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MANUAL DE NÃO-VIOLÊNCIA: um guia para a ação prática

Michael N. Nagler

Para todos aqueles que têm a fé de que a humanidade pode ser redimida pela não-violência e
a coragem para prová-lo.

“A não-violência é o maior poder com o qual a humanidade foi dotada”

Mahatma Gandhi

Tradução: Angelica Rente

Revisão: José Yoshitake


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Índice

UM Uma Introdução à Não-Violência 3


Lutar, Fugir e o Terceiro Modo 4
Os Usos da Não-Violência 5
Satyagraha: um novo termo para um princípio eterno 6
DOIS A Intenção Correta: cultivando uma alma não-violenta 8
A pessoa não é o problema 8
Cinco Práticas Básicas de Treinamento para uma Vida Não-Violenta 10
TRÊS Os Meios Corretos: Conhecer de Onde Estamos Partindo 11
Quanta não-violência é suficiente? 11
Quando Nada Mais Funciona 13
QUATRO Colocando a Energia Não-Violenta em Ação 14
Proporcionalidade 14
A Arte dos Acordos 15
O Que Queremos, Realmente? 15
Construindo Direito: o Segredo do Programa Construtivo 16
CINCO Espreitando o Coração da Satyagraha 19
Vendo os Resultados Reais 19
Lidando com o Sucesso 21
A Importância (ou Não) dos Números 22
Quão Úteis são os Símbolos? 23
A Não-Violência Pode ser Mal Utilizada? 24
O Papel do Sofrimento na Satyagraha 25
O Jejum na Satyagraha 26
Assumindo o Controle 26
SEIS O Que Aprendemos? 27
Um Modo de Ser 28
Um Movimento Varrendo o Mundo 29
Destaques: uma referência útil 31
Notas 33
Sobre o Autor 36
3

UM

Uma Introdução à Não-Violência

O século 20 nos deixou um legado dúbio. Por um lado, foi um tempo de muita crueldade e
violência; por outro, e talvez mesmo devido a essas provações, testemunhamos manifestações
de um novo tipo de poder — ou melhor, novos usos de um poder ancestral — que pode
conduzir a humanidade a um futuro muito melhor. Desde que Mahatma Gandhi demonstrou o
poder da não-violência durante o processo de libertação da Índia do governo colonial e Martin
Luther King Jr. empregou-a para libertar as pessoas negras de algumas das opressões sofridas
por elas nos Estados Unidos, incontáveis povos ao redor do planeta, de Manila a Moscou, da
Cidade do Cabo ao Cairo e aos movimentos Occupy em todo o mundo, têm obtido variados
graus de sucesso usando um ou outro aspecto da não-violência para afrouxar as amarras da
exploração e da opressão.

A prática da não-violência toca em algo fundamental da natureza humana, que tem relação
com quem desejamos ser como indivíduos ou como povo. Gandhi afirmou, simplesmente: “A
não-violência é a lei da nossa espécie” (1). Dra. Vandana Shiva, uma renomada líder da
resistência rural na Índia, disse, em palestra recente, que, se não adotarmos a não-violência,
colocaremos nossa humanidade em risco. Da mesma forma, o ativista curdo Aram Jamal Sabir
declarou que, ainda que a não-violência possa ser mais desafiadora e requerer mais sacrifícios
que a violência, “ao menos não perdemos nossa humanidade no processo” (2).

Podemos contrastar isso com os índices assustadoramente altos de depressão, abuso de


substâncias e suicídio entre os homens e mulheres a serviço do exército norte-americano
atualmente. Como um deles contou a um documentarista: “Eu não gosto mais de quem eu
sou. Perdi minha alma no Iraque”. Outro disse a um amigo meu, que estava a caminho do
Oriente Médio como parte de uma equipe de missionários cristãos pacifistas, “Ainda sou
assombrado pelas coisas que fizemos... Daria qualquer coisa para ser capaz de voltar atrás e
desfazer algumas dessas coisas. Mas eu não posso. Posso, ao menos, agradecer a você de todo
coração por fazer o que faz.” Através destas palavras, que são um testemunho da natureza
humana, podemos vislumbrar tanto os custos de violarmos esse aspecto de nossa natureza,
quanto o caminho para sua redenção.

Assim, não é de se surpreender que, aqui e ali, a relevância da não-violência tenha começado a
ser reconhecida pelas pessoas que buscam por uma nova história da natureza e do destino
humanos, pelas pessoas que estão buscando por uma tão necessária imagem melhor da
humanidade. Francamente, nossa visão de mundo atual e as instituições baseadas nela tomam
a violência como norma e alterar este princípio básico pode levar a um salto na nossa evolução
cultural. Poderia resolver ou nos mostrar como resolver nossos problemas econômicos,
ambientais, pessoais e internacionais. Em resumo, o reconhecimento pleno da não-violência
poderia reescrever a história do destino humano.

Contudo, no momento, a maioria das pessoas não entende totalmente as dinâmicas da não-
violência, se é que as compreendem de alguma forma. Poucos sabem do seu potencial ou
exatamente como utilizá-la para libertar a si mesmo e a todos nós da ganância, da tirania e da
injustiça. A não-violência pode estar incorporada à nossa natureza, como Gandhi disse, mas
não poderá prevalecer em nossas vidas e instituições até que seja muito melhor
compreendida. Episódios de não-violência brotam espontaneamente o tempo todo, mas
4

utilizá-la segura e efetivamente — e, sem dúvida, usá-la para uma mudança duradoura —
requer conhecimento e planejamento.

Lutar, Fugir e o Terceiro Modo

A não-violência parece rara, até mesmo uma exceção, e seu potencial — talvez mesmo sua
mera possibilidade — é rigorosamente ignorada pelos legisladores. A violência, ou dano
deliberado a outra pessoa ou à sua dignidade básica, é tão comum que parece onipresente,
especialmente quando incluímos, como é necessário fazermos, a violência estrutural: a
exploração ou dominância embutidos num sistema. Mas a aparente ubiquidade da violência e
a raridade da não-violência acabam por ter mais a ver com o modo pelo qual enxergamos o
mundo do que com como ele realmente é. O modo pelo qual praticamos a ciência desde o
início do século 20, por exemplo, tende a enfatizar o materialismo, a separatividade e a
competição, levando a uma imagem da “natureza sanguinária em dentes e garras”. Foi apenas
recentemente que a ciência passou por uma mudança notória em direção a uma visão mais
equilibrada, não só da natureza humana, como também da natureza e da evolução em geral.
Este desenvolvimento tem um enorme significado para a não-violência, mas ainda precisa
ganhar terreno na visão de mundo vigente (3).

Outra razão para que não sejamos mais conscientes das instâncias da não-violência e motivo
pelo qual ela, muitas vezes, parece ineficaz ou terminar em consequências decepcionantes,
como no Egito e na Síria, é que a cultura moderna não nos prepara muito bem para
compreender uma força positiva, não material. Por certo, a palavra não-violência é, em si,
parte do problema. Não-violência sugere que a coisa real, a condição padrão, é a violência, e
que a não-violência é apenas sua ausência — da mesma forma que muitas pessoas ainda
pensam que paz é meramente a ausência de guerra. Este modo de entender distorce a
verdade e limita artificialmente nossas opções.

Se não estivermos conscientes da não-violência, tenderemos a acreditar que as únicas


respostas possíveis a um ataque são nos rendermos ou lutarmos para nos defender: a resposta
de lutar-ou-fugir. Na perspectiva da não-violência, isto, na verdade, não é uma escolha. Ambas
as abordagens — permitir passivamente que violência seja utilizada contra nós (ou outra
pessoa) ou reagir de forma violenta — apenas servirão para aumentar o grau de violência.
Nossa escolha real não está entre essas duas expressões de violência. Ao contrário, é a escolha
que se abre quando não queremos adotar nenhuma destas duas posturas. Então, queremos
confrontar a violência com uma alternativa, com o que Andrew Young, citando uma antiga
canção spiritual, chamou de “uma saída para a falta de saída” (4).

A não-violência nos oferece uma terceira via possível e natural para além do impasse lutar-ou-
fugir. As descobertas da relatividade e da realidade quântica feitas no século 20 nos
mostraram que nada é tão separado quanto parece. Similarmente, há agora um grande corpo
de evidências que mostram que a empatia e a cooperação são, na verdade, as forças
dominantes na evolução, que seres humanos e outros primatas estão equipados com
“neurônios espelho” que nos possibilitam partilhar do que outra pessoa está sentindo, que o
autossacrifício pode produzir recompensas intensas ao sistema nervoso — e, é claro, que a
não-violência é uma ferramenta extremamente eficaz para a mudança social (5).

Contudo, por mais natural que a não-violência possa ser, não há como negar que a empatia e o
cuidado em relação ao bem-estar de alguém que está contra nós não são fáceis de atingir.
Pode ser uma luta e tanto, mas é encorajador lembrarmos que essa luta é, em si, a fonte do
poder não-violento. Como King afirmou: “A expressão ‘resistência passiva’ frequentemente dá
5

a falsa impressão de que este é um tipo de ‘método não-faça-nada’, no qual a pessoa que
resiste aceita o mal silenciosa e passivamente. Mas nada está mais longe da realidade. Pois,
ainda que o resistente não-violento seja passivo no sentido de que ele não agride fisicamente
seu oponente, sua mente e emoção estão sempre ativas, constantemente buscando persuadir
seu oponente de que ele está errado.” (6)

Sentir raiva frente à injustiça e temer o mal são respostas humanas naturais. A questão não é
se temos o “direito” de nos sentirmos com medo ou ultrajados, mas como podemos usar o
medo ou o ultraje para mudar uma situação mais efetivamente. Como Gene Sharp, um
proeminente acadêmico da não-violência, apontou, a primeira coisa que as pessoas oprimidas
devem fazer é superar o medo paralisante que as mantém submissas (7). No Chile, por
exemplo, os meios constitucionais eram suficientes para depor Augusto Pinochet em 1989 e
terminar o longo pesadelo nacional da ditadura militar, mas primeiro a população teve que
superar seu medo, o que deu a ela o poder criativo para a ação.

Sem dúvida, teremos que nos esforçar para agirmos contra nossos sentimentos “naturais”
muitas vezes, mas isto acabará por se tornar um hábito. E quando podemos expressar nosso
medo ou raiva como uma energia criativa, a força criadora da não-violência está em nossas
mãos. Emocionalmente, não estamos nem correndo de medo, nem atacando em fúria;
estamos resistindo com amor. Em termos da nossa intenção consciente, nem estamos
tentando “vencer”, nem com medo de perder; nosso objetivo é crescer, se possível, até
mesmo juntamente com aquele que se opõe a nós.

Os Usos da Não-Violência

Todas e todos nós já utilizamos a energia não-violenta incontáveis vezes em várias de nossas
interações, sem nomeá-la desta forma. Nos vemos a ponto de fazer uma crítica feroz a alguém
e pensamos: “Bem, acho que já fiz isso também, algumas vezes” e, ao invés de criticarmos,
dizemos algo gentil. Engolimos nossa impaciência quando a pessoa à nossa frente na fila
demora mais do que achamos necessário. Um amigo meu, para intensificar nossos exemplos,
apertou a mão de um rapaz que queria roubar seu carro, perguntou ao assustado jovem se
precisava de dinheiro e o dispensou.

A não-violência, como uma energia fundamental, opera todo o tempo, como a gravidade.
Tendemos a usar o termo apenas quando algum tipo de conflito irrompe, especialmente entre
populações e seus governos, mas a coisa em si está trabalhando sem ser notada em muitas
outras áreas e pode ser usada em qualquer situação, de revoluções nacionais a interações
pessoais. Assim, ainda que meus exemplos neste livro se foquem preferencialmente em
pessoas que se encontram inseridas em algum movimento de insurreição, todos nós podemos
nos beneficiar ao compreendermos a dinâmica desta força. Qualquer pessoa confrontada por
uma das muitas formas de violência em nosso mundo (seja ela uma força evidente ou uma
desigualdade embutida em um sistema) e se sinta chamada a afirmar sua dignidade humana
contra ela, pode se beneficiar ao assumir uma postura não-violenta em relação a todos os
seres viventes. Minha esperança é de que este livro, juntamente com vários dos outros
recursos listados no seu final, possa auxiliar ativistas a compreenderem os princípios básicos
que subjazem à dinâmica da ação não-violenta; porém, com um pouco de imaginação,
qualquer pessoa pode usar estes princípios em sua vida cotidiana. Eles podem se tornar seu
modo de viver.

Tal guinada rumo à não-violência requer, primeiramente, que superemos nossa atual imagem
de nós mesmos como seres separados, materiais e competitivos. Imagine se buscássemos por
6

uma terceira via nas relações internacionais em situações deploráveis como em Ruanda ou na
Síria, por exemplo, enquanto a comunidade internacional acreditava que suas únicas opções
eram bombardear alguém (lutar) ou não fazer nada (fugir). Todo um amplo leque de opções se
abriria se atores estatais iluminados entendessem o que realmente é a não-violência nos
âmbitos da lei internacional, da mediação e da diplomacia, das comissões de reconciliação e
assim por diante. Atores não-estatais ou da sociedade civil poderiam fazer ainda mais — como
intervir não-violentamente enquanto parte externa de um conflito — e estão começando a
perceber isso.

Não há uma forma rápida e fácil para nos tornarmos não-violentos. É preciso um esforço
constante e é um desafio para toda a vida. Aprender sobre ela é muito útil, mas é apenas o
princípio. Aprender juntamente com a prática é muito mais efetivo.

Felizmente, a não-violência oferece muitas formas de criarmos mudanças positivas


permanentes ou de longa duração que nos permitirão reconstruir as instituições sociais em
bases mais humanas e sustentáveis. Nem todas estas abordagens precisam ser confrontativas,
como veremos. Cada um de nós, qualquer que seja nosso momento de vida ou relação com o
ativismo, pode levar à frente este grande “experimento com a verdade”, para parafrasear
Gandhi, de acordo com nossas próprias capacidades e com as situações que enfrentamos.

Já que o princípio ou energia da não-violência pode ser aplicado de formas diferentes por
diversos praticantes e em várias ocasiões distintas, eu me concentrei aqui no princípio da
energia em si, sem tentar descrever, com muita frequência, como ele pode ser melhor
aplicado. Com uma boa infraestrutura e um pouco de imaginação, podemos adaptar o
princípio a qualquer situação existente e, é claro, exercitar as nossas próprias melhores
práticas, uma vez que os princípios básicos estejam assimilados (8).

Satyagraha: um novo termo para um princípio eterno

Ler a “história” pode nos dar a impressão de que a vida se desdobra em uma série de
competições, conflitos e guerras. Mas, já em 1909, Gandhi apontava que a história que temos
praticado é “um registro de cada interrupção do trabalho constante da força do amor, ou da
alma... A força da alma, sendo natural, não é notada na história” (9). Note que Gandhi não usa
a palavra não-violência aqui, que ainda não havia se tornado corrente (como tradução de
ahimsa), e que ele rejeitou o termo dúbio “resistência passiva”. Por volta deste período ele
havia inventado outro termo, satyagraha (pronunciado sat-YÁ-gra-ha), que significa,
literalmente, “agarrar-se à verdade”. A palavra é, por vezes, usada para significar a não-
violência em geral, como nesta citação, mas por vezes ela significa a não-violência na forma de
luta ativa, resistente.

Ao cunhar o termo, baseado na palavra sânscrita sat, que significa “verdade” ou “realidade”
(assim como “bem”), Gandhi tornou bem claro que ele via a não-violência como a realidade
positiva da qual a violência é a sombra ou negação. Consequentemente, a não-violência estava
predestinada a prevalecer a longo prazo: “O mundo descansa sobre um alicerce de satya, ou
verdade. Asatya, que quer dizer mentira, também significa não-existente, e satya, ou verdade,
também significa aquilo que é. Se a mentira sequer existe, sua vitória está fora de questão. E a
verdade, sendo aquilo que é, nunca pode ser destruída. Essa é a doutrina da satyagraha, em
resumo” (10).

Ainda que satyagraha literalmente signifique “agarrar-se à verdade”, ela é com frequência
traduzida, não inapropriadamente, como “força da alma”. Todos temos esta força dentro de
7

nós e, sob as circunstâncias adequadas, ela pode se apresentar para todos nós, com resultados
surpreendentes. Isso pode ser mais bem notado no chamado momento não-violento, no qual a
“força irrefreável” da não-violência de uma das partes confronta o aparente compromisso
imutável com a violência da outra. Este momento sempre levará ao sucesso, algumas vezes de
forma evidente e imediata, outras mais ao longo do caminho.

Por exemplo, em 1963 em Birmingham, Alabama, manifestantes negros, inspirados pela


intenção de “conquistar nossa liberdade e, enquanto fazemos isso... libertar nossos irmãos
brancos”, nas palavras de um dos líderes, se encontraram bloqueados inesperadamente por
uma fileira de policiais e bombeiros com cães e mangueiras. Os manifestantes se ajoelharam
para orar. Depois de um tempo, eles ficaram “espiritualmente intoxicados”, como David
Dellinger relembra. Eles se levantaram como se alguém tivesse dado um sinal e, firmemente,
marcharam em direção à polícia e aos bombeiros. Uma vez que chegaram ao alcance dos
ouvidos deles, alguns disseram: “Nós não vamos recuar. Não fizemos nada de errado. Tudo o
que queremos é nossa liberdade. Como vocês se sentem fazendo essas coisas?” (11) . Ainda
que o comissário de polícia, um notório segregacionista, gritasse repetidamente: “Liguem as
mangueiras!”, os bombeiros sentiram suas mãos paralisadas. Os manifestantes marcharam
decididamente em frente, passando através das linhas da polícia e dos bombeiros. Alguns
destes homens foram vistos chorando.

Gandhi, que viu isto funcionando várias e várias vezes, deu uma bela explicação para como
essa transformação acontece: “O que satyagraha faz, nestes casos, não é suprimir a razão, mas
libertá-la da inércia e estabelecer sua soberania sobre o preconceito, o ódio e outras paixões
mais básicas. Em outras palavras, se pudermos colocar de uma forma paradoxal, ela não
escraviza, mas impele a razão a se tornar livre”. O que ele chama de “razão” aqui é melhor
descrita como a consciência inata de que estamos todos conectados e de que a não-violência é
a “lei da nossa espécie”. Como notamos, essa é uma consciência latente em todos nós, um
estado humano natural, ainda que possa estar temporariamente obscurecida pela névoa do
ódio. A princípio, devemos ser capazes de despertá-la em virtualmente qualquer pessoa, caso
tenhamos tempo e conhecimento suficientes. Uma vez desperta, ela automaticamente toma
precedência sobre as “paixões mais básicas”.

Assumir que os seres humanos têm potencial para serem não-violentos — e para responderem
à não-violência quando ela é oferecida — implica em aceitar uma imagem muito melhor de
nós do que aquela que é apresentada pelos meios de comunicação de massa e pela cultura
atual em geral, mas, devido a essa mesma cultura, não podemos esperar que nosso potencial
não-violento se manifeste por si mesmo. Para trazê-lo à tona devemos, primeiramente, tentar
compreendê-lo melhor e cultivarmos o hábito de usá-lo criativamente em nossas relações,
nossas instituições e nossa cultura. E então, para usá-lo em situações de conflito intenso, como
a que ocorreu em Birmingham, há dois ingredientes básicos que fazem com que a mágica não-
violenta funcione:

1. Abordamos a situação com a intenção correta. Não estamos e não precisamos estar
contra o bem-estar de ninguém.
2. Empregamos os meios corretos. Meios equivocados, como a violência, nunca poderão,
a longo prazo, resultar em fins corretos.

A fonte de nosso empoderamento e força na satyagraha está nas nossas intenções corretas e
no uso dos meios corretos. Não importa quão boa seja a causa, não a abordaremos
corretamente se operarmos a partir da raiva, da inveja ou da ignorância. Notemos que os
8

manifestantes de Birmingham questionaram: “Como vocês se sentem fazendo isso?” Em


outras palavras, eles creditaram aos oponentes alguma consciência moral e, assim, ajudaram a
despertar essa consciência — para o benefício de seus próprios oponentes.

Da mesma forma, obviamente, não estaremos empregando os meios corretos se nos


rendermos à violência. Vamos analisar cada uma destas diretrizes a seguir.

***

DOIS

A Intenção Correta: cultivando uma alma não-violenta

As escrituras de todas as tradições espirituais do mundo sustentam a “unidade fundamental da


família humana sobre nosso planeta Terra”, nas palavras do Parlamento das Religiões do
Mundo de 1993 (12). Então, não é de se surpreender que os mais conhecidos líderes não-
violentos — Aung San Suu Kyi, Khan Abdul Ohaffar Khan, King e, logicamente, Gandhi —
tenham recorrido a suas respectivas fés para inspirarem-se. Com frequência, também, eles
recorreram às práticas espirituais propostas por estas fés para fortalecerem-se na visão e na
ação não-violenta frente a ameaças ou abusos.

Quer tenhamos uma afiliação religiosa ou não (e, hoje em dia, é comum não termos), acessar
os recursos profundos da não-violência requer alguns indícios de que estamos, como nas
palavras de King na Carta da Prisão de Birmingham, “atados numa só peça do destino”. Deve
haver algum senso de unidade mesmo em relação a nossos oponentes, alguma confiança de
que eles podem ser alcançados, não importa quão hostil seja seu atual estado de espírito.
Devemos saber que dispomos de recursos internos que tornam a dependência de armas,
números ou dinheiro desnecessária e que há um padrão significativo para a existência, de tal
forma que todos os problemas podem ser resolvidos sem danos essenciais a quem quer que
seja.

A pessoa não é o problema

De uma perspectiva não-violenta, “a saída para a falta de saída”, não mais pensamos em uma
disputa com num jogo de soma zero, no qual, para que eu ganhe, você tem que perder. Não
sou eu contra você, mas você e eu contra o problema; há uma forma segundo a qual ambos
podemos nos beneficiar e mesmo crescer. Essa habilidade de transformar uma discussão em
uma sessão de solução de problemas, uma disputa em uma experiência de aprendizagem e,
finalmente, um sentimento de alienação em uma consciência da unidade, beneficia todas as
partes e cria um forte atrativo em direção a uma resolução criativa para todas as pessoas
envolvidas. É por isso que, para um ator da não-violência que busca não perder nunca de vista
a possibilidade da reconciliação, é tão importante “liquidar o antagonismo, não o antagonista”
(13). Nunca estar contra as pessoas, mas apenas contra os problemas.

Nem sempre é fácil cultivar essa intenção, mas há um modo particularmente útil de fazê-la
funcionar: não devemos nunca tentar humilhar ou aceitar humilhação, pois ela prejudica a
todos. É extremamente difícil para qualquer pessoa viver com vergonha ou humilhação e,
quando alguém nos ameaça com violência, esta pessoa sente uma pequena fisgada de
vergonha por usar esse método, mesmo que seja inconsciente. Quando nos oferecemos para
mudar o teor da conversa em direção à não-violência, contudo, estamos dando à nossa
contraparte uma saída. Essa intenção é reconhecida por um dos melhores termos para não-
9

violência que eu conheço em qualquer língua, alay dangal, ou “oferecer dignidade”, que foi
cunhado durante a Revolução do Poder Popular das Filipinas, em 1986.

Da mesma forma, o profeta Muhammad uma vez disse a seus seguidores que eles deveriam
ajudar a todos, mesmo a um opressor. Quando perguntaram a ele como poderiam ajudar um
opressor, ele respondeu: “Impedindo que ele oprima” (14). Isso nos dá uma referência bem
útil para mantermos em nossas mentes: quanto mais respeitamos a humanidade de nosso
oponente, mais efetivamente podemos nos opor à sua injustiça.

Por sorte, na satyagraha nós não somos forçados a escolher entre os princípios e as
estratégias; a longo prazo, os meios corretos (como a não-violência) nos levarão aos fins
corretos (como a justiça). Isso nos mostra uma característica reveladora da não-violência. Em
contraste com, digamos, uma campanha militar, o recurso básico do qual a não-violência
depende é ilimitado. Quando ofereço respeito a você, eu não reduzo meu próprio suprimento
dele. A violência, por outro lado, nos foca nas coisas materiais que são escassas e
impermanentes, criando um senso de competição e medo.

Nossa intenção, ao separar pessoas de problemas, é de manter a dignidade da outra pessoa,


assim como a nossa própria, tanto como método, quanto como objetivo da satyagraha. Como
Gandhi disse, “a real não-cooperação é não-cooperação com o mal, não com aquele que o
comete”, e ele sustentou esta distinção mesmo frente ao teste mais duro que a não-violência
pode enfrentar: defender um país de uma invasão massiva por parte de um inimigo
determinado. Em 1942, enquanto a Índia, com as mãos atadas pelos britânicos, temia a
invasão dos exércitos japoneses, ele indicou como isso poderia ser feito:

Se fossemos um país livre, poderíamos agir não-violentamente para impedir os


japoneses de nos invadirem. Da forma atual, a resistência não-violenta poderia
começar no momento em que os japoneses desembarcassem. Desta maneira, os
resistentes não-violentos recusariam qualquer ajuda a eles, mesmo água. Pois não
é parte de seu dever ajudar qualquer pessoa a roubar seu país. Mas se um
japonês tiver se perdido e estiver morrendo de sede e buscando ajuda como ser
humano, um resistente não-violento, que não deve considerar ninguém como seu
inimigo, deve dar água a ele. Supondo que os japoneses obriguem os resistentes a
dar água a eles, estes devem morrer resistindo (15).

Esta visão ousada se tornou realidade quando as tropas soviéticas invadiram a


Tchecoslováquia para suprimir as reformas em 1968. Sabendo que a resistência armada seria
inútil, os criativos tchecos corajosamente desobedeceram aos toques de recolher e a todos
tipos de ordens, mas confraternizaram com os soldados soviéticos e tentaram não alimentar
raiva por eles, como pessoas. Como resultado dessa resposta inesperada, três exércitos do
Pacto de Varsóvia, totalizando meio milhão de soldados, foram incapazes de recuperar o
controle do país por oito longos meses. Juntamente com a coragem e o senso de humor dos
cidadãos tchecos, havia sua habilidade de separar as pessoas da política, ou o mal do seu
perpetrador, o que proporcionou a eles um grande sucesso, contra todas as avassaladoras
evidências. Hoje, chamamos essa estratégia de “defesa de base civil” que, em conjunto com a
manutenção da paz por civis não-armados, forma o equivalente não-violento à defesa militar.

A atuação mais profunda da não-violência deve envolver o (re)despertar da humanidade do


oponente, já que toda violência começa com a falha ou recusa em se considerar a outra pessoa
como totalmente humana. Mesmo um torturador, ainda que seja muito desafiador
lembrarmos disso, é uma pessoa — uma pessoa que, por ignorância ou insensibilidade, acha
10

que é apropriado torturar outra, mas que, ainda assim, é, no fundo, uma pessoa. Assim,
mesmo alguém tão desumanizado a ponto de fazer tal coisa tem um desejo de voltar a ser
humano. Apelamos a este desejo quando mantemos a humanidade da outra pessoa em vista,
e é por isso que a resistência não-violenta tem sido conhecida por ser vitoriosa mesmo quando
há uma oposição fortemente armada e altamente determinada (16). No mínimo, a não-
violência nos protege dos efeitos corrosivos de alimentarmos a raiva e a desumanização. Não
nos esqueçamos de que nossa libertação pessoal da raiva e do medo advinda da prática da
não-violência é um benefício nada pequeno.

Um elemento importante na nossa intenção de tratar qualquer agressor como ser humano é
evitar rotulá-lo. Os rótulos despersonalizam e é esta a razão pela qual os soldados os utilizam
tão frequentemente para superarem a natural aversão psicológica a matar alguém. Uma
pessoa verdadeiramente não-violenta jamais irá despersonalizar, humilhar ou desumanizar
outra, mesmo — ou especialmente — enquanto resiste. O que King disse sobre a injustiça —
que a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares — se aplica
igualmente à nossa dignidade: degradar alguém degrada a todos nós. Indo mais longe,
devemos mesmo trabalhar na direção da amizade e da reconciliação, compreendendo que,
como disse Abraham Lincoln, “a melhor maneira de destruir um inimigo é torná-lo um amigo”.

Cinco Práticas Básicas de Treinamento para uma Vida Não-Violenta

A tentação de envergonhar alguém que está se comportando mal — ou seja, de tentar fazer
com que se envergonhe de si mesma e não daquilo que está fazendo — pode ser muito forte.
Oferecer dignidade para alguém assim, reconhecer que esta pessoa tem um ponto de vista,
não nos ocorre naturalmente. Mas esta atitude pode ser cultivada. Aqui estão alguns
elementos de um programa de treinamento em não-violência através do qual podemos nos
empoderar como indivíduos e cultivar a intenção correta (17).

1. Evitar as grandes redes e os principais canais de mídia. Quer percebamos, quer não
(porque esse desenvolvimento foi gradual), a comunicação de massa, hoje em dia, está
saturada de violência e da imagem degradante da humanidade que a violência implica.
Inúmeros estudos mostram que essas imagens violentas entram em nossas mentes,
ainda que a desaprovemos, e nos tornam marcadamente mais violentos e agressivos.
Normatizar a mídia requereria uma grande campanha. Felizmente, há alternativas hoje
em dia através das quais podemos acessar informação e entretenimento (algumas
estão listadas no final deste livro). Através delas, estamos menos suscetíveis a ver o
mundo como um lugar violento e a nós mesmos como impotentes para transformá-lo.
Podemos reduzir seguramente a zero nossa exposição à mídia de massa comercial,
comprometida com os interesses corporativos e de poder estrutural.
2. Aprender sobre não-violência. Para preencher o espaço deixado quando evitamos a
mídia, nada melhor do que uma maior apreciação e conhecimento da não-violência,
que, como vimos, não é uma mera técnica, mas incorpora em si toda uma visão de
mundo, uma cultura inteira. É muito útil simplesmente aprender a identificar a não-
violência operando ao nosso redor. O aprendizado formal, através da leitura de livros
como este e outros listados na nossa bibliografia, adiciona outra dimensão. Um modo
potente de acessar a cultura não-violenta é praticando-a com atenção plena.
3. Adotar uma prática espiritual se você ainda não tiver uma. A meditação, que não
precisa estar conectada a nenhuma religião em particular, é extremamente útil a
quem se pretende não-violento, ou a qualquer pessoa (18). Ela é um grande
instrumento de humanização, porque nos coloca em contato com os recantos mais
11

profundos da nossa própria humanidade, que é, simultaneamente, a das outras


pessoas. Precisamos de alguma forma de autodisciplina, seja ela sancionada por uma
religião ou não, e muitos atores não-violentos hoje em dia obtiveram acesso seus
recursos e sua visão internos através da meditação, da prece ou de outras práticas
espirituais.
4. Ser mais pessoal em relação às outras pessoas. Em suas interações diárias, dê às
pessoas sua atenção plena. Dedique-se a conversar com o cobrador do pedágio (se
não houver uma fila longa de carros atrás de você); telefone para alguém, ao invés de
mandar uma mensagem — ou, melhor ainda, encontre essa pessoa para um café. Use
a tecnologia para se conectar com as pessoas, ao invés de para distanciar-se delas.
Estes hábitos, aparentemente pequenos, podem mudar a tessitura das nossas vidas,
nos ajudando a desenvolver a compaixão e a ver a humanidade nas outras pessoas
enquanto, é claro, as ajudamos também.
5. Encontrar um projeto e ser ativo nele. Qual é sua contribuição única? Onde o mundo
mais precisa de você? Que projeto você vê como factível e crítico para promover uma
mudança essencial em nosso sistema presente? Alguns estudos têm mostrado que
aqueles que são ativos são mais otimistas, e vice-versa. Influenciamos a nós mesmos
grandemente a partir daquilo que fazemos, talvez tanto ou mais do que nos
influenciamos ao explicarmos as razões porque o fazemos.

Estes passos ajudam a nos preparar para uma vida não-violenta. Mesmo sem o passo 5 eles
fariam diferença no mundo, porque o modo pelo qual vivemos afeta o mundo ao nosso redor,
mesmo se não fizermos mais nada. Mas nós faremos algo mais.

***

TRÊS

Os Meios Corretos: Conhecer de Onde Estamos Partindo

Quando pediram ao popular mestre budista vietnamita Thich Nhat Hahn que explicasse seu
conceito de “Budismo Engajado”, ele respondeu: “Budismo Engajado é apenas Budismo” (19).
Ninguém pode se manter fiel aos valores espirituais hoje em dia sem trabalhar ativamente
para expressá-los em nosso mundo conflituoso. Contudo, ainda que seja bom ter em mente
que os valores em si são um bom empurrão na direção correta, devemos manter nossas ações
subsequentes no rumo, como pilotos hábeis que conhecem os perigos do terreno do conflito e
sabem como mobilizar as forças da não-violência para enfrentá-los.

Quando devemos utilizar a não-violência, e de que forma? Esta é a questão que


consideraremos a seguir.

Quanta não-violência é suficiente?

Os conflitos aumentam quando não são resolvidos e, se forem negligenciados, podem


rapidamente sair do controle. Do ponto de vista da não-violência, a intensidade de um conflito
não é necessariamente uma questão de quantas armas ou quantas pessoas estão envolvidas (a
mesma métrica serviria tanto para uma briga entre pessoas que se amam quanto para uma
batalha entre nações); se trata, primariamente, de quão longe a desumanização chegou. Se
alguém não escuta mais, está xingando ou rotulando você, provavelmente já é tarde demais
para petições.
12

Em termos de saber como responder, podemos pensar, convenientemente, na intensificação


do conflito em três estágios que pedem por um diferente conjunto de respostas. Chamemos
estes três estágios de Resolução do Conflito, Satyagraha (resistência ativa não-violenta) e —
esperamos que seja rara, mas ajuda sabermos que esta possibilidade existe — Sacrifício Final
(ver figura).

Os Três Estágios da Intensificação do Conflito

Intensificação do Conflito

“Fazer ou
Morrer”

Desumanização

Resistir

Negociar

Resolução do Conflito Satyagraha Sacrifício Final

Tempo

Estágio 1: Resolução do Conflito. Seria lindo se cada conflito fosse respondido rapidamente,
enquanto ainda não há uma desumanização séria no ambiente. Aqui, as diferenças podem ser
resolvidas usando as bem conhecidas ferramentas de resolução de conflitos ou a Comunicação
Não-Violenta. Se você registrar uma reclamação, o outro lado vai, ao menos, ouvir; podem não
gostar de você, mas ainda estarão cientes de que você é uma pessoa. As ferramentas que
funcionam no Estágio 1, como negociação, mediação e arbitragem, por vezes com a
interferência benéfica de uma terceira parte, são relativamente bem conhecidas e não
requerem muitas explicações.

Estágio 2: Satyagraha. Como sabemos, contudo, os conflitos nem sempre são tão
administráveis. Há vezes (muito frequentemente, aliás) em que as pessoas a que nos
propomos persuadir não são atingíveis através da razão. É então que a Satyagraha se torna
necessária. Ela significa, quase sempre, que estamos dispostos a assumir algum sofrimento ao
invés de impô-lo sobre os outros, a fim de despertá-los. Como Gandhi colocou, “As coisas de
fundamental importância para as pessoas não são asseguradas apenas pela razão, elas devem
ser conquistadas através do sofrimento... Se quisermos que algo realmente importante seja
feito, não devemos meramente satisfazer a razão, devemos mover também o coração” (20).

Gandhi se refere a isto como a “lei do sofrimento”. O sofrimento — seja ele suportar um abuso
físico ou renunciar a um prazer ou algo parecido — é uma parte crítica da persuasão não-
violenta em conflitos mais sérios.

Estágio 3: O Sacrifício Final. O estágio 3 é, na verdade, uma extensão do estágio 2, mas nele as
coisas atingiram uma intensidade de vida ou morte. Tentamos as técnicas usuais da
13

satyagraha: greves, desafio às ordens, desobediência civil e assim por diante, mas nosso
“parceiro de conversação”, nosso oponente, não respondeu (ao menos, não visivelmente).
Contudo, nós ainda não esgotamos todos os recursos do caminho da não-violência. Se não
podemos conviver com uma injustiça, podemos arriscar nossas vidas para corrigi-la. Escolhi
estas palavras muito cuidadosamente. Não é nossa morte que pode despertar um oponente
obstinado, mas sim nossa disponibilidade para nos arriscarmos a morrer. Foi este o caso no
momento crítico durante o estágio final da luta pela liberdade na Índia, por exemplo, e
funcionou.

Há duas coisas a serem levadas em consideração aqui. Primeiro, a não-violência é, em geral,


muito mais segura do que a violência. Praticamente ninguém morreu durante uma ação de
pacificação civil desarmada, por exemplo, enquanto milhões morreram usando os métodos
“normais” de luta armada ou guerra. Segundo, se recorrermos à não-violência porque ela é
mais segura, estaremos subtraindo dela parte de seu poder. O poder pleno da não-violência
decorre de a praticarmos porque acreditamos que é o certo a fazer, sem considerarmos os
custos.

Claramente, conforme a curva de intensificação em nossa figura indica, quanto mais cedo
agirmos num conflito, mais opções teremos e menos dor deveremos suportar para resolvê-lo.
Mas nem sempre esta escolha será possível. Há tanta violência nos meios de comunicação (ao
menos no mundo industrializado) e nosso conceito de potencial humano é,
correspondentemente, tão baixo, que os conflitos podem rapidamente sair do controle. Não
podemos nos permitir ignorar os casos que requerem uma resposta mais corajosa.

Quando Nada Mais Funciona

Quando um oponente se tornou tão alienado que mesmo a satyagraha bem executada não foi
capaz de despertar sua consciência (ao menos, não visivelmente) e o mal não pode, ainda
assim, ser tolerado, os satyagrahis (atores não-violentos), com frequência, decidiram arriscar-
se a fazer o sacrifício derradeiro. Ao fazê-lo, eles reconheceram-se manejando o poder
definitivo da força da alma e, na maioria das vezes — ainda que nem sempre — sobreviveram
para contar a história.

Consideremos meu amigo David Hartsough, agora um famoso ativista pela paz, então uma
pessoa branca de 15 anos de idade sentada num balcão de lanchonete na Virgínia, para
enfrentar a discriminação racial. Depois de um dia e meio sem comida, ele foi arrancado
subitamente da sua banqueta e ameaçado por um homem branco enraivecido, que apontou
uma enorme faca para seu peito e rosnou: “Bem, amante de negros, você tem um minuto para
cair fora antes que eu enfie isso no seu coração.” David permaneceu calmo (ele estava
recitando o Pai Nosso para si mesmo durante horas). Tentando olhar nos olhos do homem,
apesar do ódio que via neles, ele se ouviu dizendo: “Irmão, faça o que achar que deve fazer,
mas vou tentar amá-lo de qualquer forma.” Depois de um longo momento, a faca começou a
tremer. Então, o homem lentamente baixou sua mão e saiu da lanchonete. Alguns passantes
notaram que ele tinha lágrimas nos olhos.

Lembremos que soldados vão para batalhas aos milhões, totalmente preparados para
arriscarem suas vidas, frequentemente por causas duvidosas; não deveríamos estar prontos
para fazermos o mesmo? Nossa coragem tem um poder transformador muito maior do que a
força armada, vindo de uma pessoa não armada que está disposta a arriscar-se, mas não a
infligir risco. Isso às vezes é chamado de “poder da vulnerabilidade”. Conforme mencionei,
muito menos pessoas foram mortas na prática da não-violência ativa do que nas lutas
14

armadas. Mesmo assim, não há como evitar completamente esse risco em conflitos sérios —
uma razão boa o suficiente para usarmos a não-violência nos estágios iniciais de um conflito,
se isso for possível!

***

QUATRO

Colocando a Energia Não-Violenta em Ação

Há infinitos modos criativos de se empregar a energia não-violenta e, ainda que todos partam
do princípio de que não devemos e não precisamos nos colocar contra o bem-estar de
ninguém — nossas necessidades verdadeiras nunca estão em conflito —, alguns dos mais
eficientes podem não ser óbvios. Vimos, por exemplo, que os meios corretos sempre devem
ser proporcionais, ou seja, devemos confrontar a violência com uma força não-violenta
equivalente, apropriada à situação. Meios corretos também incluem a arte de fazer acordos,
que requer uma compreensão de quais princípios são negociáveis e quais não são. Finalmente,
devemos ter em mente objetivos específicos e entender como pretendemos atingir estes
objetivos. Ter em mente estes princípios nos ajudará a nos assegurarmos de que estamos
construindo um movimento não-violento corretamente, desde suas bases.

Proporcionalidade

A força social da não-violência deve ser aplicada em proporção ao grau de hostilidade que ela
está enfrentando. Para tirarmos total vantagem do poder dos meios corretos, portanto,
precisamos saber em quais dos três estágios se encontra determinado conflito. Reagir
exageradamente no começo de uma luta — por exemplo, fazendo uma greve de fome, que é
um dos mais drásticos passos na satyagraha, antes de dar a nosso oponente a chance de ser
persuadido — pode ser tão ineficiente quanto continuar a protestar quando as coisas já
passaram do ponto no qual uma manifestação teria chances de obter o efeito desejado.

É senso comum o fato de que conflitos podem se intensificar. Mas algo que, com frequência,
não reconhecemos, é o fato de que a não-violência também pode se intensificar. Como King
disse em seu sermão Natal e Paz, em 1967: “A nossa capacidade de infligir sofrimento deve
equivaler à nossa capacidade de suportar o sofrimento”. O grau de força da alma deve ser
equivalente ao grau da força ameaçadora, ou de desumanização. Por exemplo, o período que
precedeu a Guerra do Iraque, em 2003, levou milhões de pessoas ao redor do mundo às ruas,
em protestos veementes. Quando o presidente George W. Bush levianamente desconsiderou
os manifestantes como sendo um “grupo focal”, ele estava, de fato, sinalizando que o
desentendimento havia atingido o estágio 2: hora de satyagraha.

Não que os protestos e petições estivessem equivocados. Nós certamente devemos dar uma
chance às negociações de boa-fé, mesmo quando duvidamos de que nosso oponente
responderá a elas. Elas aumentam a legitimidade de nossa campanha, nos colocando em uma
posição de resistência mais fortalecida, se e quando for necessário, enquanto encorajam
alguma re-humanização, que dará frutos a longo prazo. Mas também precisamos estar prontos
para tomar ações concretas quando ficar claro que nosso oponente não está escutando.
15

A Arte dos Acordos

Em qualquer atividade, de gerir um negócio a planejar uma economia, é importante


distinguirmos entre objetivos e estratégias. Isso é especialmente crucial na satyagraha, pois
queremos manter a habilidade de tecer acordos tanto quanto possível. Assim, devemos
identificar os princípios básicos que não podemos sacrificar por nenhum motivo — como
verdade, dignidade humana e liberdade — e distingui-los de coisas que são negociáveis, como
quem ganha crédito pelo quê. Frequentemente, quando descobrimos que não estamos
dispostos a fazer acordos, é porque estamos aprisionados em símbolos — marchas que vão de
um lugar arbitrário a outro, fitas de determinada cor — que podem tornar uma situação que
de outra forma seria manejável em uma luta por poder, seja contra nosso oponente ou dentro
de nossas próprias fileiras.

Durante uma manifestação do movimento Occupy na Filadélfia, em 2011, por exemplo, os


manifestantes foram abordados por representantes das prestigiosas igrejas negras da cidade,
que queriam se juntar ao movimento e pediam apenas que os manifestantes evitassem fazer
ou falar certas obscenidades em público. Infelizmente, os manifestantes se recusaram a fazer
este acordo. Eles confundiram uma tática — ou, na verdade, apenas um desejo pessoal de
blasfemar em público — com seu objetivo geral de assegurar a justiça econômica, se apegando
a algo que deveria ter sido negociável e, assim, perdendo potenciais aliados poderosos para
seu movimento.

Devemos sempre nos lembrar de que não estamos engajados numa luta por poder, seja lá o
que o outro lado possa estar pensando, mas em um processo de aprendizado que tem o
potencial de beneficiar a todos. Nosso objetivo último, se isso é algo possível, é restaurar
relações. Acima de tudo, lembrar que não há, na verdade, conflito, mas apenas necessidades
compartilhadas, irá nos ajudar a priorizar e a manter nossos olhos no prêmio que é mais
importante para ambas as partes.

Por exemplo, o primeiro projeto do grande ativista italiano Danilo Dolci, que abandonou sua
carreira lucrativa como arquiteto em Milão para trabalhar com os pobres da Sicília, foi
construir uma represa perto da cidade de Jatto, muito contra a vontade da máfia siciliana.
Apesar da oposição, Dolci foi bem-sucedido. Quando um mafioso veio até ele e, mal-
humorado, admitiu: “Bem, Danilo, você ganhou. Agora você tem toda a água.”, Dolci
respondeu: “Não, nós ganhamos. A água será para vocês e suas famílias também.”

Ao manter essa atitude, Gandhi tentou observar o que ele chamou de princípio do “não-
constrangimento”. Quando seu oponente está preocupado, como o governo sul-africano ficou
durante uma greve ferroviária em 1913, você se afasta. A surpreendente demonstração de
cortesia de Gandhi teve um efeito eletrizante em sua relação com o governo e seu desejo de
estabelecer acordos foi provavelmente fundamental no sucesso da satyagraha de oito anos de
duração que ele empreendeu pelos direitos da comunidade hindu naquela região. Sempre
aprendendo através de suas próprias experiências, ele fez a mesma coisa aproximadamente
trinta anos depois, quando os britânicos estavam preocupados com a Segunda Guerra Mundial
— novamente com ótimos resultados.

O Que Queremos, Realmente?

Gandhi dominou a arte dos acordos de tal forma que seus próprios aliados com frequência se
mostravam alarmados com a possibilidade de ele estar sendo conivente demais. Eles não
entendiam que sua disponibilidade para conceder todo o resto era o que os estava ajudando a
16

conquistar o principal ponto — a liberdade da Índia — e que ele estava meramente


distinguindo os objetivos gerais das estratégias imediatas. Em 1925, por exemplo, ele foi
libertado de uma longa sentença de prisão, apenas para descobrir que seu partido havia
sofrido uma séria divisão durante sua ausência. O grupo que se opunha a sua posição sobre
uma questão importante era agora quem segurava as rédeas. Como eles haviam ganho por
meios legítimos, Gandhi não tentou bloqueá-los. Ao contrário, ele cedeu ponto por ponto,
mantendo seus olhos no único objetivo que eles tinham em comum: trabalhar juntos pela
independência.

Muitos, não compreendendo essa lógica, apelidaram sua ação de Rendição de Patna. Mas essa
“rendição” teve um estranho efeito que não passou despercebido por seu secretário, Pyarelal:
“Quanto mais ele se anulava, mais eles precisavam dele, e seu peso e influência nas
assembleias cresciam. Sua completa autoabnegação deu a ele um poder que nenhuma posição
oficial no Congresso ou fora dele poderia ter dado.” (21)

Podemos contrastar isto com um evento ocorrido na Polônia em 1980, conforme o movimento
Solidariedade ganhava proeminência. Seu líder, Lech Walesa, estava no ato de assinar um
acordo muito importante com o governo, quando um colega entrou correndo na sala e disse a
ele que acrescentasse uma nova questão — a anistia para os grevistas que haviam sido presos
em protestos anteriores. Walesa concordou em acrescentar esta exigência ao acordo e o
governo imediatamente se retirou dele, estendendo, assim, a luta do povo polonês por mais
diversos e duros anos.

Claramente, então, nossa habilidade de tecermos acordos dependerá da formulação e da


aderência a objetivos específicos. As seguintes orientações devem ser mantidas em mente ao
escolhermos estes objetivos.

• O objetivo deve contribuir para o bem-estar de todas as partes e deve ser sempre
possível identificar seus resultados. Lembremos que dissuadir um opressor de sua
opressão é tanto uma questão de seu bem-estar quanto do nosso.
• O objetivo nunca deve ser frívolo ou servir meramente a interesses individuais.
• As demandas devem ser concretas, factíveis e realistas: só em raras exceções elas
podem ser simbólicas.
• Acrescentar novas demandas a uma lista de objetivos quando nossa campanha já
ganhou algum terreno, ainda que seja tentador, altera nossa interação com o
oponente, de uma negociação para um jogo de poder. Este princípio é, por vezes,
chamado de “sem assuntos novos”.

Construindo Direito: o Segredo do Programa Construtivo

O derradeiro objetivo de toda satyagraha não é, simplesmente, desmontar um sistema


opressor, mas, ao mesmo tempo, substituí-lo por algo mais positivo. Novamente, isso é
estratégico, assim como uma questão de princípios: nada ajuda mais a desestabilizar um
regime indesejado do que construir um desejável. Não há nada mais potente do que a
elevação coletiva para superar a dependência e a opressão.

Este aspecto da não-violência é, geralmente, chamado de programa construtivo. A longo


prazo, um programa construtivo oferece a cola que mantém os movimentos coesos e
crescendo a partir da energia espontânea que pode surgir frente a uma injustiça severa e
prevenindo a dispersão dessa energia quando a injustiça é reparada ou quando o movimento
encontra uma resistência inesperada. Estas são vantagens estratégicas que se apoiam no fato
17

de que a não-violência, como uma força positiva, presta-se muito mais, por sua natureza, a
“cooperar com o bem”, como diria King, do que a “não cooperar com o mal”, ainda que isto
também tenha seu lugar.

Outras vantagens estratégicas seguem este princípio. Por exemplo, trabalhar juntos por um
objetivo primordial cria laços efetivos e duradouros entre pessoas (22). O trabalho construtivo
também pode dar mais confiança ao público, que pode estar assustado até mesmo pela
resistência não-violenta a uma autoridade estabelecida, e pode minar um regime opressor sem
provocar a reação que a confrontação provoca. Mais importante, um programa construtivo
bem desenvolvido constrói a infraestrutura para uma nova sociedade antes que a sociedade
antiga caia em ruínas, evitando a emergência de um vácuo de poder que novos elementos
opressivos, com frequência, se apressam em ocupar.

Portanto, os programas construtivos devem ter um lugar de honra mesmo em insurreições.


Tanto historiadores quando ativistas têm negligenciado essa dimensão nada dramática, mas
natural e muito eficiente, da não-violência (ainda que, pelo menos entre alguns ativistas, isso
esteja começando a mudar).

Foi Gandhi quem deu ao princípio seu nome, e sua longa luta na África do Sul e na Índia, o mais
longo e contínuo esforço não-violento já conhecido, é um modelo no que se refere a ele.
Gandhi recorreu à natureza positiva inerente à não-violência ao enfatizar o trabalho
construtivo dentro de uma comunidade como sendo um complemento e, por vezes, a
vanguarda, em um confronto. Ainda que tendamos a pensar em eventos dramáticos como a
Satyagraha do Sal ou o movimento pela independência como sendo a história da satyagraha na
Índia, Gandhi uma vez explicou a um amigo que “Minha verdadeira política é o trabalho
construtivo.” (23)

A não-violência confrontativa, ou o que gosto de chamar de “programa obstrutivo”, pode ser


muito eficiente, mesmo dramática, mas requer que mantenhamos o ritmo e a solidariedade do
grupo até que o momento oportuno se apresente. Ela também requer que façamos progresso
sem provocar a hostilidade indevida de nossos oponentes e que demonstremos nosso
compromisso subjacente com o bem-estar de todos, evitando, assim, deixar o mínimo traço de
amargura. Nada disso é muito fácil. Afinal, a opressão opera com a falsa premissa de que os
oprimidos são indefesos e dependentes e a não-violência confrontativa nem sempre nos ajuda
a nos convencermos, a nossos aliados e, no momento certo, ao opressor, de que podemos nos
governar e cuidar de nós.

Muito comumente o remédio para estas dificuldades é encontrado em projetos proativos,


sustentáveis e concretos. Por exemplo, a política israelense, desde 1948, tem deliberadamente
evitado a emergência de iniciativas de desenvolvimento locais por parte dos palestinos, com o
objetivo de alimentar sua dependência de Israel (24). Foi por isso que as escolas “ilegais”, os
mercados de troca e muitas outras coisas que as pessoas fizeram entre elas durante a primeira
Intifada palestina, que demonstraram a falsidade dessa suposição, foram um apoio vital para a
insurreição. Da mesma forma, uma das primeiras campanhas que Dolci conduziu com
camponeses sicilianos foi um programa construtivo chamado “greve ao contrário”. Moradores
voluntários das vilas começaram a construir uma estrada para eles mesmos, algo que a
burocracia do estado não só havia adiado, como havia se oposto a realizar. A polícia logo veio
para impedir o trabalho e prendeu Dolci e outras pessoas. Com o tempo, contudo, a estrada
foi construída e as pessoas descobriram como poderiam assumir o desenvolvimento da
comunidade com suas próprias mãos.
18

O exemplo siciliano demonstra outro aspecto dos programas construtivos: é, com frequência,
o próprio sucesso destes programas que atrai a repressão. O oponente pode entender o poder
revolucionário de tais iniciativas comunitárias e fazer todo o possível para prejudicá-las. Ele
pode ter menos pretextos para atacar estes programas e seus participantes, mas pode
perceber mais necessidade de fazer isso. Não devemos nos sentirmos surpresos, ou mesmo
aborrecidos, portanto, quando nossos programas construtivos sofrerem tais ataques. É da
natureza da satyagraha, seja ela construtiva ou obstrutiva, provocar uma resposta a fim de
expor a violência escondida em um sistema injusto. Por mais lamentáveis que sejam, estes
ataques podem deixar claro aos observadores — e mesmo aos próprios opressores — que o
que os opressores estão fazendo não está correto.

Idealmente, uma campanha não-violenta começa pelo empoderamento individual, buscando,


em seguida, por opções construtivas dentro da comunidade e finalmente, se necessário,
confrontando forças obstrutivas, a partir de uma posição de poder. Os mesmos princípios
podem ser aplicados por indivíduos em inúmeras situações.

É interessante que os movimentos Occupy nos Estados Unidos, que começaram como
protestos em setembro de 2011, tenham tomado algumas ações construtivas altamente
criativas após estes processos terem sido reprimidos pela polícia. No final de 2012, por
exemplo, Occupy Sandy e Occupy Oklahoma ofereceram um imenso apoio a vítimas de
furacões — um apoio mais eficaz, podemos dizer, do que o de agências como a Cruz Vermelha
e a Agência Federal de Gerenciamento de Emergências. O movimento Occupy também criou
uma cooperativa econômica, assim como o Strike Debt e o Rolling Jubilee, que compram os
débitos das pessoas e os cancelam. Em outras palavras, o movimento recorreu a programas
construtivos quando seu programa obstrutivo foi frustrado e isto ocorreu a eles meio que
naturalmente porque, além dos protestos, eles já tinham criado elementos construtivos, como
cozinhas coletivas e processos de tomada de decisão altamente democráticos.

Em situações menos drásticas atualmente, inúmeros projetos difusos, aparentemente não


relacionados, indo da agricultura comunitária ao esforço extremamente importante de
reforma dos meios de comunicação, estão silenciosamente construindo a espinha dorsal da
revolução não-violenta — se e quando escolhermos incorporá-los a uma estratégia
abrangente. Há também um movimento crescente em direção à justiça restaurativa como uma
resposta construtiva ao nosso imensamente desumanizador e ineficaz sistema de justiça (25).
Mais confrontativo, mas ainda dentro de parâmetros legais, é o movimento crescente para
reverter a doutrina da Suprema Corte dos Estados Unidos que considera que as corporações
têm os mesmos direitos que os seres humanos (e, por implicação, que os seres humanos não
têm mais direitos do que entidades abstratas, como corporações). Estes projetos, em
particular, consideram a si mesmos como componentes particularmente efetivos de uma
estratégia construtiva.

Regimes opressores podem aguardar que uma marcha ou um protesto se diluam, mas não
podem sobreviver a uma indústria caseira quando estão tentando explorar um povo ou a uma
escola livre, quando estão querendo doutrinar os cidadãos. Frequentemente, devido a sua
orientação violenta, os opressores nem mesmo percebem que ações construtivas constituem
uma ameaça até que seja tarde demais. O vice-rei da Índia, Lord Irwin, se gabou de que não
estava “perdendo o sono” em relação à Satyagraha do Sal — e, então, a Grã-Bretanha perdeu
todo o Império. Neste caso — e, talvez, apenas neste caso — a ignorância geral do mundo
sobre a não-violência acabou se tornando uma vantagem!
19

Em um mundo ideal, mudanças revolucionárias poderiam ser conquistadas apenas através de


programas construtivos; mesmo a ameaça da satyagraha poderia não ser necessária. O mundo
atual, contudo, está muito longe de ser o ideal. Ele contém muita exploração e opressão, assim
como violência física e estrutural de várias formas. Em tal mundo, a fórmula ideal para a
libertação é reduzir ao mínimo possível os conflitos inerentes através de programas
construtivos e isolar e confrontar o restante através do embate não-violento. Seja construtivo
sempre que possível e obstrutivo quando necessário, sempre se assegurando de que sua
abordagem está sendo inspirada pelas intenções corretas e realizada usando meios corretos.

CINCO

Espreitando o Coração da Satyagraha

Vimos que a não-violência e a satyagraha começam em nós, que precisamos nos preparar e
treinar para que possamos abordar qualquer conflito com a intenção correta. Da mesma
forma, a satyagraha somente será bem-sucedida se empregar os meios corretos, incluindo
resposta proporcional, objetivos bem definidos e programa construtivo, conforme necessário.
Contudo, alguns aspectos da satyagraha devem ser observados. Por exemplo, como devemos
reagir quando nossa abordagem não-violenta parece não estar alcançando resultado algum e,
igualmente importante, como devemos nos comportar quando temos sucesso? Quantas
pessoas são necessárias para que um movimento seja bem-sucedido e quão importantes são
os símbolos para ele? Finalmente, muitos de nós podem se perguntar se é possível utilizar mal
a não-violência ou se a satyagraha sempre requer sofrimento da parte de quem a emprega.
Um exame destas questões nos ajudará a definir com mais clareza o coração da satyagraha.

Vendo os Resultados Reais

Um ato não-violento sempre terá um efeito útil, sempre impactará de forma positiva nas
mentes e nos corações das pessoas. Sendo assim, ele é diametralmente oposto à violência,
que sempre deixa um legado de dor, amargura e alienação. Há uma semelhança entre a não-
violência e a violência, contudo, pois ambas podem ou não ser eficientes em alcançar os
resultados que queremos.

Na maior parte das vezes em que achamos que estamos vendo a satyagraha ou não-violência
falhando, é devido ao fato de que o grau de profundidade da não-violência sendo oferecido
não corresponde à intensidade da violência. Um protesto espontâneo sem nenhum
treinamento ou estratégia é apenas a ponta do iceberg; simplesmente nos abstermos de uma
agressão física é apenas uma condição que possibilita o poder total da não-violência. Assim,
quando os esforços preliminares falham, não devemos concluir apressadamente que a não-
violência não funciona. Como um ativista turco recentemente admitiu, “Nós falhamos com o
método, não foi ele que falhou conosco.”

Outra razão para que pensemos, por vezes, que a não-violência falhou, é que não notamos que
ela opera sob a superfície, com frequência levando a resultados mais significantes do que os
que havíamos intencionado. Como o historiador B. R. Nanda escreve, “O fato é que a
satyagraha não foi criada para atingir determinado objetivo ou para esmagar o oponente, mas
para colocar em ação forças que irão, em última instância, levar a uma nova equação; em tal
estratégia é perfeitamente possível perder todas as batalhas e, ainda assim, ganhar a guerra”
(grifo do autor) (26).
20

Um exemplo dramático disso ocorreu durante a famosa Satyagraha do Sal, que teve o objetivo
de quebrar o monopólio governamental sobre o sal, que impunha severas restrições aos
indianos pobres e que veio a simbolizar o poder colonial britânico sobre a Índia. Em 21 de maio
de 1930, por volta de duas mil pessoas foram até a refinaria de sal Dharsana para retomar
“ilegalmente” o sal que vinha de suas próprias praias. Onda após onda de voluntários
disciplinados e desarmados, vinte e cinco de cada vez, andaram em direção à entrada da
refinaria e foram espancados até caírem, a maioria deles, sem sequer levantar um braço para
se proteger. Ao final daquele dia, 320 voluntários foram hospitalizados e dois deles logo
morreram devido ao espancamento selvagem.

O sacrifício dos voluntários indianos não “funcionou” em termos de objetivos a curto prazo: a
refinaria de sal não foi liberada e as taxas não foram revogadas (27). Ou seja, a batalha foi
perdida. Mas quando anos de preparação não-violenta foram colocados à prova e a disciplina
das pessoas se manteve, a “guerra” foi ganha. Como o poder colonial recorreu ao ferro e ao
bastão, enquanto os manifestantes resistiam com coragem e resiliência, se negando a odiar, o
regime perdeu sua legitimidade. A real natureza dele foi exposta e a Índia ficou em posição de
conquistar sua liberdade. Era apenas uma questão de tempo.

De fato, quando a independência veio, dezessete anos depois, a Índia e a Grã-Bretanha foram
capazes de terminar essa relação de exploração de forma cordial. Diferentemente do que
ocorreu no final da maioria das situações de colonização, as duas nações se separaram com
amigas. Como o historiador britânico Arnold Toynbee notou, Gandhi tornou impossível aos
britânicos continuarem governando a Índia, mas tornou possível a eles deixarem o governo
sem rancor e sem humilhação (28). Esta é uma descrição clássica do efeito das ações não-
violentas, mas nada disso estava aparente naquele dia de maio na refinaria de sal Dharsana.

Esta não é a única vez na história da não-violência na qual fracassos aparentes acabaram por
conter, em si, as sementes de um sucesso maior. Devido ao intervalo de tempo entre as ações
não-violentas e seus efeitos, contudo, podemos ignorar facilmente a conexão entre eles e essa
é uma das razões pelas quais muitas pessoas falham em abarcar o poder na não-violência por
si só. Na não-violência, lembremos, estamos buscando mais do que apenas um resultado
imediato e evidente. Pode ser muito importante, no momento imediato, interromper uma
guerra iminente, bloquear um acordo de “livre comércio” malicioso ou remover um ditador do
poder, e falhar em conseguir estes resultados imediatamente pode causar um
desapontamento. Contudo, já que o conflito não-violento não é apenas uma luta entre ganhar
e perder, e já que estamos mais interessados em resultados a longo prazo, não devemos
perder as esperanças após um contratempo. Ao praticar a não-violência, devemos aprender a
confiar que os resultados a longo prazo — como um regime menos opressor, a reconciliação
entre as partes ou a justiça para todos — irão, inevitavelmente, acontecer.

Reconhecidamente, este tipo de fé não é fácil de se atingir. Quando sessenta manifestantes


não-violentos foram mortos em Sharpeville, Africa do Sul, em 1960, os líderes do Congresso
Nacional Africano decidiram que a não-violência não era suficiente para superar o regime do
apartheid. Eles, em seguida, perderam trinta anos tentando lutar contra o regime com atos de
violência, antes que Nelson Mandela fosse libertado da prisão e eles recuperassem seu
empenho não-violento. Da mesma forma, é muito difícil não perder a fé após uma repressão
brutal, do tipo da que teve lugar na Praça Tiananmen, mas conhecer a lógica mais profunda da
não-violência pode auxiliar. Também pode ajudar mantermos em mente as palavras do
historiador Theodore Roszak: “As pessoas experimentam a não-violência por uma semana, e
quando ela não ‘funciona’, elas voltam à violência, que não tem funcionado por séculos” (29).
21

Lidando com o Sucesso

Sabermos que a não-violência é, com frequência, um projeto a longo prazo pode evitar a
depressão e a desmoralização, quando ela parece ter (temporariamente) falhado. Contudo, é
igualmente importante evitar a euforia quando a não-violência não falhou, em parte porque,
como vimos, quantificar o sucesso ou o fracasso na não-violência é uma tarefa sutil. Para uma
pessoa não-violenta, sucesso é simplesmente permanecer na não-violência, mesmo diante de
uma grande provocação.

Mas as campanhas não-violentas certamente também podem ter, e têm, um sucesso


aparente. Estudos recentes mostram que as insurreições não-violentas funcionam duas vezes
melhor do que as violentas e em um terço do tempo (30). De fato, conforme a história
gradualmente corrige seu viés inconsciente em direção à violência, mais e mais histórias de
resistência coletiva bem-sucedidas estão vindo à luz.

Por exemplo, sob a jurisdição de Vichy no sul da França, o ministro protestante André Trocmé
e sua esposa, Magda, organizaram toda a comunidade de Le Chambon-sur-Lignon para que
resgatasse judeus e outros refugiados durante a Ocupação, salvando milhares de pessoas. A
coragem dos resistentes impressionou tanto o oficial no comando da Ocupação que ele se
recusou, com grande risco para si mesmo, a permitir que o destacamento local da Gestapo
atacasse os centros de resgate.

Ao mesmo tempo, um evento altamente traumático — e grandemente instrutivo — estava


ocorrendo em Berlim. No primeiro fim de semana de março de 1943, judeus com “parentes
arianos” — principalmente maridos de mulheres não-judias — foram capturados para serem
deportados para os campos de concentração. Contrariamente a todas as expectativas, as
esposas e mães destes homens, num número próximo de seis mil mulheres, se reuniram em
frente ao centro de detenção da Rosenstrasse, demandando o retorno de seus amados e se
recusando a ir embora. Em poucos dias, a Gestapo se rendeu e soltou os homens, alguns dos
quais tiveram que ser rapidamente resgatados dos campos aos quais já haviam sido enviados.
Praticamente todos estes homens sobreviveram à guerra. Mais espantosamente ainda, como
os oficiais da Gestapo em outros países tinham populações similarmente “misturadas” sob sua
jurisdição e tinham Berlim como parâmetro, esta breve manifestação acabou por salvar
dezenas de milhares de vidas (31).

Em outras palavras, mesmo uma das mais fracas formas de não-violência — uma manifestação
espontânea e breve feita por pessoas destreinadas, com pouco ou nenhum conhecimento
sobre como a não-violência atua e sem um plano a ser implantado após sua ação imediata —
funcionou efetivamente contra um dos regimes mais opressivos da história moderna. Com
algum treinamento e estratégia, os resultados poderiam ter sido ainda mais impressionantes.
Estes dois exemplos, particularmente o último, refutam uma objeção extremamente comum
aos argumentos a favor da não-violência, de que ela nunca teria funcionado contra os nazistas.
Na verdade, ela funcionou espetacularmente — quando foi utilizada.

Quando tais sucessos ocorrem, há coisas que podemos fazer para manter o caráter não-
violento da interação e nos assegurarmos de que nossos esforços não serão desperdiçados. Já
notamos a importância de não acrescentarmos questões novas, o que transforma a conversa
em uma luta de poder. Ainda mais importante, contudo, é evitarmos o triunfalismo
semelhante ao de um jogador de futebol correndo pelo campo com os braços para o alto para
comemorar um gol.
22

Durante as intensas negociações em Montgomery, Alabama, que seguiram o boicote dos


ônibus que durou um ano, um advogado da companhia de ônibus da cidade manifestou sua
preocupação de que ceder às demandas dos manifestantes abriria as portas para que eles
“saiam por aí cantando a vitória que eles conquistaram sobre os brancos, e isso nós não vamos
apoiar”. Refletindo sobre isso, King relembrou seus companheiros de que “através da não-
violência nós evitamos a tentação de assumirmos a psicologia dos vencedores”. Esta psicologia
pertence à antiga dinâmica do eu-contra-você que vê a vida como um conflito entre partes
separadas, frequentemente sobre símbolos. A psicologia não-violenta, em contraste, evita
transformar os sucessos em “vitórias” que polarizam e alienam os oponentes. Lembremo-nos
da observação de Toynbee sobre o fato de Gandhi ter tornado impossível aos britânicos
continuarem a governar a Índia, mas (ou melhor, parcialmente porque) ele tornou possível a
eles saírem do governo sem rancor e sem humilhação.

A ideia final que devemos manter em mente enquanto lidamos com o sucesso de uma ação
não-violenta é que, por vezes, este sucesso deve ser visto meramente como um começo. É
bem possível que a ação não tenha terminado. Muitos movimentos, na euforia do sucesso, ou
simplesmente devido à exaustão, se dissolvem antes que o problema real seja solucionado —
qual seja destruir a própria ideia da opressão, não apenas sua aplicação sobre um determinado
grupo ou pessoa. Os registros atuais da não-violência estão repletos de reveses
decepcionantes que se seguiram a sucessos evidentes: pensemos nas Filipinas, na Sérvia, no
Egito, no Iêmen e na Ucrânia, para nomear alguns deles. Similarmente, ainda que a primeira
Intifada na Palestina (1987-1993) tenha chegado a um fim com a assinatura dos acordos de
Oslo, estes acordos ficaram bem aquém de significarem a liberdade para o povo palestino.

Quase parece que, nesta atuação, nada falha mais do que o sucesso! Mas, antes que pulemos
para esta conclusão, lembremos que estes movimentos, com frequência e
compreensivelmente, não se completaram. Com vimos, isto pode ser evitado com um
elemento construtivo robusto, conjugado com instituições alternativas prontas a se moverem
em direção ao vácuo. Quase sempre, a persistência obstinada, aquilo que os ativistas latino-
americanos chamam de firmeza permanente, deve continuar mesmo para além da vitória.

Se nos mantivermos fiéis a regras como a de “sem assuntos novos” e evitarmos a psicologia
dos vitoriosos, nos posicionaremos de forma a desfrutar de um sucesso que apenas a não-
violência pode nos proporcionar e que ninguém pode tirar de nós.

A Importância (ou Não) dos Números

Por ser a não-violência, afinal, uma força da alma, construída primariamente a partir do “poder
pessoal” de um indivíduo, cada pessoa possui um papel mais central na ação não-violenta do
que em outros tipos de ação relacionada a conflitos — especialmente a ação militar, que, na
verdade, tenta negar o papel do indivíduo através do uso de uniformes, da doutrinação, de
uma cadeia de comando restrita e assim por diante. Há momentos, é claro, em que os
números ajudam. Um Ferdinand Marcos ou um Hosni Mubarak conseguem reprimir poucas
centenas de pessoas reunidas em uma praça, mas não conseguem ignorar alguns milhões —
especialmente se aquelas pessoas ainda permanecerem lá após a aplicação de seu poder de
fogo contra elas.

Durante a bem-sucedida insurreição nas Filipinas, o termo “poder do povo” foi cunhado para
expressar o poder coletivo da população mobilizada. Mas um participante, o cardeal Jaime Sin,
fez esta sagaz observação: “Foi incrível. Foram dois milhões de decisões independentes. Cada
uma daquelas pessoas disse, em seu coração, ‘Eu farei isso’, e foi para as ruas” (grifo do autor)
23

(32). Em outras palavras, até mesmo o poder do povo é constituído por aquilo que chamo de
poder pessoal, o desejo comprometido de indivíduos corajosos.

Na não-violência — que, sempre que possível, se apoia na persuasão, e não na coerção — a


clareza da mensagem pode substituir os números. Mesmo o grande escritor norte-americano
Henry David Thoreau percebeu isso. Ao falar sobre a escravidão, ele disse: “De uma coisa
estou certo: se mil homens, ou cem homens, se dez homens que pudessem ser assim
chamados – se apenas dez homens honestos – ah, se um único homem honesto... deixasse de
ter escravos, abandonando assim sua coparticipação, e por isso fosse preso na cadeia local,
isso seria a abolição da escravidão na América. Pois não importa quão pequeno possa parecer
o ponto de partida: o que é bem feito é para sempre.” (33)

O fato é que tal indivíduo com visão e determinação frequentemente irá angariar apoiadores
quando isso for necessário. Esta é parte do princípio que Gandhi chamou de lei da progressão,
que ele ilustra com uma imagem vívida: “O Ganges não deixa seu curso em busca de
tributários. Da mesma forma, o satyagrahi nunca abandona seu caminho, que é afiado como o
gume de uma espada. Mas, assim como os tributários espontaneamente se juntam ao Ganges
conforme ele avança, o mesmo ocorre com o rio que é a satyagraha.” (34)

Assim, os números são importantes na satyagraha — exceto quando não são. E quando eles
são importantes, a pessoa certa pode, quase sempre, reuni-los. Vale a pena manter isso em
mente, porque quando não estamos muito cientes de nossa própria força (o que costuma
acontecer), nós naturalmente buscamos por força nos números. Isso é natural, mas não deve
nos distrair de explorar nosso poder interior.

Enquanto os britânicos estavam preocupados com a Segunda Guerra Mundial, Gandhi sentiu
que não poderia suspender a luta pela independência, mas, ao mesmo tempo, estava
relutante em romper com seu princípio de não-constrangimento, que ele mencionou em
relação a sua luta na greve ferroviária de 1913 na África do Sul. A solução? Ele indicou uma
pessoa, seu seguidor confiável Vinoba Bhave, que era considerado seu sucessor espiritual, para
desempenhar a desobediência civil e ir para a cadeia. Assim, os britânicos compreenderam que
a satyagraha não estava sendo interrompida, mas tiveram que apreciar a cortesia de sua
suspensão temporária enquanto eles estavam preocupados e não podiam dirigir toda sua
atenção para a “conversa” sobre a libertação. Notem que essa tática não foi um símbolo vazio:
Vinoba era uma pessoa real, não-cooperativa com as leis reais e pagando uma pena real para
sinalizar ao regime que a luta pela liberdade não estava suspensa. De qualquer modo, ele era
apenas uma pessoa.

Os números são essenciais, por vezes, mas a clareza do propósito e o comprometimento são
essenciais sempre. Se um movimento permanece no seu curso, pessoas se juntarão a ele
quando forem necessárias.

Quão Úteis são os Símbolos?

Símbolos, como números, são de uso limitado na satyagraha — lembremos que satyagraha
significa “agarrar-se à verdade”. E, assim como superestimamos a importância dos números,
tendemos a fazer uso excessivo dos símbolos. Talvez o exemplo mais trágico de uso de
símbolos que deu errado seja o massacre de 4 de junho de 1989 na Praça Tiananmen, em
Beijing. Estudantes, trabalhadores e muitos apoiadores se reuniram em grande número para
demonstrar sua solidariedade e seu desejo por mudanças. Contudo, por carecerem de uma
estratégia a longo prazo, a praça em si e sua recusa a deixá-la se tornaram um símbolo de sua
24

desobediência e uma distração do objetivo legítimo, que era a reivindicação por reformas
democráticas. Todos sabemos o resultado. Por outro lado, se os resistentes tivessem saído da
praça e voltado para suas universidades e vilas para educar as pessoas e dar passos concretos
e factíveis em direção à mudança, o movimento democrático na China e as corajosas pessoas
que o representavam poderiam ainda estar vivos.

Isso não significa que manifestações e ocupações não sejam nunca eficazes. Quando dezenas
de milhares de manifestantes indígenas tomaram não-violentamente o congresso
equatoriano, em 2000, houve um efeito notável, ainda que os líderes do movimento tenham
sido vencidos e perdido poder em questão de dias. Dois anos depois, contudo, após uma
organização de base extensa e discreta, um destes líderes foi eleito presidente.

O levante do Equador foi similar ao da Praça Tiananmen, mas houve três diferenças que
provavelmente contribuíram para o sucesso do primeiro. Primeiramente, os manifestantes não
ocuparam um mero símbolo de poder, mas um lugar de poder. Em segundo lugar, eles agiram
quando estavam fortes o suficiente para tomar o poder, não simplesmente reivindicá-lo. E
terceiro, eles foram capazes de seguir em frente após o término da ocupação — ou seja, a
ocupação teve um passado e um futuro e era parte de uma campanha maior, que poderia
empregar uma variedade de táticas, tanto as confrontativas quanto outras.

A tenacidade certamente pode fazer diferença entre o sucesso e o fracasso da não-violência,


como de qualquer outra coisa. Esta persistência, no entanto, deve ser reservada para o real e
apenas raramente para símbolos de algo real. Na famosa Marcha do Sal de 1930, Gandhi
mostrou um grande domínio do controle da expressão simbólica, andando mais de duzentas
milhas até o mar para romper com as leis injustas através da ação mais simples possível de
colher uma pitada de sal. Mas frequentemente se esquece que ele se dirigiu ao mar real pra
colher sal real — um ato que era construtivo e concreto — e, neste caso, ilegal. Similarmente,
sua Grande Marcha na África do Sul, quinze anos antes, não foi apenas um protesto; ele tinha
que mover três mil mineiros em greve e suas famílias, que agora não tinham casas, para seu
ashram, ou comunidade espiritual. Novamente, a ação era tecnicamente contra a lei.
Nenhuma destas marchas, em outras palavras, foi meramente simbólica; elas foram ações
muito concretas que também tinham certa ressonância simbólica. Assim, ainda que símbolos
possam realçar ou nascer de ações concretas, eles nunca devem tomar o lugar delas.

A Não-Violência Pode ser Mal Utilizada?

A não-violência, quando praticada corretamente, não pode ser mal utilizada. Infelizmente,
contudo, o nome não-violência pode sofrer abusos — e isso acontece com frequência. Quando
um grupo de proprietários de armas na Califórnia se referiu a sua recusa a registrar seus rifles
de assalto com uma “desobediência civil”, por exemplo, eles esqueceram que possuir uma
arma mortal constitui o extremo oposto da civilidade ou da não-violência.

É também possível que táticas não-violentas — ou melhor, táticas que também encontram
espaço na não-violência — sejam usadas em um contexto violento. Em 1991, manifestantes
tentaram entrar no estado de Gujarat, na Índia, para protestar contra a construção de
barragens no rio Narmada, um processo que já havia alagado centenas de vilas e tido
consequências ambientais e sociais destrutivas. Mas os oficiais do governo gujarati, que
tinham suas próprias razões escusas para quererem as barragens, convocaram alunos das
escolas locais para barrarem a marcha, enquanto cantavam canções gandhianas!
25

É por isso que é tão importante impedir que as pessoas que ainda acreditam na violência
turvem as águas de um movimento não-violento. Nas manifestações atuais ou em outras
ações não-violentas, isso é tão importante quanto sermos capazes de nos mantermos firmes
em nossos objetivos essenciais, enquanto abrimos mão de todo o resto. Durante o
fundamentalmente não-violento movimento Occupy, por exemplo, houveram aqueles que
acreditaram que seria OK usar “um pouco” de violência — quebrando uma vidraça aqui ou
pondo fogo numa lixeira ali — em nome do que chamaram de “diversidade de táticas”. Mas
essa é uma corrupção da não-violência. Mesmo quando se tira a questão da arena moral e se
olha para a questão da efetividade, especialmente a longo prazo, fica claro que mesmo “um
pouco” de violência torna um movimento não-violento ambíguo e, portanto, fraco. Em outras
palavras, a diferença entre violência e não-violência não é de “diversidade”, como a diferença
entre pardais e curruíras. Ao contrário, elas são opostas e têm efeitos opostos. E não-violência,
de qualquer forma, não é uma tática, mas um poder de vida.

O Papel do Sofrimento na Satyagraha

No campo de concentração de Auschwitz, em 1942, dez prisioneiros poloneses foram deixados


para morrer de fome em uma cela subterrânea, pois um outro havia escapado. Para surpresa
de todos, um novo prisioneiro se apresentou e pediu para morrer no lugar de um daqueles
homens desafortunados. Era o padre Maximilian Kolbe, agora conhecido como o santo de
Auschwitz. Ainda que ele tenha sido, de fato, morto alguns dias depois, seu sacrifício
inspirador fez uma enorme diferença no ânimo dos prisioneiros, provavelmente salvando
centenas que, de outra maneira, teriam sucumbido ao desespero e, assim — naquelas
condições insuportáveis — à morte.

No momento em que um conflito requer satyagraha (ou seja, no momento em que atinge o
estágio 2 de nossa figura no capítulo 3), algumas pessoas já devem estar sofrendo, mas seu
sofrimento, suportado com relutância, não está despertando os corações de seus oponentes.
De fato, se deixada como está, uma situação injusta pode passar a parecer normal, apenas um
exemplo de como a vida é, ou mesmo culpa da própria vítima. Consideremos os sofrimentos
prolongados dos palestinos nos territórios ocupados, os albaneses em Kosovo na década de
1990, ou os milhões de pessoas vivendo em pobreza desesperada atualmente. Estas pessoas
estão entre as inúmeras vítimas desafortunadas da violência estrutural — sofrimento imposto
por estruturas sociais ou políticas injustas e não por forças e violência externas, ainda que com
frequência estas estejam presentes também.

Quando acontece de não podermos mais aceitar tamanha opressão, temos a opção de nos
tornarmos um para-raios para o sofrimento que ela está impondo, com a finalidade de
despertar as outras pessoas e acabar com a situação opressiva. A ação do padre Kolbe é um
exemplo disso. Da mesma forma, os estudantes envolvidos na malfadada conspiração da Rosa
Branca montada contra o regime nazista em Munique no auge da Segunda Guerra Mundial
esperavam que o risco que estavam assumindo tivesse um efeito similar, quando distribuíram
panfletos convocando a resistência passiva, ainda que não soubessem direito com o que tal
resistência se parecia e provavelmente não tivessem percebido ela é apenas um dos aspectos
da não-violência real, ou satyagraha. Eles sabiam que estavam enfrentando a morte quase
certa — e, de fato, apenas um deles escapou a esse destino — mas argumentaram, “melhor
um fim aterrorizante do que um terror sem fim”. Este é o cálculo moral que podemos ter que
fazer, em casos de opressão extrema.
26

O Jejum na Satyagraha

A morte é menos provável nos conflitos não-violentos do que nos violentos, mas como padre
Kolbe e os conspiradores da Rosa Branca nos mostraram, por vezes é necessário colocarmos
nossas vidas em risco. O jejum, especialmente sem prazo determinado, ou “jejum até a
morte”, como Gandhi o chamava, é uma das formas que esse remédio drástico pode tomar.
Jejuar como parte de um ato de persuasão no estágio 3 de um enfrentamento não-violento,
especialmente se o jejum puder terminar na morte de alguém, pode ser um modo poderoso
de despertar as demais pessoas para a injustiça de uma situação e o desejo de assumir
qualquer sofrimento para corrigi-la. No entanto, este método pode coagir, ao invés de
persuadir, tornando-o contrário ao espírito da satyagraha. Desta forma, o jejum como um ato
de satyagraha (e não como um ato de autopurificação) pode ser adotado apenas como último
recurso e, mesmo assim, sob condições muito específicas.

• Primeiramente, o jejuador deve estar certo de que ele ou ela é a pessoa certa para
fazer tal sacrifício. Isso requer controle de seus próprios desejos, mesmo do desejo de
viver, e não deve ser motivado pelo ódio ao oponente.
• Segundo, a ação deve ser dirigida às pessoas que podem ser alcançadas por tal ato. Se
elas não tiverem nem sequer esse grau de preocupação ou não entenderem a lógica
do sacrifício (o que é, com frequência, o caso no Ocidente), jejuar é uma técnica
equivocada.
• Terceiro, o jejum deve ser empregado para atingir um objetivo realista. Um desejo
geral pela “paz mundial” ou algo semelhante, ainda que seja nobre, não é atingível
através do jejum se, como na maioria dos casos, os jejuadores não tiverem ganho,
previamente, um lugar poderoso na imaginação de milhões de pessoas.
• Quarto, o jejum só deve ser realizado no contexto de uma campanha verdadeiramente
não-violenta. O jejum dos prisioneiros do Exército Republicano Irlandês na prisão de
Long Kesh, por exemplo, não cumpria nenhum destes critérios; assim, apesar da sua
coragem e sacrifício, dez pessoas perderam suas vidas sem resultar em nenhuma
mudança social visível.
• Finalmente, lembremos que o jejum não deve ser cogitado até que todas as outras
opções tenham se esgotado.

Quando estes requisitos estão presentes, jejuar pode resultar em maravilhas. Gandhi era um
mestre famoso desta técnica. Seu “jejum épico” em 1932 fez com que os britânicos
revogassem a separação de eleitorados entre as castas hindus e seu jejum do “milagre de
Calcutá”, em 1946, acabou com uma revolta popular que a polícia e o exército foram incapazes
de controlar. Mesmo assim, Gandhi veio a perceber que, no final, alguns de seus jejuns haviam
sido coercitivos e, portanto, de seu ponto de vista, falhos.

Assumindo o Controle

Na satyagraha, não buscamos o sofrimento por ele mesmo, nem buscamos nos tornar
mártires. Mas compreendemos a profunda diferença entre o sofrimento passivo do qual
milhões de pessoas são vítimas, sem nenhum efeito notável, e a disponibilidade de nos
sacrificarmos, como fez o padre Kolbe, por uma causa maior — quando não há outra forma. É
este último tipo de sofrimento, que King chamou de “sofrimento imerecido”, que engaja o
poder da não-violência.
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Embates não-violentos, especialmente num conflito em estágios finais, podem ser duros.
Então, é bom nos lembrarmos de que, no longo prazo, o sofrimento assumido voluntariamente
em um conflito não-violento será bem menor que o sofrimento causado tanto pela aceitação
de uma situação injusta quanto pelo uso da violência para enfrentá-la. Por exemplo, ainda que
por volta de mil pessoas tenham morrido durante a luta pela independência da Índia,
particularmente no massacre de Amritsar, em 1919, milhões de pessoas morreram como
vítimas passivas, como as que pereceram durante a “fome de Bengali”, em 1943, quando
quase toda a produção de arroz do país foi confiscada pelo exército britânico. Da mesma
forma, como apontou King, mais pessoas foram mortas durante seis noites de tumulto em
Detroit do que durante seis anos de desobediência civil no Sul dos Estados Unidos.

Há duas regras de ouro em relação ao sofrimento, quando ele se torna inevitável. A primeira é:
quanto mais cedo respondermos a um conflito ativa e não-violentamente, menos teremos que
sofrer para resolvê-lo. E a segunda: quanto mais estamos preparados para sofrer
voluntariamente, menos teremos que sofrer involuntariamente.

***
SEIS

O Que Aprendemos?

A não-violência é uma capacidade inata da natureza humana. Não é um mandamento moral;


muito menos uma abstração filosófica. A não-violência, ao menos a que apresentei aqui, é
uma energia que opera em e com todos os seres vivos. Ela pode ser compreendida, prevista e
controlada, como muitas outras forças na natureza. Provavelmente, a coisa mais importante
que precisamos saber sobre ela é que ela não é a ausência de algo, mas sim uma força
positiva. É a força do amor, ainda que, por vezes, possa não aparecer desta forma. O
movimento pelos direitos civis nos EUA, King explicou, não causou rompantes de raiva, mas
“expressou raiva sob disciplina para obter o efeito máximo”. Essa disciplina de conservação da
raiva não é um ato de repressão. Quando a aplicamos corretamente, ela permite que a raiva
seja convertida em um poder criativo. A não-violência é o poder liberado pela conversão de
um impulso negativo.

Esta transformação de energias negativas, ou disruptivas, dentro dos seres humanos não é
apenas um processo de crescimento individual; ela pode ter um efeito assombroso sobre um
oponente — um efeito ao qual ameaças e armas não podem se comparar. Durante a bem-
sucedida Revolução Popular das Filipinas, em 1986 — que é apenas um exemplo dentre os
vários que podemos citar — soldados desafiaram as ordens de seus superiores e se recusaram
a atirar nos manifestantes pacíficos. Em muitos casos, eles foram vistos chorando e
desertaram (35).

Ao observar este efeito, Kenneth Boulding, um dos fundadores da pesquisa moderna sobre a
paz, cunhou o termo “poder integrativo”, que ele comparou com o “poder de ameaça” e o
“poder de troca” (36). O poder integrativo é aquele que é libertado quando assumimos um
compromisso de prestarmos testemunho à verdade de nossa interconexão, mesmo quando
nosso oponente está reagindo violentamente a essa verdade e, talvez, a nós mesmos. O
oponente vê a si mesmo como radicalmente separado de nós, enquanto nós podemos ver a
unidade que ele perdeu de vista e, assim, podemos ajuda-lo a vê-la também. O resultado,
28

Boulding aponta, é que ambas as partes terminam mais próximas. Quando controlamos os
impulsos de divisão dentro de nós para esse propósito, “controlar” não significa “reprimir”.
Esta dinâmica era bem familiar para Gandhi: “Tenho aprendido através da amarga experiência
a lição suprema de controlar minha raiva; da mesma forma que o calor conservado se
transmuta em energia, nossa raiva controlada pode ser transmutada em um poder que pode
mover o mundo.” (37)

King adicionou mais clareza a esse processo de transmutação em sua afirmação citada acima (e
digna de ser repetida), sobre os ativistas dos direitos civis controlarem a raiva e a liberarem
sob disciplina para obterem o efeito máximo. Visto desta forma, se torna intrigantemente
claro que o poder da não-violência está latente dentro de nós, esperando para ser liberado, se
restringirmos a tendência a agirmos a partir de um lugar de raiva ou medo. Se definirmos a
não-violência como sendo a força liberada pela conversão de um impulso negativo, como o
medo ou a raiva, que destroçaria as pessoas se expressado de forma crua, podemos,
inversamente, definir estas forças negativas e suas expressões como violência.

Um Modo de Ser

Então, a não-violência não é uma abstração moral ou filosófica. Ela também não é um
conjunto de táticas, um simples método. Pessoas lutando por sua liberdade causaram
mudanças impressionantes apenas se negando a pegar em armas. Como um manifestante
iemenita disse a um amigo meu, em 2012, “Eles não podem nos vencer, porque deixamos
nossas armas em casa!” Mas mudanças mais profundas e duradouras acontecem quando
deixamos nosso ódio em casa.

Uma vez que tenhamos dominado esse truque — e espero que esse livro tenha oferecido
alguma compreensão sobre como fazê-lo — poderemos ver a violência em nosso mundo atual
sob uma luz mais otimista e desafiadora. Toda essa raiva, seja ela alimentada pelos meios de
comunicação, pela imensa desigualdade de nossa economia ou por qualquer outra coisa, é
matéria-prima para a não-violência! Expressá-la em sua forma crua seria um desperdício.

Muitas pessoas pensam na não-violência como uma tática a ser adotada quando elas não têm
uma escolha melhor, porque qualquer violência da parte delas seria combatida com uma
repressão feroz, ou porque elas simplesmente não têm as armas necessárias, e se reservam o
direito de retornar à violência se não obtiverem sucesso. Sejam quais forem os méritos desta
abordagem — que é sempre melhor e pode requerer mais coragem que a violência — eu
espero ter deixado claro que iremos muito mais longe se nos apegarmos à não-violência como
um princípio, um modo de ser no mundo.

Nesta abordagem, a não-violência não é o recurso dos fracos pois, na verdade, ela solicita um
tipo incomum de força; não se trata de reprimir algo, mas do engajamento de uma força
positiva. Quanto mais somos capazes de agir — e ser — sem ódio, quanto mais somos capazes
de resistir a algo que alguém está fazendo sem desejar a esta pessoa nenhum mal, quanto
mais somos capazes de “liquidar o antagonismo, não os antagonistas”, nas palavras de Gandhi
(38), mais disponível esse poder ou força se torna. De uma forma que nós ainda não
entendemos, a atitude e a visão de mundo baseadas na interconexão libertam energias que
levam a mudanças mais profundas e mais permanentes.

Dizer que a não-violência não é meramente uma estratégia não quer dizer que estratégias não
sejam necessárias. Como vimos, isso está bem longe da verdade. Mas há uma característica
29

notável da não-violência que não pode ser reivindicada pelo militarismo ou pela violência: a
manutenção do princípio é, também, uma estratégia eficiente. Ao contrário da violência, que
carrega a ideia desesperada de que meios errados podem levar a um fim correto, na não-
violência nós não precisamos escolher entre a coisa certa e a coisa mais eficiente a fazer. A
longo prazo, elas são a mesma coisa. Se renunciarmos a uma oportunidade de humilhar
alguém, por exemplo, simplesmente por acreditarmos no princípio de que todo mundo
merece respeito, teremos uma estratégia quase infalível para trazer essa pessoa para mais
perto de nós. Como afirma o ganhador do prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, “a ação
não-violenta implanta, antecipadamente e dentro do próprio processo de mudança em si, os
valores para os quais ela finalmente nos conduzirá. Assim, ela não fomenta a paz através da
guerra. Ela não busca construir destruindo.” (39)

Um Movimento Varrendo o Mundo

Em 1939, Gandhi escreveu: “Meu otimismo reside na minha crença nas infinitas possibilidades
do indivíduo de desenvolver a não-violência. Quanto mais a desenvolvemos em nosso próprio
ser, mas contagiosa ela se torna, até que toma nossos arredores e assim, gradualmente, ela
poderá varrer o mundo.” (40) Nos anos subsequentes a essa frase de Gandhi, ainda que
tenham sido violentos, o mundo também começou a testemunhar tal despertar. De fato, há
estimativas que dizem que mais da metade da população do mundo hoje vive em uma
sociedade que foi significantemente afetada por um movimento não-violento (41).

A história moderna da não-violência tem sofrido várias mudanças qualitativas que são,
potencialmente, de imenso auxílio para que ela possa “varrer o mundo”. Primeiramente,
estamos aprendendo que cada cultura tem seus modos locais de responder criativamente ao
conflito e estas abordagens podem ser mobilizadas no contexto de um enfrentamento não-
violento prolongado. Por exemplo, populações indígenas, que desempenham um papel crucial
nas lutas ambientais, estão começando a se organizar e a formar redes entre elas.

Em segundo lugar, hoje sabemos que a não-violência pode se sustentar sem que haja um líder
carismático, se não houver alguém assim disponível, o que é o caso na maior parte das vezes.
No entanto, os movimentos podem ser ajudados materialmente pela intervenção de equipes
de paz ou o auxílio de um terceiro experiente. Além disso, e talvez este seja o desenvolvimento
mais importante de todos, as pessoas estão aprendendo como nunca antes a ensinar a outras
o que elas aprenderam a partir dos sucessos e das falhas de seus próprios movimentos. Por
exemplo, o Centro para Ações e Estratégias Não-Violentas Avançadas enviou veteranos da
bem-sucedida operação Otpor, que depôs o presidente Slobodan Milosevic em 2000, para o
Egito e outros locais que enfrentavam questões semelhantes.

Em terceiro lugar, a maioria dos movimentos que foram, de uma forma ou de outra, não-
violentos, desde os anos de Gandhi e King — e eles são muitos — têm sido quase
exclusivamente obstrutivos, como a cascata de insurreições chamada de “revoluções das
cores” na Europa Oriental e a Primavera Árabe que se seguiu. Poucas têm sido quase
exclusivamente construtivas; o exemplo maior e mais dramático disso é o MST, ou Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra, no Brasil, que oferece terras e sustento para dezenas de
milhares de famílias e cria comunidades no processo — mas ainda não encontrou um meio
criativo de lidar com a resistência dos proprietários de terra. Com poucas exceções, como a
primeira Intifada na Palestina, que foi de 1987 a 1993, não vimos uma campanha longa que,
como a luta indiana pela independência, pudesse operar em ambos os modos e tivesse
mecanismos para decidir estrategicamente quando ser obstrutiva e quando ser construtiva.
30

De qualquer modo, há uma crescente consciência desta possibilidade, e quando este tipo de
movimento acontecer mais uma vez, numa progressão que vai do empoderamento pessoal até
a elaboração de um programa construtivo, chegando à satyagraha, se necessária (e,
provavelmente, ela será), poderemos começar a ver o poder total da não-violência para mudar
o mundo.

Finalmente, a ciência moderna tem mudado drasticamente seu foco, de uma ênfase no
materialismo racional (e na separatividade e falta de sentido que tal perspectiva implica) para
um panorama mais robusto da natureza humana e do mundo, que é surpreendentemente
consistente com as sabedorias tradicionais atemporais. Esta visão de empatia e cooperação
inatas, confirmada tanto pelas sabedorias quanto pela ciência, abre caminho para uma história
cultural da qual a não-violência fará parte integrante — da mesma forma que, hoje em dia, a
violência faz parte integrante, ainda que como uma visitante indesejada.

“Aqueles que se sentirem atraídos pela não-violência”, escreveu Gandhi, “devem se juntar ao
experimento”, e se torna mais claro a cada ano que passa que nada menos do que a
sobrevivência da vida na Terra poder estar correndo risco. Espero que o vislumbre da história e
do potencial da não-violência que ofereci neste livro, ainda que breve, sirva para mostrar que,
ainda que ele peça por trabalho e sacrifício, podemos usar este poder para redirecionar o
destino humano para um objetivo maior. Este é o principal desafio de nosso tempo.
31

Destaques: uma referência útil

“A não-violência é a lei da nossa espécie.” [página 1]

“O que satyagraha faz, nestes casos, não é suprimir a razão, mas libertá-la da inércia e
estabelecer sua soberania sobre o preconceito, o ódio e outras paixões mais básicas. Em
outras palavras, se pudermos colocar de uma forma paradoxal, ela não escraviza, mas impele a
razão a se tornar livre.” [página 7]

“Não devemos nunca tentar humilhar ou aceitar humilhação, pois ela prejudica a todos.”
[página 8]

“Quanto mais respeitamos a humanidade de nosso oponente, mais efetivamente podemos


nos opor à sua injustiça.” [página 9]

“A real não-cooperação é não-cooperação com o mal, não com aquele que o comete.” [página
9]

“Já que toda violência começa com a falha ou recusa de considerar a outra pessoa como
totalmente humana, a atuação mais profunda da não-violência deve envolver o (re)despertar
da humanidade do oponente.” [página 9]

“A meditação é um grande instrumento de humanização.” [página 10]

“A não-violência é o poder liberado pela conversão de um impulso negativo.” [página 26]

“Tenho aprendido através da amarga experiência a lição suprema de controlar minha raiva; da
mesma forma que o calor conservado se transmuta em energia, nossa raiva controlada pode
ser transmutada em um poder que pode mover o mundo.” [página 28]

“Não nos esqueçamos de que nossa libertação pessoal da raiva e do medo advinda da prática
da não-violência não é um benefício pequeno.” [página 10]

“As coisas de fundamental importância para as pessoas não são asseguradas apenas pela
razão, mas devem ser conquistadas através do sofrimento... Se quisermos que algo realmente
importante seja feito, não devemos meramente satisfazer a razão, devemos mover também o
coração.” [página 12]

“Seja construtivo sempre que possível e obstrutivo quando necessário.” [página 19]

“Gandhi tornou impossível aos britânicos continuarem governando a Índia, mas tornou
possível a eles deixarem o governo sem rancor e sem humilhação.” [página 20]

“As pessoas experimentam a não-violência por uma semana, e quando ela não ‘funciona’, elas
voltam à violência, que não tem funcionado por séculos.” [página 20]

“Os números são essenciais, por vezes, mas a clareza do propósito e o comprometimento são
essenciais sempre.” [página 23]

“Ainda que símbolos possam realçar ou nascer de ações concretas, eles nunca devem tomar o
lugar delas.” [página 24]

“Quanto mais cedo respondermos a um conflito ativa e não-violentamente, menos teremos


que sofrer para resolvê-lo.” [página 27]
32

“Quanto mais estamos preparados para sofrer voluntariamente, menos teremos que sofrer
involuntariamente.” [página 27]

“Na não-violência nós não precisamos escolher entre a coisa certa e a coisa mais eficiente a
fazer.” [página 29]
33

Notas

1. [Nota do autor] Gandhi estava, essencialmente, traduzindo uma frase comumente


presente nos épicos e em outras obras de literatura indianos: ahimsa paramo dharma,
“não-violência é a lei suprema”, o princípio fundamental que sustenta o universo.
2. Christian Peacemakers Teams, Year in Review February, 2010.
3. YOUNG, Andrew. A Way Out of No Way. Nashville: Thomas Nelson, 1996.
4. [Nota do autor] Muitas destas evidências estão reunidas por Jeremy Rifkin em The
Empathic Civilization. New York: Penguin/Tarcher, 2009
5. [Nota do autor] Muitas destas evidências estão reunidas por Jeremy Rifkin em The
Empathic Civilization. New York: Penguin/Tarcher, 2009
6. KING Jr. Martin Luther. Stride toward freedom: the Montgomery story. New York:
Harper & Brothers, 1958.
7. [Nota do autor] Veja, por exemplo, o documentário de Gene Sharp Where There Is
Hatred (New York: Maryknoll World Productions, 1990) ou Waging Nonviolent
Struggle Boston: Porter Sargent, 2005
8. [Nota do autor] Leitores interessados podem encontrar muitas táticas na parte 2 do
trabalho clássico de Gene Sharp, The Politics of Nonviolent Action (Boston: Porter
Sargent, 1973), ainda que, de um ponto de vista principiológico, algumas de suas 198
táticas não se adequem perfeitamente, como as que envolvem envergonhar um
oponente. Para situações menos dramáticas que enfrentamos na vida, as técnicas da
Comunicação Não-Violenta apresentadas no livro de Marshall Rosenberg,
Comunicação Não-Violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e
profissionais (São Paulo: Ágora, 2006), são muito úteis.
9. GANDHI, M.K. Hind Swaraj or Indian Home Rule. Ahmedabad: Navajivan, 1938. p.70
10. GANDHI, M.K. Satyagraha in South Africa. Ahmedabad: Navajivan, 1928. p.433
11. LYND, Staughton; LYND, Alice. Nonviolence in America. New York: Orbis, 1995. p.399
12. PARLAMENTO das Religiões do Mundo, Declaração de Ética Mundial. Chicago, 1993.
p.5. Disponível em: https://www.weltethos.org/1-pdf/10-
stiftung/declaration/declaration_portuguese.pdf
13. BOSE, N.K. Selections from Gandhi. Ahmedabad: Navajivan, 1948. p.221
14. Hadice de Jábir ibn Abdullah
15. GANDHI, M. K. Collected Works of Mahatma Gandhi.
16. SUMMY, Ralph. Nonviolence and the case of the extremely ruthless opponent. Pacifica
Review 6, n.1, maio 1994, p.1-29
17. [Nota do autor)] Estas cinco práticas são a base de uma campanha estratégica
completa, baseada em princípios não-violentos, oferecida com o nome de Metta
Roadmap em mettacenter.org/roadmap
34

18. [Nota do Autor] Recomendamos a meditação sobre citações, conforme ensinada por
Sri Eknath Eswaran. Veja eswaran.org ou nosso e-book, Meditation for Peacemakers,
em mettacenter.org/research.education/publications
19. MALKIN, John, Engaged Budhism, Peace Begins with You. Shambala Sun, julho 2003.
20. GANDHI, M.K. Young India. 11 de maio de 1931
21. 21. NAYAR, Pyarelal; NAYAR, Sushila. In Gandhiji’s Mirror. Oxford: Oxford India Series,
2004. p.213.
22. O autor faz referência ao The Robber’s Cave Experiment, descrito em SHERIF, Muzafer.
In Common Predicament: social psychology of intergroup conflict and cooperation.
Boston: Houghton Mifflin , 1966. [Nota da tradutora] Pode-se encontrar referência em
português ao experimento em YALOM, Irvin; LESZCZ, Molyn. Psicoterapia de Grupo.
Porto Alegre: Artmed, 2006.p.73-74
23. 23. NAYAR, Pyarelal; NAYAR, Sushila. In Gandhiji’s Mirror. Oxford: Oxford India Series,
2004. p.268
24. DAJANI, Souad. Nonviolent Resistance in the Occupied Territories: a critical
reevaluation, In: ZUNES, Stephen et al. (ed). Nonviolent Social Movements: a
geographical perspective. Malden: Blackwell, 1999. p.53-54
25. [Nota da tradutora] Para informações sobre a situação da justiça restaurativa no Brasil,
sugere-se consultar a resolução 225 do Conselho Nacional de Justiça, que normatiza a
prática no país:
http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_225_31052016_
02062016161414.pdf
26. India News, 01out1994, p.11
27. [Nota do autor] Para uma discussão completa sobre o que chamo de “funcionar”
versus funcionar, veja o capítulo 4 do livro de Michael N. Nagler, The Search for a
Nonviolent Future, Novato: New World Library, 2004.
28. TOYNBEE, Arnold. India’s Contribution to World Unity. Azad Memorial Lectures, 1960.
29. Citado em KELLY, Petra K. Thinking Green! Essays on environmentalism, feminism and
nonviolence. Berkeley: University of California, 1994.
30. CHENOWETH, Erica; STEPHAN, Maria J. Why Civil Resistance Works: the strategic logic
of nonviolent conflict. New York: Columbia University Press, 2011).
31. STOLTZFUS, Nathan. Resistance of the Hearth. New York: W.W.Norton, 1996. [Nota do
autor] Eu não recomendo o filme baseado nesta história [As Mulheres de
Rosenstrasse], pois ele ignora a efetividade da não-violência em favor de uma
sexualidade ao estilo de Hollywood.
32. ZUNES, Stephen; KURTZ, Lester R.; ASHER, Sarah Beth (ed). Nonviolent Social
Movements, P. 151.
33. THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
p.18
34. GANDHI, M.K. Satyagraha in South Africa. Ahmedabad: Navajivan Publishing House,
1950.
35

35. ZUNES, Stephen. The Origins of People Power in the Philipines. In: ZUNES, Stephen et
al (ed). Nonviolent Social Movements. p.129-157.
36. BOULDING, Kenneth. The Three Faces of Power. Newbury Park: Sage, 1989.
37. GANDHI, M.K. Young India. 15set1920.
38. Veja nota 13.
39. ESQUIVEL, Adolfo Perez. Christ in a Poncho: testimonials of the nonviolent struggles in
Latin America. New York: Orbis, 1984. p.127
40. GANDHI, M.K. Harijan. 28jan1939.
41. DEATS, Richard. The Global Spread of Active Nonviolence. In: WINK, Walter. Peace is
the Way. Maryknoll: Orbis, 2000. [Nota do autor] E muito mais aconteceu a partir de
então!
36

Para Aprofundar o Aprendizado


Livros
Ackerman, Peter; DuVall, Jack. A Force More Powerful: a century of nonviolent conflicts. New
York: St. Martin’s Press, 2000.
Bartkowsky, Maciej. Recovering Nonviolent History: civil resistance in liberation struggles.
Boulder: Lynn Rienner, 2013.
Chenoweth, Erica; Stephan, Maria J. Why Civil Resistance Works: the strategic logic of
nonviolent conflict. New York: Columbia University Press, 2011.
Easwaran, Eknath. Gandhi the Man. Petaluma: Nilgiri Press, 1997.
_______________ Nonviolent Soldier of Islam: a man to match his mountains – Badshah Kahn.
Petaluma: Nilgiri Press, 1984.
Gandhi, M. K. All Men Are Brothers. Ahmedabad: Navajivan, 1960.
___________ An Autobiography: the story of my experiments with the truth. Boston: Beacon
Press, 1927.
___________ Hind Swaraj or Indian Home Rule. Ahmedabad: Navajivan, 1938.
___________ Satyagraha in South Africa. Ahmedabad: Navajivan, 1950.
___________ Vows and Observances. Berkeley: Berkeley Hills, 1999.
Gandhi, Rajmohan. Gandhi, His People, and the Empire. Berkeley: University of California, 2008
(essa é, provavelmente, a melhor biografia disponível)
King, Martin Luther, Jr. A Testamento f Hope: the essential writings and speeches of Martin
Luther King, Jr. São Francisco: Harper, 1991.
Lynd, Staughton; Lynd, Alice. Nonviolence in America: a documentary story. New York: Orbis,
1995.
Mahoney, L.; Eguren, L. Unarmed Bodyguards: international accompaniment for the protection
of human rights. West Hartford: Kumarian, 1997.
McManus, Philip; Schlabach, Gerald. Relentless Persistence: nonviolent action in Latin America.
Eugene: Wipf and Stock, 2004.
Nagler, Michael. The Search for a Nonviolent Future. Novato: New World Library, 2004.
Prabhu, R. K.; Rao, U. R. The Mind of Mahatma Gandhi. Ahmedabad: Navajivan, 1960
(considero essa a melhor coletânea disponível).
Roberts, Adam; Ash, Timoty Garton. Civil Resistance and Power Politics: the experience of
nonviolent action from Gandhi to the present. Oxford: Oxford University, 2009.
Sharp, Gene. The Politics of Nonviolent Action. Boston: Porter Sargent, 1973.
Stoltzfus, Nathan. Resistance of the Heart: intermarriage and the Rosenstrasse protest in nazi
Germany. New York: Norton, 1996.
Wink, Walter. Peace Is the Way: writings on nonviolence from the fellowship of reconciliation.
New York: Orbis, 2000.
37

Zunes, Stephen; Kurtz, Lester R.; Asher, Sarah Beth. Nonviolent Social Movements: a
geographical perspective. Malden: Blackwell Publishers, 1999.
Manuais de Treinamento e Organização
Galtung, Johan. Transcender e Transformar: uma introdução ao trabalho de conflitos. São
Paulo: Palas Athena, 2006.
Hunter, Daniel. Direct Action Manual. Createspace Independent Publishing Platform: 2012.
Moyer, Bill. The Movement Action Plan: a strategic framework describing the eight stages of
successful social movements. 1987. Disponível online em:
http://historyisaweapon.com/defcon1/moyermap.html
Moyer, Bill; McAllister, JoAnn; Finley, Mary Lou; Soifer, Steven. The MAP Model for Organizing
Social Movements. Gabriola Islands: New Society Publishers, 2001.
Táticas
Além da lista clássica de Gene Sharp, veja também o livro de Andrew Boyd e Richard Miller:
Beautiful Trouble: a toolbox for Revolution. New York: OR Books, 2012. Assim como no
trabalho de Sharp, a maioria das táticas, embora não todas elas, podem ser aplicadas com
intenções não-violentas.
Videos
Documentários sobre levantes não-violentos recentes
A Force More Powerful. York Zimmerman, 2000. Pesquisa em três partes sobre vários
movimentos-chave de resistência e insurreição. Filme e livro disponíveis no International
Center for Nonviolent Conflict.
Bringing Down a Dictator. York Zimmerman, 2001-2002. Sobre a deposição do presidente
Milosevic pelo levante estudantil Otpor em 2001, na Sérvia.
Pray the Devil Back to Hell. Passion River Films, 2009. História inspiradora sobre o bem-
sucedido levante feminino na Libéria, que deu o prêmio Nobel a Leemah Gbowee e outras.
E, finalmente [embora não seja, obviamente, um documentário] Gandhi. Columbia Pictures,
1982. Tocante e, em grande parte, muito acurado.
Na Internet
Além de empreendimentos privados como gandhiserve.org e gandhi-foundation.net, o
governo da Índia recentemente publicou online um site com a vasta coleção quase completa
de escritos de e sobre Gandhi, em gandhiheritageportal.org.
A fonte mais completa sobre campanhas não-violentas, atuais e passadas, é o Global
Nonviolent Action Database, nvdatabase.swarthmore.edu, hospedado nos servidores do
Swarthmore College, sob a direção do professor George Lakey.
Blogs e escritos regulares sobre não-violência estão disponíveis em waggingnoviolence.org,
popularresistance.org, fnvw.org (Friends for a Nonviolent World), gandhiking.ning.com (Martin
Luther King, Jr Research and Education Institute, Stanford) e mettacenter.org.
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Sobre o Autor

Michael Nagler é um dos acadêmicos e defensores da não-violência mais respeitados


mundialmente. É professor emérito de Literatura Clássica e Comparada na Universidade da
Califórnia, Berkeley, onde fundou o Programa de Estudos Sobre Paz e Conflito, hoje um dos
maiores de sua categoria na América do Norte. Também é fundador e presidente do Metta
Center for Nonviolence e autor de Our Spiritual Crisis e The Search for a Nonviolent Future, que
receberam o American Book Award de 2002 e foram traduzidos para várias línguas. Seus
escritos foram publicados no The Wall Street Journal e outros, e ele tem palestrado e escrito
sobre não-violência, meditação e a paz mundial nos últimos trinta anos. Faz parte do conselho
do Peace Workers e está entre os primeiros fundadores da Nonviolent Peaceforce, atualmente
um serviço global de manutenção da paz através da não-violência que atuou em Mindanao, no
Sri Lanka, no Sudão do Sul e em muitos outros locais perigosos para “proteger a vida e
promover os direitos humanos” como uma terceira parte imparcial comprometida com os
métodos não-violentos.

O principal trabalho de Michael hoje, contudo, é com o Metta Center for Nonviolence, que
cofundou em 1982. O Metta produz livros, filmes, publicações em blogs e outros materiais,
assim como desenvolveu e mantém o modelo Roadmap para uma estratégia não-violenta
integrada, conduzindo retiros e transmitindo o programa de rádio Peace Paradigm Radio
quinzenalmente a partir de Point Reyes, Califórnia.

Entre outros prêmios, Michael recebeu o Prêmio Internacional Jamnalal Bajaj pela Promoção
de Valores Gandhianos Fora da Índia, em 2007.

Ele é aluno de Sri Eknath Easwaran, fundador do Centro de Meditação Blue Mountain. Michael
mora no ashram do Centro, em Marin County, desde 1970 e conduz os programas sobre
meditação sobre citações.
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