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OS ENSINAMENTOS DE
SRI RAMANASRAMAM
TIRUVANAMALAI, INDIA
SEJA O QUE VOCÊ É
Ramana Maharshi foi um dos mais importantes mestres espirituais que surgiram na Índia
durante a primeira metade do século vinte e continua sendo amplamente admirado. A presente
compilação de conversações entre ele e os numerosos seguidores que chegaram a seu ashram
solicitando direção espiritual, contém a essência de seus ensinamentos.
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David Godman viveu na Índia durante os últimos quinze anos, estudando e praticando
os ensinamentos de Sri Ramana Maharshi. Foi o bibliotecário do ashram de Sri
Ramana e editor do Mountain Path, uma revista dedicada a difundir os ensinamentos de
Sri Ramana.
INTRODUÇÃO
A percepção de si mesmo como consciência pura não foi afetada pela transição
ao plano físico e ela continuou incessante e inalterável até o final de sua vida.
Depois de alguns anos vivendo nos arredores, sua consciência interna começou
a manifestar-se como uma radiação espiritual externa. Este fenômeno atraiu um
pequeno grupo de seguidores e, apesar de manter um silêncio externo quase completo a
maioria do tempo, começou a dividir seu ensinamento. Um de seus principais
seguidores, obviamente impressionado pela sabedoria e pelo sagrado do jovem, decidiu
chamá-lo Bhagavan Sri Ramana Maharshi: Bhagavan como nome do Senhor ou Deus;
Sri como título honorífico hindu; Ramana como uma contração de Venkataraman e
Maharshi como “grande sábio” em sânscrito. Assim se foi difundindo entre seus
seguidores, até chegar a ser o nome com o qual o mundo o conheceria.
Durante esta parte da sua vida Sri Ramana falava muito pouco e seus
ensinamentos se transmitiram de um modo peculiar. No lugar de oferecer respostas
verbais, constantemente emanava uma força ou poder silencioso que aquietava as
mentes que estavam em harmonia com ele e, algumas vezes, lhes transmitia uma
experiência direta do estado no qual ele mesmo se encontrava. Anos depois se mostrou
mais acessível, ao dar seu ensinamento em forma verbal, mas ainda assim sua instrução
em silêncio estava disponível para aqueles que pudessem entrar em contato e aproveitá-
la. Durante toda sua vida Sri Ramana insistiu em que a corrente silenciosa de poder
continha seu ensinamento na forma mais direta e concentrada. A importância que tinha
para ele se pode comprovar através de frequentes comentários nos quais ele declarava
que seus ensinamentos verbais eram dados só para aqueles que não podiam entender
seu silêncio.
Com o passar dos anos Sri Ramana adquiriu renome e uma comunidade
começou a formar-se ao seu redor. Nos últimos vinte anos de sua vida foi reconhecido
como o homem sagrado de maior popularidade e respeito da Índia. Milhares foram
atraídos pela paz que sentiam ao seu redor, outros pela grande autoridade com a qual
guiava os buscadores espirituais e por suas interpretações de questões religiosas. Em
outros casos, vinham contar-lhe seus problemas.
Qualquer que fosse a razão da visita, quase que invariavelmente, ao entrar em
contato com ele, ficava-se impressionado pela sua simplicidade e humildade. Estava
disposto a ver os visitantes vinte e quatro horas por dia, vivendo e dormindo num salão
coletivo, aberto a todo mundo. Suas únicas posses eram uma vestimenta tradicional
leve, uma vasilha de água e um bastão. Ainda quando era adulado por milhares como a
um ser divino, recusava-se a ser tratado de maneira especial e não aceitava o que não
pudesse ser repartido com todos os membros da comunidade. Participava no trabalho
comunitário e durante muitos anos levantou-se às três da manhã para preparar a comida
dos residentes do ashram. Seu sentido de igualdade foi legendário. Quando os
visitantes chegavam, não importa se eram pessoas famosas, camponeses ou até simples
animais, todos eram tratados com o mesmo respeito e consideração. O modo de
tratamento igualitário se estendia inclusive às árvores locais, no sentido que ele se
assegurava que os devotos não lhes quitassem flores ou frutas e, nos casos que fosse
necessário, insistia que se fizesse de tal forma que as árvores sofressem a menor dor
possível.
Esta estrutura foi escolhida por dois motivos fundamentais: primeiro, isto dá ao
leitor uma possibilidade de compreender a importância relativa das diversas idéias
apresentadas e, em segundo lugar, e de maior importância, esta foi a forma preferida de
Sri Ramana ensinar. Quando chegavam pessoas para visitá-lo, sempre tratava de
convencê-los da verdade de seus ensinamentos mais elevados e, somente se não
estavam dispostos a aceitá-los, adequava suas respostas e comentava desde um nível
mais simples.
O SER
A NATUREZA DO SER
1) O Ser – Este é o termo que utilizou com maior frequência e é uma significação do
termo sânscrito Atman. O definiu dizendo que o Ser real, o “Eu” real, é uma
consciência impessoal e abarcante de tudo, contrário à experiência percebida da
individualidade. O ser individual, essencialmente, não existe, dado que é uma criação
da mente que obscurece a verdadeira experiência do Ser real. Defendia que o Ser real
sempre está presente e sempre se experimenta, mas insistiu em que só estaremos
conscientes dele quando as tendências auto-limitantes da mente tiverem cessado. A
permanente e contínua consciência do Ser é chamada realização do Ser.
2) Sat-Chit-Ananda – Este é um termo sânscrito que se traduz como existência-
consciência-felicidade. Sri Ramana expôs que o Ser é a existência absoluta, uma
consciência subjetiva do “Eu Sou”, sem relação com o sentido “Eu sou isto” ou “Eu
sou aquilo”. Não há sujeitos nem objetos no Ser, somente a consciência de existir.
Dado que tal estado é de consciência, também é denominado “consciência”. A
experiência direta desta consciência é, segundo Sri Ramana, um estado de felicidade
ininterrupto e a palavra ananda, ou felicidade absoluta, é, portanto, utilizada como uma
descrição deste estado. Estes três aspectos – existência, consciência e felicidade
absoluta – se experimentam como um todo unitário e não como atributos separados do
Ser. São inseparáveis como a liquidez, a transparência e a umidade são propriedades
inseparáveis da água.
3) Deus – Sri Ramana afirmava que o universo é mantido pelo poder do Ser. Dado que
os teístas normalmente atribuem tal poder a Deus, utilizava a palavra Deus como
sinônimo do Ser. Também utilizava o termo Brahman, o Ser Supremo do hinduísmo e
Shiva, um nome hindu para Deus, ambos com o mesmo significado. O Deus de Sri
Ramana não é pessoal, mas sim o ser sem forma que sustenta o universo. Não cria o
universo, dado que o universo é meramente uma manifestação do seu poder inerente e,
ainda que inseparável do mesmo, não lhe afeta sua aparição ou desaparição.
7) Outros termos – Cabe descrever três termos utilizados em lugar do Ser. Sri Ramana
geralmente enfatizava que o Ser é o estado real e natural e, por tal razão, algumas vezes
utilizou o termo Sahaja Sthiti, que indica o “estado natural” e Swarupa que é “a forma
real” ou “a forma natural”. Também utilizava a palavra “silêncio” para indicar que o
Ser é um estado de silêncio sem pensamentos, de paz absoluta e quietude total.
Pergunta – O que é a realidade?
A realidade deve ser sempre o verdadeiro. Não tem formas nem nomes. A base
de tudo é a realidade. É o fundamento das limitações, dado que não tem limitações.
Não tem ataduras. É a base do irreal, dado que em si é real. A realidade é o que existe.
É como é. Transcende a palavra.
Conheça que só jnana é não estar atado, só jnana é pureza; jnana é alcançar a
Deus; jnana na qual não se esquece o Ser é imortalidade; só jnana é tudo.
Você é a consciência. A consciência é outro nome para você. Dado que você é
consciência não há necessidade de chegar a ela ou cultivá-la. A única coisa que temos
que fazer é deixar de estar atentos a outras coisas, ou seja, ao não-ser. Se deixamos de
prestar atenção a estas coisas, então a consciência pura fica só e isto é o Ser.
P. Se o Ser mesmo está consciente, como é possível que agora eu não esteja
consciente d’Ele?
Não vê. Ver é só ver. O estado de realização do Ser, que é uma forma de
nomeá-Lo, não é chegar a uma meta distante ou adquirir algo novo, mas sim
simplesmente ser o que sempre se é e o que sempre se tem sido. A única coisa que se
requer é deixar a percepção de não verdadeiro como verdadeiro. Estamos todos
envolvidos em ver o irreal como real. Somente temos que deixar esta prática. Então
realizaremos o Ser. Numa certa etapa provocará riso o havermos estado tratando de
descobrir o Ser, que é evidente por si mesmo. Enfim, o que podemos dizer sobre esta
pergunta?
Se falamos de conhecer o Ser, pressupomos que deve haver dois seres: um que
conhece e outro que é conhecido e, ademais, o próprio processo de conhecer. O estado
que nomeamos “a realização” é simplesmente sermos nós mesmos, não ser alguma
coisa ou converter-se em algo. Se alguém tem realizado, este alguém é só o que existe e
só o que sempre existiu. Não se pode descrever este estado. Só o podemos ser. Claro,
falamos comumente da realização do Ser porque não contamos com um termo melhor.
Porém, como “realizar” ou tornar real o único que é real?
Este estado que transcende o falar e o pensar é mouna. O que existe é mouna.
Como explicar mouna em palavras?
P. Dado que se observam inumeráveis seres e corpos animados por toda parte,
como é possível dizer que o Ser é uno?
Se a idéia do “eu sou o corpo” é aceita, então os seres são múltiplos. O estado
no qual tal idéia desaparece é o Ser, dado que nesse estado não há outros objetos. É por
isso que o Ser é considerado como um só.
Dado que o corpo mesmo não existe desde o ponto de vista natural do Ser real,
mas somente desde o ponto de vista da mente, confundida pelo poder da ilusão, chamar
o Ser de dehi (o que possui o corpo) é um equívoco.
O mundo não existe sem o corpo, o corpo nunca existe sem a mente, a mente
nunca existe sem a consciência e a consciência nunca existe sem a realidade. Para o
sábio que conhece o Ser adentrando a si mesmo, não há nada mais que o Ser para
conhecer. Por quê? Porque o ego, que se identifica com a forma de um corpo como
“eu”, morreu. O sábio se converte na existência-consciência sem forma.
O jnani (o que realizou o Ser) reconhece que é o Ser e que absolutamente nada,
nem seu corpo, nem coisa alguma existe, só o Ser. Para alguém neste estado, que
diferença pode ter a presença ou ausência de um corpo?
P. Se diz que para alguém que realiza o Ser não existem os estados de vigília,
sonho e sono profundo. Isto é correto?
Por que você diz que para ele não existem três estados? Ao dizer “tive um
sonho, estava em sono profundo, estou desperto”, você tem que admitir que estava ali
durante os três estados. Então é realmente muito claro que você estava presente todo o
tempo. Se se mantém como está agora ficará no estado de vigília; este mesmo se oculta
no sonho e o sonho desaparece no sono profundo. Estava ali então, está aqui agora e
está todo o tempo ali. Os três estados vão e vem, mas você está ali todo o tempo. É
como um cinema. A tela está sempre ali, mas diferentes tipos de películas aparecem
sobre a tela e depois desaparecem. Nada se adere à tela, ela segue sendo simplesmente
uma tela.
Do mesmo modo você se mantém como o Ser nos três estados. Se reconhecer
isto, os três estados não lhe molestarão, como as imagens que aparecem sobre a tela e
não se aderem. Às vezes alguém vê um grande oceano sobre a tela, com inúmeras
ondas que, de repente, desaparecem. Depois alguém vê um grande incêndio
estendendo-se por toda parte e também este desaparece. A tela está ali, em ambas as
ocasiões. Chegou ela a se molhar com a água ou a se queimar com o fogo? Nada afeta a
tela. Da mesma maneira, o ocorrido nos estados de vigília, sonho e sono profundo não
afetam você de modo algum, você permanece sendo o Ser.
P. Tudo isto quer dizer que, ainda quando passa pelos estados de vigília, sonho e
sono profundo, isto não lhe afeta?
Sim, assim é. Os estados vão e vem. O Ser não é afetado, Ele só tem um estado.
P. Você quer dizer que tal pessoa será meramente uma testemunha do mundo?
P. Mas por que os três estados vão e vem sobre estado real, ou a tela do Ser?
Quem formula esta pergunta? Acaso o ser afirma que os três estados vão e vem? É
o observador que diz que os três estados vão e vem. O observador e o observado,
juntos, constituem a mente. Investigue se realmente há tal coisa como a mente. Então a
mente se funde com o Ser e não permanece nem o observador nem o observado.
A resposta correta para a sua pergunta é, portanto, que eles não vão nem vem. O
Ser se mantém como sempre é. Os três estados se devem a que não há indagação do eu
e, portanto, a indagação acabará com eles. Por mais que se tente explicar, o fato não se
aclarará até que haja realização do Ser e então a pessoa se assombrará de haver estado
tão cega, por tanto tempo, ao que é evidente e é a única existência.
Não há diferença. A mente voltada para dentro é o Ser, voltada para fora, se
converte no ego e no mundo todo. O algodão utilizado em diversas prendas é
chamado por diferentes nomes. O ouro que se converte em diversos ornamentos é
chamado por diversos nomes. Mas todas as prendas são algodão e todos os ornamentos
são ouro. O Um é real, o múltiplo é meramente nomes e formas.
Contudo, a mente não existe a parte do Ser, ou seja, não tem uma existência
independente. O Ser existe sem a mente, mas nunca a mente sem o Ser.
P. Dado que o Ser é existência (Sat) e consciência (Chit), por que é descrito como
se fosse diferente ao existente e não existente, ao consciente e ao inconsciente?
Se bem que o Ser é real e abarca tudo, não é possível formular perguntas que
misturem a dualidade de sua realidade e irrealidade. Portanto, dizemos que é diferente
ao real e ao irreal. Da mesma forma, ainda que seja consciência, como não há algo que
conheça ou alguém que o conheça, dizemos que é diferente ao consciente e
inconsciente.
P. Em que sentido se pode dizer que a felicidade (ananda) é nossa natureza real?
No sono profundo, o homem não tem posses, incluindo seu próprio corpo.
Contudo, em lugar de estar infeliz, se encontra bastante feliz. Todo mundo gosta de
dormir bem. Então a conclusão é que a felicidade é inerente ao homem e não se deve às
causas externas. Devemos realizar o Ser com o propósito de abrir o tesouro da
felicidade absoluta.
P. Sri Bhagavan nos diz que o Coração é a sede da consciência e é idêntico ao Ser.
O que significa, exatamente, o termo “o Coração”?
O Coração não é físico, é espiritual. Hridayam é ‘hrit’ mais ‘ayam’ e quer dizer
“este é o centro”. É dali que surgem os pensamentos, onde subsistem e onde se
dissolvem. Os pensamentos são o conteúdo da mente e dão forma ao universo. O
Coração é o centro de tudo. Nos Upanishads, diz-se que os seres tem sua existência
proveniente de Brahman. Esse é o Coração. Brahman é o Coração.
P. Como realizar o Coração?
O Coração é o centro de onde surge tudo. A causa pela qual você vê o mundo, o
corpo, etc. Se diz que há um centro para tudo isto e este centro é denominado Coração.
Quando alguém está no Coração, reconhece que o Coração não é nem o centro nem a
circunferência. Não há nada separado dele.
CONSCIÊNCIA DE SI MESMO
IGNORÂNCIA DE SI MESMO
Algumas vezes Sri Ramana indicava que existem três classes de aspirantes
espirituais. Os mais avançados realizam o Ser ao escutar sobre sua verdadeira natureza.
Os seguintes necessitam refletir um bom tempo antes que a consciência de si mesmo se
estabeleça neles firmemente. Os da terceira categoria usualmente necessitam muitos
anos de prática espiritual intensiva para alcançar a meta da realização do Ser. Às vezes
Sri Ramana usava o exemplo da combustão para descrever estes três níveis: a pólvora
se acende com uma simples chispa; o carvão necessita que lhe apliquem fogo por um
curto tempo e o carvão úmido necessita secar-se, depois acendê-lo por um longo tempo
antes que consiga manter o fogo.
Para aqueles que se encontravam nas duas primeiras categorias, Sri Ramana
ensinava que só existe o Ser e pode-se experimenta-lo direta e conscientemente ao
deixar de prestar atenção às idéias errôneas que temos de nós mesmos. As ditas idéias,
chamava o ‘não-Ser’, dado que são uma acumulação de noções equivocadas e
percepções falsas que cobrem plenamente a experiência verdadeira do Ser real. A
principal percepção errônea é a idéia de que o Ser está limitado ao corpo e a mente. Tão
logo deixemos de imaginar que somos uma pessoa individual, que habita um corpo
particular, toda a estrutura de idéias errôneas se derruba e é substituída por uma
consciência permanente do Ser real.
A realização do Ser não se pode obter como algo novo. Sempre está ali. Só é
necessário descartarmos a idéia “não o realizei”.
P. Você quer dizer que, ao aferrar-se ao Ser, os vasanas (tendências mentais) serão
destruídos quando surgirem?
Não se pode alcançar o Ser. Se o Ser pudesse ser alcançado significaria que não
está aqui e agora e que teria que ser obtido. O que se obtém também pode ser perdido.
Seria, portanto, não-permanente. Não vale a pena tratar de alcançar o que não é
permanente. Assim, pois, digo que o Ser não se alcança. Você é o Ser, você já é isso.
A experiência está aqui e agora. Não podemos negar o ser de nós mesmos.
P. Que tipo de realização é aquela sobre a qual alguns ocidentais tem feito relatos
nos quais dizem haver tido clarões de uma consciência cósmica?
A pergunta então poderia ser: não estou mais perto de mim mesmo no sono do
que durante a vigília? O Ser é consciência pura. Ninguém pode se separar do Ser. A
pergunta só pode ser formulada se existe a dualidade. Mas não há dualidade no estado
de consciência pura.
P. Sim, admito.
P. Sim.
Existe, portanto, uma continuidade entre o sono e a vigília. Em que consiste dita
continuidade? É meramente o estado de existência absoluta.
Certo, não há consciência do corpo e do mundo. Mas você teve que existir
durante o sono para agora poder dizer: ‘eu não estava consciente durante o sono’.
Quem afirma isso neste momento? É a pessoa em vigília. O que dormiu não pode dizer
tal coisa. Isto quer dizer que o indivíduo que agora identifica o Ser com o corpo diz que
dita consciência não existiu durante o sono.
Dado que você se identifica com o corpo, você vê o mundo ao seu redor e
afirma que o estado de vigília está cheio de coisas preciosas e interessantes. O sono lhe
parece apagado porque você não estava como indivíduo e, portanto as coisas tampouco
existiam. Mas qual é a realidade? Há uma continuidade de sua existência durante os
três estados, mas não há continuidade do indivíduo e dos objetos.
P. Sim
P. Falando de um modo relativo, não é certo que o estado de sono profundo está
mais perto da consciência pura do que o estado de vigília?
Essa é a parábola. Mas, de onde saiu o último homem? Esteve perdido alguma
vez? Ao dar-se conta que estava ali, aprenderam realmente algo novo? A razão
fundamental de sua preocupação não foi a perda de um deles, mas sim sua própria
ignorância, ou melhor dizendo, a suposição de que um deles estava perdido.
Assim é o caso com você. Realmente não existe causa alguma para que se sinta
miserável e infeliz. Você mesmo se impõe limitações sobre sua natureza real de ser
infinito e logo se lamenta e ser meramente um ser finito. Então, se dedica a uma ou
outra prática espiritual para transcender as limitações não existentes. Se a mesma
prática espiritual assume a existência de limitações, como pode ajudar a transcendê-
las?
Portanto, lhe digo, conheça que você realmente é o Ser puro e infinito. Sempre é
o Ser e nada mais que o Ser. Em conseqüência, nunca pode ter ignorância do Ser. Sua
ignorância é meramente imaginária, como a ignorância dos dez homens tontos sobre a
perda do décimo homem. E esta ignorância lhes causou dor.
Saiba então que o conhecimento verdadeiro não cria para você um novo ser,
mas unicamente lhe remove a ignorância. A felicidade absoluta não se soma à sua
natureza, mas sim se revela como sua natureza real e natural, eterna e imperecível. A
única forma de retirar-se o sofrimento é conhecer e ser o Ser. Como é possível que seja
inalcançável?
As pessoas sempre dizem que não podem conhecer ao Ser que abarca tudo. Que
posso fazer? Até a menor criança diz “eu existo, eu faço, isto é meu.” Todo mundo
entende, enfim, que esta coisa, o ‘eu’, sempre existe. Somente quando este ‘eu’ está ali,
surge o sentimento de que você é o corpo, ele é Venkanna, este é Ramana, etc. Para
saber que o que está visível é o Ser de si mesmo, é necessário buscar com uma vela?
Dizer que não conhecemos o Atma Swarupa (a natureza do real do Ser), que não é
diferente do si mesmo da pessoa, é como dizer ‘não me conheço.’
P. Mas, como alcançar este estado?
Não há meta a alcançar. Não há nada para obter. Você é o Ser. Você sempre
Existe. Não se pode dizer nada mais do Ser, só que ele existe. Ver a Deus ou ao Ser é
somente ser o Ser, o você mesmo. Ver é a existência. Você é a existência. Você, sendo
o Ser, quer saber como alcançar o Ser. É como se um homem que se encontra em
Ramanashram perguntasse quantos caminhos há para chegar em Ramanashram e qual é
o melhor caminho. A única coisa que necessita é soltar o pensamento que você é o
corpo e todos os pensamentos sobre objetos externos, ou seja, o não-ser.
P. Para o ego.
Sim, para o ego sim. Elimine o ego e avidya desaparecerá. Se o busca, o ego
desaparece e o Ser real fica só. O ego, que pensava que existia avidya, já não é visto.
Na realidade, não há avidya. Todos os sastras (escrituras) foram criados para provar a
inexistência de avidya.
O ego não existe. Ou melhor dizendo, você crê que possui dois seres? Como
pode haver avidya sem a existência do ego? Se você começa a indagar, avidya, que de
fato não existe, não será encontrada, ou melhor, você dirá que desapareceu.
A ignorância pertence ao ego. Por que você pensa no ego e sofre? O que é a
ignorância? É o que não existe. No entanto, a vida mundana requer a hipótese de uma
avidya. Avidya é nossa própria ignorância e nada mais. É a ignorância, ou melhor,
esquecimento do Ser. Pode existir a escuridão diante da presença do sol? Do mesmo
modo, pode haver ignorância ante a presença do Ser, auto-evidente e auto-luminoso?
Se conhecemos o Ser, não haverá escuridão, nem ignorância, nem miséria.
A mente é que sente todos os problemas e a miséria. A escuridão não vai nem
vem. Veja o sol e não haverá escuridão. Do mesmo modo, veja o Ser e saberá que não
existe avidya.
Veja se realmente surgiu. Sob outro ponto de vista, não existe o irreal. Só existe
o Ser. Quando se busca o ego, que é o fundamento de toda percepção do mundo e tudo
mais, se vê que ele realmente não existe e, portanto tampouco existe esta criação que
agora se vê.
P. É bastante cruel o lila (jogo de Deus), que faz tão difícil o conhecimento do
Ser.
Conhecer o Ser significa ser o Ser; ser quer dizer existir, a existência de si
mesmo. Ninguém nega sua própria existência, assim como não se nega a existência dos
olhos, ainda que não os possamos ver. O problema surge porque tratamos de objetivar
o Ser, do mesmo modo que objetivamos os olhos quando colocamos um espelho na
frente deles. Você está tão acostumado a objetivar que perdeu o conhecimento de você
mesmo, simplesmente porque o Ser não pode ser objetivado. Quem há de conhecer o
Ser? Acaso o corpo, que é insensível, pode conhecê-lo? Você menciona e pensa o
tempo todo em seu ‘eu’, mas quando lhe perguntam, você diz que não conhece o Ser.
Onde está, pois a lila de Deus e sua crueldade? Pelo fato das pessoas negarem o Ser, os
sastras mencionam à maya, lila etc.
P. Minha própria realização poderá ajudar os outros?
Sim, seguramente. É a melhor ajuda que se pode dar. Mas não existem outros a
quem ajudar. Um ser realizado só vê o Ser, como um joalheiro que avalia o ouro entre
vários objetos e somente vê o ouro. Se você se identifica com seu corpo, então só as
formas e figuras estarão presentes. Ao transcender o corpo, os ‘outros’ desaparecem,
junto com a consciência do corpo.
Por acaso elas existem a parte do Ser? Investigue. Você crê que vê estas coisas.
O pensamento é projetado para fora do Ser. Busque de onde surge. Os pensamentos
deixarão de surgir e só ficará o Ser.
Sim, é como no cinema. Há uma luz projetada sobre a tela e as sombras que
passam sobre ela impressionam o público, ao fazerem o espetáculo. Se no cinema se
projetasse a audiência sobre a tela, como parte da obra, tanto os que vêem como o que é
visto estarão sobre a tela. Aplique isso a você mesmo. Você é a tela, o Ser criou o ego,
o ego é uma acumulação de pensamentos que se mostram como o mundo, as plantas e
as árvores, sobre as quais você perguntava. Na realidade, tudo isto é somente o Ser. Ao
ver o Ser, você saberá que é tudo, por todas as partes e sempre. Só existe o Ser.
Assim como a água numa jarra reflete o enorme sol dentro de seus limites, os
vasanas ou tendências latentes da mente, atuando como meio refratário, recebem a
infinita e omniabarcante luz de consciência que surge do Coração. Este fenômeno é o
reflexo chamado mente. Ao ver só este reflexo o ajnani se engana, convencido que é
um ser finito, o Jiva, o ser individual.
Realizando o Ser.
Umas poucas pessoas obtêm o jnana escutando só uma vez a verdade. Estes são
os buscadores avançados. Os principiantes demoram mais tempo para consegui-lo.
A ignorância nunca surgiu. Não tem existência própria. O que existe é somente
vidya (conhecimento).
Devido aos samskaras. No entanto, verifique quem não realiza e o que não se
realiza. Então será evidente que não existe avidya.
Se há uma meta para alcançar, não pode ser permanente. A meta sempre deve
estar ali. Tentamos chegar à meta com o ego, mas a meta existe antes do ego. O que a
meta é está antes do nosso nascimento, ou seja, antes do nascimento do ego. Porque
existimos, parece que o ego também existe.
Acaso a mente quererá matar a si mesma? A mente não se pode matar por si
mesma. O que lhe diz respeito é encontrar a natureza real da mente. Então reconhecerá
que não há uma mente. Quando se busca o Ser, a mente não aparece. Ao permanecer no
Ser, não haverá necessidade de preocupar-se pela mente.
P. Isto só se pode conseguir com a graça do mestre. Eu estava lendo Sri Bhagavata
e li que a felicidade absoluta somente se pode obter através do pó dos pés do mestre.
Rezo para obter a graça.
O que é a felicidade senão seu próprio ser? Você não está a parte do Ser, o qual
é igual à felicidade. Agora você pensa que é a mente e o corpo, os quais mudam e são
transitórios. Mas você não muda e é eterno. Isso é o que deve saber.
Acaso pode ser a felicidade o que sente neste lugar? Quando se vai daqui você
diz que fica triste. Esta paz, portanto, não é permanente e está misturada com a
infelicidade, a qual sente em certos lugares. Portanto, não pode encontrar a felicidade
em certos lugares ou durante certo tempo. Ela deve ser permanente para que seja
verdadeira. O que é permanente é seu próprio ser. Seja o Ser e isso é a felicidade. Você
sempre é isso.
O Ser está sempre realizado. Não é necessário buscar a realização do que já está
e que sempre esteve realizado. Você não pode negar sua própria existência. Essa
existência é a consciência, o Ser.
Se você não existisse não poderia fazer perguntas. Portanto, você tem que
admitir sua própria existência. Essa existência é o Ser. Você já está realizado. O
esforço para realizar conduz, portanto, somente a ver o erro atual de que não realizou o
Ser. Não há uma nova realização. O Ser é revelado.
Por que anos? A idéia do tempo só está em sua mente. Não está no Ser. Não há
tempo para o Ser. O tempo surge como uma idéia, depois que o ego surge. Mas você é
o Ser, além do tempo e do espaço. Você existe, ainda estando ausentes tanto o tempo
quanto o espaço.
Se fosse verdade que você irá realizar-se depois, isto significaria que agora
você não está realizado. A ausência da realização neste momento se pode repetir em
qualquer momento do futuro, dado que o tempo é infinito. Portanto, tal realização é
impermanente. Mas isto não é a verdade. É errôneo considerar a realização como
impermanente. É o estado verdadeiro e eterno que não se pode mudar.
Você já é isso. O tempo e o espaço não podem afetar o Ser. Tudo o que você vê
ao seu redor está em você. Há uma história que ilustra este ponto. Uma dama possuía
um colar de pedras preciosas e o levava ao redor do pescoço. Um dia, por estar
nervosa, esqueceu que já o havia colocado e pensou que o havia perdido. Ficou ansiosa
e o buscou em seu lar, mas não o pôde encontrar. Perguntou para seus amigos e
vizinhos se haviam visto o colar, mas lhe responderam negativamente. Por fim, um
amigo bondoso lhe disse que sentisse o colar, que estava ao redor do seu pescoço.
Entendeu que ele havia estado ali o tempo todo e ficou feliz. Quando as outras pessoas
lhe perguntaram se havia encontrado o colar perdido, respondeu: “Sim, o encontrei.”
Sentia que havia recobrado uma jóia perdida, mas, na realidade, havia ela perdido algo?
Sempre esteve ao redor do seu pescoço. No entanto, se julgamos o que ela sentiu,
vemos que se pôs tão contente como se houvesse recobrado uma jóia perdida.
Igualmente conosco, imaginamos que realizaremos o Ser num determinado momento,
mas na realidade, nunca temos sido outra coisa que o próprio Ser.
P. Deve haver algo que eu possa fazer para alcançar este estado.
O Gurú dirá o que estou dizendo agora mesmo. Não lhe dará algo que você não
tem. É impossível para qualquer um obter o que já não tem. E, se o obtém, ele
desaparecerá tal como chegou. O que chega também se vai. Só ficará o que sempre
existe. O Gurú não pode dar a você algo novo, que atualmente você não possui.
Remover a noção que não temos realizado o Ser é tudo que se requer. Sempre somos o
Ser, mas não temos nos dado conta.
Buscamos o Atma (o Ser) por todas as partes, repetindo: ‘Onde está o Atma,
onde está?’ Até que surge jnana drishti (visão do conhecimento) e então dizemos: ‘Isto
é o Atma, isto sou eu.’ Devemos adquirir esta visão. Quando alcançarmos tal visão, não
haverá ataduras ainda se nos misturarmos com o mundo e se nos deslocarmos nele.
Uma vez que se tenha posto os sapatos não se sente dor ao caminhar sobre qualquer
número de pedras ou espinhos. Do mesmo modo, tudo será natural para aqueles que
tenham obtido jnana drishti. O que pode existir a parte do Ser?
P. O estado natural pode ser conhecido somente depois que a visão mundana se
desvaneça. Mas como irá desvanecer-se?
O JNANI
2) Como pode dizer que ‘não faz nada’, o que Sri Ramana comentava frequentemente,
quando os demais o vêem ativo no mundo?
Mais do isso, a palavra jnani indica que há uma crença errônea, dado que
literalmente quer dizer um conhecedor de jnana, da realidade. O ajnani usa o termo
porque imagina que no mundo há buscadores da realidade e conhecedores da realidade.
A verdade do Ser é que não há nem jnanis nem ajnanis, só jnana.
Sri Ramana particularizou isto direta e indiretamente, em numerosas ocasiões,
mas muito poucos dos interlocutores podiam compreender, ainda em forma conceitual,
as implicações de tais declarações. Por isso, usualmente, adaptava suas idéias de tal
maneira que se conformassem com o pré-julgamento dos ouvintes.
Quando se desloca e se relaciona com outros homens e objetos, sabe que o que
vê não está separado da única realidade suprema, o Brahman, que realizou no Coração
como seu próprio ser: o real.
Acabo de dizer que ele vê as coisas fora de si mesmo. Está separado do mundo,
de sua própria vontade mais profunda, da verdade que é o que sustenta a ele e ao que
vê. O homem que realizou a verdade suprema, a existência, sabe que a realidade
suprema é o que está por trás dele e do mundo. De fato, está consciente da unidade com
o real, consciente do Ser em todos os seres e em todas as coisas, eterno e imutável em
tudo o que é impermanente e mutável.
P. No jnani o ego subsiste em sua forma pura e, portanto, aparece como algo real.
Tenho razão?
A existência do ego, tanto no jnani quanto no ajnani é em si uma aparição. Mas
para o ajnani, que se confunde ao pensar que o estado de vigília e o mundo são reais, o
ego também parece ter realidade. Como vê o jnani atuando como outros indivíduos,
necessita afirmar alguma noção de individualidade com referência ao jnani.
Não funciona em nada, para ele. A natureza real do jnani é o Coração mesmo,
porque é uno e idêntico à consciência pura e não diferenciada à qual os upanishads se
referem como prajnana (consciência pura). Prajnana é realmente Brahman, o Absoluto.
Não há um Brahman que não seja prajnana.
Por que você se preocupa sobre o mundo e o que vai acontecer depois da
realização do Ser? Em primeiro lugar, realize o Ser. Que importância tem se se percebe
ou não ao mundo? Acaso te serve para alguma coisa, em sua busca, a não percepção do
mundo durante o sono? Por outro lado, o que perderia agora com a percepção do
mundo? Não tem a menor importância para um jnani ou ajnani se percebem o mundo
ou não. Os dois o vêem, mas seus pontos de vista são diferentes.
Tome o caso das figuras em movimento sobre a tela do cinema. O que há ali
antes de começar o espetáculo? Somente a tela. Sobre esta tela você vê todo o
espetáculo e parece que as figuras são reais. Mas, trate de aproximar-se e pegá-las! O
que você pode pegar? Somente a tela sobre a qual aparecem as figuras. Depois do
espetáculo, quando desaparecerem as figuras, o que sobra? Novamente a tela.
Assim é com o Ser. Só isso existe, as figuras vão e vem. Se você se apega ao
Ser não será enganado pela aparição das figuras. Tampouco importa se as figuras
aparecem ou desaparecem. Ao ignorar o Ser, o ajnani pensa que o mundo é real, como
ao ignorar a tela vê somente as figuras como se existissem independentemente.
Se soubermos que, sem aquele que vê não há nada para ver, do mesmo modo
que sem a tela não há figuras, não nos confundiremos. O jnani sabe que a tela e as
figuras são somente o Ser. Com figuras o Ser está em forma manifesta, sem as figuras
fica em sua forma não manifesta. Para o jnani não tem a menor importância se o Ser
está numa forma ou noutra. Sempre é o Ser. Mas o ajnani se confunde ao ver o jnani
ativo.
1) Da mesma forma.
2) De forma distinta.
3) Como partes em si mesmo.
O mundo não é outro ser similar ao Ser. Não é distinto do Ser nem tampouco é
parte do Ser.
Para que exista um reflexo deve haver um objeto e uma imagem. Mas o Ser não
admite tais diferenças.
Sim, sonha. Mas sabe que é um sonho, da mesma maneira que sabe que a
vigília é um sonho. Podemos chamá-los de sonho número 1 e sonho número 2. O jnani,
ao estar estabelecido no quarto estado (ou seja, turiya, a realidade suprema) é
testemunha sem apego dos outros três estados (vigília, sonho e sono profundo) como se
fossem figuras sobrepostas à turiya.
Porém, devido a que só existe turiya e os outros três estados não existem,
devemos reconhecer que turiya é turiyatita (isso que transcende o quarto estado).
P. Enfim, não há uma distinção, para o jnani, entre os três estados da mente?
Como pode haver distinção quando a mente mesma se dissolveu e está perdida
na luz da consciência?
Para o jnani os três estados são igualmente irreais, mas o ajnani não o pode
compreender porque para ele a medida da realidade é o estado de vigília, enquanto que
para o jnani, a medida da realidade é a realidade mesma. A realidade da consciência
pura é eterna por sua própria natureza e, portanto, subsiste sem mudança durante o que
você chama vigília, sonho e sono profundo. Para aquele que está unido à realidade, não
há mente nem seus três estados e, portanto, tampouco introversão ou extroversão.
Seu estado é estar sempre desperto, dado que o Ser eterno está desperto; sempre
está sonhando porque para ele o mundo não é mais do que um fenômeno de sonho que
se repete; seu estado é de estar sempre em sono profundo, porque em todo momento
não tem consciência de ‘eu sou este corpo.’
P. Acaso o jnani não tem dehatma buddhi (a idéia ‘eu sou o corpo’)? Por exemplo,
se um inseto pica a Bhagavan não haverá a sensação?
P. Vejo que você realiza várias ações. Como pode dizer que nunca as pratica?
O rádio canta e fala, mas, se o abrirmos, veremos que não há ninguém dentro.
Do mesmo modo, minha existência é como o espaço, ainda que o corpo fale como o
rádio, não há ninguém dentro que seja o que atua.
P. Acho isso muito difícil de entender. Poderia falar um pouco mais sobre o tema?
Vários exemplos tem sido dado em textos, para que possamos entender como o
jnani pode viver e atuar sem a mente, ainda que para viver e atuar se necessite o uso da
mente. O forno do ceramista segue dando voltas mesmo depois de que tenha sido
desligado, após se ter terminado a vasilha. Do mesmo modo o ventilador elétrico
continua girando durante alguns segundos após ser desligado. O prarabdha (o karma
predestinado) que criou o corpo, o fará passar por todas as atividades para as quais foi
criado. Mas o jnani passa por todas estas atividades sem a noção de que as está
fazendo. É difícil compreender como isso é possível. O exemplo que geralmente se
utiliza é o de que o jnani realiza ações como um menino que foi acordado para comer,
mas não se lembra que comeu, na manhã seguinte. Temos que destacar que todas estas
explicações não são para o jnani. Ele sabe e não tem dúvidas. Sabe que não é o corpo e
sabe que não está fazendo coisa alguma, ainda que seu corpo esteja realizando uma
atividade. As explicações são para que os que observam e pensam que o jnani é
idêntico ao corpo e que não podem deixar de identificá-lo com este corpo.
P. Se diz que o choque da realização é tão forte que o corpo não pode sobreviver.
Do mesmo modo, ainda que o ajnani não seja o que atua, imagina que o está
fazendo e considera as ações do seu corpo como pertencentes a ele e pensa que o jnani
também está atuando quando seu corpo está ativo. Mas o jnani conhece a verdade e não
se confunde. O estado de jnani não pode ser determinado pelo ajnani. Portanto, a
pergunta preocupa o ajnani e nunca surge para o jnani. Se é o ator, deve determinar a
natureza das ações. O ser não pode fazer. Encontre quem está fazendo e o Ser será
revelado.
P. Em resumo, ver um jnani é não entendê-lo. Vemos o corpo do jnani, mas não
sua jnana. Devemos ser um jnani para reconhecer a um jnani.
Um jnani não vê ninguém como um ajnani. Segundo sua visão, todos são
jnanis. No estado de ignorância, esta ignorância é sobreposta sobre o jnani, que é
confundido com o ator. No estado de jnana, o jnani não vê coisa alguma que esteja
separada do Ser. O Ser brilha em todo lugar e é jnana puro. O ajnana não é visto. Há
um exemplo sobre este tipo de ilusão ou sobre-imposição. Dois amigos dormiam, um
ao lado do outro. Um sonhava que os dois haviam feito uma longa viagem, cheia de
experiências muito estranhas. Ao despertar, contou-as ao amigo e lhe perguntou se não
havia acontecido assim. O amigo brincou com ele, dizendo que havia sido só um sonho
e que ele não havia sido afetado. Assim acontece com o ajnani, ao impor suas idéias
ilusórias sobre os outros.
P. Você disse que o jnani pode estar ativo, lidando com homens e objetos. Não
tenho dúvidas sobre isto. Mas, ao mesmo tempo, disse que ele não vê diferenças, que
para ele tudo é um e sempre está nessa consciência. Se é assim, como pode então
conduzir-se entre homens e objetos que, seguramente, são distintos?
P. O jnani parece ser mais exato em suas expressões e aprecia as diferenças com
mais clareza que o homem comum. Se o açúcar é doce e o absinto é amargo para mim,
ele também parece reconhecê-lo. De fato, todas as formas, sons, sabores, etc, são iguais
para nós. Se é assim, como se pode dizer que são simples aparências? Acaso não
formam parte de suas experiências na vida?
P. Se diz que o jnani se comporta com absoluta igualdade para com todas as
pessoas.
Você pergunta sobre os jnanis; eles são os mesmos durante qualquer estado ou
condição, conhecendo a realidade, a verdade. Em sua rotina diária de comer, mover-se,
etc, os jnanis só atuam para os outros. Não realizam nem uma só ação para eles
mesmos. Mencionei-lhes que, assim como há pessoas cuja profissão é mostrar pena, do
mesmo modo os jnanis realizam ações para outros, sem identificar-se e sem ser
afetados pelas mesmas.
O jnani chora com os que choram, ri com os que riem, joga com os que jogam,
canta com os que cantam, levando o compasso da canção. O que podem perder? O
jnani, que é somente um espelho, não se altera com suas ações. Sua presença é como a
de um espelho, puro e transparente. Reflete a imagem exatamente como é. Como
podem as diversas imagens alterar tanto o espelho quanto ao marco sobre o qual ele
está montado? Nada lhes afeta, dado que são o fundo. Por outro lado, os atores no
mundo, os que executam todas as ações, ou seja, os ajnanis, devem decidir que canção
e que ato beneficia ao mundo, que esteja de acordo com sastras e que se possa colocar
em prática.
P. Se diz que há sadeha mukta (liberados no corpo) e vidheha mukta (liberados no
momento da morte).
P. Isto é correto desde o ponto de vista de Bhagavan. Mas o que acontece com a
gente?
P. Você, uma vez, disse o seguinte: ‘O homem liberado tem liberdade de atuar
como quiser e quando deixa o corpo chega à absolvição e não renasce, o que, em
realidade, é morrer. ’ Isto dá a impressão que, se bem que o jnani não nasça neste
plano, pode continuar em outros planos, se assim o deseja. Mas, por acaso, ele tem
algum desejo que o faz escolher?
Isso não pode ser o que disse Sankara. No verso 560 de Vivekachudamani diz-
se que, depois da dissolução da envoltura física, o homem liberado se converte em
‘água despejada em água e azeite em azeite. ’ É um estado no qual não há escravidão
nem liberação. Se tomasse outro corpo, seria sobrepor um véu, ainda que mais sutil,
sobre a realidade, o qual seria uma escravidão. A liberação é absoluta e irrevogável.
P. Como alguém pode dizer que o jnani não está em dois planos? Desloca-se
conosco no mundo e vê os diversos objetos que nós vemos. Não é como se não nos
visse. Por exemplo, se está caminhando, vê o caminho que percorre. Supondo que haja
uma cadeira ou mesa no caminho, a vê, desvia para o lado e se esquiva. Não temos que
admitir, portanto, que o jnani vê o mundo e os objetos e, ao mesmo tempo, vê ao Ser?
O jnani é o único que conhece sua própria mente. Devemos ser um jnani para
reconhecer a outro jnani. No entanto, a paz mental que envolve a atmosfera do santo é
a única maneira pela qual o buscador compreende a magnitude do santo. Suas palavras,
ações ou sua aparência não são indicadores da sua grandeza, dado que usualmente
estão além da compreensão das pessoas comuns.
Uma criança e um jnani são similares em certo aspecto. Para uma criança, as
coisas têm interesse enquanto estão acontecendo. Deixa de pensar nelas depois que
passaram. Portanto, é certo que não deixam uma impressão sobre a criança e não a
afetam mentalmente. Assim também ocorre com um jnani.
P. Você é Bhagavan e deveria saber quando vou conseguir obter jnana. Diga-me,
quando vou me tornar um jnani?
Sim, sou Bhagavan; não há nada separado do Ser, ou seja, nem jnani nem
ajnani. Pelo contrário, sou igual a você e sei o mesmo que você. De qualquer modo,
não posso responder sua pergunta.
Quando vem aqui, algumas pessoas não perguntam sobre si mesmas. Fazem
estes tipos de perguntas: “Vê o jivan mukta ao mundo? É afetado pelo carma? Como é
a libertação depois de deixar o corpo? Podemos nos liberar enquanto estamos no corpo
ou somente depois de deixá-lo? Devemos nos dissolver em luz ou desaparecer?
Podemos nos liberar mesmo deixando o corpo para trás, como um cadáver?”
INDAGAÇÃO E ENTREGA
INDAGAÇÃO DO EU - TEORIA
Sri Ramana afirmava que a noção de individualidade não é nada mais que o
‘pensamento-eu’ que se manifesta em diversas formas. Em lugar de tomar as distintas
atividades da mente (o ego, o intelecto, a memória) como funções separadas, preferia
vê-las como distintas formas do ‘pensamento-eu.’ Assim, a individualidade é igual à
mente e a mente é igual ao ‘pensamento-eu’, concluindo-se que o desaparecimento do
sentido da individualidade (ou seja, a realização do Ser) implica também no
desaparecimento tanto da mente quanto do ‘pensamento-eu.’ Isto era afirmado em seus
frequentes comentários sobre o estado posterior à realização do Ser, no qual não há um
‘pensador de pensamentos’, não há um ‘ator de ações’, nem consciência de uma
existência individual.
Ao manter a noção que o Ser é a única realidade existente, considerava que o
‘pensamento-eu’ é uma suposição que não tem existência real. Explicava que seu
aparecimento dependia da identificação com um objeto. Quando surgem pensamentos,
o ‘pensamento-eu’ os reclama como próprios: ‘eu penso’, ‘eu crio’, ‘eu quero’, ‘eu
estou atuando’. Mas não há um ‘pensamento-eu’ que exista em forma independente dos
objetos com os quais se identifica. Parece existir como uma entidade real e contínua
devido ao fluxo incessante de identificações sucessivas. Quase todas as identificações
se baseiam na premissa inicial de que o ‘eu’ está limitado ao corpo, seja como dono-
ocupante ou co-existente com a forma física. Esta idéia, ‘eu sou o corpo’, é a fonte
inicial de todas as identificações equivocadas e sua dissolução é a meta principal da
indagação do eu.
De onde surge este ‘eu’? Busque dentro, então ele desaparecerá. Esta é a busca
da sabedoria. Quando a mente investiga incessantemente sua própria natureza, ocorre
que não há tal fenômeno chamado mente. Este é o método mais direto, para todos. A
mente é só um conjunto de pensamentos. De todos os pensamentos, o pensamento ‘eu’
é a raiz. Portanto, a mente é só o pensamento ‘eu’. O ‘pensamento-eu’ é o nascimento
de si mesmo e sua morte é a morte da pessoa. Depois de haver surgido o ‘pensamento-
eu’, se estabelece uma identidade equivocada com o corpo. Desfaça-se do
‘pensamento-eu’. Enquanto ele existe haverá sofrimento. Quando o ‘eu’ deixa de
existir , o sofrimento se acaba.
P. Como é possível que uma indagação iniciada pelo ego revele sua própria
identidade?
P. Mas não é por acaso o aham-vritti somente uma das três formas em que se
manifesta o ego? No Yoga Vashita e outros textos antigos ele é descrito como se
tivesse três formas.
Assim é. Ao ego são atribuídos três corpos: o grosseiro, o sutil e o causal, mas
isto é somente para dar uma exposição analítica. Se a indagação dependesse das formas
do ego, poderia dizer-se que qualquer investigação seria quase impossível porque as
formas do ego são inumeráveis. Para realizar a indagação do eu, portanto, você tem que
proceder sobre a base que o ego tem uma forma e essa base é o aham-vritti.
Enfim, a busca da fonte do aham-vritti não é meramente uma busca sobre a base
de uma forma do ego, mas sim da fonte mesma de onde surge o sentido do ‘eu sou’.
Em outras palavras, a busca e realização da fonte do ego na forma de aham-vritti
implica transcender o ego em todas suas possíveis formas.
P. Admito que o aham-vritti contém essencialmente todas as demais formas do
ego, mas, por que escolher a este vritti somente para realizar a indagação do eu?
Porque é o único dado irredutível de sua experiência e porque buscar sua fonte é
a única forma prática que você pode adotar para realizar o Ser. Diz-se que o ego tem
corpo causal (o estado do ‘eu’ durante o sono profundo), mas, como pode você chegar
a utilizá-lo como sujeito de sua investigação? Quando o ego toma esta forma você está
submerso na escuridão do sono.
P. Mas por acaso o ego não é demasiado intangível em suas formas sutil e causal
para que a indagação da fonte, ou o aham-vritti, realizado na vigília, seja eficaz?
Desde o ponto de vista de seu funcionamento, o ego tem uma e somente uma
característica. O ego funciona como o nó entre o Ser, que é a consciência pura, e o
corpo, que é inconsciente e inerte. O ego é chamado chit-jada-ghanti (o nó entre a
consciência e o corpo inerte). Na investigação sobre a fonte do aham-vritti tomamos o
aspecto essencial de chit (consciência) do ego. Por esta razão, a indagação deve levá-lo
a realizar a consciência pura do Ser.
P. Se diz que o Ser está além da mente e, por sua vez, a realização é com a mente.
“A mente não o pode pensar. Não é ‘pensável’ pela mente e só a mente o pode
realizar.” Como se pode reconciliar estas contradições?
O atman se realiza com mruta manas (mente morta), ou seja, sem pensamentos
e voltada para dentro. Então a mente vê sua própria fonte e se converte nisso (o Ser).
Não é como se um sujeito visse um objeto.
Quando um quarto está escuro necessita-se uma lâmpada para iluminar e olhos
para se perceber os objetos. Mas quando o sol sai, não há necessidade de lâmpada para
ver os objetos. Para ver o sol não é necessária uma lâmpada, mas apenas voltar os olhos
para ele, que é auto-resplandecente.
O mesmo acontece com a mente. Para ver objetos, se necessita da luz refletida
da mente. Para ver o Coração, só é necessário que se volte a mente até ele. Então a
mente se perde e o Coração brilha sozinho.
Existe o Ser absoluto, do qual surge uma chispa, como se fosse uma fogueira. A
chispa é o ego. No caso de um homem ignorante, se identifica com um objeto no
momento que surge. Não pode manter-se independente de tal associação com objetos.
A associação é ajnana ou a ignorância, e sua destruição é a finalidade de nossos
esforços. Se sua tendência a objetivar-se é anulada, se manterá puro e desaparecerá em
sua fonte. A identificação errônea com o corpo é dehatma buddhi (a idéia ‘eu sou o
corpo’). Esta deve desaparecer para alcançarmos resultados favoráveis.
Este ego fantasmagórico não tem forma, só existe ao aderir-se a uma forma,
dura enquanto tem esta forma; ao alimentar-se de novas formas, vai incrementando-se.
Ao deixar uma forma, toma outra, mas quando o buscamos, desaparece.
Somente se existe a primeira pessoa, o ego, na forma ‘eu sou o corpo’, podem
existir a segunda e a terceira pessoas (você, ele, eles,etc). Se, ao indagar sobre a
verdade da primeira pessoa, ela chega a ser destruída, também deixarão de existir a
segunda e a terceira pessoas; então nossa própria natureza brilhará, dado que estaremos
no estado de Ser.
O pensamento ‘eu sou este corpo de sangue e osso’ é o fio sobre o qual se
penduram os demais pensamentos. Se nos dirigimos para dentro perguntando: “Onde
está este eu?” todos os pensamentos (incluindo o ‘pensamento-eu’) terminarão e o
conhecimento do Ser surgirá espontaneamente.
P. Ao ler os textos de Sri Ramana vejo que a indagação é o único método para
realizar-se.
Aquele que me está interrogando deve admitir a existência de seu Ser. “Eu Sou”
é a realização. Seguir esta chave até a realização é vichara. Vichara e realização são o
mesmo.
Quando Janaka disse: “Agora por fim descobri o ladrão que esteve me
arruinando todo este tempo. Lidarei com ele imediatamente”, estava se referindo ao
ego, ou a mente.
Tratar de destruir o ego ou a mente por meio de sadhanas que não sejam atma-
vichara é como se um ladrão fingisse ser a polícia para prender a si mesmo. Só atma-
vichara pode revelar a verdade de que nem o ego nem a mente realmente existem e,
desta maneira, possibilitar a pessoa que realize a natureza não diferenciada e pura do
Ser, ou o Absoluto.
Ao realizar o Ser não resta nada para ser conhecido, pois é a felicidade perfeita,
é o todo.
Prestar atenção ao Ser, que brilha sempre como “Eu”, a única pura realidade,
sem divisões, é o único barco com o qual o indivíduo, confundido por pensar ‘eu sou
este corpo’; pode cruzar o mar de um sem fim de nascimentos.
INDAGAÇÃO DO EU – PRÁTICA
Ser o que cada um já é não requer esforço, dado que o sentido de ser sempre
está presente e sempre se experimenta. Por outro lado, o pretender ser o que não se é
(ou seja, o corpo e a mente) requer esforços mentais constantes, ainda que sejam
realizados num nível subconsciente. Enfim, o Ser não se pode descobrir fazendo algo,
mas sim somente sendo. Como disse Sri Ramana uma vez:
A indagação do eu não deve ser qualificada como uma prática de meditação que
se realiza a certas horas e em certas posturas; deve continuar através de todo o dia
enquanto estejamos despertos, sem importar a atividade que desempenhamos. Sri
Ramana não via nenhum conflito entre o trabalho ordinário e a indagação do eu; dizia
que, com um pouco de prática, se podia realizar em todo tipo de circunstâncias. Por sua
vez, dizia que, para os principiantes, períodos regulares de prática formal eram úteis,
mas nunca foi partidário de longos períodos de meditação em silêncio e sentado.
Ademais, sempre se opôs a que algum de seus discípulos deixasse suas atividades
mundanas em favor de uma vida meditativa.
É o Ser real, o que realmente quer dizer “Eu”. Não é o ego, mas sim o Ser
supremo mesmo.
P. Mas em várias ocasiões você disse que, ao princípio, devemos rechaçar os
outros pensamentos, mas eles não tem fim. Se um pensamento é recusado, um outro
vem e parece que nunca vão acabar.
Eu não lhe disse que você tem que seguir recusando os pensamentos. Aferre-se
a você mesmo, ou seja, ao ‘pensamento-eu’. Quando seu interesse se mantiver sobre
esta mesma idéia, os outros pensamentos serão recusados automaticamente e
desaparecerão.
Não. Pode ser necessário por algum tempo ou para algumas pessoas. Você
acredita que não se chega a um final ao rechaçar cada pensamento que surge. Não é
verdade; há, sim, um final. Se você vigiar cuidadosamente e fizer um esforço constante
por rechaçar cada pensamento quando este surge, verá que está entrando mais e mais
profundamente em seu próprio ser interno. Nesse nível, não é necessário fazer esforços
para rechaçar os pensamentos.
Não somente isso, depois de certo tempo é impossível que você faça um
esforço.
Onde você se encontra atualmente, é impossível estar sem esforço. Quando for
mais profundamente, será impossível fazer um esforço.
P. Para encontrar a verdade os yoguis dizem que temos que deixar o mundo e nos
recolhermos em florestas remotas.
A vida ativa não tem que ser abandonada. Se a pessoa medita uma ou duas
horas todos os dias, pode continuar desempenhando seus deveres. Se meditar na forma
apropriada, a corrente mental induzida continuará fluindo ainda em meio ao trabalho. É
como se fossem dois modos de expressar a mesma idéia; a mesma linha que você tomar
na meditação será expressa em sua atividades.
Se continuar, verá que sua atitude para com as pessoas, eventos e objetos
mudará gradualmente. Suas ações seguirão suas meditações por conta própria.
O homem deve deixar seu egoísmo pessoal, que o prende a esse mundo. Deixar
de ser falso é a verdadeira renúncia.
P. Como é possível não ser egoísta enquanto vivemos esta vida, com atividades
mundanas?
Por que não? Mas neste caso a pessoa não pensará que é a velha personalidade
que está fazendo o trabalho, porque a sua consciência será transferida gradualmente até
que esteja centrada nisso, que está além do pequeno ser.
P. Se uma pessoa trabalha não tem muito tempo livre para meditar.
O yogui trata de levar sua mente até a meta, como o vaqueiro que toca o boi
com um cajado, mas neste caminho o buscador seduz o touro com um punhado de
grama fresca.
Você tem que fazer a pergunta: “Quem sou eu?” Esta indagação o levará
finalmente ao descobrimento de algo dentro de você, que está atrás da mente. Ao
solucionar este problema você solucionará todos os outros.
Dado que você está acostumado a identificar-se com o corpo, que a sua visão
seja com os olhos, então diz que não vê nada. O que se pode ver? Quem é o que vai
ver? Como ver? Só há uma consciência, a qual, ao manifestar-se como o ‘pensamento-
eu’, se identifica com o corpo, se projeta através dos olhos e vê os objetos ao seu redor.
O indivíduo está limitado à vigília e espera ver algo diferente. A evidência de seus
sentidos será o selo de autoridade. Mas não admite que o que vê, o que se vê e o ato de
ver são manifestações da mesma consciência, ou seja, do “Eu-Eu”. A contemplação o
ajuda a sobrepor-se à ilusão que o Ser deve ser visual. Na realidade, não há nada visual.
Como você vê agora o ‘eu’? É necessário colocar um espelho na frente para conhecer
sua própria existência? A consciência é o ‘Eu’. Realize isto e isso é a verdade.
P. Ao indagar sobre a origem dos pensamentos há uma percepção de ‘eu’. Mas não
me satisfaz.
Sim, exatamente. A percepção do’eu’ está associada com uma forma, quem
sabe do corpo. Nada deve estar associado com o Ser puro. O Ser não está associado e é
a realidade pura, em cuja luz brilham o corpo e o ego. Ao parar os pensamentos, o que
permanece é a consciência pura.
Ao despertar-se, logo antes de estar consciente do mundo, ali está o “Eu-Eu”
puro. Aferre-se a este , sem voltar a dormir e sem deixar que os pensamentos o
possuam. Ao se manter com firmeza, não importará se se vê o mundo. Ao que vê, não
lhe afetam os diversos fenômenos.
O que é o ego? Investigue. O corpo é inconsciente e não pode dizer ‘eu’. O Ser
é consciência pura e não-dual. Tampouco pode dizer ‘eu’. Ninguém diz ‘eu’ ao dormir.
Então, o que é o ego? É algo intermediário entre o corpo inerte e o Ser. Não tem locus
standi. Se alguém o busca, desaparece como um fantasma. Na escuridão um homem
imagina que há um fantasma ao seu lado, devido ao jogo das sombras. Ao observar
com cuidado descobre que o fantasma não está ali realmente e o que imaginava que era
um fantasma era só um poste ou uma árvore. Se não olha com cuidado, o fantasma o
pode assustar fortemente. A única coisa que se requer é que se observe com cuidado e o
fantasma desaparecerá. Na verdade, nunca esteve ali. Assim se passa com o ego. É a
ligação intangível entre o corpo e a consciência pura, mas não é real. Enquanto não o
observarmos com cuidado, continua nos dando problemas. Mas quando o buscamos,
descobrimos que ele não existe.
Há outra história que ilustra este ponto. Nos casamentos hindus os festejos
duram cinco ou seis dias. Numas destas ocasiões, um desconhecido foi confundido pela
família da noiva, pensando que era o padrinho. Devido a isso, foi tratado com o maior
esmero. Ao ver isto, a família do noivo achou que ele devia ser uma pessoa importante
e também lhe tratou com o maior respeito. O desconhecido se deleitou com tudo isto,
embora estivesse consciente da situação real. Num dado momento, a família do noivo
se referiu a ele e perguntaram para a família da noiva algum dado sobre o convidado. O
homem imediatamente viu que se avizinhava um problema e fugiu. Assim ocorre com
o ego. Se o buscamos, desaparece, se não, continua causando problemas.
Continue a indagação todo o tempo que estiver desperto. Isso será suficiente. Se
continuar a indagação até dormir, ela continuará ainda durante o sono. Volte à
indagação assim que despertar.
P. Como posso obter a paz? Parece que não a consigo através do vichara.
A paz é seu estado natural. A mente é que obstrui este estado natural. Se não
experimenta paz, isso quer dizer que o vichara só foi feito na mente. Investigue o que é
a mente e ela desaparecerá. Não há uma entidade chamada mente, separada dos
pensamentos. No entanto, ao surgirem os pensamentos, você acredita que eles surgem a
partir de algo e a esse algo você chama mente. Quando investigar para ver o que é, verá
que, na realidade, não existe tal entidade que possa ser chamada mente. Quando ela
tiver desaparecido, você realizará a paz eterna.
P. Quando eu realizo a indagação sobre a fonte de onde surge o ‘eu’, chego a uma
etapa de silêncio mental na qual não posso continuar. Não tenho nenhum pensamento e
há um vazio, uma lacuna. Uma luz tênue me envolve e sinto que sou eu mesmo, sem o
corpo. Não tenho cognição, nem visão do corpo ou de formas. A experiência dura
quase meia hora e é agradável. Poderia concluir-se que a única coisa que se necessita
para ter felicidade eterna, liberação, salvação ou como quer que se chame, será
continuar tal prática até que a experiência possa se manter por horas, dias e meses
contínuos?
Isto não quer dizer que haverá salvação. Esta condição se denomina manolaya,
ou quietude temporária da mente. Manolaya quer dizer concentração, que é parar os
movimentos dos pensamentos temporariamente. Quando dita concentração termina, os
pensamentos, tantos os velhos quanto os novos, chegam abruptamente, como de
costume, e ainda que a quietude mental dure mil anos, nunca levará a pessoa até a
destruição total do pensamento, que é a liberação do nascimento e morte. Por isso, o
praticante deve estar alerta e indagar em seu interior quem está tendo dita experiência e
quem a está desfrutando. Sem esta indagação, cairá num longo transe ou sono profundo
(yoga nidra). Devido a não ter tido um guia adequado nesta etapa da vida espiritual,
muitas pessoas se confundem e caem presas da falsa impressão de libertação. Só uns
poucos chegam à meta sem percalços.
A seguinte história ilustra muito bem este ponto. Um yogui esteve fazendo
penitência (tapas) durante anos, nas margens do Ganges. Ao haver alcançado um alto
grau de concentração, pensou que, se continuasse neste estado por períodos
prolongados, isto seria a liberação e, portanto, continuou praticando. Um dia, antes de
entrar em concentração profunda, sentiu sêde e chamou seu discípuilo para que lhe
trouxesse um pouco de água do Ganges. Antes que pudesse regressar com a água, o
yogui entrou em yoga nidra e se manteve assim durante muitos anos. Logicamente,
muitos eventos aconteceram neste tempo. Ao despertar da experiência, imediatamente
exclamou: “Água! Água!” Mas já não estavam ali nem o discípulo nem o Ganges.
Busque a fonte do ‘pensamento-eu’. Isto é tudo o que você tem que fazer. O
universo existe devido ao ‘pensamento-eu’. Se este terminar, também acabará a
miséria. O ‘eu’ falso desaparecerá quando sua origem for buscada.
Abbyasa (práticas espirituais) consiste em retrair-se para dentro do Ser cada vez
que um pensamento nos perturbe. Não é a concentração ou destruição da mente, mas
sim a imersão no Ser.
Pedir para a mente matar a mente é como converter um ladrão em policial. Irá
com você e pretenderá prender o ladrão mas não conseguirá nada. No fim, terá que
dirigir-se para dentro e ver de onde surge a mente e então ela deixará de existir.
Claro que estamos utilizando a mente. É bem sabido e admitido que só com a
ajuda da mente alguém pode matar a mente. Mas, no lugar de começar dizendo que há
uma mente e eu quero matá-la, comece por localizar sua origem e descobrirá que ela
realmente não existe. A mente voltada para fora dá como resultado os pensamentos e
objetos. Dirigida para dentro ela mesma se converte no Ser.
P. Ainda assim não entendo.Você diz que ‘eu’ é o ‘eu’ errôneo. Como posso
eliminar o ‘eu’ errôneo?
Você não necessita eliminar o ‘eu’ errôneo. Como pode o ‘eu’ eliminar a si
mesmo? O que é preciso fazer é buscar a sua origem e manter-se ali. Até este ponto se
poderá fazer esforços. Então, o que está além se encarregará do resto. Ali você não
pode fazer nada. Nenhum esforço pode alcançá-lo.
Este é o detalhe. Quem diz que não o sente? O ‘eu’ real ou o ‘eu’ falso?
Examine-o; verá que é o ‘eu’ falso. Esta é a obstrução e deve ser removida para que o
“Eu” real não esteja coberto. O sentir que não se está realizado é a obstrução da
realização. De fato você já está realizado e não há nada para realizar. De outro modo,
esta realização seria nova. Se não existiu até agora, deve tomar lugar no futuro. O que
nasce morrerá. Se a realização não é eterna, não vale a pena obtê-la.
O que buscamos, enfim, não é algo que apareça como novidade, mas é o que é
eterno mas não reconhecido na atualidade devido às obstruções. É isso que buscamos
remover, a obstrução. O que é eterno não se reconhece pela ignorância; esta é a
obstrução. Supere a ignorância e tudo estará bem. A ignorância é idêntica ao
‘pensamento-eu’. Busque sua origem e ela desaparecerá.
O ‘pensamento-eu’ é como um espírito que, ainda que não seja palpável, surge
simultaneamente ao corpo, se desenvolve e desaparece com ele. A consciência do
corpo é o ‘eu’ falso. Deixe esta consciência do corpo. Isto se consegue ao indagar sobre
a origem do ‘eu’. O corpo não diz ‘eu sou’; é você quem diz ‘eu sou o corpo’.
Investigue quem é este ‘eu’. Ao buscar sua origem, desaparecerá.
A experiência que se tenha sem que todos os vasanas tenham sido erradicados
não pode ser constante. Deve-se fazer esforços para erradicar os vasanas pois o
conhecimento será firme só quando todos eles tiverem sido destruídos.
Temos que batalhar contra as tendências mentais que vem de épocas passadas.
Todas desaparecerão, mas no caso daqueles que tiverem feito sadhanas no passado,
será mais rápido, enquanto que para os outros demorará mais.
P. Mas não é curioso que o ‘eu’ esteja buscando o “Eu”? A indagação ‘quem sou
eu?’ não acaba sendo, no fim das contas, uma fórmula vazia? Ou seja, devo fazer-me
esta pergunta o tempo todo, repetindo-a como se fosse um mantra?
Pode ser um passo intermediário. Mas vichara começa quando você se aferra ao
Ser e abandona o movimento da mente, ou seja, as ondas de pensamentos.
Seja o que você é. Não há nada que tenha que descer ou manifestar-se. O único
que é necessário é perder o ego. O que está ali, sempre estará ali. Ainda agora, você é
isto. Não está separado disto. Você vê o vazio. O que está esperando? O pensamento
‘não o vi’, a expectativa de ver e o desejo de obter algo, tudo isto é a atividade do ego.
Você foi enredado pelo ego. O ego diz tudo isto e não você mesmo. Seja o que é e nada
mais.
Uma vez que nasce, chega a um lugar. Se chega, então também regressa.
Portanto, deixe todo este palavrório. Seja o que é. Veja quem você é e mantenha-se
como ser, livre do nascimento, de ir , de vir e de retornar.
Conhecer o Ser significa ser o Ser. Pode você dizer que não conhece o Ser?
Ainda que não veja seus próprios olhos, nem tenha um espelho para vê-los, não lhe
ocorreria negar seus olhos.
Do mesmo modo, você está consciente do Ser, ainda que este não se transforme
num objeto. Ou, por acaso, você nega sua existência por que não é um objeto? Quando
diz ‘não posso conhecer o Ser’, você quer dizer que está ausente em termos do
conhecimento relativo, com o qual você se identifica. Tal identidade errônea forjou a
dificuldade de conhecer o Ser que, ainda sendo tão óbvio, não pode objetivar-se. E
então você pergunta: ‘como pode alguém conhecer o Ser?’
P. Você fala de Ser. Ser o que?
Seu dever não é ser isto ou aquilo outro. “Eu sou o que sou” é um resumo de
toda a verdade. O método pode ser resumido com as palavras: “esteja tranqüilo”. Solte
a noção de que ‘sou tal ou qual pessoa’. Tudo o que se necessita para realizar o Ser é
estar tranquilo. Que coisa pode ser mais fácil do que isto? Portanto, atma-vidya
(conhecimento do Ser) é a coisa mais fácil de obter. A verdade de si mesmo é a única
coisa que vale a pena esquadrinhar e conhecer. Tomando-o como o alvo de nossa
atenção, devemos conhecê-lo com detalhe no Coração. Este conhecimento de si mesmo
será revelado somente para a consciência que estiver em silêncio, clara e livre da
agitada e sofrida atividade mental. Conheça que a consciência que sempre brilha no
Coração como o Ser sem forma, o “Eu” real, se conhece ao estar tranquilo, sem pensar
sobre coisa alguma, tanto existente como não existente. Só esta consciência é a perfeita
realidade.
CAPITULO 6
INDAGAÇÃO DO EU - EQUÍVOCOS
Pelo fato de que Sri Ramana muitas vezes dizia “Encontre o local onde surge o
‘eu” ou “Encontre a origem da mente”, muitas pessoas o interpretaram como se
devêssemos nos concentrar sobre um ponto particular ao realizar a indagação do eu. Sri
Ramana recusou esta interpretação um sem-número de vezes, dizendo que a fonte da
mente e do ‘eu’ só se pode descobrir ao colocarmos a atenção sobre o ‘pensamento-eu’
e não através da concentração sobre uma parte específica do corpo.
Às vezes mencionou que, como uma boa prática de concentração, era útil
colocar a atenção neste ponto, mas nunca o associou com a indagação do eu.
Ocasionalmente também disse que a meditação sobre o Coração era uma via efetiva de
se chegar ao Ser, mas novamente, não dizia para praticarmos nos concentrando sobre o
“centro do Coração”.
No lugar disto dizia que devemos meditar sobre o Coração ‘tal como é’. O
Coração ‘tal como é’ não é um ponto no espaço, mas sim o Ser imanente e só podemos
estar conscientes de sua natureza real ao chegar a sê-Lo. Não se pode alcançá-Lo
através da concentração.
Como verá, o que elimina todo ‘não-eu’ não pode eliminar o ‘eu’. Para dizer
‘eu sou isto’ ou ‘eu sou aquilo’, deve haver o ‘eu’. Este ‘eu’ é somente o ego ou o
‘pensamento-eu’. Depois que surge, surgem todos os outros pensamentos. Portanto, é o
pensamento fundamental. Se arrancarmos a raiz, todos os demais também são
arrancados. Concluindo, busque a este ‘eu’ fundamental perguntando-se “Quem sou
eu?” Busque sua fonte e então todas estas outras idéias desaparecerão e só ficará o Ser
puro.
Não, não é essa a meditação. Busque a fonte. Você tem que chegar até a fonte.
Ali desaparecerá o ‘eu’ falso e o “Eu” verdadeiro será realizado. O ‘eu’ falso não pode
existir a parte do “Eu” real.
P. Quando penso “Quem sou eu?”, a resposta que me chega é: “Não sou este
corpo mortal, mas sou chaitanya atma (a consciência, o Ser)” E, de repente, outra
pergunta surge: “Por que chegou o atma à maya (ilusão)?” ou, em outras palavras, “Por
que Deus criou o mundo?”
Indagar “Quem sou Eu?” na verdade quer dizer que alguém está tratando de
buscar a fonte do ego ou do ‘pensamento-eu’.
Não se deve pensar em tais coisas como ‘eu não sou este corpo’. Buscar a fonte
do ‘eu’ é a maneira de desfazer-se de todos os pensamentos. Não deveríamos dar
atenção a outros pensamentos, como os que você menciona, mas sim manter a atenção
sobre a busca do ‘pensamento-eu’ e perguntar, com cada pensamento que surge: “A
quem surgiu este pensamento?” Se surge a resposta ‘a mim surgiu este pensamento’,
continue a indagação perguntando: “Quem é o eu e qual é a sua origem?”
Não. “Quem sou Eu?” não é um mantra. Seu significado é que você deve
averiguar de onde surge o ‘pensamento-eu’, que é a fonte de todos os outros
pensamentos.
O texto não significa pensar ‘eu sou Brahman’. Aham é conhecido por todos.
Brahman está em todos como aham. Busque o ‘eu’. O “Eu” já é Brahman. Mas não é
necessário pensá-lo, simplesmente busque o ‘eu’.
Os outros métodos são para aqueles que não podem começar a investigação do
eu. Ainda para repetir aham Brahmasmi, ou para pensá-lo, necessita-se alguém que o
faça. Quem é? É o ‘eu’. Seja este ‘eu’, é o método direto. Os outros métodos
conduzem, no final, a este método da investigação do eu.
P. Não é certo que afirmar a Deus é mais efetivo que a busca “Quem sou Eu?”
Afirmar é positivo, enquanto que o outro é a negação. Ademais, implica que há uma
separação.
Enquanto você estiver buscando como realizar-se, lhe darão este tipo de
conselhos para que você encontre o Ser. Se você busca um método, significa que existe
separação.
P. Não é melhor dizer “Eu sou o Ser Supremo” do que perguntar “Quem sou Eu?”
P. Eu quis dizer que deve haver uma eliminação gradual; primeiro a mente, depois
o intelecto, depois o ego.
P. É certo que soham (a afirmação que ‘eu sou ele’) é o mesmo que “Quem sou
Eu?”
P. Como posso saber, com certeza, que algo está esperando para receber-me?
A mente sempre tem este tipo de dificuldades. Você quer uma teoria para
satisfazer-se. Mas, na verdade, não se necessita de uma teoria para o homem que queira
seriamente aproximar-se de Deus ou realizar sua existência verdadeira.
P. Não duvido que o método que Bhagavan ensina é direto, mas é muito difícil.
Não sabemos como começar. Se continuamos perguntando “Quem sou Eu?”, “Quem
sou Eu?”, como um mantra, isso se torna aborrecido. Em outros métodos há algo
preliminar e positivo com o qual podemos começar e continuar passo a passo. Mas no
método de Bhagavan não há tais passos e de repente se deve buscar o Ser. Ainda que
seja direto, é difícil.
Você mesmo diz que é o método direto. É, de fato, o método direto e fácil. Se
nos dedicamos a ir até as coisas desconhecidas e dizemos que é fácil, como pode ser
difícil ir até o ser de si mesmo? Você diz: “Por onde devo começar?” Não há um
princípio nem um final. Você é o que é no princípio e no final. Se você está aqui e o
Ser em outro lugar e você tem que alcançar o Ser, podemos então dizer como começar,
como viajar e como alcançá-lo. Suponha que agora, estando no Ramanasraman, você
pergunte: “Quero ir ao Ramanasraman. Como posso começar e como posso chegar lá?”
O que poderíamos lhe responder? A busca do Ser é assim. Somos o Ser e nada mais.
Você diz que a pergunta “Quem sou Eu?” se converte em japa. Não lhe foi dito
que siga perguntando “Quem sou Eu?” Nesse caso, os pensamentos não morrerão tão
facilmente. No método direto, como você o nomeia, ao perguntar-se “Quem sou Eu?”,
lhe dizemos para que se concentre em si mesmo, no ponto onde surgem os
pensamentos.
Dado que o Ser não está fora, mas dentro de você, lhe dizemos que busque
dentro, em lugar de projetar-se ao exterior. O que pode ser mais fácil do que ir até o seu
próprio ser? O fato é que, para alguns, este método parecerá difícil e não os interessará.
Por isso tantos métodos tem se propagado. Cada um interessará a um indivíduo como o
melhor e mais fácil. Isto depende de sua pakva, ou preparação. Mas, para alguns, só o
vichara marga (caminho da indagação) terá atração. Estes perguntarão “Você quer que
eu veja isto ou aquilo, mas quem é o que conhece, quem é o que vê?” Em qualquer
método que adote, sempre haverá um ‘eu’ para realizá-lo, a isto não se pode escapar.
Temos que encontrar quem está atuando. Até este ponto, o sadhana não pode terminar.
No final, todos têm que verificar “Quem sou Eu?”
Você se queixa de que não há algo preliminar ou positivo com o qual começar.
Você tem o ‘eu’ para começar. Sabe que sempre existe, enquanto que o corpo não
existe sempre, tal como no sono, por exemplo. O sono revela que você existe ainda sem
um corpo. Identificamos o ‘eu’ com um corpo; tomamos o Ser como se este tivesse
corpo, com limites. E por isso há tantos problemas. Só o que temos que fazer é deixar
de identificar o Ser com o corpo, com formas e figuras. Então saberemos que somos o
Ser, o que sempre tem sido.
Se fosse algo objetivo, o caminho poderia ser mostrado em forma objetiva. Ele
é, porém, subjetivo.
Sim, é o centro supremo do Ser, disto não tenho dúvida. O Ser real está ali, no
Coração, atrás do Jiva ou ego.
Você não pode saber com sua mente. Não o pode visualizar com a imaginação,
mesmo se eu lhe disser que está aqui o centro (toca o lado direito do peito). A única
maneira de realizá-lo diretamente é deixar de fantasiar e tratar de ser o que você mesmo
é. Quando se realizar, sentirá automaticamente que o centro está ali. Este é o centro, o
Coração, o que as escrituras mencionam como britguha (a cavidade do Coração), arull
(Graça), ullam (o Coração).
Sim, assim é. Mas você deveria tratar de ter a experiência e não apenas
localizá-la. Um homem não necessita saber onde estarão seus olhos quando quer
enxergar. O Coração está ali, sempre aberto se você quiser entrar; apóia todos os seus
movimentos, ainda quando você não se dá conta. Talvez fosse mais correto dizer que o
Ser é o Coração mesmo do que dizer que ele está no Coração. Na realidade, o Ser é o
centro mesmo. Está em todas as partes, consciente de si mesmo como “Coração”, ou
seja, a consciência de si mesmo.
P. Neste caso, como pode se localizar numa parte do corpo? O fixar um local para
o Coração implicaria assinalar limitações fisiológicas ao que está além do tempo e do
espaço.
Sim, é verdade. Mas a pessoa que fez esta pergunta sobre a posição do Coração
considera que existe com ou no corpo. Ao fazer você mesmo a pergunta que fez, diria
que só seu corpo está aqui e que você está falando de outro lugar? Não, você aceita que
tem uma existência corporal. É desde este ponto de vista que se faz referência ao corpo
físico.
Na realidade, a consciência pura é indivisível, não tem partes, não tem forma
nem figura, não tem ‘dentro’ nem ‘fora’, nem direita ou esquerda. A consciência pura,
que é o Coração, inclui a tudo e nada está fora ou a parte dela. Esta é a máxima
verdade.
Desde o ponto de vista absoluto, o Coração, o Ser ou a consciência não podem
ter um lugar assinalado no corpo físico. Qual é a razão? É que o próprio corpo é uma
projeção da mente e a mente é um pobre reflexo do radiante Coração. Como é possível
que isso, no qual tudo está contido, possa, por sua vez, estar numa pequena parte dentro
do corpo físico, que não passa de uma manifestação infinitesimal e temporária da única
realidade?
As pessoas, porém, não entendem isso. Não podem deixar de pensar em relação
ao corpo físico e ao mundo. Você diz, por exemplo: “Vim a este ashram de um país que
está além dos Himalaias”. Mas isso não é verdade. Onde está o ir ou o vir, ou qualquer
movimento para o espírito único e omniabarcante que você realmente é? Você está
onde sempre esteve. Só seu corpo se moveu ou foi levado de um local para outro, até
chegar a este ashram. Esta é a verdade sem complicações, mas para uma pessoa que se
considera vivendo no mundo objetivo, esta visão parece totalmente extraordinária. Só
ao baixar a um nível ordinário de compreensão é que se pode assinalar um lugar para o
Coração dentro do corpo físico.
Uma vez que aceite o ponto de vista real e absoluto que o Coração é a
consciência pura, além do tempo e do espaço, lhe será mais fácil entender o resto numa
perspectiva correta.
Você é e isso é certo. Dhyana (a meditação) é realizada por você, desde você e
em você. Deve continuar onde você está. Não pode estar fora de você. Portanto, você é
o centro de dhyana e isso é o Coração.
Eu lhe disse que veja de onde surge o ‘eu’ no corpo, mas, na realidade, não é
correto dizer que o ‘eu’ surge e se submerge no Coração, do lado direito do peito. O
Coração é outro nome para a Realidade e não está nem dentro nem fora do corpo. Não
pode haver nem dentro nem fora para ele, dado que só ele existe.
P. Devo meditar no lado direito do peito, para meditar sobre o Coração?
O Coração não é físico. A meditação não deve ser feita nem à direita nem à
esquerda. A meditação deve ser praticada sobre o Ser. Todo mundo sabe o ‘eu sou’.
Quem é o ‘eu’? Não está dentro nem fora, nem à direita nem à esquerda. “Eu sou”, isso
é tudo. Deixe em paz a idéia de direita ou esquerda, pois pertence ao corpo. O Coração
é o Ser. Realize-o e então o verá por si mesmo. Não há necessidade de saber onde e o
que é o Coração. Você fará o seu trabalho ao se dedicar à busca do Ser.
P. O que quer dizer com “o Coração”, o verso de Upadesa Saram, que diz: “O
manter-se no Coração é o melhor karma, yoga, bhakti ou jnana”?
Isso que é a fonte de tudo, no qual tudo vive e no qual tudo se funde, é o
Coração ao qual se refere.
Por que se haveria de conceber alguma coisa? Só o que você tem que fazer é
ver de onde surge o ‘eu’. O lugar de onde surgem todos os pensamentos dos seres
corporais se chama “o Coração”. Qualquer descrição é somente um conceito mental.
P. Dizem que há seis órgãos de diversas cores no peito, dos quais o Coração está a
dois dedos (de largura) para a direita da linha que divide o centro. Mas o Coração
tampouco tem forma. Deveríamos imaginar que tem forma e meditar sobre ele?
Não, só a busca “Quem sou Eu?” é necessária. O que sempre está, durante o
sono profundo e a vigília é o mesmo. Mas ao despertar há sofrimento e esforço por
removê-lo. Quando você é questionado sobre quem despertou, responde ‘eu’. Agora se
lhe diz, aferre-se a este ‘eu’. Se você o faz, o Ser eterno se lhe revelará. Você deve
investigar o ‘eu’ e não meditar sobre o ‘centro do Coração’. Não há algo dentro ou
fora. As duas coisas querem dizer o mesmo ou não querem dizer nada. Claro, também
está a prática da meditação sobre o ‘centro do Coração’. É só uma prática e não a
investigação. Somente aquele que medita sobre o Coração pode manter-se consciente
quando a mente não está ativa e se aquieta; enquanto os que meditam sobre outros
centros não podem estar conscientes e concluem que a mente se aquietou só depois que
novamente se torna ativa.
Dependendo do lugar no qual se pense que reside o Ser, só por causa deste
pensamento parecerá, ao que pensa, que o Ser reside lá. No entanto, o querido
“Coração” é o único refúgio para o ‘eu’, que surge e se submerge. Saiba que, ainda que
se diga que o Coração existe tanto dentro quanto fora, a verdade absoluta é que não
existe nem dentro nem fora. Isto se deve a que ‘dentro e fora’ só se referem ao corpo,
que é a base destas diferenças e da imaginação da mente pensante. O Coração, a fonte,
é o princípio, o meio e o final de tudo. O Coração, a paz suprema, nunca tem forma. É
a luz da verdade.
CAPITULO 7
ENTREGA
1) Manter-se aferrado ao ‘pensamento-eu’ até que o que imagina que está separado de
Deus desapareça.
Sri Ramana admitia que uma entrega espontânea e total do ‘eu’, mediante este
método, era quase impossível para a maioria das pessoas e por isso aconselhava a seus
seguidores a realizarem exercícios preliminares, que desenvolviam a devoção e o
controle mental. Em geral, estas práticas consistiam em pensar ou meditar sobre Deus
ou o Gurú, seja através de uma repetição constante do seu nome (japa) ou através de
uma visualização de sua forma. Dizia a seus devotos que se o anteriormente exposto
fosse feito com regularidade, amor e devoção, a mente seria absorvida sem esforço no
objeto da adoração.
Uma vez que este último tenha ocorrido, a entrega total é muito mais fácil. A
consciência constante de Deus previne que a mente se identifique com outros objetos e
aumenta a convicção de que só Deus existe. Também produz um fluxo recíproco de
poder ou graça do Ser que debilita o ‘pensamento-eu’ e destrói os vasanas que tem
estado perpetuando e reforçando sua existência. Finalmente, o ‘pensamento-eu’ se
reduz a um tamanho mais manejável e com um pouco de atenção até o Ser se pode
conseguir que ele seja absorvido no Coração.
Se a pessoa se entrega, não haverá quem faça perguntas ou quem tenha que
pensar. Ou bem se eliminam os pensamentos aferrando-se ao pensamento básico ‘eu’
ou bem o praticante se entrega, sem condições, ao poder superior. Estes são os únicos
dois caminhos para a realização.
P. Não é verdade que a entrega total ou completa requer que não se tenha desejo
de liberar-se ou de unir-se a Deus?
A entrega total requer que não haja nenhum desejo próprio. Deve-se estar
satisfeito com o que Deus dá e isso quer dizer que não se pode ter desejos próprios.
P. Agora que você me aclarou este ponto eu gostaria de saber quais são os passos
para se chegar à entrega.
Há duas maneiras. Uma delas é buscar a fonte e fundir-se com ela. A outra é
sentir o seguinte: ‘estando só não me posso ajudar e só Deus é todo-poderoso. Se não
me entrego totalmente a Ele não haverá outra maneira de me salvar.’ Com este método
se desenvolve gradualmente a convicção de que só Deus existe e que o ego não conta.
Ambos os métodos o levarão à mesma meta. A entrega total é outro nome para jnana
ou a liberação.
Por qualquer caminho que você for, terá que desaparecer na unidade. A entrega
será completa quando chegar à etapa em que “Ele é tudo” e “Faça-se Sua vontade”.
Este estado não é diferente de jnana. Em Soham (a afirmação de ‘eu sou Ele’)
há dvaitta (dualismo). Na entrega há advaitta (não dualismo). Na realidade, não há nem
dvaitta nem advaitta, mas só o que se é. A entrega parece fácil porque as pessoas crêem
que, uma vez que hajam dito ‘eu me entrego’, descarregando assim seus problemas
sobre o Senhor, podem estar livres e fazer o que quiserem. Mas a verdade é que não se
pode ter gostos nem aversões depois que se tenha entregado; sua vontade tem que
deixar de existir completamente e em seu lugar estará à vontade do Senhor. A morte do
ego nesta forma traz um estado que não é diferente ao jnana. Enfim, qualquer caminho
que tome, tem que chegar a jnana ou à unidade.
Para cada indivíduo, a melhor maneira parece ser a mais fácil ou que mais lhe
atrai. Todos os caminhos são igualmente bons, dado que vão para a mesma meta, a qual
é fundir o ego no Ser. O que o bhakta chama entrega, aquele que faz vichara chama de
jnana. Os dois só estão tratando de levar o ego até a fonte de onde surgiu para fazê-lo
desaparecer nela.
P. A Graça pode ajudar a acelerar a competência do buscador?
Deixe isto para Deus. Entregue-se sem reservas. Uma das duas coisas se tem
que fazer: ou se entrega, porque vê que é incapaz sem a ajuda de um poder superior ou
então investiga a causa da miséria, indo até a fonte e fundindo-se ao Ser. De ambas as
maneiras se chega a estar livre de toda miséria. Deus nunca abandona a quem se
entregou.
Entregue-se de uma vez por todas e deixe o desejo. Enquanto você mantiver o
sentido de que está atuando, haverá desejos. Isso também é a personalidade; ao
desaparecer, o Ser surgirá, brilhante, em toda sua pureza. O sentido de atuar é o que
nos aprisiona e não os atos em si.
P. Por acaso o pensamento ‘Eu sou Deus’ ou ‘Eu sou o Ser Supremo’ pode ser de
alguma ajuda?
“Eu Sou o que Sou.” “Eu Sou” é Deus e não pensar ‘eu sou Deus’. Realize “Eu
Sou” e não pense ‘eu sou’. Diz-se “Conheça que Eu Sou Deus” e não ‘pense que eu sou
Deus’.
Tenham fé em Deus.
Sim, ainda que você já tenha se entregado, deve manter-se segundo a vontade
de Deus e não queixar-se do que não lhe apraz. As coisas podem ocorrer em forma
diferente do que aparentam. Às vezes a tragédia leva o homem até a fé em Deus.
P. Mas somos homens do mundo. Temos esposa, filhos, amigos, parentes. Não
podemos ignorar a existência deles e nos abandonarmos à vontade divina sem reter um
pouco da nossa personalidade.
Isso quer dizer que não se há entregado a Deus, como você declarou. Você só
deve ter fé em Deus.
Por outro lado, indague quem tem todas estas perguntas. Mergulhe no Coração
e mantenha-se no Ser. Um destes caminhos está disponível para o aspirante.
P. A entrega é impossível.
Anaya saranagati (a entrega total) quer dizer que, sem dúvida, o devoto não está
atado a pensamentos mas, quer dizer que se descartem até os pensamentos sobre
comida e água, que são essenciais para manter o corpo físico? Pergunta: ‘devo comer
só o que me chega por obra de Deus, sem que eu peça? Ou devo fazer um pouco de
esforço?” Bem, vejamos. Suponhamos que o que temos que comer chega por sua
própria conta. Ainda assim, porém, quem vai comer? Suponhamos que alguém nos põe
a comida na boca, não é necessário, pelo menos, engolir o alimento? E isso não é
esforço? Pergunta ‘se adoeço, devo tomar remédio ou ficar em silêncio, deixando a
saúde ou a enfermidade nas mãos de Deus?’ No texto Sadhana Pancham, escrito por
Sankara, se declara que para curar a enfermidade chamada fome, devemos comer
alimento que tenhamos recebido como esmola. Mas então deveremos pelo menos sair e
pedir esmola. Se todo mundo fecha os olhos e fica sentado em quietude, dizendo: ‘se
nos chega a comida, comeremos’, então como irá continuar a existência do mundo?
Teremos, portanto, que tomar as coisas de acordo com os costumes da tradição de cada
um, mas devemos estar livres do sentimento de que nós o estamos fazendo. O sentir
que somos nós que estamos fazendo é o que escraviza. É necessário pensar e encontrar
o método mediante o qual podemos nos livrar desta sensação, no lugar de estar
pensando se devemos tomar remédios ao estarmos doentes ou comer se tivermos fome.
Este tipo de dúvidas continuará surgindo e nunca acabará. Ainda dúvidas como ‘posso
queixar-me se houver dor?’, ‘posso inalar depois de exalar?’, surgirão também. Como
você quiser chamá-lo, seja Iswara (Deus), karma (destino) ou alguma karta (poder
superior) realizará todas as atividades do mundo segundo o desenvolvimento da mente
de cada indivíduo. Se você deixar a responsabilidade ao poder superior, as coisas
ocorrerão por conta própria. Ao caminhar na terra, acaso consideramos a cada passo
que será necessário levantar uma perna e depois a outra e em algum momento parar?
Não caminhamos automaticamente? É o mesmo com a inalação e a exalação. Não
requer um esforço especial para se inalar ou exalar. É o mesmo caso com o resto da
vida. Podemos realmente deixar o que não queremos ou fazer o que nos agrada? Um
grande número de coisas ocorrem automaticamente, sem que estejamos conscientes
delas. A entrega total a Deus é deixar todos os pensamentos e concentrar a mente sobre
Ele. Se podemos nos concentrar sobre Ele, os demais pensamentos desaparecerão. Se
os atos da mente, da fala e do corpo se fundem em Deus, toda a carga de nossa vida
quedará sobre Ele.
P. Swami, é bom amar a Deus, não é assim? Então, por que não seguir a via do
amor?
Quem disse que não a pode seguir? Pode fazê-lo. Mas quando fala de amor há
dualidade, não é mesmo? Entre o que ama e a entidade chamada Deus, a qual se ama.
O indivíduo não está separado de Deus. Portanto, o amor quer dizer que amamos a
nosso próprio ser.
P. Por isso estou perguntando se posso adorar a Deus através do caminho do amor.
Se você rechaçar tudo, o que sobra é somente o Ser. Esse é o amor verdadeiro.
Aquele que encontra o segredo deste amor encontra que o mundo todo está cheio de
amor universal.
Se a aspiração esta ali, a realização ocorrerá ainda que você não queira. Deseje
com intensidade para que a mente se derreta em devoção. Quando a cânfora se queima,
não deixa resíduos. A mente é a cânfora. Quando se funde no Ser sem deixar marca
alguma, então se há realizado o Ser.
P. Tenho fé em murti dhyana (rezar para alguma forma de Deus). Isto não me
ajudará a obter jnana?
O estado puro de estar unido à Graça (Ser), sem atadura alguma, somente esse é
o estado próprio de silêncio, livre de todas as coisas. Saiba que conseguir manter
continuamente este silêncio, tendo a experiência como realmente é, é a única e
verdadeira adoração mental (manasika-puja). Saiba que a adoração verdadeira e natural
é aquela na qual a mente está submissamente estabelecida como o Ser único, colocando
o Senhor no trono do Coração: isso é silêncio, a melhor adoração. O silêncio livre do
ego, só isso é a liberação. Ao esquecer-se do Ser, o que ocasiona a saída do silêncio, só
isto é a não-devoção (vibhakti). Saiba que o manter-se nesse silêncio, com a mente
apaziguada, num estado não diferente do Ser, é a verdade de Shiva bhakti (devoção a
Deus).
Ver a Deus é ser Deus. Não há coisa alguma a parte d’Ele. Só existe Ele.
P. O bhakta requer a Deus para poder fazer bhakti. Deve-se ensiná-lo que só existe
o Ser e não o que adora e o adorado?
O ‘eu’ acaba com a ilusão e, ao mesmo tempo, se mantém como “eu”. Este é o
paradoxo da realização do Ser. Os que se realizaram não vêem nenhuma contradição
nisto. Tome o caso do bhakti. Aproximo-me de Iswara e rezo para que me absorva
n’Ele. Entrego-me com fé e me concentro n’Ele. O que sobra depois? No lugar do’eu’
original, a entrega perfeita deixa um resíduo de Deus no qual o ‘eu’ está perdido. Esta é
a forma mais elevada de devoção (parabhakti) e de entrega; é a cúspide de vairagya (o
não apego).
Você deixa isto e aquilo das ‘minhas’ posses. Se deixa o ‘eu’ e o ‘meu’, deixa
tudo de uma só vez. Perde-se a semente da posse. Corta-se, portanto, o mal pela raiz,
ou o gérmen do mesmo. O desapego (vairagya) deve ser muito forte para se conseguir
isto. O anelo deve ser tão grande como o de um homem debaixo da água, tratando de
subir à superfície para salvar sua vida.
TERCEIRA PARTE
O GURÚ
O GURÚ
Sri Ramana mencionou frequentemente que Deus, o Gurú e o Ser são idênticos;
o Gurú é Deus na forma humana e simultaneamente também é o Ser no Coração de
cada devoto. Dado que se encontra tanto fora quanto dentro, seu poder trabalha em
duas formas diferentes. O Gurú externo dá instruções e, através do seu poder, consegue
que o devoto mantenha sua atenção sobre o Ser; o Gurú interno atrai a mente do devoto
até sua fonte; a absorve no Ser e finalmente a destrói.
Ainda que Sri Ramana ensinasse que um Gurú é indispensável para aqueles que
buscam a realização do Ser, também salientava que o Gurú não tem o poder de
conseguir a realização naqueles que não a buscam com grande energia. Se o buscador
faz um sério esforço para tratar de descobrir o Ser, então, tanto a Graça como o poder
do Gurú, começarão automaticamente a fluir. Se não realiza esta busca, o Gurú não
pode ser de ajuda alguma.
O Gurú é o Ser. Algumas vezes o homem se torna insatisfeito com sua vida e ao
não estar contente com o que tem, busca a satisfação de seus desejos através de rezar a
Deus. Sua mente vai se purificando até que anseie conhecer a Deus e obter Sua Graça,
mais do que satisfazer seus desejos mundanos. Então a Graça de Deus começa a se
manifestar. Deus toma a forma de um Gurú e aparece ao devoto, o ensina a verdade e
além disso purifica sua mente por associação. A mente do devoto vai se fortalecendo e
pode introverter-se. Através da meditação vai se purificando ainda mais e se torna
totalmente quieta, sem um só movimento. Esta expansão de calma é o Ser.
O mestre está dentro, a meditação trata de remover a idéia ignorante de que está
só de fora. Se é um estranho que está esperando, num dado momento também
desaparecerá. De que lhe pode servir um transeunte como esse? Mas enquanto pensar
que está separado ou que é o corpo, um mestre externo é necessário e aparecerá com
um corpo. Quando a identificação errônea com o corpo tiver desaparecido, se
descobrirá que o mestre não é outro além do Ser.
Por acaso o Gurú o toma pela mão e lhe diz algo suavemente ao ouvido? Você
pode imaginar que é o que você mesmo é. Dado que pensa que está com um corpo,
pensa que ele também tem um corpo e lhe fará algo tangível. Seu trabalho está dentro,
no mundo espiritual.
Deus, que é imanente, por causa de sua Graça, é misericordioso com seu devoto
e se manifesta de acordo com o grau de desenvolvimento do mesmo. O devoto pensa
que ele é um homem e espera uma relação entre dois corpos físicos. Mas o Gurú, que é
Deus ou o Ser encarnado, trabalha dentro, ajuda o homem a se dar conta de seus erros e
o guia no caminho correto até que realize o Ser em seu interior.
P. Se é verdade que o Gurú é o Ser da própria pessoa, qual é o princípio sob o qual
existe a doutrina que diz que ainda que o discípulo tenha grandes conhecimentos ou
possua qualquer poder mágico, não pode obter a realização do Ser sem a Graça do
Gurú?
Ainda que a verdade absoluta seja que o estado do Gurú é igual ao da própria
pessoa (o Ser), é muito difícil para o Ser que se tenha convertido no indivíduo (Jiva)
devido à ignorância, realizar seu estado ou natureza verdadeira sem a graça do Gurú.
P. Se isto é assim, como é que se diz que o discípulo realiza seu verdadeiro estado
através da Graça do Gurú?
Numa primeira instância, a alma individual que quer chegar a obter o estado da
divindade ou do conhecimento verdadeiro, pratica a devoção incessantemente. Quando
a devoção do indivíduo chega a uma etapa madura, o Senhor, que é a testemunha dessa
alma individual e idêntico a ela, se manifesta. Aparece em forma humana com a ajuda
de Sat-chit-ananda, que são seus três aspectos naturais, com forma e nome, as quais
adota por sua Graça. Parecendo que está abençoando o discípulo, o absorve n’Ele
mesmo. De acordo com esta doutrina se pode dizer que o Gurú é realmente o Senhor.
O Gurú apropriado para você é aquele ao qual sua mente se acopla. Se você
pergunta: “Como decidir quem é o Gurú e qual é sua swarupa?”, verá que deverá ter
tranquilidade, paciência, perdão e outras virtudes, deve ser capaz de atrair os outros
meramente com seus olhos, como o imã atrai o ferro; deverá ter um sentido de
igualdade para com todos. O que possui estas virtudes realmente é um Gurú, mas se
você quer conhecer o swarupa do Gurú, terá que conhecer o swarupa de si mesmo.
Como é possível conhecer a verdadeira natureza do Gurú se não conhecer a verdadeira
natureza de si mesmo? Se quiser conhecer a forma ou natureza real do Gurú, deve
começar por aprender a ver todo o universo como Gurú Rupam (a forma do Gurú).
Devemos ver o Gurú em todos os seres viventes. É o mesmo com Deus. Deve-se ver a
todos os objetos como a rupa (forma) de Deus. Como é possível que o que não conhece
a seu próprio ser conhecer a forma real de Deus ou do Gurú? Como pode determiná-
los? Em primeiro lugar, portanto, conheça sua própria natureza e forma real.
P. Sri Aurobindo e outros se referem a você dizendo que não teve um Gurú.
Tudo depende do que você chama de Gurú. Não deve ter necessariamente uma
forma humana. Dattatreya teve 24 gurús, incluindo os cinco elementos, como a terra, a
água, etc. Todo objeto neste mundo era seu Gurú.
Quiçá eu tive um, em uma ou outra ocasião. Mas, por acaso, não cantei hinos a
Arunachala? O que é um Gurú? O Gurú é Deus ou o Ser. Primeiro um homem reza
para que se satisfaçam seus desejos. Chega um momento que já não rezará para
satisfazer seus desejos materiais, mas sim para obter a Deus mesmo. Então Deus
aparecerá em uma ou outra forma, humana ou não humana, para guiá-lo até Ele
mesmo, em resposta a sua oração e de acordo com suas necessidades.
O Gurú só é um. Não é um ser físico. Enquanto houver debilidade será preciso
apoio da fortaleza.
P. Então não há necessidade de se formular perguntas. Não sinto que a ajuda está
sempre presente.
Entregue-se e a encontrará.
P. Estou sempre a seus pés. Pode nos dar Bhagavan algum upadesa (ensinamento)
que possamos seguir? De outro modo, como posso obter ajuda se vivo a 600 milhas
daqui?
Claro que sim. Por acaso sua prática se deve a esta Graça? Os frutos são
resultado da prática e a seguem automaticamente. Há uma estrofe no Kaivalya que diz:
“Oh Gurú! Tens estado comigo sempre, observando-me durante várias encarnações e
ordenando meu caminho até que fui liberado.” O Ser se manifesta externamente como
o Gurú quando surge a ocasião; de outra maneira, está sempre dentro, fazendo o que for
necessário.
P. Alguns discípulos de Shirdi Sai Baba adoram a uma foto dele e dizem que é seu
Gurú. Como pode ser assim? Podem adorá-lo como Deus, mas que benefício pode
derivar de adorá-lo como Gurú?
Claro que sim. Mas, no fim das contas, Gurú só quer dizer guri, a concentração.
P. Como é possível que uma foto sem vida ajude a desenvolver a concentração
profunda? Necessita-se de um Gurú em vida para que demonstre a prática. Pode ser
possível para Bhagavan, que chegou à perfeição sem um Gurú, mas é possível para
pessoas como eu?
Isso é verdade. Ainda assim, ao adorar uma foto sem vida, a mente chega a se
concentrar até certo ponto. A concentração não será constante até que se conheça o Ser
verdadeiro, através da indagação. Para essa indagação se necessita a ajuda de um Gurú.
P. Se diz que o Gurú pode fazer com que o discípulo realize o Ser ao transmitir
algo se seu próprio poder. É verdade?
Sim, o Gurú não faz com que chegue a realização do Ser. Ele simplesmente
remove os obstáculos. O Ser está sempre realizado.
P. É absolutamente necessário ter um Gurú quando estamos buscando a realização
do Ser?
Pela paz mental que encontra em sua presença e pelo respeito que sente por ele.
P. Me entreguei com coração e alma. Eu sou o que melhor pode julgar meu
coração. Ainda assim não sinto a Graça.
A Graça é constante. Seu juízo é o que varia. Onde mais pode estar a falta?
P. No Srimad Bhagavad Gita se diz: “Realize o Ser com um intelecto puro, através
do serviço ao Gurú e pela indagação”. Como é possível conciliar isto?
Aquele que outorga à sua alma o conhecimento supremo do Ser, atraindo-a até
o Ser, é o único Gurú supremo que é louvado pelos sábios como a forma de Deus e que
é o Ser. Aferre-se a ele. Aproximando-se dele e servindo-o com fé, deve-se aprender,
através de sua Graça, a causa do nascimento e sofrimento de cada um. Ao conhecer o
que é que leva a pessoa a separar-se do Ser, o melhor será manter-se firme como o Ser.
Se bem que aqueles que tomaram e estão seguindo com esmero o caminho da
salvação, às vezes podem se desviar do caminho védico, seja devido ao esquecimento
ou alguma outra razão, saibam que em nenhum momento devem ir contra as palavras
do Gurú. As palavras dos sábios asseguram que, se alguém comete um mal ante Deus,
pode ser retificado pelo Gurú, mas um mal contra o Gurú não pode ser retificado nem
ainda por Deus.
A paz, que todo mundo deseja, não se pode alcançar de nenhuma maneira, em
nenhum momento ou lugar, a menos que a quietude mental se obtenha através da Graça
do sadgurú. Portanto, busque sempre essa Graça, com uma mente unidirecional.
Aonde você vai? Não vai a lugar algum. Mesmo supondo que você é seu corpo,
seu corpo veio de Lucknow a Tiruvannamalai? Simplesmente sentou-se no carro e um
ou outro veículo se moveu. Finalmente você disse que chegou aqui. A verdade é que
você não é este corpo. O Ser não se move, o mundo é que se move n’Ele. Você é só o
que é. Não há mudanças em você. No fim, parece que você se foi, mas você estará
aqui, ali, em todos os lugares. Só se movem as paisagens. Quanto a Graça, está dentro
de você. Se for externa, não serve. A Graça é o Ser. Nunca está separada de seu
movimento. A Graça está sempre ali.
P. Quero dizer que quando me recordar de sua forma, que minha mente se
fortaleça e que haja uma resposta de sua parte também. Você não pode me deixar com
meus esforços individuais que, além de tudo, são débeis.
P. Posso prescindir da ajuda externa e, através dos meus próprios esforços, chegar
à verdade profunda sobre mim mesmo?
O próprio fato de que você esteja tomado pela busca do Ser já é uma
manifestação da Graça Divina. Está efervescente no Coração, no ser interno o Ser real
lhe atrai, desde dentro. Você tem que tratar de introverter-se, a partir do exterior. Seu
intento é a busca sincera e o profundo movimento interno é a Graça. Por isso eu digo
que, na realidade, não pode haver uma busca verdadeira sem a Graça, nem há Graça
ativa para aquele que não busca o Ser. Os dois são necessários.
O esforço é necessário até chegar à realização. Ali o Ser deve ser evidente
espontaneamente, de outra forma a felicidade não será total. Até este ponto de
espontaneidade total, deve haver algum tipo de esforço numa ou noutra forma.
O tempo e o espaço estão dentro de nós. Você é sempre o Ser. Como lhe podem
afetar o tempo e o espaço?
P. No rádio, aqueles que estão mais perto escutam mais rápidamente. Você é hindu
e nós americanos. Há alguma diferença?
Não.
P. Bhagavan sente algo por nós e por isso mostra sua Graça?
Você está rodeado de água até o pescoço e ainda pede água. É como dizer que
alguém que tem água até o pescoço sente sêde ou que um peixe na água sente sêde, ou
até que a própria água sente sêde.
Mas a prática também é necessária. Ficar no Ser por nossos esforços é como
treinar um touro selvagem para que fique no estábulo tentando-o com uma boa
pastagem para que não saia.
P. Recentemente encontrei uma canção tamil na qual o autor se lamenta de não ser
tão tenaz quanto o filhote de macaco, que se segura fortemente em sua mãe, mas sim é
como um gatinho que tem que ser carregado na boca pela sua mãe. O autor, portanto,
reza para que Deus o cuide. Meu caso é assim. Você, Bhagavan, deve ter pena de mim.
Agarre-me pelo pescoço e não me deixe cair e me machucar.
Isto é impossível. É necessário que você faça esforços e que o Gurú o ajude.
Mesmo este desejo é um obstáculo. O Ser sempre está ali, não há nada sem Ele.
Seja o Ser, os desejos e dúvidas desaparecerão.
A Graça é o princípio, o meio e o final. A Graça é o Ser. Dado que há uma falsa
identificação do Ser com o corpo, se considera que o Gurú é um corpo. Mas, desde o
ponto de vista do Gurú, o Gurú é só o Ser. O Ser é um e o Gurú diz a você que só existe
o Ser. Então, não é certo que o Ser é o Gurú? De o que outro lugar pode vir a Graça?
Somente pode vir do Ser. A manifestação do Ser é uma manifestação de Graça e vice-
versa. Todas as dúvidas surgem por uma visão errônea e a consequente expectativa por
coisas externas a você. Nada é externo para o Ser.
CAPITULO 9
SILÊNCIO E SAT-SANGA
Ainda que Sri Ramana estivesse disposto a dar seu ensinamento oral a qualquer
um que o pedisse, frequentemente assinalava que seu ‘ensinamento em silêncio’ era o
mais direto e poderoso. Este ‘ensinamento em silêncio’ consistia numa força espiritual
que parecia emanar de sua forma, uma força tão poderosa que ele a considerava o
aspecto mais direto e importante de seus ensinamentos. No lugar de dar instruções orais
sobre como controlar a mente, emitia, sem esforço, um poder silencioso que
automaticamente aquietava a mente das pessoas que o rodeavam.
Este método de ensinamento tem uma longa tradição na India e seu mais
famoso expoente foi Dakshinamurti, uma manifestação de Shiva que levou a quatro
sábios a experiência do Ser através do silêncio. Sri Ramana mencionava a
Dakshinamurti frequentemente com grande aprovação e seu nome surge numerosas
vezes nas conversações deste capitulo.
Este fluxo do poder do Gurú pode ser recebido por qualquer um que põe a
atenção sobre o Ser ou sobre a forma do Gurú; a distância não é um impedimento à sua
eficácia. Esta atenção se denomina geralmente sat-sanga, que, literalmente, quer dizer
“associação com a existência”. Sri Ramana apoiava esta prática de todo coração e
frequentemente dizia que era a forma mais eficaz de conseguir uma experiência direta
do Ser. Tradicionalmente, significa que se deve estar na presença física do que realizou
o Ser. Mas Sri Ramana lhe dava uma definição mais ampla. Dizia que o elemento mais
importante do sat-sanga era a conexão mental com o Gurú. O sat-sanga tomava lugar
não só em sua presença física, mas também cada vez que se pense nele, onde quer que
se encontre.
2) O estado supremo que é louvado e que se obtêm aqui nesta vida através de um
vichara claro, que brota no coração quando se consegue a associação com os sadhús,
não se poderia conseguir só escutando aos oradores, estudando e aprendendo o
significado das escrituras, por atos virtuosos ou qualquer outra atividade.
4) A lua fresca remove o calor, a árvore celestial que concede desejos remove a
pobreza e o Ganges remove os pecados. Mas saiba que tudo isto, começando com o
calor, serão removidos ao obter o darshan dos incomparáveis sadhús.
5) Os balneários sagrados, que contém água e as imagens de divindades que estão feitas
de terra e pedra, não podem ser comparadas a essas grandes almas (mahatmas). Oh, que
maravilha! Os balneários sagrados e as deidades proporcionam a purificação mental
depois de vários dias, enquanto que esta pureza é concedida instantaneamente para as
pessoas tão logo são abençoadas pelos olhos de um sadhú.
P. Por que Bhagavan não sai pregando a verdade para todas as pessoas, em
diversos lugares?
Como você sabe que não estou fazendo isto? Por acaso pregar consiste em subir
numa plataforma e arengar as pessoas? Pregação é simplesmente a comunicação do
conhecimento, coisa que realmente só se pode realizar no silêncio. O que você pensa de
um homem que escuta um sermão durante uma hora e meia sem que fique
impressionado o suficiente para mudar a própria vida? Compare-o com outro, que se
senta frente a uma presença sagrada e se retira depois de um tempo, com todos os seus
pontos de vista sobre a vida completamente mudados. O que é melhor, pregar
ruidosamente, sem efeito, ou estar sentado em silêncio emanando força interior?
Mouna (o silêncio) é a melhor e mais potente forma de diksha. Foi praticado por
Sri Dakshinamurti . A iniciação através do tato, da vista, etc é de uma ordem inferior.
A iniciação silenciosa muda o coração de todo mundo.
Deus, a Graça e o Gurú são sinônimos, eternos e imanentes. Por acaso o Ser já
não está no seu interior? Por acaso ele tem que ser dado para alguém com o olhar? Se
um Gurú pensa isso, não merece este nome.
O que podemos chegar a saber através da conversação que se estende por vários
anos é possível conhecer instantaneamente no silêncio. Dakshinamurti e seus quatro
discípulos são um bom exemplo disto. Essa é a linguagem mais elevada e mais
eficiente.
Sim, qual é a contradição? Jnani, grandes homens, mahatmas, por acaso você
encontra diferenças entre eles?
P. Não.
O contato com eles é bom. Trabalharão através do silêncio. O falar reduz seu
poder. O silêncio é o mais poderoso. O falar sempre é menos poderoso do que o
silêncio, ou seja, o contato mental é o melhor.
P. Por acaso isto é verdade ainda quando se haja dissolvido o corpo físico do jnani
ou só continua enquanto ele esteja com o corpo físico?
P. Ao operar a Graça, é certo que a mente do Gurú atua sobre a mente do discípulo
ou o processo é outro?
Para que haja expressão oral, se requerem os órgãos da palavra e então opera a
linguagem. Mas outro tipo de expressão precede inclusive o pensamento. Em outras
palavras, é a expressão transcendental ou seja, palavras não faladas (para vak).
P. Não sou capaz de concentrar-me quando estou só. Estou buscando uma força
que me ajude.
Sim; o primeiro quer dizer realmente associação com o Sat não manifesto, ou
seja, com a existência absoluta. E como poucos podem conseguir isto, tem que tomar a
segunda opção, que é a associação com o Sat manifesto, ou seja, o Gurú. A associação
com sábios deve realizar-se porque os pensamentos são persistentes. O sábio conseguiu
conquistar a mente e está em paz. Estar a seu lado ajuda-nos a adquirir esta condição,
de outra forma não há sentido buscar sua companhia.
O Gurú dá para a pessoa a força necessária para tudo isto, sem que os outros
percebam. Servi-lo, em princípio, quer dizer residir no Ser, mas também inclui ajudar
para que o corpo do Gurú esteja confortável e que sua morada esteja cuidada. O contato
com o Gurú também é necessário mas quer dizer, na realidade, o contato espiritual. Se
o discípulo encontra o Gurú em seu interior, então não importa aonde viaje. Ficar num
ou noutro lugar será o mesmo e terá o mesmo efeito.
P. Por causa da minha profissão, necessito residir perto do local do meu trabalho.
Não posso permanecer no local onde os sadhús habitam. É possível que eu me realize
mesmo sem ter sat-sanga?
Sat é aham prattaya saram, o Ser de todos os seres. O sadhú é o Ser dos seres.
Está imanente em tudo. Por acaso é possível permanecer sem o Ser? Não, portanto
ninguém pode permanecer separado de sat-sanga.
Primeiro você deve decidir o que é sat-sanga. Quer dizer associação com Sat ou
a realidade. Aquele que realizou ou conhece Sat é considerado como o próprio Sat. A
associação com Sat, ou com alguém que conhece Sat é absolutamente necessária para
todo mundo. Sankara disse que nos três mundos não há um barco como o sat-sanga
para levar-nos a cruzar o oceano de nascimentos e mortes.
Sat-sanga quer dizer sanga (associação) com Sat. Sat é só o Ser. Dado que agora
não se reconhece o Ser como Sat, se busca a companhia do sábio, que compreende isto.
Isso é sat-sanga. O resultado é a introversão. Então Sat se revela.
QUARTA PARTE
MEDITAÇÃO E YOGA
“A melhor meditação é aquela que continua durante os três estados. Deve ser
tão intensa que não deixe espaço nem para o pensamento ‘eu estou meditando’.
MEDITAÇÃO E CONCENTRAÇÃO
Em outras palavras, isto quer dizer que, se bem que outras técnicas possam
levar a um estado interior de quietude, a atenção a si mesmo acontece acidentalmente,
porque, na realidade, são rotas indiretas para chegar ao Ser. Sri Ramana insistia em que
outras técnicas só podem levar ao lugar onde começa a indagação do eu e, portanto,
nunca as recomendou, a menos que sentisse que os interlocutores não pudessem ou não
quisessem adotar a indagação do eu. Isto é ilustrado numa conversa no Sri Ramana
Gita (uma coleção de suas primeiras perguntas e respostas) no qual Sri Ramana explica
em detalhes porque a indagação do eu é a única maneira de realizar o Ser. Depois de
escutar a explicação de Sri Ramana com toda a atenção, o interlocutor não estava
preparado para aceitar que a indagação do eu era o único caminho e então perguntou se
havia outros métodos. A resposta de Sri Ramana foi a seguinte:
“A meta é a mesma para todos, para o que medita (sobre um objeto) e para o
que pratica a indagação do eu. Um chega à quietude através da meditação e o
outro chega através do conhecimento. Um trata de alcançar algo. O primeiro
demora mais tempo mas, ao final, chega ao Ser.”
Sri Ramana deu respostas similares a outras pessoas pelas mesmas razões. As
respostas que indicam outros métodos que não a indagação do eu ou a entrega como
meio para a realização do Ser não devem der tomadas em separado, pois foram
respostas dadas somente para pessoas que não estavam atraídas pela indagação do eu e
queriam seguir seus próprios métodos. Quando falava com devotos que não estavam
seguindo o que ele chamava ‘métodos indiretos’, usualmente reafirmava que a atenção
ao Ser era indispensável.
Mesmo que Sri Ramana defendesse com vigor sua postura sobre a indagação do
eu, nunca insistiu em que uma pessoa mudasse suas crenças ou práticas e se não
pudesse convencer seus seguidores a adotar a indagação do eu, então dava conselhos,
com bom humor, sobre outros métodos. Nas conversas deste capítulo Sri Ramana está,
geralmente, respondendo perguntas de devotos que queriam conselhos sobre formas
convencionais de meditação. Ao dar estes conselhos, definia a meditação como a
concentração sobre um só pensamento, excluindo a todos os demais. Mas algumas
vezes deu uma definição mais elevada, no sentido de que, ao fixar a mente sobre o Ser,
se chega à meditação verdadeira. Esta última prática é, na verdade, a indagação do eu
pois, como explicou numa de suas primeiras obras, “manter a mente sempre fixa sobre
o Ser, só isso pode ser chamado a indagação do eu, enquanto que a meditação é pensar
que a pessoa mesma é Brahman.”
As duas são, na verdade, o mesmo. Aqueles que não estão prontos para a
investigação devem praticar a meditação. Na meditação, o aspirante se esquece de si
mesmo e medita ‘eu sou Brahman’ ou ‘eu sou Shiva’ e desta maneira se fixa em
Brahman ou em Shiva. Isto, ao final, terminará com a consciência residual, de que
Brahman ou Shiva é o Ser. Assim compreenderá que isto é a existência pura, ou seja, o
Ser.
Onde mais podemos estar, agora mesmo? Nosso próprio Ser é isso.
P. A meditação se realiza com a mente. Como ela pode matar a mente para o Ser
se revele?
P. O que é a meditação?
Por que você quer meditar? Devido a que você quer fazê-lo, lhe é dito ‘atma
samham manah krtva’. Por que você não se mantém como é, sem meditar? O que é
manah (mente)? Quando todos os pensamentos houverem sido eliminados, ela se
converte em ‘atma samshtham’ (fixada no Ser).
P. Quando me dão uma forma, posso meditar sobre ela e assim se eliminam os
outros pensamentos. Mas o Ser está sem forma…
P. Tanto Shiva, Vishnu e Gayatri são citados como de igual eficácia. Sobre qual
destes devo meditar?
Qualquer um, o que você goste mais. Os três têm o mesmo efeito. Mas deve
manter-se sobre só um deles.
Queremos nos desfazer da miséria. Isto requer a paz mental, o que implica na
ausência de perturbações que vem de todos os pensamentos. A paz mental só se alcança
através de dhyana.
P. Dado que Sri Bhagavan diz que o Ser pode funcionar em qualquer centro ou
chakra, mesmo estando centrado no Coração, não é possível que, através de uma
intensa prática de concentração no espaço entre as sobrancelhas, este centro se converta
na base do Ser?
Qualquer consideração sobre a base do Ser é teórica se você fixar sua atenção
sobre uma parte do corpo. Você se considera o sujeito, o que vê e o lugar onde
concentra sua atenção se converte no objeto visto. Isto é simplesmente bhavana
(imagens mentais). Mas quando você vê o que está vendo, se funde no Ser e se torna
parte dele. Esse é o coração.
P. Por que Sri Bhagavan não nos induz a praticar a concentração sobre um centro
ou chakra?
P. Pratico hatha yoga e também medito “Eu Sou Brahman”. Depois de alguns
momentos desta meditação, chega um vazio, o cérebro se esquenta e surge o temor da
morte. O que devo fazer?
“Eu Sou Brahman” é só um pensamento. Quem o diz? Brahman não o diz. Terá
Ele alguma necessidade de dizê-lo? O “Eu” real tampouco o diz. Este “Eu” sempre
existe como Brahman. Estar repetindo-o já é um pensamento. A quem pertencem os
pensamentos? Todo pensamento é do ‘eu’ falso, do “pensamento-eu”. Mantenha-se
sem pensar. Enquanto houver pensamentos haverá temor.
Sim, já que a mente está concentrada no cérebro, lhe surge uma sensação de
calor ali. Isto se deve ao ‘pensamento-eu’. Quando surge o ‘pensamento-eu’, surge
simultaneamente o medo da morte. Quanto ao seu esquecimento, enquanto houver
pensamentos haverá esquecimento. Primeiro está o pensamento “eu sou Brahman” e
logo vem o esquecimento. O pensamento e o esquecimento se referem ao ‘pensamento-
eu’. Agarre-o e ele desaparecerá como um fantasma. O que resta é o “Eu” e esse é o
Ser.
“Eu sou Brahman” é uma ajuda para concentrar-se, mantendo longe os outros
pensamentos. Quando só este pensamento persistir, veja a quem ele pertence. Você
verá que ele vem do ‘eu’. De onde vem o ‘pensamento-eu’? Busque-o e o ‘pensamento-
eu’ desaparecerá. Então o Ser supremo surgirá brilhando por si mesmo. Aí não haverá
mais necessidade de maiores esforços.
Quando sobrar só o “Eu” real, Ele não estará repetindo ‘eu sou Brahman’. Por
acaso um homem anda repetindo ‘eu sou um homem’? A menos que se tenha dúvidas,
por que haveria de declarar que é um homem? Por acaso há alguém, equivocadamente,
acredita que é um animal e que tenha que dizer ‘não, não sou um animal, mas sim um
homem’? Do mesmo modo, Brahman, o “Eu”, é a única realidade existente e, ao não
haver alguém que duvide de tal realidade, não haverá necessidade de repetir ‘eu sou
Brahman’.
P. De que serve esta auto-hipnose de estar pensando sobre um ponto que não é
‘pensável’? Por que não adotar outros métodos tais como fixar a vista sobre uma luz,
manter fixa a respiração, escutar música, escutar sons internos, repetir sílabas sagradas
como Om ou outros mantras?
P. Nos dizem que devemos nos concentrar num local na testa, entre as
sobrancelhas. Isto é correto?
Todo mundo está consciente do ‘eu sou’. Deixando essa consciência, todos
andam buscando a Deus. De que servem fixar a atenção entre as sobrancelhas? É uma
insensatez dizer que Deus está entre as sobrancelhas. A razão pela qual se dá esse
exercício é para que a mente se possa concentrar. É uma das maneiras em que se utiliza
a força para aferrar a mente e não deixar que se dissipe. Ela é dirigida forçadamente até
um só canal. É uma ajuda para a concentração. Mas a melhor forma de se realizar é a
indagação “quem sou eu?”. O problema atual se deve à mente e deve ser removido
sempre pela mente.
P. Nem sempre me concentro sobre o mesmo centro do corpo. Às vezes acho mais
fácil concentrar-me sobre um centro e outras vezes noutro. Às vezes, quando me
concentro num ponto, minha mente, por vontade própria, se fixa em outro. Por que
acontece isto?
Pode ser porque você já praticou assim no passado. Mas, de qualquer maneira,
não tem importância sobre qual centro você se concentra pois o Coração real está em
todos os centros e também fora do corpo. Não importa sobre qual parte do corpo se
concentre ou sobre qual objeto externo, ali está o Coração.
P. Podemos nos concentrar às vezes sobre um centro e às vezes sobre outro ou
devemos escolher sempre o mesmo?
P. Alguns dizem que a meditação só deve ser feita sobre objetos comuns. Dizem
que pode ser desastroso se a pessoa trata todo o tempo de matar a mente.
Para quem seria o desastre? Pode haver um desastre que esteja a parte do Ser?
MANTRAS E JAPA
Esta última etapa só se alcança depois que a prática do japa se uniu à prática da
atenção sobre o Ser. Sri Ramana usualmente ilustrava a necessidade desta transição ao
citar as palavras de Namdev, um santo que viveu no estado de Maharashtra no sec.
XIV: “A natureza do todo-abarcante Nome só se pode entender quando se reconhece
seu próprio ‘eu’. Se não se reconhece o nome de Si mesmo, é impossível obter o nome
que tudo abarca.” Esta citação vem de uma pequena obra de Namdev que tem o nome
de “A Filosofia do Nome Divino” e o texto completo foi incluído numa das respostas
de Sri Ramana neste capítulo. Sri Ramana só a conheceu em 1937 e nos últimos treze
anos de sua vida manteve uma cópia na estante, ao lado do seu sofá. Frequentemente a
lia, quando alguns visitantes perguntavam sobre a natureza e a utilidade do japa e a
insistência com que a mencionava dá a entender que ele aprovava amplamente o
conteúdo.
P. Minha prática consiste na repetição de Japa com nomes de Deus, quando inalo,
e com o nome de Sai Baba quando exalo. Simultaneamente, sempre vejo a forma de
Baba. Ainda com Bhagavan, vejo a forma de Baba. Devo continuar com isto ou mudar
de método? Algo em meu interior diz que se continuo com nome e forma nunca os
transcenderei. Mas não entendo o que mais eu posso fazer depois de deixar o nome e
forma. Bhagavan poderia me iluminar sobre este ponto?
Você pode continuar com o método atual. Quando japa se tornar contínuo,
todos os demais pensamentos acabarão e só sobrará a natureza real, que é japa ou
dhyana. Ao deixar que a mente saia ao exterior, sobre os objetos do mundo, não
estamos conscientes de que nossa natureza real é japa. Com o esforço consciente de
japa ou dhyana, que é como o nomeamos, prevenimos a mente de pensar sobre outras
coisas e o que sobra é nossa natureza real, que é japa.
Enquanto você pensar que é nome e forma, não pode deixar de fazer japa com
nome e forma. Quando realizar que não é nome nem forma, então estes dois
desaparecerão por conta própria. Nenhum outro esforço é necessário. Japa ou dhyana o
levarão a isto naturalmente. O que agora se pensa que é o método, ou seja, japa, se verá
que também é a meta. Nome e Deus não são diferentes. Isto se mostra claramente nos
ensinamentos de Namdev:
1) O nome impregna densamente tanto o céu como as regiões mais baixas e a todo o
universo. Quem poderá dizer a que profundidade se estende, nas regiões inferiores e a
que alturas alcança nos céus? As pessoas ignorantes passam por 84 lakhs (8,4 milhões)
de espécies em seus nascimentos, sem conhecer a essência das coisas. Namdev diz que
o nome é imortal. As formas são inumeráveis, mas o nome é tudo isso.
P. Quanto tempo devo fazer japa? Devo também concentrar-me, ao mesmo tempo,
sobre uma imagem de Deus?
Japa é mais importante que a forma externa. Deve realizar-se até que se torne
natural. Começa com esforço e se continua até que ela aconteça por si mesma. Quando
já se tornou natural, é chamada realização.
Japa se pode fazer ainda quando realizamos outro tipo de trabalho. Aquilo que
é, é a única realidade. Pode ser representado por meio de uma forma, por japa, mantra,
vichara ou qualquer esforço que se faça para tratar de chegar à realidade. Tudo isto, ao
final, se resolve naquela única realidade. Bhakti, vichara e japa são somente diferentes
formas de nossos esforços para separar o irreal. A irrealidade atualmente é uma
obsessão, mas nossa natureza real é a realidade. Estamos equivocadamente insistindo
no irreal, ou seja, no apego, nos pensamentos e atividades mundanas. Quando
cessarem, a verdade será revelada. Nossos esforços consistem em separar tudo isto,
pensando somente na realidade. Ainda que seja nossa natureza real, parece que estamos
pensando sobre ela enquanto fazemos as práticas. O que realmente estamos fazendo é
removendo os obstáculos para que se revele nosso ser real.
Não é preciso estudar as escrituras para conhecer o Ser, assim como um homem
não necessita um espelho para se conhecer. Todo conhecimento deve ser deixado, no
fim, como não-ser. As tarefas do lar ou o cuidado com as crianças não são
necessariamente um obstáculo. Se não pode fazer outra coisa, pelo menos continue
dizendo ‘eu-eu’ a si mesma, mentalmente, como se recomenda em “Quem sou eu?
“…se alguém pensa incessantemente ‘eu, eu’ esse pensamento o levará até esse estado
(o Ser)”. Continue repetindo-o, não importa que tarefa esteja realizando, se está
sentada, de pé ou caminhando. “Eu” é o nome de Deus. É o primeiro e o melhor
mantra. Até Om está em segundo lugar.
P. Para controlar a mente, qual dos dois é melhor, dizer japa do ajapa (o que não
se fala) como um mantra ou o omkar (o som Om) é melhor?
Qual é a sua idéia acerca do japa não falado e involuntário (ajapa)? Será ajapa
se continua repetindo com a boca “soham, soham” (Eu sou Ele”)? Ajapa, na verdade,
quer dizer que se conhece o japa que se realiza involuntariamente, sem que ele siga
com a voz. Sem saber qual é o significado real, as pessoas crêem que se trata de repetir
vocalmente as palavras ‘soham, soham’ centenas de milhares de vezes, contando-as
com dedos num rosário.
Quem disse que não há benefício? Este tipo de japa será à maneira de chitta
suddhi (purificar a mente). Ao realizar japa repetidamente, o esforço irá amadurecendo
e, cedo ou tarde, o levará ao caminho correto. Bom ou mal, o que se faz nunca se perde.
Só se pode mencionar as diferenças, os méritos e deméritos de cada um, levando em
conta o desenvolvimento da pessoa em questão.
Japa oral consiste em sons. Os sons surgem de pensamentos, pois temos que
pensar antes que o pensamento possa se expressar em palavras. Os pensamentos
formam a mente. Portanto, japa mental é melhor que japa oral.
Quando o japa se torna mental, que utilidade pode ter os sons? Ao se tornar
mental, o japa se converte em contemplação. Dhyana, a contemplação e japa mental,
são o mesmo. Quando os pensamentos já não são promíscuos e um só pensamento
prevalece, excluindo todos os demais, a isto se denomina contemplação. O objetivo de
japa ou dhyana é o de excluir os pensamentos diversos e restringir a atividade mental a
um só pensamento. Ao final, esse pensamento único também desaparece em sua fonte,
a consciência absoluta, ou seja, o Ser. A mente se dedica ao japa e logo submerge em
sua própria fonte.
Onde está o cérebro? Está no corpo. Eu digo que o próprio corpo é uma
projeção da mente. Você fala do cérebro quando pensa no corpo. A mente é quem cria
o corpo e o cérebro dentro dele e também assegura que o cérebro seja o centro do
corpo.
P. Sri Bhagavan disse que japa deve ser seguido até sua fonte. Com isto quer dizer
a mente?
Por que não? Você tem um nome ao qual responde. Mas seu corpo não nasceu
com este nome escrito nele, nem disse a ninguém que tinha este nome. Então lhe deram
um nome e você responde a esse nome porque se identifica com ele. O nome, portanto,
significa algo e não é mera ficção. Do mesmo modo, o nome de Deus tem efeito. Sua
repetição é uma recordação do que quer dizer, portanto tem mérito.
P. Quando faço japa por uma hora ou mais, caio num estado como o sono. Ao
despertar, me lembro que o japa foi interrompido e começo de novo.
“Estado como o sono”, foi bem falado. É o estado natural. Como agora você se
associa com o ego, considera que o estado natural é algo que interrompe seu trabalho.
Tem que repetir, portanto, a experiência, até que se dê conta de que é seu estado
natural. Então descobrirá que japa é externo, mas continuará automaticamente. Sua
dúvida atual provém de uma identidade falsa, a qual se identifica com sua mente, que
está fazendo japa. Japa quer dizer que se aferra a um só pensamento e exclui todos os
demais. Esse é seu propósito. Leva até dhyana, que termina na realização do eu ou japa.
Não. Deve-se estar preparado e iniciado nestes mantras. Isto se ilustra com uma
história do rei e seu discípulo. O rei visitou seu primeiro ministro em sua residência.
Informaram-lhe que o ministro estava ocupado repetindo sílabas sagradas. O rei
esperou e, ao vê-lo, lhe perguntou qual era o mantra. O ministro lhe disse que era o
mais sagrado, o Gayatri. O rei comentou que queria ser iniciado pelo ministro, mas este
lhe disse que era impossível iniciá-lo.
O rei procurou então outra pessoa para receber o mantra e depois foi ver o
ministro novamente e lhe perguntou se estava correto. O ministro lhe disse que estava
correto, mas que ele não deveria repeti-lo. Quando o rei perguntou por que, o ministro
disse a um guarda que estava ao lado que prendesse o rei. O guarda não obedeceu a
ordem. Repetiu de novo a ordem, sem ser obedecido. O rei então se zangou e mandou o
guarda prender o ministro e imediatamente o guarda o prendeu. O ministro riu e disse
que o incidente era a explicação que o rei havia pedido. “Por quê?”, perguntou o rei. O
ministro respondeu: “A ordem foi a mesma e o executor também, mas a autoridade foi
diferente. Quando eu ordenei, não houve efeito, enquanto que quando você deu a
ordem, houve um efeito imediato. Assim acontece com os mantras.”
A VIDA NO MUNDO
2) Grihastha (a vida de casado e com família) - Ao concluir seus estudos, é usual que
o aspirante se case e desempenhe seu trabalho e seus deveres familiares
conscienciosamente, sem estar, porém, identificado com tudo isto.
A única mudança física que chegou a aprovar foi na questão da dieta. Aceitava
a teoria hindu predominante sobre a dieta, a qual assume que o tipo de alimento que a
pessoa consome afeta a quantidade e qualidade dos pensamentos, pelo que
recomendava que se tomassem porções moderadas de comida vegetariana como o
melhor apoio para a prática espiritual.
A teoria hindu que Sri Ramana apoiava classifica aos distintos alimentos de
acordo com os estados mentais que induzem:
P. Sinto que posso abandonar meu serviço e vir ficar constantemente com
Bhagavan.
Bhagavan sempre está com você, em você e você mesmo é Bhagavan. Para
chegar a esta realização não é necessário deixar o trabalho ou abandonar seu lar. A
renúncia não implica um aparente abandono de costumes, laços familiares, lar, etc, mas
sim a renuncia dos desejos, afetos e apegos. Não há necessidade de deixar o trabalho,
mas sim de colocar-se nas mãos de Deus. Ele leva a carga de tudo.
Aquele que renuncia, de fato, a seus desejos se funde com o mundo e seu amor
se amplia para todo o universo. A expansão de amor e afeto é a melhor medida do
verdadeiro devoto de Deus, mais do que a renúncia, pois o que renuncia aos laços
imediatos estende seu afeto e amor a um mundo mais amplo, além dos limites de casta,
religiões e raças. Um sannyasi que aparentemente deixa sua indumentária e abandona o
lar não o faz para fugir de suas relações imediatas, mas porque seu amor se expandiu a
todos que o rodeiam. Quando tal expansão chega, a pessoa não sente que está
escapando do seu lar mas sim que cai como fruto maduro de uma árvore. Até este
ponto seria bobagem abandonar o trabalho ou o lar.
Por que você pensa que é um grihashta? O mesmo tipo de pensamento de que é
um sannyasi lhe aparecerá também se você andar como um sannyasi. Mesmo que
continue no lar ou renuncie a tudo e vá para um bosque, sua mente o seguirá. O ego é a
fonte de todos os pensamentos. Cria o corpo e o mundo e o faz pensar que você é um
grihashta. Se você renuncia, só substitui o pensamento de sannyasa pelo de grihashta e
o bosque pelo lar. Mas os obstáculos mentais sempre estão com você. E, no novo
ambiente, vão se incrementar ainda mais. O único obstáculo é a mente, a qual se deve
vencer, seja no lar ou no bosque. Se ela pode ser vencida no bosque, por que não no
lar? Portanto, para que mudar de lugar? Agora mesmo você pode fazer esforços, seja
qual for a sua circunstância.
Atender o Ser quer dizer que se atende o trabalho. Dado que se está identificado
com o corpo, você acredita que está realizando o trabalho. Mas o corpo e suas
atividades, incluindo o trabalho, não estão separados do Ser. O que importa se você põe
atenção no trabalho ou não? Quando você caminha de um lugar para outro não põe
atenção em cada passo, mas, no final, vê que chegou a seu destino. Veja como o
trabalho de caminhar se atende sozinho, sem que você lhe preste atenção. Da mesma
maneira acontecerá com o outro tipo de trabalho.
P. Pode-se dizer que todas nossas ações são corretas quando mantemos a
lembrança do Ser?
Deveriam ser. No entanto, uma pessoa assim não se preocupa se seus atos são
corretos ou não. Seus atos são de Deus e portanto são corretos.
P. Como posso manter minha mente quieta se tenho que usa-la mais do que as
outras pessoas? Quero ir a um lugar solitário e renunciar a meu trabalho de diretor de
escola.
Não. Você pode ficar onde está e continuar com seu trabalho. Qual é a corrente
que vivifica a mente, que lhe dá a capacidade para fazer todo este trabalho? É o Ser.
Essa é a fonte real de sua atividade. Simplesmente tome consciência dela durante o
trabalho e não a esqueça. Contemple no fundo de sua mente enquanto trabalha. Não se
apresse para fazer isto. Mantenha viva a recordação de sua verdadeira natureza, ainda
quando trabalha e não se apresse, pois isto faz que se esqueça de si mesmo. Atue
deliberadamente. Pratique a meditação para aquietar a mente e assim poderá estar
consciente de sua relação com o Ser, que é seu ponto de apoio. Não imagine que você
está realizando o trabalho. Pense que é a corrente subjacente que o está realizando.
Identifique-se com esta corrente. Se trabalha sem apressar-se, recolhendo-se sobre si
mesmo, seu trabalho ou serviço não será um obstáculo.
Quem disse que não é útil? Só que tudo isto não acontece por sua vontade,
enquanto que dirigir a mente para dentro sim, lhe compete. Muita gente deseja sair em
peregrinação ou obter sat-sanga mas, por acaso, todos o conseguem?
Se você quer ver o fundamental, deve indagar quem você é e ver quem é que
tem liberdade ou destino. Quem é você e como obteve este corpo que tem estas
limitações?
Sim. O trabalho que se realiza com apego é um entrave enquanto que o trabalho
que se faz com desapego não afeta ao ator. O que trabalhou desta maneira, ainda em
meio ao trabalho, está em solidão.
P. Como é possível que se consiga o cessar das atividades (nivritti) e a paz mental
em meio aos deveres caseiros, que estão constituídos por uma atividade constante?
Sim, porque são rajásicos (mentalmente superativos) e sua energia está voltada
para fora. Deve-se permanecer quieto, no interior de si mesmo, sem se esquecer do Ser.
Então se pode continuar externamente com a atividade. Por acaso um homem que
representa o papel de uma mulher numa obra de teatro se esquece que é um homem?
Da mesma maneira, nós devemos representar nosso papel no cenário da vida, mas sem
nos identificarmos com ele.
Por acaso você se livrou da sua? Mantenha sua indagação sobre o eu. A força
que aparecerá em você crescerá sobre os outros também.
P. Mas eu posso ajudar os outros com seus problemas, com suas dificuldades?
Para que falar dos outros se só existe um? Trate de realizar que não há um ‘eu’,
um ‘você’, um ‘ele’, mas somente o Ser, que é tudo. Se você acredita nos problemas
dos outros, está acreditando em algo que existe a parte do Ser. Você será mais útil ao
realizar a unidade de tudo, em lugar de realizar ações externas.
Para que serve isso? Se existe na mente, que utilidade pode ter forçar as pessoas
a abstenção?
Mesmo que os tenha feito, não importa, desde que não pense depois que os fez.
O Ser não está consciente de nenhum pecado e a renúncia ao sexo é algo interno, não
somente do corpo.
Você é sempre puro. São seus sentidos e o corpo que o tentam e você confunde
com o Ser verdadeiro. Em primeiro lugar, conheça quem é que sofre a tentação e quem
está ali para que a tentação o afete. Mas, ainda que cometa adultério, não pense nisso
depois, porque você mesmo é puro sempre. Você não é o pecador.
Isto se consegue ao descartar a idéia falsa de que o corpo é o Ser. Não há sexo
no Ser. Seja o Ser e então não terá problemas sexuais.
Sim , mas será temporário. O jejum mental é a ajuda principal. O jejum não é a
meta em si. Tem de haver desenvolvimento espiritual simultaneamente. O jejum total
leva a uma mente demasiado débil. A busca espiritual deve manter-se através do jejum,
se é que se pode lograr algum benefício espiritual.
Há diferentes teorias sobre o tempo que um sadhaka deve dormir e quanto deve
comer. Uns dizem que é benéfico deitar-se as 22:00 e levantar-se às 02:00. Isso quer
dizer que quatro horas de sono deveriam ser suficientes. Outros dizem que quatro horas
não são suficientes, mas que devem ser seis horas de sono. Tudo isto quer dizer que
tanto o dormir como o comer não devem ser feitos em excesso. Se quiser evitar algum
dos dois completamente, sua mente estará dirigida a isto. Portanto, o sadhaka deve
fazer tudo com moderação.
Não há problema em se comer três ou quatro vezes por dia. Mas não diga
“quero este tipo de alimento e não este outro.” Por outro lado, você come durante o
tempo que está desperto e não come durante as horas em que dorme. Acaso o sono leva
você a mukti? É errado pensar que o simples fato de deixar a atividade o levará a
mukti.
P. Nós europeus estamos acostumados a certo tipo de dieta e uma mudança nos
afeta a saúde e debilita a mente. Não é necessário que nos mantenhamos sãos?
Claro que sim. Quanto mais débil se torna o corpo mais desatada se torna a
mente.
P. É isso mesmo! Então, é possível que nós, europeus, nos acostumemos com
alimentos sattivicos?
Não. Ele estará estabilizado e não sofrerá influência do alimento que vier a
tomar.
YOGA
1) YAMA: a conduta na vida em relação aos outros. Não mentir, não roubar, não
ocasionar danos físicos a outros, evitar a sensualidade e a avareza.
7) DHYANA: meditação.
À parte do Raja Yoga, existe outro sistema popular chamado Kundalini Yoga.
Os praticantes deste sistema se concentram sobre centros psíquicos (chakras) do corpo
para gerar um poder espiritual que eles chamam Kundalini. A meta da prática é forçar a
Kundalini para que suba por um canal psíquico (o sushumna), que corre da base da
coluna vertebral ao cérebro. O yogue kundalini acredita que quando este poder chega
ao Sahasrara (o chakra mais elevado, localizado no cérebro), dará como resultado a
realização do Ser.
Sri Ramana nunca aconselhou seus devotos para que praticassem Kundalini
Yoga, pois considerava que era potencialmente perigoso e desnecessário. Por sua vez,
aceitava que existem os chakras e um poder chamado kundalini, mas dizia que, ainda
que kundalini alcançasse o Sahasrara, não por isso se conseguiria a realização do Ser.
Ele dizia que, para alcançar a realização final, Kundalini teria que ir além do Sahasrara,
descendo por outro nadi (espécie de nervo psíquico) que chamava amritanadi (também
chamado paranadi ou jivanadi), até o centro do Coração, no lado direito do peito.
Sustentava que a indagação do eu orientaria automaticamente a kundalini ao centro do
Coração, motivo pelo qual não eram necessários outros exercícios de yoga.
“Se um aspirante não está capacitado por seu temperamento, para os dois
primeiros métodos (jnana e bhakti) ou por sua idade, para o terceiro método (raja)
então deve tentar o carma marga (o caminho do carma yoga). Seus instintos mais
elevados se tornam mais evidentes e começa a sentir um prazer impessoal. Desta
maneira o homem vai se preparando para um dos outros três caminhos.”
Sri Ramana salientava que, para ter êxito, o carma yogui deve estar livre da
noção de que ele mesmo está ajudando a outros, deve não ter apego e ser indiferente às
consequências de suas ações.
P. Yoga quer dizer união. Gostaria de saber, união de quê com o quê?
Estas etapas têm a ver com controle mental. Dito controle é mais fácil para
alguém que anteriormente tenha praticado pranayama. Portanto, o pranayama o leva às
etapas posteriores. E, já que estas etapas implicam no controle mental, pode-se dizer
que o controle mental é a meta final do yoga.
O que temos que fazer é matar a mente de uma forma ou outra. Aos que não
tem a capacidade para seguir o método da indagação, recomenda-se que adotem o
pranayama como ajuda para controlar a mente. Este pranayama é de dois tipos: o
controlar a respiração ou simplesmente observar a respiração.
P. Para controlar a respiração, não é melhor a fórmula 1-4-2 para inspirar, reter e
expirar?
Por acaso há alguém que não tenha kundalini shakti? Conhecer a verdadeira
natureza desse shakti se chama akhandakara vritti (consciência sem interrupção) ou
seja, aham sphurana (o fluir do “Eu”). O kundalini shakti está ali para todo mundo, seja
qual for seu caminho. Só há uma diferença nos termos.
P. Dizem que o shakti se manifesta em cinco fases, em dez fases, em cem fases e
até em mil fases. O que é correto?
O shakti só tem uma fase. Manifesta-se em diversas fases, mas isto é só uma
maneira de expressar-se. O shakti é único.
P. O jnani só pode ajudar os que seguem seu caminho ou também podem ajudar
aos que seguem caminhos diferentes, como o do yoga?
Sem dúvida pode ajudar. Pode ajudar a todos, não importa o caminho que
estejam seguindo. É algo similar a este exemplo: suponhamos que há uma colina.
Haverá diversos caminhos para subi-la. Se alguém dissesse a todos que subissem pelo
caminho que ele utilizou, poderia haver alguém que não gostasse. Se a estas pessoas
fosse dito que se pode usar este caminho e que só existe este caminho, pode ser que não
lhes fosse possível chegar. Um jnani, portanto, ajuda as pessoas no caminho que estão
seguindo, não importa que caminho seja. As pessoas que estão na metade de um
caminho não podem ver os méritos ou deméritos dos outros caminhos. Mas o que
chegou ao cume e está sentado observando aos que estão subindo, pode ver todos os
caminhos. Poderá, portanto, dizer para as pessoas que estão subindo que devem ir um
pouco para a esquerda ou para a direita, para que não caiam num buraco. A meta é a
mesma para todos.
P. Como é possível dirigir o prâna, ou força vital, ao sushumna nadi, para que o
cit-jada-granthi (a identificação da consciência com o corpo) seja cortada, na forma que
se menciona no Sri Ramana Gita?
Por meio da indagação “Quem sou eu?” o yogui talvez tenha o objetivo definido
de levantar o kundalini e mandá-lo para o sushumna. O jnani talvez não tenha esta meta
específica. Mas ambos chegam aos mesmos resultados, ou seja, o de mandar a força
vital pelo sushumna e cortar o cit-jada-granthi. Kundalini é só outro nome para o atma
ou o Ser, ou o shakti. Dizemos que está dentro do corpo porque pensamos que estamos
limitados a este corpo. Mas, em realidade, está dentro e está fora, não sendo diferente
do Ser ou do shakti do Ser.
P. Como é possível agitar os nadis para que a kundalini suba pelo sushumna?
Enquanto o yogui tem seu método de controle da respiração para alcançar essa
meta, o jnani só tem o método da indagação. Quando, deste último modo, a mente
submerge no Ser, o shakti, ou kundalini, que não está a parte do Ser, sobe
automaticamente.
De fato, o corpo está na mente que, por sua vez, tem seu centro no cérebro. Os
mesmos yoguis admitem que o cérebro funciona com a luz que foi tomada de outra
fonte, segundo a teoria da fontanela. O jnani diria que, se a luz vem de algum outro
lugar, tem que ser a fonte. Vá diretamente a essa fonte e não dependa de outras coisas
externas. A fonte é o Coração, o Ser.
O Ser não vem de um local a parte para entrar no corpo pela cabeça. É como é,
sempre reluzente, sempre estável, sem movimento, sem mudança. O indivíduo se limita
aos limites do corpo mutante ou da mente, que deriva sua existência do Ser imutável.
Só o que se requer é que se solte esta identidade errônea e, quando isto ocorrer, o Ser,
sempre luminoso, será visto como a realidade que é, única e não dual.
P. Dizem que as práticas do hatha yoga são efetivas para acabar com as
enfermidades, pelo que são prescritas como passos preliminares ao jnana yoga.
Deixe que aqueles que o recomendam também o utilizem. Eu não tive esta
experiência. Todas as enfermidades desaparecerão através da indagação contínua do
Ser. Se você acreditar que a saúde do corpo é necessária para ter saúde mental, nunca
acabará de cuidar do corpo.
Cada um encontra o método que mais lhe agrada, tendo em conta as tendências
latentes.
Para que você pensa que é tudo isto? Sendo que você pensa que o Ser lhe é
externo, você o deseja e o busca. Mas, por acaso, você não existe todo o tempo? Por
que você abandona a si mesmo e anda buscando algo externo?
P. Se diz em Aparoksha Anubhuti que o hatha yoga é uma ajuda necessária para
realizar a indagação do eu.
Os hatha yoguis insistem em que é necessário manter-se em boa saúde para que
a indagação se possa efetuar sem obstáculos. Também dizem que temos que prolongar
a vida para que a indagação se realize até a sua conclusão final. Além disso, há alguns
que utilizam remédios (kayakalpa) para estes fins.
Seu exemplo favorito é que a tela tem que estar perfeita antes de começar o
quadro. Sim, mas qual é o quadro e qual é a tela? Segundo eles, o corpo é a tela e a
indagação deveria ser o quadro. Mas, por acaso, o corpo não é parte da tela, ou seja, o
Ser?
Os diversos asanas, com seus efeitos, estão mencionados nos yogas sastras.
Senta-se sobre peles de tigre, etc. As posturas são a do ‘lótus’, a ‘fácil’, etc. Para que
necessitamos tudo isto se só queremos conhecer a nós mesmos? A verdade é que o ego
surge do Ser, se confunde com o corpo, acredita que o mundo é real e depois, coberto
de uma presunção egoísta, pensa desmedidamente e procura os asanas. Uma pessoa
assim não entende que ele mesmo é o centro de tudo e forma a base de tudo.
P. O Gita parece dar ênfase ao carma yoga, pois persuade a Arjuna para que
guerreie. Sri Krishna deu como exemplo sua própria vida, cheia de atividades e grandes
conquistas.
O Gita começa dizendo que você não é o corpo e que, portanto, você não é o
ator (karta).
Carma yoga é o yoga no qual a pessoa não se atribui a função de ser o que atua.
Todas as ações acontecem automaticamente.
P. Carma yoga é, portanto, “kartritva buddhi rahita carma”, a ação sem o sentido
de ser o ator.
Sim, assim o é.
P. O Gita nos ensina que devemos ter uma vida ativa desde o princípio até o fim.
P. Se nos mantivermos quietos, como a ação pode se realizar? Onde há lugar para
o carma yoga?
Primeiro temos que entender o que é carma, de quem é o carma e quem está
realizando as ações. Ao analisar e indagar para ver a verdade, temos que nos manter no
Ser. No entanto, ainda neste estado, as ações continuarão.
Quem faz a pergunta? O Ser ou outra entidade? Concerne ao Ser alguma ação?
Por isto, é claro que ao Ser não concernem as ações e, portanto, não surge a
pergunta.
P. Isso quer dizer ‘realize o Ser’. Por acaso minha realização ajudará os outros?
Sim, é a melhor ajuda que você pode dar. Mas, na realidade, não existem
‘outros’ que você possa ajudar. O que está realizando só vê o Ser, assim como o
joalheiro vê ouro quando avalia os diferentes objetos elaborados com ouro. Quando se
identifica com o corpo, aparece o nome e a forma. Mas ao desaparecer a consciência do
corpo, o demais desaparece. O realizado não vê que o mundo seja distinto dele mesmo.
P. Não seria melhor se os santos se misturassem com as pessoas, para poder ajudá-
las?
O poder que o criou, criou também o mundo. Se ele pode cuidar de você,
também pode cuidar do mundo. Se Deus criou o mundo, é responsabilidade d’Ele ver o
que está ocorrendo e não sua.
Durante o trabalho a pessoa deve haver se rendido ante o poder superior, cuja
potência deve manter-se presente na mente e não deixar que se perca de vista. Estará
então exaltado? Não deve importar-lhe o resultado de suas ações. Só assim se torna não
egoísta.
QUINTA PARTE
EXPERIÊNCIA
SAMADHI
2) Kevala Nirvikalpa Samadhi – Esta é uma etapa prévia à realização do Ser. Neste
estado há uma consciência temporária do Ser sem esforço, mas o ego não foi eliminado
por completo. Caracteriza-se pela ausência de consciência do corpo. Se bem que haja
uma consciência temporária do Ser neste estado, não se pode receber informação
sensorial ou se operar no mundo. Quando aparece novamente a consciência do corpo, o
ego volta a funcionar.
P. O que é samadhi?
Quando a mente está imersa no Ser, mas ainda não foi destruída, a isto se chama
kevala nirvikalpa samadhi. Neste estado ainda não se está livre dos vásanas e, portanto,
não se pode alcançar mukti. A liberação só se pode obter depois que os vásanas tenham
sido destruídos.
Aferrar-se ao estado supremo é samadhi. Quando se tem que fazer com esforço,
devido às distrações mentais, chamamos savikapa. Quando as distrações estão ausentes,
chamamos nirvikalpa. O estado permanentemente no estado primário, sem esforço, isso
é sahaja.
P. Por acaso é absolutamente necessário ter nirvikalpa samadhi antes de se
conseguir sahaja?
P. Por acaso o samadhi do oitavo passo do raja yoga é o mesmo do que você fala?
P. Que diferença há entre o sono profundo, laya (um estado como de transe, no
qual a mente está temporariamente quieta) e o samadhi?
No sono profundo a mente se funde mas não foi destruída. Também pode
acontecer durante a meditação. Mas a mente que foi destruída não pode reaparecer. A
meta do yogui deve ser destruí-la e submergir em laya. Durante a paz da meditação, às
vezes laya chega a acontecer, mas isto não é suficiente. Deve ser complementado com
outras práticas para que se consiga destruir a mente. Algumas pessoas tem entrado em
samadhi yóguico com um pequeno pensamento e depois de despertar de um longo
período, ali está este pensamento. Podem haver passado gerações pelo mundo. Esse
yogui não destruiu a mente. A destruição verdadeira da mente é quando não se
reconhece que se está a parte do Ser. Agora mesmo, não existe a mente. Dê-se conta
disso. Como fazê-lo, senão em meio das atividades que estão acontecendo
automaticamente? Conheça que a mente que está promovendo estas ações não é real,
mas sim só um fantasma que surge do Ser. Assim se destrói a mente.
Não existe o subir e descer; o que sobe e abaixa não é real. Durante kevala
nirvikalpa o balde mental está sob a água e pode ser retirado a qualquer momento.
Sahaja é como quando o rio já se fundiu no mar, do qual não se volta. Por que você faz
todas estas perguntas? Continue praticando até que você mesmo tenha esta experiência.
P. Para que serve o samadhi? Por acaso neste estado haverá pensamentos?
A claridade tranquila, que não tem agitação mental, só isto é o samadhi, que é a
base da liberação. Ao tentar honestamente destruir a agitação mental que agonia, a
experiência de samadhi, como uma consciência de paz, que é a claridade interior, se
experimentará.
Necessita-se uma forte convicção de ‘eu sou o Ser’, que transcende a mente e os
fenômenos.
P. A mente, no entanto, é um obstáculo que não cede e que impede todo o esforço
por submergir-se no Ser.
As pessoas têm todo tipo de noções sobre o nirvikalpa. Por que você fala de
Romain Rolland? Se aqueles que têm a sua disposição toda a tradição dos Upanishads e
a tradição vedântica têm idéias fantásticas sobre nirvikalpa, quem pode criticar a um
ocidental por ter idéias similares? Alguns yoguis, através de exercícios de respiração,
caem num estado cataléptico mais intenso que o sono profundo, no qual não se tem
consciência de coisa alguma, de absolutamente nada e o glorificam como nirvikalpa.
Outros pensam que, uma vez que entram em nirvikalpa, convertem-se em outro ser.
Outros ainda, pensam que nirvikalpa só se pode lograr ao se entrar num transe no qual
a consciência do mundo se acaba por completo, como num desmaio. Tudo isto
acontece pelo fato de se examinar a questão pelo ponto de vista intelectual.
Nirvikalpa é chit, a consciência sem esforço, sem forma. Onde está o terror,
onde está o mistério, se só se busca a si mesmo? Para alguns indivíduos cujas mentes se
tornaram maduras depois de longas práticas no passado, nirvikalpa chega de repente,
como uma inundação, mas para outros vem durante sua prática espiritual, a qual está
acabando lentamente com os pensamentos que causam obstrução e revela a tela de
consciência pura, “Eu-Eu”. Ao continuar a prática, a tela se revela permanentemente.
Isto é a realização do Ser, mukti ou sahaja samadhi, o estado natural sem esforço. A
mera não percepção das diferenças externas (vikalpas) não é a natureza verdadeira de
nirvikalpa. Saiba que o verdadeiro nirvikalpa é o não surgimento de diferenças na
mente morta.
Para poder mostrar os siddhis, deve haver alguém para quem mostrá-los. Isso
quer dizer que não há jnana naquele que os mostra. Por isso, não vale a pena dedicar
aos siddhis nem um só pensamento. Só se deve buscar e alcançar jnana.
E quem falou que não é assim? Isto é mencionado em todos os textos antigos.
Mas será o verdadeiro samadhi só quando se conhece o próprio ser. O que adianta estar
sentado imóvel, como um objeto sem vida? Suponhamos que lhe saia um tumor na mão
e você seja operado, tomando anestesia. Não sente dor por um tempo. Mas isto quer
dizer que você esteve em samadhi? É o mesmo com o outro caso. Devemos saber o que
é o samadhi. E como podemos saber sem conhecer o Ser? E se conhecemos o Ser,
conheceremos automaticamente o samadhi.
Você menciona uma visão de Shiva. As visões são sempre de um objeto. Isto
implica que existe um sujeito. O valor da visão é o mesmo de quem a vê. Isso quer
dizer que a natureza da visão está no mesmo plano que a do vidente. A aparição
implica no desaparecimento. Uma visão nunca pode ser eterna. Mas Shiva é eterno.
A visão implica em alguém que a vê. O que a vê não pode negar a existência do
Ser. Não há um só momento em que o Ser, como consciência, deixe de existir. Aquele
que vê tudo isto não pode permanecer separado da consciência. Esta consciência é o
Ser eterno e o único que existe. O que vê não pode ver-se a si mesmo. Por acaso você
duvida da sua existência porque não se pode ver com os olhos, como faz durante uma
visão? Não; assim, pois, pratyaksha (experiência direta) não quer dizer ver mas sim ser.
Ser é realizar-se. Portanto “Eu Sou o Que Sou”. “Eu Sou” é Shiva. Nada pode
existir sem Ele. Tudo tem sua existência devido a Shiva e por causa de Shiva.
P. Gostaria de ter sakshatkara (realização direta) de Sri Krishna. O que posso fazer
para conseguir?
Qual é a sua idéia sobre Sri Krishna e o que você quer dizer com o termo
sakshatkara?
P. Quero dizer com Sri Krishna, o personagem que viveu em Brindavan e quero
vê-lo como o viam suas gopis (mulheres devotas).
Bom, você crê que Ele é um humano, ou alguém em forma humana, filho de tal
e tal, enquanto que Ele disse: “Eu estou no Coração de todos os seres. Eu sou o
princípio, o meio e o fim de todas as formas de vida.” Deve estar no seu interior, como
está no interior de todos. Ele é o seu ser, ou seja, o Ser do seu ser. Portanto, se você vê
a esta entidade (o Ser) ou recebe sakshatkara dela, obterá sakshatkara de Krishna. A
realização direta do Ser e a realização direta de Krishna não podem ser diferentes.
Enfim, para poder seguir o caminho que você quer, se entregue completamente a
Krishna e deixe que Ele lhe dê a saksahtkara que você quer.
Se podemos falar uns com os outros, por que não falar com Iswara da mesma
maneira?
P. Por acaso Deus se tornará evidente, se existirem estas condições que você
mencionou?
Estas manifestações são tão certas como sua própria realidade. Em outras
palavras, se você se identifica com seu corpo, no estado de vigília, vê objetos
grosseiros. Quando está no corpo sutil ou no plano mental durante o sonho, vê objetos
igualmente sutis. Com a ausência de identificações durante o sono profundo, você não
vê nada. Os objetos que se vê tem relação com o estado do que as vê. O mesmo se
aplica às visões de Deus.
O que é a realização? Por acaso é ver Deus com quatro mãos, sustentando uma
concha, uma roda e um garrote? Ainda assim, se Deus aparece desta forma, como vai
dissipar a ignorância de seu discípulo? A verdade deve ser a realização eterna. A
percepção direta é a experiência sempre presente.
Deus é conhecido mesmo quando é percebido diretamente. Não quer dizer que
aparece ao devoto numa forma particular. Só a realização eterna será útil. Por acaso a
aparição de Deus com quatro mãos pode ser a realização eterna? É fenomênica e
ilusória. Deve haver alguém que a veja. Somente o que vê é real e eterno.
Deixe que Deus apareça como a luz de um milhão de sóis. Por acaso isso é
pratyakasha (experiência direta)? Para ter uma visão de Deus são precisos os olhos e a
mente. É um conhecimento indireto, enquanto que quem realmente vê tem uma
experiência direta. Só o que vê é pratyakasha.
Claro que sim. Pode estar seguro que existem. Ali também você encontrará um
swami como eu, sentado num sofá, com discípulos ao seu redor. Perguntarão algo e ele
lhes responderá. Tudo será mais ou menos igual aqui. Para que tudo isto? Se alguém vê
Chandraloka pedirá para ver Indraloka e depois de Indraloka a Vaikuntha e assim a
mente segue vagando. Onde está shanti (a paz)? Se você quer shanti, a única forma
adequada de conseguí-la é através da indagação do eu. Através desta indagação pode-se
chegar à realização do Ser. Realizando o Ser podemos ver todos estes mundos dentro
do nosso próprio ser. A fonte de tudo isso é o Ser de si mesmo e se a pessoa realiza este
Ser não poderá encontrar coisa alguma que seja diferente do Ser. Então, todas estas
perguntas não surgirão. Pode ser que exista ou não um Vaikuntha ou Kailash mas é
certo que você está aqui, ou não é assim? Como está aqui? Onde está você? Depois de
conhecer isto, poderá pensar sobre outros mundos.
O que Brahman ou o Ser é não valoriza estes siddhis. Patanjali mesmo diz que
são um exercício mental e que impedem a realização do Ser.
O siddhi mais elevado é a realização do Ser, pois uma vez que você tenha
realizado a verdade, deixa de ser atraído pelo caminho da ignorância.
P. Pode-se dizer que o sábio utiliza poderes ocultos para ajudar os outros a
realizarem o Ser?
Ainda que se diga que os siddhis são diversos e diferentes, só o jnana é o siddhi
mais elevado, porque os que alcançaram os outros siddhis desejam obter jnana. Os que
alcançaram jnana não querem os outros siddhis. Aspire, portanto, somente a obter
jnana.
Mesmo que a aqueles que não os possuem, lhes pareça que todos os poderes são
maravilhosos, na verdade são apenas transitórios. É inútil buscar o que é transitório.
Todas estas maravilhas estão contidas no Ser que nunca muda.
Mendigar, com cobiça, a Deus, que é tudo, pelos diversos poderes ocultos,
quando Ele nos oferece a si mesmo plenamente, é como andar mendigando por um
prato de aveia rançosa a um filantropo generoso, que nos dá de tudo.
P. Estive interessado pela metafísica por mais de vinte anos, mas não tive
nenhuma experiência interessante, como muita gente afirma ter experimentado. Não
tenho poderes de clarividência, clariaudiência, etc. A única coisa que eu sinto é que
estou preso dentro deste corpo.
Assim é. A realidade é única e é o Ser. Tudo mais são fenômenos dentro do Ser,
que existem por causa do Ser. Aquele que vê, os objetos vistos e a capacidade de ver,
são todos do Ser. Pode alguém ver ou escutar deixando o Ser de lado? Que diferença há
entre poder ver ou escutar alguém de perto ou de um grau de distância? Em ambos os
casos precisamos dos órgãos da vista, do ouvido e também se requer a mente. Não se
pode prescindir deles, há uma dependência deles. Portanto, que atração pode ter a
clarividência e a clariaudiência? Além disso, em última instância, o que se adquire se
perderá. Nunca poderão ser permanentes.
Além do mais, para que servem estes poderes? O que pretende converter-se em
ocultista mostrará seus siddhis para que os outros os apreciem. Busca a admiração e, se
não a consegue, não estará contente. Deve haver outros para admirá-lo. Também pode
ser que se encontre alguém que tenha poderes maiores que os seus. Isto causará inveja
e maior infelicidade.
PROBLEMAS E EXPERIÊNCIAS
Sri Ramana tratava de não dar muita importância à maioria das experiências
espirituais e se usualmente as comentava, insistia em que era mais importante estar
consciente de que se está tendo a experiência do que envolver-se nelas ou analisá-las.
Às vezes dava explicações e em outras as avaliava, assinalando se eram de algum
benefício ou se eram prejudiciais à consciência do Ser. No entanto, em geral, dissuadia
qualquer interesse que se mostrasse nelas.
Você menciona ‘do lado de fora’ para quem está fora ou para quem está dentro?
Isso só pode existir enquanto exista o sujeito e o objeto. A quem aparecem estes dois?
Ao indagar, verá que tudo isto se resolve só no sujeito. Veja quem é o sujeito e esta
indagação o levará à consciência pura, além do sujeito.
Você disse ‘ser normal’; o ser normal é a mente. A mente tem limitações. Mas a
consciência pura está além das limitações e é alcançada pela indagação do ‘eu’.
Você disse ‘obter’; o Ser está sempre ali. Você só tem que remover o véu que
obstrui a revelação do Ser.
Você disse ‘reter’; uma vez que tenha realizado o Ser, isto se torna sua
experiência direta e imediata. Nunca se perde.
Você disse ‘estender’. Não se pode estender o Ser, pois é como sempre é, sem
contração nem expansão.
Você disse ‘retiro’. O manter-se no Ser é a solidão, porque não existe coisa
alguma que esteja separada do Ser. O retiro deve ocorrer de um local para outro. Não
há um nem outro a parte do Ser. Como tudo é o Ser, o retiro é impossível e
inconcebível.
P. Há momentos nos quais as pessoas e os objetos tomam uma forma vaga, quase
transparente, como se fosse um sonho. As deixamos de observá-las de fora, ainda
estando passivamente conscientes de sua existência e, ao mesmo tempo, sem estarmos
conscientes da existência corporal. Há uma grande quietude da mente. A mente está
pronta, nestas ocasiões, para submergir-se no Ser? Ou é uma condição doentia, como
resultado da auto-hipnose? Esta condição deve ser buscada para se obter uma paz
temporária?
O gozo é algo que está ali sempre e não algo que vai e vem. O que vai e vem é
uma criação da mente e não deve lhe causar preocupações.
Você admite que estava ali tanto quanto ocorreu o gozo como quando não.
Chega-se a realizar este “Eu” realmente, as experiências não o afetarão.
P. Para que haja gozo deve haver algo ao qual devemos nos aferrar, não é?
A dualidade tem que existir se você vai aferrar-se a outra coisa, mas o que
existe é somente o Ser e não a dualidade. Portanto, quem vai aferrar-se ao que? E, o
que é que vai se aferrar?
P. Quando chego à etapa de não ter pensamentos durante meu sadhana, tenho certo
prazer, mas às vezes sinto medo, um tanto vago, que não posso descrever.
Você pode experimentar qualquer coisa e não ficar satisfeito com isso. Se sente
prazer ou medo, pergunte-se quem está sentindo o prazer ou o medo e continue seu
sadhana até que o prazer e o medo tenham sido transcendidos, até que toda dualidade
cesse, até que só a realidade permaneça. Não há nada de mal que aconteça este tipo de
coisas ou que as experimente, mas você nunca deve se deter por aí. Por exemplo, nunca
se deve contentar com o prazer de laya (quietude temporária da mente) que se
experimenta quando os pensamentos se aquietam, mas sim se deve continuar até que
toda dualidade tenha se acabado.
P. Como podemos nos desfazer do medo?
Quando lhe vem este medo? Por acaso vem quando você não vê o seu corpo,
como no sono profundo? Ele o persegue só quando você está ‘desperto’ e percebe o
mundo, incluindo o seu corpo. Se você não vê tudo isto e se mantém como o Ser puro,
como no sono profundo, nenhum medo lhe pode tocar.
Se você vê que o medo está no objeto e sua perda é o que dá o medo, verá que o
objeto não é o corpo, mas a mente que funciona dentro dele. Muitas pessoas teriam
grande satisfação de desfazer-se de seu corpo, cheio de doenças e com todos os tipos de
problemas e inconvenientes que cria, se lhe assegurassem uma consciência contínua. É
a consciência, a presença e não o corpo, o que teme perder. Os homens amam a
existência porque é a consciência eterna, o que é o próprio Ser. Por que não manter-se
só com essa consciência desde já, enquanto estamos no corpo e desfazer-se de todo o
medo?
Uma vez que tem dormido, não pode fazer nada neste estado. Mas enquanto
está desperto, trate de descartar todos os pensamentos. Por que se preocupa com o
sono? Mesmo isso é um pensamento. Se puder manter-se sem um só pensamento
enquanto estiver desperto, será suficiente. Quando dormir, o estado em que estiver
antes de dormir continuará ao despertar. Continuará da onde ficou ao chegar o sono.
Enquanto houver pensamentos sobre alguma atividade, também haverá sono. Os
pensamentos e o sono são a contraparte da mesma coisa.
P. Pelo que foi dito, não devemos tratar de estender os estados de gozo ou êxtase?
P. Estou fazendo sadhana há vinte anos e não vejo progresso. O que devo fazer?
Desde aproximadamente às cinco da manhã me concentro sobre o pensamento de que
só o Ser é real e que tudo o mais é irreal. Apesar de estar fazendo isso há vinte anos,
não posso concentrar-me por mais de 2 ou 3 minutos sem que a mente divague.
Não há nenhuma outra maneira de ter êxito além de subtrair a mente cada vez
que se externaliza, fixando-a novamente no Ser. Não há necessidade de meditação ou
de mantra, japa ou qualquer outra coisa, porque isto é nossa verdadeira natureza. A
única coisa necessária é deixar de pensar em objetos que não sejam o Ser. A meditação
não é tanto o pensar sobre o Ser mas sim o deixar de pensar no não-Ser. Quando se
deixa de pensar nos objetos externos e se previne a mente para não ir para fora, ao
voltá-la para dentro e fixá-la no Ser, só o Ser restará.
P. Por que não é possível voltar a mente para dentro, mesmo depois de tentar
repetidamente?
P. Tem algum efeito tanto as atividades quanto as circunstâncias nas quais nos
encontramos?
Isto não tem influência. Só o sentido de atuar (kartritva buddhi) é o que forma o
impedimento.
P. Minha mente fica clara por dois ou três dias e logo se torna pesada durante os
próximos dois ou três, e assim vai se alternando. A que se deve isto?
P. Algumas vezes um homem descobre que o corpo físico não lhe permite uma
meditação contínua. Deverá praticar o yoga para treinar o corpo para este propósito?
Isto depende dos samskaras de cada um. Um homem praticará hatha yoga para
curar-se dos males físicos, outra colocará sua fé em Deus para que o cure, um terceiro
usará sua força de vontade e um quarto estará totalmente indiferente a eles. Mas todos
continuarão com a meditação. A busca do Ser é o fator essencial e todo o resto é
meramente acessório.
O que é isso de ‘às 24 horas’? É um conceito. Toda pergunta que você faz
surgiu de um pensamento.
Quando surgir um pensamento, não deixe que ele o arraste. Você se dá conta do
corpo quando esquece do Ser. Mas, pode mesmo esquecer o Ser? Sendo você o Ser,
como pode esquecer-se? Deve haver dois seres para que um se esqueça do outro. É
absurdo. O Ser não se deprime nem é imperfeito. Sempre está feliz. O sentimento
contrário é só um pensamento. Deixe os pensamentos. Para que você quer meditar? Já
que você é o Ser, sempre está realizado. Apenas mantenha-se livre de todo pensamento.
Você pensa que sua saúde não lhe permite meditar. Deve investigar de onde
surge esta depressão. A origem é a identificação equivocada do corpo com o Ser. A
enfermidade não é do Ser mas sim do corpo. Mas o corpo vem e diz para você que está
possuído por dita enfermidade? Você é quem o diz. Por quê? Porque se identificou
erroneamente com o corpo. O próprio corpo é um pensamento. Seja o que você
realmente é. Não há razão para estar deprimido.
P. Dizem que a pessoa que medita tem outras doenças mas eu sinto dor nas
espáduas e no peito. Dizem que isto é uma prova de Deus. Bhagavan pode me dar uma
explicação e dizer se isto é verdade?
Não há um Bhagavan fora de você e, portanto, não há uma prova que lhe
imponham. O que você acredita que é uma prova ou uma nova doença resultante de
suas práticas espirituais é realmente o esforço de seus nervos e dos cinco sentidos. Até
agora, a mente estava operando pelos nadis na direção dos objetos externos e mantinha
uma conexão entre ela e os órgãos da percepção. Agora se requer a separação desta
conexão e esta ação de separar-se naturalmente requer um esforço, um estiramento ou
torcedura, que é acompanhado de dor. Alguns o chamam enfermidade e outros uma
prova de Deus. Todas as dores desaparecerão ao continuar com a meditação,
dedicando-se somente a compreender seu ser. Não há maior remédio do que esse yoga
contínuo ou união com Deus ou o Atman. A dor é inevitável ao ir-se descartando os
vásanas, que você teve por muito tempo.
P. Qual é a melhor maneira de lidar com desejos e vásanas para livrar-se deles?
Devemos satisfazê-los ou suprimi-los?
TEORIA
Sri Ramana tinha pouco ou quase nenhum interesse sobre o lado teórico da
espiritualidade. Sua meta principal era tratar de levar as pessoas a uma consciência do
Ser e, para conseguí-lo, insistia em que a prática era mais importante do que a
especulação. Dissuadia aos que faziam perguntas teóricas, seja mantendo-se em
silêncio ou induzindo o interrogador a buscar a fonte do ‘eu’ que estava formulando a
pergunta. Ocasionalmente aceitava falar e dava exposições detalhadas sobre diversos
aspectos da filosofia, mas se seus interrogadores insistissem demais com perguntas ou
se a conversa tendesse a um intelectualismo estéril, mudava de tema e dirigia a atenção
da audiência para assuntos mais práticos.
1) Ajata Vada (teoria da não-causalidade). Esta é uma antiga doutrina hindu que
afirma que a criação do mundo nunca ocorreu. É uma negação total de toda causalidade
no mundo físico. Sri Ramana apoiava este ponto de vista ao dizer que o jnani
experimenta que nada chegou a existir ou a deixar de ser porque só existe o Ser, como
única realidade imutável. É um corolário desta teoria que o tempo, o espaço, a causa e
o efeito, todos componentes essenciais das teorias sobre a criação, só existem na mente
dos ajnanis e que a experiência do Ser revela sua inexistência.
Esta teoria não é uma negação da realidade do mundo mas meramente do processo
criativo do qual ele surgiu. Falando por experiência própria, Sri Ramana dizia que o
jnani é consciente de que o mundo é real, mas não como uma união de matéria e
energia interagindo entre si, mas sim como uma aparição sem causa no Ser. Dava
maiores detalhes dizendo que o substrato ou natureza verdadeira desta aparição é
idêntica à realidade do Ser e participa necessariamente desta realidade. Ou seja, para o
jnani o mundo não é real simplesmente porque aparece, mas sim somente porque a
natureza da aparição é inseparável do Ser.
O ajnani, por outro lado, não é consciente da natureza unitária e fonte do mundo e,
como consequência, sua mente constrói um mundo ilusório de objetos inter-
relacionados que é uma interpretação errônea das impressões sensoriais que está
recebendo. Sri Ramana salientava que este ponto de vista sobre o mundo não tem maior
realidade que um sonho, pois sobrepõe uma criação mental sobre a realidade do Ser.
Em resumo, dizia que as diferenças entre os pontos de vista de um jnani e um ajnani
são que o mundo não é real se é percebido pela mente como um conjunto de objetos
distintos e é real quando se experimenta diretamente como uma aparência sobre o Ser.
Diversos relatos são dados nos textos. Mas, há tal criação? Só se existir será
necessário dar uma explicação de como ela aconteceu. Talvez não saibamos acerca
destas teorias, mas, se sabemos que existimos por que não conhecer primeiro o ‘eu’ e
depois ver se há tal criação?
“Não existe a dissolução nem a criação; não há ninguém atado nem ninguém
seguindo práticas espirituais. Não há alguém que deseje a liberação nem nenhum
liberado. Esta é a verdade absoluta.”
P. Mas não pode ser tudo verdade. Só uma doutrina pode ser verdadeira.
Pode haver diferentes teorias sobre a criação. Todas dirigidas ao exterior. Não
haverá limite para elas dado que o tempo e o espaço são ilimitados. No entanto, estão
só na mente. Ao ver a mente, transcenderá o tempo e o espaço e realizará o Ser.
A criação se explica cientificamente ou logicamente até que se esteja satisfeito.
Mas há realmente um fim para tudo isto? Estas explicações se chamam krama-srishti
(criação gradual). Por outro lado, drishti-srishti (criação simultânea) é yugapat-srishti.
Sem o que vê, não pode haver objetos. Busque ao que vê e a criação estará nele. Para
que olhar para fora e continuar explicando os fenômenos que nunca acabam?
P. Isto me satisfaz.
Então tome todo o demais como artha vada (argumentos auxiliares) ou seja,
como exposições para pessoas ignorantes, que estão tentando chegar ao gênese das
coisas.
Por outro lado, por acaso é o mundo que vem até você e pergunta “Por que
existo? Como fui criado?” Você é que faz esta pergunta. O interrogador deve
estabelecer a relação entre ele e o mundo. Deve admitir que o mundo é somente sua
imaginação. Quem o está imaginando? Novamente, encontre o ‘eu’ e em seguida o Ser.
Ademais, todas as explicações teológicas e científicas não se harmonizam. Sua
diversidade mostra claramente que é inútil buscar explicações deste tipo. São
meramente mentais ou intelectuais e nada mais. Claro, são verdadeiras de acordo com o
ponto de vista do indivíduo. No estado de realização, não há criação. Quando se vê o
mundo, não se vê a si mesmo. Quando se vê o Ser não se vê o mundo. Veja, portanto, o
Ser e realize que não existiu criação.
P. “Brahman é real. O mundo é ilusão.” Esta é a mensagem básica de Sri
Sankaracharya. Mas outros dizem: “O mundo é uma realidade.” Qual dos dois está
certo?
P. Sri Bhagavan muitas vezes menciona que maya e realidade são a mesma coisa.
Como pode ser isto possível?
Sankara foi criticado por seus pontos de vista sobre maya, sem que fosse
realmente compreendido. Ele disse que:
1) Brahman é real.
2) O universo é irreal.
3) O universo é Brahman.
No nível do buscador espiritual, temos que dizer que o mundo é uma ilusão.
Não há outro caminho. Quando um homem não se recorda que é Brahman, que é a
realidade e que é permanente e onipresente e crê que é um corpo no universo que, por
sua vez, está cheio de outros corpos que são transitórios e atua então sob esta ilusão,
tem que ser lembrado que o mundo é irreal e é uma ilusão. Por quê? Porque sua visão,
esquecida de seu próprio ser, está vivendo no externo, no mundo material. Não se
voltará para a introspecção a menos que se insista com ele que o universo externo e
material é irreal. Quando houver realizado seu próprio ser, saberá que nada existe a
parte do Ser e poderá ver a todo o universo como Brahman. Não existe o universo sem
o Ser. Enquanto um homem não enxergar o Ser, que é a origem de tudo, mas ver
apenas o mundo externo, tomando-o como real e permanente, teremos que lhe dizer
que todo o universo externo é uma ilusão. Não há outro caminho. Por exemplo, pegue
um periódico. Vemos o que está escrito e ninguém de dá conta do papel sobre o qual
está a escrita. O papel está ali, com ou sem algo escrito nele. Aos que vêem a escrita
como a realidade, temos que dizer-lhes que é uma ilusão, dado que está impressa sobre
o papel. O sábio vê o papel e a escrita como uma unidade. Assim acontece com
Brahman e o universo.
P. O mundo, enfim, é real quando é experimentado como o Ser e irreal quando
visto como algo separado, com nomes e formas, não é assim?
O estado original deste mundo vazio, que nos aturde e está cheio de nomes e
formas, é o gozo, que é único, tal como a gema de um ovo de pavão real multicolor é
somente uma. Conheça esta verdade mantendo-se no estado do Ser.
P. Não posso dizer que tudo está claro para mim. É verdade que o mundo que é
visto, sentido e percebido de tantas formas por nós é algo assim como um sonho, uma
ilusão?
Não há outra alternativa para você além de aceitar o mundo como irreal, se é
que está buscando a verdade e só a verdade.
P. Por quê?
Pela simples razão de que, a menos que você deixe a idéia de que o mundo é
real, sua mente continuará atrás dele. Se você toma o aparente como real, nunca
encontrará o único real, mesmo que ele seja a única realidade. Isto se ilustra com a
história da serpente e da corda. Você pode ter confundido um pedaço de corda com
uma serpente. Enquanto imaginar que a corda é uma serpente não poderá ver a corda
como corda. A serpente que não existe se torna uma realidade para você, enquanto que
a verdadeira corda parece não existir.
P. É fácil aceitar que, em última instância, o mundo não é real. Mas é difícil ter a
convicção de que ele é irreal.
Assim é com o mundo dos sonhos, enquanto estamos sonhando. Enquanto durar
o sonho, tudo o que vemos e sentimos é uma realidade.
Se, pelo contrário, o mundo fosse uma existência auto-evidente (que é o que
você quer dizer com ‘objetividade’), o que impede que o mundo se revele durante o
sonho? Você não diz que você mesmo não existiu em seu sonho.
Para poder dizer que você existiu durante o sono é necessário chamar alguém
para testemunhar? Por que você solicita esta evidência agora? Eles só podem dar
testemunho agora, quando você está desperto, sobre o mundo que viram quando você
dormia. Mas, a respeito da sua própria existência, há uma diferença. Ao despertar você
disse que dormiu muito bem, o que implica dizer que você estava consciente em seu
sono mais profundo, mas não tinha a mínima noção de que o mundo existia, neste
estado. Agora mesmo, por acaso o mundo vem e lhe diz “Eu sou real” ou é você quem
diz isso?
P. Claro que sou eu quem o diz, mas o digo a respeito do mundo.
Bom, mas o mundo, que você qualifica como real, está zombando de você, ao
tratar de comprovar sua realidade, enquanto você ignora a sua. Você quer manter, de
uma forma ou de outra, a premissa de que o mundo é real. Qual é a medida do real? O
único real é o que existe por si mesmo, que se revela por si mesmo, que é eterno e sem
mudanças.
Por acaso o mundo existe por si mesmo? Por acaso ele já foi visto sem a ajuda
da mente? Durante o sono profundo não há nem mente nem mundo. Quando a pessoa
desperta aparecem o mundo e a mente. O que significa esta concomitância invariável?
Você está familiarizado com o principio da lógica indutiva, que se considera o
fundamento da investigação científica. Por que não decide sobre esta questão da
realidade do mundo segundo os princípios que se aplicam na lógica?
De você mesmo, pode dizer ‘eu existo’. Ou seja, sua existência não é só uma
existência mas sim uma existência da qual é consciente. Na realidade, é uma existência
idêntica à consciência.
P. O mundo talvez não esteja consciente de si mesmo, mas ainda assim existe.
Vemos tantas coisas sobre a tela do cinema que não são reais… Nada há de real
ali, além da tela. Do mesmo modo, na vigília só está adhishtana. O conhecimento do
mundo é o conhecimento daquele que conhece o mundo. Os dois desaparecem durante
o sono.
P. Por que vemos tanta permanência e constância no mundo?
Por causa de idéias errôneas. Quando alguém diz que se banhou num mesmo rio
duas vezes, na realidade não diz algo correto, porque na segunda ocasião o rio não era
o mesmo que na vez anterior. Ao ver uma chama pela segunda vez, um homem diz que
vê a mesma chama, mas ela está mudando a cada instante. Assim é a vigília. As
aparências estáticas são um mero erro de percepção.
No pramata (o conhecedor).
P. Eu.
É só a luz refletida de chit que faz com que o ‘eu’ seja criado separado dos
outros. Esta luz refletida de chit também faz com que o ‘eu’ crie objetos; mas para que
este reflexo se produza, deve haver uma superfície sobre a qual o reflexo se projete.
Ao realizar o Ser, você verá que o reflexo e a superfície sobre a qual se reflete
de fato não existem, mas sim que ambas são um e são a própria chit. Existe o mundo,
que requer uma localização para sua existência e luz para que esta existência seja
percebida. Os dois surgem simultaneamente. Por isso, tanto a existência física quanto a
percepção dependem da luz mental, que é um reflexo do Ser. Assim como as figuras do
cinema são visíveis através de um feixe de luz refletida, e só na escuridão, assim as
figuras do mundo só são percebidas pela luz do Ser refletida sobre a escuridão de
avidya (ignorância). O mundo não pode ser visto na escuridão total da ignorância,
como no sono profundo, nem na luz total do Ser, como na realização do Ser ou
samadhi.
CAPITULO 18
A REENCARNAÇÃO
Sri Ramana ensinava que todas estas teorias estão baseadas na falsa premissa de
que o ser individual ou alma individual é real. Quando dita ilusão desaparece, toda a
estrutura das teorias sobre a existência depois da vida se torna inoperante. Desde o
ponto de vista do Ser, não há nascimento nem morte, não há céu nem inferno, nem há
reencarnação.
Por acaso já conhece sua vida atual para querer conhecer suas vidas passadas?
Encontre o presente e o resto virá. Se com nosso conhecimento atual, tão limitado,
sofremos tanto, para que você quer carregar mais conhecimento? Para sofrer mais?
Você não conhece o que era antes de ter nascido, mas quer saber o que vai ser
depois de morrer. Por acaso você sabe o que é agora mesmo?
P. Por acaso não tem algum efeito as ações desta vida nas vidas futuras?
Por acaso você nasceu agora? Por que você pensa em outros nascimentos? A
verdade é que não existe nem o nascimento nem a morte. Deixe para o que nasce o
pensar sobre a morte e como livrar-se dela.
Mas, por acaso, você vê a Deus ou a qualquer outra coisa no seu sono
profundo? Se Deus é real, por que não surge também durante seu sono? Você sempre
existe e é o mesmo agora do que era quando estava dormindo. Mas, por que há de ter
diferenças nos sentimentos ou experiências nos dois estados?
Por acaso você perguntou, durante o sono, sobre questões relacionadas com seu
nascimento? Por acaso perguntou nesse estado: “Onde irei após minha morte?” Por que
você pensa sobre tudo isto quando está desperto? Deixe que o que nasceu pense sobre
seu nascimento e num remédio para sua causa e suas últimas consequências.
P. Desde o ponto de vista budista não há uma entidade permanente similar a esta
idéia de uma alma individual; isto é correto? É consistente com o ponto de vista hindu
de um ego que reencarna? Por acaso a alma é uma entidade permanente, que reencarna
uma e outra vez, segundo a doutrina hindu, ou é uma mera aglomeração de tendências
mentais, os samskaras?
P. Por acaso vamos para o céu (svarga) como resultado de nossas boas ações?
Sim. Encontre quem nasceu e quem está tendo agora o problema da existência.
Quando está adormecido, você pensa sobre as reencarnações ou sobre sua existência
atual? Por isto mesmo, busque de onde surge o problema atual e nesse local encontrará
a solução. Descobrirá que não há nascimento, não há um problema atual e não há
infelicidade. O Ser é tudo e tudo é gozo. Agora mesmo, estamos livres das
reencarnações, por que sofrer pela miséria disto tudo?
P. Há reencarnações?
P. Claro que sei, sei que existo agora, mas quero saber se existirei no futuro.
Não existe o passado nem o futuro. Só existe o presente. Ontem foi presente
para você, quando o experimentou, e amanhã também será presente, quando o
experimentar. Por isso, as experiências ocorrem só no presente e além das experiências
nada existe.
Sim, até o presente é uma ilusão, dado que o sentido do tempo é mental.
Também o espaço é mental. No final, tanto o nascimento e a reencarnação, que
acontecem no tempo e no espaço, não podem ser mais do que ilusão.
Deixe a falsa identificação e recorde que o corpo não pode viver sem o Ser,
enquanto que o Ser pode viver sem o corpo. De fato, sempre está sem ele.
P. Surgiu uma dúvida na mente de um amigo meu. Acabo de escutar que um ser
humano pode tomar a forma de um animal em outra vida, o que contradiz a teosofia.
P. É possível que um homem volte a nascer como uma espécie inferior de animal?
É possível, ainda que muito raramente aconteça. Não é certo que o nascimento
como ser humano seja necessariamente o mais elevado e que a pessoa deva alcançar a
realização sendo um humano. Mesmo um animal pode chegar à realização do Ser.
P. A Teosofia menciona que existem intervalos entre cinquenta e dez mil anos
entre a morte e a reencarnação. Por que acontece isto?
Por tudo isto deve ficar claro que não há um nascimento real nem uma morte
real. A mente é que cria e mantém a ilusão da realidade neste processo, até que é
destruída com a realização do Ser.
Mas quando as águas se evaporam e regressam como chuva nas colinas, uma
vez mais formam rios e voltam ao oceano. Do mesmo modo, os indivíduos, ao dormir,
perdem seu sentido de separação, mas regressam segundo seus samskaras, ou
tendências passadas. Acontece do mesmo modo ao morrer; a individualidade da pessoa,
com seus samskaras, não se perde.
Assim como uma enorme árvore de baniano surge de uma pequena semente,
todos os Jivas e o universo de nomes e formas surgem dos samskaras sutis.
Quando o indivíduo começa a morrer, respira fortemente. Isto quer dizer que já
não está consciente do corpo e que está morrendo. A mente imediatamente se aferra a
outro corpo (corpo astral). Vai e vem entre os dois até que a atadura ao novo corpo
tenha se concluído. Neste ínterim, ocasionalmente há respirações violentas, durante as
quais a mente regressa ao corpo que está morrendo. O estado transitório da mente é
algo assim como um sonho.
Pode ser curto ou longo. Mas um jnani já não passa por tais mudanças; se funde
no Ser universal.
Alguns dizem que aqueles que depois de morrer passam ao caminho da luz não
reencarnam, enquanto que aqueles que tomam o caminho da escuridão encarnam
depois de haver gozado do fruto do seu carma, nos corpos sutis.
Uns dizem que se os méritos e deméritos são iguais, voltam a nascer aqui. Se o
mérito é maior ou mais forte que o demérito, os corpos sutis vão para o céu e ali se
renascerá. Se os deméritos são maiores, vão ao inferno e ali renascem.
P. Tudo isto me parece muito confuso. É verdade que, em última instância, tanto
os nascimentos como as encarnações são irreais?
Se há um nascimento deve haver não só uma reencarnação mas sim toda uma
sucessão de nascimentos. Por que e como você obteve este nascimento? Pela mesma
razão e da mesma maneira, você obterá as reencarnações sucessivas.
Mas se você pergunta quem tem o nascimento e se o nascimento e a morte são
para você ou para alguém distinto a você, então realizará a verdade. Esta acabará com
todo o carma e liberará de todos os nascimentos. Os textos descrevem como todo o
sanchita carma (carma acumulado em encarnações anteriores), que tomaria um sem
número de nascimentos para ser destruído, pode ser queimado com uma só chispa de
jnana, tal como uma montanha de pólvora explodiria com uma só chispa. O ego é a
causa de todo este mundo e de todas as ciências cujas investigações são tão vastas que
não se podem descrever, mas, se o ego se dissolve, através da indagação, tudo mais se
derruba imediatamente e só fica a realidade do Ser.
Sim, agora você está pensando que é o corpo e, portanto, confunde a si mesmo
com o nascimento e a morte. Mas você não é o corpo e não há nascimento nem morte.
Não. Por outro lado, quero quitar sua confusão de que você irá reencarnar. Você
é o que pensa que vai reencarnar. Veja para quem surge a pergunta. A menos que você
encontre o interrogador, todas estas perguntas nunca poderão ser respondidas.
CAPITULO 19
A NATUREZA DE DEUS
2) A manifestação aparece n’Ele através de Seu poder, mas Ele não cria. Deus nunca
cria, só existe. Não tem desejo nem vontade.
No nível inferior, Sri Ramana mencionava à Iswara, o nome hindu para o Deus
pessoal supremo. Dizia que Iswara existe como uma entidade real, enquanto a pessoa
imagina que é uma pessoa individual. Quando persiste a individualidade, há um Deus
que supervisiona as atividades do mundo; na ausência da individualidade, Iswara não
existe.
Sim, sempre é a primeira pessoa, o “Eu” que está sempre ali, diante de você.
Pelo fato de você dar importância a assuntos mundanos, parece que Deus se retirou a
um segundo plano. Se você deixar tudo e buscar somente a Ele, Ele ficará só, como
“Eu”, o Ser.
Agora você pensa que é um indivíduo, que há universo e que Deus está além do
cosmos. Portanto, há uma idéia de que existe separação. Esta idéia deve desaparecer
pois Deus não está separado nem de você nem do cosmos. O Gita diz:
Deus, portanto, não está somente no Coração de todo mundo, mas é também o
apoio de tudo, seu lugar de existência e sua finalidade. Tudo procede d’Ele, tem sua
existência n’Ele e se resolve n’Ele. Por isto, não está separado de coisa alguma.
Isto não quer dizer que uma partícula se separa d’Ele e cria o universo. Seu
poder (sakti) está atuando. Como resultado de uma fase de tal atividade, o cosmos se
manifestou. Do mesmo modo a declaração no Purusha Sukta que “todos os seres
formam um de meus pés”, não quer dizer que Brahman esteja formado de diversas
partes.
O fato é que Brahman é tudo e é indivisível. Mas o homem não está consciente
disso. Deve chegar a conhecê-lo. O conhecimento significa vencer os obstáculos que
impedem a revelação da verdade eterna: que o Ser é o mesmo que Brahman. Os
obstáculos em conjunto formam a idéia de separação de você como indivíduo.
O Ser é conhecido por todo mundo, mas não claramente. Você existe sempre. O
existir de cada um é o Ser. “Eu Sou” é o nome de Deus. De todas as definições de
Deus, nenhuma é tão acertada quanto a que é dada no pronunciamento bíblico: “Eu sou
o que sou”, em Exodo3. Há outros pronunciamentos tais como Brahmanivathan
(Brahman Eu Sou), aham Brahmasmi (Eu Sou Brahman) e soham (eu sou Ele). Mas
nenhum é tão direto quanto o nome de Jeovah, que quer dizer “Eu Sou”. A existência
absoluta é a única coisa que existe. É o Ser, é Deus. Ao conhecer o Ser, conhecemos a
Deus. De fato, Deus não é outra coisa além do Ser.
P. Deus parece conhecer-se com diferentes nomes. Pode-se justificar algum deles?
Dos milhares de nomes que existem para Deus, nenhum realmente lhe é
apropriado, porque está no Coração, sem pensamentos, por isto, real, contundente e
belo é “Eu” ou o “Eu Sou” como o mais apropriado. De todos os nomes pelos quais
Deus é conhecido, só o nome de Deus na forma “Eu-Eu” ressoará triunfalmente quando
o ego for destruído, surgindo como a palavra suprema no silêncio (mouna-para-vak),
no espaço do Coração daqueles que colocaram sua atenção no Ser. Também se a pessoa
medita constantemente sobre o nome “Eu-Eu”, com a atenção centrada sobre a
sensação de ‘eu’, será conduzida e se fundirá na fonte de onde surgem os pensamentos,
destruindo o ego, o embrião que está unido ao corpo.
P. Que relação há entre Deus e o mundo? É Ele seu criador e quem o sustenta?
Na mera presença de Deus, que não tem a menor volição, os seres viventes, que
estão realizando inumeráveis atividades, depois de passar por diversos caminhos, aos
quais foram conduzidos de acordo com o curso determinado por seus próprios carmas,
finalmente descobrem a inutilidade da ação, regressam ao Ser e conseguem a liberação.
As ações dos seres viventes certamente não afetam a Deus, que transcende a
mente, da mesma maneira que as atividades do mundo não afetam o sol; como as
qualidades dos quatro elementos essenciais (terra, água, fogo e ar) não afetam o espaço
ilimitado.
P. Por que samsara, a criação e manifestação definida, está tão cheia de miséria e
maldade?
É a vontade de Deus.
Não é possível que se faça algo contrário à vontade de Deus, que tem a
capacidade para fazer tudo. Portanto, ficar quieto aos pés de Deus, tendo deixado todas
as ansiedades da mente malvada, defeituosa e enganosa, é o melhor caminho.
Sim.
P. Como Ele é?
Iswara, o Deus pessoal, o criador supremo do universo, existe sim. Mas isto é
verdade apenas do ponto de vista relativo, daqueles que não realizaram a verdade.,
aqueles que crêem na realidade das almas individuais. Desde o ponto de vista absoluto,
o sábio não pode aceitar a existência de outro que não seja o Ser impessoal, único e
sem forma.
Iswara tem um corpo físico, uma forma e um nome, mas não é tão grosseiro
quanto este corpo físico. Pode ser visto nas visões dos devotos, segundo a forma criada
por eles. As formas e nomes de Deus são muitas e diferem com cada religião. Sua
essência é a mesma que a nossa, já que o Ser verdadeiro é único e sem forma. Por isto,
as formas que assume são só criações ou aparências.
Iswara, Deus, o criador, o Deus pessoal, é a última das formas irreais que
desaparece. Só o Ser absoluto é real. Não somente o mundo, portanto, e nem somente o
ego, mas também o Deus pessoal são irreais. Devemos encontrar o absoluto, nada
menos que isso.
P. Você disse que mesmo o Deus mais elevado é somente uma idéia. Você quer
dizer com isto que não existe um Deus?
Se o indivíduo tem forma, mesmo o Ser, a fonte que é o Senhor, aparecerá com
forma. Se não se tem forma, pelo que não pode haver conhecimento de outras coisas,
será correto dizer que Deus tem forma?
Quanto à sua localização, Deus não reside em lugar algum que não seja o
Coração. Deve-se à ilusão, causada pelo ego (a idéia de ‘eu sou o corpo’) que se
concebe que o reino de Deus está em outro lugar. Esteja você seguro de que o Coração
é o reino de Deus.
Saiba que você é a luz radiante e perfeita, que não só logra que exista o reino de
Deus mas que também permite que se veja como um céu maravilhoso. Saber isto é
jnana. Por isto o reino de Deus está dentro de você. O Shivaloka (reino de Deus)
verdadeiro, raras vezes alcançado, que brilha pela luz do Ser, é o espaço ilimitado de
turiyatita, que se ilumina de repente, com todo seu resplendor, dentro do Coração do
aspirante mais maduro, durante o estado de absorção completa da mente, como se fosse
uma nova e desconhecida experiência.
P. Dizem que o Jiva está sujeito aos efeitos malévolos da ilusão, tais como a visão
e conhecimentos limitados, enquanto que Iswara tem uma visão e um conhecimento
completos. Também se diz que o Jiva e Iswara se tornam um só se o indivíduo se
desfaz de sua visão e conhecimentos limitados. Iswara não deveria também descartar
suas características particulares, tais como a visão e o conhecimento completo?
Também são uma ilusão, não é mesmo?
É essa sua dúvida? Primeiro deixe você sua visão limitada e depois haverá
tempo suficiente para pensar na visão e no conhecimento completo de Iswara. Primeiro
desfaça-se de seu conhecimento limitado. Por que você se preocupa com Iswara? Ele
pode cuidar de si mesmo. Por acaso não é mais capaz do que nós? Para que preocupar-
se se ele possui visão e conhecimento total ou não? Seria uma grande coisa se
pudéssemos cuidar de nós mesmos.
Os Vedas declaram que Deus é onisciente somente para aqueles que são pessoas
de pouco conhecimento. Mas se chegamos a conhecê-lo como Ele realmente é,
veremos que Deus não sabe nada, pois sua natureza é a de uma unidade contínua, a
parte da qual não existe algo que possa ser conhecido.
P. Por que há relatos nas religiões sobre deuses, o céu, o inferno, etc?
Só para que as pessoas descubram que eles estão na mesma altura que o mundo
está e que só o Ser é real. As religiões variam de acordo com o ponto de vista do
buscador.
Sim, existem.
As pessoas que os tem visto dizem que há um local. Por isso, temos que aceitar
esta descrição.
P. Onde existem?
Dentro de você.
Assim é.
P. Mas eu posso criar uma ficção, como por exemplo o chifre de um coelho, ou
meias verdades, como uma imagem, mas há dados que não tem a ver com a
imaginação. Por acaso existem os deuses tais como Iswara ou Shiva?
Sim, existem.
Sim.
Shiva, Ganapati e outras deidades como Brahma, existem desde o ponto de vista
humano ou seja, do ponto de vista de quem se considera um ser pessoal real, eles
também existirão. Assim como um governo tem altos oficiais executivos que
governam, assim é com o Criador. Mas desde o ponto de vista do Ser, todos os deuses
são ilusórios e também devem fundir-se na única realidade.
P. Quando rezo a Deus com nome e forma, duvido e penso que não é correto fazê-
lo assim, pois estou limitando isto que não tem limites e dando forma ao que não tem
forma. Por outro lado, sinto que não sou constante ao tratar de adorar a Deus sem
forma.
Enquanto você tiver um nome, que mal haverá em adorar um Deus com nome e
forma? Adore a Deus com nome e forma até que saiba quem realmente você é.
P. Vejo que é difícil acredita num Deus pessoal. De fato, acho isto impossível.
Mas posso crer num Deus impessoal, numa força divina que governa e cria o mundo.
Seria de grande benefício também em meu trabalho de curar aos outros, que esta fé
fosse reforçada. Posso saber como incrementar esta fé?
SOFRIMENTO E MORALIDADE
Sri Ramana evitava tais enigmas, dizendo que o mundo, Deus e o indivíduo que
estão sofrendo são criações da mente.
“Todas as religiões postulam três princípios: o mundo, a alma e Deus. Dizer que
um só princípio aparece como os três princípios ou que os três princípios sempre são
três princípios, só é possível enquanto exista o ego.”
Este ponto de vista não deve ser interpretado como se Sri Ramana tivesse
aconselhado a seus seguidores a ignorar o sofrimento de outras pessoas. Desde o ponto
de vista mais prático, dizia que, antes da realização do Ser, deveríamos aceitar a
realidade do sofrimento dos outros e aliviá-los quando os encontrássemos no caminho.
No entanto, enfatizava que estes remédios parciais só seriam de benefício espiritual se
fossem realizados sem o sentimento de “outras pessoas estão pior que eu e eu as estou
ajudando” e também sem a sensação de “eu estou realizando estas ações.”
P. Nesta vida tão cheia de limitações, será possível realizar o gozo do Ser?
Esse gozo do Ser está sempre com você e você o encontrará por si mesmo, se o
buscar com esmero. A causa de sua miséria não é a vida externa, mas sim você como
ego. Você se impõe limitações e depois faz esforços sem sentido para transcendê-las.
Toda infelicidade parte do ego, com ele chegam todos os problemas. De que serve
dizer que a vida externa é a causa da miséria se ela está realmente dentro de você? Que
tipo de felicidade você pode obter de coisas externas a você mesmo? Se chega a obtê-
las, quanto tempo durarão? Se você nega o ego e o queima ao ignorá-lo, será livre. Se o
aceita, ele lhe impõe limitações e o lança numa conquista inútil, para tratar de superá-
las. Ser o Ser que você realmente é, é a única forma de realizar o gozo que sempre está
com você.
P. Se realmente não há nem escravidão nem liberação, qual é a razão pela qual
experimentamos momentos de felicidade e de sofrimento?
A criação não é boa nem má; é o que é. Só a mente humana sobrepõe todo tipo
de construções, vendo-as desde sua própria perspectiva e interpretando-as de acordo
com seus próprios interesses. Uma mulher é só uma mulher, mas uma mente a chama
de ‘mãe’, outra de ‘irmã’, outra de ‘tia’ e assim por diante. Os homens amam as
mulheres, odeiam as serpentes e são indiferentes à grama e às pedras ao lado do
caminho. Estes juízos sobre valores são a causa de toda a miséria do mundo. A criação
é como uma árvore: os pássaros chegam para comer seu fruto ou para abrigar-se em
seus ramos, os homens pegam sombra debaixo mas alguns chegam a suicidar-se neles.
No entanto a árvore continua sua vida tranquilamente, sem preocupar-se e inconsciente
de todos os usos que está tendo. A mente humana é a que cria dificuldades e depois
pede ajuda. Por acaso Deus é tão parcial a ponto de dar paz a uma pessoa e dor à outra?
Na criação há lugar para tudo, mas o homem se recusa a ver o bom, o saudável, o belo.
Ao contrário, segue queixando-se, como alguém com fome que pára ao lado de um
saboroso prato e, em vez de pegá-lo com as mãos e satisfazer sua fome, continua
lamentando-se: de quem é a culpa, de Deus ou do homem?
P. Se Deus é o todo, por que o indivíduo sofre à raiz dos seus atos? Não é Ele o
causador de que o indivíduo realize as ações e as obras pelas quais sofre?
Esta lógica só se aplica quando a pessoa está sofrendo, não quando está feliz. Se
a convicção está sempre presente, tampouco haverá sofrimento.
P. Como você pode dizer que não existe o sofrimento? Eu o vejo em todas as
partes.
Nossa realidade, que brilha dentro de todo mundo como o Coração, é o oceano
de gozo singular. Por isto, como o azul do céu que é irreal, a miséria, na realidade, não
existe e é mera imaginação. Dado que a realidade de si mesmo é o sol da jnana, que
não pode ser alcançado pela obscura ilusão da ignorância, este mesmo brilha como a
felicidade; a miséria é somente uma ilusão causada pelo sentido irreal da
individualidade. Na verdade, ninguém experimentou nenhuma coisa além desta ilusão.
Se a pessoa vê com cuidado o ser de si mesma, que é gozo, não haverá miséria alguma
em nossas vidas. Sofremos pela idéia de que o corpo, que nunca é o mesmo, é o ‘eu’.
Todo sofrimento se baseia nesta ilusão.
P. Eu sofro tanto na mente quanto no corpo. Desde o dia em que nasci nunca fui
feliz. Minha mãe também sofreu desde o dia em que me concebeu, segundo me
contam. Por que sofro assim? Não pequei nesta vida. Deve-se, por acaso, aos pecados
de minhas vidas anteriores?
Você diz que sofre de corpo e mente. Mas por acaso eles fazem perguntas?
Quem é o que pergunta? Não é o que está além tanto da mente quanto do corpo? Você
diz que sofre nesta vida e pergunta se a causa está numa vida prévia. Se fosse assim,
então esta vida passada seria causada por uma vida anterior e assim sucessivamente.
Com efeito, assim como no caso da semente e do broto, não há fim na série causal.
Temos que dizer que todas as vidas têm como causa primária a ignorância. Essa mesma
ignorância está presente neste momento, formulando a pergunta. Essa ignorância deve
ser removida por jnana.
Por que e para quem veio este sofrimento? Se indagar assim, verá que o ‘Eu’
está separado da mente e do corpo, que o Ser é a única existência eterna e que é o
prazer eterno. Isso é jnana.
P. Sofro constantemente de preocupações. Não tenho paz, ainda que não necessito
de nada para ser feliz.
P. Vemos dor em todo mundo. Um homem tem fome. É uma realidade física e,
portanto, é muito real para ele. Temos que dizer que é tudo um sonho e não nos
comovermos diante do fato?
P. No caso de pessoas que não estão preparadas para uma meditação longa, será
suficiente se elas se dedicam a fazer o bem a outros?
Sim, isso estará bem. A idéia do bem estará em seus corações. Isso é suficiente.
O bem, Deus, o amor; tudo isso é o mesmo. Se a pessoa pensa nisto continuamente,
será suficiente. Toda meditação tem o propósito de manter afastados todos os outros
pensamentos.
P. Então devemos aliviar o sofrimento, mesmo que, em última instância, ele não
exista.
P. Isso não responde minha pergunta. Vejo miséria por todos os lados.
Eles estão centrados no ego e por isso são incapazes. Se eles se mantivessem no
Ser, seria diferente.
Como você sabe que eles não estão ajudando? Uma leitura em público ou a
atividade física e ajuda material não são tão efetivas quanto o silêncio dos mahatmas.
Eles conseguem maiores êxitos do que os outros.
Se você consegue estar livre da dor, não haverá dor em lugar algum. O
problema atual se deve a que você vê um mundo exterior e acredita que há dor ali. Mas,
tanto o mundo quanto a dor estão dentro de você. Se você olhar para o interior não
haverá dor.
P. Deus é perfeito. Por que criou um mundo imperfeito? A obra é igual à natureza
do autor. Mas neste caso não é assim.
Você está, por acaso, a parte de Deus para fazer esta pergunta? Enquanto você
pensar que é o corpo, verá o mundo como externo e as imperfeições lhe aparecerão.
Deus é perfeito, sua obra também é perfeita. Mas você a vê imperfeita pela
identificação errônea que tem.
Para que você o busque. Seus olhos não podem se ver a si mesmos, ponha um
espelho à frente e poderá vê-los. O mesmo se passa com a criação. “Veja primeiro você
mesmo e depois veja o mundo como o Ser”.
Sim.
Não estou lhe dizendo que feche os olhos ao mundo. Você tem que se ver
primeiro e depois ver a todo o mundo como o Ser. Se acha que é o corpo, o mundo
parecerá ser externo. Se você é o Ser, o mundo aparecerá como Brahman.
O que é o mundo? O que é a paz? Quem é o que trabalha? O mundo não existia
durante seu sono e forma uma projeção de sua mente em jaghat. É, portanto, uma idéia
e nada mais. A paz será sentida quando não houver perturbações. A perturbação se
deve ao surgimento de pensamentos no indivíduo, o que é só o ego surgindo da
consciência pura.
O alcançar a paz quer dizer que estamos livres de pensamentos e nos mantemos
como a consciência pura. Se nos mantemos em paz, em nós mesmos, haverá paz em
todas as partes.
P. Se fazemos algo que consideramos mal, mas que vai ajudar a outro para que não
cometa um mal maior, é melhor fazê-lo ou abster-se?
O que é bem e o que está mal? Não há uma medida para poder julgar se algo
está bem e outra coisa está mal. As opiniões diferem de acordo com o individuo e
segundo as circunstâncias que o rodeiam. De novo, são só idéias e nada mais. Não se
preocupe com elas. Trate de não ter pensamentos. Se você se mantiver sempre no
correto, então o bom prevalecerá no mundo.
P. A prática de boa conduta (nitya karmas) leva a pessoa à salvação?
Assim se menciona nos textos. Quem duvida que a conduta apropriada seja algo
positivo ou que eventualmente o levará à meta? A boa conduta, ou sat carma, purifica
chitta, ou a mente e lhe dá chitta suddhi (mente pura). A mente pura alcança jnana, que
é o que se quer dizer com a salvação. Então jnana deve, eventualmente, ser alcançado,
ou seja, o ego deve ser rastreado até sua fonte. Mas, para aqueles que não são atraídos
por este caminho, lhes é dito que sat carma os leva à chitta suddhi e que esta última os
leva ao conhecimento verdadeiro, ou seja, jnana e este, por sua vez, lhe dará a salvação.
Tudo o que se fizer com carinho, pureza, retidão e com paz mental, será uma
boa ação. O que se fizer com a tensão do desejo e com uma mente agitada se qualifica
como uma má ação. Não realize uma boa ação por meios ruins pensando: “será bom
desde que dê bons resultados”. Se os meios são ruins, ainda uma boa ação se tornará
má. Por isto, até os meios para realizar a ação devem ser puros.
P. Sankara disse que somos todos livres, não atados e que todos regressaremos a
Deus, do qual surgimos como uma chispa que saiu do fogo. Então, por que não cometer
toda classe de pecados?
É verdade que não estamos atados e que o ser real não tem escravidão. É
verdade que eventualmente regressaremos à nossa fonte. Mas, enquanto isso, se
cometemos pecados, como você os chama, teremos que lidar com as consequências de
tais atos. Não se pode escapar das consequências. Se um homem o golpeia por acaso
você poderia dizer: “estou livre, não me afetam os golpes e eu não sinto dor. Que
continue me batendo”? Se você pode sentir-se assim, pode fazer o que quiser. Mas de
que serve dizer apenas verbalmente “estou livre”?
P. Dizem que todo o universo é o jogo da consciência de Deus e que tudo está
pleno de Brahman. Então, por que se diz que os maus hábitos e as más práticas devem
ser abandonadas?
A teoria do carma é comum a muitas das religiões orientais. Em sua versão mais
popular, sustenta que há uma contabilidade universal sistematizada, na qual cada
indivíduo deverá experimentar as consequências de todos seus atos (carma, em
sânscrito, quer dizer “ação”). As boas ações dão bons resultados e as más ações
inevitavelmente trazem sofrimento a quem as realiza. A teoria também supõe que as
consequências dos atos (também conhecidas como carma) não devem ser
necessariamente experimentadas na vida atual mas podem passar para vidas futuras.
Por isso foram definidas várias subdivisões do carma.
A seguinte classificação foi utilizada por Sri Ramana e é comum em muitas das
escolas teóricas do hinduísmo:
2) Prarabdha carma – a parte do sanchita carma que tem que ser experimentado nesta
vida. Devido a que a lei do carma implica um determinismo nas atividades mundanas,
geralmente prarabdha se traduz como destino.
3) Agami carma – carma novo que se acumula nesta vida e que passa às vidas futuras.
Sri Ramana aceitava a validade das leis do carma mas dizia que só eram
aplicáveis se a pessoa continuava imaginando que estava separada do Ser. No nível do
ajnani, dizia que os indivíduos passam através de uma séria de atividades e
experiências pré-ordenadas, as quais são consequências de atos e pensamentos prévios.
Ocasionalmente dizia que cada ato e experiência na vida de uma pessoa se determina
quando nasce e que a única liberdade que tem é realizar que não há um ator nem um
experimentador. No entanto, uma vez que realiza o Ser, não resta alguém que possa
experimentar as consequências dos atos, pelo que toda estrutura das leis cármicas se
derruba.
Sri Ramana via a lei do carma como uma manifestação da vontade de Deus.
Dizia que antes da realização do Ser há um Deus pessoal, Iswara, que controla o
destino de cada pessoa. Iswara ordena que todos devem sofrer as consequências dos
seus atos e é Iswara que seleciona as atividades que cada pessoa deverá realizar em
cada vida. A pessoa não pode escapar da jurisdição de Iswara enquanto estiver
identificado com as atividades do corpo. A única maneira de libertar-se de sua
autoridade é transcendendo o carma completamente ao realizar o Ser.
P. É possível vencer o prarabdha karma quando ainda existe o corpo ou ele existirá
até nossa morte?
Sim é possível. Se o agente do qual depende o carma, ou seja, o ego, que legou
a esta existência entre o corpo e o ser, se funde em sua fonte e perde sua forma, como
poderá sobreviver o carma que depende deste? Quando não há um ‘eu’ não há carma.
Um homem talvez tenha tido muitos carmas (ações) em suas vidas passadas. As
consequências de umas tantas delas serão escolhidas para a vida atual e terá que obter
os frutos dos carmas nesta vida. É algo assim como uma projeção de fotografias na
qual o fotógrafo escolhe algumas fotos para a exibição no espetáculo e o resto fica
guardado para outro evento. Todo este carma pode ser destruído ao adquirirmos o
conhecimento do Ser. Os diferentes carmas são os diapositivos, já que os carmas são o
resultado de experiências passadas e a mente é o projetor. O projetor deve ser destruído
para que não haja mais reflexos, nem nascimentos nem mortes.
Os indivíduos têm que sofrer seus carmas, mas Iswara utiliza para seus
propósitos o melhor dos carmas. Deus manipula os frutos do carma mas não o soma
nem o subtrai. O subconsciente do homem é um depósito do carma bom e mal. Iswara
elege, deste depósito, o que acha mais conveniente para cada homem, seja o carma bom
ou doloroso. Não existe, portanto, arbitrariedade.
P. Em Upadesa Saram você disse que o carma dará seus frutos por ordem de Deus.
Isto quer dizer que nós colhemos as consequências do carma somente devido à vontade
de Deus?
Neste verso karta quer dizer Iswara. Ele é quem distribui os frutos das ações de
cada pessoa de acordo com seu carma. Quer dizer que é o Brahman manifestado. O
Brahman verdadeiro não se manifesta e não tem movimento algum.É só o Brahman
manifestado que é chamado Iswara. Dá a cada um os frutos, de acordo com suas ações.
Isto quer dizer que Iswara é somente um agente e outorga um pagamento de acordo
com o trabalho realizado. Isto é tudo o que acontece. Sem este shakti de Iswara o carma
não poderia acontecer. Por isso dizemos que o carma, por si mesmo, é inerte.
Até que chegue a realização, haverá carma, ou seja, ação e reação. Depois da
realização, não haverá nem carma nem mundo.
P. Se não sou o corpo, por que sou responsável pelas consequências dos atos bons
e maus?
Se você não é o corpo e não tem a idéia “eu sou o que age”, as consequências
dos seus atos bons e maus não o afetarão. Por que diz das ações do corpo “eu fiz isto,
eu fiz aquilo”? Enquanto você se identificar assim como corpo, as consequências de
seus atos o afetarão, ou seja, enquanto você se identificar com o corpo, acumulará bom
ou mal carma.
P. Mas, dado que não sou o corpo, realmente não sou responsável pelas
consequências dos bons e dos maus atos.
P. Em alguns textos se diz que o esforço humano é a fonte de toda fortaleza e que
pode transcender o carma. Em outros, que tudo se deve à graça divina. Não é claro para
mim qual das duas explicações é correta.
Sim, em algumas escolas de filosofia dizem que não há outro Deus além do
carma do nascimento prévio, o carma que se denomina purushakara (esforço humano),
que o carma prévio e o carma atual se chocam como dois carneiros e que o mais débil
será eliminado. Por isso, esse grupo diz que devemos fortalecer o purushakara. Se lhes
perguntamos qual é a origem do carma, dirão que esta pergunta não deve ser
formulada, porque é como a eterna pergunta “o que veio primeiro, a árvore ou a
semente?”
Os debates desta natureza são meras polêmicas que não podem nos levar à
verdade. Por isso lhes digo que primeiro descubram “quem sou?”. Se você se pergunta
“Quem sou eu? Como é que cheguei a ter esta dosha (falha) que é a vida?”, o ‘eu’ se
desvanecerá e você realizará o Ser. Se o fizermos da maneira apropriada, a idéia de
dosha será eliminada e obteremos a paz.
P. Não é certo que punya (o mérito acumulado por atos virtuosos) extinguirá a
papa (o demérito acumulado, de atos pecaminosos)?
O prarabdha karma está composto por três categorias, ou seja, ichha, anichha e
parechha (o desejado pessoalmente, o não desejado e o desejado por todos). Para quem
realizou o Ser, não existe ichha-prarabdha, mas os outros dois, anichha e parechha
permanecem vigentes. Tudo que o jnani fizer, fará somente para os outros. Se houver
algo que tiver que fazer para os outros ele o fará, mas os resultados não o afetarão. Em
qualquer ação que estes seres realizarem, não haverá punya nem papa que se acumule.
Só atuam de acordo com o que é adequado para os costumes da região e nada mais.
Aqueles que já sabem o que é que vão experimentar nesta vida, o que é
destinado pelo seu prarabdha karma, nunca se sentirão perturbados pelo que irão
experimentar. Sabe que todas as experiências lhe serão impostas, as queira ou não.
P. O homem realizado já não tem carma, não está atado por seu carma, por que
então se mantém no corpo?
Quem é que faz esta pergunta? É por acaso o homem já realizado ou o ajnani?
Que importância tem para você o que faz um jnani ou se ele faz alguma coisa?
Dedique-se a você mesmo. Você agora está sob a impressão de que é o corpo e por isso
acredita que o jnani também tem um corpo. Por acaso o jnani disse que tem um corpo?
Pode parecer a você que ele tem um corpo e que está fazendo diversas coisas com o
corpo, como outros o fazem, mas ele mesmo sabe que está sem o corpo. Uma corda
queimada parece com uma corda, mas não servirá como corda quando se trata de
prender alguma coisa.
Um jnani é assim: parece que é como todas as outras pessoas mas é somente sua
aparência externa. Enquanto a pessoa continue identificada com o corpo, tudo isto é
difícil de entender. Por isso, geralmente se diz, em resposta a estas perguntas: “o corpo
do jnani continuará vivo até que a força do seu prarabdha se extinga e quando isto
acontecer, cairá.” Geralmente se utiliza a ilustração de uma flecha que foi lançada e
continua até chegar ao alvo. Mas a verdade é que o jnani já transcendeu todos os
carmas, incluindo o prarabdha karma, e não está preso nem pelo corpo nem por seus
carmas.
Não existe nem um pouco de prarabdha para aqueles que atendem ao espaço de
consciência, que sempre brilha como “Eu Sou”; não está confinado ao vasto espaço
físico e penetra por todos os lados, sem limites. Este é o significado do antigo dito:
“Não existe o destino para aqueles que atingem ou experimentam os céus.”
Não, não será assim. Todo ato tem que ter consequências. Se algo atinge a raiz
de prarabdha, não o pode esquivar. Se o aceita, sem estar atado a ele em forma
específica e sem ter o desejo de que se repita ou que venha mais, não lhe fará dano, no
sentido de criar-lhe mais vidas. Por outro lado, se o desfruta com grande apego e
naturalmente deseja mais, ele definitivamente o conduzirá a mais e mais nascimentos.
Veja o que é o presente. Se fizer isto entenderá o que é que está afetado ou que
tem um passado e futuro; o que é o que sempre está presente e livre e que permanece
não afetado pelo passado ou pelo futuro, nem por nenhum carma passado.
P. Posso entender que os principais eventos na vida de um homem, tais como seu
país natal, sua nacionalidade, sua carreira ou profissão, seu casamento, sua morte, etc,
tudo isto está pré-determinado por seu carma, mas, é certo que todos os detalhes de sua
vida, incluindo os menores, também foram pré-determinados? Por exemplo, agora
mesmo, coloco este abanador que tenho na mão aqui, sobre o piso. Será certo que já
estava decidido que tal dia, há tal hora, eu deveria mover o abanador como fiz e colocá-
lo ali onde o coloquei?
Claro que sim. O que este corpo tiver que fazer e qualquer experiência pela qual
tiver que passar, já foi decidida quando ele chegou à existência.
A única liberdade que tem um homem é a de buscar e adquirir o jnana que lhe
possibilite não identificar-se com o corpo. O corpo passará pelos atos que são
inevitáveis, de acordo com o prarabdha e um homem pode escolher entre a
identificação com o corpo e estar atado aos frutos deste ou então estar desapegado a ele
e ser meramente uma testemunha de suas atividades.
Aham-vritti – O ‘pensamento-eu’.
Ajata – Não-causalidade.
Atma – O Ser.
Bhakti – A devoção.
Brahma – Deus hindu que cria o universo, é um dos três deuses da trindade principal
do Hinduísmo.
Chaitanya – Santo hindu do século XVI que foi conhecido por sua devoção a Krishna.
Chit – A consciência.
Dattatreya – Sábio mencionado várias vezes nos Puranas. Existe pouca informação
sobre sua vida, mas se pensa que o tratado de advaita intitulado
Avadhuta Gita foi obra dele.
Dhyana – Meditação.
Diksha – Iniciação.
Gayatri – O mantra védico mais famoso: “Que esse adorável, resplandecente Deus
ilumine quem medita sobre Ele.”
Janaka – Um rei hindu cuja vida e realizações são descritos no Ashtavakra Gita.
Kaivalya – Texto tamil sobre advaita, cujo título completo é Kaivalya Navaneeta.
Karma (carma) – Seus três significados principais são: a ação, as consequências das
ações e o destino.
Kevala – A unidade.
Laya – Literalmente, significa ‘dissolução’, mas Sri Ramana utilizava esta palavra
para indicar um estado similar ao transe, no qual a mente se aquieta
momentaneamente.
1) “Isso és Tu”
2) “Eu sou Brahman”
3) “Este Ser é Brahman”
4) “Prajnana (a consciência) é Brahman”
Maya – A ilusão.
Moksha – A liberação.
Mouna – Silêncio.
Mukti – A liberação.
Purusha Sukta – Uma parte do Rig Veda, escrito mais antigo do Hinduísmo.
“Quem Sou Eu” – Uma das primeiras obras de Sri Ramana, considerada a mais
simples e essencial. Foi escrita em 1901, a partir de perguntas que
foram formuladas.
Rajas – Atividade.
Raja Yoga – O sistema de yoga formulado por Patanjali; raja quer dizer ‘real’.
Sadhana – Literalmente, significa ‘meios’ mas em sentido mais geral quer dizer
‘práticas espirituais’.
Samadhi – Sri Ramana utilizava este termo para indicar um estado no qual se tem a
experiência direta do Ser.
Sastras – Escrituras.
Sat-sanga – Associação com o Ser, ou estar na presença de alguém que realizou o Ser.
Sattvico – Puro.
Savikalpa – Literalmente significa ‘com diferenças’, ainda que Sri Ramana o utilizava
para designar o nível de samadhi no qual a pessoa se mantém através de
um esforço constante.
Shirdi Sai Baba – Mestre espiritual excêntrico e carismático, conhecido por seus
poderes sobrenaturais. Morreu em 1918.
Siddhis – Poderes sobrenaturais.
Shiva – Uma das três principais deidades da trindade hindu; o Deus da destruição.
Sri Ramana também utilizava este nome para denominar o Ser.
Upadesa – Ensinamentos.
Upanishads – Partes finais dos Vedas. Deles derivam toda a filosofia vedanta.
Vada – Teoria.
Vedas – Coleção de quatro escrituras que datam de 2000 até 500ac e são a autoridade
máxima para a maioria dos hindus.
Vichara – Sri Ramana utilizava este termo para referir-se à indagação do eu.