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UNIVERSIDADE DO ALGARVE

Faculdade de Ciências e Tecnologia


DEPARTAMENTO DE QUÍMICA E FARMÁCIA

Manual de boas práticas de laboratório

e tratamento de resultados

em Química Analítica

Isabel Cavaco
Ana Rosa Garcia

2018/2019
Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

Preâmbulo

Estas folhas destinam-se aos alunos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade do


Algarve que frequentem as disciplinas de Química Geral, Química Analítica, Métodos Instrumentais
de Análise e Técnicas Avançadas e Qualidade em Análises.

O capítulo I descreve os princípios de boas práticas de laboratório na medição rigorosa de massas e


volumes, que devem ser seguidos nas aulas práticas de todas estas disciplinas. Deve ser lido
cuidadosamente pelos alunos do primeiro ano, e consultado em caso de dúvida pelos alunos dos
anos seguintes. As regras descritas neste capítulo são básicas, mas essenciais para os bons
resultados em qualquer trabalho prático de análise química.

O capítulo II descreve os princípios de funcionamento e utilização de um medidor de pH. A medição


de pH é estudada em pormenor em Química Analítica, e os alunos desta disciplina devem prestar
especial atenção a este capítulo. Os alunos de todos os anos devem ter atenção os cuidados
experimentais a ter na medição de pH, que são descritos neste capítulo.

O capítulo III descreve os procedimentos para tratamento e apresentação de números e resultados


experimentais.

As secções A e B sistematizam os conceitos de desvios aleatórios e sistemáticos, precisão e


exatidão, devem ser lidas cuidadosamente pelos alunos de todos os níveis. Estes conceitos são
fundamentais para a compreensão do tratamento de resultados.

Na secção C descreve-se o conceito de algarismos significativos, e as regras de tratamento de


números. Deve ser lida cuidadosamente pelos alunos do primeiro ano, e consultado posteriormente
em caso de dúvida.

A secção D destina-se aos alunos da disciplina de Química Analítica e posteriores. Descreve o


tratamento estatístico de conjuntos simples de resultados.

A secção E descreve o método de cálculo do erro associado a um valor resultante de uma ou mais
operações aritméticas (propagação de erros).

O Capítulo IV descreve os métodos de calibração analítica e o tratamento estatístico da regressão


linear. Destina-se aos alunos de Métodos Instrumentais de Análise.

O capítulo V destina-se também aos alunos de Métodos Instrumentais de Análise e Técnicas


Avançadas e Qualidade em Análises, e descreve alguns parâmetros usados para caracterizar os
métodos de análise.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

Índice

I. MEDIÇÕES DE VOLUMES E MASSAS ........................................................................... 3


A. Medição de volumes de líquidos .............................................................................................................. 3
1. Material para medição de volumes: .......................................................................................................... 3
B. Medição de massas..................................................................................................................................... 6
II. MÉTODOS ELECTROANALÍTICOS ................................................................................ 7
A. Medição de pH .......................................................................................................................................... 7
1. Determinação potenciométrica do pH de uma solução ............................................................................ 7
2. Calibração do medidor de pH e determinação dos parâmetros Q, RT/F e b do elétrodo. ...................... 10
B. Análise do pH de uma amostra. .............................................................................................................. 10
1. Manutenção dos eléctrodos de pH .......................................................................................................... 11
III. TRATAMENTO DE RESULTADOS ................................................................................ 12
A. Tipos de erros ......................................................................................................................................... 12
1. Erros grosseiros: ..................................................................................................................................... 12
2. Erros Aleatórios (ou Indeterminados): ................................................................................................... 12
3. Erros Sistemáticos (ou Determinados): .................................................................................................. 12
B. Precisão e exatidão.................................................................................................................................. 13
C. Algarismos significativos ....................................................................................................................... 15
1. Contagem do número de algarismos significativos: ............................................................................... 15
2. Regras de arredondamento...................................................................................................................... 16
3. Manuseamento dos dados experimentais (operações matemáticas elementares): .................................. 17
D. Intervalos de confiança ........................................................................................................................... 17
1. Cálculo de intervalos de confiança ......................................................................................................... 17
2. Apresentação de intervalos de confiança ................................................................................................ 20
E. Propagação de erros ................................................................................................................................ 21
IV. MÉTODOS DE CALIBRAÇÃO ....................................................................................... 22
A. Regressão Linear..................................................................................................................................... 22
1. Representação gráfica ............................................................................................................................. 22
2. Determinação da “melhor reta” que passa pelos pontos experimentais ................................................. 23
B. Curva de calibração ................................................................................................................................ 25
C. Método do padrão interno ....................................................................................................................... 27
D. Método de adição de padrão ................................................................................................................... 28
V. Parâmetros de Avaliação de um Método de Análise ................................................. 30
1. Sensibilidade do método ......................................................................................................................... 30
2. Sensibilidade analítica ............................................................................................................................ 30
3. Limites de detecção e de quantificação .................................................................................................. 31
4. Seletividade............................................................................................................................................. 33
5. Gama de Trabalho/Linearidade .............................................................................................................. 33
6. Robustez ................................................................................................................................................. 35
VI. Estimativa de Incertezas ............................................................................................... 36
VII. Elaboração de um Relatório ......................................................................................... 39

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I. MEDIÇÕES DE VOLUMES E MASSAS

A. Medição de volumes de líquidos

1. Material para medição de volumes:

a) Material de Vidro
A medição de volumes é uma das ações mais frequentes num laboratório de análises. Entre o
material volumétrico existente, distinguem-se:

Pipetas, existem dois tipos fundamentais: volumétricas e graduadas.

† Volumétricas - têm uma só marca indicadora do nível a que o líquido se deve ajustar de modo a
que o valor vazado seja o valor fixo indicado na pipeta (mais rigorosas).

† Graduadas – têm uma escala que permite o vazamento de quantidades variáveis de líquido (menos
rigorosas).

Balões volumétricos, o volume final deve ser ajustado, com o solvente, até ao traço.

Buretas, tubo cilíndrico graduado com uma “válvula” e com o qual é possível controlar o fluxo e a
quantidade de líquido vazado. O volume é lido na escala da bureta.

Provetas, graduadas de modo a permitir a medição de volumes variáveis e lidos até ao valor máximo
da sua escala.

Rigor das medições:

Pipetas volumétricas – Pipetas graduadas – Balões volumétricos – Buretas – Provetas

+ rigor - rigor

As leituras de volume devem ser


efectuadas tendo em conta a posição do
menisco, considerando que o volume é o
correspondente à sua base, tal como
indicado na figura:

Figura I-1

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(a) Procedimento para utilização de pipetas volumétricas:

† Ajustar uma "pompette" à ponta superior da pipeta, segurando sempre a pipeta pela ponta superior (e
nunca pelo meio!).

† Mantendo a pipeta na posição vertical, mergulhá-la no líquido e enchê-la, por aspiração, utilizando a
"pompette", até ligeiramente acima do traço superior.

† Remover quaisquer gotas de água aderentes ao exterior da pipeta, limpando-a num movimento
descendente com papel absorvente.

†Deixar escorrer a água lentamente e ajustar convenientemente o menisco. Eliminar qualquer gota em
excesso que se encontre na extremidade da pipeta, encostando-a à parede molhada dum recipiente.

† Assegurar-se que não existem gotas de água aderentes ao exterior da pipeta ou às paredes internas
acima do menisco e que não há bolhas de ar nem espuma no líquido.

† Deixar escoar livremente o líquido contido na pipeta para o recipiente, mantendo a pipeta na vertical,
com a extremidade encostada à parede interna do recipiente, sem a deixar escorregar.

† Quando terminar o escoamento visível (o menisco deve permanecer imóvel ligeiramente acima da
extremidade), manter a pipeta na mesma posição durante 3 segundos (ou, se a pipeta tiver tempo de
espera, mantê-la durante o tempo indicado).

b) Micropipetas automáticas
A necessidade de medição de pequenos volumes de líquidos, na gama do mililitros ou microlitros, levou
ao desenvolvimento de uma gama de pipetas automáticas de pontas descartáveis. A fiabilidade destes
sistemas depende em grande parte da qualidade do instrumento, mas também de outros fatores como a
qualidade das pontas, o ambiente e o operador.

Pontas descartáveis - a forma, propriedades do material e o ajuste da ponta à pipeta influenciam o rigor da
medição. É importante verificar que a ponta encaixa bem na pipeta, testar a forma como se molha, e
verificar se ficam gotas remanescentes depois de escoar o líquido.

Condições ambientais - As fontes de erro do meio ambiente incluem a temperatura (diferença de


temperatura entre a pipeta, o fluido e a temperatura ambiente), a pressão atmosférica e a humidade do ar.
A maior contribuição para os erros ambientais é a temperatura. É importante garantir que todos os
componentes estão à mesma temperatura, dentro de ±1ºC.

(a) Procedimento para utilização de micropipetas:

† Ajustar a ponta na pipeta e ajustar o volume a medir.

† Pressionar com o polegar o manípulo até à primeira paragem;

† Segurando a pipeta verticalmente, introduzir a ponta cerca de 2-3 mm na amostra;

† Soltar gradualmente o manípulo e observar o processo de enchimento (deve evitar-se a turbulência no


interior da ponta, para minimizar o risco de formação de aerossóis). Quando o manípulo estiver na posição

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inicial, remover o polegar completamente (a ausência de pressão melhora a precisão). Lentamente, retirar
a ponta da pipeta da amostra, e limpar quaisquer gotas de água que tenham ficado aderentes ao exterior.

† Para escoar o volume medido, encostar a ponta da pipeta na parede do recipiente, num ângulo de 10-
45º. Colocar o polegar sobre o manípulo e pressionar de forma uniforme até à primeira paragem. Esperar
1 segundo. Pressionar rapidamente até à segunda paragem.

Cuidados a ter ao usar micropipetas:

† a pipeta e respetiva ponta devem ser escolhidas de forma a minimizar o espaço de ar entre o pistão e o
líquido;

† a ponta deve ser mergulhada apenas à superfície da solução (2-3mm de profundidade);

† deve molhar-se previamente a ponta com a solução a medir, para melhorar a precisão e exatidão;

† deve segurar-se a pipeta na vertical;

† a aspiração deve ser feita de forma suave, e não bruscamente.

c) Precisão do material volumétrico


Apesar da crença comum de que o equipamento mais avançado é mais rigoroso, a precisão de pipetas
automáticas não é necessariamente superior à de pipetas de vidro. Pelo contrário, pelo facto de se tratar
de um mecanismo complexo precisa de uma manutenção cuidada, caso contrário terá um mau
desempenho. A simplicidade do material de vidro faz com que, caso seja usado corretamente, tenha muito
maior fiabilidade.

O material de vidro tem normalmente uma indicação de tolerância, determinada pelo fabricante, que é
uma medida da precisão do material. Quando esta tolerância não é indicada, o material pode estar
classificado com A ou B. O material de tipo A é o mais rigoroso. As tolerâncias típicas para material de tipo
A e B encontram-se na tabela seguinte.

Especificações vulgares para balões graduados e pipetas marcadas:1


Capacidade (ml) O material de vidro tem normalmente uma indicação de tolerância,
determinada pelo fabricante
Balões graduados
25 50 100 250 500 1000
Tolerância (± mL)
Tipo A 0,03 0,05 0,08 0,15 0,25 0,40
Tipo B 0,06 0,10 0,15 0,30 0,50 0,80

Capacidade (ml) Pipetas marcadas


5 10 20 25 50 100 250
Tolerância (± mL)
Tipo A 0,015 0,02 0,03 0,03 0,04 0,06 0,10
Tipo B 0,03 0,04 0,06 0,06 0,08 - -

1
M. Lurdes Gonçalves, “Métodos Instrumentais para Análise de Soluções”, F. Calouste Gulbenkian, 1983, p. 612

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A precisão de uma pipeta automática é normalmente indicada pelo fabricante num folheto anexo à pipeta.
Na tabela seguinte encontram-se os valores típicos para a precisão deste material.

Especificações vulgares para pipetas automáticas:2


Volume nominal da pipeta (µl) Erro máximo (µl)
1-50 0,1 - 0,8
>50 - 1000 1,0 - 10
> 1000 > 10

B. Medição de massas

Uma das operações mais frequentes num laboratório é a pesagem, operação pela qual se determina a
massa de uma substância. O grau de exatidão e precisão que é necessário satisfazer numa pesagem
dependem da sua finalidade.

Uma balança analítica, muito rigorosa, ±0,0001 g, tem uma capacidade que pode variar de 50 a 200 g.

Uma balança técnica é menos rigorosa, ±0,01 g, mas tem uma capacidade elevada que pode ser de
~1000 g.

(a) Cuidados a ter durante as pesagens:

† A balança deve ser mantida sempre limpa, ou seja, não se devem colocar reagentes directamente no
prato mas sim sobre uma cápsula de pesagem (ex: vidro de relógio). As substâncias voláteis ou corrosivas
devem ser pesadas em recipientes fechados.

† A temperatura do objeto a pesar deve ser razoavelmente próxima da temperatura da balança.

† As janelas da balança devem estar fechadas durante a pesagem.

† Cada passo na pesagem - taragem, colocação do objeto no prato, leitura - deve ser feito lentamente,
dando tempo suficiente à balança para atingir o equilíbrio.

† O objeto a pesar deve ser cuidadosamente colocado no centro do prato da balança, para evitar erros de
excentricidade.

† Terminada a pesagem, a balança deve ser limpa, se necessário, as janelas fechadas e desligada se
não for utilizada de imediato.

2
"Standard Operating Procedure for Pipettes", Brinkmann/Eppendorf, 2001, disponível em
http://www.brinkmann.com/pdf/5101-C201.pdf, em Fevereiro 2003.

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II. MÉTODOS ELECTROANALÍTICOS

A. Medição de pH

1. Determinação potenciométrica do pH de uma solução


A determinação do pH é muito importante num grande número de áreas, desde a determinação da
qualidade de uma água até à análise do pH do sangue. O pH é a medida da atividade dos protões
livres em solução, e define-se como:

pH = -log10 aH+ (II.1)

A técnica padrão para esta determinação é a potenciometria, usando elétrodos de membrana de


vidro. O elétrodo de vidro é sensível aos iões H+. A base do funcionamento de um elétrodo de
membrana de vidro é a permuta iónica nas duas superfícies de uma membrana de vidro especial,
normalmente composta por grupos Na2O e SiO2. Antes de utilizar um elétrodo de vidro é necessário
saturar a membrana em água. Esta formará na superfície do vidro uma camada gel hidratada. Se a
membrana for mergulhada em água à temperatura ambiente, a formação desta camada demorará
-
entre 24 a 48 h. O contacto com meios abrasivos, solventes orgânicos e soluções contendo iões F
danifica a camada gel hidratada. A figura 1 mostra a constituição de um elétrodo combinado de vidro.

Eléctrodo de
referência exterior
Eléctrodo de
referência interior
Diafragma

Solução tampão
interior (Cl-, pH=7)

Figura II-1 - Constituição de um eléctrodo combinado de vidro para a medição do pH.

a) Potencial de assimetria
Quando o elétrodo de vidro é introduzido numa solução idêntica à solução tampão interior, o potencial
medido E deveria ser igual a zero, visto que os elétrodos de referência interior e exterior são
idênticos. Existe no entanto uma contribuição para o potencial da célula, designada por potencial de
assimetria, que causa um desvio de alguns mV. Este potencial depende da construção do elétrodo e
do estado da membrana, e deve-se à falta de uniformidade na sua composição, a tensões exercidas
sobre a membrana, a ataques mecânicos e químicos que tenha sofrido ao longo do tempo, ou a
diferentes graus de hidratação da membrana.

b) Declive
O medidor de pH mede o potencial de uma célula eletroquímica constituída pelo elétrodo de vidro e
por um elétrodo de referência. Este potencial varia linearmente com o pH, e, num elétrodo real, pode
ser descrito como

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2.303RT a (int)
E cel = Q - b log10 H + (II.2)
F a H + (ext )

onde Q é uma constante (igual ao potencial de assimetria, se os dois elétrodos de referência forem
idênticos) e aH+(int) e aH+(ext) são as atividades dos iões H+ na solução interior e no exterior da
membrana de vidro, respetivamente. Se a resposta do elétrodo fosse perfeitamente nernstiana, o
declive teria o valor 0,05916 mV a 25 ºC. Na realidade o declive é ligeiramente inferior, e vai
diminuindo ao longo da vida do elétrodo. O termo b (vulgarmente designado por slope pelos
fabricantes de medidores de pH) traduz este efeito, e é uma boa medida do estado de funcionamento
do elétrodo. Um elétrodo novo terá um slope de 100%, que irá diminuindo ao longo da sua vida.

Num elétrodo combinado novo e em boas condições, o valor de Q deve ser próximo de zero, e b
próximo de 1.

c) Erro alcalino
Em soluções muito alcalinas, podem ocorrer erros provocados pelo facto de a membrana responder
também aos iões de metais alcalinos, indicando assim um valor de pH demasiado baixo.

O erro alcalino depende do valor de pH, da temperatura e do tipo e concentração dos iões alcalinos
presentes em solução.

E / mV
Recta teórica
100
U / mV

0
6 7 8 9 10 11 12 13 14 pH

-100

-200
Desvio alcalino
-300

-400

Figura II-2 - Erro alcalino na medição do pH.

d) Calibração do medidor de pH
O estado da membrana de vidro, e especialmente da camada hidratada, está sujeito a variações ao
longo do tempo. Por esta razão, é necessário fazer periodicamente a calibração do pH, por exemplo
diariamente ou sempre que se faz uma medição. O objetivo da calibração é fazer coincidir as
características do elétrodo, sob a forma do potencial de assimetria e do declive nernstiano, com as
características do medidor de pH, de forma que este atribua leituras de pH aos valores de potencial
medidos.

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A calibração é feita recorrendo a duas soluções tampão de pH conhecido. Atenção que o valor de pH
destas soluções varia com a temperatura. No caso de soluções comerciais, a variação do pH com a
temperatura encontra-se geralmente tabelada na embalagem.

Selecionam-se duas soluções tampão de tal modo que as leituras de pH das amostras fiquem dentro
do intervalo de calibração. Normalmente usa-se o pH 7 como uma das soluções tampão.
Preferencialmente, as duas soluções não devem diferir mais de 3 unidades de pH entre si (por
exemplo, pH 4 e 7 ou pH 7 e 10).

Os potenciómetros dispõem de dois botões de regulação, um para acertar o potencial de assimetria


(Ea) e outro para acertar o declive (s).

No primeiro passo da calibração introduz-se o elétrodo na solução tampão de pH 7, e regula-se o


botão Ea do potenciómetro de modo a indicar pH=7. Este potencial corresponde ao potencial de
assimetria (Figura II-3).

E / mV
U / mV

200

pHas
Eas
0
7 14 pH

-200

Figura II-3 – Primeiro passo da calibração: acerto do potencial de assimetria.

No segundo passo, introduz-se o elétrodo na outra solução tampão e regula-se o botão s de modo a
indicar o valor de pH correspondente. Deste modo acerta-se o declive da recta (Figura II-4)

E / mV
U / mV

200 s

0
7 14 pH

-200

Figura II-4 – Segundo passo da calibração: acerto do declive.

Em medições rigorosas, é necessário que a temperatura da calibração seja igual à temperatura das
medições.

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2. Calibração do medidor de pH e determinação dos parâmetros Q, RT/F e


b do elétrodo.

a) Calibração do medidor de pH
1) Preparar duas soluções tampão de pH 7 e pH 4.

2) Medir a temperatura das soluções com o termómetro destinado ao efeito. Consultar a tabela
temperatura vs pH de cada solução tampão e anotar o valor de pH dos tampões para a temperatura
lida.

3) Lavar o elétrodo com água destilada e seguidamente com a solução tampão pH 7.

4) Mergulhar os elétrodos na primeira solução tampão e esperar que a leitura estabilize.

5) Selecionar a leitura de potencial, e anotar o valor do potencial medido (E7).

6) Selecionar a leitura de pH. Ajustar o medidor para ler o valor de pH do tampão pH 7 corrigido para
a temperatura da solução.

7) Lavar o elétrodo com água destilada e seguidamente com a 2ª solução tampão.

8) Mergulhar o elétrodo na 2ª solução tampão e esperar que a leitura estabilize.

9) Selecionar a leitura de potencial, e anotar o valor do potencial medido (E4).

10) Selecionar a leitura de pH. Ajustar o medidor para ler o valor de pH do 2º tampão corrigido
para a temperatura da solução.

b) Determinação dos parâmetros do eléctrodo


1) Calcular o declive (s) e a ordenada na origem (Q) da recta de potencial vs pH:

s = (E7 – E4) / (pH7 – pH4) (II.3)

Q = E7 - s . pH7 (II.4)

onde E7 e E4 são os potenciais medidos, em V, para as soluções tampão pH 7 e pH 4, e pH7 e pH4


são os valores de pH das mesmas soluções corrigidos para a temperatura.

2) Calcular o valor do slope, b:

s
b= - (II.5)
2.303RT / F

onde T é a temperatura absoluta da solução, R a constante dos gases perfeitos e F a constante de


Faraday.

B. Análise do pH de uma amostra.

1) Lavar o elétrodo com água destilada e seguidamente com a solução de amostra.

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2) Mergulhar o elétrodo na amostra e esperar que a leitura estabilize. Registar a leitura de potencial e
de pH.

Observações:

- Durante as medições, remover a tampa do furo de enchimento do elétrodo de referência.

- Entre medições, lavar o elétrodo com água destilada e seguidamente com a próxima
solução a medir. No caso de ser necessário limpar o bolbo do elétrodo com papel, evitar
friccioná-lo, para reduzir a possibilidade de erros por polarização.

- Agitar sempre as amostras e soluções tampão antes de efetuar as medições.

- As amostras e soluções tampão devem estar à mesma temperatura. Se as soluções tampão


estiverem guardadas no frigorífico, devem retirar-se com antecedência para que atinjam a
naturalmente temperatura ambiente antes de ser utilizadas.

1. Manutenção dos elétrodos de pH

a) Armazenamento

- elétrodos de vidro: mergulhados em água destilada.

- elétrodos de pH combinados e elétrodos de referência: mergulhados numa solução de eletrólito, 3M


em KCl. Nunca se devem guardar em água destilada, pois há o risco de precipitação de AgCl no
diafragma.

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III. TRATAMENTO DE RESULTADOS

A. Tipos de erros

Todas as medições experimentais estão sujeitas a erros. O resultado de uma análise pode ser
quantitativo ou qualitativo. Quando o resultado é quantitativo, é extremamente importante fazer uma
estimativa dos erros envolvidos na medição. Um resultado é inútil se não for acompanhado de
uma estimativa dos erros envolvidos na sua medição. Podemos classificar os erros em três tipos:

Grosseiros (irremediáveis)

Aleatórios

Sistemáticos

1. Erros grosseiros:
† Não entram no padrão normal dos erros associados a uma análise. Não devem ocorrer, e, se
ocorrem e são detectados, normalmente é necessário repetir toda a análise.

† Ex: avaria de um instrumento; distração do operador; contaminação macroscópica de um


reagente, etc.

2. Erros Aleatórios (ou Indeterminados):


† As suas fontes podem ser incerteza instrumental, do método ou do operador;

† Não são elimináveis, mas podem minimizar-se com trabalho cuidadoso;

† Reconhecem-se como uma dispersão dos valores em torno de uma média;

† Afectam a precisão;

† Podem quantificar-se pela medição da precisão (p. ex., através do desvio-padrão).

3. Erros Sistemáticos (ou Determinados):


† As suas fontes podem ser erros instrumentais, do método ou do operador;

† Em princípio, são reconhecíveis e podem reduzir-se parcial ou completamente;

† Reconhecem-se pelo afastamento entre o valor verdadeiro e o valor médio;

† Afectam a exatidão;

† Podem quantificar-se pela medição da diferença entre o valor verdadeiro e valor médio.

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B. Precisão e exatidão

Qualquer medição está associada a dois factores que definem o seu rigor: a exatidão e a precisão. A
Figura III.1 exemplifica a precisão e exatidão de várias medições da mesma amostra.

Figura III-1 - Resultados de análises da mesma amostra de água cujo teor em cloretos é 200 mg/L, com
indicação da maior ou menor precisão e exatidão de cada conjunto de resultados.

Entende-se por "exatidão" a proximidade entre o valor médio de um conjunto de medições e o valor
verdadeiro, ou convencionalmente aceite como verdadeiro, da grandeza que se está a medir.

Podemos dizer que a exatidão está associada à ausência de erros sistemáticos, ou seja, aos erros
que ocorrem sempre da mesma forma, com o mesmo valor e no mesmo sentido.

Podemos quantificar a exatidão através do erro absoluto (Ea) ou do erro relativo (Er):

Ea = valor medido - valor verdadeiro

Ea
Er = ´100%
valor verdadeiro
De acordo com esta convenção, o erro pode ser positivo ou negativo: é positivo quando o erro é por
excesso (o valor medido é superior ao verdadeiro) e negativo quando é por defeito (o valor medido é
inferior ao valor verdadeiro)

É possível eliminar os erros sistemáticos: detectando-os e eliminando as suas causas, ou, quando
isto não é possível, medido o valor do erro e corrigindo-o no resultado final.

Na bibliografia em língua inglesa a exatidão é referida nalguns casos como "trueness" ("veracidade")
ou "bias" (desvio). Não deve confundir-se com o termo "accuracy" (que se poderia traduzir como
"rigor") que é uma medida do desvio ao valor verdadeiro e engloba a precisão e exatidão.

A “precisão” de um método de ensaio mede a concordância de várias medições da mesma grandeza


entre si.

A precisão está associada à existência de erros aleatórios, ou seja, de erros que ocorrem sempre de
forma diferente, com valor e sentido imprevisível.

A precisão pode ser quantificada através do desvio padrão, ou de outros parâmetros estatísticos para
a dispersão de valores: variância, amplitude, etc.

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O valor da "precisão", no entanto, será diferente consoante as condições em que as medições são
feitas.

Se todas as medições forem feitas num curto espaço de tempo e em condições o mais semelhantes
possível (mesmo operador, mesmo equipamento, mesmas condições ambientais, etc) o desvio
padrão obtido será menor do que se forem feitas variando estas condições. Por esta razão, o
vocabulário internacional de metrologia (VIM) divide a precisão em duas grandezas, medidas em
condições limite:

- a repetibilidade é a precisão medida em condições o mais semelhantes possível;

- a reprodutibilidade é a precisão medida fazendo variar todas as condições possíveis em todas as


gamas possíveis.

Para avaliar a reprodutibilidade é então necessário ensaiar a mesma amostra por operadores
diferentes, usando equipamento diferente, em várias alturas do ano (de modo a cobrir todas as
variações de condições ambientais possíveis) e em locais do mundo diferentes, ou seja, laboratórios
diferentes. Um laboratório isolado nunca pode determinar a reprodutibilidade de um método de
ensaio. Para o fazer, é necessário um ensaio interlaboratorial.

A norma ISO 5725 introduz uma medição da precisão em condições intermédias, em que algumas
condições permanecem constantes, enquanto outras variam. Podemos definir este caso como
precisão intermédia. A medida de precisão intermédia mais útil é aquela em que se variam todas as
condições, excepto o laboratório, que permanece o mesmo. Deste modo, a precisão intermédia é a
medida mais próxima que um laboratório pode fazer da reprodutibilidade, sem recorrer a ensaios
interlaboratoriais.

Em resumo:

(1) Repetibilidade (a) Reprodutibilidade

Precisão obtida nas mesmas condições: Precisão obtida fazendo variar as condições:

— mesmo laboratório — diferentes laboratórios


— mesmo operador — diferentes operadores

— mesmo equipamento — diferentes equipamentos


— curto intervalo de tempo — espaçamento no tempo

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Exatidão Precisão
ß ß
erros sistemáticos erros aleatórios
ß ß
erro = x - x v desvio-padrão
n n

å xi å (x
i=1
i - x)
2

Média: x = i=1 s=
n n -1

variância: s2

s
desvio padrão relativo(RSD): s r =
x

coeficiente de variação (CV): srx100

C. Algarismos significativos

O conceito de algarismos significativos permite introduzir de um modo simples a precisão de uma


medida sem explicitar a sua incerteza. Este conceito permite também estimar a precisão de um valor
que é calculado por combinação de diferentes tipos de medida, pois a incerteza de um valor é
propagado em todas as contas que com ele forem feitas.

1. Contagem do número de algarismos significativos:


Número de algarismos
Valor Obs:
significativos

5,630 4 Zero à direita da vírgula com significado


Zero à direita com significado mas o zero à esquerda da virgula sem
0,270 3 significado
0,0004 1 Todos os zeros à esquerda da virgula sem significado
1,0007 5 Todos os algarismos com significado
Valor em notação científica. Apenas se consideram os algarismos
8,1x107 2 antes do expoente
2x10-7 1
3,60x103 3
Os zeros podem estar apenas a indicar a posição da virgula (ex.
3600 2 ou 3 ou 4
36,0x102)
O número em índice indica um valor estimado (ex. 2,36 cm medidos
2,36 2 com uma régua graduada em mm)

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2. Regras de arredondamento
(de acordo com a norma Portuguesa NP-37/1961):

Os arredondamentos devem ser feitos de acordo com o valor do algarismo seguinte ao qual se
pretende arredondar, ou seja, quando se arredondar um algarismo à casa de ordem n, deve ser ter-
se em conta o algarismo que está na casa de ordem n-1.

† Se o algarismo correspondente à casa de ordem n-1 é menor que 5, o número arredondado


mantém inalterado o algarismo de ordem n (ex.: 11341 arredondado às dezenas é 11340, ou 342,53
arredondado às décimas é 342,5).

† Se o algarismo correspondente à casa de ordem n-1 é maior que 5, o número arredondado tem o
aumento de uma unidade no algarismo de ordem n (ex.: 11346 arredondado às dezenas é 11350, ou
342,57 arredondado às décimas é 342,6)

† Se o algarismo correspondente à casa de ordem n-1 é 5, e nas casas n-2, n-3... pelo menos um
algarismo é diferente de zero, o número arredondado tem também o aumento de uma unidade no
algarismo de ordem n (ex.: 11345,01 arredondado às dezenas é 11350, ou 342,552 arredondado às
décimas é 342,6).

† Se o algarismo correspondente à casa de ordem n-1 é 5, e nas casas n-2, n-3... não há algarismos,
ou são zeros, existem três modos de proceder ao arredondamento:

(a) O valor a arredondar apresenta, com maior probabilidade, erro por excesso do que por
defeito (é o caso dos valores resultantes de certos métodos de medida), neste caso o número
arredondado mantém inalterado o algarismo de ordem n.

(b) O valor a arredondar apresenta, com maior probabilidade, erro por defeito do que por
excesso (é o caso dos valores resultantes de divisões, interrompidas quando ainda deixavam
resto; e dos que resultam de certos métodos de medida), neste caso o número arredondado
tem o aumento de uma unidade no algarismo de ordem n.

(c) Não há motivos para supor que o valor a arredondar apresenta, com maior probabilidade,
erro por excesso ou por defeito, neste caso o valor arredondado é obtido somando uma
unidade ao algarismo de ordem n se este for ímpar (ex.: 11335 arredondado à dezenas é
11340; se 342,55 arredondado às décimas é 342,6; se 43,735 arredondado às centésimas é
43,74) ou mantendo inalterado o algarismo de ordem n se este for par (ex.: 11345 arredondado
à dezenas é 11340; se 342,65 arredondado às décimas é 342,6; se 43,745 arredondado às
centésimas é 43,74).

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3. Manuseamento dos dados experimentais (operações matemáticas


elementares):

a) Adição e subtração:
Nos cálculos são utilizados todas as casas decimais, mas o número de casa decimais significativas
do resultado não pode ultrapassar o menor número de casas significativas das parcelas. Ex.:

22,33
2,23 3
0,22 33
24,78 63 =
24,79
arredondamento

b) Multiplicação e divisão:
O resultado tem o número de algarismos significativos idêntico ao do factor com menor número de
algarismos significativos (ex.: 0,2x103,4 = 20,68 ou seja 0,2x102 ou 0,21x102; 0,2x140,7 = 28,14 ou
seja 0,3x102 ou 0,28x102). Neste último caso é notário a informação dada pela nomenclatura com
índice. NOTA: os números inteiros quando multiplicados por reais não afectam o número de
algarismos significativos, ou seja se um computador custar 6.000 euros, dois computadores custam
12.000 euros e não 1x104 euros...

c) Logaritmos:
O argumento do logaritmo e a mantissa do seu resultado deverão ter o mesmo número de algarismos
significativos (ex.: log 2,02 = 0,305)

D. Intervalos de confiança

1. Cálculo de intervalos de confiança


É importante quantificar os erros aleatórios numa medição experimental. Isto faz-se determinando um
intervalo de confiança para o resultado final.

O intervalo de confiança representa-se como

"x ± Dx, para um nível de confiança de a %"

e significa que há uma probabilidade a de o valor que medimos se encontrar entre x-Dx e x+Dx.

A forma mais simples de estimar um intervalo de confiança é fazer a mesma medição repetidas
vezes. Os erros aleatórios que ocorrem em cada medição serão diferentes. Uns serão por excesso,
outros por defeito. Fazendo a média de todos os resultados, estaremos a compensar os erros por
excesso com os erros por defeito, e, portanto, a minimizar os erros aleatórios de forma geral. Quanto
mais medições fizermos, melhor.

20190211_manual-bpl14.docx, 06-10-2020 17
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O valor médio de n repetições da mesma medição, xm, é uma estimativa do valor verdadeiro da
propriedade que queremos medir (chamemos a este µ ). Se fosse possível fazer infinitas medições,
conseguiríamos eliminar totalmente os erros aleatórios. Só nesse caso é que teríamos a certeza de
que o valor médio das medições seria igual ao valor verdadeiro. Na prática, isto é impossível. Nunca
conseguimos saber o valor µ com rigor absoluto. O melhor que podemos fazer é estimar um intervalo
que tenha uma probabilidade elevada de o conter.

Sabemos que o desvio padrão é uma medida dos erros aleatórios que ocorreram nas medições.

A maior parte dos erros aleatórios obedece a um tipo comportamento estatístico, a que chamamos
"distribuição normal" ou "distribuição de Gauss". Se representássemos num histograma3 infinitas
medições sujeitas a erros aleatórios, este teria a forma de uma "boca de sino" designada por "curva
de distribuição normal". Estas curvas são simétricas, e são definidas por dois parâmetros: a média (µ)
4
e o desvio padrão (s) . Na figura seguinte representam-se duas curvas de distribuição normal com
a mesma média (µ=200) e desvios padrão diferentes (s1=1,0 e s2=2,5). É de salientar que:

- os valores ocorrem mais frequentemente próximo da média, e são progressivamente menos


frequentes quando nos afastamos para os extremos (o máximo da curva está em µ);

- quanto maior o desvio padrão s (maior é a dispersão dos valores em torno da média µ) mais "larga"
é a curva.

Figura III-2

Uma das propriedades mais úteis das curvas de distribuição normal é que, qualquer que seja µ e s,
cerca de 95% de todas as medições encontram-se no intervalo µ-2s e µ+2s. Da mesma forma,
encontra-se sempre uma percentagem (p%) bem definida de todas as medições em qualquer

3
Um histograma é um gráfico que traduz a frequência com que ocorre cada valor. No eixo das abcissas
representam-se os valores, e no eixo das ordenadas o número de vezes que cada um ocorreu.
4
Passaremos a designar por µ e por s a média e o desvio padrão de uma curva de distribuição normal, que
seriam teoricamente obtidos através de infinitas medições e corresponderiam aos valores "verdadeiros", e por xm
e por s a média e desvio padrão calculados com um conjunto finito de n pontos experimentais.

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intervalo µ±zs. Isto significa que, quando faço uma medição x, há p% de probabilidade de o valor
verdadeiro, µ, estar dentro do intervalo x±zs. Os valores de z encontram-se tabelados em função da
probabilidade (nível de confiança). Os mais vulgarmente usados são:

Tabela III.1
p% z
95,0% 1,96
99,0% 2,58
99,7% 2,97

Para calcular o intervalo de confiança, já só preciso de saber o valor de s. Há duas hipóteses:

- se fizer um número elevado de medições5, posso calcular o desvio padrão s e dizer que s » s.

- se não for possível fazer um número suficientemente grande de medições, calculo o desvio padrão,
s, e em vez de multiplicar por z multiplico por outro factor, o t de student.

O valor t de student encontra-se tabelado em função do nível de risco, (100-p), e do número de graus
de liberdade, gl. Este é dado por gl = n - 1 quando estamos a fazer uma média de n medições.

Na Tabela 1 encontram-se alguns valores deste parâmetro6.

Tabela III.2- Distribuição t de student para vários níveis de risco

nível de confiança
graus de
50,0% 90,0% 95,0% 98,0% 99,0% 99,5% 99,9%
liberdade
1 1,000 6,314 12,706 31,821 63,656 127,321 636,578
2 0,816 2,920 4,303 6,965 9,925 14,089 31,600
3 0,765 2,353 3,182 4,541 5,841 7,453 12,924
4 0,741 2,132 2,776 3,747 4,604 5,598 8,610
5 0,727 2,015 2,571 3,365 4,032 4,773 6,869
6 0,718 1,943 2,447 3,143 3,707 4,317 5,959
7 0,711 1,895 2,365 2,998 3,499 4,029 5,408
8 0,706 1,860 2,306 2,896 3,355 3,833 5,041
9 0,703 1,833 2,262 2,821 3,250 3,690 4,781
10 0,700 1,812 2,228 2,764 3,169 3,581 4,587
15 0,691 1,753 2,131 2,602 2,947 3,286 4,073
20 0,687 1,725 2,086 2,528 2,845 3,153 3,850
25 0,684 1,708 2,060 2,485 2,787 3,078 3,725
30 0,683 1,697 2,042 2,457 2,750 3,030 3,646
40 0,681 1,684 2,021 2,423 2,704 2,971 3,551
60 0,679 1,671 2,000 2,390 2,660 2,915 3,460
120 0,677 1,658 1,980 2,358 2,617 2,860 3,373
¥ 0,674 1,645 1,960 2,326 2,576 2,807 3,290

O intervalo de confiança obtido para uma única medição x será então

x ± t p ,n -1 ´ s (III.1)

5
O que é um "número elevado de medições" varia, conforme os casos. Em geral, considera-se n>30
suficientemente elevado.
6
Também pode calcular-se t numa folha de cálculo excel (versão inglesa) com a função TINV(risco, gl).

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No entanto, geralmente fazem-se n medições (são necessárias para determinar s), e o valor médio
dessas medições, xm, é uma aproximação melhor ao valor verdadeiro do que as medições individuais.
Demonstra-se que o desvio-padrão da média, sm é igual ao desvio-padrão dos valores individuais, s,
dividido pela raiz quadrada do número de valores usados na média. O melhor intervalo de confiança
que conseguimos assim obter com n medições será:

s
xm ± t p ,n -1
n
(III.2)
2. Apresentação de intervalos de confiança
Um intervalo de confiança deve ser apresentado apenas com os algarismos que têm significado. Por
definição, algarismos significativos são todos os algarismos que não estão sujeitos a erro, mais o
primeiro que está sujeito a erro. Assim, se o valor x de uma medição é 1,234567 e o cálculo do valor
da tolerância, Dx, para 95% de confiança é 0,01234 então sabemos que os algarismos das unidades
e as décimas não têm erro, e o algarismo das centésimas é o primeiro a ter erro. Por isso os
algarismos com significado neste número são 1,23. O valor de Dx serviu apenas para conhecermos a
ordem de grandeza do erro e assim conhecer quais os algarismos significativos do valor x. Apenas o
primeiro algarismo (diferente de zero) da tolerância Dx é que tem interesse, ou seja 0,01, Poderia
escrever o intervalo de confiança como “1,23 ± 0,01 para 95% de confiança”. No entanto, ao fazer isto
arredondou-se a tolerância por defeito, de 0,01234 para 0,01. Efetivamente, o nível de confiança do
intervalo 1,23 ± 0,01 já não é 95%, mas sim um valor ligeiramente abaixo. Para garantir que o nível
de confiança é pelo menos de p%, não se devem aplicar as regras de arredondamento à tolerância.
Em vez disso, a tolerância de um intervalo de confiança deve ser sempre arredondada por
excesso. Assim, aquele intervalo deveria ser corretamente apresentado como “1,23 ± 0,02, para 95%
de confiança”.

Por vezes o arredondamento por excesso da tolerância é demasiado drástico, e leva a perder alguma
informação sobre a qualidade do resultado. Um laboratório que se esforce por melhorar a sua
precisão arrisca-se a desperdiçar todo o esforço que fez nesse sentido apenas no arredondamento
do resultado final. Sendo assim, é aceitável escrever a tolerância (sempre arredondada por excesso)
com dois algarismos em vez de um. O intervalo ficaria “1,234 ± 0,013 para 95% de confiança”.

Em resumo, para apresentar corretamente um intervalo de confiança deve:

1) Escrever a tolerância com um ou dois algarismos significativos, arredondada por excesso;


2) Escrever o valor com tantas casas decimais quantas as que focaram na tolerância. O valor deve
ser arredondado aplicando as regras de arredondamento normais
3) Não esquecer de escrever as unidades e indicar o nível de confiança do intervalo
4) Quando os valores são muito elevados ou muito baixos deve usar notação científica. Nesse caso,
deve apresentar o valor e a tolerância como o mesmo expoente. Ex: (4,3210 ± 0,0003)x106

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E. Propagação de erros

Na maior parte das análises é necessário efetuar operações aritméticas sobre os resultados de uma
medição, ou combinar os resultados de várias medições, cada uma sujeita a erros aleatórios, de
forma a obter um resultado final. O desvio padrão deste resultado final pode calcular-se a partir dos
desvios padrão de cada medição, aplicando a lei de propagação de erros de Gauss.

Dada um função y=f(x1, x2, x3,...,xn), em que xi são variáveis aleatórias independentes, descritas por
desvios padrão sxi, então o desvio-padrão da função y será dado por:

n 2
æ ¶y ö
å çç
i =1 è
¶x
÷÷ × s 2xi
i ø
(III.3)

Resolvendo esta equação para os casos mais simples, obtém-se a tabela seguinte:

Tabela III.3

Função desvio padrão Função desvio padrão


y = x1 + x2
sx
ou sy = s x21 + s x22 y = ln x sy =
x
y = x1 - x2

y = x1 × x2 2 2
sy æ s x1 ö æ s x 2 ö 1 sx
ou = çç ÷÷ + çç ÷÷ sy =
y y = log x
y = x1 / x2 è x1 ø è x 2 ø ln 10 x

sy sx sy
y=x a = a y=e x = ex
y x y
sy
sy = K sx x = (ln 10) × ex
y=Kx y = 10 y

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IV. MÉTODOS DE CALIBRAÇÃO

A análise instrumental baseia-se muitas vezes na resposta, em termos de medida de um sinal, do


aparelho em relação à presença em maior ou menor quantidade do analito na amostra. Quando se
trata de análises quantitativas pretende-se que essa resposta seja proporcional à quantidade de
analito, e de preferência que se trate de um sinal que varie linearmente com a concentração.

Neste tipo de análises é necessário medir a resposta do aparelho em relação ao analito numa gama
de concentrações relevante para a análise que se pretende efetuar. Ou seja, quando se pretende
fazer uma análise de uma amostra cuja concentração em analito se sabe ter a ordem de grandeza de
micro ou milimolar, é claro que não se deve fazer a calibração com concentrações que sejam em
escala molar. Assim, a primeira etapa da obtenção de uma recta de calibração é a escolha
adequada da gama de concentrações onde se vai efectuar a calibração.

Define-se solução padrão (ou padrão) como uma solução cuja concentração de analito é conhecida
e pode ser preparada com rigor. O factor limitativo de muitas análises advém do facto dos padrões
não serem obtidos com o rigor necessário, quer por impossibilidade de obter um padrão puro ou por
não ser possível obter soluções com concentrações rigorosas. Ou seja, a preparação rigorosa de
padrões é fundamental em análises quantitativas, de facto maus padrões nunca vão permitir obter
resultados bons (a exatidão vai ser sempre baixa).

A. Regressão Linear
Frequentemente fazem-se medições de uma propriedade que varia linearmente com outra (por
exemplo, a absorvência de uma solução pode variar linearmente com a sua concentração, segundo a
lei de Lambert-Beer). No entanto, as medições estão sempre sujeitas a erros aleatórios, pelo que, em
geral, os pontos experimentais não coincidem com uma recta. Nestes casos, é necessário determinar
a equação (y=mx+b) da reta que melhor se ajusta ao conjunto de dados experimentais. A este tipo de
cálculo chama-se "regressão linear". Quando o objetivo é encontrar uma equação que relaciona um
sinal instrumental com a concentração de analito, designa-se por “calibração analítica”. Há
essencialmente três métodos de calibração analítica: o da curva de calibração, o do padrão interno e
o método da adição de padrão.

1. Representação gráfica

A representação gráfica pode ser considerada uma das ferramentas mais importantes para resumir e
analisar resultados. Estes objetivos apenas são atingidos quando esta é efetuada corretamente. Para
a que um gráfico seja claro, de fácil interpretação e consistente é necessário que sejam seguidos
alguns critérios na sua construção:

a. Escolher uma escala que permita visualizar a totalidade dos valores obtidos no trabalho
experimental, e que além disso permita divisões de escala que levem a uma interpretação fácil

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desses valores. Ou seja, os pontos não devem estar concentrados no meio ou num dos cantos
do gráfico. Quando se usa um programa de cálculo para construir um gráfico é muitas vezes
necessário alterar os valores da escala de ambos os eixos que é gerada automaticamente pelo
programa.

b. A representação deve ser feita com a variável dependente no eixo vertical, logo, no eixo das
ordenadas (eixo dos y) deve ser indicada a variável dependente.

c. Os gráficos devem ter legendas em ambos os eixos, nas quais são indicadas, entre
parêntesis, as respectivas unidades

d. O ponto (0,0), origem, deve ser sempre mostrado no gráfico. Em alguns casos, mas apenas
quando não é importante para a análise dos resultados, a origem pode não ser incluída nos
gráficos se isso facilitar a interpretação e a visualização dos pontos experimentais.

e. Quando são efectuados vários conjuntos de ensaios, sempre que possível, devem ser
representados no mesmo gráfico, devendo então ser claramente identificados em legenda.

f. Cada ponto experimental deve ser identificado por um pequeno símbolo. Devem ser
utilizados símbolos (i.e. pontos, quadrados, círculos...) ou cores diferentes para distinguir um
conjunto de pontos referentes a um ensaio de outro.

g. Os pontos experimentais não devem ser “unidos” entre si por linhas nem curvas de ligação.
Para determinar qual a melhor relação existente entre esses pontos devem ser utilizados
métodos matemáticos de ajuste: se estes puderem ser representados por uma recta, a
regressão linear pode ser calculada pelo método dos mínimos quadrados.

h. Obtida a recta, ou outra equação matemática, esta deve ser utilizada para desenhar sobre o
gráfico a relação que existe entre os pontos experimentais.

i. Os gráficos devem ser inseridos no texto (relatório) tendo o cuidado de garantir que têm a
dimensão adequada para que sejam facilmente interpretados, e que as legendas dos eixos são
legíveis. Estes gráficos, no texto, podem ser identificados como figura e portanto não deve ser
esquecida a respectiva legenda.

2. Determinação da “melhor reta” que passa pelos pontos experimentais


Um dos métodos mais usados para fazer regressão linear é o método dos mínimos quadrados. Neste
método, procura-se minimizar a distância "vertical" de cada ponto experimental x a uma recta teórica,
mx+b (ver figura).

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O método parte de dois pressupostos


muito importantes:

1. os erros aleatórios ocorrem apenas


nas ordenadas (y), e não nas
abcissas (x)

2. a ordem de grandeza dos erros


aleatórios não varia ao longo da recta.
Figura IV-1 – Regressão linear pelo método dos mínimos
quadrados

Com estes pressupostos, o método calcula os "residuais", que são a distância, na vertical, de cada
!
ponto experimental, yi, à reta: yi - yi onde ýi representa o valor esperado de y, valor que yi teria se

não tivesse erro, ou seja, se tivesse "caído" sobre a recta).

A função U é a soma dos quadrados dos residuais, e é uma medida do afastamento de todos os
pontos experimentais a uma recta teórica de declive m e ordenada na origem b:

! 2
U = å ( yi - yi ) =
i
(IV.1)
= å ( yi - m × xi - b ) ® min
2

Na função U, as incógnitas são m (o declive da recta) e b (a ordenada na origem). Pode calcular-se o


mínimo desta função derivando e igualando a zero. O resultado deste cálculo dá as seguintes
fórmulas para m e b:

S xy
m=
S xx (IV.2)
b = y - m× x

onde N é o número de pontos experimentais (xi, yi). Os parâmetros Sxx, Syy e Sxy podem calcular-se
por:

S xx = å (xi - x ) = å xi2 -
2 (å x ) i
2

S yy = å ( yi - y ) = å yi2 -
2 (å y ) i
2
(IV.3)
N

S xy = å (xi - x )( yi - y ) = å xi yi -
(å x )(å y )
i i

Da regressão linear retira-se outro parâmetro muito importante, o desvio padrão dos residuais, sy:

! 2
sy =
å (y i - yi )
=
S yy - m 2 × S xx
(IV.4)
N -2 N -2

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O desvio padrão dos residuais é uma quantificação dos erros aleatórios que afastam os pontos da
recta. Pode usar-se para determinar o desvio padrão do declive, sm e da ordenada na origem, sb:

sy
sm =
Sxx
(IV.5)
sb = s y ×
åx 2
i
= sy ×
1
N × å xi2 - (å xi ) ( x)
N- å
2 2
i

åx 2
i

Assim, podemos determinar a equação da recta que melhor passa pelos pontos experimentais, com
intervalo de confiança para o declive e ordenada na origem:

y = ( m ± t p ,n - 2 × s m ) × x + ( b ± t p ,n - 2 × s b )
(IV.6)

(Note-se que, neste caso, o número de graus de liberdade para o t de student é n-2, e não n-1)

O desvio padrão dos residuais é a melhor medida da qualidade do ajuste da recta. Um outro
parâmetro que traduz de forma simples se o ajuste da recta é bom ou não é o coeficiente de
correlação . O cálculo deste pode ser feito utilizando a expressão:

S xy (IV.7)
r=
S xx × S yy

O coeficiente de correlação pode tomar valores entre +1 e –1, quando |r|=1 então existe uma relação
linear entre x e y (os resultados experimentais podem ser descritos por uma recta), se r=0 existe uma
independência completa entre os valores de x e y (os resultados não apresentam qualquer relação linear).

Atenção: o coeficiente de correlação nunca deve ser usado isoladamente para avaliar a qualidade de um
ajuste, porque pode muitas vezes dar uma indicação errada! É necessário representar sempre os valores
graficamente, para avaliar a qualidade do ajuste. Quando queremos comparar a qualidade de duas rectas
de calibração do mesmo método, é preferível comparar o desvio padrão dos residuais em vez do
coeficiente de correlação.

B. Curva de calibração

O processo de calibração analítica mais simples consiste em preparar um conjunto de soluções


padrão de concentrações crescentes, geralmente por diluição de volumes sucessivamente crescentes
de uma solução mãe mais concentrada (Figura IV.2). O sinal instrumental de cada uma destas
soluções é lido, e representado em função da concentração (figura IV.3).

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Figura IV-2 – A preparação de soluções padrão para o método da curva de calibração é feita por diluição
de volumes crescentes da mesma solução mãe.

Aams

C ams Cp
Figura IV-3 – Método da curva de calibração, aplicado ao caso de leituras de absorvência (A) em função
da concentração de soluções padrão, Cp)

A recta de calibração de equação Y = m C + b é então determinada por regressão linear. As amostras


são analisadas transformando o sinal instrumental em valor de concentração a partir da equação da
recta (figura IV.3):

Yams - b
C ams =
m (IV.8)

Onde Yams é o sinal médio medido para a amostra e Cams é a sua concentração.

O desvio padrão sc associado à concentração Cams determinada a partir da recta é:

1 1 ( y ams - y )
2
sy
sc = + + (IV.9)
m L N m 2 × S xx

onde L é o número de réplicas da amostra que foram lidas, y c é a média das L leituras da amostra,
e y é a média das leituras das N soluções padrão que foram usadas para construir a recta.

O intervalo para a concentração da amostra será então Cams ± t95%,n-2 sC, para 95% de confiança.

Há alguns cuidados a ter ao aplicar o método da curva de calibração:

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a) Devem prepara-se no mínimo 6 soluções padrão, além de um branco, para que o tratamento dos
resultados tenha algum significado estatístico.

b) a análise tem de ser sempre feita por interpolação, e nunca por extrapolação. Só é possível
analisar amostras com concentração compreendida entre a do padrão mais diluído e o padrão mais
concentrado. Isto porque não há qualquer garantia de que o comportamento linear se mantenha para
além destes limites;

c) a matriz das amostras tem de ser semelhante à matriz dos padrões usados para fazer a recta. Se a
matriz for diferente, a resposta instrumental será provavelmente diferente, e a recta já não será
válida. Este problema pode ser resolvido preparando padrões artificiais, com matriz semelhante à das
amostras. No entanto, isto não pode fazer-se quando queremos analisar amostras de matriz
desconhecida. Nestes casos, é necessário aplicar outro método de calibração - o método da adição
de padrão.

C. Método do padrão interno

Durante o processo de análise ocorrem uma série de desvios aleatórios, mais ou menos controláveis.
Alguns destes desvios podem afectar várias substâncias na mesma amostra. Por exemplo, uma
variação no volume de amostra, da ordem dos microlitros, medido para cromatografia gasosa, vai
afectar o sinal de todos os componentes dessa amostra que forem detectados no cromatograma. A
calibração pelo método do padrão interno aproveita este facto para eliminar algumas fontes de
variação aleatória dos resultados.

No método do padrão interno é preciso adicionar à amostra uma substância, designada por padrão
interno, que deve ter as seguintes propriedades:

a) ser uma substância diferente do analito, mas suficiente semelhante para sofrer o mesmo tipo de
variações aleatórias;

b) ser suficientemente diferente do analito para originar um sinal instrumental distinto daquele;

c) não existir na amostra.

O padrão interno é adicionado a todas as soluções padrão e à amostra, de forma a ter a mesma
concentração em todas as soluções. Estas são analisadas, e registado o sinal correspondente ao
analito, Sa, e o sinal do padrão interno, Spi.

Se tanto o analito como o padrão interno geram um sinal instrumental,

Sa = ma Ca (IV.10)

Spi = mpi Cpi (IV.11)

Então a razão dos dois sinais será também proporcional à concentração de analito, desde que a
concentração de padrão interno seja constante em todas as soluções:

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Sa ma
= Ca = m ' Ca pi (IV.12)
S pi m piC pi

Se os dois sinais forem afectados da mesma forma por variações aleatórias, é possível eliminar estas
variações calculando a razão entre os sinais, Sa/Spi. Assim, no método da adição de padrão, faz-se
uma recta de calibração semelhante ao método da curva de calibração, mas representando Sa/Spi em
função da concentração.

A grande vantagem deste método é eliminar as variações que afetam simultaneamente o analito e o
padrão interno. A desvantagem é que é muito difícil encontrar substâncias que obedeçam aos
requisitos para padrão interno.

Tal como no método da curva de calibração, aqui é necessário que amostras e padrões tenham
matrizes semelhantes.

Os cálculos da concentração de amostras e incertezas associadas são feitos da mesma forma que no
método da curva de calibração.

D. Método de adição de padrão

O método da adição de padrão permite eliminar os efeitos de matriz na calibração, e por isso é ideal
para analisar amostras de matriz desconhecida. Neste método, todas as soluções padrão são
preparadas contendo o mesmo volume de amostra (figura IV.4). Prepara-se também um balão
contendo o mesmo volume de amostra que os padrões, que será diluída na mesma proporção qe
aqueles.

Figura IV-4 – Preparação de soluções padrão na calibração pelo método da adição de padrão. Todos os
balões têm o mesmo volume de amostra, e volumes crescentes de uma solução padrão mãe.

O sinal instrumental será proporcional à concentração total de analito em cada solução. Esta será a
soma da proveniente do volume de amostra adicionado (Ca) e a do padrão adicionado (Cp).

S = m (Ca + Cp) = m Ca + m Cp (IV.13)

Como o volume de amostra adicionado foi o mesmo a todas as soluções, Ca é constante. Sendo
assim, a recta que representa o sinal instrumental em função da concentração de padrão será

S = b + m Cp (IV.14)

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Em que b, a ordenada na origem, é

b = m Ca (IV.15)

Ou seja,

Ca = b / m (IV.16)

O que é a abcissa na origem da recta de calibração (figura IV.5).

Cp
Cx
Figura IV-5 – Calibração pelo método da adição de padrão.

É preciso não esquecer que Ca é a concentração da amostra que foi diluída da mesma forma que os
padrões. Assim, se o volume de amostra pipetado foi Va e o volume do balão onde foi feita a diluição
Vb, então a concentração da amostra original, antes da diluição, é

Vb
Ca' = Ca (IV.17)
Va

O intervalo de confiança associado a Ca é calculado como Ca ± t95%,n-2 sC, onde

sc =
sy 1 (y )
+ 2a
2
(IV.18)
m N m × S xx

Nesta equação, 𝑦"! significa a média dos valores das ordenadas (y) de todos os pontos usados no
cálculo da reta.
Neste método a análise é feita por extrapolação. O método da adição de padrão é o único que
consegue eliminar efeitos de matriz na calibração. Tem a desvantagem, relativamente aos métodos
anteriores, de ser necessário traçar uma recta de calibração para cada amostra analisada.

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V. Parâmetros de Avaliação de um Método de Análise

1. Sensibilidade do método

A sensibilidade é a capacidade de um método de análise distinguir duas concentrações de analito


muito próximas. É dada pela variação do sinal instrumental causada por uma pequena variação da
concentração de analito. Quando o método usa uma curva de calibração, a sensibilidade é dada pelo
declive dessa curva (Figura V-1).

dy

dC C
Figura V-1 - Relação entre o declive de uma curva de calibração e a sensibilidade do método de análise.
O declive é dado por m = dy / dC, o que é uma medida da variação do sinal com uma pequena variação da
concentração.

É preciso não confundir sensibilidade com limite de detecção: são conceitos diferentes, embora
geralmente estejam relacionados. O conceito de limite de detecção só faz sentido quando analisamos
concentrações muito baixas. O conceito de sensibilidade aplica-se em toda a gama de trabalho, e a
sensibilidade pode ser diferente em gamas de trabalho distintas. Em geral, quanto maior a
sensibilidade na gama de trabalho mais baixa, menor o limite de detecção.

2. Sensibilidade analítica

A sensibilidade analítica, g, é o declive da recta de calibração, m, corrigido para a variação aleatória


do sinal instrumental (medida pelo desvio-padrão do sinal, s):
m
g =
s

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3. Limites de detecção e de quantificação

Os limites de detecção e de quantificação são extremamente importantes quando analisamos


componentes vestigiais, por duas razões:

- por um lado, para sabermos, à priori, qual a gama de concentrações em que podemos trabalhar;

- por outro lado, permitem-nos decidir se um sinal instrumental é devido à presença de analito, ou é
apenas uma flutuação aleatória.

Idealmente, devo escolher um método de análise cujo limite de detecção seja inferior a 1/10 da
concentração das amostras.

(a) Limite de Deteção (Ld)

Designa-se por “limite de detecção” a concentração mínima ou massa de analito mínima que pode
ser detectada pelo método com um determinado nível de confiança. Abaixo do limite de detecção não
há certeza sobre a presença ou não de analito na amostra, apenas se pode afirmar que, caso o
analito esteja presente, estará numa concentração inferior ao limite de detecção do método. O
resultado da análise neste caso deve representar-se por “<Ld”.

A existência de um limite de detecção vem do facto de todos os instrumentos de medida estarem


sujeitos a um “ruído”, ou seja uma variação aleatória do sinal, causada não pelo analito, mas sim por
factores aleatórios que não podem ser totalmente controlados: pequenas flutuações na corrente
eléctrica, variações locais de temperatura, etc. O limite de detecção é a concentração de analito que
origina o sinal mínimo detectável, ou seja, o menor sinal que é possível distinguir do ruído de fundo
do método.

A definição quantitativa do sinal mínimo detetável (Sm) é polémica, e tem variado ao longo dos anos.
O problema põe-se em definir o que é um sinal distinto do ruído de fundo. Alguns autores consideram
que é o sinal que se sobrepõe ao sinal de um branco (S0) num valor superior a duas vezes a sua
variação (quantificada pelo seu desvio-padrão, so):

Sm = S0 + 2 s0

Atualmente considera-se que o sinal mínimo detectável é aquele que é possível distinguir com uma
dada confiança estatística (normalmente 95%) do sinal do branco.

Sm = S0 + K s0

Onde K é um parâmetro estatístico que depende do nível de confiança desejado. Seguindo as


recomendações da IUPAC, o valor do limite de detecção situa-se acima do sinal médio do branco, a
cerca de três vezes (para um nível de confiança de 95%) o desvio-padrão do branco:

Sm = S0 + 3 s0.

O limite de detecção pode calcular-se fazendo uma série de leituras de brancos, determinando o seu
valor médio (B) e desvio-padrão (sb):

Ld = B + 3 sb.

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(b) Limite de Quantificação (Lq)

O limite de quantificação corresponde ao início da gama em que o coeficiente de variação (incerteza


relativa) do sinal se reduziu a valores razoáveis (normalmente 10%) para se poder efetuar uma
deteção quantitativa. Na prática, deve usar-se o Lq como início da zona em que se reportam valores
numéricos.

Seguindo as recomendações da IUPAC, o valor do sinal mínimo quantificável (Sq) situa-se acima do
sinal médio do branco (S0), a dez vezes o desvio-padrão do branco:

Sq = S0 + 10 s0.

O limite de quantificação será

Lq = B + 10 sb.

Os resultados abaixo do Lq devem ser apresentados como inferiores ao valor numérico (x) desse
limite: "<x (Lq)"

(c) Estimativa
Os limites de detecção e quantificação devem ser estimados a partir de uma série de ensaios com um
branco representativo (ou um padrão de baixa concentração, caso o branco não tenha flutuação
significativa). É conveniente que esta estimativa seja feita com brancos independentes preparados
em dias diferentes em condições de trabalho de rotina.

Quando o método usa uma recta de calibração obtida por regressão linear pelo método dos mínimos
quadrados, este faz uma quantificação dos erros da regressão (através do valor do desvio padrão dos
residuais, sy) que pode ser usada na estimativa de Ld e Lq. Admitindo-se que sy representa o desvio-
padrão do branco, e interpolando o respectivo valor em concentração, tem-se:

3× sy 10 × s y
Ld = e Lq =
m m
onde m é o declive da recta.

Para aplicar este método é necessário:

- haver homogeneidade de variâncias;

- haver linearidade até à origem

- excluir o branco da curva de calibração.

As fórmulas indicadas para a estimativa de Ld e Lq pressupõem que o número de ensaios usados na


estimativa é estatisticamente elevado. O número de ensaios (n) deve ser tanto maior quanto maior o
desvio padrão do método. Nunca deve ser inferior a 10, e, em geral, é suficiente n>50.

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4. Seletividade

A seletividade (ou especificidade) de um método de análise mede o grau de discriminação entre o


analito e outros componentes da matriz. É a capacidade de o método analisar seletivamente o
analito, sem interferências de outras espécies presentes na matriz. No fundo, é uma medida do
número e tipo de interferentes.

A seletividade é quantificada de maneira diferente para diferentes técnicas.

(a) Coeficientes de seletividade:

Em geral, se dois compostos, A e B, responderem aos mesmo método,

y = mA . CA + mB . CB + b

O coeficiente de seletividade de A relativamente a B é a resposta do método à espécie B


relativamente à resposta a A:

mB
KB,A =
mA

Logo,

y = mA ( CA + KB,A . CB ) + b

O coeficiente de seletividade pode ser positivo, negativo, superior ou inferior à unidade. É muito
usado em potenciometria, quando se usam elétrodos seletivos, mas pouco usado para outras
técnicas.

Em cromatografia, define-se um parâmetro para medir a capacidade de uma coluna separar dois
analitos A e B, o factor de seletividade, como

a = k'B / k'A

onde k'A e k'B são os factores de retenção corrigidos das espécies A e B.

5. Gama de Trabalho/Linearidade
A gama de trabalho de um método é a gama de concentrações em que é aplicável, entre um limite
mínimo e um limite máximo. Quando o método usa uma recta de calibração, esta gama também se
denomina gama de linearidade, e é a gama em que o sinal instrumental tem um comportamento
linear relativamente à concentração de analito.

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Lq LL C

Figura V-2 - A gama de linearidade de um método é o intervalo de concentrações entre o limite mínimo
onde se observa um comportamento linear (se a recta se aplica a concentrações baixas, este limite é o limite de
quantificação, Lq) e o limite máximo (LL - limite de linearidade).

O limite mínimo é geralmente definido como igual ao limite de quantificação (Lq). O limite máximo é,
quando se usa uma recta de calibração, o limite de linearidade (LL). A gama de trabalho é muitas
vezes expressa através da gama dinâmica:

LL
gama _ dinâmica =
Lq

A gama dinâmica deve ser pelo menos de 102 ou seja, duas ordens de grandeza. Alguns métodos
têm gamas dinâmicas de cinco ou seis ordens de grandeza.

Para determinar a gama de linearidade é necessário verificar não só o comportamento linear dos
pontos experimentais mas também os pressupostos do método de regressão linear utilizado. No caso
do método dos mínimos quadrados, o processo de determinação da gama de linearidade está
descrito na norma ISO 6488-1.

Um erro grosseiro frequente, principalmente quando se aplicam métodos instrumentais com cálculos
automatizados, é a leitura de amostras fora da gama de trabalho do método. O analista tem a
obrigação de verificar que todas as leituras de amostras foram feitas por interpolação, e se encontram
entre a concentração do padrão mais diluído e a do padrão mais concentrado. No caso de soluções
mais concentradas, é geralmente possível diluí-las de modo a caírem dentro da gama de trabalho
(excepto nos casos em que a diluição altera as propriedades da matriz). Quando a amostra é mais
diluída, deve procurar-se fazer uma recta de calibração para uma gama mais baixa (desde que a
amostra esteja acima do limite de quantificação). Se isso não for possível, indica-se o resultado como
sendo inferior ao limite de quantificação ("<Lq"). Há vários processos de pré-concentração do analito
(extração por solventes, cromatografia, etc) mas são passos que envolvem geralmente erros por
perda de analito, e só devem ser usados depois de convenientemente validados.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

6. Robustez
O laboratório pode decidir fazer uma pequena alteração a um método de ensaio: reduzir o volume
inicial de amostra, modificar as condições para poder usar uma determinada peça de equipamento,
reduzir o tempo de secagem, etc. Dependendo dos casos, uma pequena alteração pode ou não
afectar a qualidade dos resultados finais. O laboratório deve verificar se o método "resiste" a esta
pequena alteração, e continua a dar bons resultados. Designa-se por robustez a resistência do
método a pequenas alterações.
A robustez é a capacidade de o método continuar a dar bons resultados, quando sofre pequenas
alterações. Quanto menos robusto é um método, mais cuidados devemos ter no controlo de todos os
parâmetros de influência.

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VI. Estimativa de Incertezas

No contexto dos laboratórios de análise, entende-se por “incerteza” o intervalo onde se pode
encontrar, com um nível de confiança definido, o valor verdadeiro da grandeza que se pretende
medir. A estimativa de incertezas deve ter em conta todas as possíveis fontes de desvios aleatórios
que podem afetar a medição. Os desvios sistemáticos podem ser detetados por comparação com
uma referência (calibração), pelo que podem ser corrigidos ou eliminados. Não entram por isso no
cálculo da incerteza, a não ser na medida em que a própria calibração está sujeita a incerteza.
O cálculo da estimativa de incertezas pode ser feita de muitas formas diferentes. A fim de evitar
grandes disparidades, a ISO publicou um guia para a estimativa de incertezas7, o GUM (“Guide to the
Uncertainty Measurement”). Apresenta-se a seguir uma versão simplificada da metodologia GUM.
Esta metodologia divide-se em quatro passos:
1) Definição do Modelo
2) Identificação das fontes de incerteza
3) Quantificação das fontes de incerteza
4) Combinação das componentes da incerteza e expansão para um nível de confiança.
Vejamos em que consiste cada passo:

1) Definição do Modelo
Entende-se por “modelo” a expressão matemática que permite determinar a grandeza que queremos
medir a partir de um conjunto de medições experimentais, cada uma sujeita a desvios aleatórios. Por
exemplo, ao preparar uma solução padrão por pesagem e diluição rigorosas de um padrão primário, a
concentração da solução, em mol/L, será dada pela massa pesada numa balança analítica, m, a
pureza do reagente, p, o volume do balão volumétrico, V e a massa molar da substância, de acordo
com o modelo seguinte:

𝑪𝑺𝒕𝒐𝒄𝒌 = 𝑽𝒎𝑴𝒑
eq. VI-1

A definição do modelo é importante, pois permite aplicar a equação de propagação de erros de gauss
(ver secção III.E, p. 21) e estimar a incerteza do resultado final em função da incerteza dos
componentes que entram no cálculo.
2) Identificação das fontes de incerteza
A identificação exaustiva de todos os fatores aleatórios que afetam uma medição, denominados como
as fontes de incerteza, pode ser um trabalho árduo. A utilização de um diagrama do tipo causa e
efeito, também designado como diagrama de espinha de peixe, ajuda na organização da informação
(Figura VI-1).

7
ISO - JCGM, Guide to the Expression of uncertainty in measurement, 2008,
https://www.bipm.org/utils/common/documents/jcgm/JCGM_100_2008_E.pdf , disponível em 18/2/2019

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

Figura VI-1 - Diagrama de causa-efeito para uma grandeza y sujeita às fontes de


incerteza a, b, c, d e e. A fonte a está sujeita às fontes a1 e a2, que por sua vez estão sujeitas a
a11 e a12, etc.

Podemos classificar as fontes de incerteza em incertezas explícitas, e incertezas implícitas. As


incertezas explícitas que são as que entram explicitamente no modelo. No exemplo acima, são a
massa m, a pureza p, o volume V e a massa molar M (Figura VI-2). A massa é obtida por pesagem
numa balança, que na realidade faz a diferença entre duas pesagens: a massa do recipiente vazio
(tara), e a massa do recipiente com o sólido. Cada pesagem está sujeita a diversas fontes de desvios
aleatórios: a tolerância da balança, indicada pelo fabricante, a higroscopia do material a pesar, a
temperatura e a pressão atmosférica afetam a densidade do ar, que por sua vez afeta a impulsão do
ar nos pratos da balança, os desvios causados pelo fator humano (colocar a massa em posições
ligeiramente diferentes de cada vez, etc). A temperatura, pressão atmosférica e humidade do ar não
aparecem explicitamente no modelo, e como tal são considerados incertezas implícitas. O mesmo se
pode dizer do fato humano, da incerteza da calibração da balança, etc.
Nas disciplinas de MIA e TAQA far-se-á uma abordagem simplificada da estimativa das incertezas em
que se consideram apenas as incertezas implícitas, e apenas as que advêm da tolerância dos
instrumentos de medida.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

Figura VI-2 – diagrama de causa-efeito simplificado para a concentração de uma


solução padrão.

3) Quantificação das fontes de incerteza


Após identificar as fontes de incerteza é preciso quantifica-las, i.e. atribuir-lhes um valor. Esta
quantificação pode ser feita através de uma estimativa estatística, i.e. a partir do tratamento
estatístico de um conjunto de resultados suficientemente grande para ter significado estatístico. Este
tipo de estimativa designa-se por estimativa do tipo A. Nem sempre é possível fazer uma estimativa
do tipo A. Por exemplo, os valores das massas atómicas são valores experimentais e têm uma
incerteza associada, mas não é possível estimar esta incerteza de modo estatístico. Nestes casos a
incerteza é tipicamente expressa por uma distribuição retangular de largura ±tol. Pode aproximar-se
uma distribuição retângula a uma distribuição normal transformando tol num desvio padrão através da
equação
"#$
𝑢= eq. VI-2
√&

Este tipo de estimativa de incerteza designa-se por de tipo B.

4) Combinação e expansão das incertezas


Aplicando a equação de propagação de erros de gauss ao modelo e conhecendo os valores das
componentes explícitas da incerteza é possível obter a incerteza do resultado final, designada por
incerteza combinada (uc).
A incerteza expandida (U) é a incerteza obtida expandindo a incerteza combinada para um nível de
confiança. Tipicamente, usa-se o fator de expansão K=2 para um nível de confiança de 95%.
U = K . uc eq. VI-3

Ao apresentar um intervalo de confiança obtido por estimativa de incertezas, deve acrescentar-se


sempre não só a indicação do nível de incerteza, mas também do fator de expansão usado. Por
exemplo: “1,234 ± 0,013 mol/L para 95% de confiança com fator de expansão K=2”.

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VII. Elaboração de um Relatório

Um relatório prático destina-se a explicar a experiência efetuada, descrever os resultados


experimentais, apresentar os cálculos efetuados e discutir os resultados obtidos. O relatório deve
conter apenas a informação necessária para o trabalho, não devendo por isso ser muito extenso!
Um relatório prático deve ser elaborado de tal forma que:
- outra pessoa possa repetir o trabalho efetuado com base nele
- qualquer pessoa possa perceber qual o objetivo do trabalho, o que se fez, quais foram os
resultados obtidos e ter uma apreciação crítica dos resultados.

As normas seguintes destinam-se a ajudar na elaboração de relatórios práticos.

Um relatório é composto por:


- Título
- Resumo (apenas em relatórios de MIA e TAQA)
- Objetivos/Introdução
- Métodos/Parte Experimental
- Apresentação de Resultados Experimentais
- Cálculos e Discussão de Resultados
- Conclusões
- Bibliografia

Título:
Deve ser claro e descritivo.

Resumo:
O resumo é a última parte a ser escrita, mas é a que aparece primeiro no relatório. Destina-se a
permitir a qualquer pessoa compreender o porquê do trabalho, o que foi feito e as conclusões a que
se chegou, sem precisar de o ler em pormenor. O resumo deve ser curto e sucinto. Deve deixar claro:
- o que se pretende determinar / qual o objetivo do trabalho
- qual o método usado (analítico e de cálculo)
- o resultado obtido ± intervalo de confiança / quais as conclusões do trabalho

Objetivos/Introdução:
Deve conter uma descrição simples e clara dos objetivos, dos dados que vão ser recolhidos e dos
princípios que vão ser demonstrados.
Nalguns casos os Objetivos podem estar destacados, antes da Introdução. Quando incluídos na
Introdução, os objetivos devem aparecer logo no início. Não esquecer que a Conclusão do trabalho
terá de dar resposta aos Objetivos.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

A Introdução deve ser uma descrição concisa da história e da teoria relevantes, de forma a dar uma
base científica ao trabalho prático. Tome em consideração a metodologia específica da(s)
experiência(s) realizada(s). Podem ser adicionadas figuras, quando forem relevantes. Todas as
figuras devem ser numeradas, ter uma legenda, e ser referidas no texto. Não devem aparecer figuras
“soltas”, sem ligação ao texto escrito. O relatório deve ser um texto coerente do princípio ao fim.
Para escrever a introdução é geralmente necessário fazer uma breve pesquisa bibliográfica. Os
princípios teóricos descritos na introdução devem basear-se em referências bibliográficas fidedignas
– são essas que dão as bases científicas e solidez ao trabalho. As referências podem ser livros de
texto ou artigos científicos. Aceitam-se referências a websites, mas apenas de fontes fidedignas (de
universidades ou instituições públicas, por exemplo, e nunca páginas pessoais), e só nos casos em
que não se encontra uma referência equivalente publicada em papel. A informação que está
disponível numa página web num determinado momento não o estará necessariamente mais tarde,
por isso é importante referir a data em que foi consultada.
Cada referência deve ser numerada e indicada no texto entre parêntesis retos, []. As referências
devem aparecer por ordem, i.e. a primeira referência a aparecer no texto é [1], a segunda [2], etc.
No final do relatório apresentam-se as referências bibliográficas, por ordem numérica.
Por exemplo, a zona de viragem de um indicador ácido-base está referida em textos de Química
Analítica, como é o caso do Harris. Um exemplo do texto na introdução seria:
“A fenolftaleína é um indicador ácido base com zona de viragem entre pH 8,0 e 9,6 [1].”
E na bibliografia apareceria a referência:
1. Daniel C. Harris, “Quantitative Chemical Analysis”, Freeman, 6th edition, 2003, p. 243.
A formatação das referências bibliográficas será descrita adiante, na secção “Bibliografia”.

Parte Experimental:
A parte experimental deve englobar: Material, reagentes e Procedimento Experimental.
Material:
O material e equipamento deve ser mencionado apenas quando afeta o rigor das medições. Varetas,
copos, erlenmeyers, etc, são material vulgar em qualquer laboratório e não afetam o rigor da
medições, e por isso não deve ser pormenorizado. Deve ser englobado numa frase como “material
corrente de laboratório”. Material volumétrico rigoroso, como pipetas, buretas ou balões volumétricos,
afeta o rigor das medições, e deve ser explicitado, assim como a sua precisão. Ex: balão volumétrico
200,0±0,2 ml.
Reagentes:
Deve descrever todos os reagentes usados, explicitando a sua marca e grau de pureza. Quando
utilizar soluções que foram previamente aferidas, deve indicar a sua concentração e respetivo
intervalo de confiança.
Procedimento experimental:
Não copie o protocolo prático. Pode referir o protocolo seguido como referência bibliográfica..
Quaisquer modificações, desvios ou adições ao protocolo devem ser registadas.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

O material, reagentes e equipamento não devem ser apresentados de forma esquemática, mas sim
de forma descritiva, em texto corrido. Ou seja, em vez de escrever:
“Reagentes:
- HCl 0,010 ± 0,005 M
- KSCN 99,0% da Merck
- Fe(NO3)3 95% da Riedel de Haën”
Deve escrever:
“Reagentes: Usou-se HCl 0,010 ± 0,005 M previamente preparado, KSCN 99,0% da Merck e
Fe(NO3)3 95% da Riedel de Haën.”

Apresentação de Resultados:
Os resultados são o produto imediato do trabalho experimental, são a matéria prima da qual se pode
extrair informação através de cálculos. Merecem por isso destaque numa secção própria, separada
dos Cálculos.
Sempre que possível os resultados devem ser apresentados em tabelas. Cada tabela deve ser
numerada para eventual referência no texto e incluir uma breve descrição do seu conteúdo (ex:
Tabela III - Efeito do ácido clorídrico nas roupas dos estudantes que não usam bata). A primeira linha
de cada coluna da tabela deve conter o nome da quantidade e respetiva unidade, incluindo quando
necessário o fator multiplicativo usado.
As unidades são muito importantes. Os algarismos significativos também! Não inclua mais do
que três algarismos significativos nos números a menos que esteja convencido que o seu erro
experimental é extremamente baixo (<1%). (Note que a gota típica deixada numa bureta de 5 ml é de
0.05 ml, ou seja, 1%).

Cálculos e Discussão:
Os cálculos devem ser apresentados de forma completa. Mas atenção: um relatório não é uma folha
de cálculo! Apresentar todas as contas ao pormenor é uma perda de tempo e desperdício de papel.
Escrever a fórmula de cálculo, os dados de partida e os resultados finais é suficiente para quem
quiser poder repetir os cálculos e obter os mesmos resultados. Se tiver muitos cálculos iguais deve
apresentar detalhadamente um deles e depois apresentar apenas os resultados finais dos outros
casos idênticos, preferencialmente sob a forma de tabela.
Os resultados finais dos cálculos devem ser apresentados em destaque e devem estar sempre em
concordância com as incertezas calculadas.
A discussão é uma das partes mais importantes do relatório. As discussões não são obrigatoriamente
longas, mas devem ser completas e concisas.
Pode discutir os cálculos conforme forem sendo apresentados. A discussão deve ser feita do ponto
de vista de avaliação dos resultados finais, do seu significado e da sua exatidão. Tente pensar sobre
as possíveis implicações dos resultados, relacionando-os com os objetivos do trabalho.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

Conclusões:
As conclusões devem estar destacadas do resto do relatório, mesmo que estejam a repetir coisas
que já foram escritas na discussão. Devem ser uma descrição breve do que foi encontrado ou
demonstrado na aula prática, e devem incluir um resumo dos resultados quantitativos. As
conclusões são a resposta aos objetivos do trabalho. Sempre que a conclusão envolva
resultados numéricos, deve apresentar o intervalo de confiança correspondente.

Bibliografia:
Se em qualquer parte do relatório usou qualquer fonte bibliográfica deve fazer referência no texto a
esse facto. A última parte do relatório deve conter uma lista bibliográfica de todas as referências
usadas.

As referências bibliográficas são uma parte essencial de qualquer trabalho científico. Por um lado,
constituem a base científica que dá credibilidade ao trabalho. Por outro, mostram ao leitor onde pode
aprofundar os assuntos abordados no trabalho. Por último, as referências bibliográficas permitem dar
créditos aos autores que originalmente publicaram as ideias que estão na base do trabalho.

A referência bibliográfica deve dar toda a informação necessária para encontrar o texto referido. A
forma como as referências são apresentadas na bibliografia tem regras bem definidas. Há vários
sistemas diferentes para apresentar referências bibliográficas. É importante não misturar sistemas
diferentes no mesmo documento, i.e. todas as referências bibliográficas devem ser formatadas
exatamente da mesma forma.
Nas disciplinas da área da Química Analítica sugerem-se as seguintes regras para a apresentação de
referências bibliográficas:
a) para livros de texto:
nome(s) do(s) autor(es), “Título”, editora, edição, ano, páginas consultadas
ex: Daniel C. Harris, “Quantitative Chemical Analysis”, Freeman, 6th edition, 2003, p. 553-
556.
b) para artigos científicos:
nome(s) do(s) autor(es), nome da revista, ano, volume (número), páginas
ex: M. Lahti, J. Vilpo, J. Hovinen, J. Chem. Ed., 1999, 76 (9), 1281-1282
c) para páginas web:
nome da Organização. Título. http://endereço.web (data em que foi acedido)
ex: National Library of Medicine. Environmental Health and Toxicology: Specialized
Information Services. http://sis.nlm.nih.gov/enviro.html (consultado em 23 de Agosto, 2004).

Embora o formato das referências possa variar ligeiramente (por exemplo, escrever o nome da revista
por extenso ou abreviado, abreviar ou não o nome dos autores, etc) todas as referências no mesmo
relatório devem seguir o MESMO formato.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

Anexos:
Pode colocar em anexo qualquer informação que não seja essencial para compreender o relatório,
mas que permita aprofundar ou conhecer mais detalhes do trabalho. Exemplos: Tabelas de pontos
experimentais usados para construir uma curva de titulação que foi apresentada graficamente na
secção Resultados; imagens/fotos das placas cromatográficas usadas em cromatografia em camada
fina após a eluição; tabelas detalhadas de resultados obtidos por outros grupos que realizaram o
mesmo trabalho (desde que esses valores não sejam essenciais para o trabalho), etc.

Observações:
- Não copie texto de referências bibliográficas; limite-se a extrair a informação relevante para o
fim em vista e resumi-lo por palavras suas.
- Todas as páginas do relatório devem estar numeradas.
- Leia e reveja o relatório com atenção no final para verificar se cometeu erros!
- Quando o relatório é um trabalho de grupo, a responsabilidade pelo que fica escrito é de todos,
por isso TODOS os elementos do grupo devem ler e assinar o relatório final.

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Boas práticas de laboratório e tratamento de resultados Química Analítica

Informação:

Ficheiro:

20190211_manual-bpl14.docx

nº total de páginas: 45

nº páginas de informação: 1

Revisões:
nº data Alteração

7 24/09/07 Inclusão das regras para elaboração de um relatório. Alteração do preâmbulo, de forma a ser
adequado às disciplinas criadas na sequência do processo de Bolonha.
8 25/09/07 Inclusão desta folha de informação sobre o documento. Atualização do índice. Correção de
gralhas. Substituição da figura do método dos mínimos quadrados (p.22). Nota sobre
cuidado na utilização do coeficiente de correlação (p 23).
9 3/10/07 Inclusão de texto sobre tolerâncias de material volumétrico (p. 5 e 6).
10 23/09/08 Correção de alguns erros ortográficos e de formatação
11 8/09/09 Correção da primeira página (capa). Correção de alguns erros ortográficos
12 13/09/2012 Correção da primeira página (capa). Correção do Preâmbulo
13 11/02/19 Correções ortográficas. Melhoria das regras para elaboração de um relatório, nomeadamente
bibliografia e anexos. Secção sobre apresentação de intervalos de confiança. Secção sobre
estimativa de incertezas.
14 18/03/2019 Correções ortográficas. Explicação do significado de “ya” na equação da incerteza de uma
concentração obtida através do método da adição de padrão (eq. IV.18)

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