materialização de custos é imputada ao Estado. A contratualização privada bilateral
pode ser, precisamente, um mecanismo de anulação do risco de preço entre as partes, sem necessidade
de terceiros. Em segundo lugar, importa clarificar se a expressão “por conta do Estado” significa um
financiamento direto a partir do Orçamento de Estado ou se redunda na criação de um novo CIEG, a
repercutir diretamente nas tarifas do setor elétrico, ou indiretamente por uma consignação diferente de
verbas destinadas atualmente para o SEN.

2.4.5 FINANCIAMENTO DA TARIFA SOCIAL

O diploma altera a base de incidência da responsabilidade pelo financiamento da tarifa social (art.º 199.º),
passando a ter uma discriminação não apenas pela dimensão (potência instalada) mas, também, pela
tecnologia do produtor.

A ERSE reitera os comentários já realizados a respeito do financiamento da tarifa social 15, salientando a
necessidade de uma reavaliação do modelo da tarifa social. O artigo 293.º estabelece uma regra geral de
revisão das regras, mas não estipula a entidade responsável pela mesma e não esclarece sobre a contagem
dos prazos, para cumprimento da obrigação. Neste contexto, sugere-se a alteração deste artigo visando
concretizar os elementos referidos, de modo a assegurar a efetividade desta norma.

As alterações efetuadas ao regime da tarifa social têm-se consubstanciado num aumento do número de
consumidores abrangidos por este regime. Portugal é já o país da União Europeia (UE) com maior
percentagem de clientes abrangidos pelo regime de tarifa social.

Nos termos do artigo 5.º da Diretiva (UE) 2019/944, a proteção dos clientes domésticos vulneráveis e em
situação de carência energética deve ser assegurada por meio da política social ou por outros meios que

15 https://www.erse.pt/media/jaffqy4i/estudo-sobre-o-financiamento-da-tarifa-social-de-eletricidade.pdf

43
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

não as medidas de intervenção pública na fixação de preços de eletricidade. Na referida lógica de medida
de coesão social, sem descurar a importância da tarifa social, é desejável uma reflexão sobre mecanismos
alternativos para a proteção de consumidores vulneráveis no setor energético e sobre a sua amplitude16.

Apesar do sugerido pela ERSE no estudo acima citado, a forma de financiamento através dos produtores
mantém-se, com repartição em função da potência instalada. Neste sentido, a redação do numero 1 do
art.º 199.º define os centros electroprodutores elegíveis para financiamento da tarifa social, considerando,
neste grupo, “ os aproveitamentos hidroelétricos com potência de ligação superior a 10 MVA, na proporção
da potência instalada de cada centro eletroprodutor, independentemente da potência de injeção da rede
estar ou não limitada a 10 MVA”.

Concorda-se com a formulação deste artigo, destacando-se a alteração de “produtores em regime


ordinário” para produtores com fonte de energia primária não renovável e os aproveitamentos
hidroelétricos com potência de ligação superior a 10 MVA e a introdução da expressão
“independentemente da potência de injeção da rede estar ou não limitada a 10 MVA”, que permite
clarificar as centrais elegíveis para a repartição do financiamento da tarifa social.

Caso se opte por manter o atual modelo, tendo em vista a melhoria do procedimento e a eventual
recuperação dos montantes que existem por liquidar, sugere-se ponderar a introdução de norma
transitória no diploma, com a seguinte redação:

Artigo […]

Norma transitória

1- A ERSE deve proceder à liquidação definitiva dos montantes de financiamento dos custos com a aplicação
da tarifa social respeitantes a períodos que não hajam ainda sido definitivamente liquidados.

2- Para efeitos do número anterior, os sujeitos a que se referem os n.ºs 1 e 2A do artigo 199.º devem ser
concretamente identificados pela DGEG no prazo de 30 dias após indicação pela ERSE dos períodos ainda não
liquidados.

16 Estudo da ERSE disponível em


https://www.erse.pt/media/jaffqy4i/estudo-sobre-o-financiamento-da-tarifa-social-de-eletricidade.pdf.

44
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

3- Na liquidação a que se refere o n.º 1, a ERSE pode permitir o pagamento faseado, ao longo de um período
máximo de quatro anos, dos montantes por parte dos sujeitos passivos identificados nos termos do número
anterior, em termos que permitam assegurar a neutralidade financeira.

2.4.6 EXTINÇÃO DAS TARIFAS TRANSITÓRIAS

O artigo 140.º, que estabelece os direitos e deveres do comercializador de último recurso, determina um
procedimento para o regresso ao mercado livre nas situações em que um cliente tenha passado a ser
fornecido pelo comercializador de último recurso por o seu comercializador do mercado livre ter ficado
impedido de exercer a atividade. Esse procedimento inclui um prazo máximo de 4 meses para o cliente
contratualizar o fornecimento com um novo comercializador do mercado livre. O procedimento prevê que
se decorrido o período sem que o cliente tenha celebrado novo contrato de fornecimento de eletricidade
com um comercializador registado, aplicam-se as regras definidas na regulamentação da ERSE.

Atendendo a que a contratualização do fornecimento de eletricidade nos níveis acima de BTN tende a ser
customizada, podendo exigir um tempo de negociação mais longo, incluindo para comparação de ofertas
de múltiplos comercializadores 17, considera-se que um período de 4 meses é adequado, representando
uma extensão face ao atualmente em vigor (2 meses).

De igual forma, a ERSE concorda com a redação do n.º 6, que remete para a regulamentação da ERSE a
fixação de demais diligências, nas situações em que o prazo para celebração de contrato em mercado for
ultrapassado, bem como com a simplificação da terminologia a adotar para o preço previsto no n.º 4 desse
artigo.

No que respeita ao artigo 289.º da proposta do diploma, a ERSE concorda com a inclusão no diploma das
datas previstas para a extinção das tarifas transitórias, permitindo simplificar de forma significativa o acesso
à informação e a compreensão do regime.

Sugerem-se, ainda assim, as melhorias à redação do artigo 289.º, cuja proposta foi incluída no articulado:

17 Acresce que nos níveis de tensão acima de BT tende a haver a prática de períodos de fidelização.

45
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

 A data relativa à extinção de tarifas em MT (n.º, al. a), prevista para 31 de dezembro de 2021
poderá ser desnecessária, face à data de publicação do diploma. Neste contexto, ponderar a sua
eliminação.

 No n.º 2 prevê que todas as tarifas transitórias estejam isentas de fator de agravamento.
Atualmente a BTE está sujeita à aplicação de fator de agravamento. Considerando que as tarifas
de BTE a aplicar em 2022 deverão ser aprovadas 18 antes da entrada em vigor deste diploma, a
redação proposta do n.º 2 poderá exigir uma alteração da decisão de aprovação de tarifas, criando
uma situação de dúvida e incerteza, que se considera indesejável. Assim, propõe-se, a manutenção
do regime em vigor, limitando a ausência de fatores de agravamento aos consumos em BTN.

 No que respeita ao n.º 4, salientamos que a regra é omissa sobre o que acontece no final do
período transitório. Ou seja, refere a obrigação de celebração de novos contratos em regime de
preços livres, mas é omisso sobre os contratos que se mantiverem no CUR. Em conjugação com o
artigo 140.º, n.º 8, o CUR não pode interromper o fornecimento de energia, nem se prevê
condições de rescisão dos contratos vigentes. Neste contexto, propõe-se, à semelhança do já
previsto no artigo 140.º, n.º 6, que decorrido o período previsto sem que o cliente celebre um novo
contrato de fornecimento de eletricidade com um comercializador registado, aplicam-se as regras
definidas na regulamentação da ERSE, visando a criação de estratégias que incentivem a adesão ao
mercado.

2.4.7 REGIME REMUNERATÓRIO DAS ATIVIDADES DE PRODUÇÃO E ARMAZENAMENTO

O art. 4.° da Diretiva (UE) 2018/2001 refere que os Estados-Membros podem aplicar regimes de apoio à
energia de fontes renováveis, baseados nos mercados de eletricidade, de forma a contribuir para que a UE
atinja uma quota de, pelo menos, 32% de energia de fontes renováveis no consumo final bruto de energia,
em 2030. Neste contexto, o n.º 3 do referido artigo, assinala que, para o efeito de apoio às energias
renováveis e no que concerne ao apoio direto ao preço, o apoio deverá ser concedido sob forma de prémio
de mercado, podendo-se assumir neste prémio várias particularidades (pode ser variável ou fixo e/ou com
limiares mínimos e máximos).

18 A ERSE aprovará e publicará as tarifas e preços de energia elétrica a aplicar em 2022 até ao dia 15 de dezembro de 2021.

46
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

O atual art. 17.º estabelece um regime padrão das atividades de produção e de armazenamento de
eletricidade, que são remuneradas a um preço livremente estabelecido em mercado [n.º1]. Estabelece
ainda a possibilidade ser serem criados regimes de apoio às energias renováveis que, face às condições
referidas na Diretiva, se afiguram como excecionais.

No âmbito dos regimes de apoio à energia de fontes renováveis, a Diretiva (UE) 2018/2001 elenca ainda
um conjunto de ferramentas que podem (ou devem) ser adotadas pelos Estados-Membros,
nomeadamente, a avaliação da eficácia dos regimes de apoios à eletricidade de fontes renováveis, a
publicação de um calendário de longo prazo que preveja a atribuição previsível do apoio, a possibilidade
de criação de mecanismos que assegurem a diversificação regional da produção, o princípio da garantia da
viabilidade económica dos projetos e dos direitos e condições adquiridas em função de potenciais revisões
dos apoios financeiros. Apesar da inclusão no art. 17.º da possibilidade de atribuição de prémios à produção
a partir de fontes de energia renováveis que visem apenas a recuperação do custo de oportunidade do
investimento, não se encontram referências no projeto de diploma a este processo de revisão.

Na redação do art. 17.º, sugere-se acrescentar um número que preveja uma análise por parte da ERSE aos
apoios atribuídos e respetivos impactos no equilíbrio económico-financeiro do SEN. A redação que se propõe
para este novo número é a seguinte: “ Sem prejuízo da atribuição dos apoios conforme referidos no n.º 2,
os respetivos impactos económico-financeiros no SEN deverão ser avaliados pela ERSE.”

2.5 CONSUMIDORES

2.5.1 CONCEITO DE CLIENTE E CONSUMIDOR

O projeto de diploma em análise optou por não incluir uma definição quer de cliente quer de consumidor,
embora identifique expressamente os consumidores de energia no elenco dos intervenientes no SEN. A
utilização indistinta de cliente e de consumidor na legislação e regulamentação relativas ao SEN, suscita
inevitáveis dúvidas sobre o regime jurídico aplicável. Para a lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96, de
31 de julho), “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou
transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter
profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”. Também no setor elétrico,
assistimos a diferentes molduras legais consoante se trate de um consumidor, que destina a energia

47
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

elétrica a consumo doméstico, ou de um cliente que faz uso da energia para fins profissionais, no exercício
de uma atividade económica. Não é imprescindível a inclusão de uma definição de cliente e de consumidor,
mas parece essencial que a referência a um e a outro conceito seja cautelosa e considere as inerentes
diferenças de tratamento que a lei lhes confere. Ou seja, quando o diploma que estabelece o regime
jurídico do SEN estabelece direitos e deveres ao consumidor de energia elétrica tem que considerar que se
trata de um consumidor como tal definido na lei de defesa do consumidor. Neste sentido, de âmbito mais
abrangente, entende-se mais correta a referência a “clientes de eletricidade” entre os intervenientes do
SEN, em vez de “consumidores de eletricidade” (artigo 8.º, n.º 1, alínea t).

2.5.2 FATURA

As faturas devem ser claras e fáceis de compreender e de comparar. Esta poderia ser a máxima a seguir
quando abordamos o tema da faturação.

Por sua vez, para garantir maior transparência e conhecimento ao consumidor sobre o que é objeto de
faturação, as normas nacionais e europeias elegem a fatura como o instrumento privilegiado para fazer
chegar ao consumidor cada vez mais informação. Neste sentido, o Anexo I da Diretiva (UE) 2019/944
estabelece os requisitos mínimos em matéria de faturação e informações sobre a faturação, obrigando-se
o Estado português à sua transposição, sem prejuízo das obrigações já previstas na ordem jurídica interna,
designadamente na Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro.

Será, assim, necessário promover a emissão de faturas que contenham a informação essencial exigida, com
o detalhe e a clareza desejáveis para uma melhor compreensão do seu conteúdo pelos consumidores. É,
ainda, preciso garantir que a informação não é excessiva, prejudicando a clareza pretendida e
desincentivando os consumidores à sua leitura e compreensão.

Trata-se de um tema que poderá beneficiar de intervenção regulamentar pela ERSE, sugerindo-se assim
que no diploma se limite aos princípios, remetendo para regulamentação posterior pela ERSE.

2.5.3 INFORMAÇÃO, RECLAMAÇÕES E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A ERSE dispõe no seu site na internet de uma área específica destinada aos consumidores de energia, na
qual se encontra informação alargada sobre os direitos do consumidor, relativos, por exemplo, ao
fornecimento de eletricidade, aos meios de resolução de conflitos de consumo, ao acesso ao Livro de

48
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

Reclamações Eletrónico para apresentação de reclamações, entre outros instrumentos de alerta e de


capacitação dos consumidores, procurando melhorar a sua participação nos mercados energéticos.

Acreditando na importância da informação transmitida através do site da ERSE e na sua eficácia junto do
consumidor, valorizada com a sua disseminação pública e dirigida às entidades de defesa dos consumidores
e de resolução de conflitos de consumo, vê-se como positiva a previsão proposta no projeto de divulgação
de informação através do site da ERSE..

A informação sobre os procedimentos de resolução de conflitos de consumo, até porque transversais a


todos os setores económicos, incluindo todos os serviços públicos essenciais, é gerida, por força da lei, pela
Direção-Geral do Consumidor. O mesmo sucede com a plataforma do Livro de Reclamações Eletrónico,
destinada a veicular as reclamações e os pedidos de informação junto dos fornecedores de bens e serviços
e das correspondentes entidades reguladoras e fiscalizadoras. Ainda assim, o Livro de Reclamações
Eletrónico não esgota os canais de contacto e de entrada de reclamações, desde logo junto das empresas,
nem das entidades reguladoras. Embora sabendo que a terminologia proposta neste domínio seja a
herdada da legislação setorial em vigor, importará, salvo melhor entendimento, garantir apenas que a ERSE
cumpra o seu dever de informação junto dos consumidores, intervindo no tratamento de reclamações e
na resolução de conflitos, nos termos previstos nos seus estatutos e demais legislação aplicável. Todavia,
o disposto no artigo 185.º do projeto de diploma em apreço parece apontar para a atribuição à ERSE do
monopólio no tratamento de reclamações e na resolução de conflitos, invocando para o efeito a Lei n.º
23/96, de 26 de julho, na sua redação atual. Ora, esta lei, conhecida por lei dos serviços públicos essenciais,
sobre esta matéria, apenas dispõe no seu artigo 15.º: “Os litígios de consumo no âmbito dos serviços
públicos essenciais estão sujeitos a arbitragem necessária quando, por opção expressa dos utentes que
sejam pessoas singulares, sejam submetidos à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de
conflitos de consumo legalmente autorizados.” A ERSE não dispõe, nem pode, de um tribunal arbitral para
a resolução de conflitos, incluindo os de consumo. A ERSE promove sim o recurso à arbitragem como meio
de resolução alternativa de litígios de consumo, tendo celebrado em 2019 protocolos de apoio técnico e
financeiro com os sete centros de arbitragem de conflitos de consumo. Sugere-se, por isso, a revisão do
referido artigo 185.º, no sentido de prever o direito de os clientes e outros intervenientes no SEN poderem
apresentar reclamações junto da entidade com quem se relacionam, sempre que considerem incumpridas
as disposições legais e regulamentares aplicáveis. As regras relativas à forma e meios de apresentação de
reclamações, bem como sobre o seu tratamento são objeto do Regulamento da Qualidade de Serviço. Por
sua vez, além do recurso às instâncias judiciais, os clientes podem solicitar a intervenção da ERSE na

49
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

resolução alternativa de litígios, a qual deve promover o recurso à arbitragem. A resolução de litígios de
consumo no setor elétrico fica sujeita à arbitragem necessária, nos termos previstos na Lei n.º 23/96, de 26
de julho, na sua redação atual.

2.5.4 CLIENTE VULNERÁVEL

A Diretiva (UE) 2019/944 obriga os Estados-membros a definirem o conceito de cliente vulnerável. O


projeto de diploma propõe, em alternativa, a figura de cliente economicamente vulnerável, definindo-o
como sendo aquele que tem acesso à tarifa social, ao fornecimento pelo CUR após extinção das tarifas
reguladas e aos mecanismos de apoio previstos na Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à
Pobreza Energética, segundo os requisitos definidos em cada instrumento de apoio [art. 186.º]. Sem
prejuízo de se concordar que na base estará um cliente vulnerável como o beneficiário da tarifa social e
dos mecanismos de apoio em matéria de combate à pobreza energética, já o fornecimento pelo CUR pode
ser questionável na circunstância de fornecimento supletivo a clientes diversos por incapacidade do
comercializador em regime de mercado.

Faria todo o sentido que a lei de bases do SEN incluísse um conceito mais genérico e abrangente de cliente
vulnerável. Serão particularmente relevantes para este efeito os trabalhos desenvolvidos em sede da
Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética.

2.5.5 APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE ENERGIA

A proposta enviada aborda a temática da apropriação indevida de energia, a partir do artigo 250.º.
Aplaude-se esta opção, desde logo porque o regime atualmente vigente (o vetusto Decreto-Lei n.º 328/90,
de 22 de outubro, na sua redação vigente) se encontra muito desatualizado, em face dos desenvolvimentos
(incluindo de organização do setor elétrico) entretanto operados.

A ERSE já havia submetido proposta de consagração de um novo regime jurídico da apropriação ilícita de
energia que incluísse, além da energia elétrica, outros setores, como o do gás. Crê-se que a previsão
normativa de algumas soluções poderia ter sido mais abrangente. Em todo o caso, através da competência
regulamentar expressamente atribuída, a ERSE procurará completar o quadro normativo.

Nesta matéria os aspetos a melhorar, face à proposta, concentram-se no artigo 206.º. Em primeiro lugar
para esclarecer, no n.º 1, que o “deferimento do pedido de reapreciação” pressupõe o direito de recurso

50
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

dos consumidores nos termos do 262.º. Depois, com maior importância, para sublinhar que o artigo 260.º,
n.º 3, não parece minimente aceitável. Esta disposição, sob a epígrafe “Responsabilidade do operador de
rede” consagra norma que confere ao operador da rede o direito a que sejam os consumidores do SEN (no
seu todo) que pagam pelos erros da empresa. Com efeito, segundo esta disposição “Os valores que o
operador de rede deva pagar nos termos do presente artigo, e que não correspondam a meras devoluções
de importâncias recebidas, são considerados custos aceites para efeitos de regulação.”. O que significa,
caso esta disposição não seja eliminada, que nos casos em que o consumidor recorre da posição do
operador de rede e vê deferido o seu pedido de reapreciação (face às conclusões que o operador de rede
havia retirado da sua atividade inspetiva) as consequências do erro do operador seriam imputadas a todos
os consumidores.

Propõe-se que o n.º 1 do artigo 260.º disponha no sentido de explicitar o direito dos consumidores (v.g. “O
consumidor tem direito a requerer a reapreciação da posição do operador de rede, incluindo através dos
meios previstos no artigo 262.º, e nos casos de deferimento do pedido de reapreciação (…)”) e, sobretudo,
a eliminação do n.º 3 do artigo 260.º pelas razões expostas.

2.6 INOVAÇÃO

2.6.1 ZONAS LIVRES TECNOLÓGICAS

Na definição do modelo das Zonas Livres Tecnológicas (ZLT) (artigos 216.º a 225.º) inclui-se um princípio
de transparência e não discriminação exigível aos projetos-piloto a testar [art. 216.º]. A natureza destes
projetos leva a que sejam direcionados para circunstâncias específicas e a precisar da adesão voluntária
dos participantes. Adicionalmente, destinam-se a testar tecnologias inovadoras com interesse comercial,
nas quais o segredo comercial será importante. Estas características não parecem compatíveis com o
princípio definido.

O diploma aponta para uma remuneração da produção de energia elétrica nas ZLT a preço de mercado
[artigo 224.º]. Esta opção diverge da circunstância atual do projeto Windfloat, instalado na ZLT prevista
para Viana do Castelo, o qual tem uma tarifa garantida acima do preço de mercado. Assim, poderá ser
necessário prever essa exceção. Adicionalmente, não se identifica qualquer entidade com obrigação de

51
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

compra da produção nas ZLT [art.º 224.º], pelo que se admite que a venda da produção de energia elétrica
dentro de uma ZLT se exerce em regime livre.

A instalação de projetos de investigação científica e desenvolvimento nas ZLT que obtenham registo prévio
estão isentos do pagamento de tarifas de acesso às redes, bem como de outros encargos relativos à
comparticipação nas redes [art. 223.º]. Prevê-se também, na alínea c), n.º 1 do artigo 53.º, que os projetos
nas ZLT sejam dispensados de suportar os encargos do estabelecimento de ligação entre o centro
electroprodutor e o ponto de interligação à rede.

A aprovação da metodologia e dos preços das tarifas de acesso é uma das competências da ERSE, como
decorre do previsto no artigo 206.º, n.º 1, al. b) da proposta. Nos termos da Diretiva (UE) 2019/944 (artigo
57.º, n.º 4, al. b), subalínea ii)), os Estados-Membros devem garantir a independência da entidade
reguladora e assegurar que esta exerce os seus poderes de modo imparcial e transparente. Para o efeito,
os Estados-Membros devem assegurar que, no exercício das funções reguladoras que lhe são conferidas
pela Diretiva e pela legislação conexa, a entidade reguladora não solicita nem recebe instruções diretas de
qualquer entidade governamental ou outra, pública ou privada, no desempenho das funções
reguladoras 19.

Face ao exposto, sublinha-se o entendimento de que a referência à isenção do pagamento da tarifa de


acesso às redes é contrária à Diretiva UE 2019/944, pelo que deve ser eliminada.

A prever a existência de isenções de pagamento ou de benefícios, os mesmos devem dizer respeito às


matérias cometidas à decisão de política energética, designadamente relativamente à aplicação do CIEG
ou à aplicação de outros apoios, assegurando-se que não constituam subsidiações cruzadas entre as
atividades de transporte, distribuição e comercialização ou outras atividades ligadas ou não ao setor da
eletricidade, conforme decorre do artigo 59.º, n.º1, al. j) da Diretiva europeia, nem ponham em causa a
sustentabilidade económica do SEN. Eventuais isenções tarifárias podem fazer sentido para determinados
projetos, mas devem ser decididas pelo regulador, tal como aconteceu no projeto-piloto de participação
do consumo no mercado de reserva de regulação. Estas devem ser ponderadas caso-a-caso, numa lógica

19Artigo 6.º da Diretiva (EU) 2019/944: «1.Os Estados-Membros devem garantir a existência de um sistema de acesso de terceiros
às redes de transporte e distribuição baseado em tarifas publicadas, aplicáveis a todos os clientes de forma objetiva e sem
discriminação entre os utilizadores da rede.»

52
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

de «caixas de areia regulatórias» 20. As caixas de areia regulatórias são defendidas pelo Conselho Europeu
de Reguladores da Energia (CEER) no sentido de haver uma regulação mais dinâmica e amiga da inovação.

2.7 APLICAÇÃO ÀS REGIÕES AUTÓNOMAS

A aplicação do diploma às regiões autónomas depende de legislação regional, sem prejuízo das
competências das autoridades com âmbito nacional, como a ERSE, por exemplo (artigo 265.º). Todavia,
este modelo jurídico tem deixado algum espaço para dúvidas interpretativas, nomeadamente quanto às
consequências das opções de política energética regional nos custos dos sistemas elétricos da região.

Os custos de produção, das redes, e até dos CIEG, nas regiões autónomas, dependem das circunstâncias
geográficas dos territórios (isolados, de pequena escala), mas também de opções legítimas da política
regional. No entanto, através do mecanismo da convergência tarifária entre o continente e as regiões
autónomas, os custos dessas opções são parcial, ou totalmente, refletidos nos consumidores do
continente.

Assim, propõe-se que o diploma em causa clarifique a interpretação do mecanismo de convergência


tarifária, em condições equivalentes de opções de política energética. Um exemplo claro dessas opções é
o preço da tarifa administrativa de compra de produção renovável.

Por outro lado, o diploma pode prever a sujeição dos planos de investimento nas regiões autónomas ao
parecer da ERSE, no âmbito das suas competências de regulação, não colocando em causa a autonomia
regional.

20 As «caixas de areia regulatórias» («regulatory sandboxes», no inglês) consistem na dispensa temporária de certas regras
regulatórias de forma a incentivar a inovação nas empresas.

53
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

2.8 OUTROS TEMAS

DEFINIÇÃO DE ENERGIA ADICIONAL E DE SOBREEQUIPAMENTO

As definições de «energia adicional» e de «energia de sobreequipamento» tornam difícil destrinçar a


diferença entre ambas, dado que se, em ambos os casos, se trata de energia proveniente de potência
instalada que supera a potência de ligação. A principal diferença parece residir no regime remuneratório
que lhes seja aplicável, sendo que, no caso da energia do sobrequipamento, o artigo 66.º diferencia entre
a energia do sobreequipamento de centros electroprodutores já licenciados e em exploração e os
restantes. Talvez estas definições possam conter referências aos respetivos regimes de licenciamento para
que se torne mais fácil distinguir ambos os conceitos.

DEFINIÇÃO DE POTÊNCIA GARANTIDA APARENTE

A definição de potência garantida aparente é somente utilizada no articulado no n.º 3 do artigo 27.º relativo
a “Critérios gerais para atribuição de licença de produção”, para efeitos de determinação de quotas de
capacidade do produtor para efeitos de atribuição de licença. Esse conceito parece ajustar a capacidade
nominal dos ativos de geração de base renovável em capacidade efetivamente disponível em função da
utilização efetiva dos ativos de geração, pelo que dever-se-á assegurar o mesmo critério de aplicação a
outras tecnologias de natureza renovável ou intermitente para efeitos de tratamento não discriminatório.
Realça-se ainda que os valores apresentados não sofreram alteração desde do Decreto-Lei n.º 172/2006,
de 23 de agosto, sabendo que, devido à evolução tecnológica, os fatores de utilização médios da potência
possam eventualmente ter sido melhorados.

A este respeito, refere-se também o comentário feito no ponto 2.1.3, sobre a interpretação do art. 27.º.

PREÇOS RECOMENDADOS PARA O FORNECIMENTO EM BT

Nos termos do artigo 59.º, n.º 1, al. s) da Diretiva 2019/944, as entidades reguladoras devem publicar
recomendações, com frequência pelo menos anual, sobre a conformidade dos preços de comercialização

54
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

com o disposto no artigo 5.º, e transmiti-las, quando adequado, às autoridades responsáveis pela
concorrência.

O artigo 181.º da proposta, por sua vez, refere que a ERSE elabora, anualmente, um relatório indicando os
preços recomendados para o fornecimento em BT. Considera-se que a terminologia da Diretiva é mais
adequada ao regime de exercício da atividade de comercialização, em livre concorrência, não estipulando
a ERSE preços recomendados. Face ao exposto, sugere-se a alteração da redação, substituindo a
terminologia de “preços recomendados” por “preços de referência de venda a clientes finais”.

REFERÊNCIAS A PEÇAS DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA DA ERSE

A ERSE entende que devem ser evitadas referências a peças de regulamentação específicas da ERSE, para
além das que estão previstas no artigo 235.º. A título de exemplo, as referências ao MPGGS ou ao GMLDD,
devem ser, preferencialmente, substituídas por “na regulamentação da ERSE”. Tratam-se de peças
regulamentares de maior detalhe que se articulam com os restantes Regulamentos da ERSE, pelo que é
desejável que não se cristalize em legislação as matérias que delas devem constar.

ARTIGO 49.º - CEDÊNCIAS

Por razões de não discriminação, pareceria fazer sentido que a obrigação estabelecida neste artigo fosse
aplicável a todos os centros electroprodutores e não apenas aos de fonte primária renovável. Também não
resulta claro se a aplicação deste artigo se circunscreve a todos os centros electroprodutores ou apenas
àqueles que obtenham licença após a entrada em vigor da nova legislação.

HIBRIDIZAÇÃO

A proposta contém algumas disposições dispersas relativas à prioridade de injeção, nomeadamente em


situações nas quais o centro existente detém título de utilização dos recursos hídricos, título de utilização
do espaço marítimo, beneficia de regime de remuneração garantida ou bonificada ou beneficie de um
regime remuneratório estabelecido em procedimento concorrencial. Talvez a sistematização destas
disposições num artigo único, incluindo também a regra aplicável quando o centro electroprodutor
existente não se inclui em nenhuma das situações referidas, tornasse mais clara a compreensão das regras
aplicáveis.

55
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

ENCARGOS COM OS CAE NÃO CESSADOS

A proposta de Decreto-Lei contém disposições sobre a recuperação de alguns encargos associados à


cessação dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) geridos pela REN Trading.

No entanto, no que respeita aos encargos com o encerramento da atividade da REN Trading, realça-se ser
esta uma matéria acompanhada pela ERSE no quadro da sua atividade regulatória, face ao contexto muito
particular do exercício da atividade da empresa no período que decorrerá até ao fim dos CAE. Esta matéria
deve ser tratada no contexto particular da avaliação final a realizar pela ERSE do desempenho da REN
Trading, no cumprimento dos objetivos regulatórios que lhe foram definidos desde a sua constituição.

Por este motivo, entende-se desnecessária a inclusão deste tema ao nível do regime jurídico do SEN.

2.9 NORMA REVOGATÓRIA

Avaliando as matérias incluídas no projeto de diploma, e não dispensando uma análise detalhada das
consequências da revogação, deve ser ponderada a revogação adicional da Portaria n.º 332/2012, de 22
de outubro, que estabelece os critérios para a repercussão diferenciada dos custos decorrentes de medidas
de política energética, de sustentabilidade ou de interesse económico geral na tarifa de uso global do
sistema aplicável às atividades do Sistema Elétrico Nacional.

Sugere-se ainda ponderar a revogação da Portaria nº 301-A/2013, sobre a remuneração dos terrenos.

3 CONCLUSÕES

A ERSE sublinha a importância do processo legislativo da transposição do pacote de Energia Limpa para
todos os Europeus e reformulação das bases de organização do SEN. Esta transformação jurídica é, em
muitos aspetos, essencial para facilitar e desbloquear a concretização da transição energética.

A opção por consolidar vários diplomas estruturantes do SEN promove a sua consistência e facilita a sua
compreensão pelos agentes do setor.

56
PARECER SOBRE O PROJETO DE ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DO SEN

O diploma incorpora diversas propostas e temas levantados pela ERSE num passado recente, o que se
regista, acreditando que essas alterações incrementais ajudarão a melhorar o funcionamento do sistema
elétrico.

Resulta do diploma um vasto conjunto de novas obrigações, por exemplo regulamentares, visando várias
entidades, incluindo a ERSE. Assim, a concretização na prática dos princípios enunciados no regime do SEN
será precedida de processos de elaboração ou alteração de regulamentação, envolvendo os interessados
do setor e acompanhando as evoluções da tecnologia e da política energética nacional e europeia, em
rápido desenvolvimento.

A análise do projeto de diploma suscita um conjunto de comentários, que se transmitem pelo presente
parecer.

Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, em 24 de novembro de 2021

Emitido no exercício das competências consultivas dos artigos 15º a 18º dos Estatutos da ERSE, o documento é suscetível de ser disponibilizado
publicamente, após tomada de decisão ou um ano após a elaboração, sem prejuízo do acesso ou divulgação anterior, nos termos legais. A
disponibilização não abarca a informação que, por natureza, seja comercialmente sensível, segredo legalmente protegido ou dados pessoais.

57

Você também pode gostar