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ESTUDO PROCEDIMENTAL PARA PEDIR PENSÃO ALIMENTÍCIA ENTRE

GENITOR E FILHO MENOR NA ÓTICA TRANSNACIONAL

Rafael de Castro Magalhães

RESUMO

A transnacionalidade é visto como um fenômeno reflexivo da globalização, muito vista com


os avanços das indústrias de tecnologia e também por conta do progresso nos meios de
comunicação e transportes, fato este que causa cada vez mais interação entre as pessoas e, via
de consequência, relações de diversas naturezas, dentre as quais podemos incluir as relações
familiares ou apenas relações de filiação entre genitores e filhos, dando causa ao que ficou
conhecido como famílias transnacionais. Neste ponto, busca-se investigar as convenções e
tratados de direito internacional que tratam do tema ligado à pensão alimentícia entre genitor
e filho quando pertencentes a Estados-nação diferentes e, portanto, com identidade e
sentimentos de representação particulares de cada localidade, fruto das experiências e
expectativas sociais, políticas e econômicas que envolve cada cultura. Vê-se, outrossim, esses
documentos internacionais, produzidos por agências com abrangência supranacional, como
manifestação da transnacionalidade e como fonte de Direito Transnacional, com objetivo de
chegar à conclusão sobre qual parâmetro, disciplina ou enfoque trabalhar as questões de
direito de família no que toca aos alimentos entre pais e filhos e, ainda, investigar o
procedimento pelo qual o credor de alimentos, bem ainda o devedor, deve observar para
facilitar a concretização de seu direito. Na metodologia foi utilizado o método indutivo por
meio de pesquisas bibliográficas e consultas normativas existentes.

Palavras-chave: transnacionalidade; globalização; transjudicalismo; alimentos; família;


necessidade; procedimento; direito.

ABSTRACT


MAGALHÃES, Rafael de Castro. Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí –
Santa Catarina em convênio com a Faculdade Católica de Rondônia. Defensor Público.
2

Transnationality is seen as a reflexive phenomenon of globalization, much seen with the


advances of the technology industries and also because of the progress in the means of
communication and transport, a fact that causes more and more interaction between people
and, consequently, relationships of different natures, among which we can include family
relationships or just affiliation relationships between parents and children, giving rise to what
became known as transnational families. At this point, we seek to investigate the conventions
and treaties of international law that deal with the subject related to alimony between parent
and child when they belong to different nation-states and, therefore, with identity and feelings
of representation particular to each location, as a result of the social, political and economic
experiences and expectations that surround each culture. Furthermore, these international
documents, produced by agencies with supranational scope, are seen as a manifestation of
transnationality and as a source of Transnational Law, with the aim of reaching a conclusion
about which parameter, discipline or focus to work on family law issues in what concerns
maintenance between parents and children and also investigate the procedure by which the
maintenance creditor, as well as the debtor, must observe to facilitate the realization of his
right. In the methodology, the inductive method was used through bibliographic research and
existing normative consultations.

Keywords: transnationality; globalization; transjudicalism; foods; family; need; procedure;


right.

1 INTRODUÇÃO

A globalização, vista como um fenômeno que gera uma forte integração mundial
entre as pessoas, não é acontecimento recente na história, mas que foi potencializada após os
avanços tecnológicos nas indústrias de comunicação e transportes, notadamente nos dias
atuais. A transnacionalidade vista como um fenômeno reflexivo dessa globalização, gera o
natural aumento das relações entre Estado-nação e pessoas e também entre pessoas entre si,
capazes de gerar alguns desajustes nesse caminho.

Ressaltando essa condição histórica dos processos de globalização, o professor e


Antropólogo Gustavo Lins Ribeiro esclarecer que:
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Este não é o lugar para delinear a história do sistema mundial nem a dos diferentes
modos de representar pertencimento a unidades sócio-culturais. Mas
transnacionalidade necessita ser compreendida em relação a processos históricos que
evoluem notadamente desde o século XV quando a Europa começou uma expansão
política, econômica, social, cultural e biológica que sedimentou progressivamente o
sistema mundial com diferentes graus históricos e geográficos de integração
(Wallersteis 1974). A expansão europeia coincide amplamente com a expansão
capitalista e as diferentes realidades interconectadas que esta criou ao redor do
planeta (Wofl 1982). Modernidade é um rótulo frequentemente associado a este
processo, um processo no qual o crescimento das forças produtivas, especialmente
das indústrias de comunicação, informação e transportes, provocou um
“encolhimento do mundo” (Harvey 1989). Assim, heterogeneidade cada vez mais se
produz na presença de processos de homogeneização. (RIBEIRO, Gustavo Lins.
Condição Transnacionalidade. Série Antropologia, Brasília, v. 223, p. 1-34, 1997.
Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie223empdf.pdf).

A integração entre os Estados-nação se dá em vários aspectos, os quais podem ser


enquadrados em categorias mais amplas de caráter econômico, político e social em nível
mundial. A grande movimentação decorrente desse fluxo também impacta nas famílias, a
exemplo daquelas formadas entre pessoas de diferentes países, culturas e representações de
pertencimento próprios de suas unidades socioculturais e político-econômicas. Pode se dizer
que estamos diante de um novo modelo familiar, a família transnacional.

Fazendo menção a essa expressão de família transnacional, Flavia de Maria


Gomes Schuler e Cristina Maria de Souza Brito Dias, em seu artigo “Famílias Transnacionais:
um estudo sobre filhos envolvidos na migração materna”, ressaltam que:

Com a migração materna, as famílias monoparentais passam a ser as famílias


atualmente denominadas como “famílias transnacionais”. São aquelas famílias cujos
parentes estão divididos entre dois ou mais países. O elemento de transnacionalismo
desafia, portanto, a noção de residência partilhada em famílias geograficamente
separadas, mas mantendo elos sociais, culturais, reprodutivos e de rendimento entre
fronteiras (Zontini, 2007). Eis alguns exemplos de famílias transnacionais: Pais que
deixam as famílias (filhos, esposa) para ir trabalhar no estrangeiro; uma criança que
é enviada para viver com familiares; mulheres que vivem e trabalham no estrangeiro
e deixam os filhos para trás. Zontini (2007) acrescenta que as famílias transnacionais
constituem um aspecto comum da migração, e estão ligadas ao aumento da migração
em todo o mundo. (SCHULER, Flavia de Maria Gomes; DIAS, Cristina Maria de
Souza Brito; Famílias Transnacionais: um estudo sobre filhos envolvidos na
migração materna. Artigo publicado para o 5º Congresso Ibero-Americano em
Investigação Qualitativa, Revista Investigação Qualitativa em Saúde, Volume 2, p.
1020 a 1028, disponível no link https://proceedings.ciaiq.org/index.php/
ciaiq2016/article/download/850/836/)

Ainda sob essa ótica, observamos ser cada vez mais recorrente a formação de
famílias em contexto que extrapola os limites e fronteiras territoriais do Estado-nação,
compostas por membros pertencentes a dois territórios de distintas regras, culturas e de
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representação identitária. Para além disso, também é possível ver famílias compostas por
membros pertencentes a três ou mais nacionalidades, cada um natural de um país diferente, o
que acarreta complexidade em grau ainda maior.

Reforçando esse contexto, Ana Paula Risson, discorrendo sobre família migrante
e transnacionais e também sobre esse laço de dependência econômica entre seus membros,
nos esclarece que:

As famílias transnacionais são um dos resultados das migrações internacionais,


definidas como “famílias cujos membros vivem algum ou a maior parte do tempo
separado uns dos outros, mas apesar disso permanecem unidos e criam algo que
pode ser visto como um sentimento de bem-estar coletivo e unidade, isto é,
familiaridade, mesmo através de fronteiras nacionais” (BRYCESON; VUORELA,
2002, p. 03) Entendo que enquanto o conceito de família imigrante tem maior
correlação com a família que migra para outro local (cidade, estado, país), família
transnacional se refere aquela família cujo seus membros estão residindo em países
diferentes. É comum que os membros que permanecem no local de origem
dependam das remessas de dinheiros do(s) membro(s) que partiram. Sem adentrar
nesta reflexão, vale registrar que recurso recebido pela família no país de origem é
responsável por significativo desenvolvimento da economia local, além, claro, da
sobrevivência e melhor qualidade de vida da família. Nestas famílias, as relações
maternas, paternas, conjugais, dentre outras, são realizadas pela distância e,
portanto, o acesso a tecnologia tem importância determinante nisso. (RISSON, Ana
Paula; Famílias migrantes e famílias transnacionais. Artigo publicado na Revista
Subjetiva. disponível em https://medium.com/revista-subjetiva/fam%C3%ADlias-
migrantes-e-fam%C3%ADlias-transnacionais-f840e7718cbb)

As regras positivadas em cada um dos territórios nacionais, como expressão da


própria soberania do Estado-nação, representam sentimento histórico-cultural da população
daquela região, unidos por algum elemento comum apto a gerar disciplina legislativa geral
que atenda aos anseios e expectativas dos envolvidos. Um dos motores de pacificação social,
sem dúvidas, reside em atender a esses padrões comuns através da disciplina positivada pelas
leis. É, sem dúvidas, forma de aceitação de soberania através da autoridade do produto
advindo dessas entidades políticas.

Ainda citando o Antropólogo e professor Gustavo Lins Ribeiro, ao discorrer sobre


essa forma de representação e formação de identidade como um caminho para aceitação, por
meios pacíficos, a autoridade de símbolos e frutos de produção política, nos ensina que:

Os modos de representar pertencimento a unidades sócio-culturais aumentaram em


complexidade no tempo através de processos de integração de pessoas e territórios
em entidades cada vez maiores. Historicamente as relações entre populações e
territórios têm resultado em formas de representações coletivas associadas com
identidades sociais, culturais e políticas, através das quais as pessoas podem
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reconhecer seu pertencimento a uma unidade e podem aceitar, por meios pacíficos
ou violentos, a autoridade de símbolos, indivíduos ou entidades políticas que
pretensamente representam um território, seus habitantes, natureza, herança cultural,
etc. Os sujeitos coletivos - sejam famílias, linhagens, clãs, segmentos, metades,
tribos, cacicazgos, reinos, impérios, Estados nacionais - são sempre um “nós”
imaginado, coletividades imaginadas com graus variáveis de coesão e eficácia
simbólica. Apesar de muitas das formas de identificação com essas coletividades se
construírem através de meios culturais/ideológicos consensuais e pacíficos (totens,
bandeiras, hinos, educação pública), a transgressão ou a ambivalência de lealdades
são, no mais das vezes, fortemente punidas. (RIBEIRO, Gustavo Lins. Condição
Transnacionalidade. Série Antropologia, Brasília, v. 223, p. 1-34, 1997. Disponível
em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie223empdf.pdf).

Nos casos em que as relações familiares ultrapassam os limites territoriais e


jurídicos das fronteiras de cada nação, alcançando e sendo aplicáveis às pessoas que estejam
sob jurisdição e soberania de outro Estado-nação, deve-se encontrar o mínimo de consenso
internacional através de convenções, tratados ou cooperações entre os tribunais por meio do
que se chama de transjudicialismo. Essa é uma realidade como condição de uma sociedade
transnacional, cuja solução depende de um consenso maior de integração a nível mundial apto
a solucionar e pacificar demandas importantes, tal qual a fixação de alimentos internacionais.

Anne-Marie Slaughter, professora de Direito de Havard, ao discorrer sobre a


tipologia da comunicação transjudicial, leciona que:

Courts are talking to one another all over the world. Mary Ann Glendon describes a
"brisk international traffic in ideas about rights," conducted by judges. "In Europe
generally," she adds, "and in Australia, Canada, and New Zealand, national law is
increasingly caught up in a process of cross-fertilization among legal systems."
Similarly, Anthony Lester writes: When life or liberty is at stake, the landmark
judgments of the Supreme Court of the United States, giving fresh meaning to the
principles of the Bill of Rights, are studied with as much attention in New Delhi or
Strasbourg as they are in Washington, D.C., or the State of Washington, or
Springfield, Illinois.' The Supreme Court of Zimbabwe cites decisions of the
European Court of Human Rights to support its determination that corporal
punishment of an adult constitutes cruel and unusual punishment and that corporal
punishment of a juvenile is unconstitutional. The European Court of Justice and the
Euro-pean Court of Human Rights cite one another's decisions; the Inter-American
Court of Human Rights looks frequently to the European Court's caselaw.
Approximately 60% of the citations of Quebec courts are to sources other than
Quebec decisions, including French authors and decisions, common law decisions
and authors from a range of countries. (Anne-Marie Slaughter, A Typology of
Transjudicial Communication, 29 U. Rich. L. Rev. 99 (1994). Available at:
http://scholarship.richmond.edu/lawreview/vol29/iss1/6)

No cenário local brasileiro, sabe-se que o procedimento para fixação da obrigação


alimentar está regulamentado por lei especial, a saber, a Lei 5.478 de 25 de julho de 1968,
com disciplina própria ao conteúdo do dever de sustento entre genitor e filho e conteúdo
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adequado ao direito envolvido, a exemplo da obrigação judicial de estabelecer valor de


pensão alimentícia provisória logo no início da ação (art. 4º), eis que a necessidade de
sobrevivência não espera a conclusão do processo.

Tem-se, além de outras previsões específicas de disciplina da ação de alimentos


no ordenamento interno, a aplicação subsidiária da Lei 13.105/2015, que instituiu o Código de
Processo Civil brasileiro, com normas procedimentais mais amplas para nortear aquele que
pretende buscar seu direito aos alimentos parentais no ordenamento jurídico interno, que dão
conta dos caminhos a serem percorridos, elementos – muitas vezes – não tão claros quando
estamos diante de relações transnacionais.

Justamente por isso, quando estamos diante de um cenário identitário nacional


distinto entre os personagens dessa relação social, surge o questionamento sobre qual seja o
parâmetro procedimental e jurídico adequado para trilhar um caminho seguro ao alcance do
direito aos alimentos, bem ainda para determinação do quantum financeiro a suportar a
demanda daquele que irá receber a pensão alimentícia. Esse questionamento passa não só pela
escolha do arcabouço jurídico positivo a ser aplicado, mas também apto a concretizar o direito
básico ao sustento.

Diante desse cenário, o presente estudo abordará as disciplinas jurídicas


internacionais aptas a nortear as relações familiares e notadamente os procedimentos
existentes, bem ainda os possíveis caminhos, para fixação dos alimentos quando oriundas de
pessoas que se encontram sob a soberania de diferentes Estados-nação e talvez determinar um
roteiro mais seguro aos que buscam o direito básico ao sustento decorrente do parentesco.

2 TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE ALIMENTOS

Como antevimos em proêmio, é natural que cada Estado-nacional possua sua


normatização interna a disciplinar as relações jurídicas ali ocorrentes. Àquelas de ordem
privadas, entre pessoas que estejam submetidas às regras próprias de seu país, guardam
obediência inquestionável a si próprias, notadamente por enquadrar em padrões socioculturais
em atenção ao contexto local. Não é diferente quando possua conteúdo familiar e, neste ponto,
ligados ao conteúdo e alcance dos alimentos pagos por pais aos seus filhos.
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Na tentativa de facilitar e cooperar entre si, buscando mínimo de conteúdo


normativo, agências de interesse supranacional ajustam os “tratados internacionais”, que são
basicamente documentos escritos e incorporados internamente pelos países contratantes,
abordando o conteúdo de relações jurídicas, aí incluídas as privadas e familiares, quando
verificadas entre pessoas que estão submetidas a diferentes contextos jurídicos, sociais e
culturais.

Podemos afirmar que nada mais é do que a tentativa de facilitação, organização e


uniformização das regras para efetivação dos direitos entre pessoas de diferentes nações, cuja
regência se dá tanto normativa de conteúdo quando de julgamento e implementação das
decisões de fatos sociais que se relacionam com mais de uma comunidade humana.

Naturalmente, nenhum desses acordos internacionais, em geral capitaneados por


agências e organizações mundiais (Organização das Nações Unidas, Fundo Monetário
Internacional, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, Organização Mundial do Comércio,
dentre outras), possuem conteúdo imperativo sem a anterior adesão do país interessado.
Apesar disso seu peso e importância é incontestável, mesmo aos Estados-nação que resolvem
não aderir ao seu conteúdo.

Oportuno, antes de prosseguir, fazer um recorte importante como forma de maior


compreensão sobre o alcance do estudo aqui realizado, notadamente no que toca à
conceituação do que seja Direito Transnacional. Para tanto, busco apoio no artigo elaborado
por Heloise Siqueira Garcia, Kassy Gerei dos Santos e Denise Schmitt Siqueira Garcia,
publicado no livro “Interfaces entre o Direito e Transnacionalidade”, onde os autores nos
esclarecem que:

Acredita-se que a melhor conceituação e visualização do Estado Transnacional está


na conjugação de todas as nuances conceituais e caracterizadoras apresentadas: o
Direito Transnacional é um conjunto de ordens, normas e princípios evoluídos das
concepções dos direitos internos, dos direitos humanos e da Economia frente à
influência do cenário global decorrente da globalização, pautados pela Solidariedade
sustentável, pela Justiça Ambiental e pelos próprios direitos humanos, cuja aplicação
é garantida mundialmente pela organização jurídica interna dos Estados nacionais a
indivíduos, empresas, Estados, organizações de Estados, ou outros grupos sociais e
institucionais. (Interfaces entre direito e transnacionalidade [recurso eletrônico] /
Airto Chaves Junior ... [et al.]; organizadores, Heloise Siqueira Garcia e Paulo
Márcio Cruz. – Itajaí : UNIVALI : AICTS, 2020, p. 20)
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Seguindo nessa ótica e analisando o conteúdo desses documentos internacionais


produzidos através dessas agências de atuação supranacional, os quais podem nos dar uma
visão como uma manifestação da transnacionalidade e do direito transnacional, convém
também nos apoiar nas importantes lições dos professores Paulo Márcio Cruz e Carla Piffer,
ambos do Programa de Pós-Gradução Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, quando, em seu artigo “Manifestações do direito transnacional e
da transnacionalidade”, nos ensinam que:

Todas as ocorrências verificadas desde as constatações de Jessup, até os dias atuais,


demonstram que a transnacionalidade e o Direito Transnacional se manifestam no
cotidiano das pessoas, empresas e Estados, localizados nas mais variadas regiões do
planeta, e se apresentam como manifestações do fenômeno, conforme se pretende
demonstrar a seguir. (Transnacionalidade e sustentabilidade: dificuldades e
possibilidades em um mundo de transformação. / Carla Piffer; Guilherme Ribeiro
Baldan; Paulo Márcio Cruz (orgs.) – Porto Velho: Emeron, 2018, p. 15).

E, seguindo, os autores passam a elencar algumas manifestações desse importante


fenômeno através de vários exemplos, tal como alguns selecionados para melhor elucidação
desse cenário como forma de enxergar os documentos aqui trabalhados também como
elementos indicativos da transnacionalidade e do Direito Transnacional.

Nessa ótica, os professores Paulo Márcio Cruz e Carla Piffer exemplificam que:

A União Europeia – UE, por exemplo, por possuir uma particular estrutura
institucional, política e jurídica, é uma arena de importantes acontecimentos
transnacionais. Neste sentido, acertada a afirmação de Stelzer no sentido de que o
afirmar que o direito da UE é a referência de ordenamento que transborda as
fronteiras dos Estados, viabilizando o transpasse jurídico estatal. Outrossim, tanto o
direito da UE quanto sua formação institucional e política denotam que a
transnacionalidade ali se faz presente e é diretamente mencionada em alguns textos
oficiais, notadamente com relação à utilização da expressão transnacional em muitos
momentos da União. O direito da União seria, portanto, “o falsete de uma
Transnacionalidade em espectro regional”, o “corolário dos processos
transnacionais, a pedra basilar na construção da integração europeia [...]”. Significa,
portanto, que seu próprio processo de integração é dotado de características da
transnacionalidade. Como exemplo cita-se a dinâmica permissiva de irrestrito
trânsito de bens e mercadorias, e a livre circulação de pessoas com perspectiva
transnacional, notadamente após o Tratado de Schengen, em um inquestionável
movimento de manifestações transnacionais. (Transnacionalidade e sustentabilidade:
dificuldades e possibilidades em um mundo de transformação. / Carla Piffer;
Guilherme Ribeiro Baldan; Paulo Márcio Cruz (orgs.) – Porto Velho: Emeron, 2018,
p. 15 e 16).

É nesse cenário que, observando a linha científica da transnacionalidade, podemos


enxergar os documentos e tratados internacionais sobre pensão alimentícia como uma
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manifestação da transnacionalidade e do Direito Transnacional, muito, como já dito, fruto do


grande impacto da globalização e “encolhimento do mundo”, como dito pelo professor
Gustavo Lins Ribeiro ao citar Harvey1.

Aliás, a adesão aos referidos documentos é de interesse do próprio Estado-nação,


pois gera concretizarão direitos aos seus próprios cidadãos, especialmente por estar ligado aos
direitos da personalidade e de sustento como os de alimentos devidos às crianças a serem
pagos por seus pais. Claro, isso desde que guardado o mínimo de compatibilidade com o
conteúdo, cultura e regras de expectativa internas, sob pena de não haver adesão de sua
população. Ao revés, se distantes, poderiam gerar frustração da proteção que as pessoas
esperam de seus representantes através das negociações externas.

É válido lembrar que, estando ambos sujeitos (alimentante e alimentando)


domiciliados no Brasil, não há dúvida sobre a aplicação das normas internas (art. 7º, da
LINDB) do direito brasileiro, fato este que independe da nacionalidade dos envolvidos
(brasileiros ou estrangeiros), muito claro por conta da soberania no Estado brasileiro e
monopólio de sua jurisdição. Por outro lado, estando qualquer das pessoas domiciliadas no
estrangeiro, a conclusão não é tão simples, ponto este a ser aqui investigado.

É de especial relevância, para solução dos conflitos interespaciais de alimentos, o


estudo dos seguintes tratados internacionais: (i) a Convenção de Direito Internacional Privado
(ou Código Bustamante ou Convenção de Havana), promulgada internamente pelo Decreto n.
18.871/1929; (ii) a Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro (ou Convenção
de Nova York), promulgada internamente pelo Decreto n. 56.826/1965; e (iii) a Convenção
sobre a Cobrança internacional de Alimentos para Crianças e outros membros da Família (ou
Convenção de Haia sobre Alimentos) e o Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de
Prestar Alimentos, promulgada pelo Decreto n. 9.176/2017.

O Código de Bustamante2 é o primeiro e principal tratado internacional que surgiu


com o objetivo de regular as relações privadas e comerciais de natureza transnacional,

1
RIBEIRO, Gustavo Lins. Condição Transnacionalidade. Série Antropologia, Brasília, v. 223, p. 1-34, 1997.
Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie223empdf.pdf
2
Conteúdo completo disponibilizado e acessível no sítio eletrônico da Câmara dos Deputados Federais pelo link
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-18871-13-agosto-1929-549000-
publicacaooriginal-64246-pe.html
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trazendo regras para aplicação no direito civil internacional e direito comercial internacional.
No seu livro de direitos civis internacionais, para demonstração do alcance de seu conteúdo,
traz disciplina sobre as pessoas (nacionalidade, domicílio, personalidade civil, família,
adoção, dentre outros), as coisas, as obrigações e contratos.

No que toca ao foco deste estudo, o Código de Bustamante estabelece que as


regras dos alimentos entre parentes estão sujeitas à lei pessoal do alimentado, dispondo que
são pilares do direito internacional o dever de prestar alimentos e também as disciplinas que
proíbem a renúncia e a cessão desse direito, demonstrando compatibilidade com as
características da obrigação alimentar trabalhadas no direito brasileiro.

Apesar dessa grande iniciativa, a disciplina dos alimentos ainda precisava de uma
normatização internacional específica (tendo em vista suas inúmeras particularidades), com
objetivo de facilitar a uma pessoa a obtenção de alimentos por parte de outra pessoa que se
encontra sob jurisdição de outro país, o que foi feito por meio da Convenção sobre a Prestação
de Alimentos no Estrangeiro e também, agora mais recentemente, através da Convenção sobre
a Cobrança internacional de Alimentos para Crianças e outros membros da Família.

Estando as pessoas sob jurisdição de países signatários das referidas convenções


internacionais, elas se aplicam ao caso com suas disciplinas e procedimentos próprios. Porém,
caso a pessoa esteja sob a jurisdição de um país não signatário de qualquer dessas
convenções, ainda é possível pleitear alimentos com base na reciprocidade e cooperação
internacional. São os caminhos mais estáveis para concretização desse importante direito, que
envolve um princípio basilar mundial que é a dignidade da pessoa humana.

Vamos avançar examinando a questão sobre essas três diferentes óticas para,
então, trazer um caminho mais seguro e estável para encontrar o procedimento de
concretização do direito aos alimentos decorrentes da relação entre genitor e filho.
Abordaremos apenas este enfoque, já que os alimentos decorrentes das demais relações
familiares ou, até mesmo, decorrente de responsabilidade civil, possuem características
próprias e distintas, que fugiriam do tema proposto neste artigo.

2.1 CONVENÇÃO DE NOVA YORK SOBRE ALIMENTOS


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A Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, também conhecida


como Convenção de Nova York sobre Alimentos, foi celebrada em 20/07/1956, na cidade de
Nova York/EUA, sendo uma das pioneiras em trazer regras específicas para solução de
conflitos internacionais para fixação e cobrança de alimentos nos casos em que as partes
estejam sob a jurisdição de países diferentes.

O documento assinado pelo Brasil em 31/12/1956, aprovada pelo Decreto


Legislativo n. 10/1958, e com vigência interna em 14/12/1960, trinta dias após o depósito do
instrumento brasileiro de ratificação junto ao Secretário Geral das Nações Unidas, ficando, à
época, a Procuradoria Geral do Distrito Federal assumido as funções de autoridade remente e
instituição intermediária para os fins da disciplina internacional. Por fim, foi promulgada
internamente pelo Decreto n. 56.826/1965, para execução interna.

Com a sanção da Lei de Alimentos (Lei 5.478/1968), em seu artigo 26, a


instituição intermediária para os fins da Convenção de Nova York sobre alimentos passou a
ser a Procuradoria-Geral da República e estabeleceu o juízo federal da capital do Estado onde
reside o devedor como competente para as ações de alimentos. Tais autoridades ainda
permanecem com as atribuições até os dias de hoje.

No âmbito interno do MPF, foi editada a Portaria PGR n. 556, de 13 de agosto de


2014, que aprovou o Regimento Interno da PGR, onde a Secretaria de Cooperação
Internacional do Ministério Público Federal passou formalmente a exercer as atribuições da
Procuradoria-Geral da República como autoridade central e instituição intermediária, com
previsão nos artigos 32, 33 e de 90 a 112.

O artigo III da Convenção estabelece o procedimento para apresentação do pedido


à autoridade remetente para obtenção dos alimentos daquele que se encontrar sob a jurisdição
de outra parte contratante (designada de Estado do demandado). Prevê que cada país
signatário informará os elementos de prova exigidos para justificação do pedido de alimentos,
bem ainda as condições de sua apresentação para admissão (art. III, item 2.).

Caso necessário, dispõe que o pedido deve estar acompanhado de procuração para
que a Instituição Intermediária represente o demandante e também de uma fotografia de quem
pede os alimentos e contra quem irá pedir (demandado). A autoridade remetente deve cuidar
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de cumprir os requisitos exigidos pela lei do Estado da Instituição Intermediária, incluindo,


também:

“a) Nome e prenomes, endereços, data de nascimento, nacionalidade e profissão do


demandante, bem como, se necessário for, nome e endereço de seu representante
legal;
b) Nome e prenomes do demandado e, na medida em que o demandante deles tiver
conhecimento, os seus endereços sucessivos durante os cinco últimos anos, sua data
de nascimento, sua nacionalidade e sua profissão;
c) Uma exposição pormenorizada dos motivos nos quais for baseado o pedido, o
objeto deste e quaisquer outras informações pertinentes, inclusive as relativas à
situação econômica e familiar do demandante e do demandado.” (art. III, item 4.)

Estando regular e compatível com a lei do Estado demandado, a autoridade


remetente transmitirá os documentos à Instituição Intermediária, podendo manifestar sua
opinião sobre o mérito do pedido e recomendar que se conceda ao demandante assistência
judiciária gratuita e isenção de custos (art. IV).

Por sua vez, a Instituição Intermediária tomará as medidas apropriadas para


assegurar a prestação dos alimentos, podendo transigir, iniciar e prosseguir na ação de
alimentos e fazer executar a sentença do judiciário, deixando a autoridade remetente
informada. As leis processuais serão aquelas do Estado demandado (art. VI), cuja disciplina
colabora muito para um caminho estável sobre a regulamentação a ser seguida.

Destaca-se que este procedimento deve ser observado entre os países signatários
tanto para o encaminhamento de pedido de fixação de alimentos aos demandados que estejam
em outros países, quanto também para recebimento de pedido encaminhado pelo Estado
demandante, guardando uniformidade procedimental.

Em documento extremamente didático, elaborado pela Secretaria de Cooperação


Internacional do Ministério Público Federal, vinculado ao Gabinete do Procurador-Geral da
República, constam informações práticas muito importantes, que esclarecem exatamente o
procedimento para obtenção de alimentos internacionais, cujo conteúdo pode ser acessado no
sítio do órgão ministerial federal3.

3
https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/alimentos-internacionais-convencao-de-nova-
iorque-1/docs/cartilha-cny-2a-edicao
13

Nesse documento, na linha do que anotamos acima, esclarece que para abertura de
ação para fixação de alimentos no exterior não é necessário constituir Advogado, porém o
procedimento é todo voltado aos hipossuficientes econômicos, tanto que é exigido ao
solicitante declaração de hipossuficiência nos termos da Lei 1.060/1950. Essa é a conclusão
extraída dos artigos IV, item 3, e IX, da CNY.

Desse modo, em não sendo hipossuficiente econômico, deve a parte interessada


constituir um Advogado no exterior, ou internamente com auxílio internacional se for preciso,
para intentar a condenação em alimentos daquele que reside em outro país, sem prejuízo de
aplicação das regras de direito internacional privado aplicáveis ao tema dos alimentos. Este é
um esclarecimento procedimental importante para não retardar a busca aos alimentos daquele
que deles precisa.

Para se utilizar do procedimento desta convenção, o interessado poderá procurar


qualquer unidade da Procuradoria da República e entregar as documentações necessárias para
instrução do pedido, que será encaminhado fisicamente à Procuradoria-Geral da República.
Caso não haja sede da Procuradoria da República, o interessado pode procurar a Defensoria
Pública ou outra entidade de assistência jurídica gratuita, que se encarregam de encaminhar a
documentação para a Procuradoria mais próxima.

No sentido inverso, os pedidos recebidos do estrangeiro, para que se inicie ação


de alimentos contra demandado residente no Brasil, a PGR encaminhará a documentação à
Procuradoria da República mais próxima do domicílio do demandado para a propositura da
ação perante a Vara Federal da Capital do Estado, conforme competência prevista no artigo
26 da Lei de Alimentos.

Há tendência do Poder Judiciário Federal em fixar competência da Vara Federal


de onde reside o demandado, tendo em vista a facilidade de acesso à justiça ao réu, desde que
no seu domicílio possua seção federal, conforme precedente a seguir:

E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS.


COMPETÊNCIA RELATIVA. RECURSO PROVIDO. - Por ocasião da edição da
Lei n.º 5.478/1968, como observado na decisão agravada, a Justiça Federal possuía
apenas Varas nas Capitais dos Estados, situação diversa na atualidade, sendo
razoável perquirir acerca do melhor modo de interpretação do art. 26 da referida lei,
de forma a consagrar a intenção do legislador. Em tese, revela-se conveniente ao
14

demandado que a tramitação de ação de alimentos ocorra na subseção em que reside


- Todavia, o demandado sequer foi citado nos autos de origem, sendo forçoso
considerar, no caso dos autos, o que dispõem os artigos 112, 113, caput, e 114 do
Código de Processo Civil, daí porque o reconhecimento de incompetência relativa
deve ser precedido de alegação do réu, por meio de exceção de incompetência - No
caso dos autos, além da ausência de integração do polo passivo, merece ser
ressaltada a maior conveniência da permanência do feito na Justiça Federal da
Capital, ao menos até ulterior manifestação do réu ou decisão em contrário nos autos
do Conflito de Competência, diante da ausência de assistência ao autor/agravante,
menor autista, por parte da Defensoria Pública da União na Subseção de Mauá -
Agravo de instrumento provido. (TRF-3 - AI: 50142632920204030000 SP, Relator:
Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, Data de Julgamento:
25/03/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA:
26/03/2021).

Aliás, nos termos do precedente firmado no CC 103.390/SP, no âmbito do STJ, “a


tramitação do feito perante a Justiça Federal somente se justifica nos casos em que, aplicado
o mecanismo previsto na Convenção de Nova Iorque, a Procuradoria-Geral da República
atua como instituição intermediária”. Isso quer dizer que, nos demais casos, deve-se aplicar a
regra especial de competência descrita no artigo 53, II, do CPC, cuja tramitação se dará na
justiça estadual.

Ponto importante é destacar que a Convenção de Nova York é complementar e


não substitui os meios jurídicos existentes em direito interno ou internacional (art. I, item 2),
fato este que nos faz necessário ressaltar que todo o procedimento aqui descrito não impede a
propositura de ação de alimentos em favor de alimentando que esteja domiciliado no Brasil,
cuja tramitação se dará perante do juízo estadual de seu domicílio.

Eis alguns precedentes do egrégio Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE ALIMENTOS. DEVEDOR


RESIDENTE NO EXTERIOR E CREDOR NO BRASIL. DECRETO Nº 56.826/65.
CONVENÇÃO SOBRE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS NO ESTRANGEIRO. 1.
Conforme jurisprudência tranqüila desta Corte, compete à Justiça Comum do
Estado processar e julgar ação de alimentos pertinente ao Decreto nº 56.826/65,
que promulgou a Convenção sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro,
quando o devedor esteja domiciliado no exterior. 2. Conflito de competência
conhecido para declarar competente a Justiça Comum do Estado. (CC n. 20.175/SP,
relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Segunda Seção, julgado em
14/10/1998, DJ de 7/12/1998, p. 38.) Grifei.

AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DECRETAÇÃO.


DEVEDOR RESIDENTE NO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. JUSTIÇA COMUM
ESTADUAL. COMPETÊNCIA. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL.
1. Compete à Justiça Comum estadual processar e julgar ação de alimentos
contra devedor domiciliado no exterior. 2. A situação do paciente submetido à
jurisdição nacional se subsume inclui-se na regra ordinária, segundo a qual as ações
15

de alimentos e as respectivas execuções devem ser processadas e cumpridas no foro


do domicílio do alimentando. 3. O habeas corpus não é admitido como sucedâneo ou
substitutivo de recurso ordinário 4. Agravo interno não provido. (AgInt no HC n.
369.350/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado
em 14/2/2017, DJe de 20/2/2017.) Grifei.

Eventuais práticas de atos judiciais expedidos pela autoridade judiciária brasileira,


intentadas em ação de alimentos contra devedor que esteja submetido à jurisdição estrangeira,
podem ser cumpridos por meio da cooperação jurídica internacional, nos moldes do art. 26 e
seguintes do Código de Processo Civil brasileiro, Lei 13.105/2015.

Caso seja necessário executar sentença condenatória em face de executado que


esteja sob jurisdição de Estado signatário da CNY, a Procuradoria da República irá solicitar,
via Instituição Intermediária, a homologação da sentença perante o Poder Judiciário
estrangeiro, com procedimento semelhante ao previsto no Brasil. Do mesmo modo, recebida
sentença estrangeira para ser cumprida internamente, a PGR proporá ação de homologação de
sentença estrangeira perante o Superior Tribunal de Justiça, viabilizando a execução dentro no
país (art. 515, VIII, CPC).

O procedimento para homologação de sentença estrangeira está previsto no artigo


960 e seguintes do Código de Processo Civil e pode ser iniciado pela própria parte com
patrocínio de um Advogado caso tenha condições econômicas de contratar um. Detalhe é que,
uma vez homologada, a competência para execução da sentença estrangeira é do juízo federal,
observadas as regras de competência territorial do CPC (art. 965 do CPC). Os requisitos para
homologação da sentença estrangeira também estão previstos na Resolução n. 09/2005 do
Superior Tribunal de Justiça4.

Em atenção ao postulado da promoção da autocomposição dos conflitos, é


possível que a Procuradoria-Geral da República, por meio de suas Procuradorias locais,
notifique o demandado/devedor da obrigação alimentar estrangera para que efetue o
pagamento de forma espontânea do débito ou lhe proponha um acordo de pagamento, ao qual
pode ou não concordar o credor. Caso haja acordo, constituir-se-á um título executivo
extrajudicial na forma do artigo 784, IV, do CPC, passível de execução forçada perante o
judiciário brasileiro.

4
https://scon.stj.jus.br/SCON/legislacao/doc.jsp?livre=cartas+rogat%F3rias&&b=LEGI&p=true&t=&l=20&i=1
16

Perceba que a Convenção de Nova York veio estruturada para formalização de


cooperação entre os Estados signatários com o objetivo de “facilitar a obtenção de alimentos”
(art. I, item 1), o que levou ao Superior Tribunal de Justiça decidir que se o alimentante é
quem promove a ação revisional de alimentos, não é o caso de aplicação da Convenção, e, por
isso, deverá seguir com competência da Justiça Estadual, a saber:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO REVISIONAL DE


ALIMENTOS. ALIMENTANDO RESIDENTE NO EXTERIOR. CONVENÇÃO
DE NOVA IORQUE. ATUAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA
REPÚBLICA COMO INSTITUIÇÃO INTERMEDIÁRIA. INOCORRÊNCIA.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A tramitação do feito perante a
Justiça Federal somente se justifica nos casos em que, aplicado o mecanismo
previsto na Convenção de Nova Iorque, a Procuradoria-Geral da República atua
como instituição intermediária. Precedentes. 2. No caso dos autos, é o devedor de
alimentos que promove ação em face do alimentando, buscando reduzir o valor da
pensão alimentícia, o que demonstra a não incidência da Convenção sobre a
Prestação de Alimentos no Estrangeiro. 3. Conflito de competência conhecido para
declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Pilar do Sul - SP. (CC n.
103.390/SP, relator Ministro Fernando Gonçalves, Segunda Seção, julgado em
23/9/2009, DJe de 30/9/2009.)

Feitas essas considerações, para evidenciar o enfoque transnacional desse


documento, é válido informar que o alcance dessa regulamentação se dá para mais de 70
(setenta) países, cuja lista atualizada pode ser verificada no site do Ministério Público
Federal5, demonstrando a importância de conhecer essa normatização como forma de conferir
segurança e previsibilidade aos que buscam o direito aos alimentos na via internacional.

Dito isso, estando as partes envolvidas na relação alimentar, credor e devedor,


residindo em países distintos e signatários da Convenção de Nova York, poderá se utilizar do
procedimento descrito no tratado como forma de facilitar a fixação ou cobrança dos
alimentos, o que facilita muito a concretização dos alimentos pretendidos pelo filho em face
do pai, cujo instrumento possui elevada importância.

5
Alemanha, Argélia, Argentina, Austrália, Áustria, Barbados, Bélgica, Bielorrússia, Bósnia & Herzegóvina,
Brasil, Burkina Faso, Cabo Verde, Cazaquistão, Chile, China, Chipre, Colômbia, Croácia, Dinamarca, Equador,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Filipinas, Finlândia, França, Grécia, Guatemala, Haiti, Holanda,
Hungria, Irlanda, Israel, Itália, Libéria, Luxemburgo, Macedônia, Marrocos, México, Moldávia, Mônaco,
Montenegro, Níger, Noruega, Nova Zelândia, Paquistão, Polônia, Portugal, Quirguistão, Reino Unido,
República Centro-Africana, República Checa, Romênia, Santa Sé, Seicheles, Sérvia, Sri Lanka, Suécia, Suíça,
Suriname, Tunísia, Turquia, Ucrânia e Uruguai.A retificação da França se estende ao Departamento da Argélia,
Oases e Saoura, Departamento de Guadalupe, Guiana, Martinica, Reunião e Territórios de Além Mar (São Pedro
e Miquelão, Somalilândia Francesa, Arquipélago Cômoro, Nova Caledônia e Dependências, Polinésia Francesa).
https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/alimentos-internacionais-convencao-de-nova-
iorque-1
17

2.2. CONVENÇÃO DE HAIA SOBRE ALIMENTOS

A Convenção sobre a Cobrança internacional de Alimentos para Crianças e outros


membros da Família, também conhecida como Convenção de Haia sobre Alimentos, foi
celebrada em 23 de novembro de 2007, vindo a ser promulgada internamente no Brasil pelo
Decreto n. 9.176/2017, de 19 de outubro de 2017, juntamente com o protocolo sobre a lei
aplicável às obrigações de prestar alimentos.

Essa convenção foi fruto de um movimento para atualização e substituição da


Convenção de Nova York, acima já abordada, vindo a ser finalizada perante a 21ª
Conferência Diplomática de Haia, notadamente por ser mais abrangente nos aspectos relativos
à cooperação administrativa entre os países6. Além do Brasil, inúmeros outros países são
signatários da Convenção de Haia sobre Alimentos, podendo ser consultada lita atualizada no
próprio sitio da Conferência7.

Por ser posterior e mais detalhada, a Convenção de Haia sobre Alimentos substitui
a Convenção de Nova York quando ambos os Estados contratantes forem signatários da nova
regulamentação, ficando sob o rito procedimental da Convenção de 1956 (Nova York) apenas
quando não houver adesão ao novo texto, a exemplo da Argentina, Chile, Equador e
Suriname. Portanto, como regra, os pedidos de alimentos devem obedecer aos novos tramites
previstos na Convenção de Haia por ser mais atual. Essa, aliás, é a previsão expressa contida
no artigo 18 do Protocolo da Convenção de 20078.

Tem-se, no Brasil, como marco temporal distintivo da utilização das regras da


Convenção de Haia o dia em que foi promulgada, qual seja, dia 19 de novembro de 2017, a

6
ARAÚJO, Nádia de. A Conferência da Haia de direito internacional privado: reaproximação do Brasil e análise
das convenções processuais. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 35, p. 189, São Paulo, 2012.
7
Albânia, Alemanha, Áustria, Azerbaijão (a partir de fevereiro de 2024), Bélgica, Bielorússia, Bósnia e
Herzegovina, Botsuana (a partir de novembro de 2023), Bulgária, Cazaquistão, Chipre, Croácia, Equador,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Filipinas, Finlândia, França, Grécia, Guiana, Holanda
(Países Baixos), Honduras, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia do Norte, Malta,
Montenegro, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Romênia,
Sérvia, Suécia, Turquia e Ucrânia. https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=131
8
Nas relações entre Estados Contratantes, o presente Protocolo substitui a Convenção da Haia, de 2 de outubro
de 1973, sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos e a Convenção da Haia, de 24 de outubro de
1956, sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos a Menores.
18

partir de quando os pedidos formalizados deverão seguir o novo texto convencional. Os


requerimentos que estiverem em trâmite até essa data seguem o rito da Convenção de Nova
York. Aliás, devem também seguir o rito novaiorquino os pedidos direcionados a países que
não aderiram à Convenção de Haia, bem ainda aos que anotaram reservas a alguns de seus
pontos (a exemplo dos alimentos para ex-cônjuges).

Essas são informações relevantes para que o interessado e credor dos alimentos,
ou ainda os profissionais que lhes auxiliam nesse árduo caminho, não perca tempo na
concretização desse direito. O referido marco temporal se dá por conta da vigência do Decreto
n. 9.176/2017, a partir de quando, como se disse, deverá ser observado o procedimento da
Convenção de Haia sobre Alimentos, devendo estar atento aos demais detalhes de possível
exclusão, como já mencionado.

Nos próprios considerandos da convenção, reconheceu-se a necessidade de


“melhorar a cooperação entre os Estados para a cobrança internacional de alimentos para
crianças e outros membros da família” e de “dispor de procedimentos que produzam
resultados e que sejam acessíveis, rápidos, eficientes, econômicos, adaptáveis a diversas
situações e justo”. E assim o fez por ser, reconhecidamente, prioritário o interesse da criança
e, ainda, garantir o “direito a um padrão de vida adequado para permitir seu desenvolvimento
físico, mental, espiritual, moral e social”, a ser suportado pelo pai ou responsável.

Regulamentando internamente no Brasil o fluxo de tramitação dos pedidos


baseados na Convenção de Haia, foi expedida a Portaria Conjunta n. 01, de 29 de outubro de
2019 (DOU n. 215, Seção 1, Página 209, de 06/11/2019), indicando como “Autoridade
Central” (art. 4º da Convenção de Haia) a Secretaria Nacional de Justiça, por meio do seu
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), e,
como “Outro órgão público designado” (art. 6º, § 3º, da Convenção de Haia) a Defensoria
Pública da União, atuando esta última nas funções descritas no art. 6º, § 2º, alíneas a, e, f e i,
da Convenção9.

9
§ 2º Em relação a tais pedidos, tomarão todas as medidas apropriadas para:
a) prestar ou facilitar a prestação de assistência jurídica, quando as circunstâncias assim o requeiram;
e) facilitar a execução permanente das decisões em matéria de alimentos, inclusive o pagamento de valores
atrasados;
f) facilitar a cobrança e a rápida transferência dos pagamentos de alimentos;
i) iniciar ou facilitar o início de procedimentos para obter as medidas cautelares necessárias que tenham caráter
territorial e cuja finalidade seja assegurar o resultado de um pedido de alimentos em curso;
19

Os precedentes judiciais todos reconhecem a qualidade e avanços da Convenção


de Haia sobre Alimentos para os fins de atendimento dos direitos dos credores, valendo, por
todos, trazer à colação do julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios que nos dá essa visão no texto de sua ementa, ao enunciar que:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. Convenção


sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da
Família. Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos.
CONVENÇÃO DE HAIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA
JURISDIÇÃO. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. 1. A Convenção
sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da
Família, firmada pela República Federativa do Brasil, em A Haia, Reino dos Países
Baixos, em 23 de novembro de 2007, constitui um importante instrumento na
realização de direitos, responsável pela inauguração de via profícua e eficaz para
agilizar e garantir a prestação de alimentos entre pessoas residentes em distintos
países. 2. A Convenção, promulgada pelo Decreto nº 9.176/2017, tem o objetivo de
expandir a proteção aos alimentandos, em consonância com o interesse superior da
criança e do adolescente, sem, com isso, excluir a possibilidade de interposição de
petição perante o próprio Judiciário nacional. 3. O Decreto nº 9.176/2017 - ao não
ter sido submetido à aprovação nos moldes do artigo 5º, parágrafo 3º, da
Constituição Federal - tem natureza jurídica de norma supralegal, sendo, assim,
inviável a sobreposição da criação da via mencionada à inafastabilidade prevista
constitucionalmente no rol de direitos e garantias fundamentais. Princípio da
Inafastabilidade de Jurisdição. 4. Recurso conhecido e provido. Sentença cassada.
(TJ-DF 00044382620168070006 - Segredo de Justiça 0004438-26.2016.8.07.0006,
Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Data de Julgamento: 30/04/2019, 8ª Turma
Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/05/2019 . Pág.: Sem Página
Cadastrada)

Adentrando especificamente em alguns importantes pontos da Convenção de


Haia, anota-se, de proêmio, ser ela aplicável aos alimentos decorrentes da relação de filiação
ou de relação conjugal. Quando decorrente de filiação, o texto alcança os filhos que possuam
até 21 anos de idade, apesar deste ponto poder ser objeto de reserva por parte de algum país
signatário, na medida em que podem aceitar o procedimento apenas aos filhos que forem
menores de 18 anos de idade. Também pode ser objeto de reserva os alimentos decorrentes de
relação conjugal, a exemplo do que fez a Ucrânia, que limitou a convenção às relações de
filiação de menores de 18 anos de idade10.

Visando facilitar a obtenção de alimentos, a Convenção de Haia prevê em seu


artigo 15 a dispensa do pagamento das custas no Estado Requerido em matéria de alimentos
para pessoa menor de 21 anos de idade quando decorrente de relação de filiação. Fazendo um

10
https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/notifications/?csid=1068&disp=resdn
20

paralelo com as regras internas do Brasil, já vemos alguns precedentes judiciais conferindo
gratuidade da justiça ao alimentado menor de 18 anos de idade (STJ, REsp n. 1.807.216/SP).
Inclusive, alguns Estados da Federação no Brasil possuem leis estaduais prevendo hipóteses
de isenção dos custos judiciais aos alimentados que pretendam alimentos na justiça, a
exemplo do que se vê no Estado de Rondônia11.

Ademais, sem aprofundar por completo nas regras procedimentais da Convenção


de Haia, vale anotar estarem disponíveis ao credor de alimentos no Estado Requerente o
reconhecimento e/ou execução de decisão (art. 10, §1º, a), inclusive da proferida no estado
Requerido (art. 10, §1º, b); a obtenção de decisão no Estado Requerido (art. 10, §1º, c), onde
se poderá incluir o reconhecimento de filiação; modificação de decisão proferida no Estado
Requerido (art. 10, §1º, e) ou mesmo em outro Estado que não o Requerido (art. 10, §1º, f).

A Convenção de Haia ainda prevê pedidos ao devedor de alimentos, podendo ele


envolver reconhecimento de decisão ou procedimento equivalente que implique suspensão ou
limitação da execução de decisão anterior proferida no Estado Requerido (art. 10, § 2º, a); a
modificação de decisão no Estado Requerido (art. 10, § 2º, b); ou a modificação de decisão
proferida em outro Estado que não o Requerido (art. 10, § 2º, c).

Como forma de organização procedimental, a Convenção de Haia dispõe em seu


artigo 10, § 3º, que, em regra, os pedidos previstos nos parágrafos 1º e 2º serão processados
nos termos da lei do Estado Requerido e os pedidos previstos no parágrafo 1º, alíneas c a f e
parágrafo 2º, alíneas b e c, estarão sujeitos às normas de competência aplicáveis no Estado
Requerido, conferido estabilidade e previsão aos envolvidos.

O texto ainda prevê a possibilidade de concessão de medidas específicas como


forma de iniciar ou facilitar o início de procedimento ligados ao pedido de alimentos (art. 6º),
que ficará a cargo da Autoridade Central. São várias as medidas, mas nos chamam atenção a
obrigação de ajudar a localizar o devedor ou o credor (art. 6º, § 2º, b), ajudar a obter
informações sobre a renda e outros aspectos econômicos do envolvido (art. 6º, § 2º, c),
estimular resultado amigável (art. 6º, § 2º, d), facilitar rápida transferência dos valores (art. 6º,
§ 2º, f) e facilitar comunicação processual (art. 6º, § 2º, j).

11
Art. 6º, IV, Lei do Estado de Rondônia n. 3.896/2016.
21

Visando a satisfação das decisões, a Convenção de Haia previu em seu artigo 34 a


obrigação aos Estados Contratantes disporem de medidas efetivas do direito interno, a
exemplo daquelas mencionadas no art. 34, § 2º, a saber: a) retenção do salário; b) bloqueio de
contas bancárias ou de outras fontes; c) deduções nas prestações de seguro social; d) gravame
ou alienação forçada de bens; e) retenção do reembolso de tributos; f) retenção ou suspensão
de benefícios de pensão; g) informação aos organismos de crédito; h) denegação, suspensão
ou revogação de certas permissões (carteira de habilitação, por exemplo); i) recurso à
mediação, à conciliação ou a outros meios alternativos de solução de litígios que favoreçam a
execução voluntária.

Diga-se, de passagem, que todas essas medidas de satisfação das obrigações


alimentares estão previstas no direito interno brasileiro, a exemplo do que podemos ver nos
artigos 139, IV, e 528 a 533, todos do Código de Processo Civil (Lei Federal n. 13.105/2015).
Aliás, não podemos esquecer da possibilidade da decretação de prisão civil por
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar, com previsão na
Constituição Federal, artigo 5º, LXVII. Assim, podemos dizer que o Brasil está adequado para
o que disciplina a Convenção de Haia sobre Alimentos e vice e versa.

Percebe-se o espírito facilitador e simplificador da regulamentação, que vai muito


além dessas anotações. A Convenção de Haia sobre Alimentos ainda trouxe consigo o
protocolo sobre a lei aplicável às obrigações de prestar alimentos, com fito de ajustar mais
disposições comuns sobre o tema e desenvolver regras gerais sobre a lei aplicável a
complementar a convenção.

O texto nos traz um panorama que pretende uniformizar as importantes regras


sobre a lei aplicável às obrigações de prestar alimentos e, por via de consequência, quais são
os parâmetros de avaliação dos critérios que envolvem a quantificação do valor da prestação
alimentar paterna em favor de filho menor. Aliás, o protocolo esclarece ser aplicável sua regra
mesmo que a lei aplicável seja a de um Estado não contratante, pretendendo-se à
universalidade e alcance de suas regras.

Como regra geral, o referido protocolo prevê, em seu artigo 3º, ponto 1, que “as
obrigações de prestar alimentos regular-se-ão pela lei do Estado de residência habitual do
22

credor, salvo quando o presente Protocolo dispuser de outra forma”. Trata-se de previsão com
relevante grau de importância, na medida em que tem potencial de superar um debate quase
instransponível, pois envolveria discussão sobre soberania estatal ou discussões de jurisdição.

Aliás, cumpre lembrar que a Convenção de Direito Internacional Privado,


conhecida como Código de Bustamante, já disciplinava a matéria em caminho idêntico ao que
foi visto na Convenção de Haia, ao prevê, eu seu artigo 67, que os alimentos estarão sujeitos à
lei pessoal do alimentado, guardando sintonia com a previsão atual, apesar de ter sido
elaborada no ano de 1928 e aprovada internamente no Brasil no ano de 1929. É, sem dúvidas,
um marco de estabilidade aos envolvidos no dilema dos alimentos decorrentes do parentesco
quando sob jurisdições de Estado-nação distintos.

Para além dessa relevância prática, resolvendo debate de lei aplicável às


obrigações de prestar alimentos, o artigo 11 do mencionado protocolo ainda esclarece que a
lei determinará, entre outras coisas, a medida e de quem o credor poderá reclamar alimentos
(art. 11, a); se haverá pagamento retroativo e em que medida (art. 11, b); a base de cálculo do
montante dos alimentos e a indexação (art. 11, c); sujeitos que podem iniciar pedido de
alimentos (art. 11, d); se há prescrição ou prazo para iniciar a ação de alimentos (art. 11, e); e,
por fim, o alcance da obrigação do devedor de alimentos (art. 11, f).

Em outro importante trecho, o protocolo tenta blindar eventuais restrições aos


critérios de fixação do valor dos alimentos, enunciando, em seu artigo 14, que “mesmo que a
lei aplicável disponha de outra forma, serão levados em consideração na determinação do
montante da prestação de alimentos as necessidades do credor e os recursos do devedor,
assim como qualquer compensação concedida ao credor em lugar dos pagamentos
periódicos de prestação de alimentos”.

Esse ponto nos fornece duas informações interessantes. A primeira é a de todos os


ganhos do devedor de alimentos serão considerados para ocasião da determinação do
montante a ser pago de alimentos ao credor. E a segunda é a de que são permitidos os
alimentos in natura, entendido como compensação paga ao credor de alimentos em
substituição aos pagamentos periódicos de alimentos.
23

Vale dizer que essa previsão guarda sintonia com o ordenamento jurídico interno
brasileiro. O art. 1.694, § 1º, do Código Civil, nos fornece as balizas para fixação do valor a
ser pago de alimentos, onde devem ser avaliados as necessidades de quem pede e as
possibilidades contra quem se pede. Viável, também, é o pagamento de alimentos in natura,
na forma do artigo 1.701 do Código Civil, eis que permite ao alimentante dar hospedagem e
sustento ao credor, cabendo ao magistrado determinar a forma de cumprimento dessa
obrigação (art. 1.701, parágrafo único, do Código Civil).

As previsões do referido protocolo da Convenção de Haia são tão significativas


que seu artigo 27 não permite reservas ao seu texto, apesar de ser facultativa sua adesão nos
termos do artigo 23. Porém, uma vez aceito, ratificado e aderido ao seu conteúdo, o protocolo
tem aplicação integral e sem reservas, prevalecendo as regras nele descritas. Buscou-se, sem
dúvidas, harmonizar o sistema em busca da concretização do direito aos alimentos.

Diante do que foi visto, em síntese, a pessoa interessada deverá procurar a


Autoridade Central do local de sua residência, ocasião em que será avaliado se o país onde o
devedor reside é signatário da Convenção de Haia e/ou ainda se tem alguma reserva em
relação a sua aplicação aos maiores de 18 anos e menores de 21 anos ou, ainda, aos alimentos
decorrentes de relação conjugal, os quais poderão ser tratados pela Convenção de Nova York.

Feito isso, para fins de prosseguimento, será avaliado a qual pedido se refere a
pretensão do solicitante, pois para cada um deles tem um procedimento distinto e passível de
preenchimento de formulário específico diretamente no sítio do Ministério da Justiça, a cargo
do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), da
Secretaria Nacional de Justiça12.

No enfoque que estamos avançando os estudos neste artigo, vê-se que a


Convenção de Haia sobre Alimentos traz disciplina importante sobre a lei aplicável para
determinação dos alimentos e seu alcance, o que fez por meio do referido Protocolo, cujo
conteúdo guarda sintonia com a regulamentação interna brasileira.

2.3. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL


12
https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/sua-protecao/cooperacao-internacional/cooperacao-juridica-
internacional-em-materia-civil/acordos-internacionais/convencao-da-haia-sobre-alimentos
24

É sabido que a jurisdição de cada Estado-nação, de regra, se estende e encontra


força imperativa dentro dos limites de seu próprio território, fato este que evolve conceitos
próprios de soberania e que naturalmente inviabiliza a aplicação de decisões judiciais com
força obrigatória a outros Estados-nação.

O fato é que não se pode negar o atual nível de entrelaçamento das relações
estatais e interpessoais existentes entre sujeitos que estão em territórios soberanos distintos, o
que gera uma necessidade de enxergar sob uma nova ótica a (in)aplicabilidade das decisões
jurisdicionais de um Estado-nação em outro, ainda que mediante estratégias e comunicações
existentes entre os países.

Discorrendo sobre essa dinâmica relacional entre sujeitos pertencentes a diferentes


Estados-nação, ressaltando o perfil atual da sociedade advinda da globalização, convém trazer
os assertivos ensinamentos de Heloise Siqueira Garcia, Kassy Gerei dos Santos e Denise
Schmitt Siqueira Garcia, quando, eu seu artigo “Governança Transnacional”, discorrem que:

O Estado nacional, como se sabe, é um Estado territorial, ou seja, baseia seu poder
num lugar concreto, com o controle das instituições, a criação de leis, a defesa de
fronteira, ou seja, proteção de sua soberania. Em contrapartida, a sociedade global
advinda da globalização e suas nuances, ramifica-se em várias dimensões, se mescla
e ao mesmo tempo relativiza o Estado nacional, e apresenta uma multiplicidade de
círculos sociais, redes de comunicação, relações de mercado e modos de vida que
transpassam em todas as direções as fronteiras territoriais do Estado nacional. E isso
se reflete em vários pilares da autoridade nacional estatal: fiscalidade, atribuições
especiais da polícia, política externa e defesa.33 É essa sociedade global que
reclama por uma tratativa jurídica e política que ultrapasse as barreiras do Estado
nacional e apresente soluções aos seus problemas. (Interfaces entre direito e
transnacionalidade [recurso eletrônico] / Airto Chaves Junior ... [et al.];
organizadores, Heloise Siqueira Garcia e Paulo Márcio Cruz. – Itajaí : UNIVALI :
AICTS, 2020, p. 11)

Tendo esses limites em vista, para que uma decisão jurisdicional de um país
produza seus efeitos em outro território soberano, necessário se faz criar ferramentas
colaborativas do Estado-nação destinatário para que haja satisfação dos comandos judiciais e
seu comprimento. A isso costuma-se dar o nome de assistência jurídica internacional,
cooperação internacional ou cooperação interjurisdicional.

O legislador brasileiro optou por chamar de cooperação jurídica internacional,


conforme previsão do Capítulo II, Título II, do Livro I, da Lei Federal n. 13.105/2015, que
25

instituiu o Código de Processo Civil nacional. Dentre as normas ali disciplinadas, o legislador
fixou algumas balizas essenciais a serem observadas, especialmente a indicar que a
cooperação jurídica internacional será regida por tratado.

Este é o ponto sequencial ao estudo que estamos conduzindo no presente artigo,


na tentativa de desvendar todas as hipóteses de diálogo internacional, por meio de seus
diversos mecanismos, como forma de identificar um critério (ou eventual lacuna) para
sopesamento do elemento da necessidade na conformação da obrigação alimentar entre
genitor e filho menor.

Na tentativa de desvendar essas fontes normativas de caráter supranacional, e


abordando exatamente a disciplina interna da cooperação internacional, positivada capítulo
acima mencionado, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, Andre Vasconcelos Roque
e Zulmar Duarte de Oliveira Jr, anotam que:

Consta no dispositivo em análise que a cooperação internacional será regida por


tratado ou com base na reciprocidade, o que é incompleto. Essas não são as únicas
fontes normativas da cooperação internacional. O próprio CPC é uma fonte sobre o
tema. Há, ainda, disposições constitucionais, que preveem a competência originária
do STJ para homologar sentenças estrangeiras e conceder o exequatur nas cartas
rogatórias passivas, ou seja, que tenham o Brasil como Estado receptor. Não se
pode, finalmente, deixar de fazer referência ao Regimento Interno do STJ (arts. 216-
A a 216-X), que disciplina aspectos procedimentais do pedido de homologação de
sentença estrangeira e das cartas rogatórias passivas que tramitam naquele tribunal.
(Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et
al.]. – 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 65)

Também abordando o assunto, bem ainda enaltecendo a escala transnacional da


questão, Lenio Luiz Streck, Dierle Nunes e Leonardo Carneiro da Cunha, elucidam que:

Ao lado das questões de jurisdição, a cooperação jurídica internacional materializa o


protagonismo dos tribunais judiciais estatais na solução de litígios e
instrumentalização do acesso à justiça pelos indivíduos, famílias, empresas,
entidades estatais e organizações em escala transnacional. No plano internacional,
por força do art. 4.o, IX, da Constituição Federal e do art. 1(3) da Carta das Nações
Unidas, o Estado brasileiro está comprometido com a cooperação para resolução de
questões de caráter político, civil, social, econômico, cultural e promoção do
respeito aos direitos fundamentais, todas obrigações que se estendem aos seus
tribunais internos, igualmente. O juiz nacional passa a ter maior protagonismo na
tarefa de endereçar soluções para litígios com conexão internacional, recorrendo a
mecanismos de assistência mútua e cooperação com tribunais, órgãos
administrativos e autoridades centrais de outros Estados para a correta, justa e
eficiente condução do processo e do contencioso internacional privado. Da mesma
forma, a modernização dos instrumentos de cooperação jurídica internacional pelo
Brasil permite inserir o país em ambiente de maior “integração jurisdicional” no
26

âmbito multilateral, regional e bilateral. Juízes, tribunais, advogados e partes são


atores fundamentais nesse cenário de abertura das instâncias e redes da justiça em
escala global. Tanto é assim que a cooperação jurídica é uma das mais significativas
manifestações do direito internacional privado e do contencioso internacional na
atualidade, aproximando estados, organizações internacionais, redes de tribunais,
governos e autoridades administrativas em objetivos comuns de acesso à justiça
pelos cidadãos, indivíduos, famílias e empresas. (STRECK, Lenio Luiz; NUNES,
Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Comentários ao Código de Processo Civil.
2ª Edição. Editora SaraivaJur, p. 88)

Das disposições existentes, guardando sintonia com o sistema global, infere-se


que o legislador processual civil brasileiro conferiu preferência de seguir regras de
cooperação internacional instituída e organizada por meio de tratados, conforme se infere do
artigo 26, § 1º, do Código de Processo Civil nacional. Em não sendo o caso, isto é, na
ausência de tratado internacional entre os Estados-nacionais envolvidos, a cooperação se dará
por meio da reciprocidade, pela via diplomática, ou mesmo por meio da homologação de
sentença estrangeira, de competência do Superior Tribunal de Justiça.

Ponto interessante do legislador brasileiro é destacar que, ainda que não haja
reciprocidade, eventual sentença estrangeira ainda poderá ser homologada internamente, nos
termos do artigo 26, § 2º, do Código de Processo Civil, o que demonstra elevado grau de
compromisso de cooperar com as instâncias jurisdicionais e administrativas de outro Estado,
tutelar direitos das pessoas e preservar relações jurídicas constituídas e existentes segundo as
leis de outros Estados-nação. Trata-se de importante enfoque dado pelo legislador interno.

Esclareceu, entretanto, o legislador brasileiro que, na cooperação jurídica


internacional, não se admitirá a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados
incompatíveis com as normas fundamentais que regem o direito brasileiro, pilar este
fundamental para que as sentenças estrangeiras tenham eficácia interna, nos moldes descritos
pelo artigo 26, § 3º, do Código de Processo Civil.

A permeabilidade do sistema brasileiro para as decisões estrangeira é visível,


tanto que instituiu o legislador um objeto amplo para a cooperação jurídica internacional,
alcançando quase que a totalidade de atos possíveis, desde citação, colheita de provas,
obtenção de informações, homologação e cumprimento de decisão, concessão de tutela de
urgência, assistência jurídica internacional, dentre outras que não forem proibidas pela lei
brasileira, conforme visto no artigo 27 do Código de Processo Civil.
27

Como forma de delimitação de atividades, o legislador previu que, na falta de


designação específica, quem exercerá as funções de autoridade central será o Ministério da
Justiça. Vimos anteriormente quais são os órgãos que funcionam como autoridade central para
cada convenção, que, a depender de sua aplicação, ficará a cargo da Procuradoria-Geral da
República ou da Secretaria Nacional de Justiça, por meio do seu Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI).

Trazendo procedimento para homologação de sentença estrangeira, o legislador


previu disciplina própria nos artigos 960 a 965 do Código de Processo Civil, onde traz, dentre
outras coisas, os requisitos indispensáveis para que haja efetiva homologação e validade das
decisões estrangeiras no ambiente interno brasileiro, a exemplo da observância do princípio
fundamentais do contraditório e do respeito à ordem pública. Conforme artigo 105, I, “i”, da
Constituição Federal, a homologação de sentença estrangeira é competência do Superior
Tribunal de Justiça, que também traz disciplina para o caso, nos termos dos artigos 216-A a
216-X do Regimento Interno do STJ (RISTJ), introduzidos pela Emenda Regimental 18 e 24.

Juntamente com a homologação e execução de sentenças estrangeiras, são


hipóteses de cooperação jurídica internacional as cartas rogatórias (art. 36 do CPC) e o auxílio
direto (art. 28 do CPC), sendo essa última hipótese a que mais se encaixa na sistemática que
estamos a abordar nesse estudo, na medida em que não visa dar eficácia à decisão judicial
estrangeira em território nacional, mas, ao contrário, busca, via autoridade central, tratar o
assunto internamente por meio de cooperação baseada em tratados internacionais. Aliás, é
possível inclusive que a própria autoridade central brasileira cumpra o pedido de auxílio sem
intervenção do judiciário quando isso não for exigido para o caso, tomando diretamente as
providências que forem necessárias (art. 32 do CPC).

Tratando desse assunto, Lenio Luiz Streck, Dierle Nunes e Leonardo Carneiro da
Cunha esclarecem que:

A redação do art. 28, inclusive, corrobora essa linha interpretativa, segundo a qual o
auxílio direto é cabível nas situações em que a “a medida não decorrer diretamente
de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de
delibação no Brasil”. Apesar da falha do legislador em não ter incluído no
dispositivo a expressão “cartas rogatórias”, pressupõe-se que o auxílio direto seja,
por sua autonomia e flexibilidade no quadro da cooperação jurídica internacional,
empregado para dar conta das diversas situações em que tribunais estatais e
autoridades administrativas ligadas à Justiça tenham de estabelecer esforços para o
28

adequado desenvolvimento do processo civil com conexão internacional. Não seria


adequado, aqui, transformar o auxílio direto em instrumento meramente acessório ou
supletivo de cooperação, mas, antes, complementar aos pedidos materializados por
cartas rogatórias e execução de decisões estrangeiras. De fato, a prática do direito
processual internacional aponta para ampla autonomia do auxílio direto, advindo do
modelo de assistência jurídica mútua entre Estados (mutual legal assistance)
(LOULA, Maria Rosa G. Auxílio direto – novo instrumento de cooperação jurídica
civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 93). O auxílio direto é amplo o suficiente
para compreender não apenas cooperação jurisdicional, entre tribunais, mas também
entre órgãos administrativos, Ministérios Públicos, que não integrem a estrutura do
Poder Judiciário dos Estados. O atributo distintivo do auxílio direto em relação às
rogatórias ou decisões estrangeiras submetidas a exequatur é a desnecessidade de
um juízo de delibação no tocante à apreciação, pela autoridade do Estado requerido,
do pedido de cooperação jurídica formulado pelas autoridades do outro Estado. O
principal objetivo de medidas de auxílio direto é o de simplificar e agilizar
procedimentos de cooperação jurídica internacional (ARAUJO, Nádia de. A
importância da cooperação jurídica internacional para a atuação do Estado brasileiro
no plano interno e internacional. (STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA
CUNHA, Leonardo Carneiro. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª Edição.
Editora SaraivaJur, p. 92)

Desse modo, internamente, a figura do auxílio direto instituída pelo legislador


brasileiro tem condão de traduzir toda a sistemática de cooperação internacional realizada
pela via das convenções e tratados internacionais, tais como as que já tratamentos linhas
acima, nos moldes da Convenção de Nova York e da Convenção de Haia sobre Alimentos,
cujos procedimentos já foram abordados.

Visto isso, podemos concluir que o caminho mais adequado para efetivação do
direito aos alimentos na relação parental deve ser o do auxílio direto, como fonte de
cooperação jurídica internacional, na medida em que existe contexto normativo e
harmonizador dos caminhos e procedimentos estáveis a serem seguidos pelos países
contratantes, facilitando e efetivando o direito daquele que busca seu sustento pelo vínculo
parental.

Em não sendo o caso, isto é, diante da inexistência de qualquer fonte normativa


internacional entre os países envolvidos, possível solicitar cooperação jurídica internacional
pelas outras formas de apoio entre os Estados-nação, tal como as cartas rogatórias ou formas
de homologação e execução de sentenças estrangeiras, conforme cada caso.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi visto, percebe-se um movimento cada vez maior, não tão novo,
de expansão das relações interpessoais entre sujeitos residentes em Estado-nação diferentes e
29

com realidades distintas, tanto jurídica quanto em termos de representatividade política, social
e econômica. Isso muito fruto da evolução das tecnologias nas áreas de comunicação e
transporte, gerando um fenômeno que ficou conhecido como “encolhimento do mundo”13.

Muito disso se deu à cargo da globalização e dos avanços agressivos do


capitalismo, o que atraiu novos fenômenos, tais como o da transnacionalidade, que pode ser
caracterizado uma consequência reflexa dessa constante movimentação, potencializando
relações e interconectando pessoas em locais cada vez mais distantes através de mecanismos
que parecem estar tão próximos como nunca antes esperados.

No enfoque que abordamos nesse estudo, o fenômeno da transnacionalidade


também traz reflexos para o âmbito familiar, com enlaces amorosos e familiares entre pessoas
que estão sob a jurisdição e soberania de diferentes territórios nacionais, fazendo com que
demandas dessa natureza se tornem cada vez mais constantes e que demandam soluções e
caminhos jurídicos estáveis para concretização de um direito essencial que é o direito aos
alimentos decorrentes da relação de parentesco. Chama-se essa relação familiar, fruto desses
complexos movimentos, de famílias transnacionais.

Pensando nisso, na busca de estudar os mecanismos que conferem segurança aos


sujeitos envolvidos nessa relação familiar transnacional, notadamente aos credores e
devedores da obrigação alimentar decorrente da relação familiar, tentou-se trazer à colação as
regulamentações, tratados, convenções e demais ferramentas de cooperação jurídica
internacional possíveis para encaminhar pedidos e soluções sobre o tema.

Destacou-se, portanto, como de especial relevância, para solução dos conflitos


interespaciais de alimentos, o estudo dos seguintes tratados internacionais: (i) a Convenção de
Direito Internacional Privado (ou Código Bustamante ou Convenção de Havana), promulgada
internamente pelo Decreto n. 18.871/1929; (ii) a Convenção sobre a Prestação de Alimentos
no Estrangeiro (ou Convenção de Nova York), promulgada internamente pelo Decreto n.
56.826/1965; e (iii) a Convenção sobre a Cobrança internacional de Alimentos para Crianças
e outros membros da Família (ou Convenção de Haia sobre Alimentos) e o Protocolo sobre a
Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, promulgada pelo Decreto n. 9.176/2017.
13
RIBEIRO, Gustavo Lins. Condição Transnacionalidade. Série Antropologia, Brasília, v. 223, p. 1-34, 1997.
Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie223empdf.pdf
30

Do que foi visto, portanto, privilegia-se a utilização mais moderna e compatível


com as especificidades da matéria de alimentos decorrentes da relação parental a utilização da
Convenção de Haia sobre Alimentos, cabendo, entretanto, conferir se ela é aplicável aos
países envolvidos. Não sendo o caso, deve-se investigar a aplicabilidade da Convenção de
Nova York sobre alimentos, também com a cautela de observar a aplicabilidade entre os
países, se ambos aderiram ao seu conteúdo.

Em sendo o caso, o ordenamento jurídico interno brasileiro cuida dessa


modalidade de cooperação jurídica internacional como uma modalidade de auxílio direto e
dispensada a obrigatoriedade de homologação pelo caminho judicial, com competência do
Superior Tribunal de Justiça, bastando a comunicação e exercício por meio de suas
autoridades centrais, conforme regras do artigo 28 do Código de Processo Civil brasileiro.

Por fim, na ausência de tratado ou convenção internacional comum, ainda tem a


via da cooperação jurídica internacional através da carta rogatória ou da homologação de
sentença estrangeira, que têm potencial para solucionar a controvérsia e dar efetividade ao
direito aos alimentos, sendo tais caminhos possíveis para essa finalidade.

REFERÊNCIAS

RIBEIRO, Gustavo Lins. Condição Transnacionalidade. Série Antropologia, Brasília, v. 223,


p. 1-34, 1997. Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie223empdf.pdf.

SCHULER, Flavia de Maria Gomes; DIAS, Cristina Maria de Souza Brito; Famílias
Transnacionais: um estudo sobre filhos envolvidos na migração materna. Artigo publicado
para o 5º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa, Revista Investigação
Qualitativa em Saúde, Volume 2, p. 1020 a 1028, disponível no link
https://proceedings.ciaiq.org/index.php/ ciaiq2016/article/download/850/836/.

RISSON, Ana Paula; Famílias migrantes e famílias transnacionais. Artigo publicado na


Revista Subjetiva. disponível em https://medium.com/revista-subjetiva/fam%C3%ADlias-
migrantes-e-fam%C3%ADlias-transnacionais-f840e7718cbb.

Anne-Marie Slaughter, A Typology of Transjudicial Communication, 29 U. Rich. L. Rev. 99


(1994). Available at: http://scholarship.richmond.edu/lawreview/vol29/iss1/6.
31

Interfaces entre direito e transnacionalidade [recurso eletrônico] / Airto Chaves Junior ... [et
al.]; organizadores, Heloise Siqueira Garcia e Paulo Márcio Cruz. – Itajaí : UNIVALI :
AICTS, 2020, p. 20.

Transnacionalidade e sustentabilidade: dificuldades e possibilidades em um mundo de


transformação. / Carla Piffer; Guilherme Ribeiro Baldan; Paulo Márcio Cruz (orgs.) – Porto
Velho: Emeron, 2018, p. 15.

Interfaces entre direito e transnacionalidade [recurso eletrônico] / Airto Chaves Junior ... [et
al.]; organizadores, Heloise Siqueira Garcia e Paulo Márcio Cruz. – Itajaí : UNIVALI :
AICTS, 2020, p. 11.

Comentários ao código de processo civil / Fernando da Fonseca Gajardoni ... [et al.]. – 5. ed.
– Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 65.

STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Comentários ao


Código de Processo Civil. 2ª Edição. Editora SaraivaJur, p. 88

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