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ISSN 2411-0760

Artigo Original

O PAPEL DAS ESCOLAS NA MACHAMBA DO CAMPONÊS NA


SUSTENTABILIDADE DE PROGRAMAS DE EXTENSÃO AGRÁRIA
Albertina Alage1 e Hermano Carmo2
1
Ministério da Agricultura, Moçambique
2
Universidade Aberta, Portugal

RESUMO: Em resposta aos desafios do Desenvolvimento Sustentável (DS), ocorrem várias intervenções
envolvendo vários actores. Entretanto, a forma como os projectos são desenhados, nem sempre assegura a
durabilidade de suas acções. Quando um projecto não deixa sinais de continuidade, junto aos grupos alvo,
designa-se não-sustentável. Visando promover a sustentabilidade de programas, as reformas decorrentes na
extensão agrária priorizam o uso de abordagens participativas. Para tal, introduzem-se formas mais apropriadas
de difusão de tecnologias e de conhecimentos junto dos produtores, como a metodologia designada Escola na
Machamba do Camponês (EMC). O presente trabalho visa identificar a contribuição das EMCs na
sustentabilidade das acções promovidas por programas de extensão agrária. Consiste numa revisão bibliográfica
analisando os resultados decorrentes da implementação de programas de implementados em Moçambique, tendo
como subsídios, experiências decorridas noutros países, sobretudo em Filipinas e Quénia. Os resultados
permitem compreender os aspectos institucionais e metodológicos da disseminação de tecnologias e de
conhecimento pelas EMCs e sua contribuíção nos pilares do DS. O estudo concluiu que as EMCs podem
contribuir para o DS e para a durabilidade de acções pós intervenções. Os mecanismos de difusão das
experiências ganhas nas EMCs baseiam-se em redes informais, as quais se encarregam de dar seguimento às
acções iniciadas. O facto de as EMCs investirem mais tempo na capacitação de produtores, inter alia respeitando
o contexto sociocultural e cumprirem, com algum rigor, os princípios estabelecidas para a sua operacionalidade,
permite a apreensão do saber pelos produtores, contribuindo para a promoção da sustentabilidade das
intervenções iniciadas.
Palavras-chave: sustentabilidade, capacitação, extensão agrária, escola na machamba do camponês

THE ROLE OF THE FARMERS FIELD SCHOOLS IN


AGRICULTURAL EXTENSION SUSTAINABILITY
ABSTRACT: Interventions are undertaken to address the challenges of Sustainable Development, which
involve various stakeholders. However, as consequence of the design process, implemented projects may not
result in durable actions. When no actions remain within the target group after the end of a project, this is
designated not sustainable. The reform process of the agricultural extension leads to multiple and more
participatory approach strategies to promote sustainability interventions. To that end, more adequate
technologies and knowledge transfer mechanisms to famers, such as the Farmer Field School (FFS)
Methodology have been introduced. This study aims to identify the contribution of the FFSs to the sustainability
of the actions promoted by the agricultural extension program after its closure. The study is based on literature
review and data analysis of the program results from Mozambique taking in consideration the experiences from
other counties mainly Philippines and Kenya. From the results, the institutional and methodological issues of the
technologies and knowledge disseminated by the FFSs can be understood. The conclusions appoint that FFSs
can contribute to sustainable development as well as for the long term continuity of the actions after
interventions. The dissemination of the experiences obtained from the EMCs is based on informal networks
which are responsible for the continuation of the diffusion process. By following its principles, inter alia
respecting the social and cultural context, the FFSs give more attention to the farmer training and assist in
knowledge appropriation by the producers, thus contributing to improved sustainability of promoted
interventions.
Keywords: sustainability, empowerment, agricultural extension, farmer field school.
_________________
Correspondência para: (correspondence to:) albertinaalage@yahoo.co.uk

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INTRODUÇÃO Nacional de Extensão Agrária (PRONEA) do


Ministério da Agricultura/Direcção Nacional de
É comum verificar-se uma falta de Extensão Agrária (MINAG/DNEA) está a
continuidade ou mesmo ruptura de expandir as EMCs para todas as províncias
actividades com o fim de um projecto ou do País, orientado pelo Plano Director de
intervenção. Isso, geralmente acontece Extensão Agrária 2007-2016 (DNEA, 2007
quando não é feita uma reflexão prévia e DNEA, 2012), é importante a condução
sobre o período pós-projecto (NORK, de estudos e de análises para uma melhor
2010). O mesmo já não acontece quando compreensão e interpretação da dinâmica
desde o início de uma intervenção se das EMCs bem como a avaliação do seu
acautela da fase pós-projecto (CARMO, potencial no Desenvolvimento Sustentável
2008). Uma das formas de assegurar a (DS). Praticamente não estão a ser
continuidade das intervenções é através de conduzidos estudos que acompanham o
um máximo envolvimento dos intervenientes desenvolvimento das EMCs (em adultos) em
em todas as fases do projecto, numa base Moçambique. A publicação do presente artigo
participativa, para que eles se apropriem do poderá contribuir para o aperfeiçoamento dos
mesmo (CARMO, 2010). Neste caso, os processos de estabelecimento e consolidação de
beneficiários do referido projecto ganham EMCs. Para além de ser um contributo na
consciência e têm interesse sobre a sua literatura sobre a metodologia da EMC em
continuidade. Moçambique, poderá despertar os actores
para a necessidade de documentar as
Para responder aos desafios do desenvolvimento experiências desenvolvidas na área para a
agrário o mundo conheceu mudanças e sua consolidação e partilha interna e com
dinâmicas de actuação. Foi neste contexto outros países.
que alguns países nos anos 1980,
enveredaram pela metodologia Escola na O estudo em análise teve como objectivo
Machamba do Camponês (EMC), como identificar a contribuição das EMCs na
uma das opções de difusão de sustentabilidade das acções promovidas
conhecimento e de tecnologias agrárias em pelos programas de extensão agrária. Serão
programas de extensão. EMC é uma escola identificados os factores que favorecem a
sem paredes, de educação de adultos, que continuidade das EMCs no final dos
visa desenvolver habilidades de gestão e de programas e os principais desafios inerentes à
análise dos agricultores na investigação de sua durabilidade. Através de revisão
problemas e busca de respectivas soluções. bibliográfica, foram analisados esses
Em geral, consiste num grupo de 25 a 30 aspectos no contexto do DS agrário em
membros que têm interesse comum, Moçambique, usando como auxiliares para
estudando numa base regular um tópico discussão experiências de alguns países. O
agrário particular (GALLAGHER, 2003 e trabalho poderá contribuirr para melhorar o
KHISA, 2004). A implementação das desempenho das EMCs, sua expansão
EMCs é um processo envolvente consolidação mais eficiente no país.
integrando vários stakeholders, os quais
devem estar articulados para assegurar o METODOLOGIA
cumprimento dos planos por elas
concebidos. Para uma boa gestão dos Este estudo consistiu numa revisão
stakeholders é crucial a identificação bibliográfica e usou o método de análise de
correcta dos mesmos para permitir uma conteúdo (RADHAKRISHNA, et al.,
análise do papel de cada um e do seu 2001) para revisão e interpretação de dados
relacionamento. secundários em livros, relatórios e artigos
em bibliotecas tradicionais e virtuais ou
Dado que Moçambique, através do Programa portais institucionais. Os documentos
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foram obtidos sobretudo junto à Direcção estudoii e de autores reconhecidos por


Nacional de Extensão Agrária do Ministério de assunto dando primazia a literatura
Agricultura de Moçambique (DNEA/MINAG), publicada desde os anos 1995, por ser a
Organização das Nações Unidas para Agricultura e década de origem das primeiras EMCs em
Alimentação (FAO), Universidade Estadual de África, até 2013, tendo se seleccionado e
Michigan (MSU) biblioteca virtual da analisados 29 documentos (Tabela 1).
Universidade Aberta Lisboa (UAb)i, Faculdade Estes foram seleccionados tendo como
de Agronomia e Engenharia Florestal da UEM. critérios a relevância do assunto, consistência
dos argumentos e conclusões fundamentadas
A pesquisa foi orientada pelas palavras- com evidências apresentadas pelos autores.
chave do estudo e temas relevantes para o

TABELA 1: Documentos consultados

Referência dos Anos 1990 Anos 2000


Autores
95 97 01 02 03 04 06 07 08 09 10 11 12 13
Adefila, J.O.
Alage e Nhancale
ANSA
Agnes et al.
Bollier, D.
Braun et al.
Caporal e Ramos
DNEA
Carmo, H.
DNEA e FAO
Freeman et al.
Galagher, K.
Khisa, G.
MINAG
NORK
Onduru et al.
Pinjenburg, B.F.M.
Pinto, C.
Rivera e Alex
Rola at el.
Rogers E.M.
Simão, J.N.
Total 1 2 1 3 1 4 1 1 3 3 5 1 2 1

O foco de análise foi a experiência das Moçambique a qual orientou para as


EMCs em Moçambique - DNEA/MINAG. conclusões.
Nesta base, os documentos sobre EMC
contextualizados nos programas de DETERMINANTES DE DESENVOLVIMENTO
extensão constituiram o objecto de análise, SUSTENTÁVEL E DE SUSTENTABILIDADE
enquanto a literatura sobre participação,
empowerment e DS e sobre EMCs de  Para uma melhor compreensão do
outros países sobretudo Quéniaiii foram contributo das EMCs no DS
analisados para fundamentar a discussão e importa destacar as determinantes e
interpretar os factos decorridos em as discussões sobre DS e
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Sustentabilidade. Para Barbosa equidade intra e inter geracional; (ii) o


(2008) definir DS é definir tempo, o espaço e o território; (iii) a
também sustentabilidade. Isto é, interdisciplinaridade e (iv) a expressão de
“Desenvolvimento Sustentável é o valores sociais e éticos. Quanto ao tempo e
desenvolvimento que dá resposta às espaço, Simão (2008) menciona ser
necessidades do presente, sem necessário considerar a relação e a
comprometer a capacidade das manutenção da sustentabilidade em locais
gerações futuras de poderem distintos, como pontos críticos na
satisfazer as suas” (WCSD, 1987 p. implementação de DS. As dimensões
54). Este conceito de DS foi firmado na tempo e espaço orientam as análises do
Agenda 21 e defende três princípios presente artigo, procurando perceber a
básicos: desenvolvimento económico, capacidade das EMC na durabilidade de
ambiental e socialiv (WCSD, 1987), acções promovidas pelo programa de extensão.
Contudo, podem ser encontradas várias Assim, considera-se a sustentabilidade como
definições similares na literatura sendo: (i) a capacidade de um programa,
(ADEFILA, 2011). Entretanto, com persistir ao longo do tempo e continuar a
base nos conceitos descritos por servir as necessidades da população; ou (ii)
CARMO (2009) há evidência de a capacidade das acções e efeitos de uma
que o conceito de DS continua em intervenção persistirem para além do
construção. Debates do mesmo tipo programa inicial (NORK, 2010).
também ocorrem em relação a
definição de “sustentabilidade” A MUDANÇA DE PARADIGMA NA
(Agenda 21). EXTENSÃO AGRÁRIA

Carmo (2009) integra o pilar “cultural” no A Mudança de Paradigma em África


mapa conceptual da Sustentabilidade, mas
refere haver correntes que sugerem uma Importa destacar a questão da mudança de
reflexão sobre a integração do pilar paradigma na extensão de métodos mais ou
“educação”. Entretanto, NU (1987) alerta menos coersivos para métodos participativos,
que a interpretação de conceitos e as tanto em África como em Moçambique,
análises dos estudos existentes, por si só porque foi na sequência dessa viragem que
não vão resolver os problemas associados foi desencadeado um processo de reformas
ao desenvolvimento mas ajudam na metodológicas que impulsionou a
consciencialização e podem orientar a introdução de EMC. A extensão rural é o
planificação e as intervenções. Carmo processo de transmisão de conhecimento e
(2007) destacou que a informação teórica e de tecnologias úteis de e para os
a análise situacional são aspectos agricultores, de modo a melhorarem a sua
importantes a ter em conta antes de produção, elevarem a renda e a qualidade
qualquer intervenção social. de vida (SWANSON, 1981). Quando o
objecto é o sector agrário, fala-se de
Enquanto o debate continua, a sustentabilidade Extensão Agrária (EA). Nos anos 1990 a
é, por concenso, a propriedade que permite 2000, em resposta às mudanças no modo
responder às necessidades do presente sem de encarar o desenvolvimento, os serviços
comprometer às gerações futuras (NU, de EA em África iniciaram um processo de
1987). Bell e Morse (2003), reflectindo reformas dos serviços para uma orientação
sobre a sustentabilidade, referem que as metodológica mais participativa de extensão e
pessoas e a sociedade estão em constante métodos diversificados (RIVERA e ALEX,
mudança. Segundo NU (1992) na análise 2004, GÊMO, EICHER e TECLAMARIAN,
da sustentabilidade devem se priorizar os 2006). A mudança tende a dissociar-se de
seguintes aspectos fundamentais; (i) a métodos guiados pela oferta, em geral, de
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abordagem top down, para outros mais “As pessoas são a maior riqueza das
orientados pela procura, tais como os nações” (NU, 2010). É assim que as
métodologias Farmer Field School (FFS), Nações Unidas decidiram reforçar esta tese
farmer to farmer, incluindo adaptações de aos 20 anos de aniversário da publicação
abordagens, originando, por exemplo o Treino e dos relatórios de desenvolvimento humano.
Visita Modificado (TVM) (DNEA, 2007; As pessoas são o centro de todas as
EICHER, 2002). Apesar dessa viragem de intervenções, como actores e como beneficiárias
abordagem, Rivera et al., (2001) assegura do desenvolvimento (PINJENBURG, 2004).
que os métodos top-down ainda detêm Estes autores transmitem mensagens que
algum valor. despertam e chamam atenção para a
necessidade de se investir nas pessoas,
A extensão participativa opõe-se à prática capacitando-as e dando-lhes oportunidade
histórica da Extensão Rural, a qual esteve para exercerem os seus direitos como cidadãos
baseada na teoria da difusão de inovações, e promoverem o desenvolvimento. Vários
em que os extensionistas faziam a autores referem-se que o DS coloca
transferência unidireccional de tecnologia desafios de mudança de estilos de
para a modernização da agricultura. Nesse agricultura sustentável que ultrapassam a
processo, os agricultores eram vistos como simples transferência de tecnologias
meros depositários de conhecimentos e de incluindo mudança de atitude não só do
pacotes gerados pela pesquisa, maioritariamente agente interventor (agente de extensão),
inadequado às condições específicas de mas também do sistema cliente (o
suas explorações e dos respectivos produtor) (CARMO, 2006; CAPORAL e
agroecossistemas (RIVERA e ALEX, 2004). RAMOS, 2006) e uma forte coordenação
entre a investigação e extensão e outros
A extensão rural é também uma forma de actores de desenvolvimento (GÊMO,
intervenção social. Segundo Carmo (2010 EICHER e TECLAMARIAN, 2006;
p. 61), ONDURU, et al., 2008).
[…] intervenção social é um
Sendo a extensão agrária um serviço de
processo social em que uma
dada pessoa, grupo, organização, adesão voluntária o processo de adopção
comunidade ou rede social – a de tecnologias é lento (ROGERS, 1995).
que chamaremos sistema- Contudo o sucesso dos serviços de
interventor – se assume como extensão depende da capacidade de dar
recurso social de outra pessoa,
resposta às necessidades sentidas pelo
grupo, organização, comunidade
ou rede social – a que produtor (EICHER, 2002; ONDURU et
chamaremos sistema-cliente – al., 2008).
com ele interagindo através de
um sistema de comunicações Extensão Agrária em Moçambique
diversificadas, com o objectivo
de o ajudar a suprir um Moçambique possui um dos serviços de
conjunto de necessidades
sociais, potenciando estímulos
extensão pública agrária mais jovem em
e combatendo obstáculos à África. Criada em 1987, a extensão
mudança pretendida (CARMO, conheceu até presente cinco fases de
2010, p. 61). desenvolvimento (ALAGE e NHANCALE,
2010), a seguir descritos, buscando sempre
Para tal é oportuna a mudança de formas de responder melhor aos desafios
abordagem (CARMO, 2010) e valorizar as de DS:
pessoas (CHAMBERS, 1997, CHAMBERS,
1983). 1ª Fase (1987-1992), estabelecimento das
primeiras redes de extensão; 2ª Fase (1993-
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1997) fase de desenvolvimento: expansão incluindo Moçambique (KHISA, 2004).


da cobertura, proliferação de Organizações
Não Governamentais (ONGs), consolidação da No continente africano, a metodologia
extensão privada e aparecimento de EMC foi introduzida pela primeira vez no
parceiros de desenvolvimento como o Quénia, em 1995, com o apoio da FAO,
Sasakawa Global 2000 e Banco Mundial; existindo actualmente mais de 5000
3ª Fase (1998-2004) Primeiro Plano escolas (KHISA, 2004). No Quénia, a
Director de Extensão, reformas que aposta nesta metodologia é grande
incluiram o Sistema Unificado de Extensão (ONDURU et al., 2008), alegadamente
e o Sistema Nacional de Extensão pelo reconhecimento da EMC na
(SUE/SISNE)v; 4ª Fase (2005-2006) capacitção dos produtores a identificar e
descentralização e outsourcing. A 5ª Fase procurar soluções para os seus problemas,
(2007-2016) definiu uma visão de extensão tornando-os motores do seu próprio
orientada pelos princípios de descentralização, desenvolvimento.
desconcentração, terciarização de serviços,
provisão múltipla de extensão, parcerias e No ano 2000, apareceram as primeiras
gestão de conhecimento e informação redes de EMCs resultantes de visitas de
(DNEA, 2007). troca de experiência entre várias EMCs
que viram a necessidade de fortalecer a sua
Pela sua complexidade, os princípios supra voz na capacidade de negociação e busca
indicados exigem desempenhos acrescidos de soluções aos problemas (BRAUN et al.,
na assistência aos produtores. Com um 2007). Se ao nível das EMCs identificam
leque de mais de 3 milhões de pequenos problemas locais e soluções dentro do seu
produtores agrários para cerca de 2000 contexto, com a criação de redes, que até
extensionistas dos sectores público, podem ser para além fronteiras, buscam
privado e ONGs, Moçambique aderiu à espaço para a solução de problemas
metodologias participativas de extensão próprios do seu crescimento, com soluções
como a EMC e à outras iniciativas mais dependentes de outros locais, como por
inovadoras como o Programa Integrado de exemplo problemas de mercado.
Transferência de Tecnologias Agrárias
(PITTA), em implatação (MINAG, 2011 e Escola na Machamba do Camponês em
MINAG 2013). Moçambique

ESCOLA NA MACHAMBA DO A metodologia EMC em Moçambique, de


CAMPONÊS (FARMER FIELD forma mais estruturada, foi introduzida em
SCHOOL) 2004 através de uma parceria tripartida entre o
Governo de Moçambique – implementado pelo
Origem das EMCs no mundo e em África Ministério da Agricultura (MINAG, a FAO
(Quénia) (assistência técnica) e o Governo Italiano
(Co-financiador) no âmbito do Programa
A metodologia EMC foi introduzida de de Segurança Alimentar/Programa de
forma experimental pela FAO e pela Acção Nacional (PAN II) (DNEA e FAO,
Agência das Nações Unidas para o 2002; DNEA e FAO, 2009). A apropiação
Desenvolvimento (USAID) em 1989, na desta metodologia incluiu a tradução de
Indonésia, para estimular os agricultores a Farmer Field School para “Escola na
aumentarem a produtividade de arroz. A Machamba do Componês” (EMC).
partir da Indonésia e Filipinas, onde as
experiências de EMC se encontram mais O programa iniciou nas Províncias de
enraizadas, foi se difundindo para vários Maputo, Sofala e Manica e actualmente
países africanos, em desenvolvimento existem pouco mais de 1100 EMCs, nessas
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províncias incluindo Maputo Cidade, Gaza Moçambique a liderança do programa foi


e Niassa (DNEA, 2012). Ainda não foram feita pelo Governo, através do MINAG.
criadas redes de EMCs, mas projecta-se a Pelo seu cometimento com a metodologia,
expansão da metodologia para todas as está aprovada a sua expansão, dentro de
províncias do País. um quadro de metodologias participativas.
Este facto é evidenciado pela capacitação
RESULTADOS E DISCUSSÃO de 15 técnicos em 2008 e 22 em 2013 entre
funcionários do MINAG (de Investigação e
Os factores de sucesso das EMC confundem-se de Extensão) da União Nacional de
com as suas características: Khisa (2004) Camponeses (UNAC) e de algumas ONGs
designou “características” normais das como Facilitadores Mestres de FFS, como
EMCs ao que, Gallagher (2003) designou backstopingvi para suporte técnico da
“factores de sucesso”. As posições conjugadas expansão no País, assegurando a
destes autores, sugerem que se uma EMC continuidade das formações, M&A,
for bem constituida, com as características estabelecimento em novos locais e
mencionadas, tem grandes probalilidades consolidação da metodologia.
de sucesso e consequentemente de contribuir
para o DS. O Relatório Brundtlandvii (WCSD, 1987)
abordou o papel do Estado, mais
ANSA (2009) analisou o Programa de precisamente, o das instituições públicas
Acção Nacional II (PAN II) com o na sustentabilidade. O Relatório reconhece
objectivo de avaliar os seguintes aspectos: que o Estado deve fortalecer a sua função
(i) documentar factos reais das EMCs; (ii) não só de mediador, mas também de
resultados; (iii) impactos das EMCs; e (iv) interventor, para assegurar a minimização
sustentabilidade das EMCs. A análise das dos impactos naturais e sociais provocados
EMCs neste capítulo vai ter como base este pelo desenvolvimento. Nesta base esta
programa PAN II (DNEA e FAO, 2002), a determinante pró sustentabilidade foi
análise feita por ANSA (2009), o Programa considerada no PAN IIviii.
de Extensão no geral (DNEA, 2010;
DNEA, 2012) e experiências do Quénia, Empowerment dos produtores
com referências de Filipinas e Nigéria. Os
resultados e discussão da análise feita no O empowerment revelou-se através de
presente estudo vão incidir em questões ganho de mais conhecimento técnico,
institucionais e metodológicos por terem capacidade de tomada de decisão e de
sido os mais detalhados na avaliação do partilha. ONDURU et al (2008)
PAN II, tendo em consideração os conduzindo um estudo usando EMCs no
determinantes de DS: aspectos económicos, Quénia também concluiram que os
ambientais e sociais. A análise destaca os produtores ganharam maior liberdade de se
aspectos positivos, mas também indica expressar e participar nas discussões com
algumas limitações. suas opiniões e observações no final dos
estudos conduzidos por essas EMCs do
QUESTÕES INSTITUCIONAIS: que antes, sobretudo mulheres. Com base
CAPACIDADE, COMETIMENTO E na ANSA (2009) os produtores
PODER seleccionavam e decidiam sobre o tema de
estudo e acordavam sobre os modus
Enquadramento institucional e envolvimento operandus nas EMCs, tendo o facilitador
do estado da EMC como mediador e conselheiro no
processo, ao mesmo tempo que ele era
Embora o PAN II tenha sido promovido também avaliado. Denota-se que com as EMC,
com o apoio técnico da FAO em os produtores ganharam o empowerment
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através de todo um processo de Filipinas, níveis de partilha de cerca de


capacitação e prática. Refira-se que essa 69% em 72 EMCs intitulando-os como
capacidade adquirida na produção agrária é métodos interpessoais de partilha. Alguns
retida e aplicada na vida em geral analistas de desenvolvimento económico
(habilidades para a vida). Os produtores classificam a informação como um
passaram a ter maior capacidade de enfrentar recurso, um bem cujo contributo não deve
problemas diversos e demonstraram maior ser ignorado para o DS (FREEMAN,
capacidade de negociação com extensionistas, WICKS e PARMAR, 2004). Neste
autoridades locais, ONGs e outros contexto não se deve perder de vista a
parceiros locais. O ganho de empowerment contribuição das EMCs na gestão de
em EMCs foi igualmente constatado por informação e consequentemente no
ROLA, JAMIAS e QUIZON (2002), aumento de produção e renda dos
AGNES, JAMIAS e QUIZON (2002) e produtores (BOLLIER, 2008). Para o
ONDURU, et al (2008). aumento da adopção de tecnologias nas
EMCs, ONDURU, et al (2008)
Maior capacidade na tomada de decisão: os encontraram resultados encorajadores em
produtores demonstraram maior capacidade de EMCs onde a investigação colaborava com
tomada de decisões ao longo da condução a extensão na condução de estudos.
das EMCs, facto que os torna mais
responsáveis pelos seus actos e ganham Vários estudos realizados sobre canais de
poder no exercício do direito de cidadania. informação, concluiram que os meios de
Este aspecto foi também referido por difusão utilizados nas EMCs tais como
ROLA, PROVIDO e OLANDAY (1998) e teatro, drama, cantos e simulações são
mais explorado por Caporal e Ramos, muito eficientes para disseminação rápida
(2006 p. 11): “os agricultores são seres de informação (ROGERS, 1995). Deste
pensantes que tomam decisões em função modo as EMCs gozam de um potencial
de experiências e racionalidades próprias”. para acelerar ou impulsionar os níveis de
Segundo Pinto (2001 p. 251), o poder é adopção de tecnologias. Todavia, o grande
entendido como a capacidade e autoridade desafio em muitos Países em desenvolvimento é
para (i) “Influenciar o pensamento dos providenciar informação e tecnologia
outros – poder sobre; (ii) Ter acesso a atempadamente aos produtores. Esta adopção
recursos e bens – poder para; (iii) Tomar também fortalece o determinante económico do
decisões e fazer escolhas – poder para e DS.
(iv) Resistir ao poder dos outros se
necessário – poder de”. Neste contexto, as Apropriação das EMCs pelos produtores
EMCs são também escolas onde se podem
fazer despertar esses poderes nos seus Depreende-se das experiências do PAN II
membros. que os membros das EMCs compreendem
e apropriam-se dos objectivos das mesmas.
Vontade expressa em continuar a aplicar e Os nomes por eles atribuidos às EMCs, os
divulgar o conhecimento retido: pode-se cantos e os slogans concebidos expressam
depreender que este facto está ligado à o objectivo das escolas e o seu sentimento
capacidade de interacção e decisão que terá sobre o valor das mesmas. Atribuiram por
permanecido pós intervenção. A responsabilidade de exemplo os seguintes slogans: “(i) Nas
partilha de conhecimento pelos produtores EMCs, ninguém sabe tudo, mas todos
parece ser uma expressão de cidadania. A sabemos algo; (ii) Os adultos aprendem de
capacidade de partilha de informação e de um modo diferente em relação às crianças
conhecimento é determinante na adopção porque têm experiência”. Quanto às
de tecnologias (ROGERS, 1995). Rola, designações dadas às EMCs temos como
Jamias e Quizon (2002) encontraram, nas exemplos: “Despertar; Amanhecer; Produtores
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unidos; A união faz a força”ix (DNEA e Adesão voluntária e participação: conforme a


FAO, 2009). ANSA (2009), a EMC teve o mérito de
promover o desenvolvimento dos produtores
QUESTÕES METODOLÓGICOS desde a constituição de grupos até à escolha dos
temas a abordar. Nas EMC as actividades
Aspectos sociais identificadas foram desenvolvidas pelos
produtores participantes, na qualidade de
Da análise das EMCs sobre ponto de vista principais actores. Elucidando isso, este
social depreende-se a existência de adesão artigo apresenta na Tabela 2 e a evolução
voluntária, participação, a procura de das EMCs desde a campanha agrícola
EMCs e a criação de laços sociais como 2004/5 até a 2009/10 com base na
atributos conquistados. informação extraída da DNEA (2010).

TABELA 2: Evolução das EMCs da campanha agrária 2004/5 a 2009/10

Campanha 2004/5 2007/8 2008/9 2009/10


Plano de EMCs 96 741 1.113 1.200
EMCs estabelecidas 84 646 1.254 1.115
Membros 2.358 18.346 30.914 31.578
Facilitadores 608(*) 1.100 (**) 1.190 (***)
Fonte: DNEA. Relatórios Anuais de Extensão Agrária (DNEA, 2010 e
DNEA 2012)
Obs: Os dados de 2007/8 em diante são acumulados, incluindo o realizado nos anos anteriores
(*) dos quais 89 eram técnicos
(**) dos quais 100 eram técnicos
(***) dos quais 154 eram técnicos

Maior procura de EMCs: na mesma Tabela mais facilitadores. Esta subida de EMCs
2 é notório o crescimento de EMCs assim parece reflectir o interesse dos produtores
como o número de membros em função do (procura) na metodologia, assumindo
período considerado. A redução em 11% tratar-se de adesões voluntárias aos
do número de EMC na campanha 2009/10 programas de extensão (RIVERA e ALEX,
em relação a campanha anterior deveu-se à 2004). Rola, Jamias e Quizon (2002)
desistência de alguns facilitadores técnicos chegaram também a esta conclusão num
e produtores por razões diversas (DNEA, estudo realizado nas Filipinas, usando
2010). Houve um equadramento de EMCs.
produtores noutras EMCs circunvinzinhas,
razão pela qual o número de membros Aumento da coesão: verifica-se que a
aumentou mesmo com a redução de EMCs. participação proporciona maior
O incumprimento entre o plano e as EMCs responsabilização das pessoas e grupos, e
estabelecidas em 2004/5, 2007/8 e 2009/10 aumenta o sentimento de pertença e
esteve associado a razões logísticas para o coesão. De facto, “o sentido de pertença e
estabelecimento das mesmas, como a de responsabilidade da comunidade para
morosidade dos produtores na abertura de com o seu futuro deve ser o ‘motor’ do
contas bancárias e o atraso no desenvolvimento sustentável” (SIMÃO,
aprovisionamento de insumos agrícolas. Em 2008 p. 319), espírito patente nas EMCs
2008/9 houve um crescimento assinalável de analisadas em Moçambique. ONDURU, et
EMCs assim como de facilitadores, o qual al (2008) tambëm concluiram nas suas
deveu-se à implementação do PAN II num análises sobre EMCs que elas contribuiram
maior número de distritos e à formação de para a coesão social dos produtores.
Rev. cient. UEM, Sér. ciênc. agron. florest. vet. Vol. 1, No 1, pp 42-57, 2014

50
O papel das escolas na machamba do camponês na sustentabilidade de programas de extensão agrária

Criação de laços sociais: as EMCs criam viabilidade económica em debate e o


laços sociais e são depositórias de capital aumento da produção e da produtividade.
social forte que deve ser aproveitado para a ANSA (2009) constatoua haver melhorias
expansão e consolidação das EMCs. Os assinaláveis no capital humano, social,
produtores demonstraram ter consciência natural, financeiro e físicox das EMCs e seus
da dimensão intergeracional das EMCs membros. Estas melhorias em vários capitais
entendendo o efeito multiplicador das contribuem directa ou indirectamente na
mesmas. Como evidência, observaram-se dimensão económica do DS.
EMCs designadas por Agricultores unidos
1 e Agricultores Unidos 2 ou ainda A questão da viabilidade económica das
adoptando termos com EMC mãe, filha e EMCs tem sido discutida mas ainda sem
avô, numa alusão clara à existência de desfecho. Autores como Braun et al.
diferentes gerações implicadas no (2007) recomendam que não se considerar
processo. Na adpoção desta terminologia apenas os investimentos e a produção, mas
evocativa dos laços familiares e parentais, também os ganhos sociais e de capacidade
está implícita a obrigação social de ajuda e incluindo outros resultados das EMCs,
a hierarquia entre EMCs da mesma muitas vezes ignorados nos cálculos. Rola,
linhagem. Para além disso houve uma Jamias e Quizon (2002) consideram a
tentativa de criar-se redes distritais de EMC uma metodologia válida, adequada
EMCs em Moçambique mas sem sucesso, em particular à população com níveis
provavelmente por ter sido precoce, pois as baixos ou inexistentes de educação formal
EMCs devem primeiro se consolidar como e a considera economicamente viável para
unidades antes de se filiarem em redes, a difusão horizontal de tecnologias entre
conforme decorreu no Quénia (BRAUN, et produtores.
al., 2007).
Nota-se uma dualidade de posições no que
Deve prestar-se muita atenção ao poder toca ao investimento em EMCs, havendo
que redes sociais das EMCs detêm pois os os que referem ser menos oneroso que
papéis dos stakeholders são dinâmicos e outras metodologias (ANSA, 2009) e os
podem mudar ao longo do processo de que apontam ser uma metodologia mais
desenvolvimento, designadamente cara (GALLAGHER, 2003). Todavia esta
de papéis passivos para activos ou de descrepância pode estar associada ao uso
secundários para primários (FREEMAN, de factores diferentes de análise, pois o
WICKS e PARMAR, 2004). Também uma factor tempo quando avaliado pode induzir
maior atenção deve ser dada aos papéis do a esta última posição. A Tabela 3 apresenta
stakeholders ainda ocultos no DS. as características e os princípios que
Enquanto Gallagher (2003) e Rola, Jamias devem orientar as EMCs. O financiamento
e Quizon (2002) não consideram prioritária pode ser mais ou menos oneroso
a manutenção das EMCs depois da sua dependendo de quem apoia e/ou
graduação, Khisa (2004) recomenda a implementa o programa de Extensão (ex:
manutenção de EMCs e consolidação em nas EMCs financiadas pelo Banco Mundial
redes. o custo foi de 30-50 USD por produtor e
20-30 USD em programas financiados pela
Aspectos económicos FAO). De qualquer modo, todos são
unânimes em relação aos efeitos das EMCs
Este ponto analisa o efeito das EMCs nos sobre os meios de vida.
meios de vida dos seus membros, a

Rev. cient. UEM, Sér. ciênc. agron. florest. vet. Vol. 1, No 1, pp 42-57, 2014

51
A Alage e H Carmo

TABELA 3:Características e princípios de EMCs (Khisa, 2004)


Características Princípios
O campo é o professor Aprender fazendo; A união faz a força

Facilitador competente (habilidades técnicas, Machamba como lugar de experimentação e


organizacionais e de facilitação) aprendizagem

O curriculum adopta um ciclo produtivo Processo de aprendizagem: orientado por


completo, ex de semente a semente; ou de facilitadores mas não "professores"
ovo a ovo
Ciclo de aprendizagem inclui: observação,
Muito trabalho prático experimentação, análise e aplicação

Forte liderança do programa para assegurar O conhecimento proporciona ciência básicaxi


formação, monitoria e avaliação (M&A) e
financiamento Agenda de tópicos especiaisxii

Gestão aberta e transparente. Escada metodológica: inclui o estabelecimento do


grupo, determinação do conteudo técnico
(tema), implementação e acções pós graduação.

Aumento de produção e de produtividade ambiente. Por outro lado, o ambiente de


agrária: os resultados de produção e de diálogo criado entre os vários actores antes
produtividade nas culturas seleccionadas do estabelecimento das EMCs e a
pelas EMCs revelaram-se mais altos do implementação participativa das acções
que noutros produtores fora delas. Todavia criou uma base para a visão do ambiente
esta tendência deve ser mais aprofundada e como um bem comum a ser preservado.
considerar áreas de produção mais Defendem esta constatação Pinjenburg
extensas. De facto, ONDURU, et al. (2004), Freeman, Wicks e Parmar (2004) e
(2008) recomendaram depois do seu estudo Adefila (2012) que reconheceram o desafio
que para certas tecnologias como por que a abordagem participativa requer por
exemplo relacionados com fertilidade de parte do facilitador de modo a assegurar
solos (que se reflecte na produtividade), as uma integração efectiva e satisfação dos
EMCs podem estudar mais do que um envolvidos para que não percam interesse
ciclo de produção, repetindo as em colaborar.
experiências para consubstanciar os
resultados alcançados. ANSA (2009) menciona também que houve nas
EMCs apreensão das tecnologias estudadas e
Aspectos ambientais sua aplicação nas machambas colectivas de
produção orientada para o mercado. Sendo as
As EMCs adoptam uma relação muito tecnologias difundida, “amigas do ambiente”,
forte e respeitadora do ambiente (sistema consequentemente se julga que este facto
agroecológico) e da sociedade (saber de possa contribuir na massificação de
cada membro sobre práticas agrárias) tecnologias adequadas.
(KHISA, 2004). Esta constatação foi
evidente no PAN II pois os, pou um lado, Aspectos limitantes identificados
temas seleccionados pelos produtores e as
práticas amplamente discutidas antes da Apesar desses avanços mencionados no
sua aplicação permitiram aos aos desempenho das EMCs, ANSA (2009)
produtores evitar práticas prejudiciais ao identificou algumas fragilidades a serem
Rev. cient. UEM, Sér. ciênc. agron. florest. vet. Vol. 1, No 1, pp 42-57, 2014

52
O papel das escolas na machamba do camponês na sustentabilidade de programas de extensão agrária

evitadas em novas EMCs, como as mudança de atitude, Adefila


seguintes: (2012) refere que o nível
educacional dos extensionistas
Exclusão de mulheres como facilitadoras por si só não é suficiente para
por não saberem ler nem escrever - apenas induzir mudanças nos processoas,
101 dos 608 facilitadores formados em mas a atitude, sobretudo, é
2007/8 em Moçambique eram mulheres fundamental nesse processo.
(ANSA, 2009); fraca participação de
mulheres como facilitadoras por não se  apoio das EMCs na programação
mostrarem disponíveis para formações no de acções subsequentes à sua
período estipuladoxiii; aparente fragilidade graduação;
na selecção dos temas principais de estudo:
foi dada ênfase à questões de produçãoxiv  valorização das lições aprendidas
(sobre este assunto não fica esclarecido se para fortalecer as acções
foi devido à fragilidade do método ou subsequentes;
devido à forma como foram conduzidos os
processos); limitados indicadores de M&A,  adopção de um activismo
mormente os de medição de impactoxv e continuado na busca de soluções
atrasos no cumprimento dos planos, aos problemas para que as
principalmente para o início de uma EMC EMCs nunca fiquem sem
e implementação de projectos de pós- desafios a estudar;
graduação. Embora exista informação
disponível sobre EMC, há uma zona de  promoção de opções e serviços
penumbra sobre o mecanismo de selecção mais comprometidos com os
de membros para as EMCs. Entretanto beneficiários e que sejam mais
existem indicações de que possa ser esse profissionais, em detrimento de
um factor preponderante para a benefícios pessoais dos
durabilidade das EMCs (ROLA, JAMIAS gestores de programas; e
e QUIZON, 2002).
 valorização contínua e
Desafios para a Durabilidade das FFSs aproveitamento das redes sociais
no Final de Programas locais para fortalecer as EMCs
e outras acções de DS.
A durabilidade das EMCs depende, em
grande medida, das determinantes discutidas Existem outras questões estratégicas, como
no tópico anterior, porém para que as a avaliação dos extensionistas, em todos os
mesmas sejam duradoiras e funcionais, níveis, os quais devem reflectir os
deve-se considerar os seguintes aspectos: interesses não só da instituição, mas
também os legítimos dos beneficiários. Por
 forte capacidade de liderança isso, a monitoria e a avaliação devem ser
dos programas de extensão processos democráticos e permanentes,
como a base da EMC, fazendo que, embora realizados em momentos
uma boa gestão da intervenção determinados, permitam um diálogo ao
dos vários stakeholders; longo do tempo. Isto exige uma forte
monitoria e avaliação participativas dos
 moldar a atitude do sistema programas no geral e particularmente das
interventor (agente de extensão) EMCs, devendo se integrar não só aspectos
mas também do sistema cliente tecnológicos mas também ambientais e
(produtores) para enfrentarem sociais. Onduru, et al. (2008) recomendam
os desafios do DS. Sobre a uma forte conjugação entre a avaliação
Rev. cient. UEM, Sér. ciênc. agron. florest. vet. Vol. 1, No 1, pp 42-57, 2014

53
A Alage e H Carmo

qualitativa, muitas vezes feita pelos capoeira/estábulo. Para completar a cadeia


produtores e a avaliação quantitativa feita deve olhar-se para as cadeias de valor
por investigadores e extensionistas para completas, incluindo o processamento e
aumentar o nível de aplicabilidade das mercados, pese embora se toque nestas
tecnologias desenvolvidas. Recomendam matérias superficialmente, como tópicos
ainda que os investigadores e especiais.
extensionistas devem confiar mais nos
produtores como interlocutores importantes de Este estudo é um contributo para o
desenvolvimento. entendimento das EMCs no DS e abre
linhas de trabalho para análises adiccionais
Na implementação do DS, Simão (2008), sobre os seguintes aspectos: aprimorar a
chama atenção para a necessidade de se análise dos processos de selecção de
analisar a relação entre a sustentabilidade a membros das EMCs; identificar as razões
nível global e as sustentabilidades locais de desistência ou de permanência de
como um factor crítico de avaliação. Neste facilitadores das EMCs e seus membros;
contexto, não basta julgar a informação à identificar os factores que conduzem a um
escala do País (Moçambique) deve fazer-se maior aproveitamento do potencial das
análises mais profundas ao nível dos EMCs no contexto do DS. Havendo alguma
diferentes distritos para uma melhor inquietação sobre a sustentabilidade fiscal
compreensão dos factores sócio-culturais, destes processos de intervenção social seria
económicos e políticos que ditam ou de propor mais análises sobre o assunto.
influenciam fortemente a dinâmica das Será necessário analisar a razão da fragilidade
EMCs. ou aparente lentidão na formação de redes
distritais de EMCs. Provavelmente, uma
CONCLUSÕES solução será não associar as redes à divisão
administrativa, mas tal deverá ser aferido
As EMCs podem contribuir para o DS e por investigação futura. Havendo literatura
para a durabilidade (sustentabilidade) de cinzenta sobre EMC (informação válida
acções depois das intervenções, devendo mas não publicada) seria recomendável a
para o efeito serem estabelecidas em sua consulta, análise e eventual publicação.
função dos interesses comuns, funcionarem
de forma participativa e gozarem de uma AGRADECIMENTOS
monitoria e avaliação em tempo de
procurar respostas aos desafios inerentes. Ao MINAG, à DNEA e à FAO pelo
Os mecanismos de difusão das experiências desafio de estabelecer a metodologia EMC
ganhas nas EMCs baseiam-se em redes em Moçambique; à UAb à Doutora Eunice
informais estabelecidas pela sociedade, os Cavane e ao ao Dr. Evaristo Baquete pela
quais se encarregam de dar seguimento das literatura e pela revisão do texto; à todos os
acções iniciadas. O facto de as EMCs que directa ou indirectamente contribuiram
investirem mais tempo na capacitação de para a realização deste trabalho.
produtores, inter alia respeitando o
contexto sócio cultural e cumprirem, com REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
algum rigor, os princípios estabelecidas
para a sua operacionalidade, permite a ADEFILA, J. O. An assessment of global
apreensão do saber por parte dos produtores, warming effects on socio -economic
contribuindo, assim, para a melhoria da development in sub-Saharian Africa, 2011.
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CONFERENCE ON CLIMATE CHANGE.
Originalmente, as EMCs estiveram associadas Zaria: Nigerian Meteorological Society,
aos ciclos produtivos na machamba ou 2011.
Rev. cient. UEM, Sér. ciênc. agron. florest. vet. Vol. 1, No 1, pp 42-57, 2014

54
O papel das escolas na machamba do camponês na sustentabilidade de programas de extensão agrária

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55
A Alage e H Carmo

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56
O papel das escolas na machamba do camponês na sustentabilidade de programas de extensão agrária

ROGERS, E.M. Diffusion of Innovations. 4.


vi
ed. New York: The Free Press, 1995. Pela suas especificidades metodológicas a EMC
requer uma grande capacidade por parte dos
ROLA, A.C., PROVIDO, Z.S. and facilitadores, existindo escalões de facilitadores
para conduzirem formações em cascata nos vários
OLANDAY, M.O. Making farmers níveis. Até então os formadores eram provenientes
better decision makers through the de fora do País.
farmer field school. Laguna, 1998. vii
O Relatório Brundtland é o documento mais
importante resultante do encontro sobre meio
ROLA, A.C., JAMIAS, S.B. and ambiente e desenvolvimento de 1972.
viii
O espírito ainda prevalece na fase actual de
QUIZON, J.B. Do farmer field school
expansão da metodologia por todo o País.
graduates retain and share what they learn? ix
Os nomes das escolas foram traduzidos de nomes
an investigation in Iloilo, Philippines. locais.
x
Journal of International Agricultural Financeiro: frequência escolar das crianças;
and Extension Education, v. l 9, n. 1, acesso a cuidados médicos hospitalares; acesso a
bens socialmente valorizados como bicicletas;
2002.
Social: Aumentou nível capital social, os
camponeses estão mais próximos, muito espírito de
SIMÃO, J. N. O sector público e o entreajuda, há mais solidariedade e troca de
desenvolvimento turístico sustentável. favores; Humano: elevado o nível de
2008 (Tese de Doutoramento da UAB, conhecimentos, aprenderam as técnicas de
2008). produção diversas e sua divulgação a outros
camponeses; Natural: Aplicação de técnicas
agrícolas pró conservação de solos; Físico: Alguns
SWANSON, B. História e evolução da camponeses referiram estarem a comprar chapas de
extensão rural. In: EXTENSÃO Rural: zinco para cobrirem as suas casas a partir da renda
manual de referência. 2. ed. Roma, FAO, da produção.
xi
1981. Os próprios produtores sistematizam a
informação básica sobre o seu estudo e combinam
WCSD. O nosso futuro comum. Lisboa: com as suas experiências para a tomada de decisões
mais acertadas.
Meribérica, 1987. xii
As EMCs discutem tópicos especiais importantes
ligados à temáticas sociais, económicos ou outros
de interesse geral ou preocupante.
NOTAS DE FIM xiii
Geralmente as formações de facilitadores
decorrem dias consecutivos sendo que alguns
i
http://vpn.uab.pt e www.iscsp/biblioteca/proquest produtores são obrigados a se deslocar dos seus
ii
Exemplo, assuntos como Agenda 21 e locais de residência.
xiv
Conferência do Rio para questões ambientais. Seria melhor olhar para a cadeia de valor.
iii
Embora se mencionem algumas referências de xv
Deve-se aplicar um conjunto de indicadores
Filipinas e Nigéria, maior destaque será para diferentes daqueles que avaliam apenas quantos
Quénia por ter sido o primeiros País a introduzir a agricultores foram assistidos, quantos projetos de
experiência em África e reconhecido pelos crédito foram elaborados, quantas sementes foram
progressos alcançados na metodologia. distribuídas, quanto adubo está sendo usado.
iv
Partindo de uma visão ambientalista, face aos
impactos negativos associados ao crescimento
económico depois da revolução industrial, o termo
“sustentabilidade” evoluiu passando a integrar o
pilar “social” (WCSD, 1987).
v
Desde 1998, Moçambique enveredou pelo Sistema
Unificado de Extensão Agrária (SUE), cujo cerne é
pôr o extensionista a responder melhor aos
produtores, difundindo tecnologias de várias
especialidades do sector agrário, que por sinal
caracterizam os sistemas de produção. O SISNE
visa coordenar os múltiplos provedores (ALAGE e
NHANCALE, 2010).

Rev. cient. UEM, Sér. ciênc. agron. florest. vet. Vol. 1, No 1, pp 42-57, 2014

57

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