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Mais uma vez, o Judiciário buscou conciliar diversos pontos que circundam a
efetividade das prestações sanitárias. De um lado, buscou prestigiar as
políticas públicas – no caso, as listas oficiais de padronização dos
medicamentos junto ao SUS, sem se olvidar da garantia de acesso à Justiça e
da possibilidade de superação, no caso concreto, dos atos normativos do SUS,
entendimento que possui razoabilidade por prestigiar a prescrição do médico
que assiste o paciente e por considerar que referidos atos não têm o condão de
engessar o magistrado. O julgamento reconheceu, ainda, a hipossuficiência da
parte requerente para o custeio do medicamento como um dos requisitos para
o excepcional fornecimento, adotando um critério ético diante da escassez dos
recursos públicos destinados à tutela do direito à saúde;
Por fim, merece destaque o julgamento proferido no Recurso Extraordinário
nº 566.471 (BRASIL, 2020), em que se discutiu, à luz dos art. 2º; 5º; 6º; 196;
e 198, §§ 1º e 2º, da Constituição (BRASIL, 1988), a obrigatoriedade de o
Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave
desprovido de condições financeiras para custear o insumo. A decisão
desobrigou o Estado de fornecer medicamentos de alto custo, quando os
mesmos não estiverem previstos na relação do Programa de Dispensação de
Medicamentos em Caráter Excepcional, do SUS. E, no caso de medicamentos
não integrantes do sistema, a obrigatoriedade do fornecimento fica
condicionada à comprovação da extrema necessidade do fármaco e à
incapacidade financeira do paciente e de sua família para o custeio do mesmo.
A decisão ora analisada impõe, em decorrência do princípio da universalidade
da cobertura, que a condição de hipossuficiência seja definida a cada caso,
diante do valor de cada tratamento e das condições financeiras do paciente no
momento da demanda, consoante parâmetros sedimentados no capítulo
Hipossuficiência e direito à saúde: uma análise sobre os atuais critérios para
aferição da carência e a proposição de novos parâmetros desta obra. Exige,
ainda, que o tratamento pleiteado não se situe no núcleo duro do direito à
saúde, quando o deferimento do pedido se faz imperativo, a despeito de seu
custo. Como se discutiu, o critério para a definição deste núcleo é a
essencialidade da demanda, gizada pela sua imprescindibilidade para a vida
humana em condições mínimas de dignidade, e não seu preço.
CONCLUSÃO
Verificou-se que a judicialização da saúde como meio de efetivação do
direito vem se tornando realidade, o que impõe a racionalização e a
parametrização da postura do Judiciário, a ser obtida mediante processo
argumentativo que considere as possibilidades fáticas e jurídicas
configuradas no caso concreto;
Pode-se apontar que todas as prestações de saúde inerentes ao núcleo
essencial do direito devem, se não satisfeitas na via administrativa, devem
ser supridas em juízo, desde que comprovada a eficácia da demanda
pleiteada, a ausência de outra prestação eficaz e menos onerosa e a
incapacidade do cidadão de provê-la com seus próprios recursos. No
contexto pandêmico, evidenciou-se a necessidade da expansão do
financiamento do sistema público de saúde, de maneira a acobertar as
demandas de primeira necessidade de todos, de maneira que apenas nas
hipóteses de total inviabilidade da salvaguarda de todos se possa admitir
escolhas trágicas entre os demandantes, sempre mediante a adoção de
critérios éticos;
As prestações de saúde alheias ao núcleo essencial do direito devem ser
levadas à ponderação com outros direitos e cotejadas com as
possibilidades financeiras do ente público para serem providas em juízo.
No entanto, a racionalização não garante a efetividade do direito se não se
volta para os valores existentes em uma comunidade política e para a
concretização da justiça, alicerçada no respeito à dignidade humana, e nas
noções de essencialidade e de isonomia. Dessa forma, caso sejam
necessárias escolhas alocativas, elas devem priorizar os menos
favorecidos da sociedade, ou seja, os hipossuficientes financeiros.