Você está na página 1de 7

FRANCO JR. “As Cruzadas no Oriente e no Ocidente.” In: As Cruzadas.

São Paulo:
Brasiliense, 1981, p. 38-65.

ADENAILTON DA SILVA RODRIGUES

Hilário Franco Júnior é professor do programa de Pós-Graduação em História Social


da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Centre d’Études Médiévales, Auxerre,
CNRS/Université de Bourgogne. É um dos principais medievalistas brasileiro, tendo seu
trabalho historiográfico reconhecido também fora do país. Sem dúvida alguma, a importância
que alcançou suas pesquisas em meio aos medievalistas europeus, contribuiu muito para o
fortalecimento dos estudos da área junto aos departamentos das universidades brasileiras e
instituições de fomento de pesquisa. Tendo consagrado seu trabalho à Idade Média Ocidental,
voltado particularmente para a cultura, a sensibilidade coletiva e a mitologia deste período,
bem como para as reflexões teóricas que fundamentam tais pesquisas, o professor Hilário é
autor de uma vasta produção bibliográfica na qual podemos destacar as obras: As utopias
medievais; A Eva barbada; Ensaios de mitologia medieval; Cocanha: várias faces de uma
utopia; A História de um país imaginário; O ano 1000: Tempo de medo ou de esperança?; A
Idade Média: nascimento do Ocidente; Os três dedos de Adão.

No capítulo As cruzadas no Oriente e no Ocidente, representada na obra As Cruzadas


(1981), o autor descreve os movimentos das cruzadas no Oriente e no Ocidente, perpassando
por suas causas vistas do ponto social, econômico, político e religioso. As causas e
consequências das guerras Santas estarão atreladas a esses quatro mecanismos estruturais
vigentes na época, já que houve um avanço na parte comercial principalmente em Veneza e
Gênova no qual tornou propício o aparecimento de saques por pessoas pobres e hereges (esse
combatido severamente). Houve também uma relação social entre a sociedade guerreira,
camponês e clérigos, essa muito direcionada a que Duby (1993) explicitou de “Instituição da
paz”. Sem duvida, o grande embate que se seguia tanto no Oriente e Ocidente era pela
hegemonia religiosa perante o mundo, tendo o cristianismo que vigorou por muitos anos e no
qual conseguiu poder inimagináveis e do outro lado o Islamismo que buscou difundir suas
crenças além do seu continente. Desse modo, as cruzadas foi uma válvula de escape para as
tensões que surgiram no feudalismo, porém com o fracasso das cruzadas uma aceleração e
desestruturação da sociedade feudal são visíveis, no qual novos conceitos e crenças são
instauradas na base estrutural social europeia como, por exemplo, os povos judeus e
mulçumanos. Esses mudaram de forma expoente os mecanismos de poder do cristianismo e
viraram concorrentes comerciais na Europa.

O autor menciona que as cruzadas foram resultado de um conjunto de fatores materiais


e psicológicos. Acredita-se que os fatores matérias teriam sido a expansão demográfica,
inovações agrícolas, devedores em busca de posses, perdão dos pecados, promessas de terras
imaginárias, e essa vai está atrelada a uma elaboração fictícia que funcionou como uma
válvula de escape para a situação de muita gente naquela sociedade se tornando uma
estratégia de recrutamento para as cruzadas. Assim sendo, as matérias foram as formas de se
redimir dos seus pecados, além de acreditar no salvamento da miséria. Os fatores
psicológicos, era a contratualidade feita entre Deus e aos cristãos, no qual faziam-se acreditar
que tinham feito um contrato com Deus e com isso coube aos fiéis e infiéis libertá-la. Além
disso, houve a belicosidade em que eram penitentes em busca de perdão e a peregrinação em
lugares sagrados. Nota-se que esses dois mecanismos foi bastante trabalhado durante todas as
cruzadas, por que realmente a questão material, espiritual e psicológica condiz com a
historiografia das guerras travadas em busca da cidade Santa e como a Igreja se utilizou da fé
das pessoas para iludirem, persuadir, apresentando contos imaginários sobre uma terra livre
de miséria e pobreza, além de uma terra sem os “bárbaros” mulçumanos.

A primeira cruzada (oficial), denominada “Cruzada popular”, aconteceu por um dos


fatores mencionados no parágrafo anterior que seria psicológico. Quando o papa Urbano II
convocou o exército europeu para atacar os muçulmanos, ele pregava que até mesmo infiéis
poderiam tocar em armas e que se lutassem por seu Deus seus pecados seriam perdoados.
Com isso, milhares de pessoas uniram-se à causa, pobres e miseráveis, ladrões e campesinos
desamparados. Passaram pela Hungria, Bulgária e na Alemanha onde diversas comunidades
judias foram massacradas. Após serem massacrados pelos búlgaros os cruzados chegaram a
Constantinopla, contudo o imperador bizantino queria afastá-los da cidade e para isso
convenceu a atacar os turcos, ou seja, o imperador lhes forneceu transporte para a Ásia lugar
onde passaram fome e sede. Cego por “amor” a Deus, continuaram, e a grande maioria
morreu, mas nota-se que o movimento cruzadista desde cedo teve estratégias psicológicas que
fez com que as pessoas lutassem sem medo de morre. havendo assim, um “fanatismo” cristão
que mesmo sem recursos continuavam em frente ao combate, ou seja, as cruzadas trouxe para
a sociedade medieval uma grande miscigenação de classes, já que todos estão de frente a um
único inimigo da cristandade, os mulçumanos.
Antes de entrar nas próximas cruzadas que se sucederam, vale aqui ressaltar um ponto
negativo na obra de Hilário Franco Júnior, a questão da perspectiva muçulmana em seu
trabalho. Muito foi falado sobre as cruzadas e seus agentes, porém pouco foi mencionado
como os mulçumanos viam aquele embate, o porquê desses terem partido para Jerusalém e
qual o motivo que iniciou o interesse desses povos a entrarem em guerra contra a Europa.
Nota-se um eurocentrismo na obra do autor, cujos heróis e religião mencionada com maior
destaque é voltada para a Europa. Retomarei esse pensamento no decorrer do trabalho, agora
farei um resumo de cada cruzada.

Logo após a Cruzada Popular, teve-se a primeira, segunda e terceira cruzadas no


oriente. A primeira foi formada pela nobreza e supervisionada pelo papado, antes de tudo o
imperador bizantino exigiu um juramento de fidelidade e compromisso dos cruzados, no qual
as primeiras terras conquistadas devem ser entregues a Bizâncio. Contudo, esse acordo não
durou muito principalmente quando a cidade de Nicéia foi conquistada e entregue a Aleixo I
que garantiu a vida de todos da cidade e isso foi visto como traição, a partir disso os cruzados
não entregaram as outras cidades conquistadas ao longo do caminho, ou seja, na primeira
cruzada o principal foco foi o arrendamento de terras e poder, isto é, ocorrendo uma relação
de poder entre os cruzados e o imperador. A segunda não fará diferente da primeira em
questão de jogo de interesse e poder, pois houve uma pressa em conquistar mais territórios e
com isso, fazem fracassar esta cruzada. O autor, menciona que na terceira cruzada crescia no
Egito aquilo que seria o algoz dos cruzados, Saladino. Contudo, como muitas guerras
estavam eclodindo não demoraria muito para começar uma batalha por poder, França e
Inglaterra travam batalhas entre si e esquecem-se da “Terra Santa”. Saladino toma Jerusalém.
Interesses comerciais, políticos e a convivência de cristãos e muçulmanos foram
enfraquecendo o espírito de cruzada. Realmente o autor Hilário Franco explicita com bastante
coerência os movimentos das primeiras cruzadas, porém faltou detalhar mais um
profundamente em cada relação, tendo em vista que o autor deixou sua obra mais didática,
caso aconteça de querer aprofundar no tema outras leituras serão necessárias.

A quarta, quinta e sexta cruzadas foram tempos de muito fracasso e por último
controle de Jerusalém por um cruzado. A quarta cruzada não resultou em ganhos nas terras
santas, mas apenas em algumas capturas de cidades e a saque ao próprio império Bizantino,
na cidade de Constantinopla. Vai surgir por chamado do Papa Inocêncio III com a mesma
promessa já relatada de “Salvação eterna”. Contudo, como faltou uma liderança para esses
cruzados acabou-se que não houve ataques a Jerusalém, tendo apenas uma guerra pela coroa
do império Bizantino. A quinta cruzada, foi novamente mais uma derrota já que por mando do
papa Honório III cerca de alguns navios tentou atacar o Egito como uma forma de conquistar
o centro do poder muçulmano, porém não tiveram exerdo. A sexta cruzada foi uma das mais
vitoriosas até então, já que por conta própria o Imperador Romano Frederick II e através de
uma negociação com o Sultão do Egito, conseguiu as cidades de Jerusalém, Jaffa, Belém e
Nazaré. Frederick II tornou-se o rei da cidade Santa, sendo tomado novamente pelos turcos,
sendo essa a última vez que os cruzados tiveram o controle da cidade de Jerusalém. Durante
quase todo o período que se deu as cruzadas o poder de “Deus” sempre esteve entrelaçados
com a justificativa de ataques ao mulçumanos, pode-se dizer que definiu uma condição social
para cada indivíduo durante a sociedade desde seu nascimento, que foi de odiar e guerrear
contra todos aqueles que vão contra o poder da Igreja, como cita Hilário Franco: “A igreja,
porque não poderia aceitar a existência de um grupo que contestava seu poder, sua riqueza e
até mesmo sua condição de instituição cristã” (JUNIOR, 1986: 65).

A sétima e oitava cruzada foi liderada por Luís IX, depois do pedido do papa
Inocêncio IV. A sétima cruzada manteve a mesma estratégia da quinta em atacar o Egito,
nessa conseguiram atacar e conquistar Damietta. Mesmo assim, após seguirem pelo rio Nilo
em direção ao Cairo, foram derrotados. Luís IX permaneceu em sua Cruzada construindo uma
fortaleza cristã na Síria até a morte de sua mãe e sua retomada para a Europa. A oitava
cruzada terá por fim a morte de Luís IX, após seu exército tentar barrar avanços turcos. Não
morrendo na batalha, mas como a maioria do seu exército tiveram um fim por meio de
doenças. Com essa derrota o espírito da Cruzada perdeu força. Com o fim das cruzadas e a
vitória dos mulçumanos nota-se que a sociedade medieval na Europa se desenvolveu e formou
novas estruturas sociais, mas mesmo perdendo um pouco do seu poder a igreja continuou
sendo o centro de comando, porém agora tendo mais religiões difundidas no meio europeu e
concorrentes comerciais.

Na parte Ocidental as cruzadas se deram pela reconquista da Península Ibérica, os


franceses por meio de apelo do Papa que prometia o perdão de pecados ajudaram os ibéricos
na sua reconquista. Hilário Franco Júnior explica que “a Reconquista era um empreendimento
essencialmente camponês e pastoril. As várias expedições realizadas por Carlos Magno e seu
filho entre 778 e 827 fazia parte de uma política de busca de prestígio e de aliança com a
Igreja” (JUNIOR, 1986: 59). Ou seja, a Península Ibérica interessou a vários nobres que
queriam obter grandes números de lotes e glórias. Com isso, o autor menciona que esse
movimento também deveria ser agregado às cruzadas já que havia interesses econômicos,
políticos e religiosos sobre a Reconquista. Por fim, o Ocidente conheceu Cruzadas contra
cristãos, hereges e até mesmo católicos que se opunham à política do papa.

Indo além do pensamento do autor, pode-se evidenciar como o avanço dos


mulçumanos agregou na conjuntura cultural tanto da península ibérica, como europeia, isto é,
quando houve um embate entre as religiões Islâmica e Cristianismo, também houve uma
inserção miscigenada de outros costumes, como por exemplo, dos africanos. Vale ressaltar
que antes de se tornar uma potência religiosa, o Islã estendeu seus tentáculos pela África
Setentrional. Com isso, pode-se notar que houve um choque cultural pluriétnico.

Retomando o parágrafo debatido sobre a perspectiva dos mulçumanos sobre as


cruzadas, acredita-se que eles não viam essas batalhas como guerra santa, mas sim uma luta
contra ataques aos principais centros mulçumanos que é o Norte da África, Sicília e a atual
Turquia. É Importante, também, mencionar como a África se tornou o maior depositório do
islamismo e como essa conseguiu difundir suas crenças dentro de um continente totalmente
enraizados com a própria cultura. O autor Elikia M’Bokolo, especialista sobre histórias das
Áfricas, em sua obra África Negra: História e Civilizações, vai desenvolver o capítulo “A
islamização: uma história a reescrever”, cujo logo no começo descreve que embora ainda
tendo sua existência apenas em alguns locais, o islamismo buscou se permanecer após uma
coexistência através da religião de determinados grupos africanos. Dessa forma, a religião
islâmica para poder ter um grão de representatividade, ela primeiro precisou se apoiar em
religiões onde foi conquistando, com isso, ela não mexia nas religiões locais, ou reprimia, o
islã simplesmente tentava aos poucos agregar seus próprios costumes nos locais.

O autor, também vai mencionar que de fato uns dos primeiros avanços islâmicos no
continente africano e seu difusionismo muçulmano na África ocidental, foi pelo comércio
transaariano. No qual, envolvia o ocidente e o norte do continente, sendo esses primeiros
locais a ser implantados os costumes da crença islâmica, mudando de fato o meio social das
aldeias africanas. Assim sendo, comentários sobre o começo do conflito entre as religiões
cristã e islâmica faltou ser mencionadas na perspectiva desses povos, pois quando acontece
esse encontro não é apenas sobre as duas religiões, mas também toda construção e
embasamentos que levaram essas duas religiões crescerem sua ideologia, como no caso
apresentado, a islâmica precisou se apoia no começo em outras religiões afrodescendentes.
Outro ponto a ser abordado é com a vitória dos mulçumanos e todo seu expansionismo
tanto na Europa como na África. Isso é apresentado pelo autor João José Reis, no capítulo “Os
filhos de Alá na Bahia”, dentro da obra “Rebelião Escrava no Brasil”, pode-se entender sobre
essa relação mesmo que anacrônica, mas de grande importância, é de como o avanço
mulçumano no Oriente e Ocidente proporcionou uma mudança na linguagem, cultura, crença
e etc. Já que até então, a maior cultura deixada é dos gregos e agora o islamismo causou um
dinamismo nos moldes que regiam a sociedade medieval da época. Com isso, João José Reis
explicita como africanos mulçumanos trazidos para a colônia lusitana, para o porto da Bahia,
proporcionou uma das revoltas que ficou marcada para sempre na historiografia da colônia
Brasil, a Revolta do Malês. Esses lutavam pela liberdade religiosa e contra a obrigação de se
batizar, ou seja, buscavam ser livres em direitos e religião. Ou seja, entendemos, que
primeiramente os embates entre as religiões islâmicas e o cristianismo vão continuar ao longo
de uma contínua linha temporal e que esses embates proporcionaram um difusionismo
cultural pluriétnico em todo local do mundo.

Portanto, a historiografia em si sobre as cruzadas, as relações de poder e interesses,


religiosidade e a economia da época é bem mais complicada do que apresentada em livros
didáticos de ensino escolares. O autor Hilário Franco Júnior teve o objetivo de desenvolver
esse trabalho pensando nessa importância de se trabalhar a questão medieval nas escolas, para
isso usufruindo de uma escrita clara e coesa. Porém, faltou apresentar pontos de perspectivas
diferentes da visão eurocêntrica, trazendo mais conceitos ou teorias sobre a religião e povos
mulçumanos, além de se aprofundar mais sobre o tema. Mencionar autores como, Elikia
M’Bokolo e João José Reis, mostra como foi grande e influente esses embates e de como a
cultura ou costume islâmico se originou e se sucederam no mundo todo ao longo dos tempos.

TEXTOS DEBATIDOS:

DUBY. “A era do feudalismo.” In: Guerreiros e Camponeses. Lisboa: Estampa, 1993, p. 173-
196.

M’BOKOLO, Elikia. A islamização: uma história a reescrever. In: África Negra: História
e Civilizações Tomo I (até o século XVII). São Paulo/Salvador: EDUFBA/Casas das Áfricas,
2009. p.133-163.
REIS, João José. 6.Os filhos de Alá na Bahia . In: Rebelião Escrava no Brasil: A História do
Levante dos Malés em1835. São Paulo: Cia das Letras, 2003. p.158-214

Você também pode gostar