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Neuroplasticidade pós-AVC:

Atualidades e implicações para


a prática profissional do
fisioterapeuta

Profª. Drª. Carolina Giorgetto

@neurologica_
Definição de Neuroplasticidade

 Primeiramente descrito pelo pai da


neurociência Santiago Ramon y Cajal
(1852-1934), que descreveu mudanças
nas estruturas de cérebros adultos.

 Capacidade das estruturas e funções do


Sistema Nervoso sofrerem mudanças
adaptativas.
Definição de Neuroplasticidade
 Diz respeito não somente a como o sistema
nervoso se adapta frente a uma lesão, mas
também está relacionada com adaptações
ocorridas devido qualquer experiência, prática ou
treinamento a que o indivíduo for exposto.

 Em qualquer fase da vida.


Novos neurônios: 250.000/min x 600/dia (Radvansky, 2017)
Nichos de células-tronco neurais: giro denteado do
hipocampo, estriado, ventrículo lateral
Janelas de Oportunidade

 A neuroplasticidade depende da maleabilidade do SNC que é modulada pela genética,


mecanismos moleculares/celulares que interferem na dinâmica de conexões neurais
que moldam a circuitaria neural no ganho ou perda de um comportamento ou função.

 A neuroplasticidade depende do perfil de desenvolvimento O que fizeram com


meu cérebro?!
cortical que é contexto-dependente e está relacionada ao
período pré e pós natal do desenvolvimento cerebral.

 Existem períodos críticos para a construção e consolidação funcionais e estruturais


durante o desenvolvimento cerebral.
(Ismail et al., 2016)
NEUROPLASTICIDADE

Reorganização estrutural
(morfológica) e funcional
Plasticidade Morfológica - Habituação (Lent, 2010)

Estímulos subsequentes não nocivos, tendem a


gerar habituação
Plasticidade Morfológica - Sensibilização (Lent, 2010)
Habituação versus Sensibilização (Lent, 2010)

Implicações clinicas importantes para os profissionais da intervenção!


Necessidade intrínseca do SNC ser estimulado
 Privação de fontes sensoriais + monitoramento por EEG,
 Instrução: “Caso queira ouvir algum som, peça pelo microfone.”
 Quanto mais tempo passavam sem receber estímulos, maior a frequência de pedidos.

Conclusões:

 SN: necessidade intrínseca de ser


estimulado.

 Na ausência de estímulos, qualquer


estímulo acessível é relevante.

 Oportunidade = Plasticidade Positiva


Toda sensação pode modificar o esquema corporal
Integração,
interpretação e
significação
S1, M1, cerebelo,
ME e córtex
parietal posterior

90% informações
sensoriais

Functional Neuroanatomy for Posture and Gait Control


Kaoru Takakusaki J Mov Disord 2017
Prática Clínica: Habituação e Sensibilização
 Conceitos utilizados em qualquer área, sempre que o paciente tiver alteração sensorial.
 “Conversar” com os neurônios sensoriais, direcionando-os para Habituação ou Sensibilização.
 Objetivo: preparar sensorialmente aquela região para realização de um movimento.

 O Fisioterapeuta é o profissional do movimento!


 Nós mudamos um padrão motor via estímulos sensoriais
 Há maior capacidade de mudar padrões motores quando fornecemos experiencias sensoriais.
Fortalecimento e Enfraquecimento Sináptico

 Processos dependentes de aspectos estruturais:


 Quantidade de NT e receptores, proximidade entre
neurônios, grau de mielinização e velocidade de
comunicação.

 Princípio do “Use ou Perca”.


 Se todo esse maquinário não for usado: sinapses serão
perdidas.
 Se todo esse maquinário for usado: sinapses serão
potencializadas.

 Não use e perca = enfraquecimento sináptico


 Use e melhore= fortalecimento sináptico
Regeneração do SNC:

 Meio ambiente não favorável;


 Intensa morte celular + processo degenerativo perilesional;
 Ausência de laminina e fibronectina;
 Presença de proteínas inibitórias da extensão axonal;
 Astrócitos: impedem regeneração, pois promovem cicatrização.

(Siegel and Hreday, 2015)


Regeneração do SNC

Na ocorrência de lesão central:

 Necessário limitar a área lesada;


 Astrócitos se tornam reativos;
Circunscrevem a área de lesão (barreira).

Impedem crescimento neuronial indiscriminado

(Siegel and Hreday, 2015)


Parâmetros para padronização das fases do AVC
FATORES QUE INTERFEREM NA NEUROPLASTICIDADE:
Exercícios Físicos
Exercícios físicos

Efeitos dos exercícios físicos em animais e humanos:

Aumento da neurogênese;

Sinaptogênese;

Ramificação dendrítica;

Diminuição dos fatores inflamatórios nas áreas lesadas.

(Ploughman et al, 2015 e Austin et al, 2014)


Como os Exercícios Físicos Agem no Cérebro?

Aumento da produção dopamina e


norepinefrina: atividade cognitiva e
processamento de informações (Mc Moris et al, 2008).

Reduz sintomas depressivos, que facilitam


a melhora da cognição (Lai et al, 2006).

Aumento de fluxo cerebral, levando a


melhora da função cognitiva (Pereira et al, 2007).
Principais NT Produzidos com a Prática de Exercícios Físicos

GABA DOPAMINA
Controla Controle do
atividade movimento,
neuronal atenção,
excessiva cognição e
NOREPINEFRINA motivação.
Ativa o SNC,
afetando estado de
alerta, vigilância, a
SEROTONINA concentração,
Controla a ansiedade e GLUTAMATO
liberação depressão. Fundamental para
hormonal, regula neuroplasticidade,
sono e apetite. atuando na
Interfere na configuração de
aprendizagem, novas sinapses e
humor, ansiedade no fortalecimento
e depressão. de conexões
sinápticas .

(Erickson et al, 2015; Ploughman et al, 2015 e Austin et al, 2014)


Como os Exercícios Físicos Agem no Cérebro?

 Liberação de Brain-Derived Neurotrophic Factor


(BDNF) – fator neurotrófico crescimento cerebral
- após o exercício físico aeróbio (Winter et al, 2007).

 Principais locais: Hipocampo, córtex cerebral e TE.

O aumento da produção dessa molécula acarreta


em uma série de benefícios.
Como os Exercícios Físicos Agem no Cérebro?

 Neuroproteção;
 Aumenta a arborização dendrítica e número de sinapses;
 Em situações estressoras, o gene que codifica o BDNF é suprimido;

Exercício físico é parte do tratamento da depressão --- favorece a expressão desse gene novamente.

 Diminuição BDNF leva à atrofia neuronal e morte neuronal;


 Diminuição BDNF leva à depressão. Winter, 2007
Como os Exercícios Físicos Agem no Cérebro?

 Neuroplasticidade cognitiva.

 A prática de exercícios físicos regular realizada ao longo da vida exerce efeito protetor cerebral
relacionado à idade.

 Redução de risco de demência e de déficits cognitivos em 38%.


Como os Exercícios Físicos Agem no Cérebro?

Efeitos igualmente mostrados para


ratos e seres humanos.
Como os Exercícios Físicos Agem no Cérebro?

 Efeitos periféricos e centrais se somam, potencializando a ação cerebral.


 Efeito determinante para os mecanismos de neuroplasticidade diante do exercício.
(Rendeiro & Rodhes, 2018)
Como os Exercícios Físicos Agem no Cérebro?

(Hotting et al, 2012)


Exercícios Aeróbios e Modulação Cerebral

(Mang et al., 2013)


Formação Facilitada da Memória
Exercícios aeróbios abrem uma janela de oportunidades para favorecer o funcionamento cerebral.

 Pacientes neurológicos ou idosos:


problemas em consolidar memória
declarativa e não declarativa.

 Exercícios aeróbicos antes da prática


de habilidade motora: favorecem a
retenção de informações importantes.
Exercícios Aeróbios e Aprendizagem Motora
Exercícios aeróbios abrem uma janela de oportunidades para favorecer o funcionamento cerebral.

(Mang et al., 2013)


FATORES QUE INTERFEREM NA NEUROPLASTICIDADE:

Complexidade
Complexidade dos Exercícios Físicos

Resultados de estudos em animais:

 Estudos em ratos têm mostrado o quanto programas de


exercícios físicos de alta complexidade melhoram o
potencial cognitivo desses animais.

 Grau de mudanças na representação cortical e na


arborização dendrítica é dependente da
complexidade do estímulo a que o rato é submetido.

 Potencial da complexidade está nas nossas mãos

(Bienarskie e Cobert, 2001)


 Prática de movimentos isolados induz pouca melhora de mecanismos moleculares
neuroplásticos.

Prática de movimentos + resolução de tarefas é o que mais potencializa mecanismos moleculares


neuroplásticos.

 SN não entende de movimento.


 SN entende de mas de soluções de tarefas.

 Não devemos treinar movimento puro e simples


FATORES QUE INTERFEREM NA NEUROPLASTICIDADE:
Meio Ambiente
 Ambiente enriquecido potencia recuperação
funcional de ratos:

 Potencial de modificação neural: arborização


dendrítica, sinaptogênese, neurogênse, fator de
crescimento neurotrófico.

 Benefícios Neurplásticos Positivos:


desencorajamento do não-uso e redução sinapses
negativas.

 Estudos aplicados para seres humanos.


 Aplicação clínica do meio ambiente enriquecido em pacientes pós-AVC em fase aguda, nas
unidades de AVC, aumenta a variedade de atividades possíveis de serem realizadas pelos pacientes
ao longo do dia --- Pacientes tem mais iniciativa em se envolver com novas atividades.

Oferecer um ambiente enriquecido com


estimulação contribui significativamente para o
aumento dos níveis de atividade física, social e
cognitivas dos pacientes.
FATORES QUE INTERFEREM NA NEUROPLASTICIDADE:
Motivação
Exercícios Aeróbios e Modulação Cerebral

Considerações Motivacionais no
Envolvimento (ou Participação)
em Alguma Atividade Física.

Motivação:

Fatores que engajam o indivíduo na


realização da tarefa ou que atuam na
manutenção desse engajamento.
(Rebecca Lewthwait ., 1990)
Considerações Motivacionais no Envolvimento em Alguma Atividade Física
 Um observador pode ou não reconhecer seu estado de motivação.

 Processos motivacionais internos podem ativar, intensificar ou “energizar” um comportamento

 Tais processos internos dirigem o comportamento para um alvo ou afastam de outras


experiências.

 O indivíduo age de determinada forma em função do significado de uma dada situação.

(Rebecca Lewthwait ., 1990)


Motivação

Professor,
terapeuta,
família...

Alimentam a motivação
intrínseca

Ideal!
 Motivação traz expectativas e experiências
positivas.

 Indivíduo motivado se sente empoderado


na execução da tarefa.

 Pilares: autonomia, expectativas positivas


e foco externo de atenção.

 Catalizam o aprendizado focado no


objetivo, favorecendo o aprendizado.
Motivação
 Motivação aplicada em qualquer população.
 Criança se move e aprende mediante motivação.

 Muitas vezes treinamos nossos pacientes sem um alvo,


sem motivação!

 Como podemos trazer motivação extrínseca como


ingrediente?

 Padrão motor da criança durante o desenvolvimento típico


se repete em situações da prática profissional.

 A criança tem um foco (brinquedo).

 Qual o foco do paciente?


(Frank et al, 2013)
Motivação
 Fisioterapeuta: incorporar os 3 pilares da teoria da motivação na sua prescrição.
 Melhora do senso de competência, da autonomia e da autoeficácia do seu paciente.

 Pode-se simular padrões de movimento do desenvolvimento típico, mas deve-se impor a ele uma meta.

(Frank et al, 2013)


FATORES QUE INTERFEREM NA NEUROPLASTICIDADE:

Metas
Modelo SMART

 Específicas: subir degraus


 Mensuráveis: subir 5 degraus
 Atingíveis: paciente deve ser capaz de realizar
 Realistas: difícil a ponto de desafiar, mas possível de ser efetuada
 Mensuráveis ao longo do tempo: dá motivação Barbara Wilson, 2008
FATORES QUE INTERFEREM NA NEUROPLASTICIDADE:

Sono
 Sono: ativação de mecanismos consolidadores de memória declarativa e não-declarativa.

 Estágios da formação da memória: codificação, consolidação, estabilização, aprimoramento,


armazenamento e evocação = Qualidade do sono.

 Idosos, AVC, Dç. Parkinson:


Pacientes que cochilam após realização
de uma tarefa tem a melhor
consolidação daquela habilidade.
Implicações do Sono na Neuroplasticidade

 Paciente sofre estímulos o dia todo e tem qualidade de sono


ruim ou não tempo de consolidar o aprendizado.

 Os estímulos, sem sua maioria, são em vão.


Não são processados e consolidados.

 Incentivar sono/cochilo entre sessões;


 Rever horários sessões, favorecendo aquele em que está mais disperto;
 Meio ambiente favorável ao sono;
 Polisonografia;
 Rever fatores afetam sono: medicamentos, depressão, apnéia;
 Hábitos de higiene do sono.
Abordagem Terapêutica - PBE
NEUROPLASTICIDADE NEGATIVA:

A Outra Face da Mesma Moeda


Movimentos Compensatórios e as Consequências na Neuroplasticidade
 Neuroplasticidade negativa também presente no córtex
 Pacientes com AVC, TCE.

 Movimentos compensatórios podem ajudar pacientes pós- AVC a realizar tarefas em curto-prazo.
 Longo prazo: aprendizado do não-uso, redução da ADM e dor (alterações secundárias).

 Movimentos compensatórios do membro não parético podem induzir plasticidade mal-adaptativa


do hemisfério afetado e limitar a recuperação motora.

Os efeitos da compensação são


claramente descritos na literatura.
Os Efeitos da Compensação

Lesões de NSM = alterações sensoriomotoras em consequência da perda neuronial e recrutamento


inadequado de NMSs remanescentes e NMIs = neuroplasticidade negativa

Alterações sensoriomotoras DESUSO MUSCULAR

CAUSA ALTERAÇÕES
SECUNDÁRIAS NOS MÚSCULOS E NO SNC (Plasticidade).

CONTRATURA MUSCULAR ADAPTATIVA


Não-uso
DIMINUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO NO CÓRTEX MOTOR aprendido
LEVANDO A AINDA MAIS ALTERAÇÕES SENSÓRIOMOTORAS.
Os Efeitos da Compensação

Fisioterapeuta: é seu dever prevenir a plasticidade negativa, a aprendizagem do não-uso e o


excesso de movimentos compensatórios .
Balanço entre Recuperação e Compensação
 Até quando insistir na recuperação?
 Até quanto permitir algum nível de compensação ?

 É importante para a melhor recuperação funcional do paciente pós-AVC que


aconteçam estratégias de combinação entre recuperação e compensação.
 Ainda, o paciente estar ativo e funcional para promover a recuperação após o AVC.

Compensação Recuperação
• Movimento a qualquer custo • Qualidade do movimento
• Independência a qualquer custo • Prevenção de alterações secundárias
• Não-uso aprendido • Experiências sensoriais
• Plasticidade mal adaptativa • Plasticidade positiva
Frente a uma Lesão: Quando Iniciar os Estímulos?
Frente a uma Lesão: Quando Iniciar os Estímulos?

 Melhor janela para começar a estimulação pós-AVC:


 24h iniciais – não é o melhor momento:
Cérebro está manejando a lesão,
Níveis inflamatórios e de inibição cerebral altos,
Controle sinais vitais.

 Melhor janela para começar a estimulação


pós-AVC:
 Muitos centros – pós 48h do evento.
Os 10 Princípios da Neuroplasticidade

Eu melhoro uma habilidade quanto


mais eu treina-la.

Repetição leva à prática.


Repetição tem que ser com Motivação.
Os 10 Princípios da Neuroplasticidade

Saber aproveitar as janelas de oportunidade e evitar períodos críticos.

Treinamento é relevante-dependente. Tarefa aprendida tem que ser


importante para o paciente.

Neuroplasticidade ocorre durante toda a vida, mas cérebros mais


jovens tem maior potencial neuroplástico.
É importante treinar uma habilidade pensando em como ela vai ser
transferida para a prática da vida cotidiana do paciente.

Mesclar muitas habilidades juntas pode fazer com que uma interfira
na outra.
Os 5 P da Reabilitação

--- Personalized

Todo paciente merece ter o


seu programa de reabilitação
personalizado desenhado pra
si, considerando seu contexto.
Obrigada!

Profª. Drª. Carolina Giorgetto

@neurologica_

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