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Paulo M.
Em pleno século XIX houve diversas tentativas de se tornar menos estrita a regra
que impedia a admissão de deficientes físicos na Maçonaria, alegando-se ser esta
um legado dos tempos da maçonaria operativa. Algumas Grandes Lojas deixaram,
mesmo, cair este requisito, exigindo apenas que o candidato tivesse a capacidade
física estritamente necessária a que pudesse ser iniciado e receber os
ensinamentos da Ordem. Mas logo vozes se elevaram, recordando que o que estava
em causa era um dos landmarks da Maçonaria, que são por definição imutáveis, e
por isso a questão não careceria sequer de mais discussão. Independentemente da
origem do preceito residir na maçonaria operativa e ter, entretanto, deixado de
fazer sentido, este deveria ser cumprido, sob pena da retirada do reconhecimento
às Obediências que não o cumprissem e fizessem cumprir. Mas não se pense que,
sem mais debate, a questão se ficava por aqui, ou que os argumentos alegados
eram desprovidos de substância; pelo contrário.
Outro dos argumentos teria que ver com a capacidade de trabalhar. A Maçonaria –
mesmo a Especulativa – socorre-se do trabalho como forma e método de
aprendizagem, pelo que a incapacidade para desempenhar tarefas úteis poria em
causa todo o método maçónico. Por outro lado, é essencial que um maçon se baste
a si mesmo, pois de outro modo não teria a disponibilidade mental para se
aperfeiçoar enquanto pessoa. É uma questão de prioridades: primeiro o sustento
do corpo, depois o apuramento do espírito.
A própria simbologia maçónica era usada como argumento. Discutia-se, com a maior
seriedade, se, uma vez que a maçonaria tinha por objetivo a “construção do
Templo” a partir das pedras que cada um ia tratando de polir, não seria
contrário à mesma maçonaria aceitar pedras “tortas”? Que Templo Perfeito poderia
a Maçonaria almejar construir à Glória do Grande Arquiteto se as pedras não
fossem todas perfeitas?
Pode argumentar-se que um deficiente físico não é inteiramente livre. Fosse esse
um requisito – ser inteiramente livre – e não haveria quem pudesse ser admitido
na maçonaria. Todos nós só o somos até certo ponto. Quanto à iniciação, será que
se perde alguma coisa se for feita de cadeira de rodas? Claro que sim. Mas não
se perde mais numa iniciação do que num passeio na cidade; quem está limitado
sabe que o está, e em que medida.
E um surdo? Ou um cego? Poderão ser iniciados maçons? Não vejo porque não. Desde
que aptos a comunicar, estou certo de que se providenciaria o que fosse razoável
para os acomodar. Um surdo pode, por exemplo, ler nos lábios; e poderia “falar”
por escrito, à falta de melhor. Um cego pode ouvir e falar – apesar de poder ser
curioso ouvir da sua boca algumas fórmulas rituais que se referem à Luz e às
Trevas, por exemplo, mas basta que interiorizemos que a Luz e as Trevas, em
Maçonaria, são simbólicas, não precisando nós dos olhos para as poder entender,
para que logo as suas palavras deixassem de soar estranhas.
Paulo M.