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SINDROME DO SILÊNCIO E ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA SEXUAL

INFANTIL

Vanessa Salete Bicigo de Quadros1


70049@upf.br
Maria Fernanda Lago de Mello2
53205@upf.br

Resumo: O presente estudo intenciona refletir sobre a violência sexual praticada


contra a criança, visto que na maioria das vezes, as vítimas têm seus direitos
violados por quem tem o dever legal de protegê-las (violência intrafamiliar). Essa
triste realidade direciona essa pesquisa para a busca de compreensões acerca
da “síndrome do segredo” (FÜRNISS, 1993) e do trauma vivenciado pelas
vítimas (FERENCZI, 1933), onde existe a manutenção dos gritos de silêncio
implorando socorro, direitos e justiça.

Palavra-chave: Síndrome do Silêncio; Violência Intrafamiliar; Abuso Sexual.

Introdução
Diante da perversidade da violência intrafamiliar, pode-se afirmar que o
abuso sexual o mais desumano dos crimes, pois além do sofrimento provocado
pela violência à qual a criança foi submetida, a mesma ainda lida com
sentimentos ambíguos por ter sido violentada por alguém com quem mantinha
vínculos afetivos e de confiança.
Essa triste realidade direciona essa pesquisa para a busca de
compreensões acerca da “síndrome do segredo”. Para tanto, adotou-se a

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF).
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF).
metodologia de revisão bibliográfica, objetivando possibilidades compreensivas
aos seguintes questionamentos: como uma criança consegue aguentar e manter
tanto sofrimento em silêncio? Qual a motivação ou força maior que a fez calar
sua dor ou ocultar a verdade dos fatos? Os estudos realizados possibilitam a
compreensão dos traumas dessa desumana forma de violência, alertando para
a urgência das discussões de gênero e sexualidade na escola, emergindo na
necessidade de aprofundar o estudo sobre a importância da educação na
prevenção de crimes sexuais, no fortalecimento das denúncias, acolhimento das
vítimas e disseminação do conhecimento e informação sobre o tema.

Resultados e Discussão: A síndrome do segredo uma explicação para o


silêncio
A violência sexual se configura como um dos mais perversos e
desumanos crimes cometidos, utilizando-se da força física, moral e psicológica,
assim como da relação de poder, para forçar a vítima à submissão, infringindo a
proteção integral e os princípios da dignidade humana contra toda forma de
violência, crueldade ou opressão.
Por isso, torna-se importante compreender que a violência sexual é
silenciosa, e o pedido de ajuda também. Estes momentos silenciados tentam
camuflar a violência física, psíquica e a negligência associadas ao abuso sexual
infantil. Principalmente, quando praticada por um familiar ou por alguém muito
próximo à criança, e tratando-se na maioria das vezes de uma pessoa com quem
a vítima nutre um vínculo afetivo significativo.
Para Tilman Furniss (1993), a síndrome do segredo provém de vários
motivos, como:

A falta de evidências médicas e de elementos para comprovar o


abuso sexual infantil, a necessidade de acusação verbal por
parte da criança, a falta de credibilidade ao menor, as
consequências da revelação, ameaças físicas e psicológicas,
distorção da realidade, medo de punição pela ação que
participou a culpa da criança, a negação e a dissociação.
(FURNISS, 1993. p. 29).

A criança vitimada passa a viver em meio a uma trama violenta, onde o


segredo é mantido através de ameaças e medos emudecedores. Existe o medo
da fala e da escuta, entretanto, estes não são os únicos delimitantes nessa
questão. A ausência de credibilidade da criança, presente em muitos relatos,
mostra-se como um agravante a ser considerado, visto que “frequentemente
encontramos crianças que dizem ter tentado contar às suas mães, a outros
membros da família ou a pessoas de fora, apenas para não serem acreditadas,
serem chamadas de mentirosas e serem castigadas” (FURNISS, 1993, p.105).
Em uma explicação esclarecedora, Ferenczi (1933) descreve o
comportamento e os sentimentos da criança depois de ser violentada,
demonstrando ainda, que as condutas vivenciadas pelas crianças são contrárias
às reações de um adulto,

Seu primeiro movimento seria a recusa, o ódio, e nojo, uma


resistência violenta: ‘não, não, não quero, é forte demais, dói,
me deixa’. Isso ou algo parecido seria a reação imediata se não
fosse inibida por um medo intenso. As crianças sentem-se física
e moralmente indefesas, sua personalidade é muito fraca para
que protestem, mesmo em pensamento: a força e a autoridade
esmagadora dos adultos as emudecem, e podem até fazê-las
perder a consciência. Mas esse medo, quando atinge a ápice,
obriga-as a se submeterem automaticamente à vontade do
agressor, a adivinhar seu menor desejo, a obedecer
esquecendo-se completamente e a identificar-se totalmente com
o agressor (FERENCZI, 1933, p.102).

Essa teia invisível, aprisiona e ocasiona uma das piores consequências


da síndrome do segredo, que é a continuação da violência, muitas vezes valendo
da proposta freudiana, para compreender os sintomas desse acontecimento
traumático. Ao analisarmos os sintomas, é importante destacar que Freud (1896)
em seu texto “A hereditariedade e a etiologia das neuroses”, aponta que a origem
da histeria é marcada pela presença de um determinado agente, ressaltando
que,

Esse agente é, de fato, uma lembrança relacionada à vida


sexual, mas que apresenta duas características da máxima
importância. O evento do qual o sujeito reteve uma lembrança
inconsciente é uma experiência precoce de relações sexuais
com excitação real dos órgãos genitais, resultante do abuso
sexual cometido por outra pessoa; e o período da vida em que
ocorre esse evento fatal é a infância — até a idade de 8 ou 10
anos, antes que a criança tenha atingido a maturidade sexual.
Uma experiência sexual passiva antes da puberdade: eis
portanto a etiologia específica da histeria (FREUD, 1896/1994,
p.151).

Percebe-se que os traumas ocorridos na infância, têm efeitos adversos


sobre o corpo. Nesse sentido, pode-se dizer que o que acontece na infância, não
fica apenas na infância. Freud aponta que “qualquer que seja o caso e qualquer
que seja o sintoma que tomemos como ponto de partida, no fim chegamos
infalivelmente ao campo da experiência sexual” (Freud, 1896/1994, p.196).
De acordo com Furniss (1993), as questões relacionadas a violência
sexual são envoltas por questões complexas. Por envolver o sexo, configura-se
numa questão sexista e um campo de batalha para fortes opiniões. O autor ainda
aponta que “para os profissionais, que precisam lidar com as consequências, o
abuso sexual da criança é um pesadelo, um campo minado de complexidade e
confusão, pessoalmente e profissionalmente, uma ameaça aos papéis
profissionais tradicionais, um desafio às tradicionais estruturas de cooperação
[...] (FURNISS, 1993, p. 11).
Em meio a esse campo minado, destaca-se que as crianças vitimadas,
em sua maioria, estão devidamente matriculadas na Educação Básica. As
encontraremos nas escolas e, é justamente neste espaço que necessitamos
estar atentos aos gritos silenciosos de dor. Eles existem, clamam por ajuda e
mais do que nunca precisam ser vistos e ouvidos.

Considerações Finais
A urgência da temática reforça a atenção aos campos da prevenção,
denúncia, proteção, atendimento e acolhimento as vítimas, considerando que os
casos de abuso sexual contra a criança, no âmbito intrafamiliar, são cada vez
mais comuns. Situação que serve de alerta para uma dor desumana e camuflada
pelo silêncio, mantido pela síndrome do segredo, que quando não consegue ser
vencida (considerando o quanto essa revelação é difícil e sofrida) e que pode
originar traumas e distúrbios irreversíveis, bem como a continuidade dos atos
violentos.
Frente a esse processo de silenciamento, ocultamento ou negação,
percebe-se a importância da escola como espaço de fala, escuta e atenção.
Espaço que busca enfatizar a notoriedade da educação, no intuito de provocar
e repercutir muitas formulações e reformulações de ideias, assim como possíveis
soluções voltadas a uma educação preventiva, protetiva, humana, crítica e
reflexiva. Uma educação que protege suas crianças.

Referências

FERENCZI, S. Confusão de línguas entre os adultos e a criança. In FERENCZI,


S. Psicanálise IV, (A. Cabral, trad., São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original
publicado em 1933), 1992.

FREUD, S. A hereditariedade e a etiologia das neuroses. Edição standard


brasileira das obras completas de Sigmund Freud. J. Salomão, Trad. v.3. Rio de
Janeiro: Imago, 1994.

_______. A etiologia da histeria. Edição standard brasileira das obras


psicológicas completas de Sigmund Freud. vol. 3. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
FURNISS, T. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1993.

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