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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FLAVIANE MONTES MIRANDA LEMES

ENTREVISTA:

mais que um instrumento, um gênero discursivo

Artigo científico apresentado à Faculdade de


Letras da UFG como requisito parcial de
avaliação da disciplina Ensino de Língua por
meio do discurso e do texto.

Orientação: Profa. Dra. Eliane Marquez da


Fonseca Fernandes.

Goiânia – 2012
2

ENTREVISTA:

mais que um instrumento, um gênero discursivo

Flaviane MONTES Miranda Lemes


Universidade Federal de Goiás – GO
flavianemontes@hotmail.com

RESUMO: Este artigo tem como objeto de estudo a entrevista, instrumento de coleta de
dados considerado válido numa pesquisa na abordagem qualitativa. O objetivo geral é a
verificação da entrevista como um gênero discursivo. Para fundamentar a análise, fazemos
uso da teoria bakhtiniana sobre a constituição dos gêneros discursivos (BAKHTIN, 2006;
FAÏTA, 1997; FIORIN, 2006; MOTTA-ROTH, 2011) e sobre o instrumento entrevista
usamos uma teoria metodológica (Moreira e Caleffe, 2008). As perguntas que promovem a
investigação são abordadas e respondidas ao longo do texto com a apresentação de trechos do
material coletado para uma pesquisa na área de Formação de Professores.

PALAVRAS-CHAVES: entrevista; gênero; discurso.

ABSTRACT: This article has as object of study the interview, a tool for data collecting
which is considered valid in a qualitative research method. The main goal is verifying the
interview as a discursive genre. To found the analysis, we base the study in Bakhtin theory
about the constitution of the discursive genre (BAKHTIN, 2006; FAÏTA, 1997; FIORIN,
2006; MOTTA-ROTH, 2011) and about the tool interview we use a methodological theory
(Moreira e Caleffe, 2008). The questions that promote the investigation are addressed and
answered along the text with the presentation of places of the collected material for a Teacher
Training research.

KEY WORDS: interview; genre; discourse.

Entrevistar pessoas é um tipo de atividade comum proposta nas aulas de língua


estrangeira (doravante LE) dentro da abordagem comunicativa de ensino de línguas na área da
Linguística Aplicada. Perguntar e responder questões seguindo determinadas estruturas
linguísticas e fazer uso de entonações adequadas e específicas de cada um dos enunciados -
mesmo que elaborados apenas para esse fim - fazem desta forma de interação1 (RICHARDS e
RODGERS, 1986), um tipo bastante utilizado no ensino de LE. Entretanto, quando o aprendiz

1
Students are expected to interact with other people, either in the flesh, through pair and group work, or in their
writings. (É esperado dos alunos [na abordagem comunicativa de ensino de línguas estrangeiras] que interajam
com outras pessoas, mesmo que primariamente, por meio de pares e trabalhos em grupo, ou em suas escritas. –
tradução nossa. Richards e Rodgers, 1986, p. 68, tradução nossa)
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de LE está no início do processo de assimilação2, aquela língua ainda não se tornou língua. O
que há são apenas “sinalidades” e reconhecimento que ainda não foram dominados. O sinal é
apenas identificado, não decodificado; não tem valor linguístico algum (BAKHTIN, 2006).
Levando em conta uma interação na qual o diálogo e a consequente compreensão
existem por parte de seus interlocutores, pensamos em trabalhar com um tipo específico de
entrevista: aquele usado para obter informações junto aos participantes da pesquisa para sua
investigação. Nada, portanto, relacionado a uma atividade de aula comunicativa de línguas
estrangeiras.
Assim, a partir da elaboração de um seminário que deveria ser apresentado para a
disciplina a que se refere este trabalho, e ainda, da necessidade de se lançar mão de um
instrumento capaz de auxiliar no início da coleta de dados para uma pesquisa para um
trabalho acadêmico, nasceu o desejo de investigar sobre o tema principal desta obra: a
entrevista oral, método de coleta de dados numa pesquisa qualitativa.
Por que entrevista? Em que aspecto este instrumento pode ser considerado um
gênero? E a que tipo de gênero se refere? Estas são algumas questões que tentamos responder
ao longo do texto levando em consideração a linguagem dialógica na concepção de Mikhail
Bakhtin em Marxismo e Filosofia da Linguagem (2006) e comprovando esta ideia por meio
de trechos de uma entrevista oral realizada numa coleta de dados para uma pesquisa de
abordagem qualitativa. Sob a perspectiva de Bakhtin-Volochinov (2006)3 quanto à concepção
de língua como elemento fundamental de uma interação verbal, abordamos o gênero
entrevista numa perspectiva metodológica da condição concreta em que se realiza com as
formas e os tipos de interação verbal.
Ao refletir sobre a primeira questão apresentada no parágrafo anterior, nos
prontificamos a investigar o gênero entrevista, em primeiro lugar por acreditar que a dialogia
(sobre a qual descrevemos mais detalhadamente adiante neste texto) estabelecida naquela
relação social, entre entrevistadora e entrevistada, existe a possibilidade de uma melhor
compreensão da formação desse gênero discursivo oral; e, em segundo lugar, por perceber a

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Cremos que Bakhtin (2006, p. 95) apresenta assimilação de uma LE, assim como Krashen (1981) apresenta
aquisição em oposição à aprendizagem de LE. Ambos os autores referem-se à interação social para a
internalização e o uso efetivos de uma dada LE. Entretanto, não é de nosso interesse tratar da diferenciação entre
aprendizado e aquisição/assimilação, apenas privilegiamos o conceito bakhtiniano neste estudo.
3
Apesar de o texto de referência utilizado no presente trabalho não conter o nome Volochinov como autor, foi
preferível citar o nome do autor composto por ambos os autores como sendo o/s criador/es de Marxismo e
Filosofia da Linguagem, assim como faz Faïta (1997, apud Brait, 1997).
4

carência de estudos sobre o gênero em questão, especificamente no que diz respeito a um


instrumento de coleta de dados para uma pesquisa cientifica.
Este estudo está divido em mais três etapas: a fundamentação teórica, na qual
discutimos a concepção bakhtiniana de língua, uma breve apresentação de gêneros discursivos
e a inserção do gênero entrevista numa perspectiva dialógica de interação de Bakhtin; a
análise dos dados obtidos pela aplicação do instrumento de coleta de dados e por fim, as
considerações finais a que chegamos pela análise. A seguir, vejamos a fundamentação teórica
sobre a qual este estudo se baseia.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Adotamos a literatura de Mikhail Bakhtin como base para este estudo pelo fato de
crer que este autor apresenta o conceito mais adequado de língua ao que nos propusemos
investigar. A seguir, veremos o conceito de dialogismo de Bakhtin e o conceito que dele
advém para gênero discursivo.

A constituição da língua e seu caráter dialógico em Bakhtin


Segundo Fiorin (2006), ao tratar a concepção de linguagem segundo Bakhtin, a
definição de dialogismo se refere às “relações de sentido que se estabelecem entre dois
enunciados” (FIORIN, 2006, p. 19). Assim, podemos concordar com o autor quando esse
afirma que todos os enunciados são dialógicos porque há uma palavra perpassada pela palavra
de outro, que por sua vez, também é constituída pela palavra de outrem. Os discursos são
sempre atravessados por discursos alheios. Daí a propriedade dialógica de língua de Bakhtin.
Sobre tal aspecto importante, retomaremos a seguir, após tratarmos um pouco mais sobre os
enunciados.
Acerca dos enunciados, podemos verificar que esses mostram aspectos do momento
de sua produção, ou seja, as ideologias sócio-históricas do contexto de propagação dos
mesmos e, consequentemente os discursos. Bakhtin (2003), na introdução de Estética da
criação verbal declara que
esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido
campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela
seleção dos recurso lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas acima de
tudo, por sua construção composicional. (p. 261)

Esta citação se refere ao que comumente chamamos “tripé de Bakhtin” no qual estão
inseridos os aspectos de formação enunciativa: o conteúdo temático ou composicional, o
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estilo da linguagem (conjunto de escolhas que fazemos na língua com um veio pessoal e outro
coletivo) e o conteúdo temático, ou seja, os discursos implícitos na elaboração de qualquer
enunciado, o texto em si. Os enunciados são os responsáveis pela integração da língua na
vida. Segundo Bakhtin (2003) é “através de enunciados concretos que a vida entra na língua”
(p. 265) dada a importância desses elementos para a constituição da própria língua.
Sobre o conceito de dialogismo de Bakhtin, retornemos ao texto de Fiorin (2006):
para o professor, há três conceitos do dialogismo. O primeiro conceito entende dialogismo
como modo de funcionamento real da linguagem, ou seja, ele é constitutivo. Nesta primeira
conceituação, verificamos que todo enunciado é dialógico, pois se constitui a partir de outro
enunciado, é uma réplica ao primeiro. Os enunciados são constituídos de vozes sociais, ora de
convergência, ora de divergência, ora de acordo, ora de desacordo, para citar algumas das
contraposições existentes. Se toda palavra tem uma contra palavra, então o dialogismo é
constituído dessas palavras ditas no meio social como respostas a determinadas posições
(FIORIN, 2006).
O segundo conceito de dialogismo é o que o vê como uma forma composicional, isto
é, “maneiras externas e visíveis de mostrar outras vozes no discurso” (FIORIN, 2006, p. 32).
Isso pode ser exemplificado pelas formas de discurso direto e indireto ao relatarmos um fato,
mas com outras possibilidades de apresentação como as aspas, a negação, a intertextualidade,
a paródia, para citar alguns modos enfim, como apontado por Fiorin (2006).
O terceiro e último conceito de dialogismo de Bakhtin exposto por Fiorin (2006) é o
de dialogismo como o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação. Nesta
definição, as relações das quais o sujeito participa o constituem como aquele determinado ser
e não outro. É uma subjetividade autônoma e não submissa às relações sociais, como se pode
pensar. O sujeito se constitui discursivamente ao longo de sua história de vida nas relações
dialógicas que estabelece com outros sujeitos e não uma posição de assujeitamento diante do
que está composto no meio social em que atua.
Nesta última perspectiva de definição de dialogismo de Bakhtin em Fiorin (2006) é
que nos apoiamos para a seleção do material de análise do presente trabalho. Entretanto, é
necessário verificar como o gênero pode ser constituído para esse autor nesta perspectiva
dialógica.
Faïta (1997) afirma que Bahktin tem como característica primordial o “predomínio
do coletivo, do social sobre o individual e o subjetivo” (p. 153). Alguns trechos que
comprovam essa assertiva e já mencionados neste trabalho são: “o sentido da palavra é
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totalmente determinado por seu contexto” (BAHKTIN-VOLOCHINOV, 2006, p. 99); “a


língua é um fenômeno puramente histórico” (p. 102); “a enunciação é de natureza social” (p.
103). Sem a intenção de tornar esta leitura repetitiva, tentamos apenas confirmar a posição de
Bakhtin acerca da constituição social do signo e ainda, a noção de gênero discursivo, que é o
ponto de interesse do trabalho a partir deste momento.
Para Bakhtin, ao ser concretizado, o enunciado é individual e, portanto, o estilo é
individual. De natureza social, porém individual, alguns enunciados, produzidos por locutores
diferentes, em situações diferentes, “num domínio de atividade idêntica, como o ensino”
(FAÏTA, 1997, p. 156), podem apresentar uma soma de marcas recorrentes, indicando que
pertencem a um mesmo tipo. Assim, temos que cada um desses enunciados é a realização
individual do estilo geral ao qual pertencem (FAÏTA, 1997). Sobre esse caráter individual da
produção dos enunciados é que recai uma crítica do citado autor a Bakhtin. Como ele pode
tratar de alguma questão individual, subjetiva, se toda a sua defesa é em prol do coletivo, do
elaborado nas relações sociais? Bem, cremos que o mais importante na leitura de Bakhtin é
que apesar da característica individual apresentada no estilo, ou seja, na produção de um
enunciado, é no meio social, no coletivo que o mesmo se constitui, como já exposto
anteriormente. Portanto, não há que se julgar contraditória a questão estilística.

Gêneros discursivos
Como apresentado em Faïta (1997), os gêneros discursivos são recursos para pensar
e dizer, os quais podem ser desviados de seus destinos e, assim, podem fazer surgir uma
infinita variedade de outros gêneros. Para Brait (2005) “o gênero discursivo diz respeito às
coerções estabelecidas entre as diferentes atividades humanas e os usos da língua nessas
atividades, ou seja, as coerções das práticas discursivas” (p. 21). A autora aponta ainda que
para Bakhtin, mesmo que não explicitamente no corpo do texto apareçam os gêneros
discursivos e os tipos textuais, esses são mesclados indiscriminadamente. Como não é de
nosso interesse nos ater a esta diferenciação, ficamos apenas com a assertiva de Brait (2005)
sobre o enunciado: “qualquer enunciado fatalmente fará parte de um gênero” (p. 19). Isso não
significa que seja uma regra determinista de existência do enunciado. Todo gênero, todo
enunciado, todo discurso é sim, determinado por algo que veio antes e resultará em algo
também que virá em forma de respostas futuras, como afirma Brait (2005), daí o caráter social
dos gêneros discursivos.
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A partir da declaração dessa autora, podemos nos ater ao gênero entrevista, foco do
presente trabalho. Novamente, como apresentado por Brait (2005) e corroborando o dito por
Faïta (1997), vemos que não se pode falar em gêneros sem pensar no que eles constituem e
atuam e ainda, devemos levar em consideração as condições de produção, de circulação e
recepção dos mesmos. Dada a multiforme atividade humana, temos uma riqueza e uma
diversidade dos gêneros do discurso, tanto os orais quanto os escritos (BAKHTIN, 2003).
Bakhtin (2003) chama a atenção para a importância de atentarmos para a diferença
entre os gêneros discursivos primários, também denominados simples, e os gêneros
discursivos secundários, ou complexos. Sobre esses últimos, o filósofo russo declara serem
“predominantemente escritos e surgirem num convívio cultural mais complexo e
relativamente muito desenvolvido e organizado” (p. 263). Acrescenta que no momento de sua
formação, os gêneros discursivos secundários “incorporam e reelaboram diversos gêneros
primários (simples) que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata” (p.
263). Podemos então defender que o gênero entrevista, como pensado para fins deste
trabalho, se enquadra como um gênero discursivo, sobre o qual trataremos no próximo tópico.

O gênero discursivo entrevista


Pensar na constituição de um gênero é retomar a ideia de Bakhtin acerca de estilo e
dialogia. Entretanto, cremos que anterior a esta explanação, temos que nos atentar ao gênero
propriamente dito. Apresentamos assim, a definição deste instrumento e suas características
para a proposta de pesquisa em que fora aplicado.
Como já exposto, a entrevista é um modelo de instrumento de coleta de dados para
as pesquisas de abordagem qualitativa. De acordo com os autores Hitchcock e Hughes (1995,
apud MOREIRA e CALEFFE, 2008), dependendo da natureza das perguntas que nortearão o
ato de entrevistar, a entrevista poderá ser considerada padronizada ou não-padronizada. O
primeiro tipo se refere a entrevistas estruturadas ou de levantamentos, semi-estruturadas e em
grupo. O segundo tipo de entrevista é aquela realizada em grupo, etnográfica ou para história
oral e para a história de vida.
A entrevista estruturada assemelha-se muito ao questionário. Há perguntas fixas e
respostas pontuais. Já a entrevista não-estruturada é mais difícil ser analisada pelo fato de
conter muitas informações com pouca uniformidade, não há perguntas que norteiam a
conversa. A entrevista semi-estruturada sugere um meio termo entre a informalidade e a
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rígida formalidade, sendo essa última a nossa opção para a coleta de dados da referida
pesquisa.
É válido ressaltar que o objetivo primordial desse tipo de instrumento de coleta de
dados em pesquisa qualitativa é “criar uma atmosfera para que o entrevistado se sinta à
vontade para fornecer ao pesquisador informações bastante pessoais” (MOREIRA e
CALEFFE, 2008, p. 168).
Após a elaboração das perguntas, a entrevista foi aplicada a duas professoras
participantes da pesquisa de pós-graduação. Entretanto, o recorte apresentado aqui se faz na
tentativa de verificação de que a entrevista é um gênero discursivo oral de grande valia nas
pesquisas qualitativas e como tal, se vale de sua funcionalidade para alcançar os objetivos
dialógicos pressupostos. Na realidade, as respostas a todas as perguntas apresentadas na
introdução deste texto serão retomadas na análise que se fará na próxima sessão.
É na interação face a face que a entrevista oral pode acontecer. Se o que acontece no
momento da entrevista é uma enunciação, e se a enunciação é o produto da interação de dois
indivíduos socialmente organizados, então, temos aí um meio dialógico de coleta de dados.
Não que outros instrumentos não o sejam, mas este, em especial, por ser o foco de análise
neste trabalho, tem caráter marcado pela dialogia, pela interação, pela enunciação que por sua
vez, constitui o gênero.
Moreira e Caleffe (2008) declaram: “a entrevista é uma interação social muito
complexa e é importante que o pesquisador esteja consciente da dinâmica da situação” (p.
183). Os autores acrescentam os cinco tópicos de orientação ao pesquisador na realização de
uma entrevista que são: a influência do pesquisador, as características das entrevistas, a
influência do entrevistado, a natureza da relação pesquisador/pesquisado e a entrevista como
uma conversa. Em todos esses tópicos, todas as variáveis devem ser consideradas. Assim,
vejamos os trechos que comprovam tanto as variáveis de análise dos tópicos quanto o caráter
dialógico do instrumento.
A escolha dos trechos transcritos de uma entrevista inicial, realizada para uma
pesquisa na área de Formação de Professores de inglês como língua estrangeira numa escola
particular de ensino infantil, se deve ao fato de esses terem sido usados para uma pesquisa
acadêmica e possuírem o aval das participantes para terem suas falas expostas neste trabalho.
O objetivo daquela pesquisa é o de investigar a eficácia das sessões de feedback na formação
das professoras envolvidas ao participarem de sessões reflexivas em que suas aulas seriam
9

assistidas e comentadas com o fim de melhorar a sua prática por meio desta interação entre
participantes.
Os trechos a seguir pertencem a uma entrevista inicial realizada pela professora
pesquisadora com uma professora participante, e são norteadas por cinco perguntas cujos
objetivos são o de traçar o perfil da professora participante e ter uma ideia se a mesma já tem
algum conhecimento sobre o termo reflexão colaborativa. As questões são as seguintes:
1) Como você se tornou professora de inglês? Descreva um pouco a sua trajetória de vida
profissional.
2) Por que você está nesta profissão?
3) Você acredita que sua prática precisa ser trabalhada na atualidade?
4) O que você entende por reflexão colaborativa?
5) Você realmente acredita em um trabalho coletivo e colaborativo para crescimento
profissional? Por quê?
Moreira e Caleffe (2008) oferecem nove tópicos para análise de entrevistas e
informações oriundas de conversação. Entretanto, não são aplicados aqui, já que o foco
principal de análise é a certificação de que este é um gênero discursivo dentro da proposta de
Bakhtin.

ANÁLISE
Os trechos abarcam perguntas da pesquisadora e respostas da professora participante
da pesquisa. Primeiramente, veremos o aspecto que concerne à influência do pesquisador no
discurso do pesquisado. Após uma breve descrição acerca de como deve ser o procedimento,
a pesquisadora solicita alguma resposta, uma pequena narrativa, sobre a sua história de vida
profissional até o presente momento.
Os nomes de pessoas apresentados a seguir (Susana e Helena) são, na realidade,
codinomes escolhidos pela professora pesquisadora e pela professora participante
consequentemente.
Susana: (...) Depois de mais um dia de trabalho, eu e Helena estamos aqui para
conversar um pouquinho... Helena, eu formulei 5 questões é... Mas que na verdade,
elas são simplesmente pra, para nortear, pra eu não perder o meu foco... Quero que
você se sinta muito à vontade pra respondê-las é... E elas são bem pertinentes àquilo
que você faz aqui, aquilo que você faz enquanto profissional, né? A 1ª questão é:
Como você se tornou professora de inglês? Queria que você descrevesse assim um
pouquinho da sua trajetória até se tornar teacher...
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Logo na abertura da entrevista, a influência da pesquisadora é notória. Ao preparar o


caminho para que a participante se sinta à vontade para responder algumas perguntas, Susana
se coloca na dinâmica da situação, estabelecendo a primeira interação com Helena.
Como resposta, Helena apresenta seu percurso histórico desde sua primeira atuação
como professora de língua portuguesa, passando por sua formação acadêmica até chegar ao
fato de dizer quanto tempo está naquela função de professora de inglês como língua
estrangeira, ponto em que a pesquisadora tinha intenção de chegar no início do diálogo.
Sobre a influência do entrevistado veremos o trecho a seguir. Nele estão inseridos
enunciados que vão se constituindo a partir daquilo que a professora participante, declara
sobre a proposta do estudo, ou seja, outras questões surgem a partir do que a participante
Helena declara.

Susana: Sobre o aspecto, assim, algo que... O foco que a gente tem aqui, né? É o
trabalho coletivo. Um trabalho de reflexão colaborativa. O que é isso pra você? [...].

Helena: Eu acho... Não dá para passar por umas coisas dessas e num... não crescer.
Eu gostaria, eu penso assim, pelas coisas que eu já li de reflexão, seria ÓTIMO pra
mim, se eu tivesse tempo deeee... Escrever sobre as aulas, pós-aulas, escrever,
pontuar no plano... Porque é uma coisa pra continuar, pra fazer continuamente. (...)
Então eu acho que vai ser positivo SIM, e que esse tipo de coisa na nossa profissão
nunca acontece sem trazer nenhum tipo de crescimento. Pior você num fica, não tem
como, não tem lógica, você ler, você ouvir, você dividir e estagnar? Pô! Não tem
como. Eu não acredito nisso.

Susana: Então, eu posso dizer que você, de verdade, acredita no trabalho coletivo?

Como afirma Bakhtin (2006, p. 114)


a palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor:
variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior
ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais
ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.),

vemos a função da palavra de Helena sendo concretizada em sua resposta e consequente


pergunta. Provavelmente, se este diálogo tivesse sido realizado por outra via, um questionário
ou outro tipo de instrumento, dificilmente apareceriam tantas marcas de oralidade como neste
exemplo. Gíria, ênfase de determinadas palavras, pausas, repetição, dúvida são algumas
marcas de uma conversa informal oral e que geram, por conseguinte, outra pergunta de
confirmação.
Por serem do mesmo grupo social, as professoras inseridas naquele contexto de
ensino, compartilham formas de lidar com a interação, sem resistência. O laço social daquela
relação faz com que a palavra de Helena seja em função de Susana. Neste sentido, vemos
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como uma relação dialógica é formada na prática. “Com efeito, a enunciação é o produto da
interação de dois indivíduos socialmente organizados” (BAKHTIN, 2006, p. 114).
O terceiro e último aspecto a ser considerado nesta análise primária acerca do gênero
entrevista é o que vem abordado no trecho a seguir. O entrecruzamento de discursos nos quais
um discurso é gerado por outro, que consequentemente gera outro discurso, pode ser
analisado na parte do diálogo entre Susana e Helena, apresentado abaixo:

Helena: Acredito! Pra aprender e pra reciclar, né? Num é só pra minha prática,
porque a gente tem aprendido da vida, das coisas, é! (...) Eu acredito e é a tendência
do século. A gente vê que as coisas coletivas são as que estão funcionando. É o
dividir, é o share mesmo ideias, a gente... É até... Eu fico pensando... Em sites de
compras coletivas, as pessoas estão se unindo, mesmo desconhecidas umas às
outras, mas com um objetivo em comum, ou seja, esse negócio de ‘cada um no seu
quadrado’ já num tá funcionando mais, né?

Um exemplo simples exposto pela fala de Helena é a apresentação de um modelo de


coletividade. A apropriação desse exemplo (de como as pessoas têm realizado suas compras
nos dias atuais) pode ser encarada como reforço do pensamento que a professora tem da
importância de um trabalho coletivo de um determinado grupo social. Vemos ai um
enunciado formado por outro enunciado (apenas para citar, na perspectiva de outro filósofo,
uma formação discursiva4 poderia ser trabalhada neste contexto.).
Para Bakhtin (2006, p. 115) “toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela
constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte” (grifos do autor). A
palavra que fica ao final da entrevista de Susana e no diálogo estabelecido entre ela e Helena é
que o trabalho a que a pesquisadora está disposta a investigar gera uma expectativa positiva.
Na interação entre as professoras fica claro que o trabalho colaborativo é possível.

Helena: Eu acredito sim.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de um gênero discursivo, a entrevista como instrumento de coleta de
dados para uma pesquisa de cunho qualitativo, pode ser estudada pelo viés bakhtiniano de
constituição de gênero. A necessidade de interação entre os interlocutores e a construção da
palavra por meio dos enunciados que se cruzam no diálogo, fazem desse gênero muito
apropriado ao que tentamos analisar no presente trabalho.

4
Referência a: FOUCAULT, M. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro, Forense Universitária: 1995.
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Por que entrevista? Retomamos a questão inicial que ajudou na construção de um


sentido para a existência deste artigo – o diálogo. Metalinguística original do instrumento que
possibilitou realizar tanto a coleta e a seleção de dados por meio de perguntas semi-
estruturadas quanto possibilitou a análise do que era investigado naquela pesquisa, quanto às
sessões de feedback no grupo de professoras em formação. Outro gênero não poderia abarcar
tão bem a possibilidade aqui exposta.
Em que aspecto este instrumento pode ser considerado um gênero? Pelo fato de que
naquela interação entre as professoras participantes da pesquisa há construção de enunciados,
há consenso relacionado àquele enunciado, ou seja, naquele contexto há concordância de que
a colaboração e a coletividade do trabalho são possíveis. É construído sócio-historicamente.
A que tipo de gênero pertence? É a terceira pergunta e para tal a resposta é gênero
discursivo. Para Bakhtin (1986, apud MOTTA-ROTH, 2011, p. 156) “um gênero é um
conjunto de enunciados mais ou menos marcados pela especificidade de um contexto de
enunciação, onde dada atividade humana recorrente está em andamento em um contexto de
cultura”. Assim, definimos como gênero toda a produção oral ou escrita que se tenha
consenso em seu meio social de produção – daí o uso do termo cultura no excerto. É
discursivo porque tem o caráter de constituição no citado meio social, pela interação, pelas
relações estabelecidas entre os indivíduos.
Em suma, asseguramos que o uso da entrevista como instrumento de coleta de dados
em uma pesquisa qualitativa, proporciona o uso de um gênero discursivo eficaz na interação
entre os interlocutores envolvidos no processo tanto para a análise aqui proposta quanto na
efetivação do discurso que toma ao final da coleta e análise dos dados necessários para a dada
pesquisa. Portanto, a entrevista é mais que um instrumento, é um gênero discursivo.
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REFERÊNCIAS:

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São


Paulo: Martins Fontes, 2003.

BAKHTIN, M., VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e Filosofia da linguagem. 12 ed. São


Paulo: HUCITEC, 2006.

BRAIT, B. PCNs, gêneros e ensino de língua: faces discursivas da textualidade. In. ROJO, R.
(org.). A prática da linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. Campinas: Mercado das
Letras, 2005. p. 15 – 25.

FAÏTA, D. A noção de gênero discursivo em Bakhtin. In. BRAIT. B. (org.). Bakhtin,


dialogismo e construção do sentido. Campinas, Editora da Unicamp: 1997. p. 149 – 168.

FIORIN, J. F. O dialogismo. In. Introdução ao pensamento de Bahktin. São Paulo: Ática,


2006.

KRASHEN, S. D. Second Language Acquisition and Second Language Learning. Pergamon


Press: 2002.

MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Coleta e análise de dados qualitativos: a entrevista. In:


MOREIRA, H. CALEFFE, L. G. Metodologia científica para o professor pesquisador. 2 Ed.
Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. p. 165 – 194.

MOTTA-ROTH, D. Questões de metodologia em análise de gêneros. In. KARWOSKI, A. M.


et al (org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola, 2011. p. 153 – 173.

RICHARDS, J., RODGERS, T. Approaches and Methods in Language Teaching. Cambridge


Language Teaching Library. Cambridge University Press, 1986.

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