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DOI: http://dx.doi.org/10.18569/tempus.v11i1.1924
1 Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário de João Pessoa - Unipê (2015.2). Cursando o Programa de
Pós-Graduação: Especialização em Psicologia Humanista e Abordagem Centrada na Pessoa pelo Unipê (2016-
2017). Psicoterapeuta de crianças, adolescentes e adultos. Têm interesse nas áreas da Psicologia Clínica, Psicologia
Social e da Saúde, Estudos de Gêneros e Sexualidade Humana. Centro Universitário de João Pessoa-UNIPE. Email:
andrew8398@hotmail.com.
2 Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1982). Cursou a Universidade
de Harvard no período de 1988 a 1989, onde participou de um programa de Extensão em Atendimento de crianças e
adolescentes. Mestra em Psicologia Clínica pela Universidade Católica do Pernambuco (2002). Atualmente professora
e supervisora de Psicologia Jurídica do Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ. João Pessoa-PB, Brasil.
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ABSTRACT: Transsexuality is a complex and universal phenomenon, occurring at various times
and different places in the history of civilization. At the present time is defined as the persistent
desire to live and be accepted as a person of the opposite sex. These individuals may experience
psychological discomfort because of their biological sex and crave to undergo surgery or hormonal
treatments to redefine their bodies. The aim of this study was to know the opinions of psychologists
about the process of depathologization of transsexuality. A descriptive, qualitative and quantitative
field study was carried out with a sample composed of nine clinical psychologists from three different
approaches: psychoanalysis, cognitive-behavioral and humanistic-existential, with more than 10
years of experience. To achieve the goals we used two instruments: 1) demographic questionnaire.
2) semi-structured interview designed specifically for this job. Data collected by interviews were
analyzed by the technique of Thematic Content Analysis. The results showed that all respondents are
in favor of depathologization process these identities. Nevertheless, these professionals understand
the transsexual experience in three different ways: scientific, victimizing and common sense. Only
one interviewee psychologist met transgenders. However, they expressed technical preparation
or readiness for counseling this population. And on the proposals for depathologization issued a
clinical suggestion and other sociocultural. It is concluded that knowledge about transsexuality is
under construction, because the interviewees still confuse the concepts of sexual orientation and
gender identity.
Keywords: Transsexuality, Depathologization, Psychologists.
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Palabras-clave: Transexualidad, Despatologización, Psicólogos.
INTRODUÇÃO
Para Camino¹, o interesse da Psicologia brasileira nas questões da sexualidade não heterossexual
é ainda algo recente, comparado ao de outros organismos internacionais que há muitos anos vêm
despatologizando essas orientações e identidades sexuais. Tomando como exemplo o processo de
despatologização da homossexualidade, em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria (APA)
retira de sua classificação a homossexualidade como transtorno de orientação sexual, o mesmo
ocorrendo com a Associação de Psicologia Americana, em 1975. Na década de 1990, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) fará o mesmo com a sua classificação de doenças.
No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu uma publicação definindo
que a homossexualidade não constitui uma doença de base biológica ou fisiológica nem mesmo
um transtorno psiquiátrico¹. No entanto, só em 1999 o Conselho Federal de Psicologia (CFP)
promulgou a Resolução nº 001/99², partindo do princípio de que a homossexualidade não constitui
doença, distúrbio nem perversão, estabelecendo normas de atuação para os psicólogos(as) com
relação à questão da orientação sexual. Portanto, a homossexualidade é totalmente despatologizada
no país.
Com relação aos transgêneros, sabe-se que esse é um fenômeno completo e universal, ocorrendo
em várias culturas, em épocas e locais diferentes na história da humanidade. O processo de
despatologização dessas identidades poderá ser considerado um assunto da atualidade, tanto para
a ciência como para a sociedade. Em 2010, a França foi o primeiro país do mundo ocidental a
desclassificar a transexualidade como transtorno psicológico³, enquanto na Índia, no Paquistão e
em Bangladesh, as hijras foram legitimadas e oficializadas com a nomenclatura do Terceiro Sexo4.
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para o questionamento e a consequente mudança sobre a forma como a psicologia brasileira
compreende a experiência dos transgêneros.
Outra razão que justifica a importância de se pesquisar essa temática é a violência sofrida pelas
pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (LGBTs), mais especificamente, os
transgêneros. De acordo com o Grupo Gay da Bahia7, no ano de 2014, houve 326 assassinatos
de pessoas LGBTs no país, sendo que, desse número, 41% eram travestis. No estado da Paraíba,
ocorreram 18 assassinatos, sendo de duas mulheres lésbicas, sete homens gays e nove pessoas
travestis.
Percebe-se, através desses dados, a necessidade urgente de problematizar essa realidade, uma
vez que as pessoas transexuais são vítimas de inúmeras atitudes de preconceito e comportamentos
discriminatórios, inclusive assassinatos.
Antes de adentrar nas teorias sobre identidades transexuais, faz-se necessário conhecer alguns
pressupostos básicos que auxiliarão em uma melhor compreensão das diversidades de gênero e
sexual humanas. Deve-se entender que a sexualidade é uma construção biopsicossocial e histórica.
É complexa, pois envolve uma gama de comportamentos, sentimentos e atrações que nem sempre
poderão ser alterados. Para compreender essa multiplicidade, é necessário conhecer alguns
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aspectos dessa construção. Picazio9 apresenta a teoria dos quatro pilares da sexualidade, que são:
os conceitos de sexo biológico, os papéis sexuais, a orientação sexual e a identidade sexual.
A orientação sexual é definida como a direção do desejo erótico, a recorrente atração afetiva/
sexual por um representante de um determinado gênero. A terminologia orientação sexual é
considerada, atualmente, mais apropriada para definir esse aspecto da sexualidade do que opção ou
preferência, isso porque a mesma não é uma escolha consciente e nem deliberadamente alterada.
São expressões da orientação sexual humana: a heterossexualidade, a homossexualidade e as várias
formas da bissexualidade, além da assexualidade9,10.
Já o conceito de identidade sexual é definido como o reconhecimento subjetivo que a pessoa faz
quanto à sua identidade de gênero. Podendo ser masculino, feminino ou, ainda, alguma combinação
entre os dois. Entretanto, essa identificação nem sempre estará de acordo com o sexo biológico9,10.
É esse último aspecto que irá focalizar este estudo. São exemplos das identidades não binárias as
expressões transgêneras, como travestis e homens e mulheres transexuais.
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o transexual não pode ser entendido como psicótico, mas deve ser tratado através da cirurgia de
transgenitalização.
Atualmente, o discurso biomédico tem como referência para realização de seus diagnósticos o
Código da Classificação Internacional de Doenças – CID-10, publicado conforme a Organização
Mundial da Saúde11, em que a experiência transexual é denominada Transtorno de Identidade
de Gênero. Já para o novo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5,
emitido pela Associação de Psiquiatria Americana (APA)14, os transgêneros deixaram a categoria
de Transtorno de Identidade Sexual e receberam a nomenclatura de Disforia de Gênero3. Dessa
forma, a identidade não é mais compreendida como um transtorno por si mesmo, mas a disforia,
sim14.
3 Disforia de Gênero: refere-se ao sofrimento que poderá acompanhar a incongruência entre a expressão do gênero e
o sexo biológico (APA, 2013)14.
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pois se busca o adestramento do corpo pela produção da subjetividade que ocorre no campo do
imaginário. Para tal autor, a invenção da sexualidade obedece à normatização do corpo através de
regras pré-estabelecidas pela sociedade em cada momento histórico.
Esta autora critica o movimento feminista e as ideias de Beauvoir20, por aceitar o sexo como
algo natural e o gênero como uma configuração construída culturalmente, pois, dessa forma, o
conceito de identidade do gênero estaria próximo à essência, substância do verdadeiro eu, seguindo
o paradigma naturalista do sexo binário.
Ao descontruir esse entendimento, o sexo deixa de ser algo natural e passa a ser algo
construído pelo discurso e pela cultura. Já o gênero não mais representará o verdadeiro eu,
mas será compreendido como um fenômeno mutável e contextual, configurando novas formas
de subjetividades21. Compreende-se, através dessa perspectiva teórica, que as expressões dos
transgêneros são rupturas com o modelo heteronormativo do sexo binário. No entanto, mesmo
sendo transgressões, produzem subjetividades.
Com base nessa breve apresentação teórica, o objetivo geral desta pesquisa foi conhecer as
opiniões dos profissionais da ciência psicológica acerca do processo de despatologização da
transexualidade. Já os objetivos específicos foram: identificar o perfil sociodemográfico dos
profissionais; áreas de atuação e as teorias psicológicas que consolidam suas intervenções;
investigar o conhecimento dos psicólogos(as) sobre o fenômeno da transexualidade; verificar se os
profissionais se sentem preparados para o atendimento de transexuais; e analisar o trabalho desses
profissionais nos atendimentos prestados a essa população.
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METODOLOGIA
RESULTADOS
ESTADO TEMPO DE
SEXO IDADE RELIGIÃO FORMAÇÃO ABORDAGEM
CIVIL ATUAÇÃO
Sujeito Cognitivo-
M 34 Casado Ateu Especialista 12 anos
1 Comportamental
Sujeito
F 62 Casada Católica Mestre Humanista 35 anos
2
Sujeito
F 44 Casada Espírita Doutora Psicanálise 21 anos
3
Sujeito
F 49 Solteira Católica Mestre Humanista 25 anos
4
Sujeito
F 50 Casada Católica Mestre Humanista 20 anos
5
Sujeito Cognitivo-
M 39 Casado Não Tem Especialista 14 anos
6 Comportamental
Sujeito
F 61 Divorciada Não Tem Especialista Psicanálise 19 anos
7
Sujeito
F 64 Casada Católica Especialista Psicanálise 14 anos
8
Sujeito Cognitivo-
F 35 Casada Católica Doutora 14 anos
9 Comportamental
De acordo com a tabela acima, foram entrevistados nove psicólogos, sendo sete deles do sexo
feminino e dois do sexo masculino. A idade variou de 34 a 64 anos. O estado civil foi de sete
casados, uma solteira, uma divorciada. No quesito religião, cinco são católicos, uma espírita, um
ateu e outros dois se denominaram sem religião.
Foram entrevistados três profissionais de cada abordagem, ou seja, três da abordagem Cognitivo-
Comportamental, três da abordagem Humanista-Existencial e três da perspectiva Psicanalítica.
O tempo de atuação clínica variou de 12 a 35 anos. Já a Análise de Conteúdo Temática gerou
um conhecimento geral baseado em oito categorias e dezessete subcategorias, conforme a tabela
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abaixo:
CATEGORIA SUBCATEGORIA
Afirmativo
Atendimento às pessoas com questões sexuais
Atendimento a homossexuais
Afirmativo
Formação específica para atender questões sexuais
Negativo
Percepção se há diferença no atendimento com relação Negativo
ao gênero Afirmativo
Vitimização
Percepção sobre a transexualidade Científica
Senso Comum
Negativo
Atendimento a transgêneros
Afirmativo
Não é doença
Percepção sobre a despatologização da transexualidade Afirmativa
Etiologia
Social
Propostas para a despatologização
Clínica
DISCUSSÃO
Sobre a Formação Específica para Atender Pessoas com Questões Sexuais, revelou-se
ambivalência nas subcategorias: afirmativa (“sim, através cursos de curta duração”) e negativa.
Enquanto a categoria Percepção se há Diferença no Atendimento com Relação ao Gênero, houve
duas subcategorias: uma afirmativa (“sim”) e outra negativa: “Não, quando você olha o indivíduo
como um todo. Independente do gênero, é um contato com a pessoa humana.”.
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de vitimização: “o sofrimento vivenciado por estas pessoas motivado pelo preconceito”. Já na
subcategoria científica, foi expresso o conhecimento de que a transexualidade é uma identidade
que apresenta incongruência entre o corpo e a alma, que poderá gerar sofrimento, e não é igual
ao construto da orientação sexual. Observa-se que essas informações também estão alinhadas
com a perspectiva humanista, para a qual a psicopatologia é compreendida como um processo de
alienação, discrepância entre o autoconceito e a experiência das pessoas25.
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está embasado na teoria freudiana da bissexualidade psíquica29,30. Já na subcategoria vitimização,
revelaram os dizeres sobre sofrimento e angústias. E, quanto à categoria Atendimento aos
Transgêneros, houve uma subcategoria Afirmativa: “sim, normal”. E outra Negativa: “nunca atendi
transexuais”. Sobre a preparação teórica para atender a essa demanda, afirmaram que se sentem
preparadas.
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Já na categoria Propostas para a Despatologização, expressaram uma subcategoria Clínica:
“Um tipo de procedimento clínico que ajude a pessoa a viver sua real identidade sexual”. E uma
subcategoria Social, priorizando a necessidade do “diálogo, abertura de certos canais para a
população compreender/aspectos culturais para que as pessoas vejam que não há diferença/é questão
cultural”. Desta forma, observa-se que as respostas dos psicólogos Cognitivo-Comportamentais
estão embasadas no DSM-514, já que, mesmo que a transexualidade não seja psicopatologizante,
está alinhada com uma perspectiva clínica biomédica.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa objetivou conhecer as opiniões dos psicólogos clínicos acerca do processo de
despatologização da transexualidade: ao qual todos afirmaram ser favoráveis. Também foi possível
verificar que apenas uma entrevistada desta amostra atendeu uma pessoa no trânsito dos gêneros,
o que dificulta uma análise mais consistente do trabalho desses profissionais nos atendimentos às
pessoas travestis e transexuais.
Ao término dessa atividade, vale registrar as dificuldades enfrentas para se conseguir essa amostra
de entrevistados, pois foram convidados mais de 20 profissionais que se negaram a participar desta
pesquisa. Alegaram não possuir tempo, problemas de saúde e que não gostariam de se posicionar
sobre o tema naquele momento. É sabido que esse assunto ainda é delicado, envolto de tabus, o
que fomenta os processos de preconceito e discriminação. Por esse motivo, a finalidade deste artigo
não é generalizar os dados obtidos na presente pesquisa, uma vez que são poucos em uma amostra
por conveniência, mas levantar discussões, refletindo sobre o processo de despatologização da
transexualidade no Brasil.
Espera-se que futuras pesquisas venham aprofundar e problematizar esse tema, pois se entende
o quão importante são para a construção de uma visão positiva dos transgêneros, como também
se espera a efetivação de políticas públicas inclusivas e o desenvolvimento de dispositivos que
promovam a saúde psicológica para esse segmento populacional.
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