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SAÚDE COLETIVA E

PSICOLOGIA
Profa. Ludmila Carvalho
profaludmilapsico@gmail.com
@ludmilapsicologa
Aula 10

HumanizaSUS:
Vol 5. Saúde Mental

Pte. 5
Bibliografia
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Mental. Ministério da
Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da
Saúde, 2015. 548 p. (Cadernos HumanizaSUS; v.5)
Disponível em:
https://redehumanizasus.net/acervo/cadernos-
humanizasus-volume-5-saude-mental/
13 - Acesso e Compartilhamento da Experiência na Gestão
Autônoma da Medicação: O Manejo Cogestivo
Jorge J. Melo, Paula B. Schaeppi, Guilherme Soares, Eduardo Passos

Resumo
◦ O artigo propões uma discussão sobre a Gestão Autônoma da Medicação (GAM) como
prática humanizada em saúde mental.
◦ De sua emergência nos equipamentos alternativos quebequenses à sua versão brasileira
acompanhada por pesquisadores, a estratégia GAM emerge e consolida-se como dispositivo
que conjuga ao reconhecimento e à reflexão acerca da experiência coletiva do uso de
medicamentos psiquiátricos, a afirmação dos direitos, do poder contratual e da qualidade de
vida dos usuários.
◦ Ao discutir o manejo cogestivo, como estratégia de contração da grupalidade e da
promoção de autonomia, o artigo propõe pistas de manejo, função que pode ser ocupada por
profissionais, usuários e pesquisadores.
Introdução
◦ Na década de 1980, multiplicaram-se no Quebec grupos de tratamento alternativo e grupos de suporte
mútuo em saúde mental.
◦ Formadas por pessoas vivendo com sofrimento mental e por cuidadores, as associações da sociedade
civil contestavam o internamento psiquiátrico e a contenção química vigentes na rede pública de
atenção, e propunham formas alternativas de tratamento e a defesa dos direitos dos usuários.
◦ Apostam na construção de outros lugares e de modos de fazer com a loucura surgem discussões
sobre o lugar da medicação psiquiátrica nas vidas das pessoas e a possibilidade para os usuários de
exercer maior poder e autonomia em relação às prescrições médicas, calcadas em classificações e
avaliações que, via de regra, dispensam a experiência do usuário.
 Iniciativa que pode ser pensada como novo modelo de prática humanizada na saúde mental: a Gestão
Autônoma da Medicação (GAM).
◦ Princípios: “a importância de uma qualidade de vida subjetiva; a retomada do poder contratual; o
reconhecimento da pluralidade de significações da medicação; o respeito pela pessoa, suas decisões e
seus direitos; uma abordagem ampla do sofrimento e do bem-estar”
◦ Não incita o aumento nem a diminuição dos medicamentos. É uma abordagem para o reconhecimento
ético do valor desta experiência e para a aposta de que ela conta para uma avaliação qualitativa na
gestão do tratamento.
◦ Em 2009, um grupo de pesquisadores de diferentes universidades brasileiras (Unicamp,
UFRGS, UFF e UFRJ) aliou-se a pesquisadores da Universidade de Montreal para adaptar a
GAM para o contexto brasileiro.
◦ Ao longo de um ano, pesquisadores realizaram Grupos de Intervenção (GIs) com usuários,
residentes e trabalhadores de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) nas cidades de
Campinas/SP, Rio de Janeiro/RJ e Novo Hamburgo/RS, lendo e discutindo o Guia GAM.
◦ A partir de então, apesar de manter seu foco original na experiência dos usuários de
medicamentos comumente usados em Psiquiatria, a GAM-BR passava a ser pensada cada vez
mais como uma estratégia de promoção de autonomia em coletivos cogestivos
◦ O Guia GAM-BR,8 resultado deste trabalho multicêntrico e participativo, organiza a discussão
em “seis passos”, divididos em duas partes.
◦ Os quatro primeiros passos estão organizados dentro da primeira parte do Guia.
◦ Os últimos dois passos, reunidos na segunda parte do Guia, propõem uma recapitulação dos temas
discutidos, visando, ao fim, à construção de um plano de ação coletivo no qual os participantes se
corresponsabilizam pela proposição de ações para enfrentamento dos problemas detectados por eles
ao longo do processo de discussão do Guia.
O manejo cogestivo como operação de contração da grupalidade
◦ A estratégia GAM no Brasil é aplicada sempre no contexto de GIs heterogêneos, os chamados Grupos GAM, com
a participação de usuários de saúde mental, trabalhadores e/ou residentes.
◦ Duas dimensões da estratégia GAM: uma instrumental e outra operacional.
◦ O Guia GAM-BR propõe-se a servir de instrumento para:
1) acessar a experiência coletiva do uso de medicamentos psiquiátricos;
2) auxiliar a promoção de práticas cogestivas que ampliem o grau de comunicação entre usuários e trabalhadores;
3) garantir o acesso a informações acerca dos direitos do usuário, terapias alternativas, redes de apoio, bem como sobre a
caracterização e os efeitos dos medicamentos mais comumente usados em Psiquiatria;
4) mobilizar discussões acerca da autonomia dos usuários diante das possibilidades de condução de seu projeto terapêutico;
5) omentar condições para o exercício do direito e o fortalecimento do sujeito de direitos em espaços de participação
◦ Função ao mesmo tempo clínica e política, que opera no grupo visando propiciar a emergência de novas
qualidades participativas.
◦ O manejo é localizado, porém descentralizante. O grupo tende a ser capaz de cogerir-se, sem ser necessária uma
condução sempre centralizada. A função do manejo cogestivo é promover participação contraindo grupalidade, de
modo a descentralizar-se e distribuir-se no grupo
◦ A “autonomia” indica o acesso à dimensão processual e compartilhada da experiência, ao plano comum que
possibilita a emergência de outros pontos de vista e ao reposicionamento dos sujeitos no grupo
Parte 2 – Relatos
de Pesquisas
Reportagem 1
Pesquisa em Saúde Mental no Brasil
Mariella Oliveira

Desafios e tendências de investigação nos serviços de saúde


◦ Ao longo do Cadernos HumanizaSUS Saúde Mental é possível observar diferentes vertentes e linhas de pesquisa que envolvem esta área da
saúde pública brasileira e movimenta centenas de grupos de pesquisa.
◦ Em uma busca pelo Diretório dos Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao se
digitar o termo “saúde mental”, são listados 454 grupos de pesquisa diferentes que têm alguma relação com o tema.

◦ Boa parte dos Caps localizados próximos a hospitais psiquiátricos encaminham usuários para internação nesses locais, quando na verdade
deveriam acolher a crise e encaminhar casos clínicos para o hospital geral.
◦ É fundamental a escuta do usuário. “Algumas queixas do trabalhador não fazem sentido para o usuário, como a visita domiciliar, que pode
parecer desgastante e difícil para o trabalhador, mas é tida como fundamental para o visitado.”
◦ Há uma tendência de achar que só o trabalhador tem razão, mas a visão dos usuários é verdadeira também e deve ser considerada.
◦ A pesquisa deve propiciar também mudanças na formação das pessoas que estão ainda nas faculdades”.
◦ Inserir os pesquisadores em formação nos serviços de saúde mental e aproximar a investigação das demandas da Rede de Atenção
Psicossocial (Raps),
◦ A metodologia participativa (pesquisa-intervenção) possibilita a construção coletiva da pesquisa, desde a elaboração dos objetivos e das
propostas do que deve ser pesquisado até a negociação da divulgação e o uso que os interessados querem fazer dos resultados”.
◦ Faltam metodologias que avaliem a dimensão do problema do álcool e drogas e o
tratamento dessas pessoas.
◦ Fala-se muito do aumento do crack, mas não há uma pesquisa confiável.
◦ A imprensa divulga as mesmas cenas, com as mesmas imagens de uso da droga, mas
não se sabe se efetivamente houve aumento nesse consumo, e quanto foi esse
aumento.
◦ A medicalização infantil é tambémum tema que merece investigação.
◦ Interessante pesquisar os apoios financeiros que os médicos recebem da indústria
farmacêutica para receitarem medicamentos às crianças, e a contribuição da
imprensa nessa medicalização.
◦ Não significa que não seja verdade que a pessoa tenha uma doença, mas é preciso
estudar se a influência desse crescente mercado consumidor de medicamentos pode
fazer com que ela passe a ter a doença.
◦ Há uma riqueza nas expressões culturais e artísticas da loucura.
◦ As pessoas com transtorno mental produzem música, teatro, literatura falando dessa
experiência que é ser excluído, rejeitado.
◦ A loucura não é só uma doença, ela leva o sujeito a ter uma condição específica na
sociedade.
◦ São pessoas que têm uma situação histórica de exclusão, por mais que se tenha uma
explicação médica, então é preciso mudar a forma com que as pessoas entendem e
aceitam essa diferença.
◦ A Reforma Psiquiátrica não foi só para humanizar o tratamento, mas para que se
construa uma nova relação com a loucura.
Investigação que dá poder aos usuários
◦ Proposta de metodologia de grupos de ajuda e de suporte mútuo para investir gradualmente no
empoderamento de usuários e familiares, em inovadora forma de se pesquisar a saúde mental.
◦ Grupos, organizados pelos usuários e familiares, oferecem a possibilidade de eles encontrarem-
se regularmente e trocarem suas experiências de retomada da vida, pois falam abertamente
suas dificuldades, são acolhidos, ouvem as experiências dos demais e identificam-se com
quem teve algum momento semelhante e reinventou sua vida.
◦ Para dar autonomia aos usuários em relação ao uso de medicamentos, o grupo Interfaces, da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), traduziu e validou para o português o Guia da
Gestão Autônoma da Medicação (GAM), desenvolvido no Canadá para pacientes com
transtorno mental grave.
◦ A prescrição dos medicamentos é pouco reformada na área da Reforma Psiquiátrica, as
pessoas não discutem com os médicos o porquê de se tomar ou não um remédio nem analisam
o lugar do remédio em sua vida.
Parte 2 – Relatos de Pesquisas

1 - A Experiência de Produção de Saber no Encontro entre Pesquisadores e Usuários de


Serviços Públicos de Saúde Mental: A Construção do Guia GAM Brasileiro
Rosana Onocko Campos

Resumo
◦ Neste artigo, reunimos usuários de saúde mental de Campinas/SP, Novo Hamburgo/RS e Rio de
Janeiro/RJ e docentes e estudantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
para contar como foi o encontro entre nós durante a realização da Pesquisa da Gestão
Autônoma da Medicação (GAM), que congregou estas e outras universidades em uma pesquisa
com financiamento internacional na qual todos nós nos tornamos pesquisadores em Saúde Mental.
◦ Lado a lado sentamos-nos também para contar essa história desde onde tudo começou até os
efeitos que este trabalho produziu em nós.
◦ Esperamos, assim, contribuir com os modos de fazer pesquisa qualitativa em saúde, aproximando
universidade e comunidade para fazer juntos.
◦ A pesquisa envolveu usuários, chamados para dizerem tanto o que achavam dos serviços quanto quais
dimensões deles deveriam ser avaliadas.
◦ Processo fundamental e fundador de uma experiência rara no Brasil, que nos abriu para uma prática científico-
política por nós até então desconhecida: a de definir perguntas de investigação juntos, usuários e pesquisadores.
◦ Ao longo de 2010, a partir do material empírico dessa experiência, trabalhamos na construção do Guia GAM
brasileiro (Guia GAM-BR).
◦ Nos encontros da pesquisa, ocorria compartilhamento de saberes entre pesquisadores e usuários, onde todos nós
experimentamos uma mudança de lugar e um exercício de coconstrução.
◦ No início do projeto, nós, usuários, éramos participantes da pesquisa e, ao longo do processo, tornamo-nos
também pesquisadores, convidados a participar das reuniões na Universidade e a nos engajarmos em outros
projetos com os acadêmicos.
◦ Hoje, no momento em que escrevemos, identificamos três modos de participação: os pesquisadores usuários, os
colaboradores (usuários e profissionais) e os pesquisadores acadêmicos.
◦ Pensávamos que este seria um artigo escrito por usuários com ajuda dos acadêmicos: os usuários transmitiriam o
saber de quem passou pela experiência de adoecer e receber tratamento, assim como as possíveis diferenças e
reflexões surgidas com a participação na pesquisa; e os acadêmicos ofereceriam as ferramentas técnicas para que
este texto ganhasse visibilidade no meio científico.
◦ Contudo, ao longo do processo de escrita, percebemos que era impossível separar a experiência do usuário e a
do pesquisador, e que precisávamos falar de nós, sem distinção entre pesquisadores e pesquisados.
Sobre a GAM
◦ Gestão Autônoma da Medicação é uma prática ligada ao atendimento em saúde mental cuja meta é
esclarecer o uso de medicamentos no cotidiano, tornando seus usuários cogestores no tratamento.
◦ Ao longo da “trajetória GAM”, deparamo-nos com o fato de que, embora alguns de nós não tivéssemos um
diagnóstico enquanto outros tínhamos diagnósticos diferentes, sentíamos coisas muito semelhantes e/ou os
mesmos sintomas.
◦ Às vezes é difícil diferenciar quando é sentimento e quando é sintoma – podemos, por exemplo, confundir
tristeza com depressão.
◦ Observamos uma tendência a considerar os sentimentos de pessoas com transtorno mental como sintomas:
um participante, ao contar para o terapeuta que estava triste e angustiado, ouviu este lhe sugerir aumento da
dose do medicamento.
◦ A experiência do uso de medicamentos remete ao risco iminente de crise e à internação, colocando o recurso
medicamentoso em um lugar pouco visitado para discussão.
◦ No entanto, a prioridade na saúde mental ainda é o tratamento medicamentoso.
◦ Defendemos que outras terapêuticas sejam oferecidas, bem como lazer, esporte e cultura. A importância do
Guia GAM é não olhar só para o medicamento.
◦ Será que a rede de saúde mental está estruturada para acolher um cidadão esclarecido, apropriado das
informações, politizado? Está preparada para lidar com a loucura cidadã?
◦ É importante cuidar do funcionamento dos serviços para evitar o seu próprio adoecimento, pois o Caps
pode gerar um círculo vicioso - É uma espécie de contaminação que atinge tanto os profissionais quanto
os usuários.
◦ Por isso, o Caps tem de ter uma boa estrutura e divisões de trabalho; tem de romper com o paradigma do
manicômio e desenvolver estratégias para que os usuários superem as dificuldades que encontrarão na
sociedade.
A arte da vida é enfrentar o cotidiano”, dizia Paulo Freire. Não é simples enfrentá-lo, a vida é muito difícil
◦ Nesse contexto, encontra-se também o estigma: se a pessoa é humilhada, massacrada, isso vai refletir
em desequilíbrio emocional, ela adoece, agoniza, enlouquece.
◦ É necessário valorizar o lado criativo da nossa vida, resgatar a dimensão da realidade e de nossos
sonhos, florescer o interior, o lado espiritual. É preciso considerar a luz das pessoas, a poesia, a música, a
arte e as habilidades de cada um.
◦ Devemos ter em mente que a possibilidade de realização dos sonhos não acaba com a doença, o sonho
continua.
◦ Para atingirmos nossos ideais é necessário, portanto, que exista autonomia, envolvendo as relações entre
profissionais e usuários e produzindo mudanças significativas para lutar contra o sistema adoecido com o
qual nossa realidade se depara.
2- O Tempo, o Invísível e o Julgamento: Notas Sobre Acolhimento à Crise em Saúde
Mental em Emergências de Hospitais Gerais

Débora Leal, Diego Drescher, Eduardo Eggres, Liana Cristina Della Vecchia Pereira, Mário Francis Petry Londero, Renata Flores Trepte, Simone Mainieri
Pauloné, Alice Grasiela Cardoso Rezende Chaves, André Luis Leite de Figueiredo Sales, Carolina Eidelwein, Cássio Streb Nogueira

◦ Uma cartografia dos modos de acolhimento operados na atenção à crise em saúde mental, elaborado a partir de uma
pesquisa-intervenção realizada com três emergências de hospitais gerais em Porto Alegre.
◦ Os processos de cuidado em relação à saúde mental que nela aparecem são tão plurais e individualizados quanto às
estratégias de que os trabalhadores lançam mão para dar conta das ansiedades que tais atendimentos mobilizam.
◦ A proposta era a de colocar em análise o acolhimento com o tema da crise em saúde mental, com o objetivo de subsidiar
possíveis revisões dos critérios de avaliação de risco relativos à saúde mental presentes nos protocolos de classificação
de risco adotados pelos serviços estudados, bem como a discussão dos modos de utilização dessa ferramenta atrelada ao
acolhimento.
◦ O medo ao desconhecido, o estigma associado à loucura e, fundamentalmente, a sensação de despreparo dos
profissionais para escutar e resolver os problemas que surgem nas emergências produzem efeitos de invisibilidade sobre
a dimensão da saúde mental presente em muitos dos atendimentos realizados.
◦ É nesse contexto que o tempo, o invisível e o julgamento emergem como analisadores dos modos de trabalhar nas
emergências e podem indicar pistas para o resgate do sentido, muitas vezes perdido, do acolhimento como diretriz e
dispositivo de humanização da saúde.
◦ A Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, da Reforma Psiquiátrica e a Portaria MS/GM nº 2048, 5 de
novembro de 2002 determinam que a atenção às urgências psiquiátricas seja responsabilidade dos
serviços de urgência e emergência dos hospitais gerais.
◦ Fez-se necessária a criação de dispositivos de atenção diferenciados, que funcionassem em rede e
subsidiassem o direcionamento para um modelo de atenção no campo da Saúde Mental.
Nesse caso as situações de crise assumem especial importância.

◦ À medida que os hospitais psiquiátricos devem ser progressivamente fechados, o atendimento à crise
em saúde mental passa a ser realizado nos hospitais gerais que assumem posição estratégica no
cuidado das pessoas com transtornos psíquicos.
◦ É possível observar alguns entraves no que diz respeito ao modo e à velocidade com que a rede de
saúde tem-se estruturado diante do ritmo das necessidades da população usuária e das próprias
proposições jurídico-políticas criadas para atendê-las.
◦ As falas dos trabalhadores dos três serviços de emergência incluídos no presente estudo, o qual
sistematiza os desdobramentos da pesquisa Humanização em saúde mental: estratégias de
acolhimento à crise em serviços de emergência de hospital geral ajudam a compreender alguns
desses entraves.
O tempo das emergências
◦ A Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.451, de 17 de março de 1995, estabelece nos parágrafos I e II
do artigo 1º, as definições para os conceitos de urgência e emergência a serem adotas na linguagem médica no
Brasil.
◦ Define, ainda no parágrafo primeiro, que urgência é a “ocorrência imprevista de agravo à saúde com ou sem risco
potencial de vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata”.
◦ No parágrafo segundo, a definição de emergência aparece como “a constatação médica de condições de agravo
à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto, tratamento médico
imediato”.
◦ Assim, o emergencial está relacionado a algo que ocorre subitamente e o urgente com aquilo que tem premência.
◦ Se compararmos essas duas modalidades é necessário demarcar que a emergência clama por uma intervenção
mais rápida do que a urgência.
◦ Em outras palavras, trata-se de investir de potencialidade a palavra “emergência”, tomando-a como aquilo que
emerge entre usuário e profissional, como um momento de encontro intensivo entre ambos nos processos de
produção de saúde.
◦ A esse respeito, foi possível observar que prevalece um modo de cuidado predominantemente hierárquico,
verticalizado, a partir de procedimentos técnicos protocolados para com um usuário tomado, a priori, como em
estado de passividade.
◦ Uma constante no discurso dos profissionais das emergências são as palavras: rápido, efetivo
e estabilizado.
◦ O tempo das emergências é o “tempo do paciente vermelho” (na classificação de risco que
coloca estes como os pacientes que demandam atendimento imediato).
◦ A partir dessa lógica, temos uma problemática em relação ao acolhimento nas emergências, já
que ele corre o risco de ser tomado por um viés organicista, no qual se abriria mão de
considerar os aspectos psíquicos e sociais constitutivos da vida como elementos importantes
para o cuidado integral em saúde.
◦ Vale ressaltar que problematizar o cuidado à crise em saúde mental nesses contextos, não
significa abrir mão, sequer deixar de priorizar absolutamente o atendimento aos “pacientes
vermelhos” – motivos primeiros de existência das emergências!
◦ Significa, sim, produzir tensão na lógica vigente de atendimento emergencial, na qual um saber
biomédico focado num corpo/órgão “em falência” (ou em vias de) parece ser único, exclusivo e
determinante do que merece ou não receber cuidado
O invisível: dos muitos mundos e modos de “acolher”
◦ A crise em saúde mental pode ser considerada um episódio de desestabilização específica em
que o sujeito parece não dar conta das intensidades afetivas que lhe perpassam naquele
momento, impedindo tanto a própria pessoa, quanto aqueles de seu convívio, de levarem sua
vida cotidiana.
◦ Uma vez apropriada e definida pelo saber psiquiátrico, entretanto, a crise em saúde mental
passa a caracterizar o ponto máximo de intensificação da periculosidade do sujeito, no qual
ocorre aumento da imprevisibilidade das atitudes e exacerbação da presença de
comportamentos bizarros e arriscados.
◦ Muitos dos trabalhadores entrevistados consideram que a emergência de um Hospital Geral
não é lugar para esse tipo de atendimento. Alegam a necessidade de estrutura diferenciada, de
tecnologia específica, de formação especializada e de uma série de condições “especiais” que
colocariam o Hospital Geral fora dos limites de possibilidades para acolher o usuário em crise,
dados os perigos e riscos que supõem acompanharem invariavelmente a loucura.

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