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Cristiano Nicolini**10
RESUMO
O ensino de História Regional vem adquirindo espaço nos currículos principalmente a partir do
surgimento da Nova História, que oportunizou a inclusão de novos objetos, novos problemas e
novas abordagens à pesquisa e ao ensino de História. Este campo da historiografia, no entanto,
chega às salas de aula de diferentes formas, nem sempre seguindo uma orientação teórica e
metodológica pertinente, tendo em vista que, na maioria das vezes, estes conteúdos são
desenvolvidos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, cujos profissionais não possuem
habilitação específica para o ensino de História. A partir desta realidade, propõe-se tecer
algumas considerações sobre a prática de ensino da História Regional na região do Vale do
Taquari (RS), utilizando-se da análise prévia de alguns manuais destinados ao ensino da
História dos Municípios, direcionados a alunos do 4º ano do Ensino Fundamental. Estes
portadores de narrativas contribuem, por sua vez, para o processo de patrimonialização das
memórias na região, considerando as representações que propõem acerca da História Regional. 31
INTRODUÇÃO
As salas de aula dos municípios do Vale do Taquari, região situada na porção central
do estado do Rio Grande do Sul (Brasil), são espaços privilegiados para a construção e a
afirmação da identidade regional. Os diferentes sistemas e redes de ensino propõem, desde o 4º
ano do Ensino Fundamental, o ensino da história do município no qual estão situados. Muitos
professores desconhecem a trajetória histórica das localidades em que atuam, bem como não
têm formação específica na disciplina, o que os leva a elaborar o seu planejamento e a sua
prática pedagógica a partir de manuais oferecidos pelas administrações municipais, estaduais
Estas concepções ficaram a tal ponto arraigadas, de tal maneira elas continuam sendo
reproduzidas pelos manuais didáticos, que se torna difícil mostrar aos estudantes que
são falácias, representações decorrentes de uma visão ideológica. (1992, p. 12).
Assim ocorre nos anos iniciais do Ensino Fundamental do Vale do Taquari, em cuja etapa
da aprendizagem os estudantes têm contato com as primeiras noções sobre a história regional.
Nestes estudos acerca da formação histórica do município onde vivem, juntamente com o
desenvolvimento de noções geográficas sobre a região, são disponibilizadas aos estudantes
possibilidades de construção acerca do passado. São nestes estudos que eles sistematizam as
primeiras noções sobre o espaço em que vivem, bem como sobre o sentido do passado e as suas
relações com o presente.
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Apesar de encontrarem-se no nível concreto do desenvolvimento cognitivo11, são
propostos conteúdos bastante subjetivos, os quais são pretensamente simplificados nos manuais
didáticos para que, a partir de atividades de cunho mais prático, os estudantes tenham a
possibilidade de “construir” conhecimento histórico e geográfico. Porém, cabe questionar e
analisar quais são as propostas destes manuais, ou seja, quais histórias são apresentadas aos
estudantes e de que forma eles recebem estas informações disponibilizadas.
Em seguida, narram-se os feitos dos primeiros povoadores da região, aos quais são
atribuídas as principais ações na delimitação do município. Todos destacam a predominância 33
da herança cultural dos imigrantes na atualidade, sugerindo que o trabalho destes sujeitos teria
dado o impulso mais significativo ao desenvolvimento do município. No manual destinado ao
ensino da história do município de Teutônia (KOCH; WINK, 2000), o texto sobre a colonização
inicia da seguinte forma:
O nosso município foi colonizado por imigrantes alemães. Você sabe o que são
imigrantes? Imigrantes são pessoas que deixam o lugar onde vivem, suas casas, suas
famílias, para morar em terras estranhas, novas. Muitas vezes os imigrantes saem de
seu país para conhecer novos lugares, novas terras. Outras vezes, procuram melhores
condições de vida, fugindo de guerras, epidemias (doenças), fome, falta de terras.
Essas pessoas eram chamadas de imigrantes alemães porque vieram de um País
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“De acordo com Piaget, o indivíduo (a criança) aprende construindo e reconstruindo o seu pensamento, através
da assimilação e acomodação das suas estruturas. Esta construção do pensamento, Piaget chamou de estágios:
estágio sensório -motor, estágio simbólico e estágio conceitual. Segundo Piaget, no estágio sensório-motor, que
vai do zero até os 2 anos de idade, é onde se inicia o desenvolvimento das coordenações motoras, a criança aprende
a diferenciar os objetos do próprio corpo e o pensamento das crianças está vinculado ao concreto. Já no estágio
simbólico, que é dos 2 até por volta dos 7 anos, o pensamento da criança está centrado nela mesma, é um
pensamento egocêntrico. E é nesta fase que se apresenta a linguagem, como socialização da criança, que se dá
através da fala, dos desenhos e das dramatizações. No estágio conceitual, que é dos 7 até por volta dos 11, a criança
continua bastante egocêntrica, ainda tem dificuldade de se colocar no lugar do outro. E a predominância do
pensamento está vinculado mais acomodações do que as assimilações”. (PORTAL EDUCAÇÃO. Disponível em:
http://www.portaleducacao.com.br. Acesso em: 9 jul.2016).
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chamado Alemanha. A maioria dos imigrantes que colonizou Teutônia veio de duas
regiões da Alemanha: do Hunzrück e da Westfália. (2000, p.9).
[...] respeitasse as características e a identidade locais [...], sendo que, para isso, [...] a
primeira parte trata da construção da identidade individual e coletiva do aluno. Aborda
aspectos relacionados à sua formação familiar, escolar e comunitária. A partir desta
contextualização, na segunda parte são abordados aspectos geográficos e históricos
do município. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA DE
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ARROIO DO MEIO, 2000, p. 9).
Nos textos de O lugar onde vivo, os alunos mencionam os espaços do cotidiano dos
colonizadores germânicos - serrarias, frigoríficos, alambiques e ferrarias -, bem como costumes,
festas, crenças, religiosidade, vida familiar e acontecimentos marcantes. São retratadas as 35
belezas naturais, o caráter “pacífico, ordeiro e trabalhador do povo westfaliense”, cujas
qualidades são, direta ou indiretamente, associadas ao passado e àqueles que teriam sido os
“pioneiros” na formação da comunidade. Quanto a estas narrativas, Wassermann (2001) destaca
que:
Uma das características das regiões de colonização alemã foi a tendência da população
a se unir em sociedades ou associações com fins econômicos, esportivos, recreativos,
culturais, beneficentes e de socorro mútuo. Predominaram numericamente aquelas
identificadas com atividades culturais e desportivas. (VOGT, 2003, p.61).
Evocando a imagem das escolas criadas para instruir as crianças filhas de imigrantes, no
passado, as atuais instituições permanecem sendo espaços de construção identitária. Apesar da
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língua alemã e italiana não serem mais predominantes nestas comunidades, especialmente nos
espaços escolares, a história que se narra permanece apresentando aos alunos uma germanidade
e uma italianidade imaginadas, a partir da realidade, conforme as necessidades e valores de
cada comunidade do Vale do Taquari.
Além do trabalho realizado nas salas de aula, este enquadramento da memória se utiliza
também de outros recursos, dentre os quais estão os monumentos da cidade, os espaços de
memória construídos para evidenciar momentos e sujeitos do passado colonial, bem como
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festividades, comemorações, placas e outras formas de edificação da memória. Os estudantes
que entram em contato com as narrativas dos manuais didáticos também convivem neste meio,
cujas informações e estímulos colaboram para a referida construção de uma memória coletiva.
Narrativas individuais, como as histórias da sua família, do bairro, da comunidade onde residem
dentro da municipalidade e da regionalidade, dialogam com as narrativas oficiais e
hegemônicas.
Neste sentido, como essa construção identitária incorpora as formas de trabalho diversas
e a presença de outros grupos étnicos na formação territorial do que hoje se denomina Vale do
Taquari? Onde encontrarão as memórias de antepassados negros, indígenas, poloneses,
portugueses e outros grupos? Onde enquadrarão as narrativas que não correspondem ao
imaginário oficial em que o cotidiano do colono-imigrante predomina sobre as demais formas
de organização social? Cabe aos pesquisadores ampliar estas referências para a produção de
materiais didáticos que ampliem e desconstruam as referidas representações. Aos professores é
necessário oferecer subsídios teóricos e metodológicos que viabilizem o questionamento frente
a estas narrativas tradicionais, provocando os estudantes a pensarem sobre as múltiplas relações
e culturas que deram origem à região.
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As análises feitas por E. P. Thompson e os historiadores britânicos reconceituaram o
materialismo dialético e ampliaram a “[...] compreensão da existência e da consciência social”.
(MÜLLER; MUNHOZ, 2010). Recuperou-se a pesquisa empírica e o compromisso com o
acontecido, bem como a participação do sujeito na história. Propôs-se a noção de experiência
dos sujeitos como mediadora entre a determinação das estruturas e as ações humanas.
(PETERSEN; LOVATO, 2013).
Esta perspectiva da história vista a partir das experiências dos sujeitos, sem contudo
ignorar a importância das estruturas, leva a uma compreensão da História Regional em que
diferentes grupos são considerados na elaboração das narrativas sobre o processo de formação
dos municípios. No Vale do Taquari, são múltiplas as formas de povoamento, bem como são
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plurais os grupos étnicos que compuseram este mosaico. No entanto, o processo de
patrimonialização da memória regional caminha para outra direção, ao considerar relevantes
determinadas histórias em contraposição a outras.
Nas narrativas presentes nos manuais sobre a história dos municípios do Vale do Taquari
a imagem do colono-imigrante é representada como o trabalhador, evidenciando a
identificação dos municípios do Vale como espaços construídos a partir do esforço coletivo.
Um autor utilizado como referência para a elaboração dos livros escolares afirma que “[...] a
vocação ao trabalho, à cultura e à religião são características que os descendentes dos pioneiros
continuam apresentando. Os povoados que se formaram, entre eles Teutônia e Corvo, refletem
esses predicados em seus cidadãos.” (GERHARDT, 2004, p. 17).
São enaltecidos os problemas enfrentados pelos colonizadores, o que tende a tornar ainda
mais intensa a valorização destes grupos, que teriam provado, através destas superações, a sua
excelência étnica. Mattei (2000) destaca esse aspecto na obra sobre a história do município de
Sério: “Os descendentes de italianos chegaram provavelmente na década de 1910. A
colonização se deu com muito sacrifício e trabalho, motivada pela vontade dos moradores, em
vencer e progredir.” A explicação destes sucessos a partir das qualidades dos imigrantes e seus
descendentes escondem as contradições que permearam o processo de colonização nestes
municípios. Conforme a historiografia mais ampla acerca deste período da história do Rio
Grande do Sul, fica evidente que nem todas as ações foram bem sucedidas, e que nem sempre
estes colonos tiveram diante de si apenas dificuldades. Cada localidade apresentava condições
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diferenciadas para a instalação das famílias, bem como havia variações conforme a época em
que estes alemães e italianos chegavam ao Vale do Taquari.
Estas e outras afirmações de escritores locais, cuja dedicação à escrita da história não
perpassa necessariamente a formação acadêmica, levou à reprodução de narrativas que hoje se
perpetuam nos manuais didáticos. O processo de patrimonialização da memória regional
fortaleceu a imagem do colono-trabalhador, inserindo-a na descrição das trajetórias de seus
municípios. No rol das atividades desenvolvidas pelos imigrantes, a agricultura ocupa lugar de
destaque nas narrativas, sucedida pelo comércio e pela indústria incipiente.
Dava alimento, trabalho, repouso e riqueza. De outra parte, um dos fortes do povo
alemão é o trabalho. Trabalho que por vezes faz esquecer defeitos não leves. Apreciam
pessoas trabalhadoras, não importa de que raça sejam. Sejam ‘tüchtig’ e o indivíduo
‘ipso facto’ tem meio passaporte na alma do teuto. (...) E a disposição contrária
também se acusa: detestam preguiçosos, seja de que raça forem. A indolência do
caboclo brasileiro, explicável por diversos motivos que a sociologia e outras ciências
poderiam precisar, nem ela teria boa acolhida entre os teuto-brasileiros de Arroio da
Seca. (HESSEL, 1998, p.28).
Mas, por que então denominá-los desta forma? Segundo os autores, a eles atribui-se o
pioneirismo devido ao fato de fazerem esta terra prosperar. Nesta concepção, subentende-se
que os imigrantes “venceram” as dificuldades do meio e usufruíram de forma produtiva dos
recursos naturais, enquanto os povos anteriores apenas teriam utilizado o meio para sobreviver
e extrair riquezas, mas não para fazer a terra progredir. Esta tese transformou-se em discurso
dominante através do tempo, permeando discursos, justificando a suposta superioridade étnica
e contribuindo para a exclusão daqueles que não se adequavam a este padrão humano.
As explicações míticas têm uma função social claramente definida. Elas organizam o
presente conforme as necessidades do grupo, sendo que os fatos relatados são indiscutíveis e
inalteráveis. Vão se fixando ao longo do tempo, passados de geração para geração, oralmente
ou através de registros como os livros de história dos municípios e os manuais escolares neles
baseados. Segundo Carbonell (2002):
CONCLUSÃO
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A escola representa um espaço de formação e elaboração de saberes a partir de vivências
e conhecimentos prévios dos estudantes, cuja consciência histórica se constitui desde o
nascimento. O contato com manuais da história dos municípios a partir do 4º ano do Ensino
Fundamental integra um conjunto de ações resultantes de interesses e disputas de poder na
sociedade. As estruturas influenciam as interações, cujos sujeitos contribuem ou problematizam
o processo de construção identitária em jogo. Por isso, cabe questionar qual é a função da
disciplina de História no currículo escolar, e mais especificamente da História Regional no
processo de formação dos estudantes: repetir e sustentar o discurso dominante ou promover a
compreensão dos múltiplos processos históricos, contemplando a diversidade étnico-cultural
que deu origem à região do Vale do Taquari?
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SITES UTILIZADOS:
PORTAL EDUCAÇÃO. Site desenvolvido pelo UOL Educação. A presenta informações sobre
cursos, educação e aperfeiçoamento. Disponível em: <www.portaleducacao.com.br.> Acesso
em: 9 jul.2016.