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Cruzadas e renascimento comercial

APRESENTAR O ACONTECIMENTO DAS CRUZADAS, SEUS IMPACTOS PARA O FEUDALISMO E A


SOCIEDADE MEDIEVAL E O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO ENTRE OCIDENTE E ORIENTE.
Apresentação
As chamadas Cruzadas foram um fenômeno histórico diretamente ligado ao contexto da
prosperidade e auge do sistema feudal e ao movimento expansionista promovido pela
Igreja Católica. Como vimos em aulas anteriores, o período do aquecimento medieval
(800-1200) e a expansão do Islã acabaram contribuindo para que o feudalismo se
firmasse e encontrasse seu auge. Primeiro, porque a mudança climática permitiu uma
melhora substancial no campo (agricultura, técnicas de plantio, criação de animais,
colheitas abundantes, fertilização do solo), diminuindo em muito a fome e as
epidemias. Segundo, porque a expansão do islamismo, a partir do século VIII, forçou
o comércio europeu a deslocar-se do Mediterrâneo e norte da África para o interior
e norte da Europa, fortalecendo os laços comerciais e diplomáticos entre os reinos
europeus.

Com a expansão comercial, aumento demográfico e baixa mortalidade, mais terras para
cultivo e criação de animais eram necessárias para suprir a demanda exigida. Tal
expansão territorial também incluía a expansão da fé, mas é claro que outros
fatores externos contribuíram para tal movimento.

Condições externas

Como dissemos acima, e em outras aulas também, a expansão islâmica do século VIII
teve uma série de impactos na Europa feudal e católica, mas apenas no século XI os
Reinos europeus e a Igreja armaram uma contraofensiva mais enérgica contra tal
expansão. Em boa parte, tal ofensiva foi provocada pela conquista de Jerusalém
pelos turcos muçulmanos em 1076, proibindo a peregrinação de cristãos à cidade.

Com isso, a Igreja conclamou os Reis cristãos a se levantarem contra os muçulmanos


e iniciar uma guerra santa para reconquistar Jerusalém. Claro que a conquista de
novas terras, expansão de rotas comerciais e promessas de monopólios e
exclusivismos mercantis estavam juntos no pacote. Já que o feudalismo estava em seu
auge, com prosperidade comercial, abundância de alimentos e aumento demográfico, os
Reinos, inicialmente, tinham tudo a seu dispor: matéria prima e mão de obra para
confecção de armas, escudos e armaduras; boa quantidade de suprimentos para
alimentar as tropas; e um bom número de pessoas para morrer nas batalhas.

Vamos lembrar novamente que, apesar da abundância de alimentos e diminuição


considerável das epidemias e doenças, a alta demográfica também já começava a
forçar um certo excedente de braços. Ou seja, começava a ter uma parcela de pessoas
que encontravam dificuldades para encontrar trabalho e moradia. As guerras das
Cruzadas foram, portanto, uma oportunidade não apenas de ocupar tal excedente
demográfico, como também a oportunidade, para muitos homens pobres, de terem uma
ocupação dentro dos exércitos. Bem como acesso a alimentação, moradia e roupas.
Caso o soldado se destacasse e calhasse de salvar a vida de algum nobre guerreiro,
poderia conquistar algum cargo mais elevado na corte de um duque ou de um barão ou,
quem sabe, até um título de nobreza, ainda que baixo, o que lhe garantiria terras e
ganhos.

SAIBA MAIS.
Vários filmes já retrataram as Cruzadas nos cinemas. Um deles é a comédia italiana
O Incrível Exército de Brancaleone (Itália: Mario Monicelli; 1966) e sua sequência,
Brancaleone nas Cruzadas (Itália: Mario Monicelli; 1970), no qual o maltrapilho
Brancaleone de Norcia forma um exército improvável e atrapalhado de famintos e
ladrões, partindo em direção a terras que julga ter direito, deparando-se com a
peste negra, bruxas e bárbaros, até parar nas Cruzadas rumo ao Oriente e suas
promessas de riqueza e redenção.
Com o chamado às Cruzadas atendido por vários Reis, nobres e pobres, contando com
os investimentos de uma burguesia ávida por ampliar seus negócios e suas rotas
comerciais, a Igreja torna-se a maior força política e espiritual do continente.
Nas bandeiras que usavam para ir à luta, havia o desenho de uma cruz, simbolizando
os cristãos. Daí a denominação de Cruzadas.

Campanhas pela Fé e pelo Comércio

O ano de 1096 marca a primeira Cruzada ao Oriente, sendo que, três anos depois, os
cristãos invadiram Jerusalém, matando muçulmanos, judeus e até cristãos ortodoxos
locais no caminho, tomando posse da cidade e confiscando os bens dos moradores,
provocando revoltas populares.

Apesar de já haver um antissemitismo em algumas regiões da Europa, muitos


entenderam que as Cruzadas eram não apenas contra os muçulmanos, mas também aos
judeus, assassinando comunidades inteiras em vilarejos por onde passavam e, muitas
vezes, nem sequer dirigindo-se ao Oriente, contentando-se em caçar judeus pela
Europa mesmo. Foi o caso de um grupo de dez mil cruzados liderado pelo conde Enrico
de Leiningnen, em meados de 1096, massacrando comunidades judaicas ainda na região
do Sacro Império Germânico (Alemanha). Em algumas comunidades, era oferecida a
oportunidade de conversão, ou a morte. Claro que havia membros do clero e outros
nobres que não partilhavam de tal concepção de cruzada, mais próxima de um
linchamento.

Tais milícias, chamadas de Cruzadas Populares, no entanto, não tinham disciplina


militar, compostas por pequenos nobres e camponeses esfomeados, e, ao entrarem em
contato com os povos cristãos do Leste europeu, entravam em conflito devido as
diferenças culturais, além de contarem com a falta de planejamento. Portanto, era
comum que tropas cruzadas que saíssem do interior da Europa, ao chegarem no Império
Bizantino (atual Turquia), já estivessem reduzidas a um terço do grupo original.
Alguns, devido a conflitos internos, separaram-se em grupos distintos, mas sem
conhecimento geográfico prévio da região turca e oriental, não apenas perdiam-se
facilmente pelos caminhos, mas acabavam sendo massacrados pelos guerreiros
muçulmanos locais, mais experientes. Há relatos de tropas cruzadas que sequer
chegaram ao Oriente. Os cristãos sobreviventes se dispersaram, misturaram-se aos
locais e até se converteram ao Islã, outros conseguiram abrigo em castelos e casas
de cristãos, até serem resgatados por outra tropa cruzada.

Muito diferente das Cruzadas Populares eram as chamadas Cruzadas dos Nobres, ou
cruzadas oficiais. Estas contavam com tropas fortemente armadas, soldados bem
treinados, liderados por uma nobreza guerreira rica e seus códigos de honra. Como
contavam também com a presença de representantes diretos do Papa, mantinham seus
objetivos iniciais com mais foco.

SAIBA MAIS.
As cruzadas e os Árabes.

As cruzadas eram vistas como um movimento para reconquistar a Terra Santa dos
infiéis, entretanto na visão do Oriente Médio, os cruzados eram visualizados como
invasores e bárbaros. Temos livros interessantes que destacam as fontes muçulmanas,
demonstrando que as versões orientais e ocidentais não coincidem. Nesse sentido,
a brutalidade dos cruzados conforme os árabes chocou os habitantes locais e
provocou revolta no mundo islâmico, sendo acusados de saques e massacres de
mulheres e crianças.

Hoje com a globalização e a internet é possível encontrarmos versões e publicações


de diferentes países que permitem traçarmos um painel mais crítico e pormenorizado
da atuação dos combatentes.
Com as vitórias da Primeira Cruzada, vários estados cruzados se estabeleceram
(Condado de Edessa, Principado de Antioquia, Reino Latino de Jerusalém, Condado de
Trípoli e o fortalecimento de outras unidades cristãs, como o próprio Império
Bizantino e o Reino Armênio da Cilícia. Quando o líder da Cruzada, Godofredo de
Bulhão, morreu em 1100, seu irmão, Balduíno I é aclamado primeiro rei cristão de
Jerusalém, implementando o sistema feudal europeu no Oriente, com várias adaptações
(já vimos sobre este assunto em aula anterior), como a distribuição de terras aos
vassalos dos reis e a cobrança de taxas à plebe comum.

As regiões ocupadas pelos cristãos foram divididas conforme os Reinos de onde


vieram os ocupantes, no caso, França, Itália, Inglaterra e Império Germânico. Os
povos locais (muçulmanos, armênios, judeus e cristãos ortodoxos) não exerciam
nenhum poder local. Claro que isto agravou o conflito entre a nobreza católica e os
governantes cristãos ortodoxos de Constantinopla (capital do Império Bizantino),
principalmente ao substituir os patriarcas ortodoxos pelo clero católico. Estando
em minoria e cercados por muçulmanos e ortodoxos, os estados latinos católicos
mantinham-se em constante estado de guerra, erigindo castelos e fortalezas,
invadindo e saqueando territórios vizinhos, contratando mercenários locais.

Como três dos quatro estados cruzados eram cidades portuárias, as frotas mercantis
de Gênova e Veneza, principalmente, foram as maiores responsáveis pela manutenção e
sobrevivência econômica de tais regiões. Isto tudo encorajou levas e levas de
peregrinos a formarem grupos menores (às vezes, monges membros de alguma Ordem
mendicante menor) em direção a Jerusalém.

SAIBA MAIS.
O filme "Cruzada", do diretor Ridley Scott, se passa durante a Terceira Cruzada,
ocorrida nos anos de 1189 a 1192. Nessa época, cristãos e muçulmanos conviviam
pacificamente na região, resultado dos esforços do sultão de origem curda Saladino
e Baldwin IV que governava o reino Latino de Jerusalém. A situação se modifica com
a morte do monarca cristão que padecia de lepra, seu sucessor provoca uma guerra
que resulta em uma vitória e a tomada de Jerusalém pelos muçulmanos.

Em "Arn o cavaleiro templário" filme dirigido por Peter Flinth. O personagem Arn
foi criado com o objetivo de ser um monge e um bravo guerreiro. Ao deixar sua
terra, em meio à guerra entre cristãos e muçulmanos, ele conhece Cecília e se
apaixona, mas acaba indo lutar na Terra Santa como um cavaleiro templário.

Consequências e Impactos das Cruzadas no Ocidente


A Segunda Cruzada, realizada em 1147-1149, em resposta à reconquista do Condado de
Edessa pelos muçulmanos em 1144, foi um retumbante fracasso, não conseguindo
retomar a região, além de acirrar os ânimos entre ortodoxos e católicos e deixar o
Reino de Jerusalém fraco politicamente. A única vitória desta cruzada estava longe,
na Península Ibérica e na reconquista de Lisboa, anexando-a ao recém proclamado
(1143) Reino de Portugal.

Após estes fracassos, poucos foram os reforços enviados da Europa, já que por terra
os turcos fecharam os caminhos, deixando apenas as vias marítimas disponíveis, com
navios saindo das cidades italianas. O Império Bizantino, aos poucos, foi retomando
o controle político e administrativos das áreas dos estados latinos. Até que o
líder militar muçulmano, Saladino, proclamado sultão do Egito em 1171, unifica esse
território à Síria, atingindo duramente os cruzados e os bizantinos. Até 1187,
Saladino já havia reconquistado a maioria dos territórios cruzados e, inclusive, a
cidade de Jerusalém, provocando a Terceira Cruzada.
Não vamos aqui expor os acontecimentos cruzada por cruzada. Basta dizer que mais
cinco cruzadas ocorrem além da Terceira, até 1270, apesar de muitos historiadores
apontarem que a reconquista da península ibérica, efetuada totalmente em 1492,
ainda fazia parte do combo. Mas nenhuma delas teve o mesmo êxito da Primeira no
Oriente. No fim das contas, os muçulmanos expulsaram os cristãos da região,
deixando apenas alguns acordos comerciais com cidades italianas como Veneza e
Gênova.

Mesmo tendo fracassado, de maneira geral, as Cruzadas trouxeram uma série de


consequências para o contexto medieval europeu. Uma delas foi abalar as bases do
sistema feudal com o empobrecimento dos senhores feudais, devido aos investimentos
feitos para os custos de guerras fracassadas e sem retorno econômico. Outro impacto
relacionado às bases do poder feudal foi, em contrapartida, o fortalecimento do
poder real, já que os senhores feudais empobreceram e perderam prestígio e poder
local.

Em termos comerciais, houve certa vantagem com a retomada de rotas mercantis no


Mediterrâneo, contribuindo para o desenvolvimento do intercâmbio comercial entre
Europa e Oriente. Cidades italianas portuárias, como Veneza, conseguiram o
monopólio de comércio de determinadas mercadorias vindas do Oriente (Arábia, China,
Índia e África), com comerciantes bizantinos e muçulmanos. Tal comércio acelerou o
processo de expansão urbana, o enriquecimento da burguesia mercantil, o
desenvolvimento de oficinas artesanais com o uso de novas matérias primas e
contribuiu para uma maior diversificação de produtos e de culturas.

Produtos que iam desde a vestimenta (seda, linho, tintas para tingir tecidos,
técnicas de fiar) até os alimentos (açafrão, anis, cravo, pimentas, canela, açúcar)
não foram simplesmente mercadorias introduzidas aleatoriamente. Elas carregam toda
uma cultura distante em si mesmas, desde os nomes estrangeiros que ostentam até as
práticas de cultivo e a forma de preparar as comidas. Afinal, se gastronomia não é
cultura, nada é.

A necessidade de financiar as Cruzadas também levou a uma maior circulação de


moedas e a instituição de casas de câmbio, de depósitos e de crédito, futuramente
conhecidas como Bancos. Os saques promovidos pelos cruzados também levaram uma
maior quantidade de materiais valiosos para a Europa (ouro, prata e outros metais),
usados para cunhar mais moedas. No século XIII, a maior parte das transações
comerciais e prestações de serviços entre pessoas comuns já envolviam as moedas, e
não o escambo. Vimos sobre isto em aulas anteriores também, tendo um profundo
impacto na mentalidade medieval, a respeito da prática da usura e dos movimentos
heréticos, minando a autoridade da Igreja católica.

Além disso, no tempo em que os cruzados permaneceram no Oriente, estes também


tiveram acesso às bibliotecas e instituições de ensino (escolas e universidades)
muçulmanas, dando grande impulso para a criação das primeiras universidades cristãs
na Europa no século XII. Com isso, a ciência (matemática, medicina, astronomia)
também voltou crescer, levando ao fenômeno do Renascimento que, como veremos
adiante, anunciou algumas das mais importantes rupturas com a mentalidade medieval:
o questionamento teológico e o retorno à razão como forma de compreensão do mundo e
do homem.

KARL MARX E MAX WEBER.


Dentre os autores clássicos que estudaram as origens do sistema capitalista estão
Karl Marx e Max Weber:

Para Karl Marx (1818-1883) a transição do feudalismo para o capitalismo ocorreu sob
o esfacelamento das instituições medievais que entravam em uma profunda crise com
as mudanças ocorridas. Essa crise na estrutura da sociedade feudal ocorreu quando
as relações de produção servis se tornaram um obstáculo para o desenvolvimento das
forças produtivas. Nesse cenário surgiu a classe burguesa e uma longa transição que
resultaria no modo de produção capitalista.

Segundo Max Weber (1864-1920) o Capitalismo deve ser entendido como modernidade, o
espírito do capitalismo seria uma ética ou código de valores que era diferente de
tudo que havia existido até então. Essa ética propiciou condições para que o
capitalismo viesse a se desenvolver em países protestantes. Em tal contexto,
explicava que o trabalho árduo e frugalidade são valores expostos pela
fé Protestante.

Os quatro estados cruzados fundados após a tomada de Jerusalém, em 1099. Na imagem,


fronteiras de tais estados em 1135, entre a Primeira e s Segunda Cruzada.

Gravura do século XII mostrando o cerco de Jerusalem, em 1099, durante a Primeira


Cruzada.
Fonte: Wikimidia Commons

Marco Polo (1254-1324) foi um viajante italiano e suas aventuras entre a Europa e a
Ásia foram narradas no livro
Fonte:
Referências
MACDONALD, Fiona. O cotidiano europeu na Idade Média. São Paulo: Melhoramentos;
1995.

MAALOUF, Amin. As cruzadas vista pelos Àrabes. SP: Brasiliense, 1998.

MACEDO, Jose Rivair. Movimentos populares na Idade Média. SP: Moderna, 1990

MAGNOLI, Demétrio (org.). Cruzadas na idade média. In: MAGNOLI, Demétrio (org.).
História das guerras. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006. cap., p. 101-132. E-book.
Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2021.

SENISE, Elaine; SENISE, Maria Helena. História fundamental. São Paulo: Atual
Editora; 2011.

THERON, J.; OLIVER, E. Changing perspectives on the crusades. Hervormde Teologiese


Studies, Pretoria, v. 74, n. 1 2018. Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2021.

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