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BARATA, RB., and BRICEÑO-LEÓN, RE., orgs. Doenças endêmicas: abordagens sociais, culturais
e comportamentais [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2000. 376 p. ISBN: 85-85676-81-7.
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Epidemiologia e ciências sociais
Parte V
Colaboração entre
Epidemiologia e
Ciências Sociais
no Estudo das
Endemias
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Epidemiologia e ciências sociais
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Epidemiologia e
Ciências Sociais
Introdução
A epidemiologia, desde sua constituição como disciplina científica, no iní-
cio do século XIX, buscou nas ciências sociais, também nascentes, elementos teó-
ricos, metodológicos e conceituais que lhe permitissem dar conta de uma dupla
tarefa. Por um lado, produzir conhecimentos científicos acerca da distribuição e
determinação do processo saúde-doença em populações humanas e, por outro, for-
necer subsídios aos serviços de saúde para o controle de doenças e agravos à saúde.
A própria característica de seu objeto científico – o processo saúde-doença
em populações – faz do campo de saberes e práticas epidemiológicas um local de
encontro entre as ciências biológicas e as ciências sociais, tendo em vista a neces-
sidade de compreensão integral dos fenômenos de saúde-doença, que envolve o
conhecimento dos organismos vivos dotados de psiquismo e determinados por
sua situação social, além da dimensão coletiva de apreensão desses fenômenos
que caracteriza o empreendimento epidemiológico (Almeida Filho, 1992).
No século XIX, quatro acontecimentos influenciaram fortemente a
epidemiologia em suas origens (Barata, 1997a). Em primeiro lugar, a revolu-
ção operada pela anatomia patológica na concepção de doença e na prática
clínica, acontecimento fundador para o nascimento da clínica, forneceu à
epidemiologia os instrumentos necessários para a individualização mais objeti-
va dos ‘casos’ (Foucault, 1977). Em segundo lugar, a possibilidade de identificar
de maneira mais objetiva os ‘casos’ e os ‘não-casos’ permitiu à epidemiologia
utilizar a teoria das probabilidades, cujo desenvolvimento se processava acele-
radamente, como recurso analítico para o estudo da dimensão coletiva do fe-
nômeno saúde-doença (Rosen, 1980).
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Estratégias Metodológicas
Muito embora não se possa definir uma disciplina científica por seus mé-
todos de trabalho, a estreita relação existente entre objeto de pesquisa e estraté-
gias de investigação faz com que cada uma delas possua um certo elenco de
métodos utilizados para o conhecimento da realidade (Mendes Gonçalves, 1990).
Quanto mais complexos os objetos de estudo, maior será a necessidade de se
adotarem diferentes estratégias para buscar uma compreensão mais integral ou,
ao menos, a visão dos diferentes ângulos que o fenômeno em estudo comporta.
Esta exigência de abordagens complexas, incluindo diferentes ângulos,
encontra seu limite na necessidade, que toda investigação concreta enfrenta, de
recortar uma certa fração, um determinado domínio do real, para a tarefa
investigativa. Em linhas gerais, os diferentes métodos ou caminhos trilhados
pelas ciências poderiam ser agrupados em procedimentos descritivos,
observacionais, experimentais, cada um deles se desdobrando em modalidades
diversas, segundo as características dos objetos aos quais se aplicam.
Por força das características do objeto, a descrição epidemiológica não
será a mesma que a descrição demográfica, sociológica ou histórica. Do mesmo
modo, a observação epidemiológica não será idêntica à observação antropológica
ou psicológica, nem a experimentação epidemiológica poderá ser igual à experi-
mentação biológica. Entretanto, é possível reconhecer no processo de constitui-
ção histórica das disciplinas científicas a ‘interfecundação’ existente entre as dife-
rentes metodologias adotadas pelos diferentes campos do conhecimento.
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são explicitamente tratados como proxy para condições de vida mais amplas,
porém, na maioria dos casos, são tomados como variáveis isoladas e independen-
tes, que contam como mais um entre tantos atributos dos ‘casos’.
Os autores que utilizam essas variáveis como indicadores de classe social
baseiam-se nas concepções de Max Weber, tomando-as como indicadoras de in-
serção econômica, de prestígio social e de poder/riqueza (Liberatos et al., 1988).
A rigor, não estão trabalhando com o conceito de classe social, mas o estão
substituindo pela noção de estratificação social e usando certas variáveis para
definir o contínuo de situações sociais presentes no grupo estudado.
Mesmo esta simplificação e redução dos aspectos sociais seria suficiente
para demonstrar a desigualdade existente no interior das populações; no entanto,
a capacidade explicativa fica reduzida dada a fragmentação operada na análise.
Geralmente, não é possível ultrapassar a etapa descritiva e de estudo de associa-
ções simples nessas investigações (McQueen & Siegrist, 1982).
Em meados dos anos 80, os pesquisadores passaram a utilizar com mais
freqüência as técnicas de regressão multivariada. Embora essas técnicas possam
superar alguns limites das análises univariadas, elas não resolvem a questão da
fragmentação, visto que poucos são os autores que adotam o tratamento hierarquizado
das variáveis, definindo a inclusão no modelo apenas com base na significância
estatística, sem levar em conta o significado teórico de cada uma das variáveis.
Na tentativa de superar essas limitações e dar conta da multidi-
mensionalidade necessária aos indicadores sociais, os pesquisadores lançam mão
da elaboração de indicadores compostos. Têm-se recorrido a diferentes técnicas
na elaboração desses índices. Uma das utilizadas é a definição de um conjunto de
variáveis com seus respectivos valores, ou intervalos de valores, para compor as
classes do indicador de condições sociais, incluindo renda, escolaridade, raça,
condições de habitação etc. Outra forma de construção bastante usada é a atri-
buição de escores para cada variável considerada, resultando o somatório, a mé-
dia ou qualquer outra medida selecionada, no valor do indicador composto. Há
ainda técnicas estatísticas de análise fatorial, análise vetorial e análise de clusters
que podem ser úteis para a elaboração desses indicadores, permitindo a conside-
ração de maior número de variáveis e possibilitando a articulação entre elas,
conferindo ao indicador maior potencial explicativo.
As áreas geográficas, tais como os setores censitários, também têm sido
utilizadas como unidades mínimas de análise para a identificação de áreas homo-
gêneas de condições de vida. Muitos estudos vêm usando os setores censitários ou
distritos residenciais como base para a construção de indicadores sociais e para o
estudo das associações entre condições de vida e situação de saúde. Os procedi-
mentos técnicos adotados costumam ser os mesmos anteriormente apontados,
levando em consideração a base espacial.
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Liberatos, Link & Kelsey (1988) sugerem uma série de critérios para a
escolha das medidas de classe social em epidemiologia:
• a relevância conceitual, ou seja, o potencial explicativo do indicador selecionado;
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Considerações Finais
Não se pretende, com este artigo, ter dado conta da totalidade do tema
proposto. Procurou-se abordar, de maneira sistemática, alguns dos aspectos que
têm estado presentes na prática de investigação epidemiológica e que dizem
respeito a uma articulação com as ciências sociais em saúde, da forma como ela
se deu e vem-se dando.
Castellanos, em 1985, afirmava que:
As circunstâncias atuais apontam para uma revalorização e redimensionamento
das contribuições teóricas e metodológicas das ciências sociais na investigação em
saúde. Espera-se destes desenvolvimentos uma maior capacidade de descrever e
explicar os fenômenos de saúde-doença e de obter respostas sociais mais eficazes,
eficientes e efetivas. (Castellanos, 1985:145)
O trabalho desenvolvido nos últimos dez anos provavelmente atende em
parte a essas exigências. Certamente, hoje, a descrição e a compreensão do pro-
cesso saúde-doença – não apenas no que se refere às endemias – encontram-se
enriquecidas pelas trocas e influências mútuas entre a epidemiologia e as ciências
socais. Entretanto, resta ainda aos pesquisadores da área de saúde coletiva a luta
pela obtenção de respostas sociais mais eficazes, eficientes e efetivas, que tomem
por base o conhecimento até aqui acumulado e representem novos desafios no que
concerne à busca constante de melhores condições de vida para nossa população.
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