Você está na página 1de 17

142

FLOR: ORGANIZAÇÃO E TENDÊNCIAS EVOLUTIVAS.


CONSIDERAÇÕES GERAIS. sendo portanto tais grupos os mais primitivos. A me-
todologia para tal análise é a associação do estudo dos
As angiospermas constituem uma divisão com a
fósseis e do ambiente onde essas plantas viveram e,
maior diversidade do reino vegetal, contribuindo com
mais recentemente, também da análise cladística.
cerca de 220.000 espécies das 1,4 milhão descritas
entre todos os seres vivos sobre a Terra (Cronquist
TEORIA EUANTIAL OU ANTOSTROBILAR.
1988). Esse grupo só é ultrapassado em número de
espécies pelos insetos (cerca de 750.000). As angios- Proposta por Arber e Parkin em 1907, considera
permas representam mais do dobro do número de a flor primitiva como possuindo numerosas partes li-
espécies conhecidas de vírus, monera, fungos, algas, vres, incluindo cálice, corola, androceu e gineceu,
briófitas, pteridófitas e gimnospermas, que perfazem distribuídos espiraladamente sobre um receptáculo
cerca de 108.000 espécies (Wilson 1988). alongado, perianto vistoso e polinização entomófila.
As angiospermas predominam atualmente em As Magnoliales viventes representam os protótipos
quase todas as latitudes e altitudes terrestres, sendo desse tipo mais primitivo e tal teoria forma a base para
ultrapassadas pelas Coníferas, nas florestas tempera- vários sistemas de classificação atuais, como o pro-
das dos Estados Unidos e Canadá e pelos líquenes e posto por Cronquist (1988). Tal padrão floral também
musgos nas tundras do norte da Europa Oriental. é encontrado nos depósitos do Cretáceo, estando entre
As angiospermas variam em hábito desde ervas os mais antigos as flores e frutos de Archaeanthus.
de alguns milímetros como algumas espécies de Lem- Apesar da existência de flores aclamídeas muito anti-
naceae, até ervas maiores, lianas, epífitas, arbustos até gas no registro fóssil, consideramos que o padrão ple-
grandes árvores, com mais de 100 metros de altura siomórfico das flores de angiospermas atuais é aquele
como algumas espécies de Eucalyptus. Essas plantas definido pela teoria euantial.
são geralmente autótrofas e terrestres, porém várias A partir do modelo de flor primitiva, as tendên-
espécies ou até famílias são saprófitas ou parasitas e cias evolutivas gerais se deram nos seguintes sentidos:
outras são aquáticas de águas doces, sendo inclusive o redução do número de elementos; disposição espirala-
único grupo de plantas vasculares que colonizaram da dos elementos passando à disposição cíclica; tépa-
com sucesso o hábitat marinho, como as famílias las indiferenciadas passando à diferenciação de cálice
Ruppiaceae e Hydrocharitaceae. e corola; adnação e união dos elementos; mudança de
simetria da flor de actinomorfa para zigomorfa; for-
O conjunto dos caracteres reprodutivos está mação de hipanto que gradualmente se funde ao ová-
reunido em estrutura exclusiva desse grupo, a flor, rio, com passagem do ovário súpero para ovário ínfero
cuja diversidade existente, do Cretáceo até o presente, e reunião de flores em inflorescências.
é o reflexo dos sofisticados sistemas de cruzamentos Deve-se levar em consideração que os vários
que estão envolvidos no grupo (Friis et al. 1988). caracteres referidos evoluem independentemente.
A evolução da flor foi seguramente um dos Desse modo, para se determinar o grau de evolução de
principais fatores que determinaram o sucesso e a um táxon (qualquer grupo taxonômico) devem ser as-
grande diversidade das angiospermas. Portanto, o sociados o conjunto dos caracteres plesiomórficos e
estudo da estrutura e evolução da flor é de importân- apomórficos.
cia capital na elucidação da filogenia e classificação Como referido anteriormente, o avanço das an-
deste grupo de plantas. Infelizmente, o registro fóssil giospermas em relação às gimnospermas está intima-
de flores, frutos e sementes é escasso. mente relacionado ao aparecimento de uma estrutura
A típica flor das angiospermas é monoclina, nova - a flor.
(monoclino = 1 leito, espécie hermafrodita) com car-
pelos e estames inseridos no mesmo receptáculo e ONTOGÊNESE.
protegidos por apêndices estéreis, tendo as sépalas A flor começa o seu desenvolvimento da mes-
função de proteção e as pétalas de atração de polini- ma forma que as folhas, ou seja, por divisões pericli-
zadores. nais de células meristemáticas situadas abaixo das
Caracterizar as angiospermas primitivas signifi- camadas externas do ápice da gema. Por crescimento
ca determinar os padrões florais mais antigos e identi- contínuo e diferenciação das protuberâncias formadas,
ficá-los com as famílias ou gêneros a que pertencem, os vários órgãos florais são formados. Entretanto,
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 143
USP-UFSCar
diferentemente das gemas vegetativas que se desen- diferentes formas das corolas que podem variar nas
volvem em um ramo com nós e internós, cada flor famílias e gêneros das angiospermas.
individual é um ramo curto, cujas várias partes, quan- Na corola das angiospermas pode ser traçado
do totalmente desenvolvidas, não são separadas por mais de um plano de simetria sendo a flor então de-
internós. nominada actinomorfa. Em se traçando um só plano
A flor é um órgão constituído por um eixo cau- de simetria a flor é zigomorfa. Existe na família Ma-
linar de crescimento limitado (receptáculo), que porta rantaceae as flores assimétricas, onde não podem ser
apêndices estéreis (sépalas e pétalas) e apêndices fér- traçados planos de simetria (Fig. 2 B).
teis (estames e carpelos). O receptáculo é geralmente
plano, porém, em algumas famílias, pode ser côncavo
ou convexo. A flor é sustentada pelo pedicelo, que é
um eixo caulinar que nasce na axila de uma ou mais
brácteas (folha modificada associada às flores ou in-
florescências) (Fig. 1).

Pistilo

Fig. 1. Aspecto geral de uma flor, com as suas partes prin-


cipais. Fig. 2. Tipos de corola: A. Quanto à união das pétalas; B.
Quanto à simetria.
PERIANTO. Em geral existe um número fixo de elementos
Os apêndices florais mais externos são estéreis do cálice e da corola. Assim existem as flores dímeras
e constituem o perianto, sendo formado pelas sépalas quando a corola apresenta 2 pétalas; flores trímeras
e pétalas. quando apresentam 3 pétalas; flores tetrâmeras quan-
O conjunto das sépalas forma o cálice que é ge- do apresentam 4 pétalas ou múltiplo de 4; flores pen-
ralmente verde e envolve, nos estágios iniciais, as ou- tâmeras quando apresentam 5 pétalas ou múltiplo de 5
tras partes do botão floral. As sépalas podem ser livres e flores hexâmeras quando possuem 6 pétalas. En-
entre si e o cálice é denominado dialissépalo, ou po- quanto as flores trímeras ocorrem principalmente nas
dem ser unidas entre si sendo o cálice então gamossé- Monocotiledôneas, as flores dímeras, tetrâmeras e
palo. pentâmeras são mais comuns nas eudicotiledôneas
Internamente ao cálice forma-se a corola, que (Fig. 3 A).
pode ser definida como o conjunto das pétalas. Estas Quando se analisa o perianto das angiospermas
geralmente têm textura mais delicada que as sépalas e verifica-se que nem sempre cálice e corola estão pre-
apresentam diferentes cores. Pouquíssimas espécies sentes na mesma flor e tal fato recebe nomes espe-
possuem pétalas verdes ou negras. Os diferentes for- ciais. Se a flor não possui cálice e nem corola é uma
matos e cores da corola estão muito relacionados aos flor aclamídea (neste caso ocorrem apenas as estrutu-
diferentes polinizadores das angiospermas. Da mesma ras de reprodução); se possui apenas o cálice é uma
forma que o cálice, a corola pode apresentar as pétalas flor monoclamídea e se possui cálice e corola é uma
livres entre si: corola dialipétala ou as pétalas unidas: flor diclamídea. Quando a flor possui as sépalas e
corola gamopétala (Fig. 2 A). As pétalas podem se pétalas muito diferentes entre si em textura e colo-
apresentar com diferentes arranjos, determinando ração, a flor é diclamídea heteroclamídea, como ocor-
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 144
USP-UFSCar
re na maioria das eudicotiledôneas. Por outro lado, as ce é valvar ou uma sépala pode recobrir a outra, ten-
sépalas e pétalas podem ser semelhantes em coloração do-se então uma prefloração imbricativa. Se cada
e textura e, neste caso, as flores são diclamídeas ho- sépala recobre a seguinte e é recoberta pela anterior a
moclamídeas (Fig. 3 B) e as peças chamam-se tépalas. prefloração é imbricativa contorcida (ou contorta), se,
no entanto, existe uma das sépalas totalmente interna
e outra sépala totalmente externa e as restantes se
recobrem e são recobertas tem-se uma prefloração
imbricativa imbricada. Tal conjunto de denominações
é válido também para a prefloração da corola (Fig. 4).
Durante a maturação da flor, essa passa do es-
tágio de botão para a ântese, que pode ser definida
como o momento de abertura do botão floral.
A tendência geral na evolução do perianto foi
passar do ancestral com perigônio de tépalas numero-
sas, indiferenciadas, para as flores com perianto com-
posto por dois ciclos distintos: cálice e corola. As
sépalas são sempre homólogas às tépalas de um peri-
anto primitivo indiferenciado; as pétalas podem ter
duas origens diferentes: algumas são tépalas modifi-
cadas, outras são estaminódios (estames modificados,
estéreis). Exemplos interessantes que ilustram essas
tendências são encontrados em Magnolia, gênero on-
de tem-se todos os estágios de transição, desde espé-
cies com perianto indiferenciado até espécies com um
ciclo de sépalas muito distintas do ciclo de pétalas.
Em espécies de Nymphaea (Nymphaeaceae), encon-
tramos, numa única flor, a transição completa entre
estames, estaminódios e pétalas (Fig. 5).
Fig. 3. A. Flores quanto ao número de peças do perianto; B. Ao longo da evolução verificou-se a tendência
Quanto à diferenciação das peças do perianto. C-D. Flores de redução do número de elementos do perianto (inde-
monoclamídeas do mamoerio quanto a dimorfismo sexual:. finido na flor primitiva, regular nas flores avançadas)
C. Estaminada; D. Pistilada; E. Flor quanto à ausência de
e estabeleceram-se tendências para fixação de flores
perianto - flor aclamídea.
trímeras principalmente em famílias primitivas do
complexo magnoleídico (Annonaceae, Lauraceae,
Magnoliaceae) e na maioria das monocotiledôneas; e
de flores dímeras, tetrâmeras e pentâmeras na maioria
das eudicotiledôneas. Redução externa do perianto
aconteceu nas plantas com flores monoclamídeas (as
quais possuem apenas cálice) ou nas flores aclamídeas
(sem perianto).
A tendência à fusão dos elementos levou ao
aparecimento de flores com cálice gamossépalo e/ou
Fig. 4. Prefloração. A-D. Tipos de prefloração. E. Flor
com corola gamopétala. As corolas gamopétalas inici-
estaminada apresentando prefloração do cálice valvar e da ais eram provavelmente de simetria actinomorfa e a
corola imbricativa contorta; F. Flor pistilada apresentando partir delas evoluíram as flores zigomorfas (Fig. 6).
prefloração do cálice valvar e da corola imbricativa contor- Estas tendências evolutivas provavelmente ocorreram
ta.
em resposta às pressões seletivas no sentido de au-
A flor jovem encontra-se no estágio de botão mentar a variedade de mecanismos de polinizadores
floral. Nesta fase é possível a análise da prefloração especializados.
do cálice e ou da corola. A prefloração é a disposição A evolução do perianto pode ser perfeitamente
que as sépalas ou pétalas tomam no botão floral. As acompanhada pelo registro fóssil, onde se verifica que
sépalas podem apenas se tocar e a prefloração do cáli- a partir de flores aclamídeas e diclamídeas homocla-
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 145
USP-UFSCar
mídeas do Cretáceo, foram aparecendo os diferentes truturas petalóides; 25-34. Estames.
padrões florais, sendo que as flores zigomorfas e com
longos tubos apareceram somente após o Terciário
(Fig. 7).

Fig. 6. Variação morfológica evolutiva da corola das an-


giospermas. 1. Sem diferenciação entre sépalas e pétalas; 2.
Corola dialipétala, com diferenciação de cálice e corola; 3.
Corola gamopétala, actinomorfa; 4. Corola gamopétala,
zigomorfa.

Fig. 5. Transição das partes florais de nenúfar (Nymphaea


sp., Nymphaeaceae). 1-4. Estruturas sepalóides; 5-24. Es-
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 146
USP-UFSCar

Fig. 7. Época de aparecimento dos diferentes tipos de flores. A. Flores aclamídeas, semelhantes às atuais Chloranthaceae, podem
ser masculinas, femininas ou hermafroditas; B. Flores acíclicas tipo Magnolia sp. (Magnoliaceae). C. Flores monoclamídeas,
díclinas; D. Flores heteroclamídeas, actinomorfas; E. Flores epíginas, heteroclamídeas; F. Flores gamopétalas; G. Flores epíginas
e monoclamídeas; H. Flores zigomorfas; J. Flores papilionáceas; K. Flor funelforme.
ANDROCEU. mone com a acepção de androceu ou flor com número
de estames correspondendo ao dobro do número de
Internamente ao perianto, desenvolve-se o an-
pétalas (Font Quer 1985).
droceu, formado pelos estames, que se distribuem em
um ou mais verticilos entre o perianto e o gineceu.
O número de estames por flor é variável, desde
flores com um só estame, como no gênero Euphorbia,
até flores com mais de 100 estames como em certas
espécies de Myrtaceae. Apesar dessa variação, pode-
se relacionar o número de estames com o de pétalas.
Assim temos as flores isostêmones, quando o número
de estames é igual ao número de pétalas; flores oli-
gostêmones, quando o número de estames é menor do
que o número de pétalas; e, flores polistêmones,
quando o número de estames é maior do que o número
de pétalas (Fig. 9).
Com relação ao número de verticilos do andro-
ceu temos flores haplostêmones, quando há somente Fig. 8. Padrão floral plesiomórfico, encontrado em magnó-
um verticilo de estames; flores diplostêmones, quando lia (Magnolia sp., Magnoliaceae).
há dois verticilos sendo o externo alterno às pétalas; e, Individualmente, cada estame é formado pelo
flores obdiplostêmones, quando há dois verticilos filete, antera e o conectivo. Classicamente o estame é
sendo o externo oposto às pétalas. Entretanto, obser- interpretado como um microsporófilo que porta os mi-
va-se freqüentemente a aplicação do termo diplostê- crosporângios (sacos polínicos). O filete é a parte
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 147
USP-UFSCar
estéril do estame, geralmente de forma alongada e que e cada um deles forma a sua própria parede, a esporo-
porta em sua porção apical a antera, a qual tem forma derme. Em muitas espécies, os grãos-de-pólen são
globosa e contém em seu interior geralmente quatro liberados em estado bicelular (microgametófito ou ga-
sacos polínicos, sendo um anterior e outro posterior. metófito masculino jovem); em outras espécies, no en-
Estes juntos formam uma teca. A porção estéril que se tanto, a formação dos dois gametas é anterior à libera-
situa entre as duas tecas é o conectivo (Fig. 10). ção do grão-de-pólen. A liberação do grão-de-pólen se
dá através da deiscência da teca que pode ser por uma
fenda longitudinal (deiscência longitudinal ou rimo-
sa); ou por poros localizados geralmente na porção
apical da teca (deiscência poricida); ou por uma ou
duas valvas em cada teca (deiscência valvar). Esse
último caso é o mais raro e ocorre especialmente em
Lauraceae e Monimiaceae (Fig. 13).

Fig. 9. Número de estames


em relação ao número de Fig. 10. O estame e suas par-
pétalas. tes.
Os estames podem ser livres entre si ou unir-se
através dos filetes formando um ou vários grupos,
sendo tal fenômeno denominado adelfia. Os filetes são
denominados monadelfos quando todos estão unidos Fig. 11. Androceu quanto à união dos estames.
em um só grupo; diadelfos quando unidos em dois
grupos ou poliadelfos quando formam muitos grupos.
As anteras são geralmente livres entre si, porém em
algumas famílias como as Compositae, podem estar
unidas e tal situação denomina-se sinanteria (Fig. 11).
Os diferentes círculos de elementos do perianto,
do androceu e do gineceu dispõem-se de forma alter-
nada; normalmente as sépalas são alternas com as
pétalas e estas com o primeiro círculo de estames e
assim por diante. Essa disposição espacial é importan-
te para a taxionomia e filogenia pois a perda dessa Fig. 12.Posição dos estames em relação às pétalas.
alternância implica na supressão de um ou mais círcu-
los de elementos. É importante verificar em cada flor
se os estames são opostos ou alternos com as pétalas.
Como exemplo pode-se citar o fato de todas as Asteri-
dae (uma subclasse das eudicotiledôneas) possuírem
estames alternos com as pétalas (Fig. 12).
Os estames podem estar inseridos no receptá-
culo, sendo então denominados estames livres desde a
base, ou inseridos nas pétalas, denominados, então,
epipétalos. Fig. 13. Deiscência da antera.
O filete pode unir-se à antera pela base - antera A grande maioria das angiospermas (96%) tem
basifixa, pelo dorso - antera dorsifixa ou mais rara- estames com filete fino com 1 nervura e uma antera
mente pelo ápice - antera apicefixa. no ápice, biteca, de deiscência longitudinal. Entretan-
Como já foi dito, o interior das anteras é ocupa- to, os estames de vários táxons, como Austrobaileya,
do geralmente por 4 sacos polínicos (microsporângios Himantandra, Degeneria e Magnolia, consistem de
ou androsporângios) onde se formam os micrósporos
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 148
USP-UFSCar
uma estrutura larga, achatada, geralmente com 3 ner- e Gesneriaceae. Em monocotiledôneas da subclasse
vuras, portando numa das faces 2 tecas superficiais Zingiberidae, a redução progressiva de número de
"imersas" (Fig. 14). Segundo nossa hipótese inicial, os anteras férteis culminou com o único estame fértil das
estames são homólogos às folhas (megasporofilos ou Zingiberaceae e apenas 1 teca fértil em Cannaceae e
androsporofilos) e então, por associação, o estame Marantaceae. Na maioria dos casos de redução da
primitivo nas angiospermas seria laminar como uma porção fértil do androceu, formaram-se estaminódios
folha, e a evolução teria procedido no sentido de es- com diversas funções: nectários, estruturas petalóides,
tame laminar trinervado (3 nervuras) para estame com alimento (em Cassia), quase sempre por evidente
filete uninervado (1 nervura) distinto da antera. Em pressão seletiva para polinização entomófila ou orni-
algumas Magnoliaceae, podem ser observados todos tófila; c) adnação dos estames à corola simpétala:
os estágios de transição entre estes dois pontos. Nas provavelmente teve alto valor adaptativo pela precisa
Annonaceae, o conectivo proemiente do estame seria posição das anteras em relação ao estigma e ao polini-
meramente o vestígio da lâmina ancestral. zador. É caráter observado em eudicotiledôneas mais
evoluídas (Asteridae) e em muitas monocotiledôneas.
(Fig. 15).

Fig. 14. A-D. Estames primitivos de quatro espécies viven-


tes de angiospermas. A. Austrobaileya sp. (Austrobaileya-
ceae); B. Himantandra sp. (Himantandraceae); C. e E.
Degeneria sp. (Degeneriaceae); D. Magnolia sp. (Magnoli-
aceae).
Várias outras características derivadas adicio- Fig. 15. Evolução do estame. A-C. Quanto ao aspecto geral
nais desenvolvem-se: a) anteras rimosas (deiscência da deiscência da antera. A. Primitivo: laminar e com três
nervuras; B. Tipo mais comum: presença de anteras com
longitudinal) originaram as anteras valvares (em Lau-
uma só nervura; C. Tipo mais especializado; D-F. Quanto à
raceae) e as poricidas (Solanaceae, Cassia, Ericaceae) fusão dos filetes. D. Estames livres; E. Estame unido com a
mais especializadas; b) redução do número de estames corola; F. Estames unidos entre si.
ocorreu muitas vezes e possivelmente com mais de
um modo: seja pelo caminho mais comum, isto é, do PÓLEN.
número indefinido em espiral para muitos ciclos orga-
Os grãos de pólen encontram-se normalmente
nizados, para 4 ciclos, 3, 2 e finalmente 1 único ciclo;
livres nos sacos polínicos. Esses grãos são denomina-
seja pela união em fascículos. Os casos mais especia-
dos mônades; em algumas famílias como Ericaceae,
lizados de união são vistos em flores com androceu
os grãos de pólen permanecem em tétrades, mesmo
monadelfo (em Malvaceae, Bombacaceae, Meliaceae,
quando maduros; em Mimosoideae (subfamília de Fa-
Sterculiaceae) e androceu diadelfo (Leguminosae).
baceae) por exemplo, as tétrades podem se unir em
Redução maior levou ao aparecimento de androceu
grupos maiores formando as políades. Nessa seqüên-
oligostêmone (com número de estames menor que o
cia pode-se ter a reunião de todos os grãos-de-pólen
de lobos da corola) a partir das flores isostêmones,
de um saco polínico formando as polínias como ocor-
conforme se observa em muitas eudicotiledôneas da
re em Asclepiadaceae e Orchidaceae (Fig. 16).
subclasse Asteridae, como Scrophulariaceae, Labiatae
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 149
USP-UFSCar
O grão-de-pólen maduro é geralmente tricelular identificação do material estudado. Essas característi-
e apresenta uma composição química rica em proteí- cas são, além do tamanho e unidade polínica já discu-
nas, carboidratos (em maior concentração), gorduras e tidos anteriormente, as seguintes: forma, aberturas e
água. Internamente é rodeado por uma fina camada de ornamentação.
celulose, a intina e externamente por outra camada, a A forma do grão-de-pólen está relacionada com
exina (Fig. 19 A). Esta última camada confere uma a simetria, polaridade e unidade polínica. Geralmente
grande resistência ao grão-de-pólen e o seu principal os grãos-de-pólen possuem simetria radial (com mais
componente é a esporopolenina, polímero de carote- de dois planos de simetria) como a maioria das eudi-
nóides ou de ésteres de carotenóides, e geralmente cotiledôneas ou simetria bilateral (com dois planos de
consiste de uma porção esculturada. A ornamentação simetria) como as monocotiledôneas. Geralmente é
da exina pode ser bem variada, sendo os tipos mais possível distinguir no grão-de-pólen dois eixos - polar
comuns: psilada (lisa), espinhosa, estriada e reticulada e equatorial - e os pólos - proximal e distal - (Fig. 17).
(Fig. 19 B). A maioria dos pólens conhecidos são isopolares,
quando o plano equatorial o divide em duas metades
iguais. Ao contrário desses, os pólens heteropolares
possuem as duas faces bem distintas com respeito a
aberturas, esculturas etc.
De modo geral, a forma do grão é definida em
vista equatorial, pela relação entre o eixo polar (P) e o
diâmetro equatorial (E). Desse modo, tem-se as se-
guintes denominações mais gerais: esférico: P/E =
Fig. 16. Unidades de pólen. 0,75 - 1,33; oblato: P/E = 0,50 - 0,75; prolato: P/E +
1,33 - 2,00. Em vista polar, tem-se a forma do contor-
no do grão-de-pólen (Fig. 15).

Fig. 17. Morfologia polínica. A. Grão em vista polar; B.


Vista equatorial.

Fig. 19. A. Estrutura da parede do pólen. B. Esquema mos-


trando esculturas (ornamentação) mais freqüentes nas pare-
des do pólen.
Fig. 18. Aberturas do pólen. A. Colpo (colpado); B. Poro As aberturas são áreas delimitadas no grão-de-
(porado); C. Colporo (colporado). pólen, geralmente de parede fina. Podem ser circula-
Em alguns gêneros de angiospermas marinhas, res (poro), alongadas (colpo, sulco) ou em forma de
como Zostera e Halodule os grãos-de-pólen são fila- anel. As aberturas podem ser simples ou os colpos
mentosos e falta a esporopolenina. O tamanho dos podem estar associados aos poros, originando abertu-
grãos-de-pólen varia consideravelmente, existindo ras compostas (cólporos) (Fig. 18). As eudicotiledô-
grãos muito pequenos com menos de 10 µm até muito neas têm pólen com 3 aberturas, enquanto nas mono-
grandes como os de Cucurbita pepo com 230 µm. Os cotiledôneas predomina 1 só abertura, assim como no
grãos filamentosos das angiospermas marinhas podem complexo magnoleídico e nas paleoervas.
atingir até 2 mm de comprimento, e representam uma A importância do estudo do grão-de-pólen está
bela adaptação à polinização em flores submersas. associada a vários aspectos. O pólen é importante para
O estudo do pólen, especialmente da exina, for- a taxionomia (palinotaxionomia), sendo as diferentes
nece uma série de características importantes para a famílias reunidas em euripalinológicas, que apresen-
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 150
USP-UFSCar
tam diferenças marcantes aos níveis de gêneros e es- No gineceu sincárpico, ao se fazer um corte transver-
pécies com grãos-de-pólen muito similares caracteri- sal no ovário, é possível verificar o número de lócu-
zando a família como um todo, como por exemplo los. Geralmente este número corresponde ao número
Gramineae e Myrtaceae. O estudo do pólen também é de carpelos, porém pode existir casos de gineceu com
importante no controle da origem e qualidade do mel, vários carpelos e com um só lóculo (unilocular).
em pesquisas de arqueologia e geologia e na medicina Quanto ao número de lóculos, os ovários podem ser:
(alergias). uniloculares, biloculares, triloculares, tetraloculares,
pentaloculares.
GINECEU.
Internamente ao androceu, desenvolve-se o gi-
neceu, formado pelos carpelos. A maioria dos autores
considera esta estrutura como homóloga à folha. De
acordo com a teoria clássica, o carpelo é derivado de
uma folha fértil, que possui óvulos na margem. As
margens dobraram-se para dentro e uniram-se entre si
e com as margens de outros carpelos; desta maneira os
óvulos ficaram encerrados no lóculo, que é o espaço
no interior do carpelo.
Morfologicamente, o gineceu compreende as
seguintes partes: ovário, estilete e estigma (Fig. 1). O
ovário é a porção basal, dilatada e a cavidade interna é
o lóculo. O estilete é uma porção geralmente alongada
e cilíndrica que une o ovário ao estigma. Este é a por-
ção que é receptiva do grão-de-pólen, tendo geralmen-
te uma superfície pilosa ou rugosa, podendo exsudar
substâncias que facilitam a aderência do pólen.

Fig. 21. Tipos e evolução da placentação.


Cada carpelo tem tipicamente duas placentas
(região onde se inserem os óvulos). Quando os carpe-
los se unem formando um gineceu bi-multilocular, as
placentas se arranjam na porção central originando
uma placentação axilar. Se os óvulos estão presos à
parede do ovário ou às suas expansões, em um gine-
ceu sincárpico, temos uma placentação parietal; se no
entanto é um gineceu apocárpico, a placentação é
laminar. Além desses padrões mais gerais podem ha-
ver outros tipos de placentação tais como: placentação
central livre exclusiva de ovários uniloculares, quando
Fig. 20. Tipos de flores quanto à posição do ovário. As flo-
res A e B têm gineceu apocárpico (carpelos livres) e a flor a placenta ocorre em uma coluna central de tecido;
C. tem gineceu sincárpico (carpelos unidos). placentação basal quando a placenta se localiza na
O gineceu consiste de um ou mais carpelos. região basal de um ovário unilocular; placentação
Neste último caso, eles podem estar livres ente si, apical quando a placenta se localiza na região apical
constituindo o gineceu apocárpico, como o das Mag- de um ovário unilocular; placentação marginal (sutu-
noliaceae (Fig. 8) ou unidos entre si, no todo ou em ral) quando a placenta se localiza ao longo da margem
parte, constituindo o gineceu sincárpico (Fig. 20 C). do carpelo de um ovário unilocular (Fig. 21 e 22).
A cavidade onde estão encerrados os óvulos é o O número de óvulos por lóculo do ovário é ge-
lóculo e todo gineceu apocárpico é sempre unilocular. ralmente um caráter de valor taxionômico principal-
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 151
USP-UFSCar
mente ao nível de famílias ou subfamílias. Assim, por flor é perígina ou b) a parede do ovário está soldada à
exemplo, as Asteraceae e Poaceae têm sempre um parede do hipanto, tem-se então um ovário ínfero e
óvulo por lóculo do ovário e as Acanthaceae e uma flor epígina (Fig. 20 A-C). A evolução se dá na
Scrophulariaceae, famílias muito próximas filogeneti- direção de flores hipóginas - períginas - epíginas.
camente, podem ser diferenciadas pelo pequeno nú- No interior do ovário estão os óvulos, que nas
mero de óvulos em Acanthaceae e grande número angiospermas consiste do megasporângio (ginospo-
(mais de 40) em Scrophulariaceae. rângio), rodeado por 1 ou 2 tegumentos e ligados à
placenta pelo funículo. A porção superior do tegumen-
to é aberta formando a micrópila. O megagametófito é
o saco embrionário, que consta de três células situadas
próximo à micrópila, as duas sinérgides (laterais) e
uma oosfera centralmente a estas; três células no ex-
tremo oposto (antípodas) e no centro a célula mediana
com os dois núcleos polares. (Fig. 23).

Fig. 23. Óvulo em corte longitudinal (à esquerda) e tipos de


óvulos (à direita).
O carpelo primitivo, segundo a teoria que esta-
mos seguindo, seria aquele que está presente em De-
generia (Degeneriaceae) e Drymis (Winteraceae), pois
é o que mais lembra uma estrutura foliar enrolada e
não perfeitamente soldada na sutura, sem um estigma
diferenciado, mas sim com uma região estigmatífera
Fig. 22. A-B. Evolução do gineceu sincárpico a partir do na zona da sutura. Desse carpelo simples, que cha-
apocárpico. A. Vista tridimensional; B. Corte transversal do mamos carpelo conduplicado, teriam evoluído os car-
ovário. pelos mais especializados, com ovário, estilete e es-
Um importante caráter taxionômico, especial- tigma bem diferenciados. Cada folha carpelar, tipica-
mente ao nível de ordens ou famílias, é a posição do mente, tem 3 feixes vasculares, 1 central e 2 margi-
ovário na flor, podendo ser súpero ou ínfero. Dentro nais. A figura 24 A mostra cortes transversais de ová-
das Asteridae, por exemplo, existem nitidamente dois rios de diferentes angiospermas expondo o efeito da
grandes grupos de famílias: as de ovário súpero como fusão gradual das margens da folha carpelar sobre os
Loganiaceae, Bignoniaceae e Lamiaceae e as de ová- feixes vasculares marginais, que gradualmente tam-
rio ínfero como Rubiaceae e Compositae. bém se fundem.
A posição do ovário na flor está intimamente Uma das principais tendências evolutivas do gi-
associada à presença ou não do hipanto na flor. Hipan- neceu foi o desenvolvimento da flor com gineceu sin-
to pode ser definido como uma estrutura em forma de cárpico (com os carpelos unidos entre si) a partir da
urna ou taça que circunda o ovário. Tal estrutura pode flor primitiva, que, como vimos, possuía gineceu apo-
estar ausente e neste caso o ovário é súpero (livre) e cárpico. Essa tendência é observada em numerosos
esta é uma flor hipógina. Quando ocorre, o hipanto grupos de eudicotiledôneas e complexo magnoleídico
pode ser de natureza receptacular (originado do pró- e também dentre as monocotiledôneas. Apocarpia
prio receptáculo em forma de taça) ou apendicular secundária ocorreu em alguns grupos, como por
(originado pela fusão de sépalas, pétalas e estames). exemplo em Apocynaceae e Asclepiadaceae, que pro-
Duas situações podem acontecer: a) a parede do ová- vavelmente tinham ancestrais sincárpicos. Um aspecto
rio está livre do hipanto, tem-se então, um ovário sú- importante nesse item é a gradual fusão entre os feixes
pero (livre), porém, devido à presença do hipanto a vasculares de carpelos num gineceu sincárpico. A
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 152
USP-UFSCar
figura 24 B mostra cortes diagramáticos de 3 ovários DIAGRAMA FLORAL E FÓRMULA FLORAL.
sincárpicos, no primeiro, os carpelos estão em contato
A organização morfológica da flor pode ser
íntimo mas ainda com margens distintas e feixes vas-
mostrada através do diagrama floral e da fórmula flo-
culares ventrais e laterais pareados; no segundo, os
ral. O diagrama floral mostra a flor em corte transver-
carpelos estão perfeitamente fundidos, mas com os
sal, o qual passa pelo cálice, corola, androceu e gine-
feixes vasculares ainda pareados; e, finalmente no
ceu (Fig. 25). A fórmula floral é representada pelos
terceiro, os pares de feixes laterais ventrais estão uni-
seguintes símbolos: K (cálice), A (androceu), [ ]
dos.
(partes adnatas), C (corola), G (gineceu), ( ) (partes
unidas), traço em cima do G significa ovário ínfero,
traço embaixo do G significa ovário súpero. Ex.: K5
C(5) A6 G(5), significando uma flor com o perianto
formado por cálice com 5 sépalas livres (dialissépalo),
corola com 5 pétalas unidas (gamopétala), androceu
com 6 estames livres e gineceu com ovário súpero,
sincárpico, pentacarpelar.

Fig. 24. Cortes transversais de ovários. A Ovários unicarpe-


lares mostrando a união das margens de um carpelo e fusão
dos feixes ventrais. B. Ovários tricarpelares, mostrando os
vários graus de fusão dos carpelos propriamente ditos e dos
feixes ventrais.
Com relação ao tipo de placentação, o gineceu
primitivo das angiospermas provavelmente tinha os
óvulos presos nas margens do carpelo, ou seja, na
região sutural; deste tipo de placentação marginal teria
derivado o ovário com placentação axial, e deste as
placentações apical, basal, parietal e central-livre (Fig.
21 e 22).
As flores que apresentam androceu e gineceu
simultaneamente são denominadas flores monóclinas Fig. 25. Diversos diagramas florais encontrados em mono-
(= um leito) ou hermafroditas, diferentemente das cotiledôneas.
flores díclinas (= dois leitos) ou unissexuais, que apre-
sentam só androceu (flores estaminadas) ou apenas SEXUALIDADE DAS PLANTAS.
gineceu (flores carpeladas ou pistiladas). Diferentemente da maioria dos animais, as
Muitos autores utilizam também o termo pistilo plantas podem possuir diversas possibilidades de ar-
para designar a(s) unidade(s) estrutural(is) do gineceu. ranjos com relação à sexualidade:
Segundo este conceito, numa flor com gineceu apo- Espécies hermafroditas - são aquelas que têm
cárpico unicarpelar, os conceitos de carpelo, pistilo e flores monoclinas. Ex. roseira (Rosa sp., Rosaceae).
gineceu correspondem a uma mesma estrutura. Por Espécies monóicas - são aquelas que possuem
outro lado, numa flor com gineceu apocárpico pluri- flores diclinas, com os dois sexos na mesma planta -
carpelar, teremos cada carpelo formando um pistilo flores estaminadas e carpeladas (pistiladas). Ex. a
isolado. A terceira possibilidade é aquela na qual um mamona (Ricinus communis), antúrio (Anthurium
gineceu sincárpico constitui um pistilo, que neste caso spp).
é formado de mais de um carpelo.
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 153
USP-UFSCar
Espécies dióicas - são aquelas que possuem flo- Funcionalmente, o meristema apical do eixo caulinar
res diclinas - estaminadas e carpeladas em plantas que está formando uma inflorescência produz primór-
diferentes. Ex. amoreira (Morus nigra, Moraceae). dios foliares que se diferenciam em brácteas, e na
Espécies poligâmicas - são aquelas em que num axila de cada bráctea nasce uma flor ou uma gema que
mesmo indivíduo podem ocorrer flores monoclinas e formará um ramo lateral com flores (Fig. 26).
diclinas. Um exemplo disso é o mamoeiro (Cairca
papaya – Caricaceae). As plantas femininas apresen- ONTOGÊNESE.
tam apenas flores pistiladas, solitárias. Já o chamado Os diversos tipos de inflorescências são classi-
mamão-macho apresenta flores em inflorescência do ficados em duas grandes categorias, com base na sua
tipo racemo, quase todas estaminadas, mas nas extre- ontogenia:
midades da inflorescência encontra-se uma flor monó-
clina (hermafrodita). Também há mamoeiros em que INFLORESCÊNCIA CIMOSA (DETERMINADA).
todas as flores são hermafroditas e estes são os que
Neste caso, cada eixo termina numa flor. O me-
têm maior valor comercial.
ristema que está formando a inflorescência cessa logo
a produção de brácteas e origina os primórdios dos
apêndices de uma flor terminal. A iniciação da flor
terminal é portanto precoce, isto é, ocorre quando as
flores laterais ainda estão em estágio muito inicial de
desenvolvimento (Fig. 27A) e, conseqüentemente, a
flor terminal abrirá antes das expansão das laterais. Se
uma inflorescência deste tipo continuar crescendo, tal
desenvolvimento terá que se dar através de gemas
Fig. 26. Cortes diagramáticos mostrando estágios iniciais laterais, pois a gema apical se transformou em flor, e
do desenvolvimento de flores e brácteas numa inflorescên-
cia. Cada flor aparece na axila da bráctea. Em B. o ápice
assim fica caracterizada a natureza simpodial das in-
transformou-se numa flor terminal. florescências cimosas.

INFLORESCÊNCIA RACEMOSA OU
INDETERMINADA.
Neste caso, cada eixo termina numa gema e,
portanto, potencialmente tem crescimento ilimitado,
basicamente monopodial. Neste tipo, o ápice meriste-
mático da inflorescência jovem não se diferencia em
flor, mas persiste ativo e continua "indefinidamente" a
produzir brácteas com flores laterais que vão amadu-
recendo acropetamente (Fig. 27B).

CLASSIFICAÇÃO.
TIPOS DE INFLORESCÊNCIAS RACEMOSAS
(FIG. 28)
Fig. 27. Tipos de inflorescência quanto à ontogênese. A. Racemo ou cacho - eixo simples alongado por-
Inflorescência determinada (cimosa); B. Inflorescência tando flores laterais pediceladas subtendidas por brác-
indeterminada (racemosa).
teas.
INFLORESCÊNCIAS. Espiga - eixo simples alongado portando flores
laterais sésseis (sem pedicelo) na axila de brácteas.
CONCEITO. Umbela - eixo muito curto, com várias flores
Na grande maioria das angiospermas, as flores pediceladas inseridas praticamente num mesmo nível.
são produzidas em agrupamentos denominados inflo- Corimbo - tipo especial de racemo onde as flo-
rescências, embora ocorram também flores isoladas. res têm pedicelos muito desiguais e ficam quase todas
Morfologicamente, uma inflorescência é um ramo ou a um mesmo plano.
um sistema de ramos caulinares que portam flores.
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 154
USP-UFSCar
Capítulo - eixo muito curto, espessado e/ou TIPOS BÁSICOS DE INFLORESCÊNCIAS CIMOSAS
achatado, com flores sésseis e dispostas bem juntas. (FIG. 29)
Geralmente existe um invólucro de brácteas estéreis
Dicásio - o ápice do eixo principal se transfor-
protegendo a periferia do capítulo. Além dos capítulos
ma em uma flor, cessando logo o desenvolvimento
indeterminados, também podem existir capítulos de-
deste meristema; em seguida as duas gemas nas axilas
terminados.
das duas brácteas subjacentes prosseguem o cresci-
Panícula - é um cacho composto, ou seja, um
mento da inflorescência e se transformam cada uma
racemo ramificado (um eixo racemoso principal sus-
numa flor; novamente pode o mesmo processo sim-
tenta 2 a muitos eixos racemosos laterais).
podial prosseguir a ramificação da inflorescência.
Diversas combinações dos tipos acima podem
Monocásio - após a formação da flor terminal
ocorrer, sendo comuns os corimbos de capítulos, as
do eixo, apenas uma gema lateral se desenvolve em
umbelas compostas, os racemos de capítulos, etc.
flor, e assim por diante. Aqui, as duas possibilidades
principais são: as flores laterais desenvolvem-se con-
secutivamente em lados alternados (em zigue-zague)
(monocásio helicoidal), ou sempre de um mesmo lado
(monocásio escorpióide).
Cimeira composta - inflorescência ramificada
onde os eixos laterais comportam-se irregularmente
(ou alternadamente) como monocásios ou dicásios.
É importante salientar que também existem um-
belas determinadas, corimbos determinados e capítu-
los determinados.

INFLORESCÊNCIAS TIPO MISTO (FIG. 30)


São aquelas onde parte dos eixos são monopo-
diais (racemosos) e parte simpodiais (cimosos). O
padrão mais comum é o tirso, tipo de inflorescência
onde o eixo principal racemoso (indeterminado) alon-
ga-se e produz vários eixos laterais cimosos (determi-
Fig. 28. Tipos de inflorescências racemosas ou indetermi- nados), os quais podem ser dicásios ou monocásios.
nadas (Retirado de Cronquist, 1988).
TIPOS ESPECIAIS DE INFLORESCÊNCIAS
(FIG. 31-32)
Espádice - tipo especial de espiga com eixo
muito espessado, com as flores parcialmente "afunda-
das" no eixo, e tipicamente protegido na base por uma
grande e vistosa espata (bráctea modificada). Típico
das Araceae.
Espigueta - unidade básica das inflorescências
das Gramineae, consistindo de uma espiga muito re-
duzida, envolvida por várias brácteas muito modifica-
das densamente dispostas.
Sicônio - típico de Ficus (Moraceae), é uma in-
florescência carnosa e côncava, com numerosas e pe-
queninas flores encerradas na concavidade, havendo
apenas uma estreita abertura no ápice.
Pseudantos - nome genérico aplicado a inflores-
Fig. 29. Tipos de inflorescências cimosas ou determinadas
cências condensadas em que muitas flores ficam dis-
(Retirado de Cronquist, 1988).
postas de forma a simular uma única flor. Os pseudan-
tos mais comuns são os capítulos (já caracterizados
anteriormente), comumente chamados "flores" pelos
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 155
USP-UFSCar
leigos, e os ciátios. O ciátio é característico de alguns
gêneros da família Euphorbiaceae, e consiste de uma
inflorescência formada por um invólucro de brácteas
(geralmente com um ou mais nectários evidentes), que
envolve um conjunto de pequenas flores estaminadas
rodeando uma flor pistilada central.

ASPECTOS FUNCIONAIS E EVOLUTIVOS.


Acredita-se que as primeiras angiospermas te-
riam flor isolada terminal; efetivamente este caráter
existe em fósseis muito antigos e permanece comum
em famílias primitivas como Magnoliaceae e Annona-
ceae. Conforme pode ser visto na figura 33, a partir
desse estágio primitivo teriam aparecido as inflores-
cências cimosas, provavelmente de início em dicásio
simples e mais tarde cimeiras compostas e ramifica-
das. Por simplificação destas poderiam ter aparecido
os monocásios.
Se numa cimeira composta o eixo principal Fig. 30. Inflorescências do tipo misto. A. Tirso com ramos
crescesse mais e produzisse mais ramos basais, estes laterais dicasiais alternos; B. Tirso com ramos laterais dica-
amadurecendo antes dos terminais, teríamos o apare- siais opostos.
cimento de uma inflorescência racemosa, em tirso ou Todas essas idéias sobre a evolução das inflo-
em panícula, da qual teriam derivado os demais tipos rescências são muito especulativas, mas de qualquer
racemosos. Por exemplo, as umbelas teriam aparecido forma o significado adaptativo do aparecimento e
pela condensação dos internós de um racemo, e os diversificação das inflorescências reside em alguns
capítulos pelo encurtamento dos pedicelos florais de aspectos principais:
uma umbela. Entretanto, é importante lembrar que a) Incremento da atração de polinizadores, pela
existem em diversas famílias de angiospermas evidên- vistosidade maior do conjunto das flores;
cias de séries de redução conduzindo as flores solitá-
rias, que nesse caso representariam um estágio deri-
vado e portanto mais evoluído. A redução do número
de flores e da complexidade da inflorescência parece
ter ocorrido em linhas filogenéticas paralelas ou con-
vergentes.
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 156
USP-UFSCar
ração de apenas uma ou duas flores num dia particu-
lar, aumentando a chance de fecundação cruzada. No
caso das inflorescências indeterminadas (racemosas),
elas podem estender muito a duração de seu período e
florescimento, de modo que maior número de cruza-
mentos com diferentes indivíduos na população é
possível (exemplos de regulação temporal).

Fig. 32. Inflorescência do tipo capítulo.


Fig. 31. Tipos especiais de inflorescências. A regulação espacial é geralmente mais com-
b) Facilitação e garantia da efetividade da visita plexa e envolve o comportamento do polinizador. Um
dos polinizadores, pois numa inflorescência um núme- bom exemplo e relativamente comum é a associação
ro maior de flores podem ser visitadas em menor tem- de inflorescência racemosa com flores protândricas e
po; com abelhas. Nesses racemos, as flores abrem em
c) Contribuição, nas plantas polinizadas pelo seqüência da base do racemo para o ápice; cada uma
vento, das inflorescências para a maior produção de delas amadurece primeiro seus estames e só depois de
quantidade de pólen e para a facilitação da dispersão liberarem o pólen estarão com seus estigmas recep-
do mesmo no vento. tivos, isto é, são flores protândricas. As abelhas visi-
Assim, a arquitetura da inflorescência e seu fun- tantes comportam-se sempre movendo-se da base do
cionamento afetam diretamente a polinização e a fruti- racemo para seu ápice, "sujando-se" de pólen nesse
ficação, que representam passo crucial no ciclo vital caminho; quando a abelha parte para outra planta da
das plantas e, portanto, na manutenção da espécie. A mesma espécie, o pólen da primeira planta nela depo-
arquitetura da inflorescência pode afetar profunda- sitado será captado pelos estigmas receptivos das flo-
mente os níveis de fecundação cruzada nas popula- res mais basais desta segunda planta, realizando-se
ções naturais e tais efeitos manifestam-se tanto no assim a fecundação cruzada.
espaço quanto no tempo. Em inflorescências em mo- A agregação de flores em capítulos, típicos da
nocásio ou dicásio, por exemplo, podemos ter a matu- família Compositae (girassol, margarida, etc.), seria
Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 157
USP-UFSCar
biologicamente equivalente a uma única flor, pois no "individualista" com "exploração genética intensiva",
capítulo, que como vimos é um pseudanto (Fig. 32), o no conceito de Wyatt (1982). Nas orquídeas, a arqui-
invólucro "atua" como um cálice, as flores periféricas tetura da inflorescência é sempre de racemos ou espi-
geralmente vistosas e expandidas atuam como uma gas ou de flores solitárias, geralmente com uma única
"corola" e as flores do disco eqüivaleriam ao papel de flor abrindo de cada vez. Entretanto, o ovário da flor
androceu e gineceu de uma flor isolada. Entretanto, das orquídeas tem numerosos óvulos e o pólen é dis-
isso é verdadeiro apenas em termos da atração aos perso agregado em polínias; como resultado, tais plan-
polinizadores, pois o funcionamento de um capítulo é tas produzem numerosas sementes geneticamente
muito mais complexo: suas flores amadurecem grada- semelhantes, resultantes da fertilização do grande
tivamente da periferia para o centro e, assim, a apre- número de óvulos pelos numerosos grãos-de-pólen de
sentação de muitas flores para a polinização ao longo uma única polínia, a qual é oriunda de uma única flor
de um período de tempo extenso resulta numa taxa de outro indivíduo, trazida pelo polinizador.
alta de fecundação cruzada. Assim, a organização Tanto as Orchidaceae como as Compositae são
floral nos capítulos das Compositae é considerada por famílias que alcançaram grande sucesso na natureza,
Wyatt (1982) como "coletivista" com "exploração cada uma através de diferentes especializações na
genética extensiva", pois num só capítulo são produ- morfologia e funcionamento da inflorescência. Os
zidas muitas sementes com genomas muito variáveis, tipos e exemplos estudados servem para ilustrar a
porque cada flor foi polinizada com pólen vindo de diversificação destas estruturas nas angiospermas,
plantas diversas, em dias diversos. Outras famílias cujo arranjo e funcionamento têm, portanto, importân-
"coletivistas" incluem as Eriocaulaceae (sempre- cia capital nos processos evolutivos de adaptação des-
vivas) e as Calyceraceae. tas plantas ao meio.
Em contraste com tal organização coletivista
dos capítulos, as Orchidaceae constituem uma família

Fig. 33. Diagrama mostrando as principais tendências evolutivas das inflorescências.


Anatomia e Morfologia de Plantas Vasculares Menezes et al. 2004 158
USP-UFSCar
Chave indentada para identificação dos padrões básicos de arranjo das flores nos ramos.
1a. Flores solitárias ou em grupos de até 3 flores, axilares ou terminais.
2a. Apenas 1 flor por axila foliar ou apenas 1 flor terminal ....................................................................................................... Flor solitária.
2b. Duas a três flores por axila foliar...................................................................................................................................Flor em fascículo.
1b. Flores reunidas em inflorescências com mais de três flores, axilares ou terminais.
3a. Inflorescências de crescimento indeterminado (RACEMOSAS).
4a. Flores pediceladas.
5a. Todos os pedicelos de mesmo tamanho, saindo quase de um mesmo ponto do eixo da inflorescência ..................... Umbela.
5b. Pedicelos saindo de várias alturas no eixo da inflorescência.
6a. Inflorescências não ramificadas (eixo simples).
7a. Flores partindo de vários pontos do eixo principal e chegando a alturas iguais........................................... Corimbo.
7b. Flores partindo de vários pontos do eixo principal e chegando a alturas diferentes ....................Racemo (Cacho).
6b. Inflorescências ramificadas ................................................................................................................................ Panícula.
4b. Flores sésseis (sem pedicelo).
8a. Eixo principal da inflorescência alongado, com as flores dispostas em várias alturas.
9a. Eixo principal da inflorescência espessado e geralmente carnoso, podendo apresentar uma bráctea envol-
vente .................................................................................................................................................. Espádice.
9b. Eixo principal da inflorescência pouco/não espessado....................................................................... Espiga.
8b. Eixo principal da inflorescência achatado, com as flores dispondo-se aproximadamente à mesma alturaCapítulo.
3b. Inflorescências de crescimento determinado (CIMOSAS).
10a. Inflorescência na qual se observa a maturação de uma flor de cada vez .............................. Monocásio.
11a. Inflorescências com flores que se desenvolvem em lados alternados..........Monocásio-Helicoidal
11b. Inflorescências com flores que se desenvolvem sempre do mesmo lado Monocásio-Escorpióide.
10b. Inflorescência na qual se observa a maturação de pelo menos duas flores de cada vez ............ Dicásio.

Você também pode gostar