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As áreas mais acessíveis de uma cidade tendem a ter potencial para uma alta
caminhabilidade, alinhando no tempo seus padrões de acessibilidade, densidades e
presença de atividades. A consequente atração de pessoas pode ser positivamente
retroalimentada por tipos arquitetônicos favoráveis ao pedestre, além de um tratamento
adequado do espaço público.
O processo não é linear e a convergência entre fatores urbanos sofre mudanças e
avalanches comuns aos sistemas auto-organizados (KRAFTA, NETTO e LIMA, 2011), o
desalinhamento pode ocorrer em alguma parte da cidade porque ela está em um momento
de consolidação. No sentido inverso, pode indicar que a área sofre um processo de “erosão”
morfológica que prejudica seu alinhamento geral. Isso ocorre quando tipologias divergentes
do padrão compacto e contínuo – torres isoladas sem térreo permeável, por exemplo –
começam a ser implantadas em um ambiente de alta caminhabilidade. Esses edifícios
dissonantes obedecem apenas à sua própria estratégia de captura do valor locacional,
agregando ao produto imobiliário as vantagens de uma área caminhável, sem, contudo,
convergir com este padrão. Essa estratégia pode ser chamada de oportunista, pois mesmo
que produza ganhos em curto prazo, leva à destruição das qualidades urbanísticas
utilizadas como argumento de venda.
Como essas ideias resistem ao confronto empírico – ou, o que bairros e cidades de
verdade mostram sobre o papel da forma arquitetônica para a presença de pedestres?
Foram analisadas centenas de ruas e milhares de edifícios em três capitais brasileiras: Rio
de Janeiro, Florianópolis e Porto Alegre. No Rio, foram 24 áreas, 250 segmentos de rua e
3.800 edifícios em diferentes condições de acessibilidade. Fizemos observações da
movimentação pedestre em cada um desses segmentos durante um dia de semana, com
contagens de pessoas passantes por um portão imaginário durante intervalos de dois
minutos e trinta segundos, em cinco rodadas, das 9 às 19 horas, conforme o método
consagrado pela sintaxe espacial (GRAJEWSKI e VAUGHAN, 2001).
Foram estudadas distribuições de atividades e elementos da forma arquitetônica,
compondo, o total, cerca de dez fatores sociais e econômicos e quarenta fatores espaciais.
A análise estatística dessas áreas no Rio, utilizando regressões lineares múltiplas, estimou
os fatores com maior potencial explicativo sobre o movimento de pedestres. O modelo
especificado para o agregado das 24 áreas no Rio resultou bem ajustado (R2 = 0,94;
p<0,001), sinalizando para uma relação positiva entre o “tipo contínuo” e a presença de
pedestres.
Ao utilizar a regressão Partial Least Squares (PLS), ou Mínimos Quadrados Parciais,
procuramos reconhecer agrupamentos de variáveis com alta correlação entre si
(“componentes”) e, ao mesmo tempo, estimar os coeficientes (peso) dos fatores em relação
ao movimento de pedestres. A figura 11.4 mostra a intensidade dos fatores no modelo
estimado, com base na extensão das linhas que os representam.
Fatores como atividades comerciais nos térreos e densidade de janelas (variáveis
jacobsianas por excelência), somados à continuidade das fachadas e ao tipo contínuo,
apresentaram relação positiva com o movimento de pedestres (coeficientes maiores do que
0). Já os muros, o uso residencial, os afastamentos lateral e frontal e o tipo isolado estão
associados negativamente com o movimento de pedestres (coeficientes menores que 0):
onde estes fatores estão mais presentes, o número de pedestres tende a cair.
A técnica também agrupa as variáveis e cria os chamados “componentes”
(construtos estatísticos): a metade esquerda do gráfico mostra a proximidade entre as
variáveis muros, tipo isolado, recuo lateral, recuo frontal, uso residencial e densidade de
garagens, as quais produzem um componente que pode ser interpretado exatamente como
o edifício típico da produção imobiliária contemporânea brasileira: um prédio exclusivamente
residencial, afastado dos vizinhos e da rua, murado e com muitas garagens.
Figura 14.4: Cargas da regressão PLS, mostrando para os dois componentes principais o
sentido (positivo ou negativo) e a intensidade dos principais atributos do modelo explicativo
do movimento de pedestres estimado para o Rio de Janeiro