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XIII CONGRESSO ABRACOR

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONSERVADORES-


RESTAURADORES DE BENS CULTURAIS

Preservação do Patrimônio Cultural: Ética e Responsabilidade Social

Porto Alegre – Rio Grande do Sul – Brasil | 13 a 17 de Abril de 2009


Promoção
Associação Brasileira de Conservadores – Restauradores de Bens Culturais

Realização
ACOR – Associação
ACOR-RS dos dos
– Associação Conservadores – Restauradores
Conservadores do Rio
– Restauradores doGrande do Suldo Sul
Rio Grande

Organização
Specialitá Eventos

ABRACOR
Caixa Postal 6557 - CEP.: 20030-970
Rio de Janeiro - RJ - 55 (21) 2262 25 91
www.abracor.com.br

DIRETORIA ABRACOR - BIÊNIO DE 2007-2008

Presidente
Solange Zúñiga
Vice-Presidente
Daniela Cristina Silva Camargo
Primeiro Secretário
Maria Julia Faissal Cardoso
Segundo Secretário
Solange Rocha
Primeiro Tesoureiro
Mariana Silva Santana
Segundo Tesoureiro
Mônica Paixão
Coordenador Técnico
Sandra Baruki
Coordenador para Assuntos Internacionais
Luiz Antonio Cruz Souza
Conselho Fiscal
Norma Cianflone Cassares
Franciza Toledo
Lourdes Rossetto
Conselho Administrativo
Ivan Coelho de Sá
Naida Maria Vieira Corrêa
José Carlos Andreoli
Conselho Administrativo
José Dirson Argolo
Jayme Spinelli
Suplentes do Conselho Fiscal
Márcia Regina Pereira Lessa
Suely Deschermayer
Lygia Guimarães
Colaboradores Internacionais
Katriina Simila
M.Silvio Goren

EXPEDIENTE

Coordenação Editorial: Diferencial Comunicação e Marketing


Projeto Gráfico: Rogério Nolasco Souza
Capa: Specialità Eventos
Diagramação: Marco Antônio Leite
Revisão: Dirlene Possani
Apresentação
No momento em que se debate o reconhecimento da profissão de conservadores e
restauradores de bens culturais, sua formação profissional e seu papel no vasto espectro
de áreas onde atua, será certamente bem-vinda a publicação das comunicações apresenta-
das no XIII Congresso ABRACOR, que vem registrar o estado da arte da preservação de
bens culturais sob o ponto de vista das inovações tecnológicas e científicas, próprias do
fazer e pensar preservacionistas, e salientar o nível de maturidade alcançado nesses 27
anos de existência da Associação.

Esse evento, ora realizado em Porto Alegre em parceria com a Associação de Conserva-
dores e Restauradores de Bens Culturais do Rio Grande do Sul (ACOR-RS), representa o
mais importante encontro de pesquisadores, profissionais e estudantes das áreas do
Patrimônio Cultural atuantes no Brasil e na América Latina. Realizá-lo no Rio Grande do
Sul – cenário mundial de discussões sociais – reforça o pioneirismo desse estado na
realização de projetos que abrangem componentes culturais e sociais do desenvolvimento
sustentável, além de possibilitar um estreitamento de laços com os demais profissionais
atuantes nos países integrantes do MERCOSUL.

As comunicações aqui apresentadas refletem o tema eleito como objeto central deste
congresso – ética e responsabilidade social na preservação do patrimônio cultural - pos-
sibilitando a reflexão sobre os parâmetros de atuação do conservador e restaurador na
preservação do patrimônio histórico e artístico e convidando ao debate sobre a necessida-
de do conhecimento multidisciplinar para a preservação dos bens culturais. Refletem,
ainda, os demais objetivos do congresso, quais sejam possibilitar a discussão e dissemi-
nação de pesquisas e estudos de caso nas áreas relacionadas à ciência da conservação,
apontar para a necessidade de adequação da profissão de conservador-restaurador – cujo
projeto de reconhecimento tramita no Congresso Nacional - às normas de biossegurança
e segurança do trabalho e propiciar o debate de políticas direcionadas à conservação do
patrimônio cultural brasileiro, com ênfase naquelas voltadas à segurança contra o tráfico
ilícito de bens culturais.

Por fim, deixa-se registrado um imenso agradecimento à ACOR-RS, às Comissões –


local e nacional – responsáveis pela organização deste evento, à Comissão Científica, à
Comissão Cultural e Social, à Comissão de Viabilização e de Divulgação, aos patrocina-
dores e instituições parceiras, por terem possibilitado, com seu apoio e dedicação, a
realização deste XIII Congresso.

Solange Zúniga
Presidente da ABRACOR
COMISSÃO ORGANIZADORA

Comissão Organizadora Nacional


Profª. Drª. Solange Zuñiga - Coordenação Geral
Profª. Msc. Adriana Cox Hollós - CONARQ
Daniela Camargo - Museo - Museologia e Museografia
Elise Goulart - Arquivo Nacional
Prof. Dr. Luiz Antonio Cruz Souza - UFMG
Lygia Guimarães - IPHAN
Maria Julia Faissal Cardoso - CCPF/FUNARTE
Mariana Silva Santana - Museo - Museologia e Museografia
Mônica Paixão - Tempo Glauber
Esp. Naida Maria Vieira Corrêa - MARGS
Profª. Msc. Sandra Baruki - CCPF/FUNARTE
Solange Rocha - MAST

Comissão Organizadora Local


Esp. Naida Maria Vieira Corrêa - MARGS/ACOR-RS - Coordenação Geral
Msc. Andréa Lacerda Bachettini - UFPEL/ACOR-RS
Esp. Keli Cristina Scolari - Autônoma/ACOR-RS
Drª. Lucimar Inês Predebon - Autônoma/ACOR-RS
Prof. Dr. Luiz Fernando Rhoden, arquiteto - IPHAN/ACOR-RS
Esp. Lorete Mattos - UFRGS/ACOR-RS
Dr. Markus Wilimzig - Autônomo/ACOR-RS
Msc. Roberto Luiz Sawitzki - IPHAE/ACOR-RS

Comissão Científica
Prof. Dr. Sérgio Conde de Albite Silva - UNIRIO/RJ - Coordenação
Profª. Msc. Adriana Cox Hollós - CONARQ
Profª. Drª. Franciza Toledo - Consultoria em Tecnologia de Conservação Ltda.
Prof. Dr. Luiz Fernando Rhoden, arquiteto - IPHAN/RS
Prof. Dr. Marcus Granato - MAST/RJ
Profª. Drª. Maria Regina Emery Quites - UFMG/MG
Dr. Markus Wilimzig - ACOR/RS
Prof. Dr. Plínio Santos Filho - AERPA
Profª. Msc. Silvana Bojanovski - Biblioteca Nacional/RJ
Profª. Drª. Yacy-Ara Froner Gonçalves - UFMG/MG

Comissão Cultural e Social


Arq. Marina Vieira Corrêa/RS
Comissão de Viabilização
Msc. Andréa Lacerda Bachettini/RS
Drª. Lucimar Inês Predebon/RS
Esp. Naida Maria Vieira Corrêa/RS
Comissão de Divulgação
Flávio Gil/RS
Mensagem
A Associação de Conservadores e Restauradores do Rio Grande do Sul – ACOR-RS
realiza o XIII Congresso ABRACOR juntamente com a Associação Brasileira de Conserva-
dores e Restauradores de Bens Culturais – ABRACOR, no Salão de Atos da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, na cidade de Porto Alegre – RS, nos dias 13 a 17
de abril de 2009.
A temática “Preservação do Patrimônio: Ética e Responsabilidade Social” vem sendo
amplamente debatida, porém nunca esgotada. Os objetivos deste evento bem definem o
momento peculiar e decisivo no fazer do conservador-restaurador em que uma série de
questões se abrem à discussão. Ao debater-se a ética e responsabilidade social na preser-
vação do patrimônio cultural busca-se enfatizar as ações que privilegiem o desenvolvi-
mento sustentável do meio ambiente por meio da articulação da preservação do patrimônio
cultural com seus diversos atores: o poder público, os profissionais da área e a comunida-
de. Pretendemos apresentar um panorama geral do estado da arte da conservação e restau-
ração de bens culturais no Brasil e no exterior ao divulgar e discutir pesquisas e estudos de
caso nas áreas relacionadas à ciência da conservação e restauração, enfatizando a necessi-
dade de sua adequação às normas de biossegurança e segurança do trabalho.
Ao aprofundar as discussões sobre a regulamentação da profissão de conservador-restau-
rador associamos o debate sobre a formação profissional a fim de propiciar um diálogo
com outros profissionais como arqueólogos, arquitetos, engenheiros, arquivistas,
museólogos e curadores, entre outros, para que se reconheçam os diferentes perfis profis-
sionais atuantes na área favorecendo o diálogo inter/multidisciplinar. É com este espírito
que debateremos as políticas direcionadas à conservação do patrimônio cultural brasilei-
ro enfatizando aquelas voltadas à segurança contra o tráfico ilícito de obras.
Receber o XIII Congresso ABRACOR em Porto Alegre nos possibilita estimular o desen-
volvimento da área no Sul do País e proporcionar o intercâmbio com países do MERCOSUL
e o fortalecimento do ensino e pesquisa na área favorecendo a atuação do profissional
conservador-restaurador.
A ACOR-RS enfrentou muitos obstáculos para a realização deste evento, foi com muita
garra e determinação que conseguimos superá-los graças a parcerias e reconhecimento do
nosso trabalho. Este desafio nos tornou mais confiantes e com absoluta certeza da nossa
identidade. Neste momento em que a discussão sobre o reconhecimento da nossa profis-
são se faz latente, o congresso será um palco oportuno e esperamos que decisivo para o
entendimento, o consenso e a harmonia nas decisões.
BEM-VINDOS AO XIII CONGRESSO ABRACOR – BONS TRABALHOS!

Porto Alegre, abril de 2009

Naida Maria Vieira Corrêa


Presidente da Comissão Organizadora - ACOR-RS
Sumário
COMUNICAÇÕES

Arquitetura e Bens Integrados


• Restauração das pinturas murais do hall de acesso do “Palacinho” Gabinete da Vice-Governadora do
Estado do Rio Grande do Sul. Andréa Lacerda Bachettini, Naida Maria Vieira Corrêa. 13
• Proposta cromática para a restauração da talha da Igreja Nossa Senhora do Carmo - antiga Sé. Claudia Regina Nunes. 17
• Contribuição para identificação dos principais agentes e mecanismos de degradação em edificações da Vila Belga.
Denise de Souza Saad, Francisco Queruz. 23
• Condicionantes que interferem nas prospecções cromáticas: Palácio Itaboraí em Petrópolis (Rio de Janeiro).
Bettina Collaro G. de Lourenço, Inês El-Jaick Andrade. 29
• A preservação e a conservação das igrejas setecentistas de origem portuguesa no Rio Grande do Sul.
Luiz Fernando Rhoden. 35
• Diagnóstico do estado de conservação de retábulos com estrutura em madeira. Ângela do Valle,
Maria Anilta Nunes, Sérgio Castelo Branco Nappi. 41
• Da autenticidade nas cartas patrimoniais ao reconhecimento das suas dimensões na cidade. Flaviana Lira, Rosane
Piccolo Loretto, Sílvio Mendes Zancheti. 47
• Elementos artísticos sob séculos de história – velar ou revelar? Ana Cláudia Vasconcellos Magalhães, Mario Francisco
Swenson. 55
• Restauro da tela retrátil do altar mor da antiga Igreja da Sé do Rio de Janeiro. Antonio Visco Bruno, Juba Mello,
Márcia Braga. 59
• Autenticidade e arquitetura: as repinturas antigas e as restaurações recentes da casa nº 1 da rua Roberto Simonsen,
São Paulo. Regina A.Tirello. 65
• O uso da madeira em edificações no período colonial paranaense. Silmara Dias Feiber. 71
• Estudo cromático da antiga sede da faculdade de medicina da UFRGS. Daniele Baltz da Fonseca, Natália Naoumova. 77
• Restauro, revitalização e intervenção arquitetônica – UFRGS. Edison Alice. 83
• Proteção de pinturas murais em edificações históricas: o caso da estação Guanabara (Campinas, SP). Eliana Ribeiro
Ambrósio, Marcos Tognon. 89
• Metodologia aara a Reconstituição Histórica das Intervenções da Catedral Metropolitana de Florianópolis. 95
• Grande Hotel de Belém – PA: preservação e memória.
Dulcilia Maneschy Corrêa Acatauassú Nunes, Larissa Corrêa Acatauassú Nunes Santos. 101
• Restauração e reabilitação do conjunto histórico do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Renata Galbinski Horowitz. 107
• Identificando bens patrimoniais em cidades do Baixo São Francisco, metodologia e caracterização.
Ana Rita Sá Carneiro, Rosane Piccolo, Silvio Mendes Zancheti, Virginia Pontual. 113
• Os limites do restauro: impasses projetuais.
Franciza Toledo, Jorge Eduardo Tinoco, Marina Russel, Rosane Piccolo, Silvio Zancheti. 119
• Divulgação e interpretação do patrimônio: o pátio de São Pedro no Recife.
Magna Milfont, Mônica Harchambois, Renata Cabral, Rosane Piccolo, Virginia Pontual. 125
• Conservação Preventiva das Coberturas do Museu - Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. Jorge Garro Astorga. 131

Artes Visuais
• Conservação do suporte lycra na obra de Alex Flemming. Andréa Lacerda Bachettini, Naida Maria Vieira Corrêa. 139
• Restauração das obras de Iberê Camargo para exposição Pintura Pura.
Andréa Lacerda, Bachettini, Naida Maria Vieira Corrêa. 143
• Protocolos de estudio de colecciones de nuevas tecnologias: arte eletrónico, vídeo instalaciones y art
net en el departamento de conservación-restauración del MNCARS. Arianne Vanrell Vellosillo. 147
• Descobrindo o passado (a remoção da camada de verniz oxidado de uma aquarela de 1859).
Juçara Quinteros de Farias, Mar Gomes Lobão. 153
• A conservação e restauração de acervos em suporte de papel no Brasil: uma abordagem à luz da história cultural.
Aloisio Arnaldo Nunes de Castro. 159
• Considerações acerca da possibilidade de conservação de arte contemporânea. Humberto Farias de Carvalho. 167
• Arte Sacra Catarinense: a “Fuga para o Egito” e sua Identificação Anatômica.
Márcia Regina Escorteganha Lener, João de Deus Medeiros e Ângela do Valle. 173
• Conservação-restauração de imagens de vestir: conceitos, critérios, estado de conservação e causas de deterioração.
Maria Regina Emery Quites. 179

Bibliotecas e Arquivos
• MCSHJC e AHRS: Relato de experiências nas áreas de conservação e restauração de documentos
manuscritos e impressos. Evangelia Aravanis, Silvia M. J. Breitsameter. 187
• Desinfestação do acervo da Biblioteca Barbosa Rodrigues, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Ingrid Beck. 193
• A adoção da encadernação flexível em pergaminho em obras raras restauradas na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Tatiana Ribeiro Christo. 199
• Estruturas de encadernações “brasileiras” do século XIX na Coleção Rui Barbosa: um estudo para a preservação
de acervos raros. Edmar Moraes Gonçalves, Luiz Antonio Cruz Souza, Yacy Ara Froner. 201
• Restauração de livros do século XVII da Faculdade de Direito da USP: critérios.
Hélade da Rocha Corrêa, Patrícia de Almeida Giordano. 207

Ciência da Conservação
• Investigações sobre argamassas mistas de revestimento cromáticas em fachadas históricas.
Bettina Collaro G. de Lourenço. 213
• Colorimetria em obra de arte. Renata Casatti, Elvo Calixto Burini. 219
• Desacidificação de documentos impressos em papéis de pasta mecânica parte II: propriedades físico mecânica.
Alessandro Wagner Alves Silva, Alice Jesús Nunes, Antonio Gonçalves da Silva, Maria Luiza Otero D’Almeida. 223
• Estudo comparativo de desempenho de tintas a base de cal e silicato. Marília de Lavra Pinto. 229
• Metodologia para a identificação e autenticação do patrimônio cultural: o caso do Istmo de Recife e Olinda - PE.
Flaviana Lira, Magna Milfont, Mônica Harchambois, Renata Cabral, Rosane Piccolo Loretto, Silvio Mendes Zancheti,
Virginia Pontual. 235
• Reconhecer o risco - estratégia utilizada no arquivo fotográfico da rádio nacional.
Gabriela de Lima Gomes, Luiz Antonio Cruz Souza. 243
• Análises de problemas pós-restauração. Markus Wilimzig. 249
• O estudo da adição da mucilagem de cactos às argamassas históricas no município de Piratini/Rio Grande do Sul,
Brasil. Roberto Luiz Sawitzki. 253

Conservação Preventiva
• Identificação, documentação, armazenamento e gestão do acervo na reserva técnica do Museu de Arte Sacra da UFBA.
Griselda Pinheiro Klüppel, Maria Hermínia Oliveira Fernandez, Ana Vitória Mello de Souza Gomes. 261
• Tratamento climático da sala da reserva técnica e definições ambientais para o acervo armazenado do Museu de Arte
Sacra da UFBA. Griselda Pinheiro Klüppel, Ana Vitória Mello de Souza Gomes. 269
• Conservação e restauração do acervo armazenado na reserva técnica do Museu de Arte Sacra da Universidade Federal
da Bahia. João Carlos Silveira Dannemann, Griselda Pinheiro Klüppel, Ana Vitória Mello de Souza Gomes. 277
• Sistema de controle climático para a Biblioteca Rui Barbosa: preservação da coleção e melhoria das condições de
conforto dos visitantes. Claudia S. Rodrigues de Carvalho, Franciza Toledo, Shin Maekawa, Vincent L. Beltran. 281
• Embalagens de obras de arte – arte em trânsito. Karen Cristine Barbosa. 287

Educação Patrimonial
• Por uma articulação entre teoria e prática no triângulo mineiro: o caso de Uberaba (MG).
Adriana Capretz Borges da Silva Manhas, Adriano Luis de Souza, Max Paulo Giacheto Manhas. 293
• Educação patrimonial ou uma questão de cidadania? Laura di Blasi. 299

Ética e Responsabilidade Social


• Ética da conservação e o patrimônio aeronáutico - os processos de restauração e conservação de aeronaves
no Museu Aeroespacial. Felipe Koeller Rodrigues Vieira, Marcus Granato. 305
• Arte na obra: uma experiência de responsabilidade social em obra de restauro.
Filomena da Mata Viana Longo, Myrian Leal Maia. 311
• Nova arquitetura e preexistências: a contribuição contemporânea ao patrimônio da cidade.
Maria de Betânia Uchoa Cavalcanti-Brendle, Natália Miranda Vieira. 317
• Os órgãos estaduais de preservação e a constituição das identidades regionais através dos tombamentos.
Nivaldo Vieira de Andrade Júnior. 325
• Marouflages do paço municipal de Curitiba: uma reflexão sobre a re-restauração no contexto da teoria contemporânea
da conservação. Angela Zampier, Renata Domit. 335
• A documentação de conservação e restauro: ética e responsabilidade profissional. Valéria de Mendonça. 339
• Memória e direitos autorais na dança: a notação do movimento na preservação da informação coreográfica.
Ana Lígia Trindade. 341
• Utilização de matéria prima reciclável empregada na confecção de moldes no restauro de prédios tombados pelo
patrimônio histórico. Marcelo Cerceau. 347
• E a memória urbana? Alguns aspectos do processo de proteção do bairro carioca do Leblon.
Cláudio Antonio Santos Lima Carlos. 351
• Rodoviária de Porto Alegre e seu entorno como patrimônio.
Carmen L. da Silveira Nunes, Marilei E. Piana, Giordani Roberto Bechstedt e Rossanna Prado. 359

Reconhecimento e Formação Profissional


• La formación del arquitecto restaurador de monumentos - Ethos, Deontología Profesional, Ética Política y Responsabilidad
Social. Juan Eduardo de Orellana Rojas, Rossana Eli Miranda North, Ana María Lebrún Aspílliaga. 365

Segurança e Política Institucionais


• A segurança contra incêndio como uma abordagem de conservação do patrimônio histórico edificado.
Fabíola Bristot Serpa Gouveia, João Carlos Souza. 375
• Prevenção contra incêndios em edifícios históricos: a importância do projeto.
Fabíola Bristot Serpa Gouveia, João Carlos Souza. 381
• Tratamentos químicos aplicados à biodeterioração de acervos documentais na cidade do Rio de Janeiro.
Thais Helena de Almeida, Silvana Bajanoski. 387
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Arquitetura e
Bens Integrados

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BACHETTINI, Andréa Lacerda.
Mestre em História. Especialista em Conservação e Restauração de Bens
Culturais Móveis. Especialista em Patrimônio Cultural - Conservação de Artefatos.
Bacharel em Pintura e Gravura. Cons. e Rest. de Bens Culturais Móveis da
Restauratus.

CORRÊA, Naida Maria Vieira.


Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis.
Licenciada em Desenho e Plástica. Cons. e Rest. do Museu de Arte do Rio
Grande do Sul. Vice-Presidente da ACOR-RS. Conservadora e Restauradora
de Bens Culturais Móveis da Restauratus

RESTAURAÇÃO DAS PINTURAS MURAIS DO


1
Imigrante italiano e
empresário gaúcho.
2
Nascido em julho de

HALL DE ACESSO DO “PALACINHO”


1886 em Castelfranco,
Emília, Itália; Formado
em Engenharia nas

GABINETE DA VICE-GOVERNADORIA DO
Universidades de Parma
e Bologna, veio para o
Brasil em 1910; Lecionou

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


Concreto Armado na
Escola de Engenharia da
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
(UFRGS); Foi o primeiro
Engenheiro a usar
Este trabalho refere-se ao projeto de restauração do “Palacinho” Gabinete da Vice- Tecnologia de Concreto
Armado em Porto Alegre.
Governadoria do Rio Grande do Sul que teve como objetivo geral a restauração das pintu- Entre suas obras
ras murais e os ornamentos decorativos do hall de acesso do Palacinho a fim de recuperar destacam-se: Concha
e preservar o patrimônio histórico, artístico e social deste importante prédio pertencente Acústica do Auditório
Araújo Viana (demolida
ao acervo estadual. em 1926); Livraria do
Globo (Rua dos
Andradas); Cemitério
This paper regards the restoration of “Palacinho”, home of Rio Grande do Sul vice- São Miguel e Almas.
governorship, aimed to restore and preserve the artistic and historical value of this important Faleceu em 15 de março
de 1946 em Porto Alegre.
state building. Here we present the restoration of mural paintings and ornaments located 3
Parecer Técnico nº 16/
in the building hall. 96 referente ao processo
nº 1181 – 1100/95-8 de
tombamento assinado pela
Palavras-chave: Arq. Marilia de Lavra
Conservação, Restauração, Pintura Mural, Palacinho, Vice-Governadoria do RGS Pinto – CREA 34 789

Introdução cada sobre parede ou teto, mesmo que o su-


Este trabalho refere-se à recuperação das porte seja em madeira, metal, argamassa ou
pinturas murais do forro e paredes do hall de tela.
acesso do “Palacinho” Gabinete da Vice- A pintura mural do forro é simétrica, ao cen-
Governadoria do RS. tro elemento decorativo em relevo que divide
O “Palacinho” está localizado à Rua Cristó- o forro em duas partes, onde se destacam pin-
vão Colombo, Nº. 300, em Porto Alegre. turas de guirlandas e pássaros entrelaçados.
Construído para servir de residência do Se- O contorno do forro se dá por uma moldura
nhor Santo Meneguetti1 em 1924, que solici- em gesso dourado e policromado.
tou o projeto e a construção ao arquiteto Ar- Já as paredes laterais do hall de acesso do
mando Boni2, com o objetivo de hospedar em Palacinho apresentam 3 painéis policromados
sua residência o empresário Galeazzo Ciano de cada lado, com moldura em relevo e passe-
(na época Ministro de Relações Exteriores do partout dourados e policromados. A pintura
Governo Benito Mussolini). Em 1926 passou dos painéis é na técnica de estêncil imitando
pela primeira intervenção quando foi um tecido adamascado, característica das pin-
construído o segundo pavimento. turas encontradas em demais construções do
Em 1954 o prédio foi desapropriado pelo Eng. Armando Boni. Os painéis estão dispos-
Decreto 4.833, de 20 de janeiro, para ser sede tos um em frente ao outro, com as seguintes
do Conselho do Serviço Público do Estado e medidas: os 4 painéis das extremidades 250 x
posteriormente, em 1969, passa a ser sede da 186 cm e os 2 painéis centrais 250 x 330cm.
Secretaria de Planejamento. Somente em 1971 Os elementos decorativos das paredes for-
ele passa a ser Gabinete e residência oficial mam um barrado acima das paredes laterais
dos Vice-Governadores. Hoje está sendo utili- de mármore, estão localizados uns em frente
zado somente como estrutura de gabinete e aos outros. Cada barrado é composto por 10
não mais como moradia. quadrados em gesso policromado que medem
O Palacinho foi tombado pelo Instituto do 54 X 53,5 X 3,5 cm.
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado
(IPHAE), como edificação de interesse de pre- Objetivos
servação, em 19963. Projeto de restauração teve como objetivo geral
A edificação conta em seu interior com ori- a restauração das pinturas murais e ornamentos
ginais pinturas murais e ornamentos decorativos do hall de acesso do Palacinho.
arquitetônicos policromados de requinte e alta Objetivos específicos foram: levantamento,
qualidade técnica. registro gráfico e laudos de avaliação do esta-
O conceito de Pintura Mural, adotado para do de conservação das pinturas e elementos
este trabalho é: toda pintura realizada ou apli- decorativos; avaliação dos locais onde estão 13
Anais | Congresso Abracor 2009
riais constitutivos e identificação de
aglutinantes e pigmentos utilizados em duas
diferentes áreas adornadas com pintura mural
e também a caracterização da sequência
estratigráfica em regiões específicas das obras.
As técnicas analíticas utilizadas foram a
Espectrometria no Infravermelho por transfor-
mada de Fourier (FTIR) – identificação de pig-
mentos, cargas e aglutinantes – e a
Microscopia de Luz Polarizada (PML) para
identificação de pigmentos. Também foram
realizados Testes Microquímicos (identificação
Figura 01 – “Palacinho” Vice-Governadoria do Estado do RS. de pigmentos e aglutinantes) e Cortes
Estratigráficos para verificar a sequência de
situadas as pinturas e suas condições climáti- camadas das amostras.
cas e de iluminação; realização do registro fo- Foram coletadas duas microamostras em
tográfico das pinturas antes, durante e após a pontos distintos das pinturas murais do
restauração; laudos técnicos das pinturas an- Palacinho. A primeira microamostra foi cole-
tes, durante e após a restauração; exames dos tada no forro do da entrada principal (amostra
materiais e técnicas constitutivas das pinturas azul). A segunda foi coletada em uma das pin-
murais; análise dos materiais constitutivos das turas dos painéis retangulares que adornam a
pinturas murais; registro em fichas lateral direita do hall de entrada do Palacinho
catalográficas todo o processo de restauração; (amostra vermelha).
pesquisa o histórico das pinturas; elaboração Resultados dos exames: na amostra azul ob-
do relatório final do processo de restauração. servou-se a presença de três camadas: 1-Arga-
massa; 2- Branca; 3 - Azul. O uso de Cal foi
Metodologia comprovado pela presença de óxido de cálcio
A metodologia deste projeto de restaura- na 2a camada e carbonato de cálcio nas cama-
ção consistiu no levantamento cadastral e le- das 2 e 3. As análises por Espectroscopia na
vantamento fotográfico; levantamento bibli- região do Infravermelho também indicaram a
ográfico; estudo das técnicas de execução; presença de material protéico como aglutinante
diagnóstico do estado de conservação das nas camadas 2 e 3. A presença de material
pinturas murais e ornamentos em relevo; exa- protéico foi confirmada por teste microquímico
mes técnicos-científicos; elaboração de pro- indicando o uso de têmpera como técnica. Na
posta de intervenção; tratamento de restau- camada 3 foram encontrados os pigmentos
ro; cadastramento das informações, elabora- Azul da Prússia e Terra Verde.
ção de relatório. A amostra vermelha apresentou quatro ca-
madas: 1- Argamassa; 2- Branca; 3- Branca; 4
Estado de Conservação Vermelha. Os pigmentos identificados: o uso
O estado de conservação das pinturas mu- da Cal foi comprovado pela presença de óxi-
rais do forro, painéis das paredes e ornamen- do de cálcio (camadas 2 e 3), carbonato de
tos decorativos do hall de acesso era delica- cálcio (camadas 2, 3 e 4), Hematita e Gipsita
do, apresentavam-se muito danificadas, neces- (camada 4) na amostra. Observou-se, por
sitando com urgência intervenção de restauro Espectroscopia na Região do Infravermelho
sob pena de desaparecerem. A camada pictó- possível presença de material protéico nas
rica estava em degradação devido à incidên- camadas 2, 3 e 4. A presença de material
cia de luz, apresentava manchas devido ao protéico como aglutinante foi confirmada por
depósito de umidade do ar e ainda pela ação teste microquímico indicando que a técnica
humana por falta de critérios em intervenções de pintura foi a têmpera.
anteriores. As pinturas estavam com sujida-
des generalizadas e com craquelês. A camada
pictórica pulverulenta e em desprendimento,
alterações cromáticas, grande quantidade de
manchas generalizadas esbranquiçadas e
amarelecidas, proliferação de fungos e bacté-
rias, salinidade, esfarelamento das molduras
em gesso com camadas espessas de repinturas
e perda de policromia.
Os barrados decorativos das paredes late-
rais do hall de acesso encontravam-se enco-
bertos por camadas grossas de repinturas que
recobriam detalhes dos elementos, necessitan-
do com urgência intervenção de restauro para
valorizar os relevos que estavam escondidos.
A camada pictórica em geral apresentava suji-
dades em toda sua superfície e perdas da
policromia.

Exames
A Me. Patrícia Schossler foi contratado pelo
projeto para realização de exames científicos
que foram realizados juntamente com as au-
toras. Foram coletadas microamostras de pon-
14 tos específicos da obra para análise dos mate- Figura 02 – Hall de entrada Antes da Restauração.
Anais | Congresso Abracor 2009
Tratamento Executado Sua restauração se fez necessária devido à 4
É um Álcool
Polivinílico. A fórmula
Primeiramente foram realizados testes de fragilidade em que as pinturas murais e os or- utilizada foi Mowiol, Água
solubilidade para escolha do solvente mais namentos se encontravam. Foi um trabalho Deionizada, Etanol
(3:25:50). Modo de
apropriado para limpeza e testes de adesivos interdisciplinar criterioso, a realização dos preparo: pesar os dois
para fixação da camada pictórica. exames técnicos científicos foi fundamental na primeiros componentes
Depois de saneados os problemas realização da proposta de intervenção. O pro- agitando bem até
dispersar o Mowiol.
arquitetônicos, iniciou-se os tratamentos de cesso de restauração teve a duração de seis Aquecer a uma
restauro das pinturas murais e ornamentos. meses. Quando foi realizada a pesquisa bibli- temperatura entre 80 a
90°C, sob agitação
O tratamento emergencial das pinturas do ográfica, levantamento, registro gráfico e foto- moderada, e manter
forro consistiu na fixação da camada pictórica gráfico, laudos de avaliação do estado de con- nessa temperatura até a
completa dissolução.
com Mowiol4 por aspersão. Logo após foi feita servação das pinturas e elementos decorati- Deixar essa mistura em
a fixação da camada pictórica Mowiol a pin- vos, a avaliação dos locais onde estão situa- repouso até atingir a
cel e pressão onde havia craquelês em des- das as pinturas e suas condições climáticas e temperatura ambiente; Se
necessário, acrescentar
prendimento acentuado. A higienização e lim- de iluminação e elaboração de relatório final. uma pequena quantidade
peza da camada pictórica com pincel macio e Este trabalho se referiu apenas à restaura- de água para compensar
o que evaporou durante a
enzimas naturais. A Consolidação das fissuras ção de uma das salas do prédio e fez parte da dissolução. Acrescentar
e rachaduras foi feita com Primal AC 335. O primeira etapa de restauração do Projeto Ge- o Etanol e homogeneizar.
5
Emulsão aquosa
nivelamento das lacunas foi feito com gesso ral de Restauração do “Palacinho”, que tem elaborada à base de
cola e a reintegração foi feita com aquarela e como Coordenador-Geral o Arq. William Pa- acrílico (metacrilato),
guache da Winsor e Newton. vão Xavier e Produtor Cultural a Associação que forma um filme
transparente de alta
Já os ornamentos decorativos em gesso de Amigos do Palacinho. O projeto atualmen- resistência à luz
policromado do forro foram fixados com te está em fase de captação de recursos para ultravioleta e ao calor, de
excelente durabilidade e
Primal AC33, tanto os ornamentos quanto a ter continuidade. resistência a álcalis. É de
policromia. Já os ornamentos em relevo foram baixa viscosidade,
resistindo bem em
higienizados com pincel com auxílio do aspi- aplicações externas, sem
rador de pó, depois foram limpos com enzimas mostrar amarelamento ou
naturais e com esponja natural com água modificação de sua
elasticidade durante
deionizada. O nivelamento e complementação anos.
de partes faltantes dos ornamentos foram fei-
tos com gesso cola. A reintegração cromática
foi realizada com ouro em pó e resina.
Tratamento emergencial das pinturas painéis
das paredes consistiu na fixação da camada
pictórica com Mowiol por aspersão, e também
com pincel e pressão em áreas localizadas que
apresentavam craquelês em desprendimento.
A higienização e limpeza da camada pictórica
das pinturas dos painéis foram feitas com pin-
cel macio, enzimas naturais. A desalinização
e tratamento em manchas de umidade das
paredes foi através de banhos com esponja
natural com água deionizada com medição
dos sais. O nivelamento das lacunas com ges-
so e cola. A reintegração cromática foi realiza-
da com guache. A aplicação de camada de
proteção foi feito uma mistura de clara de ovo
Figura 03 – Um dos 6 painéis decorativos das paredes laterais do
com timol, o que proporcionou um resultado hall de acesso do Palacinho.
aveludado à camada pictórica, dando uma .
unidade à superfície, que ficava com áreas de
brilhos diferentes principalmente nas áreas de
intervenção.
O tratamento das molduras em gesso dos
painéis constitui-se na remoção das repinturas
da moldura com bisturi que encobriam a pin-
tura original, que apresentava douramento com
pátina escura. O nivelamento foi com gesso e
cola. A reintegração do douramento com ouro
em pó e resina, aplicação de pátina marrom à
têmpera fazendo apresentação estética de acor-
Figura 03 – Detalhe da pintura decorativa dos painéis na técnica de
do com original. estêncil das paredes laterais, com perdas da camada pictórica.
O tratamento dos barrados decorativos das
paredes laterais do hall de acesso constitui-se na
remoção das repinturas da moldura com bisturi,
nivelamento com gesso e cola. A reintegração
do douramento com ouro em pó e resina.

Conclusão
O “Palacinho” é considerado um dos prédi-
os importantes realizados pelo Eng. Armando
Boni, sendo tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Estadual
(IPHAE) por seu valor histórico, cultural, soci-
al. É, sem dúvida alguma, uma obra de grande Figura 05 – Mostra o forro do hall de entrada, com pintura mural
importância para Porto Alegre. e com moldura com ornamentos em relevo. 15
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 06 - A imagem mostra os elementos decorativos das paredes
laterais do hall de acesso

Figura 10 – Reintegração cromática das áreas com douramento.

Figura 07 - Fixação da camada pictórica por aspersão.

Figura 11 – Detalhe do forro já com a pintura e ornamentos reintegrados.

Figura 08 - Pressão para fixação da camada pictórica.

Figura 12 – Parede lateral do hall já com os painéis decorativos concluídos.

Figura 09 - Limpeza dos ornamentos decorativos em relevo. Figura 12 – Ornamentos decorativos do hall após a restauração.

Bibliografia
ALONSO MARTÍNEZ, Enriqueta Gonzalez. Tratado del Dorado, Plateado y su Policromia, Tecnología, Conservación y Restauración. Valencia: Universidad
Politécnica de Valencia, 1997.
BECKER, Ana Maria. Relatório Técnico – Relatório de visita do CODEC. Porto Alegre: 29/04/1998.
CENNINO, Cennini. Tratado de la pintura – el libro de arte. Barcelona: Edit. Meseguer, 1979.
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MAYER, Ralph. Manual do artista – de técnicas e materiais. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
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MORAES, Júlio Eduardo C. D.. Pintura Mural no Brasil - o início da redescoberta in: Revisa da Biblioteca Mário de Andrade nº 52, SP, 1994, p.131 - 138.
OLIVEIRA, Mário Mendonça. Tecnologia da Conservação e da Restauração Materiais e Estruturas. Salvador: EDUFBA, 2002.
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TIRELLO, Regina A.. Vila Penteado Prospecção e Restauração das Pinturas Murais da Vila Penteado. São Paulo: FAUUSP, 1993.
WEIMER, Günter (org.). A Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.

Equipe
Me. Andréa Lacerda Bachettini - Coordenação/ Restauradora
Cristiane Maia Auxiliar - Técnica em Restauração
Débora Bertol - Estagiária
Keli Cristina Scolari - Estagiária/ Restauradora
Dra. Lucimar Inês Predebon - Restauradora
Naida Maria Vieira Corrêa - Coordenação/ Restauradora
Me. Patrícia Schossler - Química
Sirlei Schmitt de Toledo - Restauradora
William Pavão Xavier - Arquiteto

Agradecimentos
Agradecemos a toda equipe pelo empenho e dedicação na realização do projeto, em especial ao Arq. William Pavão Xavier, pelo convite para
realização deste projeto; Associação Amigos do Palacinho por ter encaminhado o projeto para as Leis de Incentivo à Cultura; À GVT por ter
patrocinado o projeto através da LIC - Lei de Incentivo à Cultura do Estado do Rio Grande do Sul.
16
Anais | Congresso Abracor 2009
Nunes, Claudia Regina
Graduada e Pós-graduada na EBA/UFRJ, Mestre em Arts pela SUNY, NY, USA
Consultora de Conservação e Restauração IPHAN/Rio

Proposta Cromática para a talha da


Igreja Nossa Senhora do Carmo - Antiga Sé

A Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo – Antiga Sé – é um dos mais significativos


monumentos de nosso Patrimônio Histórico. Passou a ter grande importância com a
chegada da Família Real em 1808, pois D. João, Príncipe Regente, eleva a Igreja à catego-
ria de Capela Real e Catedral, tornando-se mais tarde Capela Imperial durante o Império,
e durante a República foi Catedral, até 1976, quando é construída a nova Catedral Metro-
politana.
Este trabalho teve início em 2005 quando um relatório de prospecções estratigráficas
realizado foi-me encaminhado para que analisasse e emitisse parecer sobre qual período
histórico da Igreja (Colonial, Real, Imperial, Republicano) deveria ser resgatado se a
talha da Igreja fosse restaurada.
O resultado das prospecções revelou que todas as fases que a Igreja passou continuavam
presentes e passíveis de ser resgatadas. Fato que difere, às vezes, de outros monumentos,
aonde existem somente vestígios de épocas anteriores. Em agosto de 2006, fomos surpre-
endidos com a assinatura de um convênio pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
Fundação Roberto Marinho, IPHAN e Arquidiocese do Rio de Janeiro com a finalidade de
restaurar a Igreja para as comemorações do Bicentenário da Chegada da Família Real ao
Brasil. A partir deste, tínhamos agora, um período estabelecido para dirigir nossos
questionamentos, que eram muitos a ser respondidos, e que somente alguns conseguimos
elucidar com a iniciação dos trabalhos de restauração da Igreja, tais como a higienização
da talha e a pesquisa arqueológica.
Com a pesquisa histórica realizada para dar embasamento a este trabalho reunimos
informações textuais publicadas a partir do século XIX sobre a Igreja da Ordem Primeira
de Nossa Senhora do Monte do Carmo, conferindo embasamento histórico ao IPHAN em
suas decisões sobre os trabalhos de restauração, além de auxiliar a equipe contratada para
elaboração de um histórico completo sobre a referida Igreja. As fontes utilizadas incluem
relatos de viajantes estrangeiros do século XIX, além de diversos estudos publicados ao
longo dos últimos três séculos. Os trechos de interesse foram transcritos e divididos
cronologicamente em Capela Real (1808 – 1822) e Capela Imperial (1822 – 1889), a fim
de facilitar a compreensão das diversas transformações sofridas pela igreja ao longo de sua
história.

II – Proposta Cromática

Pouco tempo antes da chegada da Famí- do que o Cabido da Catedral também seja
lia Real ao Brasil, os Carmelitas termina- transferido.
vam as obras da Igreja Nossa Senhora do A talha da Igreja que começou a ser exe-
Monte do Carmo. D. João, então Príncipe cutada em 1875 pelo mestre Inácio
Regente, diante da necessidade de se esta- Ferreira Pinto, foi realizada no mais puro
belecer uma Capela Real, eleva a Igreja N. estilo Rococó. Compreendemos por talha
Senhora do Carmo à condição de Capela a forração de madeira das paredes e os fri-
Real e Catedral assinando alvará datado sos e ornatos a este aplicados. Este estilo
de 15 de junho de 1808. A Catedral estava decorativo desenvolveu-se na França no
instalada na Igreja do Rosário, e as obras reinado de Luís XV (1723-74), e muitas
de construção da nova catedral estavam vezes é considerado como uma oposição
muito demoradas, desta maneira é decidi- à sobriedade e profusão dos ornatos do 17
Anais | Congresso Abracor 2009
1
Santos, Luiz
Gonçalves dos (Padre
Barroco, ou como uma versão mais leve e cores como o branco, o bege, o verde claro,
Perereca). Memórias graciosa, sendo uma das suas característi- o rosa claro, prata e ouro.
Para Servir à História do
Reino do Brasil. cas a assimetria. Por cerca de 1760, o Além dos símbolos dos Carmelitas (Mon-
Foto 1
Rococó já era considerado um estilo ultra- te do Carmo e estrelas) também encontra-
Anjo da Capela de
São Pedro, passado na França, entretanto continuava mos representadas na talha da Antiga Sé
Foto 2
Anjo da Capela do
Santíssimo, em moda em outros países como a Ale- várias características do estilo Rococó, tais
possui olhos
amendoados, possui
manha, Áustria e Europa Central. como assimetria, as guirlandas de flores, o
carnação, estilo comum. O Rococó é definido por uma talha leve estilo exótico e oriental, as roccailles.
estilo oriental
e delicada, tendo como principais formas No momento da chegada de D. João ape-
as guirlandas de flores, os roccailles ou for- nas a talha dos nove altares (dois altares nas
mas de conchas, rochas e vegetais, além duas capelas no transcepto, seis altares late-
de elementos exóticos e inspirados no rais na nave central e o altar-mor) estava dou-
Oriente. O Rococó predomina nas artes rada, o restante da Igreja estava “gessado de
decorativas e na Pintura, mas quase não branco”. (Foto 1 e Foto 2)
aparece na Arquitetura. Enquanto os in-
teriores eram de estilo Rococó as facha-
das dos edifícios continuavam no estilo a igreja é nova, muito agradável
barroco e gradualmente tornam-se e forrada a poucos anos de talha;
Neoclássicas. O Rococó é um estilo tem nove altares, onde se vê ouro e
palaciano que procura exaltar o luxo e a pintura, o mais é gessado de bran-
frivolidade da corte francesa. co. O órgão é magnífico. A facha-
No Rococó predominavam também as da da igreja não está concluída,
pois lhe faltam a cimalha real, e o
frontispício....” 1

Entendemos com esta citação que o res-


tante da talha da Igreja (forração e ornatos)
estavam apenas com a base de preparação
pronta, ainda não possuíam pintura e
douramento. D. João ordena que a Capela
seja então pintada e dourada para a eleva-
ção da Igreja à Capela Real. É realizado
também um concurso para a seleção do
artista que executaria a tela do camarim do
altar-mor e o pintor José Leandro de Carva-
lho, renomado retratista da época, é o ven-
cedor. José Leandro é também autor das
telas ovais representando os doze apóstolos
de Cristo. A pintura do teto da Capela–mor
é atribuída a José de Oliveira, um dos gran-
des pintores fluminenses do século XVIII.
D. João encomendou também a constru-
ção dos balcões no andar superior da Igre-
ja, para que as damas da Corte pudessem
assistir às missas. Não havia bancos na Igre-
ja e desta forma retomavam a idéia de um
grande salão, uma continuação dos salões
palacianos. Em 1817, D. João ordena que a
talha seja novamente pintada e dourada para
a sua Aclamação e também para a celebra-
ção da cerimônia religiosa do casamento
de seu filho, D. Pedro, com a Princesa Aus-
tríaca D. Leopoldina. D. João VI retorna a
Portugal em 1821, ficando no Rio de Janei-
ro o príncipe herdeiro, D.Pedro, como re-
gente do Brasil. E para a celebração da co-
roação do Imperador, novamente a capela
é pintada e dourada.
Debret relata que:
18
Anais | Congresso Abracor 2009
2
Debret, Jean Baptiste.
...“A decoração do interior da Viagem Pitoresca e
capela real é em geral rica de or- Histórica ao Brasil

namentos esculpidos em madeira Foto 3


marmorizado
e dourados inteiramente. Mas na Foto 4
estêncil
época da coroação do Imperador
conservaram-se os fundos brancos
redourando e brunindo todos os
ornatos. ” 2

A Capela passa a ser denominada Capela


Imperial e Catedral. Em 1841 ocorre a Co-
roação e Sagração de D. Pedro II. Em 1850
obras de reforma, limpeza, e pintura da
Capela-mor que acontecem, compreenden-
do também reparos no teto da área do coro,
pintura geral das paredes, nova escada para
a torre, restauração dos quadros e
douramentos de ornatos. A reforma de 1888
abrange a edificação e restauração do inte-
rior da Igreja, a cargo do engenheiro Adolfo
Del Vecchio e do artista alemão Tomás
Driendl. É atribuído a Driendl o
aprofundamento dos nichos laterais na nave
central, criando-se então as seis capelas la- tro dos painéis contornados por frisos doura-
terais. Os altares dos nichos foram recua- dos, nos mostrou também que havia nos pai-
dos, e para a ornamentação das paredes das néis inferiores de toda a nave, Capela-mor, e
novas capelas foi elaborada uma talha de nártex a presença de marmorizado (técnica de
ornatos mais delicados, os quais são apara- pintura que imita a pedra mármore). Nos pa-
fusados. O gradil de madeira em que exis- inéis superiores da Capela-mor, e do nártex,
tia a nave central é recortado para servir de surge uma decoração com motivos fitomorfos
portões para as capelas laterais. Embora elaborada na técnica de estêncil, a qual apa-
acontecendo a Proclamação da República rece também nos painéis do teto do nártex.
em 1889, as obras continuaram a ser exe- Os buquês florais são arrematados por dois
cutadas até 1900. Outras importantes ceri- frisos pintados sendo um mais largo na cor
mônias e intervenções arquitetônicas con- verde e o estreito na cor amarelo. (foto 3 e Foto 4)
tinuaram a acontecer na catedral mas, em A presença da cor verde surpreendeu-nos,
1922, novas obras de melhoramento na fa- pois ela também era uma cor utilizada no
chada principal e na fachada da Rua Sete Rococó. Várias indagações foram iniciadas,
de Setembro são promovidas pelo Cardeal se seria possível que em algum momento
Arcoverde e a construção da nova Capela D. João ou D. Pedro I teriam mandado pin-
do Santíssimo. tar de verde a Igreja. Outras Igrejas do Rio
Em 1941 ocorre o tombamento do Con- de Janeiro, também apresentam a cor verde
junto pela SPHAN (Secretaria do como por exemplo a Igreja São Francisco
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de Paula, a Igreja do Santíssimo Sacramen-
e a nova catedral fica pronta em 1976 e o to e a Igreja da Saúde. Levantamos então as
cabido é transferido para a nova sede na seguintes hipóteses: D. João poderia ter pin-
Avenida Chile. A Igreja passa a ser deno- tado primeiramente a Igreja de bege e dou-
minada Igreja de Nossa Senhora do Monte rado a talha, e colocado o marmorizado,
do Carmo - Antiga Sé. Não se tem notícia em seguida pintado de verde a parte exter-
que, após as reformas de 1922, alguma al- na do entablamento e os painéis teriam per-
teração de grande porte tenha ocorrido na manecido bege, e no terceiro momento do
Igreja, além da criação do mausoléu, em Segundo Império, apareceria o estêncil den-
1930, para o Cardeal Arcoverde. Em 1990 tro dos painéis superiores da Capela-mor e
são realizadas obras de recuperação da es- do Nartéx, e o marmorizado teria sido co-
trutura do telhado e troca de telhas. E em berto, e que com certeza durante o período
2003 são realizadas obras emergenciais nas Republicano a Igreja teria sido novamente
fachadas das ruas Primeiro de Março e parte pintada de uma cor cinza. (Prancha 1)
da Rua Sete de Setembro. Não podemos afirmar com certeza quan-
As prospecções realizadas em 2004, nos do o estêncil foi introduzido, pois embora
revelou a presença da cor verde na parte utilizado no oriente desde o século XIV
externa da forração de madeira e bege den- como forma decorativa , este só se popula- 19
Anais | Congresso Abracor 2009
Foto5
Prospecção
Foto 6
Cadeiral tampando
riza na Europa e nos Estados Unidos como uma tonalidade bege, a qual estava muito
ornato da talha técnica de decoração de interiores a partir escurecida devido à poluição.
de 1850, portanto, somente a partir deste Descobrimos também a presença da cor
período (segunda metade do século XIX), o bege como primeira camada de pintura em
estêncil é utilizado em larga escala para a todas as áreas da Igreja, dentro dos painéis,
decoração de interiores. fora dos painéis, por baixo dos
Cabe ressaltar, que as primeiras marmorizados, por debaixo dos estênceis,
prospecções foram realizadas sem condi- no teto da Igreja, nos altares laterias e no
ções de iluminação, andaimes, e a Igreja altar-mor. Outro fator importante, foi que
encontrava-se muito suja, era impossível os marmorizados da Capela-mor têm qua-
distinguir se o verde de dentro dos frisos lidade superior aos dos encontrados na Nave
da Capela-mor era a mesma cor que estava e no Nartéx. Com a remoção de um peda-
na área externa. Análises laboratoriais de ço de friso da moldura do painel do
identificação de pigmentos foram realiza- marmorizado na Capela-mor, certificamos
das em 15 amostras da Igreja, sendo elas que os marmorizados do Nartéx e da Nave
sete da Nave, três do altar-mor e quatro são apenas a base de preparação para o
da Capela-mor. Uma amostra pertencente marmorizado, são pinceladas coloridas, a
à Casa da Marquesa de Santos (Museu do técnica do marmorizado não foi concluída
Primeiro Reinado), também foi incluída, nestes locais.
pois o tom de verde é o mesmo do encon-
trado na Igreja. As amostras foram anali-
sadas pelo IPT, e confirmaram que a cor
verde é similar a da Casa da Marquesa de
Santos, apenas um elemento diferente - o
Titânio. Confirmou também que em cer-
tas áreas da Igreja existem duas camadas
de douramento, em outras, três camadas e
em algumas, apenas uma camada, confir-
mando assim os relatos históricos de que
a Igreja foi várias vezes redourada, e nos
revelando também que apenas as áreas de
desgaste do ouro eram refeitas e não todo
o douramento.
Convidamos o Prof. Almir Paredes, que
nos revelou que a cor verde possivelmente
era uma influência do Padre Castro, Cônego
da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que re-
formou muitas igrejas no Rio de Janeiro por
volta de 1840/60, por isto encontramos o
verde em Igrejas do Centro da cidade, repre-
sentando um “gosto” pessoal.
Os serviços de higienização da talha já
haviam sido iniciados, foram feitas mais
360 prospecções Foto 5 , inclusive no teto Outra grande surpresa foi a remoção dos
da Igreja. O resultado das novas cadeirais na Capela-mor, já era visível que
prospecções realizadas já com a eles não eram originais do local, uma vez
higienização em andamento foi muito bom, que interferiam na talha Foto 6 . Descobrimos
pois demonstrou-nos que a cor utilizada no que na madeira de forração atrás dos
período Republicano não era cinza, mas cadeirais não existe marmorizado. As ma-
deiras foram prospectadas e nada foi encon-
trado. Com a remoção das madeiras, a al-
venaria ficou aparente e mostra um vão de
porta para a sala adjacente. A talha recobre
parte do vão, demonstrando que esta talha
também foi modificada. Existe um corte
horizontal no madeiramento, o qual tam-
bém não era vísivel antes da limpeza.
É bem visível na foto existente do interi-
or da Igreja Foto 7, que a talha da Capela-
mor era mais alta e que não haviam
20 cadeirais. Esta deve ter sido tirada antes da
Anais | Congresso Abracor 2009
Foto 7
interior Igreja
ção dos marmorizados ou do estêncil. A Foto 8
desmonte do piso
Prof. Miriam Ribeiro comunga com a nos-
sa opinião de que a Igreja é o mais puro
estilo Rococó na Cidade do Rio de Janei-
ro, e que deve ser recuperada na cor bege
encontrada.
Proposta final: Igreja na cor bege encontrada
nas prospecções e a talha dourada, sem recupe-
ração de marmorizados ou estêncil, seguindo o
estilo original da talha. Deixando apenas pe-
quenas prospecções em um painel de estêncil e
em um painel do marmorizado na Capela-mor.
reforma de 1888, pois vê-se gradil na Nave Consideramos que os cadeirais não devem
central. Com a remoção do piso da Cape- retornar para a Capela-mor, pois interferem na
la-mor para que a arqueologia pudesse ini- leitura da talha, sobrecarregando o ambiente.
ciar escavações no local, também foi des- Concluímos também que o período da Repú-
coberto que parte do piso da Capela-mor blica, possivelmente considerou a Igreja no es-
foi levantado com pilotis de cimento (Foto tilo Rococó, quando a pintou toda na cor bege,
8)
, o que comprova que toda a área da ta- e assim permaneceu por um século. (Prancha 2)
lha da Capela-mor foi mexida quando co-
locaram os cadeirais e que o marmorizado
já é muito posterior a D. João VI.

Neste momento, havíamos concluído que Prancha 1:


a talha deveria ser recuperada no seu estilo As várias fases da Igreja, antes de D.João,
artístico – o Rococó, sendo pintada na cor no período de D. João, após . Pedro I e o
bege encontrada nas prospeccções como período Republicano respectivamente
sendo a primeira camada, sem a recupera- Prancha : proposta final

21
Anais | Congresso Abracor 2009
Equipe:

Coordenação e autoria:
Claudia R. Nunes
Redação Final:
Claudia R. Nunes, Juliana de Assis e Pedro Rocha Fleury
Consultores:
Almir Paredes (Dr. em História da Arte/UFRJ).
Miriam Ribeiro (Drª. em História da Arte/UERJ - Conselho Consultivo do IPHAN)
Jussara Mendes – Historiadora 6a SR/IPHAN
Pesquisadores:
Fernanda da Rosa (desenhos)
Juliana Assis Nascimento (pesquisa histórica e redação final)
Julita Azevedo (pesquisa iconográfica)
Pedro Rocha Fleyry Curado (pesquisa histórica e redação final )
Verônica Pimentel – Fotografias

Bibliografia:

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* VON LEITHOLD, Theodor. O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819. São Paulo: Cia.ed. Nacional, 1966.
22
Anais | Congresso Abracor 2009
QUERUZ, Francisco.
Arquiteto e Urbanista. Mestre em Engenharia Civil -UFSM.
Professor - Centro Universitário Franciscano -UNIFRA.

SAAD, Denise S.
Engenheira civil.
Doutora em Engenharia Civil – UFRGS.
Professora Adjunta do Departamento de Estruturas e Construção Civil da UFSM.
Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Tecnologia, Departamento de
Estruturas e Construção Civil

CONTRIBUIÇÃO PARA IDENTIFICAÇÃO


DOS PRINCIPAIS AGENTES E MECANISMOS DE
DEGRADAÇÃO DA VILA BELGA
O trabalho é resultado de uma dissertação de mestrado e apresenta um estudo de caso
múltiplo, elaborado sobre as edificações da Vila Belga, de Santa Maria/RS, para identifi-
car os principais agentes e mecanismos envolvidos na sua deterioração. Os levantamentos
de campo elaborados permitiram que se obtivesse um panorama geral dos processos pato-
lógicos mais frequentes nas residências e, assim, que se inferisse sobre as possíveis causas
envolvidas nesse processo. Os resultados mostraram que existe um conjunto de patologi-
as que incidem nas edificações e que são, em sua maioria, atuantes em camadas superfi-
ciais. Também se pôde observar que os danos originados pelos condicionantes climáticos
e ambientais não possuem, em geral, dependência com algum tipo específico de patolo-
gia, evidenciando ações de negligência, intervenções indevidas e falta de manutenção
preventiva nas edificações.

This article relate the conclusions of a master degree dissertation that studied a multiple
case in Vila Belga – Santa Maria/RS, to identify the main agents and mechanisms involved
in that deterioration. The surveys had allowed to have a general view of the most frequent
pathological processes in the residences and, thus, infer on the involved causes in this
process. The results had shown a pathology group that was acting in the constructions and
that they are, in its majority, operating in superficial layers. Could be seen, also, that the
damages originated by climatic and ambiental agents do not possess, in general, dependence
with some specific type of pathology, evidencing improper actions of recklessness, improper
interventions and absense of preventive maintenance in the constructions.

Palavras-chave:
conservação; degradação; patologia; Vila Belga

Introdução
O desenvolvimento de subsídios e políticas lisar os fatores que levaram à degradação da
de preservação patrimonial apresenta-se hoje Vila Belga, um conjunto de edificações tom-
como um processo crescente, merecedor das badas, em 2000, pelo Instituto do Patrimônio
atenções de sociedades que se preocupam Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) e que
com suas heranças, seus bens. O objetivo das foi construído no início do século XX, em San-
diversas entidades envolvidas com essa pro- ta Maria, no Rio Grande do Sul.
blemática deve ser agir, dentro das suas possi- A compreensão dos processos de degrada-
bilidades, de forma a contribuir para que seus ção de edificações históricas construídas no
herdeiros ainda possam ter o direito a presen- município parte de uma devida leitura de con-
ciar bens representativos de suas cidades e, texto. Pode-se perceber uma soma de fatores
assim, refletir e projetar seu futuro. Este traba- que levam ao descaso com os remanescentes
lho iniciou-se com o intuito de auxiliar nesse arquitetônicos em questão, como a falta de
processo de conservação da memória, ao ana- sinergia entre os agentes institucionais, falta

23
Anais | Congresso Abracor 2009
de políticas municipais de preservação e con- O objetivo primeiro deste estudo é, portan-
dições financeiras precárias dos moradores. to, identificar os principais fatores e mecanis-
Porém, esses não são os únicos fatores que mos de deterioração a que estão submetidas
devem ser considerados: não existem estudos as edificações do referido conjunto, por meio
que relacionem as variáveis locais ligadas a do estudo de suas patologias. Para tanto, fo-
clima, sítio e ambiente com as técnicas cons- ram estudados conceitos e classificações liga-
trutivas que eram utilizadas nas edificações do dos aos fatores e mecanismos atuantes e pro-
início do século XX. Essa última constatação é motores de degradações e tornou-se necessá-
importante devido à grande variação de con- ria, também, a realização de um levantamento
dições que podem ser percebidas dentro do de campo em parte das edificações para ob-
Brasil, e mesmo dentro do Rio Grande do Sul, servação das patologias, permitindo, por sua
e o seu entrelaçamento com as diversas for- vez, classificar, listar as suas incidências e re-
mas de se edificar nesse período. conhecer suas possíveis causas.

Figura 01 – Vista panorâmica da rua Ernesto Beck: em outubro de 2004, mostra o mau estado de conservação das edificações e do entorno imediato
(ACERVO DO AUTOR)

2 As edificações
Segundo Lopes1, a Vila Belga é um conjunto do, reduzindo-se, paulatinamente, a quantida-
de edificações com fins residenciais, construído de de passageiros nos trens. A década de 1990
pela Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer foi decisiva para o processo de desmobilização
au Brésil para seus funcionários a partir do ano do sistema ferroviário estatal. O Governo Fede-
de 1907 (Figura 01). A autoria dos projetos foi ral, dentro de um processo de “enxugamento”
atribuída ao engenheiro Gustave Vauthier, en- de sua infraestrutura, privatizou uma série de
tão diretor da empresa belga, e era constituído empresas das mais diversas áreas, como teleco-
de 83 residências unifamiliares, compondo o municações e siderurgia (Companhia Vale do
segundo conjunto habitacional do Estado volta- Rio Doce). A malha ferroviária da RFFSA no Rio
do à classe operária. As edificações apresenta- Grande do Sul foi cedida, em 1997, e por um
vam-se, na maioria, organizadas de forma prazo de 30 anos, para a empresa Ferroviária
geminada. Possuíam boa qualidade construtiva Sul Atlântico, e as benfeitorias, como o conjunto
e, apesar de terem poucas variações de partido, em questão, foram leiloadas 3.
apresentavam resultado formal muito rico. Apesar da comunidade a muito tempo ter o
Nos anos seguintes a 1907, a história da Vila conjunto como de interesse para a história da
Belga esteve sempre entrelaçada à própria histó- cidade, apenas em 1988 o poder público reco-
ria das estradas de ferro que passavam por Santa nhece-o como patrimônio histórico, e em 1997
Maria. Assim, o apogeu no desenvolvimento e efetua o tombamento definitivo das casas. O re-
manutenção das edificações, bem como de seu conhecimento em escala estadual se dá em 2000,
entorno e, ainda, a situação econômica da par- quando ocorre o tombamento da chamada
cela da sociedade dependente desses serviços “mancha ferroviária de Santa Maria” 4. O estado
estavam relacionados diretamente com o cresci- de conservação em que o conjunto edificado
mento das ferrovias. O ano de 1920 marcou o da Vila Belga se encontra hoje é precário. Esse
encampamento, por parte do governo do Rio estado é resultado de uma situação complexa e
Grande do Sul, das estradas de ferro e suas multifacetada, que inclui a omissão e falta de
benfeitorias, posteriormente, no final da década estrutura dos órgãos públicos envolvidos, e tam-
de 1950, da transmissão dos mesmos para o bém a falta de condições financeiras e de infor-
governo federal, com a criação da Rede Ferrovi- mações dos proprietários do conjunto.
ária Federal S/A - RFFSA 2. Os materiais e componentes utilizados para a
A década de 1960 foi marcada pela sucessiva edificação das residências concordavam com
inversão de investimentos das ferrovias para as as tecnologias já utilizadas na cidade no início
rodovias. A partir daí, a situação foi se agravan- do século XX, não introduzindo inovações nes-

24
Anais | Congresso Abracor 2009
possuíssem suas elevações frontais voltadas
para as quatro orientações solares. Assim, ob-
teve-se três unidades habitacionais
direcionadas, respectivamente, para Norte, Sul,
Leste e Oeste, perfazendo o referido montante
de doze. Buscou-se também edificações que
estivessem distribuídas em todos os setores do
sítio, caracterizados pela ruas que compõem
o conjunto. As divisões por orientação solar e
pelo sítio tiveram a intenção de se obter um
resultado que expressasse a totalidade de vari-
Figura 2 – Croquis de modelo de habitação unifamiliar, com a identificação
de seus componentes. (ACERVO DO AUTOR).
áveis envolvidas na geração de danos às
edificações. Os elementos levantados nas
se sentido. A figura 2 mostra um croquis com edificações foram as dimensões, para se che-
esquema construtivo da edificação: gar a um resultado mais confiável, e as degra-
dações nas elevações de cada unidade
3 Metodologia habitacional (as informações do interior das
Os alicerces foram feitos de pedras corta- edificações – como vistas e planta interna –
das, constituindo uma espécie de sapata corri- foram desconsideradas).
da, e projetam-se acima do nível do solo, com- Desenvolveu-se, a partir de então, o levan-
pondo o chamado soco, saliente. As paredes tamento in loco das patologias, através de me-
externas e medianeiras das edificações são de dições e captura em um arquivo fotográfico
alvenaria de tijolos maciços, assentados e re- digital. O passo seguinte no desenvolvimento
bocados com argamassa de cal e areia. Desta- do trabalho foi a transposição dos levantamen-
cam-se, também em argamassa, os trabalha- tos efetuados para o meio digital, com software
dos executados junto às arestas das paredes e tipo C.A.D. (AutoCAD versão 2005), o que
nas bordas das aberturas. Já no interior, as permitiu desenhar, com mais clareza, as aferi-
paredes foram feitas em madeira, garantindo, ções feitas no sítio (figura 3). As fichas resul-
na época, menor peso e maior facilidade de tantes, contendo fotos e desenho técnico, per-
alteração de layout. Quanto às aberturas, são mitiram que fosse feita a tabulação das degra-
de madeira, com janelas tipo guilhotina com dações encontradas, conforme as elevações
vidros pelo lado de fora e escuras interiormen- em que se localizavam. Por meio dessas infor-
te. As coberturas das edificações possuíam te- mações, obteve-se um método de identifica-
lhados com telhas capa e canal, e treliças, ter- ção das patologias basicamente visual,
ças e forros em madeira. Também em madeira desconsiderando outras técnicas.
eram os pisos internos das residências, apoia-
dos em barrotes e afastados do solo, garantin-
do assim a ausência de umidade5.
A identificação dos agentes e mecanismos
de degradação mais frequentes no conjunto,
para fins de quantificação de trabalho, foi feita
por meio de levantamento amostral das pato-
logias encontradas nas elevações. Para tanto,
de um total de 79 unidades habitacionais exis-
tentes hoje no local, estipulou-se um levanta-
mento necessário de 12 unidades.
As edificações escolhidas para o desenvol-
vimento do estudo foram divididas, inicialmen-
te, em quatro grupos correspondentes às que Figura 3 – Exemplo de elevação de edificação levantada, exibindo os
processos de degradação (ACERVO DO AUTOR).
4 Resultados

Os resultados obtidos a partir dos levanta- com a tabulação dos dados permitiu obser-
mentos das edificações foram organizados de var a composição de patologias existente nas
duas formas: a por análise descritiva, que com- edificações selecionadas, assim como perce-
preende a leitura mais direta dos dados obti- ber pormenorizadamente quais são os pro-
dos; e pelo cruzamento dos dados, em que se cessos que incidem sobre cada tipo de orien-
buscou analisar as possíveis relações existen- tação solar. A figura 4 mostra a frequência de
tes entre algumas condições do sítio e os pro- patologias encontradas nas elevações princi-
cessos patológicos encontrados. Adiante são pais das edificações analisadas, e possui im-
descritos os principais resultados derivados portância destacada, pois essas fachadas são
dessas análises. as menos alteradas pelos moradores, uma
consequência direta da proteção exigida pe-
4.1 Análise descritiva las leis de tombamento 6.
A análise descritiva dos resultados obtidos Pode-se perceber que os danos mais encon-

25
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 4 – gráfico com a incidência de patologias nas elevações principais das edificações.

trados nas amostras foram os seguintes: desa- dência apenas nas patologias de quebra de ele-
gregação do reboco, fissuração de reboco, mentos gerada por ação de cargas mecânicas;
rachaduras nos tijolos, degradação das pintu- e nas voltadas a Leste, percebeu-se dependên-
ras e presença de biofilme. Ao observar essas cia com as rachaduras de tijolos e com a falta
elevações separadamente, por orientação, de materiais. Entre essas dependências, a pre-
percebeu-se que alguns tipos de degradação sença de rachaduras nos tijolos é a única pato-
foram mais frequentes, como nos casos de logia que pode ser relacionada com condições
fissuras no reboco e degradação da pintura climáticas e, consequentemente, com variações
nas elevações voltadas a Norte, e quebras por provindas das diferentes orientações solares.
ação de cargas ou falta de materiais nas volta- As elevações restantes, não orientadas para
das a Sul. a via pública, foram classificadas segundo sua
Já nos casos das outras elevações, não ori- orientação solar e em relação aos lotes
entadas aos logradouros públicos, pode-se lindeiros. Nessas, para a análise das patologi-
perceber com frequência a incidência das se- as, individualmente, usou-se o teste Qui-qua-
guintes degradações, independentemente de drado devido ao total da amostra ser igual a
orientação: 52 elementos. Construíram-se assim tabelas
· degradação nos rebocos, como as fissuras, de contingência com duas linhas e duas co-
a desagregação e também o empolamento; lunas (2x2). Os resultados obtidos indicaram
· remendos no reboco com argamassas à que, nesses casos, degradação e fissura nos
base de cimento; rebocos, rachaduras nos tijolos, fendas na
· fissuras nos tijolos; parede, falta de materiais, degradação na pin-
· ressecamentos e degradações de pinturas tura por intemperismo, corrosão nos metais,
de paredes e elementos em madeira; umidade de infiltração, vegetações, consumo
· biofilme. por insetos e, ainda, biofilme não parecem
estar relacionados com as elevações em que
4.2 Análise de cruzamentos se encontram. As condições climáticas e ori-
A seguir, foram realizados cruzamentos en- entação do lote, expressas nas variações de
tre as variáveis “patologias analisadas” e as orientação solar e nos vãos de iluminação e
“elevações”, a fim de verificar se existiam rela- ventilação, não parecem influenciar na for-
ções de interdependência entre elas. Esses ti- mação dessas patologias em um tipo especí-
pos de cruzamento permitem que se perceba fico de elevação. Essa conclusão é significati-
se existem patologias que são características va para os casos de formação de biofilme e
de alguma elevação. de vegetação, pois as orientações solares
No caso das elevações principais Norte, Sul, eram tidas como importantes meios na ma-
Leste e Oeste, foram construídas tabelas de nutenção da umidade e consequente desen-
contingência com duas linhas e duas colunas volvimento desses processos patológicos.
(2x2). Como o tamanho da amostra era pe- Também é significativa a observação que a
queno, composto por 12 elementos, e existi- degradação das pinturas e degradação e
am várias frequências menores do que cinco fissuras nos rebocos também não estão vin-
(5), não se aplicou o teste Qui-quadrado, e sim culadas a algum tipo de orientação solar. Já
o teste exato de Fisher. Os resultados obtidos em relação à falta de materiais nas elevações,
mostram que a maioria das patologias não apre- o resultado era esperado, já que tal tipo de
senta relação de dependência entre si. Esse tipo patologia está mais relacionado ao abando-
de comportamento é observado na totalidade no e ao vandalismo.
das patologias encontradas das elevações vol- Foram percebidas relações de dependên-
tadas para Norte e Oeste. Nas elevações volta- cia entre patologias e elevações nas seguintes
das para Sul, foi percebida a relação de depen- situações:

26
Anais | Congresso Abracor 2009
- Descolamentos de reboco e elevações tado, já que o mesmo comportamento deveria
Norte (não principais) - esse tipo de compor- ser esperado nas demais elevações voltadas a
tamento pode ser explicado pela grande inci- Norte.
dência de insolação, aliada à umidade pro- - Intemperismo sobre planos de madeira e
vinda das chuvas com vento que costumam elevações Norte e Sul (ambas não principais)
ocorrer na cidade. Porém, esse tipo de com- – enquanto a relação com as primeiras eleva-
portamento deveria também ser percebido ções era esperada, devido à incidência tanto
nas elevações voltadas a Leste, em que de insolação quanto umidade associada a ven-
condicionantes semelhantes ocorrem, o que tos, a constatação de relação nas elevações
não foi percebido. Sul reforça a importância do fator umidade (ou
- Remendos no reboco com argamassas à chuva), já que as mesmas têm uma incidência
base de cimento e elevações Sul (não princi- mínima de insolação durante o ano.
pais) - apesar dos remendos não se constituí- - Apodrecimento por algas, fungos e umida-
rem em uma patologia, demonstram que os de e elevações Oeste e Norte (interna) - as ra-
responsáveis pelas edificações efetuaram con- zões envolvidas nesses tipos de dano incluem
sertos nas camadas de reboco danificadas. a presença de umidade e temperatura adequa-
Essas correções foram possíveis devido ao da, ambas encontradas em fachadas com pe-
fato das elevações estarem voltadas para as quena insolação diária. Os elementos mais
faces interiores das edificações, mais suscetí- danificados por esse tipo de patologia nas
veis às alterações. edificações foram os espelhos dos beirais, o
- Manchamento de pintura e elevações Nor- que pode ser proveniente de goteiras ou
te interna - esse tipo de comportamento pare- destelhamento.
ce demonstrar relação com a incidência de Os outros resultados encontrados foram con-
chuvas com vento, aliada à deficiência de pro- siderados de menor importância para o estu-
teção dos beirais. Também nesse caso, não se do, e não participam desta síntese, mas podem
pode afirmar que essa seja a causa de tal resul- ser encontrados na íntegra deste estudo.

5 Conclusões
Inicialmente, por meio da tabulação dos também consta nas listagens de patologias
dados elaborados nos levantamentos e seu tra- encontradas. As alterações feitas com esse tipo
tamento estatístico, pode-se aferir que os prin- de argamassa demonstram a necessidade dos
cipais danos encontrados estão nas camadas atuais moradores de garantirem a
superficiais das edificações. São casos de de- habitabilidade das residências, apesar da
gradação das pinturas das alvenarias, das aber- inexistência de orientação técnica para tanto.
turas e dos espelhos dos telhados, e da deteri- Os principais problemas que costumam ser
oração dos rebocos e mesmo dos tijolos, ori- encontrados na utilização desse tipo de arga-
ginada pela ação prolongada da umidade, al- massa estão relacionados com a incompatibili-
terações de temperatura e insolação sobre os dade com os substratos, os rebocos e as pintu-
diversos elementos construtivos. A presença ras que caracterizam as edificações. Portanto,
constante de biofilme nas elevações o estudo dos componentes e traços originais
pesquisadas aponta para a incidência de umi- das argamassas de reboco deve ser feito, de
dade por tempo prolongado nesses planos, modo a buscar equivalentes atuais que apre-
assim como a existência de componentes que sentem compatibilidade com os primeiros e
absorvem a água provinda diretamente das que, mesmo assim, não os falsifique. As altera-
chuvas ou de escoamentos falhos das estrutu- ções feitas pelos moradores são percebidas com
ras de cobertura. constância nos levantamentos efetuados e, em
Apesar de menos frequentes, as rachaduras maior quantidade, nas elevações que não es-
nos tijolos e as fendas nas paredes também fo- tão voltadas para o logradouro público, onde a
ram encontradas em algumas edificações levan- liberdade de modificação é maior.
tadas. Nesses casos, é provável que as lesões A correlação elaborada, nos resultados, en-
estejam associadas a algum tipo de alteração tre os danos encontrados e as elevações estu-
no subsolo que dá sustentação às fundações dadas mostrou que grande parte dos itens con-
das edificações. Pôde-se perceber, pelas visitas siderados não apresenta dependência entre
ao local, que ao menos em dois dos casos cita- si, o que atesta que os agentes climáticos e
dos, as edificações estão implantadas muito ambientais que incidem sobre o conjunto não
próximas a um curso d’água, o que pode ter são determinantes para o desenvolvimento de
contribuído para o deslocamento de camadas patologias em elevações específicas. A partir
do solo, tornando o sítio instável. desse entendimento, pode-se avaliar que os
A manutenção das alvenarias das danos encontrados provêm de outras causas,
edificações por meio da utilização de argamas- como negligência, intervenções indevidas e
sas à base de cimento, apesar de não ser um falta de manutenção preventiva. Da mesma
dano por si só, foi considerada aqui como uma forma, pode-se compreender que as condições
alteração indevida, pois não foram levados em impostas pelo entorno, como alteração da ven-
conta os precedentes das edificações e, assim, tilação e da insolação, alteraram a relação de

27
Anais | Congresso Abracor 2009
patologias encontradas em determinadas ele- plantados devem garantir a autenticidade das
vações, o que torna ainda mais importante o edificações em seus materiais e, ao mesmo
estudo do clima urbano e de suas variáveis. tempo, promover a sua utilização sustentável,
Outra constatação, feita a partir dos levanta- pois os bens são dos moradores e também da
mentos realizados, é que alguns danos mais cidade e da comunidade de Santa Maria. Ou-
brandos, como a ausência de pintura das ele- tro ponto imprescindível a considerar é o va-
vações, acabam evoluindo para outros mais lor das edificações enquanto conjunto, ínte-
graves, como a desagregação ou fissuras no gro em suas partes e ambientado ao seu entor-
reboco, pela falta de manutenção durante um no.
grande período de tempo. Esse tipo de com- Partindo-se da premissa que grande parte
portamento, percebido na Vila Belga, ocorre dos danos estão nas camadas superficiais dos
possivelmente devido a um grande período planos edificados, pode-se considerar válida
de inércia dos diversos agentes envolvidos na a possibilidade de reabilitação pela utilização
sua preservação, gerando a situação que se de técnicas de pequeno restauro, ou mesmo
tem hoje. da consideração dos rebocos como superfíci-
A partir das considerações supracitadas, é es de sacrifício, aptas a serem substituídas. Essa
válido considerar que, independentemente de possibilidade ganha mais respaldo ao se con-
qualquer tipo de postura de intervenção que siderar o pequeno valor que o material dos
possa ser adotada, é possível elaborar estraté- planos rebocados possui para a comunidade
gias que garantam a conservação e restaura- se comparado à manutenção do todo
ção das edificações. Os planos a serem im- edificado.

Referências bibliográficas
1- LOPES, Caryl E. J. A Vila Belga. In: LOPES e MULLER (org.). Anais do Seminário: Território, Patrimônio e Memória. Porto Alegre: ICOMOS; Santa
Maria: UFSM, 2001.
2 – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO ESTADO DA SECRETARIA DA CULTURA DO RIO GRANDE DO SUL.
Patrimônio Ferroviário no Rio Grande do Sul. Inventário das Estações: 1874-1959. Porto Alegre: Palotti, 2002.
3 - SCHLEE, Andrey. Processo de tombamento da estação ferroviária de Santa Maria. Santa Maria: Prefeitura Municipal de Santa Maria/UFSM, 1999.
4 – A lei municipal 2.983/1.988 passou a considerar a Vila Belga Patrimônio Histórico e Cultural de Santa Maria. Já o decreto municipal 161/1.997 faz
o tombamento definitivo das residências. Já o tombamento estadual se deu através do decreto 37.317/1.997.
5 - LOPES, Caryl E. J. A Conpagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil e a Cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul, Brasil. Barcelona: UPC,
2002. 224 p. Tese (Doutorado em Arquitetura) – Universidade Politécnica da Catalunha, 2002.
6 – O trabalho completo pode ser acessado em QUERUZ, Francisco. Contribuição para identificação dos principais agentes e mecanismos de
degradação em edificações da Vila Belga / Francisco Queruz. – Santa Maria, 2007 – Universidade Federal de Santa Maria.

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Anais | Congresso Abracor 2009
LOURENÇO, Bettina Collaro G.
Arquiteta, doutoranda do Proarq/UFRJ, Fundação Oswaldo Cruz

ANDRADE, Inês El-Jaick.


Arquiteta, doutoranda da FAU/USP, Fundação Oswaldo Cruz,

1
Conceito transcrito
CONDICIONANTES QUE INTERFEREM para a Carta del
Restauro de 1972,
imposta por força de lei
NAS PROSPECÇÕES CROMÁTICAS: às superintendências e
institutos autônomos
italianos, por circular nº
PALÁCIO ITABORAÍ EM PETRÓPOLIS 117 de 06-04-1972 do
Ministero della
Pubblica Instruzione
(RIO DE JANEIRO) 2
Os estudos de
Goethe culminaram
num dos mais
importantes estudos
científicos sobre as
cores, a
Farbenlehre (Doutrina
Este artigo tem o objetivo de abordar os diversos parâmetros que guiam os trabalhos de das Cores), mais
conhecida como
prospecções cromáticas em bens culturais edificados. O estudo parte dos diversos “Teoria das Cores de
Goethe”, editada em
questionamentos realizados ao longo do processo de identificação e catalogação das cores 1810. Goethe
das prospecções pictóricas realizadas no Palácio Itaboraí (Petrópolis, Rio de Janeiro). Os descobriu aspectos que
Newton ignorava sobre
resultados podem variar desde a exposição às intempéries do substrato prospectado, as a fisiologia e psicologia
da cor. Observou a
reações químicas de vernizes e seladores sobre as camadas de pintura, até a mudança de retenção das cores na
retina, a tendência do
catálogos de tintas pelo mercado comercial. Assim, os trabalhos de prospecções precisam olho humano em ver
nas bordas de uma cor
observar e analisar as condicionantes do ambiente que interferem direta e indiretamente nos complementar, notou
que objetos brancos
resultados do levantamento. sempre parecem
maiores do que negros.
Atualmente, o estudo
Palavras-chave: da teoria das cores de
Goethe se divide nas
preservação, metodologia científica, prospecção cromática, pintura. universidades em três
matérias: a cor física
(óptica física), a cor
fisiológica (óptica
This paper approaches the work guidelines of the chromatic researches in cultural heritage fisiológica) e a cor
química (óptica físico-
buildings. The study was based on the discussion which occurred along the identification química).
and cataloguing of the colors in the chromatic research in the Palácio Itaboraí (Petrópolis, 3
Os comprimentos de
onda das lâmpadas
Rio de Janeiro). The results can change from the exposition to the bad weather, the chemical fluorescentes vão
reactions of the painting layers, to the change of catalogs of colorpaints. Therefore, researches produzir uma luz
semelhante a do sol, mas
need to take into account the interference of the environment which compromise direct and a distribuição dos
comprimentos de onda
indirectly the results. é diferente, além de
conter poucos
comprimentos de
ondas vermelhas. Uma
bola vermelha dentro
de uma sala iluminada
1. Introdução com luz fluorescente
aparecerá marrom.
Este artigo tem o objetivo de abordar tamento das superfícies. A abordagem des-
conceitualmente os diversos parâmetros se problema depende da proposta de res-
que guiam os trabalhos de prospecções tauração como um todo, resultante de aná-
cromáticas em bens culturais edificados. lises pormenorizadas do edifício ou conjun-
A iniciativa em realizar este trabalho par- to de edifícios e do ambiente em que estão
tiu, a princípio, pelos diversos inseridos. Todas as decisões relativas às
questionamentos e alterações que foram ações a serem desenvolvidas, incluindo-se
encontradas ao longo do processo de iden- o tratamento de superfície deveriam, de for-
tificação e catalogação das cores das ca- ma articulada, resultar dessa análise, seguin-
madas de pinturas originais das paredes do os princípios basilares que regem a res-
internas e externas do nosso estudo de tauração” (KÜHL, 2004:309).
caso, o Palácio Itaboraí (1892) em Considerando que a edificação escolhida
Petrópolis, cidade serrana do estado do Rio para este estudo de caso, o Palácio Itaboraí,
de Janeiro. Neste aspecto, acreditamos que é eclética, foram registrados inúmeras refe-
a descrição da professora Drª. Beatriz Kühl rências de cores nas esquadrias, paredes, for-
relata de forma clara nossa preocupação: ros, ornamentos e fachadas. Isto se deve,
“[...] uma questão de primordial impor- de acordo com nossas investigações, às di-
tância a ser considerada nas intervenções versas condicionantes que interferiram na
em edifícios de interesse histórico é o tra- leitura da identificação e catalogação da ca- 29
Anais | Congresso Abracor 2009
Fig.1 Fachada do
Palácio Itaboraí. Acervo
mada original. Acreditamos que sejam des- Nesta fase foram realizadas, identificadas e
DPH/COC, 2004. de a exposição da tinta às intempéries do catalogadas diversas prospecções cromáticas
substrato prospectado; as reações químicas das camadas de pinturas originais. A segunda
de vernizes e seladores sobre as camadas de fase, com o escopo de complementar a pri-
pintura; a mudança de catálogo de tintas meira, foi realizada pelo próprio DPH. Nes-
pelo mercado comercial, até a terminolo- ta, foram realizados desenhos com a repre-
gia aplicada para compartimentos e elemen- sentação gráfica das cores e suas localizações,
tos arquitetônicos. A fim de compatibilizar além de compatibilizar as cores anteriormen-
as cores das camadas de pintura originais te catalogadas. Durante a compilação da pri-
com tintas comerciais, foram realizados es- meira fase, identificou-se uma série de
tudos gráficos e avaliações constantes entre condicionantes que interferiram numa leitura
os restauradores e os resultados encontra- clara dos resultados levantados. Dentre estes:
dos. a alteração do catálogo de referência de tintas
Os serviços de intervenção foram realiza- – na primeira fase utilizou-se o catálogo de
cores da Internacional. Enquan-
to que na segunda fase, as re-
ferências foram os Catálogos
da Ypiranga e o da Ibratin; a
terminologia do registro das ca-
madas; a nomenclatura dos
compartimentos distinta; a ter-
minologia de elementos
arquitetônicos (portas,
esquadrias e ornamentos das
fachadas); os condicionantes
climáticos que interferem na
avaliação da umidade (ascen-
dente e/ou descendente); as
condicionantes da técnica de
preparação dos suportes para
pintura de acabamento (verni-
dos na edificação tombada pelo IPHAN em zes ou seladores aplicados sobre as camadas
duas etapas, ambas coordenadas pela equi- de pinturas originais que reagiram quimicamen-
pe do Departamento do Patrimônio Histó- te causando alterações cromáticas).
rico (DPH), da Casa de Oswaldo Cruz, da A partir desta introdução e deste pequeno
Fundação Oswaldo Cruz, no período de mar- histórico dos serviços realizados de prospecções
ço 2006 a outubro 2007. A primeira fase cromáticas no Palácio Itaboraí, traçaremos al-
dos serviços foi executada pela equipe da guns conceitos dos quais consideramos rele-
empresa Arte Memória Restaurações LTDA. vantes na avaliação deste estudo.

2. A importância da cor para a arquitetura

A arquitetura sempre tirou partido da co- simbologia, incluídas nisso as cores. As-
loração, seja pela cor de sua substância, seja sim, cada cor carrega consigo uma histó-
pela enfatização das propriedades cromá- ria e uma variedade de significados e de
ticas dos materiais incorporados ou pela funções, que podem variar desde a distin-
introdução de revestimentos cromáticos na ção de tubulações e encanamentos nas
superfície de seus espaços. As cores fa- construções até sua aplicação em instala-
zem parte do espaço que nos cerca, no ções hospitalares enquanto status
entanto são poucas as vezes que paramos terapêutico.
para contemplá-lo, de destingir suas Em se tratando de preservação de
nuances e de explorá-las em projetos de edificações históricas, Cesare Brandi de-
arquitetura (técnica do trompe-l´oeil). fendeu o objetivo fundamental do restau-
Sendo a cor uma realidade sensorial, se- ro afirmando “mantenere in efficeienza,
gundo os estudos de psicologia, estas atu- facilitare la lettura e trasmettere integral-
am sobre a emotividade humana, produ- mente al futuro [os valores essenciais da
zindo sensações de movimento, de pro- obra de arte]”1. Desta maneira não pode-
fundidade e de claridade. Em diferentes mos objetivamente negar a importância da
épocas as sociedades utilizaram códigos cor na definição dos conceitos de “apre-
culturais, isto é, certos elementos de uma sentação visual” dos edifícios históricos.
30
Anais | Congresso Abracor 2009
Ressaltamos ainda, que a pintura de uma ginal, podendo estas, ser de técnicas di-
superfície arquitetônica representa a sua versas.
“pele”, e assim podemos dizer que se tor- Existe assim uma variedade enorme de
na uma “camada de sacrifício” em relação situações que se deve relevar na questão da
ao ambiente, sujeita às várias formas de cor em superfícies arquitetônicas históricas,
deterioração. Por um lado, pelo meio am- onde o quesito básico deva sempre consi-
biente: sol, chuva, poluição, variação de derar o histórico-crítico das edificações,
temperatura. Por outro, às diversas além das técnicas e produtos empregados
repinturas sobre a camada de pintura ori- na época da construção.

3. A diversidade cromática do ecletismo


Acreditamos que em qualquer processo te extraído de cochinilhas (cor-de-rosa), da
de intervenção em edificações de interesse pigmentação natural das argamassas de re-
histórico, tendo como exemplo nosso estu- vestimento à base de argila ou, mais tarde,
do de caso, uma das questões a serem con- a introdução de pigmentos de terras finas
sideradas é o tratamento conferido às su- acrescentadas à cal, coloração ocre amare-
perfícies. O Palácio Itaboraí, um exemplar lada (SEMINARA, 1987). Contudo, em
da arquitetura eclética de 1892, apresenta meados de 1870, com a introdução de
em suas paredes internas e externas uma ar- exemplares da arquitetura eclética nas ci-
gamassa à base de cal, e consequentemente, dades, o aspecto cromático das fachadas é
toda a pintura destas, também à base de fortemente alterado. Essa diversidade cro-
cal. mática foi possível pela produção, na Euro-
A maior parte da nossa arquitetura his- pa, de pigmentos com maior estabilidade
tórica, civil, religiosa ou militar, foi cons- em meios de pH extremo (RIBEIRO, 2003,
tituída de alvenarias revestidas com tinta à 2005). Assim, com a possibilidade de im-
base de cal, sejam alvenarias de pedra de portação dos pigmentos industrializados
mão, sejam paredes de terra. Assim, a pa- (como o azul, verde e castanho), e da ado-
leta de cores estava sujeita às restrições pro- ção do óleo de linhaça enquanto veículo, a
porcionadas por um desenvolvimento li- aristocracia podia ter acesso à nova
mitado tanto da sociedade em geral como tecnologia e à decoração sofisticada de es-
das suas técnicas em particular. A cal era tuques. Se por um lado os pigmentos natu-
extraída de fontes biogênicas (recifes ou rais de origem mineral, vegetal e animal
mananciais conchíferos) ou a partir de ou- eram mais estáveis e duráveis, as novas co-
tras jazidas de calcário. No final do século res químicas apresentavam maiores varie-
XIX, manuais de engenharia e arquitetura dades, contribuindo para a tendência de
informavam que, enquanto as construções acentuar os contrastes cromáticos
nas cidades do litoral se caracterizavam por (SEMINARA, 1987). No entanto, até a vira-
alvenarias de pedra e cal, com revestimen- da do século XIX a maior parte do veículo
to argamassado e caiada (cal extraída de das tintas empregadas ainda era à base de
conchas), nas vilas do interior a cal era rara. cal. A cal, por sua vez como pigmento bran-
O transporte era dispendioso, à base de co, sendo hidratada cálcica, magnesiana ou
lombo de burro, e as técnicas construtivas dolomítica, possui excelente poder de co-
predominantes eram aquelas variantes da bertura como componente de diferentes ti-
arquitetura de terra e não recebiam nenhum pos de tintas. Essa virtude é atribuída às suas
tratamento final do tipo caiação (RIBEIRO, diversas características: cor extremamente
2003, 2005). branca, opacidade de seus elementos e o
Na cidade do Rio de Janeiro, devido às seu adensamento provocado pela
características do veículo da cal, a paleta recarbonatação de seus hidróxidos. Além de
de cores é inicialmente muito limitada e a ser um produto de baixo custo, de alta
tonalidade resultante é heterogênea. Assim, refletibilidade, de propriedade asséptica e
as cores da cidade eram basicamente o bran- de beleza, a qual atribui às superfícies
co e em alguns poucos exemplares, tons arquitetônicas. (GUIMARÃES, 2002)
terrosos provenientes do pigmento escarla-

4. A experiência de percepção de cores

A cor é um atributo muito utilizado na do de intervenções das superfícies de


composição tanto dos espaços urbanos quan- edificações históricas.
to dos arquitetônicos, isto sugere uma me- “Cada época possuiu a sua cultura
lhor definição e manipulação em se tratan- arquitetônica, a qual correspondeu uma es-
31
Anais | Congresso Abracor 2009
pecífica cultura cromática” (AGUIAR, pela refração. No final do século XVIII, o
2003:786) escritor e cientista alemão Goethe, apai-
Considerando a cor como uma “sensa- xonado pela questão da cor e de sua im-
ção de cor”, ou seja, uma interpretação da portância na vida do homem, passou pra-
luz pelo cérebro humano, a cor na arquite- ticamente 30 anos estudando a cor².
tura deverá ser sempre interpretada como Em diversas épocas a cor estava vincula-
a cor dos materiais utilizados quando ilu- da à beleza, ao prestígio cultural, ao instru-
minados por uma fonte luminosa. A luz, mento do poder. Ou seja, foi sempre utili-
por sua vez, é uma onda eletromagnética, zada como instrumento individualizador de
e o olho humano, não consegue diferenci- classes, atingindo o auge na explosão do
ar componentes, e sim a cor resultante. ecletismo europeu nos meados do século
Deste modo, a cor é decorrente de um tipo XIX, exatamente quanto a indústria facilita
de radiação visível, de pequeno compri- o recurso de novas tintas e pigmentos. Neste
mento de onda, situada numa diminuta tempo ocorre a popularização das artes “de-
faixa de intervalo de espectro eletromag- corativas” e dos seus ornatos e fingimen-
nético. Ou seja, a cor é o atributo da per- tos, facilitando a nova democracia
cepção visual que pode ser descrito atra- consumista da cor.
vés dos nomes usados para identificá-las, A cor mudava sempre, mas nas artes das
como: branco, cinza, preto, amarelo, etc. técnicas tradicionais, sobretudo as artes
Dependendo da intensidade do fluxo lu- ditas da cal, asseguravam uma riqueza cro-
minoso e da composição espectral da luz, mática nas superfícies arquitetônicas com
esta provoca no observador uma sensação as pátinas. Porém, no século XX, foram
subjetiva, independente de condições es- desaparecendo gradativamente a cultura
paciais ou temporais. artesanal da construção, substituída pela
Leonardo da Vinci, artista italiano da cultura industrial.
Renascença, afirmou que a cor era uma “[...] as artes ditas da cal, asseguravam
propriedade da luz e não dos objetos, algo de maravilhoso: as águas de chuvas,
como dizia anteriormente Aristóteles, fi- o vento e o sol, a própria transparência
lósofo grego e o primeiro que se tem notí- das tintas revelavam pouco a pouco os
cia a realizar uma teoria sobre as cores. tons anteriormente aplicados, o que além
Porém, foi Isaac Newton (1642-1727), fí- de proporcionar uma belíssima pátina -
sico inglês, quem provou que a luz bran- feita de expostas exposições, [...] com
ca continha todos os comprimentos de subtis variações tonais de aquarela, numa
onda e que quando esta incidia sobre um riqueza cromática que nenhuma tinta
prisma, havia então, a decomposição des- actual consegue atingir ou simular. Uma
ta nas cores do arco-íris. Assim, nesta épo- sempre exposta e magnífica arqueologia
ca, o fenômeno da coloração é explicado da cor” (AGUIAR, 2003:786).

5. Ambiência lumínica como condicionante

O processo biológico da sensação não olho humano percebe normalmente quan-


explica o fenômeno da percepção da cor. do os objetos são iluminados pela luz so-
O fenômeno da percepção da cor é mais lar. São bastante complexos os
complexo do que o da sensação da cor. Pois, condicionantes que interferem, entre estes,
enquanto na sensação entram apenas os ele- destacam-se: quantidade de luz, qualidade
mentos físicos da luz e fisiológicos do olho da fonte luminosa, tempo de exposição e
humano, na percepção podem interferir os contraste entre figura e fundo.
dados psicológicos que alteram substanci- Quantidade de luz: influencia direta-
almente a qualidade do que é visto. Para mente na discriminação do objeto, a sua
avaliar o resultado das prospecções cromá- quantidade deve ser dosada para que não
ticas é preciso perceber as cores. Para tal, seja pouca ou em excesso, pois, o excesso
entendemos que a fonte luminosa está também atrapalha a visualização, principal-
inserida como uma das condicionantes, uma mente se estiver incidindo diretamente na
vez que a percepção das cores só ocorre visão do investigador.
quando há luz. Qualidade da fonte luminosa: qualquer
ambiente, incluindo todos seus elementos
5.1. Condicionante lumínica materiais (móveis, cortinas, carpetes etc.),
Quando um objeto é iluminado por lu- muda efetivamente de cor conforme suas
zes artificiais, a cor pode mudar porque o fontes de luz. Na superfície investigada ilu-
espectro é diferente da luz solar. Assim, minada por luzes artificiais, a cor pode
as cores ditas “reais” são aquelas que o mudar3 porque o espectro (arco-íris) é dife-
32
Anais | Congresso Abracor 2009
Fig. 2, 3 e 4
Compatibi-
lização entre a
referência de cor
aplicada à camada de
pintura original da
fachada do Palácio
Itaboraí. Verificação in
locco dos três
catálogos de tintas
comerciais distintos,
utilizados nas duas
fases das prospecções
cromáticas.
(2)
Catálogo de Tintas
Internacional Porter
Paints Color Selector,
que não existem mais no
mercado;
(3)
Substituição pelo
catálogo de Tintas
Ypiranga Myx Machine
Inspiration Colour
Collection e
(4)
Catálogo de Tintas
sílico-mineral. (Fotos:
Bettina Collaro, 2007)
edade de empregos de catálogos no merca-
do, com diversos códigos que nem sempre
seguem um único sistema de classificação
das cores (como o Acoat Color Codification/
ACC), além de seu rápido surgimento e
desaparecimento no mercado, geram lacu-
nas de informação e demandam tempo para
revisões.
Terminologias e Nomenclatura dos com-
partimentos do levantamento: a ausência
de uma normatização dos termos e da
nomenclatura dos compartimentos pode
gerar dúvidas quando ocorrem durante a
rente da luz solar. Assim, as cores ditas “re- execução das obras civis. Mesmo a identi-
ais” são aquelas que o olho humano percebe ficação dos elementos arquitetônicos (por-
normalmente quando os objetos são ilumi- tas, esquadrias e ornamentos das fachadas)
nados pela luz solar. precisam ser normatizados, pois por ve-
Tempo de exposição: o tempo de exposi- zes, um único ornato pode assumir distin-
ção para que uma superfície investigada, isto tas terminologias.
é, a “janela de prospecção”, possa ser dis- Alterações químicas pontuais: a umida-
criminado depende do seu tamanho, con- de é um dos principais condicionantes cli-
traste e nível de iluminação. Se os objetos máticos que interferem na investigação.
forem pequenos e o contraste for baixo, o As condições físicas da camada de pintu-
tempo necessário poderá crescer sensivel- ra original, assim como a cor desta, ficam
mente. totalmente alteradas na presença de umi-
Contraste entre figura e fundo: todas as dade. Também prejudica a percepção da
cores colocadas na sombra parecem escu- cor original, a alteração cromática prove-
ras e tendem ao preto, ao frio, enquanto niente de reações químicas da
que na luz elas parecem mais claras e sobreposição de tintas ou seladores so-
quentes. Caso não houver o contraste, a bre a camada original. A contaminação
figura ficará camuflada e não será visível. destas intervenções, geralmente com pro-
Para se obter contrate entre figura e fundo dutos (óleo, verniz, acrílico, etc.) diver-
um dos fatores a ser considerado é o sos sobre a camada de pintura de época,
ofuscamento. Quando um objeto é mais deve ser visualizada e interpretada pelo
brilhante que o fundo, ele é facilmente investigador, a fim de não comprometer a
percebido, mas se ocorrer o inverso, ha- leitura e a referência da cor original pro-
verá uma redução da eficiência visual de- priamente dita.
vido ao ofuscamento. Estado de conservação do substrato: na
identificação do substrato (madeira, me-
5.2. Outras condicionantes tal, reboco-cimento, cal/areia, cimento/cal/
Catálogo de tinta: são úteis para o le- areia;...) e de seu estado de conservação,
vantamento arquitetônico, inclusive para podem ser obtidos ou não, dados que po-
a identificação e catalogação das cores derão influenciar na catalogação da cor da
prospectadas. No entanto, a variedade de camada original. A contaminação da ca-
tonalidades possíveis é incompatível com mada de pintura original sobre o substrato
a realidade das tintas à base de cal. A vari- está diretamente relacionada com o seu 33
Anais | Congresso Abracor 2009
6. Considerações Finais
Esta análise permitiu-nos compreender a Através deste estudo, também tivemos a
importância de estabelecer metodologias de possibilidade de aprofundar o conhecimen-
observação, identificação, registro, análise to do objeto de estudo – Palácio Itaboraí –
e interpretação da percepção das cores, das e valorizar a pertinência da pesquisa exaus-
técnicas de pintura e de tintas, na leitura es- tiva e sistemática das superfícies cromáti-
tética-histórica do monumento como um cas arquitetônicas originais, as quais são fun-
todo. Com isto, a fim de contribuir para ações damentais na caracterização estética do mo-
futuras de salvaguarda em patrimônio numento.
edificado, acreditamos que seja importante Os profissionais/restauradores poderão am-
a elaboração de uma norma, ou que critéri- pliar o discurso entre seus pares e analisar criti-
os sejam estabelecidos, a fim de gerar uma camente os resultados obtidos, apenas através
metodologia de prospecções cromáticas em da compatibilização dos parâmetros que gui-
edificações históricas. am estes trabalhos especializados.

Bibliografia
AGUIAR, José. Planear e Projectar a conservação da cor na cidade histórica: experiências havidas e problemas que subsistem. In. Encontro
sobre conservação e reabilitação de edifícios. Lisboa: 3 Encore, 2003, pp. 785-794 (vol.2).
CHAGAS, Elaine. Relatório das prospecções cromáticas do Palácio Itaboraí. Rio de Janeiro: Acervo do DPH/COC/Fiocruz, março de 2007.
GERMANI, Fabris. Fundamentos del proyecto gráfico. Trad. F. Domingo. 2ª ed. Barcelona: Ediciones Don Bosco, 1973.
GUIMARÃES, José Epitácio Passos. A Cal: Fundamentos e aplicações na engenharia civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Pini, 2002, pp. 153-163.
KÜHL, Beatriz Mugayar. O tratamento das superfícies arquitetônicas como problema teórico da restauração. ANAIS do Museu Paulista
História e Cultura Material, São Paulo, v.12, 2004, pp.309-330.
RIBEIRO, Nelson Porto. As cores da cidade na América Portuguesa: um estudo iconográfico. In: Anais do Comitê Brasileiro de História da
Arte, 24, Belo Horizonte, 2005. (1 CD)
RIBEIRO, Nelson Porto. Técnicas construtivas tradicionais das alvenarias no Brasil. In: BRAGA, Márcia (Org.). Conservação e restauro:
arquitetura brasileira. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2003.
SEMINARA, Enzo. A cor no Rio de Janeiro do século XIX. Arquitetura, v.5, 1987, pp. 28-36.
34
Anais | Congresso Abracor 2009
RHODEN, Luiz Fernando
Arquiteto, Doutor em Arquitetura e Urbanismo
Técnico do IPHAN

A preservação e a conservação
das igrejas setecentistas de origem
portuguesa no Rio Grande do Sul

Este trabalho tem a intenção de apresentar o contexto social, político e econômico em


que foram construídas as igrejas gaúchas do século XVIII, pouco conhecidas em nível
nacional. Trata-se das matrizes de Rio Grande, Viamão, Triunfo, Taquari e Santo Amaro,
cujas características arquitetônicas externas ainda estão preservadas, embora tenham so-
frido algumas alterações internas. São templos sóbrios, cujos autores, supõe-se, tenham
sido alguns dos engenheiros militares que atuavam na Capitania sulista.

This paper presents the social, economical and political context where churchs were
build in Rio Grande do Sul, Brazil, during the XVIII century, wich are badly known
nationally. We focus the temples in Rio Grande, Viamão, Triunfo, Taquari and Santo
Amaro. Althought they suffered some interventions in their inner architecture, the ex-
terior aspects remain preserved. These are sober buildings, purportedly build by military
engineers of the southernmost territory.

PALAVRAS-CHAVE:
Arquitetura religiosa; Rio Grande do Sul; século XVIII; engenheiros militares.

Introdução
É comum que os brasileiros de outros esta- Trata-se das igrejas matrizes das atuais
dos, quando se referem ao Rio Grande do Sul, cidades de Rio Grande, Viamão, Triunfo,
citem sua culinária de origem italiana ou sua Taquari e da vila de Santo Amaro, no mu-
arquitetura de origem alemã, ou ainda as in- nicípio de General Câmara.
fluências espanholas de sua cultura da fron- Porto Alegre, não será objeto desta apre-
teira. Poucos sabem ou conhecem aquilo que sentação, porque embora tenha sido povoa-
seria o óbvio: a origem portuguesa do povoa- da no século XVIII, não tem mais nenhum
mento do Rio Grande do Sul. conjunto urbano original daquele período, e
Este trabalho pretende apresentar os primei- sua igreja mais antiga, a de Nossa Senhora
ros conjuntos urbanos e, principalmente, as das Dores, é do início do século XIX. O
primeiras igrejas construídas pelos portugue- mesmo acontecendo com Cachoeira do Sul
ses, no século XVIII, no Rio Grande do Sul e e Rio Pardo, cujas igrejas matrizes foram
seu estado atual de preservação e conservação. descaracterizadas no início do século XX.

O povoamento
Desde o início do século XVIII, as “vaca- e o restante do Brasil, através do litoral.
rias del mar”, como eram denominados os Na época, as terras por onde circulavam
campos onde se reunia o gado introduzido os portugueses no território sulino eram
pelos jesuítas missioneiros, era percorrida as da estreita faixa entre Laguna e Sacra-
por tropeiros e contrabandistas de gado que mento, que denominavam Rio Grande de
visavam abastecer as gerais. Para tanto, foi São Pedro e que se desenvolvia entre as
aberta em 1703, por aqueles preadores, uma lagoas dos Patos, Mangueira e Mirim e o
via de comunicação entre o território sulino mar e ao longo da costa do Rio da Prata até 35
Anais | Congresso Abracor 2009
a Colônia de Sacramento. Porém estas ain- guinte, chegou ao Rio Grande o Governa-
1
Rhoden: 1999: p. 140
2
Idem. p. 141
da eram tímidas incursões dos luso-brasi- dor da Capitania do Rio de Janeiro, Go-
leiros pelo território sulino. mes Freire de Andrade, para iniciar as de-
Em 1727, o General David Marques marcações das fronteiras estabelecidas
Pereira informava que havia sido aberto pelo Tratado de Madri, em 1750. Junto
um caminho do Rio Grande para São Pau- com ele vieram vários engenheiros milita-
lo, por Francisco de Sousa, passando pe- res, que haviam sido contratados para
los Conventos e ligando Araranguá, no li- aqueles serviços.
toral aos campos de Curitiba, no planalto. Tão logo chegou a Rio Grande, Gomes
Era a estrada da serra, segundo caminho Freire de Andrade mandou evacuar a po-
que ligava o sul ao centro do Brasil e que pulação do estreito, que estava com suas
facilitava o percurso tendo em vista não casas quase encobertas pelos cômoros de
precisarem ultrapassar grandes rios. Na re- areia, e estabeleceu a sede da vila junto às
alidade, aquele empreendimento não che- margens do canal.
gou concluir-se, mas foi-lhe dado o impul- No mesmo ano começaram a chegar ao
so inicial. Pouco tempo mais tarde, com o Rio Grande, os casais açorianos, que esta-
auxílio de Cristóvão Pereira de Abreu, o vam em Santa Catarina e que iriam povo-
caminho ficou pronto e por ele começa- ar as missões, que deveriam passar ao do-
ram a passar os animais em direção à feira mínio português.
de Sorocaba, em São Paulo. No deslocamento dos militares, entre os
No mesmo período começaram a povo- quais os engenheiros contratados, e dos
ar os campos às margens dos rios Gravataí casais açorianos, subindo a lagoa dos Pa-
e dos Sinos, com habitantes vindos de La- tos e o rio Jacuí em direção às missões,
guna e de São Paulo. A idéia do governo foram sendo criados pequenos acampa-
português era a de conquistar e conceder mentos, inicialmente com a finalidade de
sesmarias aos tropeiros, que se tornavam apoio às incursões rumo às missões, mas
sedentários. Posteriormente, os militares que se transformaram em importantes nú-
que davam baixa também conseguiram cleos no contexto da incipiente rede urba-
suas sesmarias. na existente no século XVIII, no Rio Gran-
A concessão das sesmarias transformou- de de São Pedro. Trata-se do Porto dos
se, desta maneira, na primeira grande ver- Casais, atual Porto Alegre, Triunfo, Santo
tente do processo de povoamento e urba- Amaro, Rio Pardo e Cachoeira. Esta foi a
nização do território sulino brasileiro1, que segunda vertente de povoamento do terri-
consolidou a ocupação do território por tório sulino, que tinha caráter militar, flu-
parte dos portugueses, estabeleceu uma vial e urbano 2.
base econômica e possibilitou à metrópo- Aos casais açorianos foram prometidas
le a implantação de núcleos urbanos, como inúmeras regalias, através da Provisão Ré-
Viamão. gia de 09 de agosto de 1747. Dentre elas
Em 1736, após várias recomendações estava a criação de povoados para cada
dos Governadores das Capitanias do Rio conjunto de 60 casais, com detalhadas ins-
de Janeiro e de São Paulo e do Conselho truções sobre seus traçados urbanos.
Ultramarino, o Rei D. João V mandou um Das instruções dessa Provisão Régia qua-
esquadra para, entre outras missões, fun- se nada foi aplicado, uma vez que as mis-
dar um presídio nas margens do canal de sões não foram entregues aos portugueses,
saída da lagoa dos Patos para o mar. As- houve a guerra guaranítica na sequência e o
sim, em 19 de fevereiro de 1737, o Briga- Tratado de Madri foi anulado.
deiro José da Silva Pais fundou o Presídio A situação dos casais tornou-se bastante
de Jesus, Maria, José, que deu origem à precária e somente em 1764, o Governa-
atual cidade do Rio Grande, a única povo- dor da Capitania do Rio Grande de São
ação fundada oficialmente no século XVIII, Pedro, José Custódio de Sá e Faria, man-
no território do Rio Grande de São Pedro. dou construir um povoado para os açoria-
O presídio cresceu em torno de dois nos, ao qual deu o nome de São José do
pontos focais: a capela de Jesus, Maria, Tebiquari, atual cidade de Taquari.
José, junto ao forte do mesmo nome e a Quando iniciou o século XIX, havia no
capela de Santana, junto à localidade do território sulino apenas uns poucos povo-
estreito, um pouco mais a oeste e que ser- ados mais significativos, uma vez que a
via de ponto de defesa contra possíveis Capitania esteve em constante estado de
incursões de espanhóis, vindos pela reta- beligerância com seus vizinhos espanhóis,
guarda. Em 1747 a localidade foi elevada fato que impedia a fixação de novos nú-
a vila, com o nome de Vila do Rio Gran- cleos urbanos por questões de segurança.
36 de, só implantada em 1751. No ano se-
Anais | Congresso Abracor 2009
As igrejas setecentistas do Rio Grande do Sul

Os estudos e as pesquisas sobre a história e Sul. As demais mantém, externamente, suas


iconografia dos primeiros templos do Rio características originais.
Grande do Sul ainda apresenta escassa bi- Dos autores que se debruçaram sobre o
bliografia e estão pouco documentados. De tema, deve-se citar, entre outros, os seguin-
quase todos os prédios não se conhece seus tes: Rubem Neis, Triunfo em seus inícios:
projetos originais e muito menos seus auto- parte II, 1970. Pesquisa publicada no jornal
res. Somente o projeto da igreja de São Pedro, Correio do Povo; Athos Damasceno, Artes
de Rio Grande, foi encontrado e, Plásticas no Rio Grande do Sul (1755-1900),
consequentemente seu autor também é co- de 1971. Extensa obra sobre as artes plásti-
nhecido. Das demais, muitas suposições e cas no Estado, desde seus primórdios; Fran-
poucas certezas. cisco Riopardense de Macedo, Rio Pardo: a
Quase todos os autores salientaram a con- arquitetura fala da história, 1972. Trabalho
cepção singela, despojada de luxo e o es- sobre a arquitetura, especialmente da cape-
quema formal das plantas, sem movimenta- la de São Francisco e traçado urbano da ci-
ção, com nave única e, às vezes, corredores dade de Rio Pardo, desde a fundação de seu
laterais e tribunas, que se abriam para a cape- forte, no século XVIII; Eduardo Etzel, O Bar-
la-mor e para a nave. roco no Brasil, de 1974. Obra extensa, que
Lembra-se que o período de construção trata das primeiras igrejas do Rio Grande do
das igrejas sulinas corresponde cronologica- Sul, de modo superficial; Abeillard Barreto,
mente ao período de atuação do Aleijadi- Bibliografia Sul-Riograndense: a contribuição
nho e da construção das principais igrejas portuguesa e estrangeira para o conhecimen-
mineiras, como Carmo de Ouro Preto, São to e a integração do Rio Grande do Sul, 1976.
Francisco de Assis, de São João del Rey, Trabalho muito completo, com a produção
Rosário de Ouro Preto, São Francisco de dos construtores e engenheiros militares que
Assis, de Ouro Preto e Bom Jesus de atuaram no Rio Grande do Sul, desde mea-
Matosinhos, de Congonhas. dos do século XVIII; Moacir Flores, com dois
Por outro lado, o estado de beligerância textos sobre a igreja de Viamão, intitulados:
constante da capitania do Rio Grande de São Nossa Senhora da Conceição de Viamão,
Pedro, no período colonial, implicou na proi- uma comunidade em busca de suas raízes,
bição do estabelecimento de ordens religio- de 1992 e Igreja de Nossa Senhora da Con-
sas por aqui. Apenas as ordens terceiras fo- ceição de Viamão , de 1999; José Albano
ram autorizadas a desenvolver suas ativida- Volkmer, Arquitetura Religiosa Barroca no
des tradicionais. Nas paróquias criadas no Rio Grande de São Pedro, 1994. Disserta-
Rio Grande de São Pedro, somente foi per- ção de mestrado não publicada, que trata
mitida a atuação de padres seculares. especificamente das igrejas setecentistas do
Supõe-se que os engenheiros militares te- Rio Grande do Sul e Günter Weimer, Arqui-
nham produzido a maior parte de seus ris- tetos e construtores rio-grandenses na colô-
cos, porém a mão-de-obra escassa e não es- nia e no império, 2006. Ampla pesquisa so-
pecializada talvez tenha contribuído para o bre os profissionais que atuaram no Rio Gran-
caráter sóbrio, sem maiores ornamentos, de do Sul no período colonial e no império.
com predomínio das larguras sobre as altu- Mais recentemente, foi criado o Laborató-
ras, que se percebe nos templos setecentistas rio de Estudos e Pesquisas de Arte Colonial
sulinos. do Rio Grande do Sul – LEPAC, no Instituto
Das oito matrizes rio-grandenses do sécu- de Artes da Universidade Federal do Rio
lo XVIII, uma foi demolida nos anos 20 do Grande do Sul, coordenado pela Dra. Már-
século passado – a matriz de Nossa Senhora cia Bonnet, que tem buscado desenvolver
Mãe de Deus de Porto Alegre, e duas foram estudos sobre o tema, ainda em fase inicial.
completamente descaracterizadas nos sécu- Passemos, então, à descrição dos referidos
los XIX e XX. Trata-se das matrizes de Nossa templos e de seu estado de conservação.
Senhora do Rosário de Rio Pardo e de Nos-
sa Senhora da Conceição de Cachoeira do Rio Grande - Igreja matriz de São Pedro
O projeto da igreja de São Pedro de Rio estão inseridos a nave única, capela-mor,
Grande é de autoria do então Ajudante de corredores laterais, com tribunas e as duas
Artilharia, com serviço de engenheiro, Ma- torres sineiras. Sua elevação apresenta um
nuel Vieira Leão e está datado do ano de aspecto atarracado e conflitante entre os
1755. Sua planta é a única conhecida até elementos da frontaria com as torres, ou
hoje, entre todas as igrejas setecentistas do seja, as torres parecem sobrepostas
Rio Grande do Sul. Trata-se de uma planta ao frontão sem base da fachada. Interna-
que se desenvolve num retângulo, no qual mente a igreja apresenta um altar-mor, 37
Anais | Congresso Abracor 2009
dois colaterais e seis altares laterais ao longo patrimônio nacional brasileiro, em 1938 e
3
Saint-Hilaire: 1987, p. 25
4
Dreys: 1961, p. 121
5
Volkmer: 1994, p. 222 da nave. Há evidentes diferenças formais en- passou, no final da década de 90 do século
tre vários desses altares, o que denota tam- XX, por uma grande restauração. Um dos
bém períodos diferentes de fatura. retábulos laterais foi parcialmente restaura-
O templo foi reconhecido como do, evidenciando suas cores originais.

Viamão - Igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição


Como quase todos os templos construídos quitetura religiosa e que poderia desafiar as
no Rio Grande do Sul, no século XVIII, cujos outras igrejas da vizinhança, sem se excetu-
projetos originais não foram encontrados, arem mesmo as da capital 4. O conjunto
também da matriz de Viamão não se tem apresenta uma harmonia compositiva, onde
certeza sobre o autor de seu projeto. Segun- as grandes massas verticais, das paredes,
do alguns historiadores, a autoria seria do compõem com os planos da cobertura va-
Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, no lorizados pelo telhamento de cerâmica
período em que esteve à frente do governo avermelhada 5. Sua planta se constitui numa
da Capitania, de 1764 a 1769, quando a grande nave única, mais larga que a capela-
administração estava sediada em Viamão. mor. Esta, por sua vez está separada da nave
O templo possui a envergadura de uma for- pelo arco cruzeiro e é ladeada por duas sa-
taleza, com suas duas grandes torres sineiras cristias, sendo que a da esquerda apresenta
alinhadas ao plano da fachada, e teria sido um pequeno altar com uma imagem do Se-
iniciado em 1766 e concluído em 1769. A nhor dos Passos. A nave possui um conjun-
concepção do conjunto arquitetônico dei- to de seis retábulos muito elevados, que
xa transparecer um sentido de unidade contrastam com as paredes caiadas de
plástica, que impressionou os viajantes do branco. A igreja matriz de Viamão foi re-
século XIX, que a ela se referiram com conhecida como patrimônio nacional do
entusiasmo. Auguste de Saint-Hilaire, em Brasil, em 1938 e já sofreu várias restaura-
1820, dizia que depois de São Paulo ain- ções. Na década de 70 do século XX foi
da não tinha visto nenhuma igreja compa- retirado seu forro original e substituído por
rável a essa, possuindo duas torres, bem um novo, sem que houvessem sido res-
conservada, extremamente asseada, clara tauradas as antigas pinturas, que se perde-
e ornamentada com gosto 3. Por sua vez, ram. Mais recentemente aquele templo
Nicolau Dreys, em 1849, afirmava que seu sofreu outras intervenções, como a restau-
frontispício era um notável esforço de ar- ração de seu piso original, em madeira.

Triunfo - Igreja matriz de Nosso Senhor Bom Jesus de Triunfo


Segundo alguns autores, a igreja de Nos- do mesmo tamanho da nave, e sacristias
so Senhor Bom Jesus teria iniciado em 1757, laterais muito estreitas, porém a organiza-
quando foi criada a paróquia na localidade ção da planta é idêntica à de Rio Grande.
de Forquilha, onde o rio Taquari desáqua Por outro lado, a fachada é constituída de
no rio Jacuí e que mais tarde seria denomi- duas torres sineiras, que ladeiam um fron-
nada de Triunfo. Para outros a construção tão triangular sem base, semelhante ao da
está datada de 1765, embora não exista igreja de São Pedro, de Rio Grande. As
comprovação documental. Quanto à auto- torres foram construídas em períodos dis-
ria de seu projeto, os indícios mais fortes tantes uma da outra. Uma é de 1765 e a
conduzem para o nome do engenheiro mi- outra de 1872, porém as datas foram su-
litar Manuel Vieira Leão, que em 1764 es- primidas e não se sabe, hoje, qual é a mais
tava em Taquari, próximo a Triunfo. As evi- antiga. Ao longo do tempo, a igreja já so-
dências dizem respeito às semelhanças en- freu várias modificações, sem orientação
tre as plantas e fachadas desta igreja com a técnica, que vão desde uma nova cober-
Matriz de Rio Grande, também projeto de tura, até a substituição de altares originais
Vieira Leão. e do forro da nave.
A planta da matriz de Triunfo apresenta Esta igreja não tem qualquer proteção
uma capela-mor bastante profunda, quase legal para sua preservação.

Santo Amaro - Igreja matriz de Santo Amaro


Obra de valor inestimável, a igreja de e capela-mor, separados pelo arco cruzeiro,
Santo Amaro, construída em 1787, tem uma com decoração floral de gosto popular. Ao
38
planta composta por nave única, com coro, lado da capela-mor a sacristia e a capela
Anais | Congresso Abracor 2009
mortuária, utilizada pela irmandade de Santo nalmente, com os planos e superfícies do
6
Damasceno: 1971,
p. 31
Amaro. A cobertura tem duas águas. A origi- corpo central, as áreas destas bases são 7
Idem. p. 32

nalidade desse templo está na composição de maiores, causando a impressão de uma es-
sua fachada, que é formada por três corpos: cala mais ampla de que a do edifício. O
um, central, que é a frente da igreja e dois corpo central tem frontão triangular com
laterais que, de frente, dão a impressão de rebordo curvo formando uma cimalha sali-
duas torres, mas são, na realidade, apenas gros- ente com três níveis de molduras, acompa-
sas paredes, bases dos campanários e que ser- nhando o recorte da superfície. O retábulo-
vem como dois contra-ventamentos, de alve- mor e os altares colaterais em madeira, pro-
naria, justapostos à frontaria, tal como ocorre vavelmente sofreram alterações no século
na igreja de Viamão. Uma grande porta, com XIX. Sua talha tem características popula-
guarnições em pedra de lioz, é a única aber- res.
tura que dá acesso ao interior do templo, na A igreja sofreu um longo processo de
fachada frontal. No pavimento superior, três restauração entre os anos de 2006 e 2008,
janelas, com vitrais não originais, iluminam que resgatou alguns dos seus aspectos ori-
o coro. ginais. É reconhecida como patrimônio
Sua expressão monumental foi nacional brasileiro, juntamente com o con-
alcançada pelas proporções avantajadas das junto de outros 13 edifícios e a praça da
bases das torres. Se comparadas, proporcio- vila, desde 1998.
Taquari - Igreja matriz de São José
A matriz de São José, de Taquari, é outro Em função de todos os problemas apon-
templo que apresenta dúvidas quanto à auto- tados, a igreja de São José levou em torno
ria de seu projeto. Esta igreja esta ligada à de trinta anos para ser concluída e sua úni-
administração de Sá e Faria, no governo da ca torre só foi construída no final do século
Capitania do Rio Grande de São Pedro. XIX. O conjunto apresenta aspecto externo
Aquele engenheiro militar, Governador bastante modesto. Segundo Athos
da Capitania, era o autor do projeto do tra- damasceno, é uma de nossas igrejas de
çado urbano de Taquari e em correspon- menor expressão, como obra de arquite-
dência ao Vice-Rei do Brasil, Conde da tura 7. Além de faltar-lhe porte, suas linhas
Cunha, datada de 1768, afirmava que as são de extrema parcimônia, para não di-
obras da igreja ainda não haviam começa- zer pobreza. Internamente, no entanto, não
do, por falta de recursos. De qualquer deixa de despertar interesse, pela talha
modo, em função dos diversos problemas que a reveste e a ornamenta, especial-
devidos à invasão pelos espanhóis, do mente os altares, de muito bom gosto ar-
porto do Rio Grande, que dificultavam o tístico, e as tribunas laterais, guarnecidas
atendimento das necessidades da Capita- de balaústres de madeira lavrada e
nia, por parte do governo do Rio de Janei- encimadas de dóceis rendilhados. Infeliz-
ro, o projeto da matriz de Taquari deveria mente a nave sofreu algumas intervenções
ser “tão modesto que se pudesse com a ao longo do século XX, que desmonta-
despesa e que servisse para nela se cele- ram dois de seus altares laterais e os subs-
brarem os ofícios divinos aos moradores tituíram por duas capelinhas de feição
locais e não para vanglória nossa”, afirma- neogótica. Esta igreja não possui qualquer
va, em reposta, o Conde da Cunha 6. proteção legal.

Conclusão
Embora algumas das igrejas setecentistas ros, marceneiros. Nossos arquitetos ti-
sulinas sejam contemporâneas de importan- nham formação militar e por aqui quase
tes obras realizadas nas Minas Gerais, no não circularam os tratados de arquitetura.
Rio Grande do Sul nunca houve a opulên- Tudo estava voltado para os problemas
cia e o refinamento da arquitetura e da de- constantes de preservação do domínio
coração interna mineira. territorial português, frente às investidas
As condições políticas, econômicas e dos espanhóis.
sociais da Capitania do Rio Grande de São Frutos deste contexto, as nossas igrejas
Pedro, no século XVIII, não favoreciam não deixam de ter características próprias
maiores investimentos na melhoria da qua- e marcantes, verdadeiros marcos
lidade de vida da população local e nem referenciais nas suas comunidades e me-
o desenvolvimento de atividades artísti- recedoras de serem preservadas, como
cas e artesanais, como entalhadores, importantes testemunhos de nossa his-
douradores, escultores, pedreiros, cantei- tória.
39
Anais | Congresso Abracor 2009
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40
Anais | Congresso Abracor 2009
NUNES, Maria Anilta,
restauradora, mestre em arquitetura e urbanismo.

VALLE, Ângela do,


Professora Adjunta, Departamento de Engenharia Civil, UFSC.

NAPPI, Sérgio Castelo Branco,


Professor Adjunto, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UFSC.

DIAGNÓSTICO DO ESTADO DE CONSERVAÇAO


DE RETÁBULOS COM ESTRUTURA EM MADEIRA

Os bens culturais de caráter material são constituídos por forma e matéria, passíveis de
degradação. O objetivo deste trabalho é apresentar os materiais e métodos utilizados no
diagnóstico do estado de conservação da estrutura em madeira de retábulos de igrejas prote-
gidas por legislação municipal e estadual, em Florianópolis, Santa Catarina. Os métodos de
investigação envolvem: identificação das espécies de madeira; levantamento gráfico e foto-
gráfico dos problemas patológicos existentes, técnicas de prospecção tradicionais, como
percussão, e não tradicionais, como a emissão de ondas ultrassônicas. Dos resultados
obtidos constatou-se que o uso do ultrassom favoreceu a confirmação da extensão da dete-
rioração das peças. Os resultados obtidos com a pesquisa auxiliaram a identificação das
alterações ocorridas ao longo da existência das obras em madeira e servirão de base para a
adoção de critérios para sua conservação.

Palavras-chave:
preservação, patrimônio cultural, retábulo em madeira, diagnóstico.

The cultural heritage is composed by form and matter, and liable to be decayed. This
paper intends to present the methods and materials used in the diagnosis of the state of
conservation of the structure in wood of altarpiece of churches protected by Municipal
and State legislation, in Florianópolis, Santa Catarina. The investigation methods involve:
identification of the wooden species; graphical and photographic survey of the existing
pathological problems, traditional and not traditional techniques of inspection, as
percussion or emission of ultrasonic waves. Of the results gotten in the evaluation of
the conservation state it had been evidenced that the use of the ultrasound favoured
the confirmation of the extension of deteriorated parts. The results gotten with the
research had assisted the identification of the alterations carried throughout timber
pieces existence and will add in the adoption of criteria for their conservation.

Keywords:
preservation, cultural heritage, timber altarpiece, diagnosis.

1. Introdução

Os bens culturais de caráter material são ção municipal e estadual, em Florianópolis,


constituídos por forma e matéria, passíveis Santa Catarina.
de degradação. Seu declínio pode ser atri- O retábulo caracteriza-se por ser um bem
buído a origens químicas, físicas ou me- integrado à arquitetura religiosa e, duran-
cânicas e estar associado às condições te muito tempo, foi considerado o sentido
ambientais existentes ou à ação humana. do templo, já que normalmente alcança-
Com vias à sua preservação são necessári- vam grande porte e tinham por objetivo a
os estudos sistemáticos sobre a natureza orientação e salvação dos fiéis. Constituia-
do material, as causas de sua degradação se em obra de arte respaldada no domínio
e o meio onde o mesmo está inserido. O da técnica sobre os materiais e normalmen-
presente artigo visa apresentar o resultado te esteve embasada nos tratados de épo-
do diagnóstico do estado de conservação ca. A estrutura de um retábulo é formada
da estrutura em madeira de retábulos per- por um conjunto de componentes interli-
tencentes a igrejas protegidas por legisla- gados, entre eles a armação estrutural e a 41
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 1
Retábulo-mor da
Igreja Nossa Senhora
das Necessidades.
Figura 2
Retábulo-mor da
Igreja Nossa Senhora
da Lapa.

talha. Constata-se que na sua composição sa Senhora da Lapa, situada no Ribeirão da


geralmente são utilizados materiais distin- Ilha e construída no século XIX, Figura 2.
tos, entre eles madeira, metal, adesivo, Ambas encontram-se protegidas pelos De-
pigmento, tecido e, conforme as condições cretos Municipal n.1341/75 e Estadual
existentes, talvez ocorram alterações no n.2998/98. Neste artigo serão apresenta-
seu estado de conservação. dos os materiais e métodos relacionados
Os retábulos que são objetos de estudo ao diagnóstico do estado de conservação
deste trabalho pertencem às Igrejas Nossa da estrutura em madeira, apesar do estu-
Senhora das Necessidades, construída no do completo do sistema construtivo dos
século XVIII, localizada em Santo Antônio retábulos também abranger questões per-
de Lisboa, conforme ilustra a Figura 1, e Nos- tinentes à policromia.

2. Bens culturais e preservação

Como fato histórico, as transformações holístico, ou seja, sua interação com o


tecnológicas e sociais fizeram com que, ao ambiente natural; práticas sociais ou espi-
longo dos anos, os sistemas construtivos em rituais passadas ou presentes, costumes,
retábulos e demais elementos arquitetônicos, conhecimentos tradicionais, usos ou ativi-
compreendidos aqui como documentos, dades que criaram e formaram o espaço
tenham ligação direta com sua época cons- (ICOMOS, 2006).
tituindo-se em sintomas da sociedade, por- Acredita-se que a compreensão dos bens
tanto, passíveis de interpretação. Esta afir- culturais por meio de inventário e de estu-
mação se deve ao fato, segundo Freire dos específicos sobre o material, seu esta-
(1997), de que no imaginário são articula- do e o local onde estes estão inseridos fa-
dos conteúdos individuais e grupais. Em voreça a adoção de medidas preventivas
complemento a este pensamento Manguel à sua conservação. Compreende-se ainda
(2001) cita que toda imagem tem uma his- que devam ser definidas formas necessá-
tória para contar, estando associada às idéi- rias para avaliar e remediar a degradação
as estéticas e à crítica. Argan (1998) salien- do bem cultural. Conforme Souza (1996),
ta que cada obra distingue um campo de por meio do conhecimento dos materiais
relações que se estende além de nossos dias, constituintes de uma obra de arte, é possí-
uma vez que exercem influência a distân- vel elaborar estratégias de conservação
cia nos séculos e são referencial para o fu- preventivas, já que sem o conhecimento
turo. Entende-se que a salvaguarda dos bens dos materiais que o constituem é pouco
integrados está diretamente relacionada à provável o estudo das causas e processos
preservação dos monumentos, dos núcleos de degradação. Em se tratando de estrutu-
históricos e da interação destes, com os as- ras históricas em madeira, para Teles e
pectos intangíveis. Segundo a Declaração Valle (2002), o primeiro passo à sua con-
de Xi’An, 2005, o entorno deve ser perce- servação ou restauração é conhecer o ob-
bido além dos aspectos físicos e visuais. jeto e seu estado para poder detectar a
42 Para tanto, deve-se considerar o aspecto presença de deterioração e quantificar a
Anais | Congresso Abracor 2009
degradação estrutural existente. Uma vez que Intervenções indevidas difi-
Assim, entende-se que todo conservador/ cultam as leituras históricas, tecnológicas e
restaurador deve inserir em seu trabalho estéticas do objeto e interferem em sua au-
os princípios da ciência e da tecnologia, tenticidade. Esta situação agrava-se, quan-
uma vez que suas ações precisam estar res- do é percebida a limitação de informações
paldadas no caráter interdisciplinar para e documentos históricos sobre o bem cul-
atingir o princípio da mínima intervenção tural, que também são necessários à ado-
e maior preservação sobre o bem cultural. ção de critérios durante a restauração.

3. Madeira e Umidade
A madeira tem sido utilizada por sécu- existente no meio até atingir um ponto
los para diferentes finalidades, entre estas, de equilíbrio, o que pode provocar
como suporte estrutural de obras de arte. É inchamento ou retração da peça. Tais va-
sabido que a escolha da espécie de madei- riações podem gerar problemas no supor-
ra está relacionada à função a ser exercida te e na policromia. A umidade além de
e a algumas de suas características influenciar na estabilidade dimensional da
tecnológicas, entre estas, a estabilidade madeira, também atua sobre sua resistên-
dimensional, a permeabilidade, a durabi- cia e durabilidade, podendo facilitar o
lidade e inexistência de defeitos. Conside- surgimento de biodegradação, que são
ra-se que a seleção de madeira empregada mudanças nas propriedades da madeira
na realização de obra de arte esteve relaci- ocasionadas por algum micro-organismo.
onada não só ao aspecto tecnológico, mas Salienta-se que estes efeitos podem ser dis-
também a questões práticas e econômicas, tintos, conforme a espécie da madeira e
aliadas à tradição do artista, sendo normal- as condições ambientais existentes, entre
mente utilizadas madeiras da região estas, a temperatura. Pressupõe-se que a
(UZIELLI, 1998). madeira é considerada seca quando o seu
Por se tratar de matéria orgânica, hete- teor de umidade é igual ou ligeiramente
rogênea, anisotrópica e higroscópica, a inferior ao teor de umidade de equilíbrio
madeira acaba sofrendo alterações em sua médio da região onde esta se insere, di-
conformação. Estas alterações podem es- minuindo assim, a atenuação das varia-
tar associadas ao produto da ação de ções dimensionais e, por conseguinte, as
micro-organismos e insetos xilófagos ou deformações. Para a região de
ocasionadas por mudanças higrométricas Florianópolis, o valor é de o teor de umi-
da madeira que, exposta a condições de dade de equilíbrio médio é 16%
elevada umidade relativa do ar, adsorve a (MARTINS et al 2003).

4. Estudos de caso

Os retábulos objetos do presente estudo tipo dependente das paredes, pois o


fazem parte dos bens integrados das Igrejas entabuamento encontra-se fixado à trama,
Nossa Senhora das Necessidades, construída que está apoiada às vigas engastadas por
por volta de 1759 e localizada em Santo sua vez à alvenaria. O fundo do retábulo
Antônio de Lisboa, e Nossa Senhora da Lapa, é constituído por um sistema misto, ou
sagrada em 1806 e situada no Ribeirão da seja, de um lado a estrutura está sustenta-
Ilha, ambas em Florianópolis, SC. da por dois consolos engastados à alvena-
ria e do outro o barroteamento está sus-
4.1. Retábulo-mor da tentado por esteios apoiados ao piso.
Igreja Nossa Senhora das Necessidades
Trata-se de um retábulo em madeira, 4.2. Retábulo-mor da
estilo rococó e segundo fontes históricas Igreja Nossa Senhora da Lapa
foi construído em 1759, entretanto sua Retábulo em madeira policromada e
autoria é desconhecida. Sua feição atual é dourada, estilo rococó, executado entre
proveniente de reformas ocorridas entre fins do século XIII e princípio do XIX, sen-
os anos de 1862 e 1950 (NUNES, 2006). do desconhecida a sua autoria. Ao longo
A parte anterior do retábulo encontra-se de sua existência sofreu algumas interven-
separada dos fundos por uma parede em ções que alteraram sua feição e seu siste-
alvenaria. Seu sistema de ancoragem é do ma construtivo.
43
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 3
Inspeção visual.
Retábulo-mor da Igreja
Nossa Senhora da
Lapa.
Figura 4
Inspeção com
perfuração.
Figura 5
Posicionamento
dos transdutores na
superfície para leitura
no sentido transversal.
Figura 6
Local onde foram
posicionados os
transdutores e posterior
remoção de gel.

5. Materiais e Métodos

5.1. Inspeção do estado de conservação tegridade física das peças utilizando-se o


do suporte aparelho portátil ultrasonic non-destructive
Foram levantados, identificados e fotogra- digital indicating tester – PUNDIT®, com
fados os problemas patológicos existentes frequência de pulso de 200 kHz. O apare-
Figura 3
. Nos procedimentos aplicados cons- lho registrou o tempo de transmissão de uma
tam métodos tradicionais, considerados não onda na direção longitudinal da madeira,
destrutivos, do tipo inspeção visual, aus- para as distâncias de 30 cm e 50 cm, em
cultação, percussão e perfuração Figura 4. Es- média.
tes métodos são de grande valia, pois indi- No sentido transversal da madeira, os
cam os danos existentes na madeira, tais pontos de medição foram espaçados com
como deformações, fendas e ataque de agen- distâncias entre 30 cm e 50 cm na direção
tes degradadores. Entretanto, segundo longitudinal às fibras, conforme ilustra a
Figura 5
Gorniak e Mattos (2000) nestas inspeções . Entre os transdutores e a superfície
obtém-se apenas valores qualitativos, poden- da madeira, utilizou-se como acoplante
do a realidade ser mascarada. uma substância viscosa tipo gel para ca-
Como procedimento complementar à belos, que foi removida após a leitura do
análise do estado de conservação das pe- tempo de propagação da onda com papel
ças, optou-se pelo uso da técnica não tradi- toalha e na sequência com pano levemente
cional e não destrutiva do tipo propagação umedecido, para evitar o depósito de resí-
de ondas ultrassônicas. Nesta técnica, vi- duos e a formação de manchas na superfí-
brações ultrassônicas são enviadas por um cie da madeira Figura 6.
transmissor e são captadas por um recep-
tor, sendo a velocidade da onda calculada
a partir do tempo de propagação do pulso e
da distância existente entre os transdutores.
A velocidade de propagação é influenciada
por diversos parâmetros, tais como o teor
de umidade da madeira e o estado de sani-
dade do material.
Com base nos dados obtidos em labora-
tório quanto às espécies de madeiras exis-
tentes nos retábulos, obteve-se o valor de
referência da velocidade de propagação de
ondas ultrassônicas para madeira sã, para
distâncias entre transdutores de 30 cm e 50
cm, em seis corpos-de-prova, três de cada,
das espécies Pinho-do-Paraná e Peroba.
Em campo, primeiramente se obteve a
temperatura ambiente e em seguida na
estrutura do retábulo, fez-se a tomada do
teor de umidade existente nas peças apa-
rentemente comprometidas, conforme as
inspeções visuais, percussão e perfuração.
A leitura do teor de umidade foi realizada
em três pontos distintos das peças, um ao
centro e dois a 50 cm dos extremos desta.
44 Posteriormente, fez-se a inspeção da in-
Anais | Congresso Abracor 2009
6. Resultados
Das 27 (vinte e sete) amostras de madeiras manchas e perda parcial do suporte. Salien-
analisadas, foram identificadas 06 (seis) es- ta-se que o teor médio obtido em um dos
pécies de madeiras, todas com ocorrência no barrotes foi de 31,95% e a temperatura am-
Estado de Santa Catarina, sendo 03 (três) biente 26°C, o que favorece a proliferação
ameaçadas de extinção (IBAMA, 1992). As de fungos.
espécies identificadas de peças com função Na aplicação do ultrassom com o equipa-
estrutural de maior ocorrência foram: a mento PUNDIT®, com frequência de 200 kHz,
Peroba (Aspidosperma pirycollum) e a Ca- não se obteve uma velocidade de propagação
nela-preta (Ocotea catharinensis) ambas com constante para distâncias de 70 cm entre os
(25,92%), seguidas da Capororoca (Rapanea transdutores. Houve a atenuação da transmis-
sp) (18,52%); por fim o Pinho-do-Paraná são das ondas de ultrassom na distância de
(Araucaria angustifolia) (07,41%) e a Cane- 100 cm entre os transdutores nos barrotes de
la-sassafrás (Ocotea odorifera). Com função Pinho-de-Paraná (seção transversal de 10 cm
ornamental foi identificado o Cedro (Cedrela x 16 cm). Constatou-se a diminuição da ve-
fissilis) (15,79%). locidade de propagação das ondas
Na avaliação do estado de conservação ultrassônicas em áreas degradadas, conforme
constatou-se que algumas peças foram ata- a Tabela 1, sendo esta diminuição de veloci-
cadas por térmitas, entretanto nenhum indi- dade de propagação mais acentuada onde o
víduo vivo foi encontrado. Também se cons- teor de umidade na madeira encontrava-se
tatou o ataque de micro-organismos elevado, coincidindo com os resultados da
xilófagos, provocando o aparecimento de literatura consultada.

Tabela 1 – Apre-
sentação dos valores
médios da velocida-
de de propagação da
onda ultrassônica no
sentido longitudinal
em barrote de Pinho-
do-Paraná seção
10cm x 16cm.

Conclusões
As madeiras identificadas e empregadas na ção de ondas ultrassônicas em áreas de-
execução do retábulo-mor da Igreja Nossa gradadas, sendo mais acentuada nos pon-
Senhora das Necessidades são oriundas da tos onde o teor de umidade na madeira
região e suas propriedades estão de acordo encontrava-se elevado. O uso do ultrassom
com a função exercida. A Peroba favoreceu a confirmação da extensão da
(Aspidosperma pirycollum) é predominan- deterioração das peças, contudo não foi
te nas peças estruturais e o Cedro (Cedrela possível levantar com exatidão a porcen-
fissilis) nos elementos ornamentais. A tagem da área comprometida, tendo em
Capororoca (Rapanea sp) e o Pinho-do- vista a dificuldade em obter-se uma leitu-
Paraná (Araucaria angustifolia) são produ- ra estável do tempo de transmissão da
to de intervenções na estrutura do retábulo- onda em alguns pontos. Acredita-se que
mor da Igreja Nossa Senhora das Necessi- em parte este problema esteja relaciona-
dades. Possivelmente o critério utilizado ao do à superfície irregular, já que em al-
longo dos anos na seleção de madeiras para guns casos a produção da madeira é do
a substituição de peças degradadas tenha tipo falquejada.
se baseado, primeiro, no uso de madeiras Os resultados obtidos com a pesquisa
existentes na região e, em segundo, de es- auxiliaram a identificação das deteriorações
pécies disponíveis no mercado. ocorridas ao longo da existência da estru-
Algumas espécies de madeiras encontra- tura. Como pesquisas futuras, indica-se a
das possuem durabilidade média e, prova- investigação de mais dimensões de seção
velmente devido às condições existentes no transversal para as mesmas espécies. As in-
local, como falta de manutenção, alto teor formações obtidas a partir da identificação
de umidade e ventilação deficiente, apre- da madeira e das condições de conserva-
sentam-se deterioradas. ção são de fundamental importância para
Na aplicação do ultrassom observou-se a elaboração de um plano que vise a pre-
a diminuição da velocidade de propaga- servação dos retábulos. 45
Anais | Congresso Abracor 2009
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Anais | Congresso Abracor 2009
ZANCHETI, Sílvio
Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1989) e pós-doutorado pela
International Centre For The Study Of The Preservationa And Restoration Of (1996).Professor da
Universidade Federal de Pernambuco/ Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano -
MDU/UFPE. É pesquisador e Presidente do Conselho Administrativo do Centro de Estudos
Avançados da Conservação Integrada (CECI)

LIRA, Flaviana
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE (MDU/UFPE).
É pesquisadora e Diretora associada do CECI.

PICCOLO, Rosane
Mestre em Desenvolvimento Urbano pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Urbano (MDU/ UFPE). É pesquisadora e membro do Conselho Científico do CECI.

DA AUTENTICIDADE NAS CARTAS


PATRIMONIAIS AO RECONHECIMENTO DAS
SUAS DIMENSÕES NA CIDADE
Agradecimentos: Este artigo baseia-se em um estudo desenvolvido no âmbito do Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU/ UFPE), que contou também com a
colaboração da arquiteta e mestranda Catarina Dourado e do arquiteto e mestre Fábio
Cavalcanti.

A condição de ser autêntico é requisito fundamental para atribuição de interesse


patrimonial ao bem cultural. Atualmente evidenciam-se esforços para entender como
a autenticidade se manifesta e como ela é reconhecida e tratada. As “cartas patrimoniais”
refletem uma busca pela compreensão teórica e operacional deste conceito, visando à
preservação do patrimônio cultural. Todavia, é ainda latente a necessidade de
aprofundamento para esta noção. No intuito de contribuir para a compreensão e reco-
nhecimento da autenticidade no complexo espaço da cidade, este trabalho propõe
uma reflexão sobre a autenticidade a partir de duas dimensões reconhecíveis no espa-
ço urbano: a objetiva e a construtiva. A percepção dessas dimensões da autenticidade,
todavia, está inteiramente vinculada à capacidade expressiva da cidade, ou seja, a
medida em que seus atributos físicos expressam sua verdade e genuinidade.

Palavras chaves:
autenticidade, cartas patrimoniais, cidades

The condition of their being authentic is a fundamental requisite for attributing heritage
interest to the cultural asset. The “heritage charters” reflect a search for theoretical and
operational understanding of this concept, and thus target the preservation of the cul-
tural heritage. However, even although advances were observed in building up pieces
of theoretical and methodological understanding, there is a latent need for a conceptual
and operational deepening of the notion of authenticity. With the aim of making a
contribution to comprehending this notion in the complex space of the city, this paper
argues for reflecting on authenticity by setting out from two recognizable dimensions
in urban space: objective and constructive authenticity. The perception of these
dimensions is, however, entirely linked to the ability of the city to express itself, that is,
the extent to which its physical attributes should be able to express their truth and
genuineness.

Key-words:
authenticity, heritage charters, cities

Introdução

O entendimento de autenticidade no patrimoniais. Todavia, as discussões desen-


campo da Conservação Urbana tem sido volvidas nesses documentos não têm se
primordialmente difundido pelas cartas mostrado suficientes para abarcar a com-
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Anais | Congresso Abracor 2009
plexidade do conceito e sua (2000) uma obra falsa ou plagiada pode
operacionalização na proteção dos bens ter a mesma capacidade de mobilização
culturais. contemplativa e de fruição estética que
Na ótica da conservação urbana, a au- uma original. O importante em tais situa-
tenticidade é a medida do grau com que ções é que a obra esteja corretamente
os atributos do patrimônio cultural, forma identificada e num local específico para
e design, materiais e substância, uso e fun- ‘cópias e falsificações’ (SLOGGET, 2000).
ção, tradições e técnicas, locação e assen- A abordagem do Turismo acerca do
tamento, espírito e sentimento, e outros patrimônio cultural entende que “há me-
fatores (UNESCO, 2005), testemunham nos preocupação sobre o que é ‘autênti-
com credibilidade a sua significância. co’ num senso histórico apurado e grande
No caso das cidades, a busca da autenti- ênfase é dada para o que é ‘atrativamente
cidade torna-se mais complexa devido a autêntico’” (BURNETT, 2001, p. 39).
sua dinâmica construtiva. Neste sentido, Portanto, é por meio do aporte com es-
este trabalho propõe um debate sobre a ses campos do conhecimento, que o estu-
autenticidade da cidade como condição do propõe uma ampliação do conceito de
essencial para sua efetiva proteção. Dessa autenticidade, baseado no que será deno-
forma, é necessário verificar como a au- minado adiante de dimensões da autenti-
tenticidade se manifesta e como pode ser cidade. Para tanto, este artigo está
reconhecida na cidade. estruturado em quatro partes. A primeira
Nesse sentido, as interfaces com outras refere-se às variações de significado e fun-
disciplinas que também enfocam este ção pelas quais a autenticidade passou no
tema, como a Teoria da Arte e o Turismo, tempo. A segunda enfoca como a autenti-
trazem contribuições significantes para cidade é conceituada e operacionalizada
aprofundar o entendimento sobre essa nas cartas patrimoniais. Na terceira parte
noção no campo da conservação urbana. são traçadas considerações sobre a cidade
No campo da Teoria da Arte, por exem- enquanto produto de um processo criati-
plo, a autenticidade de uma pintura ou es- vo e evolutivo e é proposta uma nova for-
cultura, ainda que diga respeito diretamen- ma de tratar a autenticidade, consideran-
te à comprovação de sua autoria. Mas, con- do suas diferentes dimensões. Ao térmi-
forme nos informa Dutton (2003) e Slogget no, são feitas considerações finais.

1. A Noção de Autenticidade
Etimologicamente, autenticidade apare- afirma que, em muitos casos, as pessoas
ce como o substrato do que é autêntico. procuram construir uma identidade autên-
O conceito de autêntico refere-se a ser le- tica e, quando não a alcançam plenamen-
gítimo, genuíno, tanto em relação a ser te, tornam-se inseguras e colocam uma
uma evidência verdadeira de algo, como crença exacerbada na ciência ou na
a pertencer a uma criação humana autô- espiritualidade. Por outro lado, o homem
noma. também encontrou outras formas de
Até a Idade Média, as verdades eram pré- alcançá-la, como através da criação artís-
estabelecidas pelas leis divinas e conven- tica.
ções sociais, segundo relata Taylor (1992). A arte apresenta-se como um veículo de
Com o Iluminismo se dá a ascensão da ci- expressão de sua essência humana, pois é
ência, que passa a atribuir critérios de ra- produzida através de um processo criati-
zão para as questões ligadas a fé. A partir vo que dá especificidade a cada artefato.
desse momento, autêntico passa a signifi- Uma obra produzida por meio de tal pro-
car genuíno, verdadeiro, em oposição ao cesso criativo difere de trabalhos produzi-
falso, desvinculando-se de sua acepção dos como réplicas. Jokilehto (2006, p. 4),
anterior (LOWENTHAL, 1999). Com essa referenciando o pensamento de Martin
mudança de paradigma, da fé para a ra- Heidegger, afirma que “nós podemos di-
zão, Taylor (1992) destaca que o homem zer que quanto mais uma obra represen-
moderno rompe a lógica anterior e torna- tar uma contribuição criativa e inovadora,
se responsável por produzir sua verdade e mais verdadeira e mais autêntica ela é”.
sua própria condição de existência. O exposto revela o conceito de autenti-
Os caminhos por meio dos quais se bus- cidade relativo à obra de arte como meio
ca alcançar a autenticidade perpassam tam- do homem expressar sua essência. Nesse
bém essa discussão, pois refletem a con- mesmo sentido, Ferrara (1998) sugere a
dição do ser humano e sua forma de se noção de “autenticidade reflexiva”. Esta,
relacionar com os demais. Taylor (1992) ainda que subjetiva por se tratar de uma
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Anais | Congresso Abracor 2009
busca individual, é inerentemente se modo, concorda-se com Lowenthal
intersubjetiva, pois é compartilhada com (1999), ao frisar que as gerações veem a au-
outros indivíduos e por eles validada. tenticidade de diferentes formas, refletindo suas
Levando-se esse pensamento para a ci- necessidades de verdade, padrões e credos nos
dade, constata-se que a verificação da au- usos do seu patrimônio. Desse modo, o espa-
tenticidade se dá a partir de um reconhe- ço e o tempo constituem-se em dois aspectos
cimento coletivo, ou seja, intersubjetivo, essenciais para contextualizar e definir auten-
por meio do qual a sociedade busca sua ticidade. Esta relativização espaço-temporal do
autenticidade. conceito, presente na abordagem de vários au-
A sociedade busca a autenticidade ba- tores, esta igualmente presente nas cartas
seando-se em um conjunto de regras e patrimoniais sobre o tema, como será visto a
valores mutáveis ao longo do tempo. Des- seguir.

2. A Autenticidade nas Cartas Patrimoniais

Desde a publicação da Carta de Veneza ficação da autenticidade.


(1964), quando a noção de autenticidade A publicação do documento originado
aparece pela primeira vez vinculada ao na Conferência de Nara (1994) impulsio-
patrimônio cultural, muitas discussões so- nou países a elaborarem suas próprias car-
bre sua conceituação se desenvolveram. tas a partir da ótica particular de suas cul-
No entanto, apenas em 1994 é realizado turas. Dentre esses documentos, um deles
no âmbito global um encontro para discu- merece atenção: a Carta de Riga (2000).
tir o conceito, a Conferência de Nara. A Carta de Riga (2000) sobre autentici-
A razão motivadora da realização dessa dade e reconstrução histórica do
conferência deveu-se a forma de conserva- patrimônio cultural, foi elaborada para pro-
ção de alguns dos monumentos japoneses: teger os valores patrimoniais, consideran-
pela substituição das peças deterioradas, a do-se especialmente a realidade dos paí-
cada vinte anos, reproduzindo rigorosamente ses do nordeste europeu. Diferente dos
os mesmos estilo e forma, dando com isso documentos produzidos acerca do tema
continuidade a um costume religioso pri- da autenticidade, a produção dessa carta
mitivo asiático (ITO, 1995). Tal forma de foi motivada pela necessidade de definir
conservação contrastava com a visão balizas para projetos em execução que, em
ocidentalizada da UNESCO, baseada na sua maioria buscam reconstruir ou recu-
autenticidade material dos bens culturais, perar edifícios ou partes perdidas das ci-
em detrimento à autenticidade das técnicas dades durante períodos bélicos ou de do-
e dos processos de criação e recriação des- mínio estrangeiro.
ses bens. Duas são as contribuições centrais
Portanto, em resposta as essas demandas trazidas por esta carta. A primeira foi a ten-
postas pelo Japão e por outros países, foi tativa de construir um conceito operacional
elaborado um documento na conferência e mensurável para a autenticidade, ao defi-
que definiu as balizas, válidas até hoje, para ni-la como “a medida do grau em que os
o entendimento de autenticidade. As ideias atributos do patrimônio cultural [...] teste-
centrais que o permeiam é que a autentici- munham credivelmente e exatamente seu
dade é o fator essencial para atribuição de significado [...].” (STOVEL, 2001, p. 244).
valor e que ela decorre da diversidade cul- A segunda foi demonstrar como essa é uma
tural (espiritual e intelectual), devendo seu discussão que envolve questões diferentes,
julgamento ser feito considerando o con- a depender do contexto cultural onde se
texto cultural de cada bem. processe.
Ainda que tenha havido um esforço no A análise dos documentos patrimoniais
sentido de construir um conceito para au- permite constatar que não houve grande
tenticidade, o documento originado da avanço teórico e operacional sobre auten-
Conferência de Nara não conseguiu alcan- ticidade desde a publicação do Documen-
çar uma definição precisa, limitando-se a to de Nara (1994, havendo ainda uma cla-
propor atributos ou fontes de informação ra necessidade de maiores
por meio dos quais a autenticidade poderia aprofundamentos. As lacunas se apresen-
ser identificada. Para tanto, aos critérios já tam na complexidade de sua conceituação
presentes no Guia Operacional de 1978 da e nas dificuldades de operacionalização.
UNESCO (desenho, materiais, técnicas Em razão desse fato, este artigo propõe
construtivas e entorno), foram incluídos uma discussão sobre a autenticidade a
outros: uso, função, espírito e sentimento e partir da construção de novos meios para
outros fatores internos e externos para veri- seu entendimento, especialmente ao se
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Anais | Congresso Abracor 2009
tratar do complexo e polissêmico espaço da crítica à conservação urbana, ou seja, é len-
cidade. A discussão sobre a autenticidade te indispensável para olhar o patrimônio
da cidade é uma essencial fundamentação urbano.

3. A Autenticidade da Cidade: dimensões e a capacidade expressiva

Dentre diversas conceituações existentes um estado de ser relacionado à sua forma-


sobre cidade, este artigo se baseia na que a ção;
entende como uma dimensão espacial con- [II] Processo construtivo na história, um
figurada por estruturas físico-naturais e espaço enquanto perpetuação da criação;
construídas. Estas estruturas se representam [III] Capacidade expressiva atual.
como entidades significantes, relacionadas Logo, a cidade é matéria e documento
a um modo de construir, viver e ser especí- que expressa sua verdade enquanto mani-
ficos, sendo reconhecíveis enquanto parte festação de um processo criativo, constru-
essencial de um todo inteligível. tivo, presente ainda que em resquícios de
Considerar que da cidade pode emanar sua totalidade de outrora.
uma verdade, constitui-se na premissa bá- Parte-se do entendimento de que a ci-
sica para a discussão da autenticidade da dade é um espaço definido, objeto da cri-
cidade, e especialmente sobre as possíveis ação humana, que se constitui em um pro-
formas de reconhecê-la. Desse modo, pen- cesso evolutivo resultado da vida e da di-
sar a cidade em sua condição de autenti- nâmica de sua sociedade, e que tem a ca-
cidade requer admiti-la como um artefa- pacidade de se expressar.
to: I) do gênio humano; II) singular, espe- A partir destas considerações, a autenti-
cífico e não-ordinário; III) de cidade da cidade pode ser compreendida
representatividade local e potencialmen- a partir de duas dimensões distintas e com-
te universal. plementares. A dimensão material (i), que
Referindo-se a estes aspectos, coloca-se se refere à sua criação enquanto matéria
em primeira instância que a cidade deve reconhecida como documento, onde está
se constituir em um artefato humano cole- gravada sua condição de existência, rela-
tivo. Artefato construído através de sua cionada ao “ato criativo encarnado na
inerente força criadora e transformadora matéria e inscrito na história” (PHILLIPOT,
que nele vive e determina o que se modi- 2002). E a dimensão construtiva (ii), que
fica e preserva. Em segunda instância, a se refere à capacidade de reprodutibilidade
cidade ou parcela desta, deve revelar uma de sua dinâmica construtiva – inventiva.
singularidade e especificidade que a dife- Em outras palavras, à maneira como a ci-
re de tantos outros exemplares. Esta carac- dade se realiza, relaciona e se reproduz.
terística é inerente ao seu caráter não-or- Percebe-se que a primeira dimensão da
dinário, expresso na sua essência enquan- autenticidade expressa a verdade da cida-
to representação original. Em última ins- de enquanto memória viva e a segunda,
tância, a cidade deve ser compreendida como o saber edificar.
enquanto referência fundamental para a É importante enfatizar que a condição
percepção tanto de particularidades locais, para o reconhecimento da autenticidade
quanto de sua universalidade potencial, material e/ou construtiva de uma cidade
ainda que não reconhecida. está na sua expressividade. Ou seja, na
Em síntese, pode-se dizer que estes três capacidade expressiva (iii) que seus atri-
atributos estão intimamente ligados à au- butos físicos e/ ou seus processos de cria-
tenticidade, já que esta se expressa pre- ção e recriação têm, possibilitando que a
ponderantemente por meio deles na cida- autenticidade seja reconhecida
de. Desse modo, estes atributos são pré- intersubjetivamente por uma sociedade. As
requisitos básicos para que a cidade possa seções seguintes ampliam as discussões
ser tida como autêntica. sobre cada uma das dimensões, bem como
Em alguns casos específicos, seria possí- sobre a capacidade expressiva da cidade.
vel identificar a autenticidade da cidade
em sua totalidade física. De maneira ge- 3.1 Dimensão Material
ral, o que se observa é a existência de de- A autenticidade em sua dimensão mate-
terminados recortes urbanos portadores de rial é percebida através da matéria, consti-
sua condição genial, singular e represen- tuição física que conforma a cidade. Entre-
tativa. Portanto, para se verificar a autenti- tanto, para tratar dessa dimensão da auten-
cidade destes espaços urbanos delimita- ticidade é necessário fazer algumas consi-
dos, estes devem refletir: derações sobre sua condição material.
[I] Espaço enquanto criação, por emanar A maioria das cidades teve sua constru-
50
Anais | Congresso Abracor 2009
ção ao longo do tempo, não sendo produ- 3.2 Dimensão Construtiva
tos de um único momento de formação ou Nessa dimensão, a autenticidade é per-
único ato criativo. Da mesma maneira que cebida por meio da apreensão dos proces-
a cidade forma-se com o tempo, ela se trans- sos construtivos da cidade em sua dimen-
forma em seu decurso, através de sucessi- são material, os quais podem se manifes-
vas intervenções sobre a matéria construída. tar de formas distintas no tempo. Tais pro-
Portanto, deve-se ressaltar que a maior par- cessos podem ser apreendidos a partir dos
te das cidades constitui-se em artefato de- seus produtos, representados fisicamente
positário da matéria construída ou de res- pela matéria edificada.
quícios dela acumulados na história. Tratando-se de cidades, devem-se consi-
Assim, a cidade resulta de sucessivas derar a matéria, espaço e temporalidade,
unidades materiais que evidenciam dife- elementos que condicionam a verificação da
rentes atos criativos situados no seu tem- autenticidade. Assim, metodologicamente,
po de transformação e evolução. Estes atos essa dimensão pode ser investigada adotan-
criativos que se materializam em formas do-se como ponto de partida suas possíveis
construídas podem ser interligados através validades temporais, entendidas e presentes
de relações lógicas. nos processos que: i. existiram no passado e
A cidade materialmente conformada por permanecem até o presente; ii. existiram no
fragmentos pode ser considerada autênti- passado e foram retomados no presente.
ca na dimensão material, se esses fragmen- Estas duas validades temporais referem-se
tos apresentarem a capacidade de repre- à continuidade do processo de construção
sentar a matéria autêntica. Assim, questio- das cidades e à reprodução de determinado
na-se o limite de representatividade do processo do passado, respectivamente.
fragmento para a reconstituição da obra. A primeira situação se reporta aos pro-
Ou seja, até que ponto a partir de um frag- cessos que advêm do passado e permane-
mento, é possível reconstituir mentalmente cem até o presente, possibilitando a ma-
o artefato urbano que ele representa? nutenção e reprodutibilidade de práticas
A esse limite de representatividade do pretéritas, ainda que incorporando elemen-
fragmento da obra, o critério de Cesare tos e práticas atuais. Nesse caso, a autenti-
Brandi estabelece uma correspondência cidade é percebida por meio da manuten-
entre a parte e o todo, mediante a “unida- ção da continuidade do processo que deve
de potencial da obra”. Esta caracteriza a estar associado fundamentalmente às for-
inteireza do ato criativo, em que as partes ças vitais da sociedade. A dimensão cons-
não são autônomas, mas constituem um trutiva da autenticidade subsiste quando
todo inteligível (BRANDI, 1963, p. 42). permanece a condição de reprodução re-
As lacunas da cidade, por sua vez, não novada das práticas passadas por esta pró-
se constituem apenas na ausência da ma- pria sociedade (PHILIPOT, 2002, p.17).
téria. Estas podem se referir à ausência do A segunda situação sobre a validade tempo-
elemento articulador que potencialmente ral, refere-se a um novo ato criativo que se
possibilita a reconstrução mental do todo. conecta logicamente com o pré-existente. Nessa
Seguindo a idéia que Brandi desenvolve ao situação, apesar da ruptura, o processo respon-
tratar das lacunas na pintura, pode-se de legitimamente ao contexto presente e bus-
analogamente, transpor o raciocínio para a ca uma ligação vital com o passado. Assim, as
cidade. No caso do tecido figurativo urba- variáveis temporais distintas configuram outro
no, as lacunas constituem-se na ausência processo em consonância com a demanda vi-
de elementos articuladores entre os proces- tal do presente. Entretanto, este novo processo
sos constituídos ao longo do tempo. Estas é calcado na essência construtiva que no pas-
ausências atuam como partes exógenas ao sado orientou a construção e desenvolvimento
conjunto, que podem macular a unidade da cidade em questão. Nesses casos, apenas o
potencial da obra. Nesse contexto, se en- registro material do seu resultado de constru-
quadram as situações da ausência de algum ção é identificado. O artefato existente repre-
elemento considerado autêntico, ou da senta o processo extinto, já que a partir da
edificação de elementos estranhos ao con- matéria pode-se percebê-lo ou compreendê-lo.
texto estilístico. Estas interferências na obra A partir de determinados registros
podem chegar a comprometer sua unida- (iconográficos ou fragmentos do bem) é
de. Logo, a ausência da lacuna, ou a intei- possível evidenciar os elos capazes de
reza do artefato, é condição fundamental estruturar a ligação dos atos criativos den-
para que se efetive a “leitura” da unidade tro de uma unidade integradora entre pas-
material da cidade, ou seja, para que a sado e presente.
autenticidade esteja expressa. Portanto, nessa dimensão, a capacidade
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Anais | Congresso Abracor 2009
de uma cidade expressar autenticidade está autenticidade está na correlação entre a per-
intimamente ligada aos processos de cria- cepção e a condição de ser do objeto, ainda
ção e reprodução de práticas passadas que que seja sobre este último o foco do presen-
chegam até os dias atuais, incorporando te estudo. Neste sentido, credita-se que a
ou não novos modos de fazer, ou práticas experiência, ou a expressividade do objeto
antigas retomadas no presente. deve ser construída no âmbito da “consciên-
cia”, pelo conhecimento tanto de suas ca-
3.3. A Capacidade Expressiva racterísticas materiais quanto da sua consti-
O reconhecimento das duas dimensões tuição construtiva, considerando o contexto
da autenticidade da cidade, material e e o processo histórico, o espaço e o tempo.
construtiva, está intimamente ligado à ca- Portanto, a capacidade expressiva da au-
pacidade expressiva dos atributos físicos tenticidade é admitida na direção objeto -
e/ou dos processos de criação e recriação sujeito, onde se coloca como questão prin-
do espaço urbano no tempo. cipal a capacidade da cidade em expressar
A indústria do turismo, ao focar seu en- para os habitantes ou visitantes um deter-
tendimento de autenticidade do patrimônio minado modo de vida do passado, intrinse-
no modo como as pessoas as vivenciam e camente relacionado ao espaço que o deli-
experimentam, diferentemente da aborda- mita, e que se mantém em sua essência,
gem comum entre os estudiosos da conser- tornando-se compreensível de forma
vação, na qual a autenticidade é tratada intersubjetiva.
como característica intrínseca ao bem, traz O “juízo intersubjetivo” (FERRARA,
contribuições importantes para aprofundar 1998) é fundamental para o reconhecimen-
a noção de autenticidade dos bens culturais. to da expressividade, pois a experiência do
Observa-se, contudo, que as experiências de lugar e a relação que se estabelece com ele,
autenticidade, quando calcadas apenas na percebida de forma coletiva, dá sentido a
“sensação” de ser autêntico não são sufici- um espaço emoldurado por determinadas
entemente credíveis, visto que as “sensa- características socioespaciais e sígnicas, que
ções” são manipuláveis, quer na mediação o identificam. Tem-se que a capacidade
do interlocutor (entre o sujeito do conheci- expressiva só é legitimada mediante o reco-
mento e o objeto), quer pelo próprio objeto nhecimento intersubjetivo da verdade da
como elemento passível de falseamento. matéria e do processo que a conformou. E
Instaura-se, nesse sentido, um conflito que como a verdade da cidade não existe por si
está na base da discussão da autenticidade, só, sem expressividade não cabe discutir a
a sua capacidade de ser distinguida do falso, autenticidade de recortes urbanos, nem tão
do inverídico, do fac-símile. pouco a identificação de suas dimensões.
Para tanto, aposta-se que a verificação da A autenticidade é uma questão de reco-

4. Considerações Finais

nhecimento, como algo intrínseco ao bem expressá-la. Essa vinculação é imprescindível


e por ele expresso, cabendo a cada socieda- no processo de gestão e nas intervenções físi-
de apreendê-la de uma dada forma. Por ser cas sobre estes bens, pois ao modificar a sua
um juízo que não é fixo no tempo históri- forma de expressão, invariavelmente sua au-
co, sua percepção varia culturalmente e so- tenticidade será afetada.
cialmente. Nesta perspectiva, a autentici- Todavia, o diálogo estabelecido nesse
dade não pode ser adicionada ao objeto; estudo, é apenas um sopro inicial nas dis-
ela é por ele expressa e cabe ao sujeito o cussões que ainda deverão ser travadas no
seu reconhecimento. campo da conservação. Entender a auten-
Esse entendimento já revela a complexi- ticidade a partir de suas dimensões possi-
dade envolvida na conceitualização e bilitou um primeiro passo no sentido de
operacionalização da autenticidade. Fato estruturar conceitos e formas práticas de
que, como abordado nesse estudo, não se compreendê-la, possibilitando a sua
encontra satisfatoriamente contemplado pe- operacionalização como instrumental ne-
los documentos balizadores da teoria e prá- cessário no âmbito das intervenções em
tica da Conservação Urbana: as cartas bens culturais. Este estudo, todavia, não
patrimoniais. Foi indo ao encontro dessas esgota as condições de reconhecimento da
lacunas, que se buscou introduzir no âmbi- autenticidade da cidade, uma vez que esta
to da Conservação Urbana, o entendimento pode ser observada a partir de outras ba-
da relação indissociável entre a autenticida- ses fundantes.
de e a capacidade que o bem cultural tem de
52
Anais | Congresso Abracor 2009
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Anais | Congresso Abracor 2009
54
Anais | Congresso Abracor 2009
Ms. MAGALHÃES, Ana Cláudia Vasconcellos
Arquiteta /Restauradora
Museu de Arte Sacra/Convento de Santa Maria Madalena

Esp. SWENSON, Mário Francisco Martins


Conservador /Restaurador
Museu de Arte Sacra/Convento de Santa Maria Madalena

1
BAZIN, 1956.
ELEMENTOS ARTÍSTICOS SOB SÉCULOS
DE HISTÓRIA – VELAR OU REVELAR?

Pretende-se, nesta comunicação, relatar e discutir a condução dos trabalhos do Con-


vento de Santa Maria Madalena, construção do século XVIII localizada em Marechal
Deodoro, Alagoas, cuja restauração se iniciou em 2007. Trata-se de uma análise dos
aspectos conceituais e dos critérios adotados no trabalho de restauro, referentes à
instância estética que o conforma como obra de arte, sem desprezar as marcas que o
tempo histórico lhe conferiu.

Palavras-chave:
convento, história, estética, restauro

The Santa Maria Convent, a XVIII th century building, in Marechal Deodoro, Alagoas,
Brazil, has been restored since 2007. Some conceptual and esthetics criteria adopted
by restorers of this building will be presented and discussed for one analysis of the
restoration work, in which its value as art work is as relevant as its historic features.

Key words
convent, history, esthetic, restoration

APRESENTAÇÃO

O Convento Franciscano de Santa Ma- Paraíba - João Pessoa, no de Sergipe - São


ria Madalena teve sua construção iniciada Cristóvão, nos da Bahia – Salvador, Cairú,
no século XVII e, no ano de 1662 foi reza- São Francisco do Conde e Paraguassu e
da a primeira missa na capelinha humilde mesmo no Convento de Santa Maria dos
que daria origem à igreja conventual. Anjos, em Penedo, Alagoas, iniciados en-
Atravessou-se mais de um século até que tre os séculos XVI e XVIII.
a obra tivesse sido concluída, o que de fato O Convento de Santa Maria Madalena
se deu em 1793, conforme atesta inscri- não foge à regra e é formado por igreja,
ção no frontispício da igreja. Nesse atra- capela da Ordem Terceira e convento, pro-
vessar de séculos é que o monumento vai priamente dito (moradia dos frades).
desabrochando, até se impor, definitiva- Compondo o cenário, estão os elemen-
mente, o complexo arquitetônico, cuja tos indissociáveis do conjunto construído:
excelência história e artística foi reconhe- o adro, amplo pátio disposto livre à frente
cida em 1964 com o tombamento federal da igreja, e a cerca conventual, nome ge-
através do Serviço do Patrimônio Históri- nérico dado à grande área não edificada,
co e Artístico Nacional – SPHAN. existente nos fundos do edifício.
Ele apresenta uma tipologia típica da cha- Tendo sido concebido e construído utili-
mada “Escola Franciscana do Nordeste”, zando a linguagem estética própria do esti-
conforme reconheceu Germain Bazin1, con- lo barroco, ali não poderiam faltar as diver-
servador-chefe do Museu do Louvre, que sas manifestações artísticas integradas à ar-
percorreu o Brasil entre 1945 e 1955. quitetura, tais como os retábulos, os púlpi-
Essa denominação diz respeito a uma tos, as sanefas, os arcos-cruzeiro, os forros,
tradição construtiva e artística reconheci- etc, todos executados em madeira esculpi-
da nas casas conventuais franciscanas do da, dourada e policromada. Destacam-se,
Nordeste, a qual foi seguida nos conven- ainda, alguns elementos em cantaria, não
tos de Pernambuco - Recife, Olinda, menos valiosos.
Igarassu, Ipojuca, Serinhaém, no da A vida no convento sempre esteve atrela- 55
Anais | Congresso Abracor 2009
Foto 1
Aspecto antigo do da às funções urbanas já que, além das ati- ali instalado o Museu de Arte Sacra.
convento ainda com os
muros demolidos na vidades religiosas cotidianamente desenvol- Devido à ausência de rotinas de conser-
restauração dos anos
70/80 vidas junto ao povo do lugar, ali eram mi- vação preventiva acumulou uma série de
Foto 2
Capela da Ordem nistradas aulas de gramática para membros degradações que comprometeram sua es-
Terceira antes da
demolição dos retábulos da comunidade. trutura física e estética.
em alvenaria / 3 -
Prospecção no piso
Entretanto, após séculos de intensa atu- Atualmente está sofrendo um processo
atual mostra o antigo em ação junto à população, devido a uma sé- restaurativo que foi iniciado em janeiro
lajota de barro e pedra
rie de condicionantes históricos, viu esgo- de 2007, o qual envolve desde seu
tadas suas funções religiosas e passa a ser arcabouço físico (coberta, alvenarias,
ocupado pra diversos usos: quartel, abri- esquadrias, pisos, etc), até os elementos
go para desabrigados da seca, seminário, artísticos integrados à arquitetura em
orfanato e, finalmente, a partir de 1984, é madeira e pedra.

O ESTADO DE CONSERVAÇÃO
Ao longo do tempo o prédio sofreu
diversas intervenções que introduziram
mudanças no seu aspecto e tipologias
originais. Destacam-se a sumária elimi-
nação das celas dos frades, a demoli-
ção de um muro que existia em frente
do conjunto (ver imagens 1 e 2), o entaipamento
de vãos de portas e janelas, novos pi-
sos colocados sobre os antigos, as vári-
as camadas de repinturas em paredes e
elementos artísticos integrados à arqui-
tetura.
A princípio, não se tinha conhecimento
de algumas dessas intervenções já que não
foi encontrado nenhum registro que as
referenciasse, exceção feita a uma obra
realizada entre os anos 70 e 80, quando
foi demolido o muro citado acima e foi
colocada a pavimentação no adro (que era vocaram degradações que atingiram o es-
em chão batido). Também nessa época paço edificado e seus recheios decorativos.
foram demolidos os retábulos laterais e Nesse sentido, destacam-se as manchas de
colaterais da nave da capela da Ordem umidade ascendente e descendente nas
Terceira, sob a alegação de que compro- paredes, a desagregação do reboco, a pre-
metiam esteticamente o espaço interno por sença de vegetação ao longo dos topos das
terem sido feitos em alvenaria, no ano paredes, fissuras, danos nas esquadrias, etc.
de1927. Na coberta, especialmente, apareceu o
As dificuldades relativas aos serviços de maior número de problemas, tais como
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manutenção e conservação preventiva pro- telhamento com quebras e perdas, ataque
Anais | Congresso Abracor 2009
de insetos xilófagos e presença de fungos nas onde houve o contato direto com as pare- 2
BRANDI, 2003

peças em madeira da estrutura. des úmidas da nave.


Mas é nos elementos artísticos integra- A oxidação presente nos cravos em metal
dos à arquitetura que se observou os maio- provocou corrosão na madeira, causando
res danos. Os forros e retábulos, datados deslocamento de partes componentes da
dos séculos XVIII e XIX, encontravam-se peça.
em mau estado de conservação em A policromia e o douramento apresen-
consequência do intenso ataque de térmitas tavam desprendimento, com perdas gene-
de solo e de madeira seca, o que provocou ralizadas, sujidades e manchas provenien-
perdas generalizadas, deixando o suporte tes de excrementos de insetos, morcegos
fragilizado e estruturalmente comprometi- e pássaros.
do. O excesso de umidade atingiu desde o Some-se a isso o comprometimento es-
suporte até a camada pictórica e o tético causado por repinturas sucessivas
douramento, principalmente nas partes sobre policromia e douramento.

A RESTAURAÇÃO
É especialmente, o desenrolar dos servi- vãos anteriormente fechados foram reaber-
ços atuais, pautados nos modernos princí- tos, valorizando os espaços internos e re-
pios da ciência da restauração, que tem cuperando relações de cheios e vazios das
possibilitado acessar áreas antes sequer fachadas.
imaginadas. Não será possível recuperar todas as per-
Nesse sentido, foram descobertas, sob das, por não haver referências suficientes e/
séculos de história, pinturas murais, assi- ou por não caber mais na condição atual
naturas e datações, elementos subjacentes do antigo convento, já que hoje se trata de
a outros, além de vãos entaipadas. um espaço museográfico.
Considerando que quase não há docu- Os exames estratigráficos feitos nas pa-
mentos gráficos e/ou iconográficos relati- redes, assim como a desmontagem de
vos às etapas de construção do convento, retábulos revelaram pinturas murais
todas essas descobertas veem acrescentan- subjacentes, pinturas essas que contribuí-
do dados ao conhecimento de sua tipologia ram para dar novos significados a ambien-
original bem como tem permitido compre- tes sobre os quais, até então, não se tinha
ender como o edifício era utilizado em sua conhecimento de sua função no conjunto
função antiga. do prédio conventual. Com isso, novos
Diante da evidência da existência de tais valores são agregados ao monumento.
elementos, a equipe envolvida na obra É justamente nessas pinturas murais até
procura valorizar as descobertas em seu então encobertas, que se encontra a gran-
caráter histórico-documental. de contribuição teórica proporcionada
Como pressuposto teórico, as interven- pela obra de restauro em curso: a possi-
ções restaurativas têm respeitado as mar- bilidade de discutir amplamente como
cas do tempo, ou seja, a instância história tratar elementos distintos histórica e es-
da obra de arte, conforme é considerado o teticamente, que se sobrepõem, mas que,
convento. Entretanto, é essa mesma con- por serem igualmente importantes, me-
dição de obra de arte que, como preconiza recem cuidado redobrado no tratamen-
Cesare Brandi 2, nos faz dar prioridade às to e critérios adotados para sua revela-
questões ligadas à estética. Desse modo, ção ou não.

CONCLUSÃO

A obra, em pleno andamento, tem sido paldo e sustentação conceitual, mas não se
conduzida pelos técnicos ali envolvidos, trata de uma “receita”. Cada caso é discuti-
com cuidado já que não existe uma regra do em sua especificidade, levando sempre
rígida a ser obedecida, sendo toda e qual- em conta as demandas da
quer intervenção, amplamente discutida. contemporaneidade, as marcas que o tem-
As respostas vão surgindo à medida que po infligiu ao monumento, mas
se apresentam os questionamentos. A teo- priorizando a valorização da imagem do
ria da restauração é utilizada para dar res- antigo convento franciscano.

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Anais | Congresso Abracor 2009
Bibligrafia
BAZIN, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Trad. Glória L. Nunes, vol. I e II, Rio de Janeiro: Record, 1956.
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MÉRO, Ernani. Santa Maria Madalena. Maceió: Sergasa, 1995.
REVISTA DO INSTITUTO ARCHEOLÓGICO E GEOGRÁFICO ALAGOANO. Certidão passada pelos officiais da Câmara da Villa das Alagoas
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TOLEDO, Franciza. (1997) “Museus quentes e úmidos”. In: ABRACOR Boletim, ano IV, nº 3, pp. 6-7.
58
Anais | Congresso Abracor 2009
Restaurador responsável: Antonio Visco Bruno
Licenciatura em desenho e plástica pela UFBA.
Pós-graduação em Conservação e Restauração de Obras de Arte pela Università Internazionalde
dell’Arte (UIA) – Itália.
É restaurador / conservador do Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia (IPAC)

Restaurador co-responsável: Juba Mello (José Alberto Luis de Mello Ferreira)


Restaurador autônomo

Restaurador co-responsável: Márcia Braga


Arquiteta e restauradora autônoma e mestre em Conservação do Patrimônio Cultural pela UFRJ.
Especializações: Design e Museologia na UIA, Conservação da pintura mural e de pedra no
ICCROM – Itália e Técnicas antigas de pintura mural no centro de formação de artesãos – Itália.

Empresa responsável: Carvalho e Toranzo Ltda

O RESTAURO DA TELA RETRÁTIL DO ALTAR-MOR


DA ANTIGA IGREJA DA SÉ DO RIO DE JANEIRO
A tela retrátil da antiga igreja da Sé do Rio de Janeiro é uma tela que encobre o altar-mor
para ocasiões especiais. Sua autoria é desconhecida. O restauro foi executado dentro da
própria igreja durante a sua restauração, de dezembro de 2007 a março de 2008. O estado
de conservação da obra com muitas perdas, a sua dimensão (7,00 x 2,50m), a sua locali-
zação presa a um chassi que corre em trilhos horizontais, os prazos necessários para serem
cumpridos e principalmente a execução dos trabalhos dentro de uma obra em curso,
caracterizam este restauro como um caso de complexidade logística.

Palavras chave
reentelamento, tela de grandes dimensões.

Levantamento do estado de conservação e diagnóstico

A tela retrátil mede 7,00m de altura por lho em sua parte inferior e é guiado por
2,50m de largura. Seu estado de conser- outro trilho em sua parte superior. Toda a
vação apresenta diversos danos, sendo os lateral esquerda tem a camada pictórica
rasgos e as perdas de tecido as maiores com problemas de desprendimento do
causas de sua deterioração. suporte, provavelmente devido a infiltra-
É feita de um linho bastante fino e assim ções. Há diversas manchas (excremento de
como a base de preparação e camada pic- morcego, tinta PVA e outras não
tórica, todos possuem espessura bastante identificadas). Algumas mossas são eviden-
reduzida. Existe também um forro solto da tes na lateral direita. A pintura encontra-
tela. Ambos os tecidos, forro e tela, estão se recoberta por uma camada sutil de ver-
presos a um chassi, que por sua vez é pre- niz oxidado. Há alterações cromáticas com
so numa moldura que corre sobre um tri- aspecto esbranquiçado e amarronzado.

Testes e execução de limpeza

Limpeza com trinchas macias para remoção de poeira.


Limpeza com varsol para remoção de poeira mais fortemente aderida.
Limpeza com mistura de varsol e água para remoção de fuligem
Testes e remoção de verniz

Foram testados diversos solventes (álcool em iguais proporções) e a solução a 10% do


etílico, álcool isopropílico, álcool hidratado, EDTA dissódico foram utilizadas da seguin-
hidróxido de amônia, acetona, nafta, varsol, te maneira: inicialmente é aplicado varsol
aguarrás mineral, acetato de etila, dimetil na superfície para fazer com que o produto
formamida) e a solução com EDTA dissódico. usado tenha sua ação mais lenta, permitido
Felizmente a remoção do verniz e das alte- assim um melhor controle. Após a remoção
rações cromáticas obteve bom resultado com do verniz e das alterações cromáticas é nova-
o uso de solventes menos tóxicos. A mistu- mente aplicado o varsol para finalizar o pro-
ra 3A (álcool isopropílico, amônia e água cesso.
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Foto 1
Durante a
finalização da limpeza.
Faceamento

Este procedimento foi utilizado com


duas funções. A primeira é de proteger a
tela durante os processos de restauro se-
guintes, especialmente a retirada da tela
do altar. A segunda é de melhorar a fixa-
ção da camada pictórica no substrato. O
faceamento foi feito com o adesivo Beva
371 e papel japonês. Previamente foram
feitos testes de resistência ao calor, seja
da tela, seja do tecido. Observação: toda
a lateral esquerda onde a camada pictóri-
ca apresentava desprendimento do
substrato e em todas as bordas das per-
das de pintura o adesivo Beva 371 foi apli-
cado a quente para refixar a camada pic-
tórica.

Retirada da tela do altar

A retirada da tela do altar aconteceu no Para existir um vão para a passagem da tela
dia 8 de janeiro de 2007. A tela encontra- uma ornamentação vertical da lateral direi-
va-se totalmente faceada. Foram fixadas duas ta foi girada através de dobradiças. A outra
roldanas na parte superior do altar (entre a lateral foi removida, apesar de ter dobradi-
abóbada e o telhado) num tubo horizontal, ças, porque a comprimento do trilho supe-
que por sua vez estava apoiado em duas tor- rior não permitia o necessário deslocamen-
res de andaimes localizadas nas laterais do to da tela para o lado oposto para a sua
camarim. Nessas roldanas foram passadas movimentação.Também foi necessária a re-
cordas que foram presas ao chassi através tirada do barrote inferior horizontal de fe-
de 10 pitons (5 de cada lado vertical) atra- chamento do vão. Neste momento consta-
vés de nós e laços náuticos. Os 12 parafu- tou-se o precário estado de conservação da
sos que fixavam o chassi na moldura retrá- peça devido a galerias generalizadas de
til foram serrados por estarem extremamen- xilófagos.12 pessoas trabalharam nesta re-
te duros para ser removidos. O andaime moção. 6 trabalharam internamente e 6 na
existente dentro do altar para execução dos parte da frente. A descida foi controlada
serviços descritos acima foi então desmon- soltando-se as cordas e baixando a tela pau-
tado para permitir a movimentação da tela. latinamente.

Retirada do chassi e higienização

A retirada do chassi da tela e do forro foi seguiu as seguintes etapas: remoção de po-
feita removendo-se os pregos separadamen- eira com aspirador de pó e pincel, limpeza
te de cada tecido. Ao se virar a tela para com varsol. Observação: foram colocadas
baixo foi possível ver uma inscrição pinta- plataformas de madeira suspensas para que
da em vermelho que está do lado direito da os trabalhos a serem executados no centro
tela, esta sendo vista por trás. Lê-se ROMA sejam feitos sem que ninguém se apoie so-
ANNO JUBILAEL MCM. A higienização bre a tela.

Planificação, medição de pH e desacidificação


A planificação é fundamental para um bom tela. Foram testadas diversas soluções de
reentelamento. É feita concomitante com a hidróxido de bário e aquela que resultou num
desacidificação das bordas, onde previamen- pH próximo ao 7 tem a concentração de 1%.
te foi feita a medição do pH da tela. Para se Nas bordas foi pulverizada esta solução e para
medir o pH usa-se um chumaço de algodão posteriormente receber peso uniforme e pla-
com água destilada e coloca-se sobre o local no. A tela estava devidamente forrada com
o papel medidor. Nos 10 pontos analisados papel mata borrão. Este processo se repete
o pH foi sempre o mesmo, ligeiramente abai- até que superfície não tenha mais ondula-
xo de 5, demonstrando uma leve acidez da ções.
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Foto 2
Durante o
Suturas ou soldagem de rasgos reentelamento.

As suturas são feitas penteando as fibras ção da tela. A remoção desses remendos foi
do tecido para sua união através de resina feita química e mecanicamente. Foi borri-
epóxi em gel. Foram encontrados rasgos com fada a mistura de água destilada morna e
remendos inadequados, seja pelo uso de um álcool etílico em iguais proporções para
adesivo que sofreu alteração cromática, seja então proceder a remoção mecânica com
pelo volume criado que altera a planifica- bisturi.

Preparo de nova cama


Foi feito o enrolamento da tela para a re- sala. O feltro foi levantado para
tirada do plástico preto e colocação de nova reacomodação do carpete, que apresentava
forração. Este procedimento foi necessário pequenas movimentações. Sobre o feltro
por não existir espaço disponível para o recolocado foi sobreposto o papel da marca
pouso da tela dentro da sala de trabalho, Melinex (folha de poliéster) de espessura
nem em outro lugar qualquer da igreja. Não de 0,012 microns. As tiras de 1 metro de
causou dano algum à pintura, nem ao su- largura foram emendadas com fita adesiva.
porte, como foi verificado na última etapa Foram feitos testes de resistência ao calor.
realizada, aquela de remoção do Sobre o Melinex foi colocado o papel
faceamento. Isto foi possível devido à con- siliconado. A tela foi desenrolada sobre o
solidação da camada pictórica feita no siliconado. A tela permaneceu enrolada por
faceamento. O plástico preto foi retirado, aproximadamente 2 horas.
para em seguida ser feita a higienização da

Soldagens e próteses e aplicação de adesivo no verso

As soldagens foram feitas com adesivo para o reentelamento (ver abaixo). Sua
epóxi da marca Araldite 10 minutos. As colagem também foi feita com Araldite.
suturas foram feitas com os fios do ordito. Todo relevo residual do epóxi foi removido
As próteses foram recortadas de acordo com com bisturi e lixamento. Foi aplicada uma
cada perda. O tecido utilizado foi o linho demão do adesivo Beva 371 no verso da
puro da mesma espessura do original. O tela com diluição de 25% em aguarrás mi-
preparo deste tecido foi o mesmo do linho neral.

Reentelamento

Após a secagem do
adesivo mencionado
acima, foi sobreposto
o linho novo prepara-
do (ver especificações
abaixo), para posteri-
ormente receber nova
cobertura de Melinex
para fechamento do
envelope, que cria a
sucção necessária para
o reentelamento. O
equipamento utiliza-
do foi uma caixa de
iluminação, empresta-
da pelo Museu Nacio-
nal de Belas Artes. É
composta de dois módulos com 36 lâm- frente e assim sucessivamente. A caixa de
padas incandescentes de 250 watts cada. iluminação passou duas vezes sobre a tela.
Este conjunto passa por cima da tela sem Tanto a caixa de iluminação, quanto o sis-
tocá--la. tema para criar o vácuo (um compressor
Foram feitas medições de temperatura com mangueiras e ventosas) e o termôme-
com um termômetro digital. Quando a tro foram gentilmente cedidos pelo MNBA.
temperatura chegava a 83 graus centígra- Todo este equipamento foi devolvido no
dos, o equipamento era removido para dia 8 de fevereiro de 2008.
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Anais | Congresso Abracor 2009
Retirada de faceamento e tensionamento
Para a retirada do faceamento, a tela sões de alguns técnicos consultados, a re-
reentelada foi fixada provisoriamente no tirada do faceamento não acarretou em
chassi. A remoção do papel japonês é fei- perda alguma de pintura. A tela havia sido
ta com aguarrás mineral e chumaços de presa provisoriamente no chassi para re-
algodão. De acordo com os testes previa- moção do faceamento. O tensionamento
mente feitos e diferentemente das previ- definitivo foi em seguida realizado.

Finalização da limpeza e nivelamento


A finalização da limpeza foi executada para a remoção do verniz.
com a mistura 3A (água, amoníaco e álco- As perdas de camada pictórica foram
ol isopropílico em iguais proporções), se- niveladas com carbonato de cálcio e cola
guindo o método utilizado anteriormente de coelho.

Aplicação de verniz de isolamento e reintegração pictórica


O verniz de isolamento aplicado em as- rica foi executada utilizando-se 3 métodos
persão com pistola e aerógrafo foi o distintos: o imitativo, o tracejado e
Paraloide B72 na concentração de 5% no veladuras, de acordo com a situação. O
solvente xilol. Este verniz isola a camada método imitativo foi usado nas lacunas
pictórica original da reintegração, além de onde a perda era perfeitamente reconhe-
saturar levemente as cores e o nivelamento. cida através de seu entorno, como por
A reintegração pictórica é feita sobre as exemplo nas carnações. O tracejado foi
próteses niveladas, sobre as perdas de ca- utilizado quando a tonalidade original era
mada pictórica e sobre algumas áreas abra- composta de diversas cores, como por
sadas. Foi utilizada uma tinta de resina exemplo no céu. As veladuras foram utili-
cetônica da marca Maimeri Restauro, que zadas nas áreas abrasadas, onde a trama
é diluída em varsol. A reintegração pictó- do linho era visível parcialmente.

Aplicação de vernizes (bruma e final)


Durante a reintegração pictórica foram verniz utilizado é o mesmo do verniz final.
aplicadas algumas camadas de vernizes Tem base de resina cetônica e é da marca
mais diluídos para adequação das alterações Maimeri restauro.
cromáticas da reintegração pictórica. O

Tensionamento no chassi e aplicação de fungicida


O linho utilizado foi comprado na Casa bi-destilada na proporção de 95% de água
do Restaurador e é importado da Bélgica. e 5% de solução de Nipagim). A aplica-
Tem 3 metros de largura. O tensionamento ção foi através de borrifamento. O segun-
foi feito no próprio chassi com aplicação do tensionamento foi feito com
de uma solução fungicida (nome comerci- borrifamento de somente água bi-destila-
al Nipagim, na concentração de 10% em da. O terceiro tensionamento foi feito a
álcool). Esta solução foi diluída em água seco para receber a gelatina.

Aplicação de gelatina e de adesivo Beva 371 no linho novo


A gelatina aplicada era PA. A primei- ção de 10% em água bi-destilada. Fo-
ra demão recebeu uma diluição de 5% ram aplicadas com trincha 3 demãos do
em água bi-destilada. adesivo Beva 371 na diluição de 50% em
A segunda demão recebeu uma dilui- aguarrás mineral.

Preenchimento de fissuras e reforço estrutural do chassi


Pequenas fissuras e perdas foram preen- tral do chassi e 4 nas extremidades, a fim
chidas com massa acrílica da marca F12, de se evitar distorções no chassi na hora
diluída em cola polivinílica Cascorez, com do tensionamento. A madeira utilizada foi
aditivo de pó de madeira fino. Foram co- peroba curada e sua fixação foi feita com
locadas 4 travas novas do quadrante cen- adesivo epóxi e tarugos.

Desbaste superficial de travas e arredondamento de quinas do chassi


Todas as traves originais que marcavam a tela foram desbastadas para evitar o conta-
to com ela. Todas as arestas foram arredondadas mecanicamente.
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Anais | Congresso Abracor 2009
CONCLUSÃO Foto 3
Tela recolocada
no altar após a
finalização do
Este trabalho foi um desafio restauro.

pelo curto tempo que nos foi


oferecido. A tela, medindo 7,00
por 2,50 metros, encontrava-se
com grandes danos,
notadamente os rasgos e perdas.
Sua estrutura é delgada em to-
das as suas partes construtivas:
chassi, tela, base preparatória e
pintura. Procuramos manter
essa característica, por ser im-
portante para sua mobilidade no
altar. No entanto, o
reentelamento foi necessário de-
vido ao péssimo estado em que
se encontrava o suporte. Algu-
mas etapas foram imprescindí-
veis por causa da sua localiza-
ção e dos transportes e movi-
mentos a que seria submetida.
O faceamento total da tela
garantiu a segurança para a sua
retirada do altar.
Como metodologia para to-
dos os processos executados,
testes preliminares foram fei-
tos porque não tínhamos a pos-
sibilidade de erro. Após a reti-
rada do altar, os procedimentos feitos no ver- resultado da reintegração cromática. Diversas
so da tela foram executados com todo rigor camadas de vernizes bastante diluídas foram
porque estes garantirão a integridade da obra. aplicadas durante os retoques para o ajuste
As suturas e as próteses foram feitas de acor- das alterações cromáticas.
do com cada lacuna, respeitando a espessura Após a sua colocação no altar podemos
fina do tecido, a orientação da trama e ordito ver a perfeita integração com os demais ele-
e os formatos para adequação perfeita às per- mentos artísticos da igreja. A função
das. A higienização da tela e do ambiente em cenográfica será resgatada no espetáculo de
que trabalhamos foi diária. som e luz, no qual ela se movimentará auto-
O reentelamento seguiu a orientação do maticamente. Não foi identificada a autoria
Iphan e foi executado com o equipamento da tela, porém na borda inferior encontra-se
cedido pelo Museu Nacional de Belas Ar- uma inscrição ROMA ANNO JUBILAE
tes. Ficamos muito satisfeitos com o resulta- MCM, que condiz com os brasões existen-
do e com a eficiência da caixa de ilumina- tes na parte superior, um deles do Cardeal
ção modular para o reentelamento de telas Arcoverde e o outro da Arquidiocese do Rio
de grandes dimensões. Após essa etapa im- de Janeiro. Estes elementos ficam encober-
portante, passamos ao tratamento estético. tos pelo arco da camarinha. O anjo da parte
O nivelamento foi cuidadosamente execu- inferior da tela segura uma flâmula onde os
tado, respeitando a pequena espessura da escritos puderam ser recuperados parcial-
camada pictórica e assim garantindo o bom mente, lê-se CARMELO.

Bibliografia
BALDINI, Umberto IL RESTAURO PITTORICO – NELL’UNITÀ DI METODOLOGIA, vol. 1. Florença: Nardini, 1981.
BRAGA, Márcia. COLEÇÃO CONSERVAÇÃO E RESTAURO – vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2003.
CASAZZA, Ornella. IL RESTAURO PITTORICO – NELL’UNITÀ DI METODOLOGIA vol. 2. Florença: Nardini, 1981.
MENDES, M. e BATISTA, A. C. N. RESTAURAÇÃO – CIÊNCIA E ARTE. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
MUNOZ, S. V. TEORIA CONTEMPORANEA DE LA RESTAURACION. Madri: Sintesis, 2003.
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Anais | Congresso Abracor 2009
64
Anais | Congresso Abracor 2009
TIRELLO. Regina A.
Docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual de Campinas (FEC-UNICAMP) e Especialista em
conservação e restauro do Centro de Preservação Cultural da
Universidade de São Paulo (CPC-USP).

AUTENTICIDADE E ARQUITETURA:
AS REPINTURAS ANTIGAS E AS
RESTAURAÇÕES RECENTES DA CASA Nº 1
DA RUA ROBERTO SIMONSEN, SÃO PAULO

Este trabalho expõe e discute parte dos resultados de amplo estudo realizado por solici-
tação de órgão preservacionista paulista (DPH-SP) para diagnóstico do atual estado de
conservação dos 30 painéis murais artísticos existentes na Casa nº 1 da rua Roberto
Simonsen, em São Paulo, restaurados em décadas recentes. A opção de restauro adotado
nos murais implicou no recobrimento de inteiros trechos de pinturas íntegras e em reinte-
grações unificadoras de superfícies com características texturais e cromáticas diversas
entre si, em prol de uma potencial unidade estética ambiental. Tal constatação mostra a
necessidade e urgência de rediscutirmos os padrões de ‘autenticidade’ dos objetos histó-
ricos que têm sido oferecidos à fruição pública. Afinal, de que tempo é tudo isso?

Palavras chave:
Casa nº1 da Rua Roberto Simonsen, SP; autenticidade e arquitetura histórica; conserva-
ção e restauro de pinturas murais.

This work exposes and discusses part of the results of a study carried out by solicitation
of a government protection agencie (DPH-SP) for diagnosis of the current state of
conservation of 30 mural artistic existent panels at the Casa nº 1 of the street Roberto
Simonsen, in Sao Paulo, restored in recent decades. In restoration the option adopted
in the murals was covering of whole passages of ancients paintings with repaints and
unifying reintegrations of the surfaces with characteristics of s and colors different
between its, to create a potential aesthetic and environmental unity. It shows the
necessity and urgency of we re-discuss the standards of ‘authenticity’ of the historical
objects that has been offered to the public enjoyment. At last, of which time is it
completely that?

Key words:
Casa nº1 da Rua Roberto Simonsen, SP; authenticity and historical architecture; conservation
and restoration of mural paintings.

Introdução

A Casa nº 1 da rua Roberto Simonsen, centro de São Paulo fez dele objeto de vari-
em São Paulo, um sobrado de 3 pavimen- adas intervenções prediais e de iniciativas
tos e 36 cômodos, com fachadas ornamen- pioneiras de recuperação de murais artísti-
tadas com serralheria artística e lambrequins, cos ornamentais em décadas recentes, quan-
é tido como exemplar destacado de habita- do foram descobertos e restaurados 30 pai-
ção oitocentista paulistana, a despeito das néis, hoje em mau estado de conservação.
supostas alterações físicas e programáticas Por solicitação do Departamento de
que as muitas mudanças de uso, forçosa- Patrimônio Histórico de São Paulo (DPH-
mente, lhe impingiram ao longo de sua vida. SP) realizamos em 2006 um amplo estudo
A potencial excepcionalidade deste edi- diagnóstico para avaliar o estado o atual
fício no contexto histórico construtivo do estado de conservação dos painéis murais
65
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura1
A fachada da artísticos existentes nas escadarias e vestí- sobre a possibilidade de atuação de um
Casa n.1; detalhe da
pintura do Vestíbulo, bulo do edifício como parte integrante de número maior de pintores na casa e da pre-
painéis ornamentais da
escadaria e murais novo projeto de restauro arquitetônico. sença não de um único conjunto de murais
com arabescos e
pássaros do segundo
Nosso trabalho correspondeu à análise originais, mas de dois ciclos decorativos
andar. Arquivo da e apreciação da condição atual destas antigos completos. A distinção destes dois
autora, 2006.
obras restauradas na década de 1990, além ciclos – que comparecem sobrespostos ou
da requerida realização de novas sonda- justapostos nos três pavimentos da Casa nº
gens prospectivas de superfície para iden- 1, mais que dar futuras indicações
tificar ornamentos parietais ou cores anti- operacionais de restauro, lançou novas lu-
gas de interesse em áreas/ambientes que zes para a compreensão da cronologia cons-
eventualmente pudessem não ter sido con- trutiva da casa.
templados nas intervenções processadas No presente texto procuraremos expor
naquela ocasião. sucintamente uma pequena parte dos re-
No entanto, no decorrer da pesquisa in sultados de extenso relatório técnico ilus-
situ, a observação das descontinuidades trado elaborado para o DPH-SP no qual,
das superfícies então consideradas “origi- além do diagnóstico solicitado, foram ar-
nais” (em relação a qual fase de integrida- rolados, discutidos e indicados procedi-
de arquitetônica do edifício?) revelaram mentos operacionais que consideramos
que a casuística a avaliar era diversa daque- adequados para a revisão dos murais já
la inicialmente suposta, relacionada às restaurados da Casa nº 1 com objetivo de
mudanças tonais e produtos usados no res- garantir sua boa preservação futura e
tauro recente. legibilidade documental por parte do pú-
O espectro das modificações notadas nos blico fruidor.
murais era muito maior, e de outra ordem. O intuito deste trabalho, portanto, é o
Os variadíssimos tipos de retoque estético de colocar questões, de contribuir com o
feitos com tinta acrílica prestavam-se ora aprofundamento de discussões a respeito
a encobrir inteiros trechos de pintura ínte- do “padrão de autenticidade” que tem
gra ora a unificar superfícies de caracterís- direcionado o restauro de pinturas murais
ticas texturais e cromáticas bastante diver- em São Paulo e no Brasil. Interessa-nos
sas entre si em prol uma potencial unida- suscitar discussões sobre os critérios que
de estética. vem sendo adotados para a preservação
O aprofundamento dos estudos condu- da nossa cultura material e artísticas que,
ziu a exames pontuais dos materiais com- afinal, é o que justifica qualquer ação de
ponentes que confirmaram as hipóteses restauro e conservação material que se
que formulamos ao início das inspeções queira promover Fugura 1.

As intervenções do passado e a documentação disponível

Mesmo tendo sido objeto de intervenções de 10 cores sobrepostas?


de restauro predial e pictórico em décadas Às lacunas informativas a respeito das
recentes, verificou-se serem escassos os do- alterações morfológicas do edifício ao lon-
cumentos textuais e iconográficos disponí- go do tempo somou-se o problema da re-
veis sobre a amplitude e profundidade das moção indiscriminada dos rebocos e cama-
obras empreendidas na Casa nº1. A ausên- das pictóricas antigas por ocasião da obra
cia de estudos sobre a cronologia material- de restauro predial de 1978 (Figura 2). A
arquitetônica representava um grande proble- época, ou porque consideradas
ma para estudo científico das pinturas mu- irrecuperáveis ou por opção projetual, os
rais à vista e leitura de resultados das murais artísticos que ali poderiam ter exis-
prospecções de superfície. De que época era tido não foram estudados nem documenta-
cada parede pesquisada? O que foi anexado dos adequadamente. Assim, em
ou suprimido? Com o que, com qual perío- consequência das substituições de revesti-
do relaciona-se uma eventual cor vermelha mento (o suporte das pinturas murais) res-
que comparecia, por exemplo, no meio de tou muito pouco material original agrega-
66 uma faixa estratigráfica em uma sequência do às paredes da casa para estudo analítico a
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 2
Obras de
respeito de programas arquitetônicos e Assim, no caso do estudo prospectivo soli- restauro predial de
ambiências antigas. citado para a Casa nº1, indicadores tempo- 1978, quando grande
parte dos rebocos
O conjunto de painéis identificados e res- rais tradicionais (TIRELLO, 2006) tiveram que antigos foram
queimados com
taurados na década de 1990, eram os únicos ser repensados e os métodos de análise maçarico. Arquivo
DPH/SP. Caderno de
exemplares de murais remanescentes passíveis estratigráfica de superfície flexibilizados, pois Obras, vol.1, 1978. A
de estudo E, até o início de nossos estudos, persistiam dúvidas sobre a cronologia físi- direita, decapagens e
estratigrafias que
eles representavam a pintura ‘original’ do edi- co-construtiva do imóvel, em especial quanto comprovam a
destruição /
fício, datada oficialmente como sendo da se- a época/circunstância da construção do ter- substituição dos
rebocos antigos da
gunda metade do século XIX. ceiro pavimento Figura 2. casa. Arquivo da
autora, 2006.

Objetivos, metodologia e instrumentação analítica adotada no estudo


das pinturas à vista
Sem acesso a documentos textuais/ aparentemente desconexas (Figura 5).
iconográficos que permitissem o Para verificar a possível existência de
mapeamento preciso dos trechos correspon- repinturas antigas, buscou-se avaliar
dentes aos últimos restauros – nem de qual- concomitantemente as avarias e repintes
quer outro –, tomamos como “referência acrílicos recentes e as características ma-
de originalidade” o Painel nº 5 do primei- teriais e formais dos murais do vestíbulo
ro lanço da escadaria, o que não havia sido e caixa de escadas da Casa n°1. Com este
restaurado na década de 1990. objetivo os primeiros registros sistemáti-
Nossa escolha decorreu da leitura críti- cos dos exames in situ foram feitos com
ca dos resultados obtidos nas dezenas de fotografias normais e com macro-fotogra-
faixas de sondagens estratigráficas abertas fias visando ao estudo dos seguintes as-
nos 36 ambientes do prédio que permiti- pectos:
ram a distinção do reboco mais antigo apli-
cado nas paredes da Casa nº 1. A camada 0 a) Características formais
(o substrato) do Painel nº 5 correspondia a e artísticas originais:
esse tipo de reboco, constituindo-se, por- Tipo de base de preparação e
tanto na referência material mais antiga de imprimação (perceptíveis nas áreas de la-
pintura parietal do prédio. cunas de cor); característica de empasto e
A olho nu, nos demais 25 painéis res- aplicação das tintas por meio da avalia-
taurados das escadarias observava-se o ção do ductus das pinceladas e variações
seguinte: ao lado de superfícies mancha- de espessuras peculiares; materiais de
das e sujas, com lacunas precoces de cor acabamento; mudanças naturais dos ma-
que expunham a massa corrida usada para teriais artísticos (envelhecimentos,
regularização de áreas monocrômica – desbotamentos).
além das múltiplas técnicas de retoque da
última intervenção (do imitativo ao b) Natureza / quantidade
tratteggio) – via-se repinturas com aspecto de alterações havidas.
antigo, com paleta de cores diversa da do Constatadas as ‘anomalias‘ dos 24 pai-
Painel n°5 indicando a possibilidade de néis restaurados em relação a um potenci-
ter havido um outro restauro muito anteri- al estado originário exemplificado pelo
or aquele de1990. Painel n°5, na etapa subsequente procu-
Em uma mesma tipologia de mural, os rou-se distinguir o que era restauro moder-
mesmos ornatos ao longo da escadaria no, o que era restauro antigo e avaliar em
apresentavam-se ora pintados de azul, ora que medida um ou outro interferia nos
pintados de ocre, sem nenhuma lógica de valores de originalidade perseguidos.
alternância aparente. Os verdes da com- Para esses reconhecimentos e
posição dos painéis com mascarões, por mensurações foram usadas luzes rasan-
exemplo, apareciam por vezes com to- tes e radiação ultravioleta para observa-
nalidade verde-azulada por outra verde-cro- ção dos seguintes aspectos: áreas de re-
mo. O que tornava o todo ainda mais con- toques e repinturas; mudanças
fuso eram os retoques feitos com tintas provocadas na textura, formas e desenho
acrílicas do restauro recente, que uniam/ originais; trechos de agregação de substân-
reintegravam áreas de cromia até então cias novas Figura 3.
67
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 3
Detalhe de murais
examinados registrados
com luz visível e UV
para identificação das
alterações/mudanças
nas superfícies
pintadas. Aqui, a cor
roxa intensa
corresponde às áreas
retocadas/repintadas c) Exames laboratoriais: d) Registro das fases pictóricas
com tintas acrílicas na
década de 1990. Foi adotado um conjunto de técnicas com computação gráfica:
Arquivo da autora, 2006.
analíticas para caracterização da compo- Síntese gráfica dos resultados dos estu-
sição. Microestrutura e condições dos re- dos realizados por meio de da
bocos, análises químicas e mineralógicas, reconstituição eletrônica (restauro virtual)
difração de raio X (DRX) e microscopia das ambiências antigas, que possibilitam
eletrônica (MEV), entre outras técnicas melhor apreciação das valências tonais
complementares. antigas. Exemplos na Figura 6 deste texto.

Resultados globais: o “pintor A”, o “pintor B” e o restauro da década de 1990


Os exames espectrais, as sondagens construção.Trata-se de pintura a óleo de boa
prospectivas pontuais, as análises do rebo- fatura em respeito aos preceitos tecno-artís-
co e camada de regularização das paredes ticos da Acadêmia (veladuras, encarnados,
comprovaram que na Casa n°1 existiu mais desenho prospectico e outros). Sua paleta
de um ciclo decorativo importante. Houve cromática é composta de cores suaves e
uma “repintura antiga”, realizada em época harmoniosas. Essas pinturas estão presentes
imprecisa, que englobou os murais do ves- no térreo e escadaria até o primeiro andar,
tíbulo e das escadarias (térreo, primeiro e estendendo-se por 4 lanços de escada e têm
segundo andar) que circunscreveu 2° ciclo a seguinte paleta cromática:
decorativo da casa. Esta “repintura” não sig- No vestíbulo (4 painéis): Fundo: verde-
nificou mudança de motivos ornamentais claro/ Moldura: predominância cor rosa-
ou mesmo de técnica artística; o pintor- perolado com filetes azuis acinzentados e
decorador chamado a executá-lo ateve-se a verde em dègradé / Filetes do requadro
encobrir as formas com outras cores. principal e cantoneiras: cores terrosas apli-
Grosso modo, no 1° ciclo decorativo des- cadas com sombra esbatida / Centro do
te edifício predominam tonalidades amare- requadro: composição artística com figuras
las e verdes e no 2° ciclo, as cores azuis, o e cartelas com paisagens diversas.
que caracteriza uma redecoração planejada Nas escadarias (14 painéis): Fundo: rosa-
da casa, vinculada a uma importante modi- perolado claríssimo/ Filetes: cores terrosas
ficação arquitetônica, no caso, a constru- e azul /Ornatos centrais (três temas:
ção do último andar do edifício. mascarões, grifos e corbeille): tonalidades
O 2° ciclo denota a intenção de criar re- terrosas, com predominância dos ocres nas
lações de ambiência muito específicas, figuras centrais e verdes nas bases Figura 5.
como o integração dos espaços antigos 2) o PINTOR B, o responsável pelo
com os novos/, usando para isso a repeti- ‘redecoração/repintura antiga” do edifí-
ção dos motivos / composição geral do 1° cio, que se constitui no 2° Ciclo Orna-
ciclo renovando-se as tintas, as cores. Este mental da casa e estende-se pelos 3 an-
recurso não era incomum no século XIX, dares. No térreo e ao longo de quatro
pelo contrário. Uma nova conformação lanços de escada está aplicada diretamen-
arquitetônica demandava uma nova deco- te sobre a primeira pintura (18 painéis).
ração artística; não faltam exemplos deste No quinto lanço e no segundo andar a pin-
procedimento na cidade de São Paulo. tura estende-se sobre um reboco diverso da-
Para expor/localizar em um texto tão quele identificado nos andares inferiores.
sucinto as diversas categorias de interven- Mantém o material e maneirismos pictóri-
ção operadas nas pinturas da Casa n°1, as cos do artista que o antecede, limitando-
relacionaremos indicativamente às figuras se a encobrir a primeira pintura com outra
de ‘três executores principais’ indicando paleta de cores. Destaca-se que no segun-
brevemente a principais características di- do pavimento, “esse pintor” mantém a
ferenciais e localização das sobreposições tipologia de molduras dos outros painéis e
de murais. muda o ornato central por pássaros.
1) O PINTOR A, o que teria realizado as No vestíbulo: Fundo: azul-claro/Moldu-
pinturas mais antigas, a do 1° Ciclo Orna- ra: cores cinza escura e avermelhada/ Frisos
mental da casa. É aplicada sobre o reboco e cantoneiras: bordô e verde/ Figuras e
(estrato 0 ) identificado com análises como cartelas com paisagens: Mantidas sem
68
sendo o mais antigo de toda a repintes, salvo pequenos retoques esparsos.
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 5
Acima, à direta,
Nas escadarias (4 lanços). Fundo: branco- No segundo andar e 5 lanços de escada. os ocres do Pintor A.
amarelado / Requadro: verde-acinzentado es- Corresponde a reprodução de ornatos dos À esquerda, os azuis
sobrepostos do
curo / Filetes do requadro principal e andares inferiores e a dez murais das pare- Pintor B

cantoneiras: verde e bordô / Ornatos centrais: des da caixa de escada do segundo pavi-
por sobre os tons terrosos-amarelados foi mento que têm como tema principal pássa-
aplicada tinta azul esfumaçada em várias to- ros e flores inseridos em arabescos pinta-
nalidades, ocorrendo o mesmo com os dos de azul.
arabescos e ornatos geometrizados Figura 5.

Figura 4
Acima, a esquerda, as cantoneiras do Vestíbulo com a pintura opaca e grosseira do Pintor B ;a direita, os arabescos amarelos
subjacentes do Pintor A _ 1 Ciclo Ornamental_ em perfeito estado de conservação. Abaixo, painel da escadaria que mostram o bom estado
da primeira pintura sob os repintes do restauro de 1900 que adotou a paleta de cores do Pintor B. Acervo da autora, 2006.

O RESTAURO DA DÉCADA DE 1990, corresponde às reintegrações/repinturas recentes


operadas com tintas acrílicas e realizadas sobre a pintura do Pintor A e do Pintor B, indistin-
tamente.
Neste restauro, a parte a inadequação dos materiais empregados nos retoques – que causaram
manchas, e que futuramente podem vir a se desprender ocasionando novos danos às superfícies –
as intervenções curativas e estética mantiveram-se indefinidas entre a pintura original e repintura
antiga, reintegrando ora uma, ora outra, ou mesmo nenhuma delas, conforme pode-se apreender
da análise direta das superfícies. Não foram consideradas (ou percebidas) as diferenças materiais e
cromáticas dos dois ciclos ornamentais antigos. Salvo melhor juízo, o critério adotado foi o da
recomposição estética unificadora para criar um fluxo visual contínuo.

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Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 6
“Restauro
eletrônico” da
Para as já destruídas áreas inferiores dos
configuração ambiental murais do vestíbulo, por exemplo, adotou-
do pavimento térreo/
escadaria no 1° Ciclo se como ‘neutro’ uma cor cinza-chumbo
Decorativo da Casa n°1.
Com base nos estudos que não faz parte da paleta cromática de
realizados restabelece-
mos virtualmente as
nenhum dos dois ciclos decorativos ali re-
valências cromáticas do presentados. O ‘neutro’ cinza em questão
Pintor A, constituindo
novo material de análise, ajuda a confundir ainda mais leituras cro-
norteador de futuras
intervenções. nológicas do edifício na medida que nem
promove a integração visual com o ambi-
ente decorado contíguo, como contribui com
o escurecimento do vestíbulo e adequada
fruição das pinturas artísticas antigas. Esta
pintura escura monocrômica termina cha-
vista histórico testemunhal sua validade é
mando mais a atenção que a parte superior
nula. Esses ambientes restaurados assim
ornamentada que pretende destacar. Proce-
como estão constituem-se em falso históri-
dimento similar foi adotado também nos
co, na medida que interferem negativamente
requadros dos murais da escadaria para unir
na compreensão da cronologia arquitetônica
visualmente o primeiro e segundo pavimen-
do edifício por parte do fruidor ao invés de
to, embora as pinturas desses andares se-
esclarecê-la. Os pavimentos da casa não fo-
jam de épocas distintas.
ram todos construídos na mesma época, em
Como mencionado, na Casa n°1 essa
consequência, as pinturas também não.
opção intervencionista se materializou
Contudo, a linha de intervenção escolhi-
pelo emprego de massas, tintas e resinas
da é de grande aceitação junto ao público
acrílicas, que sobrepostas ou justapostas às
leigo, e por isso vem sendo adotada há anos
pinturas dos dois ciclos antigos, indistinta-
em quase todos os edifícios públicos e pri-
mente, confunde os dois e não representa
vados em que se promovem restauro de
nenhum deles. As molduras de tonalidades
murais na cidade de São Paulo. Mas, há de
acinzentadas, da entrada do edifício ao úl-
se admitir que trata-se de conduta bastante
timo pavimento, impõem uma unidade de
discutível e pouco adequada sob o aspecto
conjunto que provou-se nunca ter existido;
da conservação dos materiais e de suas for-
o que terminou resultando um novo ciclo
mas de aplicação como documento de fa-
híbrido.
zeres artísticos-artesanais do passado. A
Foram sim “recompostas” ambientações
cada restauro deste tipo perde-se mais refe-
antigas na Casa n°1 mas, sob o ponto de
rências da nossa cultura material.

Considerações finais
Atualmente restaura-se mais murais que parte a validade circunstancial da iniciati-
antes, o que efetivamente faz com que se va, as repinturas estilísticas da Casa n°1
amplie nosso repertório ‘iconológico’ so- oferecem-se hoje como ponto de reflexão
bre as ambiências, gostos e preferências privilegiado, incentivador de novas discus-
do habitar de outros tempo, mas a que sões de ordem conceitual por parte dos
custo? Até que ponto a gradativa substitui- órgãos de tutela sobre a conduta a adotar
ção dos materiais e procedimentos tradi- em futuras iniciativas de restauro / conser-
cionais de fatura dessas obras não tem con- vação dos murais deste e de outros edifí-
tribuído para o rápido desaparecimento de cios. Neste sentido, consideramos extre-
‘testemunhos técnicos’ das pinturas mamente positivos os resultados desses
parietais paulistas, tão necessários para o trabalhos de revisão e sondagens realiza-
desenvolvimento de novos estudos dos em 2006, ainda que à primeira vista
direcionados à individualização de produ- sejam perturbadores. Eles repropõem um
tos e sistemas adequados para sua efetiva novo e necessário olhar preservacionista
preservação em chave conservativa? sobre a Casa n°1, um dos ícones
Passada pouco mais de uma década da arquitetônicos mais importantes do Oito-
finalização do restauro desses murais, a centos na cidade de São Paulo.

Bibliográficas
TIRELLO, R. A. A Arqueologia da Arquitetura: um modo de entender e conservar edifícios históricos. Revista CPC, v. 3, p. 145-165, 2006
(www.usp.br/cpc)
TIRELLO, R. A.: Sondagens prospectivas e análise do estado de conservação das pinturas murais artísticas da Casa n.1 da Rua Roberto
Simonsen,SP – Relatório técnico, 96 páginas . Arquivo DPH-SP: São Paulo ,2006 .
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Anais | Congresso Abracor 2009
FEIBER, Silmara Dias
Arquiteta e Urbanista
Faculdade Assis Gurgacz
Professora Pesquisadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo – CAUFAG

O USO DA MADEIRA EM EDIFICAÇÕES


DO PERÍODO COLONIAL PARANAENSE

O Período Colonial brasileiro sofreu grande influência das técnicas construtivas portu-
guesas e, longe de considerar estas técnicas como insipientes em sua manifestação, este
artigo busca as raízes do uso da madeira neste período da arquitetura brasileira e a
consequente riqueza de procedimentos que proporcionaram que exemplares, ainda con-
tendo vestígios de autenticidade, chegassem até os dias atuais em plena integridade físi-
ca. Embora este fato tenha ocorrido em diversos cenários brasileiros esta pesquisa focaliza
as investigações num exemplar específico desta arquitetura, dita colonial, localizado no
Sítio Histórico de Morretes, litoral do Estado do Paraná. Como a integridade física de
uma edificação está intimamente vinculada, dentre outros fatores, ao bom estado de
conservação de sua cobertura, se fará um apanhado teórico sobre a metodologia a ser
adotada numa intervenção de restauro em estrutura de cobertura, que garanta uma atitude
ética no que concerne ao uso de materiais originais nas atuais ações de intervenção em
patrimônio cultural edificado.

Palavras-Chave
Madeira; Período Colonial; Arquitetura Brasileira; Morretes-PR.

The brazilian colonial period has great influence from construtive portuguese
techniques and, far from considerate such tecnics as ignorant in their manifestation,
this article seeks the roots of the use of wood in this period of brazilian architecture
and the resulting wealth of procedures that provided that copies, still containing traces
of authenticity, arrived until the present day in full physically integrity. Although this
fact has ocurred in several brazilian scenarios this research focuses on the investigations
in a copy specific exemple of this archtecture, called the Colonial, located in the Historic
site of Morretes coast of Paraná state. As the physically integrity of a build is closely
linked, among other factors, the proper state of repair of its coverage will be an
theoritical overview on the methodology to be adopted in a speech in restoration
structure that ensures coverage of an attitude with regard to ethics the use of original
materials in the current actions of intervention in cultural heritage and buildings.

Keys-words
Wood, Colonial period, Brazilian Architecture, Morretes-PR.

INTRODUÇÃO

O início do Período Colonial Brasileiro alavancada pela descoberta do ouro que


marca a intervenção dos portugueses no em meados do século XVI, mais precisa-
litoral do território brasileiro. Como escre- mente entre 1725 a 1730, atraiu aventu-
ve Lemos (1979, p.27) os colonizadores reiros também nas terras onde hoje se lo-
limitaram-se, num primeiro momento, a caliza a cidade de Morretes. Nesta região
apenas “arranhar as praias” e assim houve a presença da mata nativa representativa
o início do Brasil urbano. da Serra do Mar contribuiu para a presen-
No Paraná não foi diferente, a coloniza- ça abundante da matéria-prima – madeira
ção chega ao atual território definido como – o que a tornou um dos principais mate-
Capitania de São Vicente que abarcava a riais utilizados na construção de
região norte do atual município de edificações.
Paranaguá. A evolução desta região foi A diversidade de uso deste material vai 71
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 01
Casa Rocha desde o simples postigo usado para vedar Este estudo pretende enaltecer estas téc-
Pombo – Morretes, PR
Fonte: Silmara Dias as aberturas até os sistemas mais comple- nicas construtivas utilizadas no período co-
Feiber, 2007
xos de estruturas de cobertura. Estas ma- lonial na região litorânea do atual Estado
nifestações reportam-se a um alto grau de do Paraná e ressaltar a importância de se
autenticidade ainda presente nas obras do agir com ética e responsabilidade social
sítio histórico de Morretes. Esta cidade nas obras de intervenção e restauro de
após o ciclo do ouro, assim como em di- patrimônio cultural. Esta é uma das ma-
versas cidades históricas brasileiras, pas- neiras de se alcançar a plenitude da cida-
sou por um período de estagnação o que dania de um povo que construiu sua iden-
favoreceu para que as edificações se manti- tidade por meio da presença destes ícones
vessem íntegras em sua materialidade. arquitetônicos regionais.

1. AS TÉCNICAS CONSTRUTIVAS DO PERÍODO


COLONIAL E O USO DA MADEIRA NO SUL DO PAÍS
Como dito anteriormente o período co- passaram a construir obras definitivas com
lonial é marcado pela intervenção do povo o uso da alvenaria de pedra irregular que
lusitano em terras ainda pouco exploradas tinha como linguagem arquitetônica os
do território brasileiro. A chegada dos co- estilos denominados de eclético e
lonizadores em nossa região marcou defi- neoclássico desenvolvidos como reflexo
nitivamente a paisagem local. O início dos da sociedade que os gerou.
núcleos urbanos é marcado fortemente Focando este estudo no uso da madeira
pela devastação da mata nativa para a in- e no objeto de estudo nominado de “Casa
serção do que se pretendia fosse um novo Rocha Pombo” (fig. 01) algumas caracte-
núcleo promissor devido às jazidas de ouro rísticas particulares merecem e devem ser
encontradas nos rios provenientes da ser- descritas. Esta edificação foi tombada a
ra do mar. nível estadual em 1973 e localiza-se den-
Para que a vida urbana se concretizasse tro dos limites do Sítio Histórico de
foram erigidas edificações que possuíam Morretes. Possui sua data de construção
primeiramente a função de mero abrigo, em meados do século XIX, portanto suas
nestas houve o uso intenso da taipa de mão características físicas refletem o estilo
que ainda hoje pode ser encontrada em neoclássico denunciado pelos ritmos da
exemplares urbanos no sítio histórico. Di- aberturas e o uso do arco pleno coroando
ante do progresso da região os grandes as janelas. Este estilo nasce em terras bra-
senhores responsáveis pela exploração dos sileiras a partir da vinda da família real
minérios chegaram com seus escravos e portuguesa ao Brasil em 1808.

72
Anais | Congresso Abracor 2009
A madeira encontrada nesta edificação, Juçara, Euterpe edulis, que além de propor-
assim como em toda a região, é advinda cionar a base do sistema estrutural das co-
da mata nativa da Serra do Mar. A presen- berturas era explorado também para servir
ça abundante de exemplares de madeiras de alimento à população, pois a cabeça de
de lei denuncia a diversidade e qualidade sua estipe forma o que conhecemos como
deste material. Neste estudo busca-se focar palmito, alimento saboroso consumido em
a pesquisa numa característica peculiar diversas regiões do País e do exterior.
deste período que foi o uso do caibro roli- As características desta madeira, segun-
ço nas estruturas de cobertura. Diante des- do Lorenzi (1992, p.279) são: leveza, alta
ta investigação pode-se encontrar a fonte resistência e durabilidade, quando em
material utilizada para esta peça respon- ambiente seco, e tronco retilíneo que em
sável por dar o suporte necessário ao sua fase adulta alcança a dimensão de 10
telhamento. a 20 m de altura tendo o seu diâmetro entre
Esta região, onde se concentra a pesqui- 0,10 a 0,20 m. Assim pode-se utilizar este
sa, faz parte de um complexo denomina- material em diversas etapas da construção
do de Mata Atlântica que percorre desde civil desde as escoras de andaimes até as
o sul da Bahia até o Rio Grande do Sul. calhas rudimentares. A Casa Rocha Pom-
No período colonial esta faixa foi explora- bo possui este material como integrante
da somente em trechos destinados às pe- do sistema estrutural da cobertura , porém
quenas vilas coloniais e nos fortes respon- a falta de manutenção do telhamento de-
sáveis pela segurança do recém-descoberto vido à construção de um anexo e posteri-
território. A vegetação nativa conta com um or incêndio ocorrido nesta obra agregada
exemplar expressivo tanto em quantidade ao patrimônio cultural está causando di-
como em qualidade, pois possui uma versas patologias que podem vir a ocasio-
morfologia propícia para que fossem ex- nar a perda deste elemento que denuncia
plorados em diversos usos urbanos, den- a autenticidade deste sistema construtivo.
tre eles as edificações. Trata-se do Palmito

2. POTENCIALIDADE, ADEQUAÇÃO DE USO E CONDIÇÕES AMBIENTAIS

A madeira é um dos principais elemen- e o forro da edificação o qual gera um


tos numa obra arquitetônica e tem sido uti- microclima que pode alterar as característi-
lizada com diversas finalidades desde os cas físicas da madeira. O exemplo da Casa
tempos imemoriais. Para que se possa to- Rocha Pombo será visto no item a seguir e
mar partido de suas características é pre- poderá demonstrar como a falta de manu-
ciso conhecer a fundo sua constituição e tenção pode gerar patologias irreversíveis
assim poder aproveitar toda sua acarretando em risco de perda de material
potencialidade. A escolha da madeira leva original.
em conta, além de seu aspecto físico, a fun- O conhecimento nascido de forma
ção a ser exercida pelo material e a sua empírica diante da necessidade de se erigir
durabilidade. Estas condições é que eram obras num ambiente ainda pouco conheci-
analisadas pelos construtores que, a partir do, como no caso das obras do período co-
do conhecimento empírico, passavam a lonial, traz a riqueza das técnicas construti-
definir as espécies de acordo com o uso a vas coloniais até nossos dias. A descoberta
que mais se adequava. de novos materiais, aliada à experiência trazida
Ao passo em que este material possui de terras longínquas, é o que acabou gerando
índices de rigidez e suporta esforços de uma nova cultura arquitetônica em terras bra-
tração e compressão possui, por outro sileiras. Diante do encontro destas tradições
lado, uma fragilidade diante das condições construtivas, ainda com um alto grau de au-
ambientais às quais é submetido. Dentro tenticidade em pleno século XXI, é o que re-
deste estudo entende-se por questões força a necessidade de se agregar valor a estas
ambientais o clima externo com suas vari- obras, agindo com ética e responsabilidade
ações de temperatura e umidade e o am- social nas ações de intervenção em patrimônio
biente interno contido entre o telhamento cultural.

3. METODOLOGIA PARA INVESTIGAÇÃO DE PATOLOGIAS


E DEFINIÇÃO DE CONDUTAS

Pela própria fragilidade do material des- adequada de se garantir a permanência da


crita anteriormente, quando em condições qualidade e integridade física dos elemen-
ambientais inadequadas, a maneira mais tos em madeira é através da Manutenção e
73
Anais | Congresso Abracor 2009
Conservação Preventiva. Diante destas ações dos investigativos com diferentes profundi-
dá-se enfoque a um conjunto de medidas dades, desde a simples observação in loco
práticas que visam à proteção e manuten- até o uso de meios mais invasivos o que
ção em bom estado dos elementos consti- resulta em um laudo técnico elaborado a
tuintes de bens culturais. partir de estudos laboratoriais. Assim, a
Porém, quando se está trabalhando em partir do problema patológico, do laudo
uma obra que possua patologias já instala- técnico baseado em vistoria, inspeção e
das, como o caso da Casa Rocha Pombo que perícia poderão ser definidas as condutas
possui perda de parte da estrutura de cober- a serem seguidas na ação de intervenção
tura, é necessário que se faça uma investiga- e no pós-monitoramento. Para se evitar
ção, seguida de análises e determinações de danos e perdas materiais, muitas vezes
procedimentos a serem adotados. Estes estu- irreversíveis, não é necessário a princípio
dos são necessários para que se conheçam as grande investimento e sim alguns cuida-
patologias existentes que possam influenci- dos básicos para que se possa prever o iní-
ar na alteração estrutural e, por consequência, cio de possíveis patologias futuras. Para
funcional do material empregado. este fim sugere-se adotar a seguinte
Para isto pode-se lançar mão de méto- metodologia:

1 – Determinação da existência e da gravidade do dano (constatação);


2 – Definição da extensão e do alcance do problema;
3 – Anamnese do caso;
4 – Análise de documentos e das técnicas construtivas;
5 – Exames complementares (laboratoriais e ensaios);
6 – Diagnóstico: causa, natureza, origem e os agentes;
7 – Prognóstico: alternativas de intervenção.

Como última etapa elabora-se a Definição deve-se manter um monitoramento constan-


de Conduta que deve estar fundamentada nos te que vise o gerenciamento das ações de
princípios de integridade e autenticidade des- Manutenção e Conservação Preventiva para
critos na Declaração de Significância do bem. que as possíveis patologias sejam descarta-
Por fim, após a aplicação desta metodologia das antes de se instalarem.

3.1 Estudo de caso: Casa Rocha Pombo

A estrutura de cobertura da Casa Rocha que chegam a afetar desde a estrutura da


Pombo possui danos materiais que confi- cobertura até o rodapé e assoalho em deter-
guram em alto risco para toda a edificação. minados ambientes. Após a análise e veri-
A falta de manutenção acarretou a perda ficação de riscos chegou-se ao seguinte Di-
da cobertura em parte da obra , o que aca- agnóstico de acordo com as patologias en-
ba por gerar um desdobramento nos danos contradas:

- MANIFESTAÇÃO: degradação física da madeira;


- CAUSA: umidade excessiva;
- NATUREZA: material biodegradável;
- ORIGEM: falta de manutenção do telhamento.

As alternativas de intervenção sugerem material reversível durante o trabalho de


que se reestruture a cobertura com mate- reintegração da coberta. Deve-se também
rial e técnicas originais. O madeirame afe- levar em conta a autenticidade existente
tado por patologias pode ser substituído quanto ao tipo de telha usada originalmen-
pelo material original - Palmito Juçara - já te e que ainda faz parte da obra. Estas são
que este ainda é facilmente encontrado na adequadas à inclinação do telhado bem
região. Embora para isso se tenha que so- como com o peso adequado ao qual será
licitar autorização dos órgãos de prote- submetido o madeiramento da cobertura.
ção ambiental, esta atitude é inteiramente Portanto, as telhas devem ser retiradas e
ética dentro das ações de intervenção e acondicionadas de maneira adequada para
restauro de patrimônios culturais. que não ocorram perdas de material origi-
Cabe ressaltar que nesta ação específica nal. Estas ações tornarão a obra sustentá-
de intervenção, neste estudo o resgate da vel no sentido de não acarretar danos ao
cobertura, deve-se levar em conta a prote- longo do tempo por devolver à obra sua
ção aos elementos construídos para isso integridade física dentro de padrões tanto
74
sugere-se que a obra seja coberta com de materiais como de técnicas originais.
Anais | Congresso Abracor 2009
4. CONSIDERAÇÕES
Uma das melhores formas de se cuidar que a intervenção busque repor a estrutura
e preservar o patrimônio é conhecer sua degradada com peças do mesmo material,
natureza – física e simbólica – e de seus já que este ainda é encontrado com facili-
materiais para poder realizar um tratamen- dade na região, e com a técnica tradicional
to adequado e que não acarrete em danos utilizada originalmente. Assim pode-se ali-
ainda maiores devido a ações improvisa- ar a eficiência do material, já demonstrada
das. Portanto, a partir dos princípios de pela presença da cobertura em sua quase
autenticidade e integridade, as ações de in- totalidade até os dias atuais, com a ética de
tervenção devem primar pela máxima pre- se agir diante dos parâmetros da mínima
servação dos elementos e técnicas autênti- intervenção e de respeito à originalidade da
cas e ao mesmo tempo pela mínima inter- Obra.
venção possível no bem patrimonial. O Agindo com esta consciência pode-se
encontro do equilíbrio entre estes valores – estar certo de que o valor agregado à obra,
máximo e mínimo – é que deve ser busca- após a intervenção de restauro, irá ampliar
do pelo gestor responsável pela obra. as dimensões simbólicas do bem o que
No caso da estrutura de cobertura da contribuirá para reforçar o sentimento de
Casa Rocha Pombo, onde se utilizou como identidade da comunidade para com este
matéria-prima a madeira roliça, sugere-se ícone da arquitetura colonial paranaense.

5. REFERÊNCIAS
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Universidade Autônoma de Lisboa, 2004.
GONZAGA, Armando Luiz. Madeira: Uso e Conservação. Brasília, DF: IPHAN/MONUMENTA, 2006.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1979.
LORENZI, Harri. Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil. São Paulo: Editora
Plantarum, 1992.
TINOCO, Jorge Eduardo Lucena. Patologias das Estruturas e Materiais.
CECI - Gestão de Restauro – Módulo II – 7ª edição, 2007.
75
Anais | Congresso Abracor 2009
76
Anais | Congresso Abracor 2009
FONSECA, Daniele Baltz da,
Arquiteta, Mestre em conservação e restauro de monumentos históricos pela
UFBA, Brasil. Professora substituta da FAURB – UFPel.

NAOUMOVA, Natália. Arquiteta,


Mestre (Far East Polytechnical University, Russia). Doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, Brasil.

1
FONSECA, Daniele
ESTUDO CROMÁTICO DA ANTIGA SEDE DA B. da.
Tintas e Pigmentos no
Patrimônio Urbano
FACULDADE DE MEDICINA DA UFRGS Pelotense: um estudo
dos materiais de
pintura do século XIX.
Dissertação (Mestrado
em Arquitetura e
Urbanismo). PPG –
O objetivo deste trabalho foi a elaboração de propostas de pintura para a antiga sede da FAUFBA. Universidade
Federal da Bahia.
Faculdade de Medicina da UFRGS, levando em conta aspectos históricos e estéticos. Cama- Salvador, 2006.

das de pintura de 38 pontos distribuídos por diferentes elementos de composição das facha-
das foram analisadas. Os pontos observados demonstraram que, no passado, haveria a
preferência por tonalidades de cinza amarelado. A prospecção também revelou a provável
sequência: cinza amarelado e ocre, como mais antigas pinturas. Análises em MEV-EDS
foram realizadas para a identificação dos elementos químicos dos possíveis pigmentos das
camadas mais antigas. Para a elaboração das propostas de pintura foram considerados os
dados históricos, os resultados das prospecções e os aspectos perceptivos do prédio em
relação à sua ambiência (fachada ensolarada, amplo espaço para a sua contemplação, tama-
nho da fachada, entre outros).

The purpose of the present work was to set proposals of painting for the former
headquarters of the Medical School from UFRGS, taking into consideration historical and
aesthetical aspects. Painting layers of 38 spots distributed by different elements of
composition of the façades were analysed. The spots observed showed that, in the past,
there was the preference for yellowish gray. The search for layers also showed the probable
sequence: yellowish gray and ochre, as the oldest paintings. Analysis in MEV-EDS were
made in order to identify the chemical elements of the possible pigments of the oldest
layers. For the setting of the proposals of painting, the historical data were analysed, the
results of the searches and the perceptive aspects of the building in relation to its environment
(sunny façade, wide space for its contemplation, size of the façade, among others).

Palavras-chave:
Pintura de monumentos, pintura de fachadas históricas, policromia urbana, interven-
ção cromática em prédios históricos.

1. Introdução
As relações cromáticas que geram efeitos cos, como fotografias antigas e qualquer infor-
visuais na arquitetura e, consequentemente, no mação sobre intervenções e reformas, com os
meio urbano não costumam ser estudados com resultados das prospecções das camadas de tin-
a atenção exigida pelo tema. Geralmente, a tas. São considerados, também, os padrões de
escolha das cores para uma construção é feita pintura mais comumente utilizados para o perí-
através da observação de um catálogo na loja odo histórico correspondente à edificação. Para
de tintas. Esta é uma forma aleatória, cujos a elaboração das propostas de pintura, além das
resultados são pouco previsíveis e só percebi- conclusões deste cruzamento de dados, são con-
dos, de fato, depois de terminada a execução siderados os efeitos perceptivos que o prédio
da pintura. gera no seu ambiente, bem como as cores das
Quando a arquitetura em questão represen- construções mais próximas.
ta um Monumento Histórico, todo o procedi- Como resultado deste estudo, tem-se, não
mento de intervenção no Patrimônio assume só as propostas de pintura com as cores e
uma conduta específica – que assegure a pre- tipologias que levam em conta os aspectos
servação das suas instâncias histórica e artísti- históricos, como também, uma breve co-
ca – inclusive, os procedimentos de pintura.1 letânea sobre a história e os documentos
A metodologia desta pesquisa consiste, ba- que relatam as possibilidades cromáticas
sicamente, no cruzamento dos dados históri- do prédio no passado. 77
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 1
Implantação 2.O Edifício
proposta. Acervo:
arquivo da Faculdade
de Arquitetura e A construção iniciou no dia 29 de julho estatuárias que ornamentariam a platibanda
Urbanismo da PUC-RS.
Figura 2
de 1913 e interrompeu-se no período de e a escada do acesso principal. A implan-
Planta baixa com a
evolução da construção 1914 até 1919, em função da crise gerada tação do prédio proposta por Wiederspahn,
do prédio. Acervo:
Secretaria do pela Primeira Guerra Mundial, a retomada conforme se vê na Figura 1 foi construída ape-
Patrimônio Histórico da
UFRGS.
das obras se deu em 12 de maio de 1919. nas em parte, como se pode notar na Figura 2
Figura 3
marcação dos Houve modificações no projeto original do (evolução da construção).
pontos prospectados.
arquiteto Theo Wiederspahn e o término A inauguração solene do edifício aconte-
da construção ficou sob responsabilidade ceu em 1924. Em 1952 e 1955 foram reali-
do Eng. Pedro Paulo Scheunemann, do es- zadas as respectivas ampliações: a instala-
critório A. Sartori e Cia. Dentre as princi- ção do anfiteatro e do Instituto Anatômico,
pais alterações constam: a eliminação dos na ala direita e a instalação do Instituto de
torreões com cúpula de cobre, o sótão e as Fisiologia e Microbiologia na ala esquerda.

3. Metodologia
A metodologia consiste no levantamento melhor as camadas de pintura).
e análise crítica de dados históricos e esté- A prospecção foi realizada com a aber-
ticos da edificação. tura e observação de 40 pontos distribuí-
3.1. Coleta de dados e análise de mate- dos da seguinte maneira: parede (cor de
rial iconográfico: observando fotografias fundo), 10 pontos; elementos de
antigas dos prédios, embora em preto e modenatura verticais, 09 pontos; elemen-
branco, é possível distinguir diferenças de tos de modenatura horizontais, 01 ponto;
tonalidade (claro/escuro) entre diferentes decoração dos vãos (cercaduras), 08 pon-
elementos de composição das fachadas. tos; esquadrias, 05 pontos; platibanda, 06
Projetos originais e plantas baixas que pontos; sacada, 01 ponto.
mostram a evolução construtiva do monu- As cores das camadas foram observadas a
mento são importantes para a escolha dos olho nu e comparadas com as cores do catá-
pontos onde deverá ser realizada a logo do sistema cromático NCS (Natural
prospecção. (Figura 2, na parte considera- Color System).
da original). Com vista a organizar o material produzi-
3.2. Análise das prospecções das cama- do, foi elaborada uma ficha de levantamen-
das de pintura: o objetivo das prospecções to cromático, partindo do modelo proposto
é observar as cores das camadas de pintu- pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Ar-
ra aplicadas ao longo dos anos até que se tístico do Estado (IPHAE). Os resultados da
descubram as camadas mais antigas. Os prospecção das fachadas foram anotados
locais onde dos pontos de análise foram nessa ficha, constituindo o registro mais com-
escolhidos em função do elemento de pleto do trabalho realizado. Em fichas auxi-
modenatura, da originalidade do pano de liares, as camadas dos pontos mais impor-
fachada, da dificuldade de acesso e da for- tantes foram registradas visualmente com
ma (geralmente as reentrâncias conservam recortes das cores encontradas.

78
Anais | Congresso Abracor 2009
A prospecção mostrou a predominância das reforça a ‘originalidade’ do material avaliado 2
SECRETARIA DO
PATRIMÔNIO
tonalidades de cinza amarelado entre as últi- em relação ao período no qual o prédio foi HISTÓRICO DA
UFRGS/ DIVISÃO DE
mas camadas avaliadas em grande parte dos construído. PESQUISA HISTÓRICA
E DOCUMENTAL.
elementos de composição da fachada. Mati- De modo geral, esta prospecção não Resumo do texto extraído
zes ocres e suas variações foram verificados apontou diferenças de tonalidades entre os do documento de
Fernando Ávila
com frequência entre as penúltimas camadas. elementos de modenatura da fachada, e Carvalho Leite de abril
de 1988.
Esta sequência pode ser avaliada também na entre estes elementos e o fundo da parede.
Figura 4
detalhe da
platibanda, embora no frontão (construído pos- A fotografia mais antiga encontrada também prospecção realizada
teriormente) não tenham sido encontradas não apresenta contrastes que mostrem di- na fachada. Foto:
Natália Naoumova.
estas cores. Outros pontos avaliados nas fa- ferenças na estruturação das tonalidades Figura 5
detalhe da
prospecção realizada
chadas construídas mais tarde também não sobre os planos de decoração da fachada na fachada. Foto:
apresentaram estas camadas de pintura, o que do prédio. Natália Naoumova.

3.3. Comparação com o estudo das ainda evidentes na fachada, e no segun-


tipologias cromáticas de períodos do, em função da data de término da cons-
arquitetônicos: É possível perceber que, trução, já na terceira década do século XX.
na arquitetura, surgem diferentes caracte- As tipologias do primeiro período
rísticas ao passar do tempo. Diferentes eclético dizem que as tonalidades ocres
morfologias podem apresentar maneiras amarelos, vermelhos, amarelos claros, ro-
específicas de pintura, traduzidas hoje em sas e azuis seriam as mais adequadas a
tipologias cromáticas. Este ‘gosto’ cromáti- serem utilizadas em monumentos deste
co pode ocorrer tanto em função de modis- período. As recomendações para distribui-
mos como na oferta de material de pintura ção das cores seguem uma regra bastante
disponível, que pode variar de acordo com rígida e com contrastes fortes em termos
o lugar e com o período da construção. de claridade entre paredes e detalhes: pa-
As imagens cromáticas de quatro perío- redes com tonalidades de claridades me-
dos da arquitetura gaúcha (luso-brasileiro, dianas; detalhes com tonalidades claras -
primeiro período eclético, segundo perío- possivelmente brancas e embasamento
do eclético e pré-modernismo) foram ava- com cores mais escuras.
liadas pela arquiteta Natália Naoumova As edificações do segundo período
que utilizou a metodologia desenvolvida eclético poderiam ser pintadas com o mes-
de acordo com as três componentes do mo matiz, porém, com tonalidades de cla-
conceito de policromia urbana: conteúdo ro-escuro diferentes nos seus diversos ele-
(a paleta de cores), estruturação (como as mentos de composição. As tonalidades
cores se distribuem pelos elementos) e di- mais representativas do período seriam as
nâmica (mudanças cromáticas que acon- acinzentadas, as amareladas e as rosadas.
tecem ao longo do tempo). A diferenciação entre as tonalidades a se-
A ‘exagerada’ decoração, deste monu- rem aplicadas nas paredes e nos detalhes
mento, bem como o contrastante jogo de é mais livre, podendo a parede ser hora
luz e sombra que proporciona nos permi- mais escura, hora mais clara. Os detalhes
te dizer que este exemplar eclético do sé- pontuais, no entanto, deveriam ser desta-
culo XX possui uma forte intencionalidade cados com outra cor ou tonalidade mais
barroca2. É possível, portanto, enquadrá- escura. O embasamento seria destacado,
lo nos dois períodos ecléticos, no primei- também, com tonalidade mais escura do
ro, em função das características clássicas mesmo matiz da parede.
79
Anais | Congresso Abracor 2009
3
FONSECA, 2006,
p.60
4. Aspectos teóricos da elaboração das propostas
4
AGUIAR, José. Cor e
Cidade Histórica: Sabe-se que a cor influencia diretamente tica do ambiente histórico, de que a arqui-
Estudos cromáticos e
conservação do na percepção dos monumentos, e a facili- tetura faz parte; 4) reconstruir qualquer
patrimônio. Lisboa:
FAUP publicações, dade e até liberdade para a pintura de fa- outra pintura em sequência das camadas
2001, pp. 507, 508.
5
Ibid.,
chadas e troca de cores sem a orientação sobrepostas; e 5) adaptar a cor ao estado
adequada compromete seriamente a leitura estético otimizado da edificação ou perío-
das edificações de interesse cultural. Tal- do historicamente mais significativo da
vez seja essa sua característica, de mudança ‘apresentação’ daquela arquitetura, quan-
constante, que contribua para a falta de uma do a cor que caracterizava o edifício tor-
cultura da cor. As próprias escolas de ar- nou-se o referencial histórico e
quitetura não costumam tratar o tema com emblemático na memória da arquitetura e
a importância por ele exigida, contribuin- da cidade, mesmo quando essa cor é dis-
do, não só para a desorganização cromática tante do conceito original.5
do meio urbano em geral, como para a A metodologia utilizada para a elabora-
descaracterização dos centros e prédios his- ção das propostas de pintura para a sede
tóricos.3 da Faculdade de Medicina considerou a
O objetivo essencial deste estudo é a ela- descoberta das ‘cores originais’ do ‘perío-
boração de propostas de pintura conscien- do histórico e arquitetônico’ do término
tes da história e da estética, este só será al- da construção. Isto abre um leque de op-
cançado através do enfrentamento do res- ções com limites determinados, uma vez
tauro cromático enquanto um “problema que as últimas, penúltimas, e até
crítico, estética e formalmente determinante antepenúltimas camadas de cores encon-
para o projeto de conservação patrimonial”.4 tradas nas prospecções reconstituem um
Sintetizando as experiências de vários ‘período histórico’.
autores/restaudores italianos, tais como Pio Esta metodologia é amparada pela teo-
Baldi, Michele Cordaro, Paolo e Laura ria da restauração de Brandi, quando este
Mora, haveria, pelo menos, cinco manei- nos diz que as sugestões a serem desen-
ras principais de abordar um projeto de volvidas nos projetos de restauro estão
restauro cromático: implícitas nos fragmentos ou testemunhos
1) manter a cor existente; 2) reconstituir autênticos do que foi a obra e devem bus-
a cor original (imagem original, tal como car o restabelecimento de unidade poten-
foi concebida pelo artífice); 3) adaptar a cial, sem que se venha a constituir um fal-
coloração à cor dominante, ou caracterís- so histórico ou uma ofensa estética.

5. Propostas de pintura

A prospecção apontou com clareza uma tos perceptivos resultantes (dinâmica), tam-
tonalidade cinza amarelada como ‘cor ori- bém foram considerados e explicitados a
ginal’ do prédio. Esta tonalidade pode ter seguir.
sido utilizada em todos os elementos de 1) A edificação encontra-se em posição
decoração da fachada, já que não foi pos- de privilegiada leitura visual, com o prin-
sível afirmar se as diferenças tonais encon- cipal acesso na esquina e com amplo es-
tradas fazem parte da tipologia cromática paço aberto na frente, formado pelo cru-
ou se em alguns locais o cinza amarelado zamento das ruas e da praça, que propor-
desbotou ou escureceu. ciona possibilidade de observação a mai-
Nas penúltimas camadas verificaram-se or distância. Há também, a visualização
tonalidades de amarelo ocre. Nas do prédio a partir do viaduto, que propor-
antepenúltimas, vestígios de uma camada ciona uma ampla leitura da sua fachada.
azulada. O monumento está parcialmente encober-
As propostas de pintura consideraram os to por árvores que perdem as folhas no
resultados das prospecções, as tipologias inverno, permitindo a visualização mais
cromáticas dos períodos ecléticos e efei- completa do prédio durante esta estação.
tos perceptivos do monumento no meio Para estes casos, podem ser utilizadas to-
urbano. Da prospecção foram selecionadas nalidades mais suaves, menos saturadas,
as tonalidades a serem utilizadas (conteú- uma vez que não há necessidade de fazer
do, paleta). O modo como as cores devem uma ‘amarração’ visual através da utiliza-
se agrupar nos elementos de modenatura ção de cor mais saturada.
(estruturação) foi estabelecido de acordo 2) O grande tamanho da fachada é con-
com a tipologia do primeiro período siderado na hora de buscar a tonalidade
eclético. Os fatores relacionados aos efei- adequada. Quando pintados com uma cor
80
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 6
proposta do
apenas, as grandes fachadas parecem ainda A partir destas observações, foram elabo- grupo 1, mais próxima
maiores, provocando impacto visual forte. radas propostas de quatro grupos cromáti- das cores mais
antigas, cinzas
Em função disto foi proposto o cos distintos: amarelados mais claros e amarelados.

desmembramento da fachada através do esverdeados, que se aproximam daquelas Figura 7


proposta do
grupo 2, amarelos
uso de tonalidades diferentes nos detalhes consideradas originais. Tonalidades amare- ocre, penúltimas
de decoração. ladas ocres que vão ‘aquecendo’ até chega- camadas da
prospecção.
3) A fachada excessivamente decorada rem num bege ou um “marrom” muito cla-
Figura 8
proposta do
possui elementos que já são destacados ro. Outro grupo leva em consideração as grupo 3, tonalidades
com texturas diferenciadas. Caso fosse es- tonalidades azuis encontradas entre as azuis encontradas na
antepenúltima camada
colhida uma cor para cada grupo de ele- antepenúltimas camadas de pintura. Por da prospecção.

mentos de composição a leitura do prédio último foram elaboradas propostas em to- Figura 9
proposta do
grupo 4, tonalidades
poderia tornar-se complexa ou até confu- nalidades de verde amarelado por serem esverdeadas, criação
sa, a solução é agrupar elementos decora- consideradas tonalidades adequadas às ca- do efeito visual em
conformidade com o
tivos dentro de três, no máximo quatro racterísticas da implantação do prédio no tamanho e condições
da fachada.
tonalidades diferentes, reservando mais meio urbano do qual faz parte.
uma tonalidade para as esquadrias.

81
Anais | Congresso Abracor 2009
Bibliografia
AGUIAR, José. Cor e Cidade Histórica: Estudos cromáticos e conservação do patrimônio. Lisboa: FAUP publicações, 2001.
ARQUIVO HISTÓRICO DA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO. Desenhos do projeto da faculdade de Medicina de autoria
do arquiteto Theo Wiederspahn. Faculdade de arquitetura e Urbanismo, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
FONSECA, Daniele B. da. Tintas e Pigmentos no Patrimônio Urbano Pelotense: um estudo dos materiais de pintura do século XIX.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura: Conservação e Restauro de Monumentos). PPG – FAUFBA. Universidade Federal da Bahia. Salva-
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Natalia. História da arquitetura e uso da cor. Anais do II Seminário sobre História da Arquitetura no RS. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo – UFPel, 1997.
Policromia das cidades brasileiras através do estudo da linguagem cromática dos estilos arquitetônicos. CD-ROM do XVII Congres-
so Brasileiro de Arquitetos. Rio de Janeiro, 30 de abril a 03 de maio de 2003.
PILLAR, Carmen de Patta. O centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. FAURB-UFRGS: Porto Alegre, 1988.
SECRETARIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, Divisão de pesquisa histórica e documental. Resumo do texto extraído do documento de
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SHLEE, A. R. O ecletismo na arquitetura pelotense até as décadas de 30 e 40. Porto Alegre: 1993. Dissertação (Mestrado em Arquite-
tura). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, UFRGS.
82
Anais | Congresso Abracor 2009
ALICE, Edison
Arquiteto – Mestre
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESTAURO, REVITALIZAÇÃO E
INTERVENÇÃO ARQUITETÔNICA - UFRGS

O Projeto Resgate do Patrimônio Histórico e Cultural da UFRGS objetiva a preserva-


ção do legado cultural que a comunidade sul-rio-grandense implantou no início do
século XX, constituindo-se no núcleo original da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Os referidos monumentos destinam-se a atividades didáticas, administrativas e
culturais. O conjunto do Campus Centro destaca-se, no contexto, pelo seu excepcio-
nal caráter arquitetônico, expondo duas épocas da arquitetura, eclética e moderna,
formando um harmônico conjunto que identifica a imagem da UFRGS no centro da
Capital do Estado.

The Project Rescue of Historical and Cultural Heritage, UFRGS aims to preserve the
cultural legacy that the community of Rio Grande do Sul implemented at the beginning
of the twentieth century, as in the original core of the Federal University of Rio Grande
do Sul. These monuments intended It is the didactic activities, administrative and cultu-
ral. The entire Campus Center stands out in the context, for his outstanding architectural
character, setting two periods of architecture, eclectic and modern, forming a harmonious
whole that identifies the image of UFRGS in the centre of the capital of the state.

A UFRGS E SEUS PRÉDIOS HISTÓRICOS

A Universidade Federal do Rio Grande do partamento de Artes Dramáticas do Instituto


Sul – UFRGS, uma das mais antigas univer- de Artes. Na década de 50 a Universidade
sidades públicas do Brasil, possui um acer- adquiriu a Estação Experimental Agronômi-
vo edificado muito significativo no contexto ca em Eldorado do Sul, incluindo a Capela
urbano da cidade de Porto Alegre, composto São Pedro construída em 1893, recentemen-
por prédios construídos a partir de 1898 até te incorporado ao projeto da UFRGS.
1928, que conformam um conjunto Os 12 primeiros prédios citados têm a pro-
arquitetônico de grande valor histórico e ar- teção assegurada pela Lei N.º 11.525 de 15
tístico. Este é o primeiro momento de sua de setembro de 2000, que os declara inte-
história com o surgimento das suas institui- grantes do patrimônio cultural do Estado do
ções autônomas de ensino superior, que mais Rio Grande do Sul. Dentre os quais, os pré-
tarde, viriam a ser os fundamentos da sua dios da Faculdade de Direito e do Observa-
estrutura acadêmica. tório Astronômico tiveram seu valor nacio-
Dentro deste período foram construídos nal reconhecido, através do tombamento pelo
onze prédios, em estilos Eclético e Art Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Noveau no Campus Centro, para abrigar Nacional - IPHAN - Processo de Tombamento
os cursos das Engenharias, Direito, Medici- No 1.438-T-98.
na, Colégio Estadual Julio de Castilhos – in- A partir da década de 50, o conjunto do
cendiado na década de 50, do Instituto Campus Centro passa a conviver com uma
Parobé, Rádio da Universidade, Observató- segunda geração de edifícios, cujos atribu-
rio Astronômico, Química Industrial e tos são os da então emergente arquitetura
Curtumes e Tanantes, atual Museu da moderna, com as construções das novas se-
UFRGS. Isolados deste conjunto estão, a des da Reitoria e Salão de Atos, Faculdade
sede central da Faculdade de Agronomia, de Arquitetura, Instituto de Física, Instituto
no Campus do Vale e a primeira sede do de Ciências Naturais, Colégio de Aplicação
curso de Farmácia, na Av. Salgado Filho no e Faculdade de Educação, que se comple-
centro da cidade, hoje ocupada pelo De- ta nos anos 60 com a conclusão da nova
83
Anais | Congresso Abracor 2009
sede da Escola de Engenharia. tado por seu diretor, à época Secretário de
A primeira edificação do conjunto do Estado de Viação e Obras Públicas do Esta-
Campus Centro, datada de 1898, é o da do, João José Pereira Parobé.
antiga sede da Escola de Engenharia, proje-

Prédio da Faculdade de Arquitetura Prédio da Faculdade de Direito

Prédio da Escola de Engenharia, década de 60 Prédio da Faculdade de Educação

ORIGEM DO PROJETO
A UFRGS, através da sua Administração Planejamento físico do Campus Centro.
Central, sensibilizada com a nítida deterio- Planejar a restauração, readequação de
ração e risco de eventuais perdas do seu usos de todos os bens imóveis pertinentes
patrimônio edificado, estabeleceu como uma ao Patrimônio Histórico da UFRGS.
de suas prioridades a recuperação deste con- Orientar e fiscalizar a execução das obras
junto arquitetônico, nos seus diversos Campi. de restauração e/ou de readequação de usos.
Assim, no ano de 1999, foi aprovado pelo Orientar e fiscalizar os trabalhos de con-
Ministério da Cultura – MinC, o Projeto Res- servação do conjunto arquitetônico restau-
gate do Patrimônio Histórico e Cultural da rado, reutilizado e construído.
UFRGS, e em 2000, foi criada a Secretaria Definir critérios de preservação seguindo
do Patrimônio Histórico da UFRGS – SPH / as recomendações difundidas através de
UFRGS, com as atribuições de: Cartas, Declarações e Tratados Nacionais e
Promover a captação de recursos e Internacionais, e orientações dos órgãos fe-
gerenciar a sua aplicação nas obras de res- deral, estadual e municipal - IPHAN, IPHAE
tauração e / ou de readequação de usos. e EPHAC.

84 Fachada Parobé
Anais | Congresso Abracor 2009
OS RECURSOS
Entre as razões para o sucesso do proje-
to, está a captação de recursos realizada
de forma contínua e constante, obtendo-
se sempre resposta da comunidade, que
de alguma forma, tanto como pessoa físi-
ca ou constituída juridicamente contribu-
em para a construção desse processo.
Soma-se a estes fatores, a credibilidade
conquistada através dos resultados obtidos,
aliada ao prestígio que a UFRGS detém
enquanto instituição perante a sociedade,
fatores importantes para o excelente de-
sempenho da campanha. Esta também, se
desenvolve de uma forma contínua e cons-
tante, desde a sua criação há sete anos,
empregando concomitantemente os meios
de comunicação pertencentes à própria
Universidade e espaços doados por mídias
locais. O mix de comunicação da campa-
nha abrange um público-alvo amplo, com
um custo reduzido e contando com os se-
guintes meios de divulgação: Prédio do Observatório - Campus Centro

1 - Anúncios semanais no jornal Zero Hora, em espaço cedido.


2 - Rádio da Universidade, UniTV - NET e Jornal da Universidade.
3 - Site www.predioshistoricos.ufrgs.br, hospedado na página da UFRGS
4 - Programa anual Portas Abertas/UFRGS e Dia da Doação/UFRGS
5 - Encontros e palestras realizados pela SPH.

PLANEJAMENTO FÍSICO - AÇÕES E CRITÉRIOS

As ações de projeto e planejamento físico


na SPH / UFRGS se diversificam dentro do
amplo universo de abordagens das condições
físicas passadas, atuais e futuras das instala-
ções da UFRGS no Campus Centro. Essas
ações envolvem atividades
multidisciplinares, desde a pesquisa ao pro-
duto final, com a atuação de profissionais e
estudantes das mais diversas áreas, na re-
cuperação e readequação de novos usos do
patrimônio edificado da Universidade.
Sob os aspectos social e ambiental, o
Prédio da Reitoria - Campus Centro
projeto busca a valorização e a qualifica-
ção física do Campus Centro como técnicas contemporâneas; proporcionar
patrimônio urbano e paisagístico. São condições de acessibilidade universal em
ações fundamentais neste processo, que todos recintos; modernização da
se identificam pela pesquisa histórica e infraestrutura, face às novas demandas para
cadastro físico; a preservação das caracte- as redes especiais como ar condicionado e
rísticas originais da preexistência, sua lógica, propiciando conforto e qualidade
espacialidade, volumetria e materialidade; operacional para as atividades de ensino,
a recuperação das técnicas construtivas, pesquisa e extensão; qualificar a relação
como representantes dos diferentes estilos entre os edifício e os espaços abertos, pro-
arquitetônicos presentes, como esclareci- pondo através de uma solução de
mento do significado histórico de cada paisagismo contemporâneo ambientes
edifício; agregar ou readequar o edifício a externos de vivência e lazer; estimular a
novos usos, compatíveis com a vocação formação acadêmica, com o apoio de es-
original da edificação; marcar as novas tudantes e bolsistas como agentes atuan-
intervenções pelo uso de materialidade e tes e multiplicadores deste processo. 85
Anais | Congresso Abracor 2009
PLANEJAMENTO FÍSICO – PLANO DIRETOR

O Campus Centro da UFRGS é compos- na, ocupando os espaços periféricos restan-


to por dois quarteirões contíguos situados tes e o interior dos quarteirões.
no centro da cidade de Porto Alegre. Sua Atualmente os quarteirões estão
solução original urbana é periférica nos descaracterizados, com construções avul-
quarteirões, com os suas primeiras constru- sas e improvisadas nos seus interiores, fei-
ções – 1o: geração de 1900 a 1930 - situadas tas ao longo do tempo sem planejamento.
junto às vias de entorno. Numa segunda fase A nova proposta para o Campus Centro da
de construções – 2o: geração de 1950 a 1963 UFRGS é de qualificar estes espaços aber-
– dispõem-se as edificações da fase moder- tos para novas atividades de lazer.

Quarteirão 2 - Campus Centro

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Anais | Congresso Abracor 2009
EQUIPE DA SPH
Secretário de Patrimônio Histórico
CHRISTOPH BERNASIUK - Professor
Secretária Administrativa
ANA LÚCIA DOS SANTOS BRUM STRIEDER – Técnico em Secretariado
Secretaria-Executiva
NOEMIA FATIMA RODRIGUES – Administradora - Diretora
MARIA REGINA INÁCIO DA SILVA – Auxiliar Administrativo
SHEILA FERREIRA SEFRIN – Estagiária
MATEUS GOMES CÓCARO – Estagiário
DOUGLAS DOS SANTOS GONÇALVES – Estagiário de Publicidade
Departamento de Projetos
EDISON ZANCKIN ALICE – Arquiteto – Diretor (Org.)
HONORES MAMBRINI – Arquiteto
PATRICIA BERENSTEIN PEREIRA – Arquiteta
CAMILA DA ROCHA THIESEN – Estagiária de Arquitetura
CAROLINA DA SILVA FLORIANO MACHADO – Estagiária de Arquitetura
PRISCILA GARCIA DE SOUZA – Estagiária de Arquitetura
RAQUEL HAGEN – Estagiária de Arquitetura
SÔNIA MARIA PICCININ – Socióloga
CARLOS EDUARDO SILVEIRA MOURA – Estagiário de Biblioteconomia
Departamento de Obras
LUIZ FRANCISCO PERRONE – Arquiteto - Diretor
PAULO OSVANDRE MAAS – Engenheiro Civil
JOSÉ ASTROGILDO DA ROCHA – Mestre de Obras

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANAIS CIENTÍFICOS. V. 15, n.66. Brasil, Porto Alegre, 1957.
__________. V. 14, n.67. Brasil, Porto Alegre, 1958.
EGATEA – REVISTA DA ESCOLA DE ENGENHARIA. Brasil, Porto Alegre: Escola de Engenharia, 1926.
ESPINDOLA, Susana Sondermann. Implantação Física da UFRGS: da fundação ao campus vale. Porto Alegre: UFRGS, 1979. 232 p.
FACULDADE DE DIREITO DA UFRGS. Livros do centenário da Faculdade de Direito da UFRGS. Brasil, Porto Alegre: Síntese, 2000.
235p.
LEITE, Fernando Ávila de Carvalho. Projeto de Restauração: Instituto de Biociências. Porto Alegre. 1988. 109p.
PAGLIOLI, Elyseu. Relatório: 13 de Agosto de 1952 a 13 de Abril de 1964. Porto Alegre: UFRGS, 1978. 376p.
SECRETARIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. Dossiês Faculdade de Direito. Divisão de Pesquisa e Documentação, SPH. Porto Alegre:
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Porto Alegre: UFRGS, 2004. 143p.
___________. Os prédios históricos da UFRGS: atualidade e memória. Porto Alegre: Metrópole, 1998. 63p.
_____________. UFRGS 70 anos. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2004. 224p.
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Anais | Congresso Abracor 2009
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Anais | Congresso Abracor 2009
AMBROSIO, Eliana.
Especialista em Conservação/restauração de bens culturais móveis (CECOR), Mestre em História
da Arte (UNICAMP), doutoranda em História da Arte (UNICAMP), Instituição: Docente da Escola de
Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (CECOR-EBA-UFMG),

TOGNON, Marcos.
Mestre em História da Arte (UNICAMP) e Doutor em Storia Della Critica D’arte - Scuola Normale
Superiore Di Pisa. Instituição: Docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade
Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP).

Proteção de pinturas murais em edificações históricas:


o caso da Estação Guanabara (Campinas-SP)
A Estação Guanabara, antiga estação ferroviária inaugurada na década de 1890 e
localizada no município de Campinas, foi recentemente objeto de obras. Com o obje-
tivo de promover futuros restauros, as pinturas artísticas foram submetidas a um trata-
mento de proteção durante a realização de uma mostra de decoração que permitiu a
revitalização da edificação.
Nesta comunicação comentaremos os resultados dos diversos testes realizados para
a proteção da pintura e a solução adotada, avaliando a utilização do Paralaoid B72 e
comentando experimentos realizados com Filmoplast e com Papel japonês impregna-
do com Primal, bem como a problemática e os cuidados que envolvem um trabalho de
proteção em um edifício histórico nestas condições. De fato, o inusitado do trabalho
foi a utilização de técnicas tradicionalmente usadas para o tratamento de papéis na
proteção de pinturas murais.

Palavras-chave:
pintura mural, proteção, conservação, patrimônio ferroviário

Estação Guanabara, an old railway station opened around 1890 decade and located
in Campinas, was recently the subject of intervations. Aiming to promote future
restoration, the artistc paintings have been protected during a decoration event that
allowed the building´s revitalization.
In this paper we will discuss the result of the paint protection´s test and the solution
adopted. We will evaluate the use of Paraloid B72, the test done with Filmoplast and
Japonese paper impregnated with Primal AC33 and the problems and cares involving
a work of protection at a historic building in these conditions. In fact, the inovation of
the work was the use of papel tecniches in the protection of wall paintings.

Contexto Histórico da Edificação

O interior do Estado de São Paulo assis- rio, se quisermos expandir o sentido desta
tiu um interessante fenômeno econômico área moderna do desenho industrial, es-
e cultural na segunda metade do século pecialmente quando estudamos, entre as
XIX que, sem precedentes nacionais, con- várias companhias de estradas de ferro,
tribuiu para constituir uma profícua mani- aquela denominada Mogiana. Fundada em
festação das estruturas ferroviárias, não só 1872, a Companhia Mogiana de Estradas
restrita aos troncos e ramais difusos pelo de Ferro estabeleceu uma atuação invejá-
território paulista, mas também um valio- vel, dinâmica e polivalente entre as suas
so conjunto de edificações ao longo dos parceiras e concorrentes: construiu loco-
trilhos. Esses verdadeiros empreendimen- motivas, gares metálicas, pontes e túneis,
tos ferroviários, sabemos todos, resultavam edificou mais de 70 estações em terras
de acordos políticos, de concentação de paulistas, estabelecendo assim uma mar-
capital rural em território urbano, de es- ca da atuação ferroviária em todos os sen-
tratégias logísticas acordadas entre pares, tidos, sempre ao longo das bacias fluviais
e, especialmente, de uma organização do até o Rio Grande.
mundo do trabalho onde tecnologia e arte Esse “design ferroviário”, instância de
conviviam plenamente com o sentido da elaboração e cultivo de uma coerência for-
qualidade, do decoro e da eficiência. mal ou mesmo de um padrão em toda a
Podemos falar de um “design” ferroviá- produção da Companhia Mogiana, pode 89
Anais | Congresso Abracor 2009
1
A equipe foi formada ser apreciado nas instalações da Estação te realizadas e, em 2007, ocorre uma opor-
por Marcos Tognon
(PREAC-UNICAMP), Guanabara, terceiro posto situado a pou- tunidade até então inédita para um
Eliana Ambrósio
(CECOR-EBA-UFMG e co mais de três quilômetros da cota inicial patrimônio edificado tombado na região:
IFCH-UNICAMP),
Rosaelena Scarpeline
da linha-tronco. Aqui temos já em funcio- ser recuperado para receber, provisoria-
(CMU-UNICAMP), namento, na década de 1890, o Edifício mente, uma mostra de decoração e
Patrícia Scarabelli e
Henrique Anunziata, Administrativo, a pequena cobertura em paisagismo.
representando o
Condepacc. maderia na plataforma isolada e o Arma- Para a UNICAMP significava uma opor-
Figura 1
ESTAÇÃO
zém do Café. tunidade de investimentos de grande por-
GUANABARA, Nas próximas décadas, até o final dos te, em um curto período, que poderiam
foto c. 1900
Coleção MIS - Campinas anos de 1960, a Estação Guanabara ainda viabilizar a ocupação dos dois prédios mais
terá expansões significativas de sua área deteriorados, aquele Administrativo e a
construída, até que nos anos de 1970, com Gare Metálica, com a ampliação das ações
a estatização militar das ferrovias, a do Centro Cultural de Inclusão e Integração
Companhiaa Mogiana será condenada a Social, órgão da Pró-Reitoria de Extensão,
um grande ostracismo e consequente aban- instalado no Armazém do Café desde
dono. 2006; para a organização da Mostra CAM-
Em 1990 a Universidade Estadual de PINAS DECOR representava um novo de-
Campinas ganha, do Governo do Estado, safio ao convidar os profissionais das áre-
um acordo de comodato por 30 anos, para as de arquitetura, decoração e paisagismo,
que recuperasse as estruturas da Estação para intervirem em um edifício histórico
Guanabara e constituísse ali uma “vitrine” reconhecido e revitalizar,
da Universidade e da memória da região, consequentemente, uma área estratégica
como diria o seu maior idealizador, Prof. para o centro da cidade, dada a escala da
Amaral Lapa. É também nesse momento Estação Guanabara junto ao coração de
de posse da UNICAMP que se inicia uma Campinas.
saga de tentativas frustradas de recupera- Coube assim a uma equipe
ção desse patrimônio: primeiro convidan- pluridisciplinar elaborar um conjunto de
do Lina Bo Bardi para fazer uma proposta, critérios de intervenção para orientar os
de resto polêmica e até mesmo avessa às profissionais da mostra CAMPINAS
intenções da Universidade, onde se pre- DECOR 20081 e, antecipadamente, apro-
via uma demolição de dois dos três edifí- var tais critérios junto ao Conselho Muni-
cios concedidos. Esse projeto será revisto cipal de Defesa do Patrimônio Cultural de
posteriormente, sobretudo em função da Campinas. Os resultados dessa Mostra
proteção do Município pelo instrumento constituíram então uma primeira fase da
do tombamento patrimonial, mas apenas plena recuperação da Estação Guanabara,
a partir de 2004 é que a Universidade ope- cabendo a outras fases sucessivas as inter-
ra, criteriosamente, para assumir a área e venções de restauro de grande porte, como
a sua intenção original. Famílias que ocu- as estruturas da Gare Metálica, ou de com-
pavam os espaços da estação são plexidade elevada, como as pinturas artís-
transferidas, obras de conservação de co- ticas murais encontradas no núcleo mais
berturas e de prevenção são paulatinamen- vetusto do Prédio Administrativo.

90
Anais | Congresso Abracor 2009
Justificativa das proteções
Para a Mostra programada entre maio e realização de mais de 150 janelas de
junho de 2008, os profissionais participan- prospecção em todos os espaços do Pré-
tes receberam antecipadamente da orga- dio Administrativo, constituindo um
nização uma prancha técnica, contendo a mapeamento de todas as superfícies
descrição de todas caracterizações dos am- murárias internas, obtivemos um resulta-
bientes (fundações, estruturas murárias, co- do positivo em 5 ambientes, justamente
bertura, revestimentos, caixilhos, instala- com os remanescentes de pinturas deco-
ções e programa de uso futuro para o Cen- rativas que podem ser datadas entre a pas-
tro Cultural da UNICAMP) e uma avalia- sagem do século XIX para o XX, executa-
ção do estado de conservação, indicando das a têmpera, e também outros registros
qual intensidade de renovação ou substi- de base oleosa cujos princípios formais nos
tuição eram possíveis e alertando, quan- remetem aos anos de 1920.
do necessário, a presença de registros mais Nesses ambientes com os registros de
frágeis, como as pinturas murais. pintura se permitiu apenas a cobertura com
Considerando a necessidade dos profis- tinta imobiliária dentro de uma
sionais da Mostra em aplicar tintas imobi- especificação única; se o profissional da
liárias e outros recursos de revestimento Mostra desejava aplicar revestimentos
sobre as estruturas murárias (como tecidos, colantes, ou fazer perfurações para engaste
papéis, cerâmicas, tintas especiais de mobiliário ou acessórios então seria ne-
cimentícias), adotou-se um critério rigoro- cessário a constituição um painel novo so-
so de proteção completa das áreas expos- breposto à parede original, a ser retirado
tas das pinturas artísticas murais. Após a com o fim da exposição em junho de 2008.

Estado de conservação das pinturas murais


Como a edificação ao longo de sua histó- Apesar das áreas com pinturas aparen-
ria passou por reformas e acréscimos, algu- tes ser relativamente pequena dada às di-
mas pinturas do século XIX foram removi- mensões da edificação, estas se encontram
das, outras foram abrasionadas e em alguns em avançado estado de degradação, com
locais notamos pinturas realizadas já no perdas evidentes e sujidades impregnadas.
século XX. Todas estas pinturas acabaram Dada às variações climáticas e à presen-
por ser recobertas com novas camadas de ça de umidade, algumas áreas encontram-
tinta e atualmente seus vestígios estão apa- se muito ressecadas e pulverulentas. Em vá-
rentes apenas em locais em que tanto as rios locais notamos cocheamento, despren-
camadas aplicadas posteriormente quanto dimento e consequentes perdas. Além dis-
as camadas originais estão em processo de so, existem áreas com degradações, tais
desprendimento, ou em lugares em que como pichações, inscrições e diversas ca-
foram abertas janelas de prospecções. madas de repintura.

Descrição dos testes realizados


Dada a fragilidade das áreas em despren- bem diluído possui a vantagem de perma-
dimento, as pinturas necessitavam de um necer fosco, sendo indicado inclusive para
tratamento prévio de consolidação antes tratamento de guaches e pastéis pouco
de qualquer outro trabalho de proteção. aglutinados. Outra opção seria a utiliza-
Para tanto, foram efetuados testes para a ção do Beva Gel, pois além de possuir uma
escolha do adesivo adequado. No caso da boa adesão em diversas superfícies, uma
pintura à têmpera cogitamos os seguintes fácil aplicação e dispersão, ele pode ser
produtos: Mowiol, Paraloid B72 e Beva reativado com calor, é reversível utilizan-
Gel. O Mowiol foi uns dos primeiros pro- do água, álcool e alguns outros solventes,
dutos sugeridos por se tratar de um ótimo e é indicado para tratamentos de murais.
adesivo para superfícies porosas como No caso da pintura oleosa o tratamento
têmperas com pouco aglutinante que apre- poderia ser realizado com Paraloid B72,
sentam desprendimentos e friabilidade. ou uma resina acrílica termoplástica, como
Este é um produto interessante para tratar o Primal ou ainda PVA.
este tipo de pintura, pois mantém o seu Partindo desta gama de materiais inicia-
caráter fosco sem criar um aspecto plásti- mos as investigações com Mowiol nas se-
co apesar de formar um filme tenaz. Caso guintes proporções: 1:25:50, 2:25:50 e
sua adesão não fosse suficiente, pondera- 3:25:50. No ambiente em que a pintura a
mos o uso de Paraloid B72 que forma fil- têmpera encontrava-se mais pulverulenta
mes claros e plásticos, mas que quando e ressecada, os testes indicaram o Mowiol 91
Anais | Congresso Abracor 2009
a 3:25:50 como o produto mais adequado, reagiram diretamente com a pintura.
pois com apenas duas aplicações consegui- Iniciamos nossas investigações nas áreas
mos a fixação dos pigmentos. Durante, os menos problemáticas, no caso, as pinturas
simulados percebemos que se o Mowiol fos- oleosas. De início, descartamos a utiliza-
se aplicado mais de três vezes, ele conferiria ção do verniz G. Berger´s isolating spray
brilho à área. Entretanto, nas áreas mais críti- varnish devido a sua irreversibilidade e tes-
cas duas aplicações foram suficientes e so- tamos o uso de Paraloid B72. Avaliamos a
mente casos isolados exigiram uma terceira sua reversibilidade, aplicando-o a concen-
aplicação. Aonde a pintura à têmpera não tração de 10% em xilol. Como, durante sua
apresentava muita pulverulência verificamos remoção, ele não reagiu com a pintura, ve-
que o Mowiol a 1:25:50 proporcionava uma rificamos qual seria a melhor concentração
boa fixação. Assim, respeitando o critério para que ele se tornasse um bom isolante.
ético de realizar a menor intervenção na Com o Paraloid B72 diluído a 10% em xilol,
obra, decidimos utilizar, nestes locais, esta obtivemos uma camada fina e foi necessá-
proporção, uma vez que, estaríamos adici- rio aplicá-lo diversas vezes até que se con-
onando uma menor quantidade de quími- ferisse certa impermeabilização. Mesmo
ca (produtos) à pintura. Como o Mowiol ofe- assim, quando aplicamos a tinta de cober-
receu uma boa consolidação, descartamos a tura, observamos que parte dela penetrava
realização de simulados com os demais pro- na pintura original. Aumentando a concen-
dutos sugeridos anteriormente. tração para 20% com duas e, em alguns
Terminada avaliação de pintura à têmpe- locais, com três camadas de verniz de
ra, analisamos a consolidação das pinturas Paraloid a penetração da tinta foi reduzida.
oleosas. Como o Mowiol havia atendido as Contudo, nos locais desnivelados, esta ain-
demais situações, decidimos testá-lo tam- da adentrava nas reentrâncias e sua remo-
bém nestas áreas. Diferentemente das pin- ção afetava a camada original. Desse modo,
turas à têmpera que estavam muito optamos pela realização de uma barreira
pulverulentas, no caso das pinturas a óleo, física. Como sabíamos que a pintura à têm-
seu maior problema de conservação esta- pera reagiria com adesivos aquosos descar-
va ligado a desprendimentos acompanha- tamos sua utilização e investigamos outros
dos de concheamentos. Durante os ensai- processos para a aplicação do faceamento.
os, observamos que a proporção de Mowiol Neste momento, sugerimos utilizar na pro-
a 1:25:50 foi suficiente para abaixar os teção das pinturas murais técnicas tradicio-
concheados e fixá-los. nalmente usadas para a consolidação de
Como o intuito de nossa intervenção era obras em papel. De fato, isto foi o inusita-
atender as necessidades da mostra de de- do do trabalho.
coração, propiciando uma proteção às pin- Quando um papel encontra-se com ras-
turas originais para que suas paredes fos- gos, podemos consolidá-lo com um adesi-
sem recobertas com outros materiais, inves- vo aquoso como a metil celulose ou com
tigamos possíveis técnicas e produtos para um método a seco através da reativação dos
isolá-las. Antes de qualquer solução pon- adesivos com calor. Existem produtos in-
deremos. No mercado existem vernizes dustrialmente produzidos para atender a
como o G. Berger’s isolating spray varnish, esta finalidade como o Filmoplast. Outra
um verniz isolante à base de PVA destinado possibilidade é impregnar o papel japonês
a criar uma barreira entre a pintura e futuras com Primal AC33 para que este possa ser
reintegrações. Entretanto, ele apresenta o in- reativado posteriormente. Dessa forma, de-
conveniente de ser irreversível e poder con- cidimos testar estes dois processos no
ferir um aspecto plástico, o que seria inade- faceamento das pinturas murais.
quado no caso da pintura à têmpera. O ver- As tiras de papel japonês e de Filmoplast
niz elaborado a base de Paraloid B72 seria foram fixadas na parede utilizando uma
outra uma opção, mas ele também poderia espátula térmica. Em seguida, aplicamos
conferir um aspecto plástico à têmpera e duas camadas da tinta de cobertura e re-
deveria ser avaliado com cuidado. Outra al- movemos as tiras com um soprador de ar
ternativa seria criar uma barreira física atra- quente. Observamos que, em alguns casos,
vés de um faceamento. Esta, além de isolar a a tinta ainda atravessava esta barreira, mas
pintura original auxiliaria no nivelamento ela se aderia superficialmente à pintura. Am-
das lacunas existentes devido às perdas, con- pliando os testes, realizamos uma combi-
ferindo uma maior uniformidade à pintura nação do faceamento com uma camada de
final aplicada. Além disso, facilitaria a re- verniz de Paraloid e verificarmos qual tinta
moção das intervenções no final da mostra. de proteção seria mais adequada como ca-
Entretanto, tal faceamento não poderia ser mada de revestimento final. Neste momen-
92 realizado com adesivos aquoso, pois estes to, avaliamos a utilização de Filmoplast e
Anais | Congresso Abracor 2009
de papel japonês impregnado com Primal importação dentro dos prazos da mostra,
Figura 2
Esquema
demonstrando os testes
aplicados diretamente na pintura e dos optamos pela utilização do papel japonês. realizados nas pinturas.

mesmos colocados sobre uma camada de Todos estes testes foram repetidos nas pin- Figura 3
Detalhe do
simulado com papel
verniz de Paraloid B72 a 20%. Após a fixa- turas à têmpera e obtivemos resultados se- japonês após sua
ção das proteções aplicamos em cada um melhantes. A única ressalva foi quanto ao remoção. Notar a
migração de pigmento
dos simulados duas camadas de tinta látex uso de papel japonês diretamente sobre a original na camada de
tinta.
e de tinta vinílica e passamos a remoção pintura original. Como a tinta de cobertura
das tiras para avaliar os resultados. possui uma base aquosa, quando esta ul-
trapassa a barreira do papel, ela acaba por
solubilizar os pigmentos da pintura origi-
nal. Ao removermos as tiras de papel, estes
ficam aderidos na tinta de cobertura, con-
forme pode ser verificado na foto abaixo.

O Filmoplast aplicado diretamente sobre


a pintura original foi o produto que confe-
riu melhor resultado. Ele criou uma barrei-
ra impermeável à tinta de cobertura e sua
remoção foi rápida e fácil. Todavia, o mes-
mo apresentava o inconveniente de um alto
custo e da necessidade de ser importado,
pois não se encontrava disponível nas lojas
especializadas brasileiras. Já o Filmoplast
aderido sobre camada de Paraloid B72 foi
a pior solução, pois este foi difícil de ser Durantes os testes para a escolha da pro-
retirado. Ao ser reativado com calor, ele teção, avaliamos algumas tintas comerciais
reagiu com o filme de Paraloid e se aderiu utilizadas no revestimento de paredes. Pro-
mais ao suporte, dificultando sua remoção. curamos tintas que oferecessem boa cober-
O papel japonês aderido diretamente na tura e que formassem filme coeso, mas sem
pintura original não conferiu uma barreira grande penetração no suporte mineral. Para
impermeável e parte da tinta de cobertura tanto, observamos o desempenho da tinta
adentrou nas reentrâncias da pintura. En- látex e da vinílica.
tretanto, combinado com o verniz de Ambas permitiram uma remoção mecâ-
Paraloid B72 a 20% em xilol apresentou nica, entretanto, o látex mostrou-se mais
um bom resultado, apesar de oferecer uma resistente. Nos locais que apresentam la-
maior resistência à remoção quando compa- cunas, dependendo do tipo de proteção
rado com o papel japonês aplicado direta- realizada, sua retirada foi mais lenta. Como
mente sobre a pintura. Em compensação parte da tinta de cobertura ficava impreg-
houve uma menor migração de tinta e a par- nada nos locais de perda, foi necessário
te que ultrapassou a barreira de papel ade- voltar várias vezes com o solvente e com o
riu-se superficialmente à camada de Paraloid. bisturi para promover sua remoção com-
Ao promovermos a remoção do filme, esta pleta, o que ocasionou alguns danos ao ori-
tinta de cobertura saiu facilmente. Assim, a ginal. Sensibilizando a camada com álco-
aliança de um filme de proteção e uma bar- ol etílico, a remoção foi facilitada e, no
reira física também demonstrou ser uma boa caso da tinta vinílica, esta se soltou facil-
solução e, no final dos testes, concluímos mente, mesmo nos locais em que apresen-
que poderíamos trabalhar tanto com o tava porosidades e lacunas. Avaliando as
Filmoplast aplicado diretamente na pintura duas tintas, optamos pela vinílica que ofe-
quanto com a combinação de uma camada receu uma melhor cobertura e uniformida-
de Paraloid a 20% sobreposta pela barreira de e apresentou pouca penetrabilidade no
de papel japonês impregnado com Primal. suporte e pouca resistência tanto à retira-
Dados aos maiores custos de se utilizar o da mecânica quanto química. Esta passou
Filmoplast e a urgência da realização dos tra- a ser o revestimento base dos ambientes
balhos que não oferecia tempo hábil a sua da mostra.
93
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 4
Etapas do Considerações finais
tratamento de proteção
realizado. Acima
conferir brilho do A proteção das pinturas fazia parte de
verniz de Paraloid; ao
centro reativação do um conjunto de critérios que foram previ-
papel japonês com
espátula térmica;
amente aprovados no Conselho de Preser-
abaixo área protegida vação Municipal para permitir a realiza-
após a aplicação da
tinta vinílica de ção do evento de decoração que
revestimento.
viabilizou, por sua vez, a utilização ime-
diata do prédio até as próximas etapas de
conservação e restauro.
Para integrar a mostra todos os ambien-
tes que apresentavam resquícios de pin-
turas artísticas foram tratados seguindo os
resultados obtidos nos testes. Primeira-
mente, as pinturas foram consolidadas
com Mowiol, ora na proporção 1:25:50
ora em 3:25:50, de acordo com a neces-
sidade. Em seguida, receberam de duas a
três camadas de verniz de proteção pre-
parado com Paraloid B72 a 10 ou 20%
em xilol (conforme o caso) e uma cama-
da de papel japonês impregnado com
Primal AC33 reativado por calor através
de uma espátula térmica. Por fim, todas
as áreas protegidas foram recobertas com
duas camadas de tinta vinílica e em todas
as paredes foi aplicada pelo menos uma
camada desta tinta antes de qualquer ou-
tro revestimento.
Através deste estudo de caso, esperamos
contribuir para a ampliação das discussões
a respeito do tratamento de pinturas mu-
rais e demonstrar a importância da reali-
zação de novos estudos na área e da utili-
zação de conhecimentos de outras áreas
do restauro durante estas investigações.

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(Endnotes)

A equipe foi formada por Marcos Tognon (PREAC-UNICAMP), Eliana Ambrósio (CECOR-EBA-UFMG e IFCH-UNICAMP), Rosaelena Scarpeline
(CMU-UNICAMP), Patrícia Scarabelli e Henrique Anunziata, representando o Condepacc.
94
Anais | Congresso Abracor 2009
LANER, Márcia Regina Escorteganha.
Mestre em Arquitetura e Urbanismo, do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo- PósARQ - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil.
Funcionária Estadual da Fundação Catarinense de Cultura, setor: Ateliê de Conservação-
Restauração de Bens Culturais Móveis- ATECOR vinculado à Diretoria de Preservação do
Patrimônio, no cargo de Analista Técnica em Gestão Cultural

VALLE Ângela do.


Departamento de Eng. Civil, CTC - UFSC

NAPPI, Sérgio Castello Branco.


Departamento de Arquitetura e Urbanismo, CTC - UFSC

METODOLOGIA PARA A
RECONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DAS
INTERVENÇÕES DA CATEDRAL
METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS
A Catedral Metropolitana de Florianópolis constitui-se patrimônio arquitetônico cultu-
ral com referências significativas do século XVIII. É o marco zero da fundação da Póvoa de
Nossa Senhora do Desterro. Durante seus 230 anos de existência sofreu muitas alterações
arquitetônicas e hoje apresenta um aspecto diferenciado daquele concebido pelo enge-
nheiro militar e o primeiro governador da província de Santa Catharina, José da Silva
Paes. Com o objetivo de identificar e analisar tais modificações foi feito o levantamento
das intervenções arquitetônicas por meio de pesquisa bibliográfica, gráfica e oral; além de
trazer a público as informações coletadas nos Livros Tombo da Cúria Metropolitana de
Florianópolis, comprovando datas e intervenções desconhecidas até então. Com base nos
dados coletados foi possível analisar os fatos e visualizar cronologicamente as alterações
no sistema construtivo tradicional da edificação.

Palavras-chave:
Metodologia. Arquitetura Religiosa. Intervenções de Restauro. Retrospectiva Histórica.

The Metropolitan Cathedral of Florianopolis is considered a cultural architectural heritage


with significant references from century XVIII. This monument is known as the zero mark
of the foundation of the village of Nossa Senhora do Desterro. The Cathedral suffered
many architectural alterations over the 230 years of existence. Today it presents a different
aspect of that was imagined by the military engineer and the first Governor of Santa
Catharina’s province, Eng. José of Silva Paes. With the aim to identify and analyze the
architectural modifications related with the period when they were made it was search
the interventions through bibliographical, graph and oral research; besides this it was
possible to divulgate the information collected from the Tumble Book of the Metropolitan
Curia of Florianopolis, proving dates and facts ignored until then. With this collected
information it was possible to analyze the facts and to organize the building alterations in
chronological order.

Keywords: Methodology. Religious Architecture. Interventions of Restore. Historical


Retrospect.

1 INTRODUÇÃO

A preservação do patrimônio edificado tória e sua identidade. As diferentes lingua-


exige a realização de uma análise e da com- gens manifestas na edificação também se
preensão das modificações ocorridas durante constituem em um elo e uma continuidade
a existência da edificação, com os diferen- entre os significados agregados ao longo do
tes acréscimos, construindo assim sua his- tempo. O monumento transforma-se em
95
Anais | Congresso Abracor 2009
testemunho histórico para a comunidade na termina, porém, na contemplação do artefato
qual está inserido. arquitetônico em si, mas revela pela investi-
A retrospectiva histórica é uma forma de gação documental, construtiva e arqueológica
contribuir para a preservação do patrimônio do edifício, e que nos ensejará conhecer me-
edificado por meio da investigação das alte- lhor a verdade da sua história, fazendo o seu
rações arquitetônicas e dos fatos. E ao colocá- testemunho muito mais significativo”. (OLI-
los em uma ordem cronológica é possível VEIRA, 2001, p. 02).
visualizar e analisar os fatos e as ações den- A investigação e a organização das altera-
tro do seu contexto político-social. Como ções ocorridas com a Catedral permitiram a
resultado obtém-se a estratificação deste compreensão e o aprofundamento das análi-
patrimônio e também como um monumen- ses dos fatos em relação as intervenções
to identitário e marcado pelo registro tem- arquitetônicas que aconteceram durante três
poral e histórico de uma comunidade. séculos de existência da edificação. É uma
“Entendemos que a memória arquitetônica edificação repleta de referências e ao mesmo
é a mais completa de todas, na medida em tempo de alterações no seu traçado original.
que nos permite, de maneira mais ampla e Devido a esta multiplicidade de alterações, só
profunda, um mergulho no passado e no foi reconhecida e tombada oficialmente como
como viviam os nossos ancestrais. Ela não patrimônio municipal e estadual após 1986.

2 Objetivo e metodologia
2.1 Objetivo Não havia uma linha cronológica que
O objetivo deste artigo é apresentar elucidasse as alterações na Catedral desde a
as diferentes alterações arquitetônicas fundação da “Póvoa de Nossa Senhora do
pelas quais a Catedral Metropolitana de Desterro” no século XVII até os dias atuais.
Florianópolis passou desde o seu pri- Portanto, foi necessária uma investigação nos
meiro projeto, organizando as informa- arquivos da Cúria Metropolitana de Florianópolis
ções em ordem cronológica e forma grá- e da Catedral. Outras fontes de pesquisa fo-
fica. ram: os registros jornalísticos; documentos dos
órgãos de preservação e entrevistas.
2.2 Procedimentos Metodológicos
a) Levantamento Bibliográfico As pesquisas trouxeram ao público o es-
b) Levantamento de Campo (levanta- clarecimento de datas e temas inéditos, con-
mento gráfico e fotográfico/ pesquisa docu- tribuindo com novos indícios sobre as in-
mental/ Entrevistas) tervenções e principalmente os registros dos
c) Reconstituição Histórica Livros Tombo (inéditos), que é a parcela fun-
d) Síntese das Informações Coletadas damental da pesquisa.

3 RESUMO HISTÓRICO DAS INTERVENÇÕES


A reconstituição inicia com a história da iniciada em 1753 utilizando parte da estru-
Capelinha de pau-a-pique, edificada pelo tura da antiga edificação, como consta no
bandeirante Francisco Dias Velho em 1651 desenho da Capela que indica fundações
ao edificar a primeira Igreja dedicada a Nos- mais estruturadas, provavelmente de pedra
sa Senhora do Desterro (LIVRO tombo I, e cal, pois era a técnica construtiva da épo-
1727-1871, p. 8). Passou à Capela de “pe- ca. No desenho da planta que faz a passa-
dra e barro e de mui pequena capacidade e gem da Capela para a Matriz, há o
cimitria” (CABRAL, 1979, p. 48) na data rebatimento dos espaços de usos. Supõe-se
provável de 1721. então que tenham sido usadas, ao menos
Em 1748, o engenheiro militar Brigadei- em parte, as fundações da Capela para
ro José da Silva Paes solicita permissão ao edificar a Matriz.
Rei de Portugal para construir uma igreja A construção da Matriz foi concluída
Matriz, projetando a nova Matriz do Des- em 1773, constituindo-se em um marco
terro que deveria substituir a “velha igreja” para a Vila de Nossa Senhora do Desterro.
levantada pelo fundador, justificando que Foi um exemplar de construção luso-brasi-
a igreja existente tinha “pouca capacidade leira que deu notoriedade à Capitania de
para acomodar os fiéis e pouca simetria Santa Catharina no século XVIII, situando-
(CABRAL, 1979, p. 25). A construção foi se na pequena colina central do vilarejo

96
Anais | Congresso Abracor 2009
próxima à praça central, fazendo conjunto Na virada do século XX, em 1922, ocorre
com a Casa de Governo e demais edificações a grande alteração estrutural do projeto con-
que representavam o poder social e políti- cebido no século XVIII, com intervenções
co, e para a qual convergiam todas as ruas internas e externas. As estruturas parietais
do centro histórico. da nave são literalmente “rasgadas”, fican-
A configuração da Igreja Matriz perma- do um vão aberto onde foi feita a amplia-
nece a mesma até meados do século XX, ção do corpo da nave central, configurando
com suas linhas arquitetônicas e seu con- assim o “transepto”. Também ocorrem
junto edificado, o frontão principal, a por- mudanças com a elevação e ampliação das
tada em cantaria, as torres sineiras, as cape- torres sineiras e os acréscimos decorativos
las laterais e o anexo do Império do Divino (aditamentos), mesclando a arquitetura de
(VEIGA, 2004, p.95). Durante este período aspecto colonial português com elementos
ocorreram apenas obras de manutenção ou arquitetônicos neoclássicos (VEIGA, 1993,
alterações pontuais no entorno como o p.146). Assim, configura-se a passagem de
ajardinamento, a retirada do cemitério e a Matriz à Catedral, permanecendo assim até
alteração do adro e das escadarias. hoje .

3.1 O século XX e a modernização da cidade


É possível supor-se que o motivo da mu- do ao péssimo estado de conservação da
dança arquitetônica e estrutural que a Ma- edificação, que vão além da repintura geral,
triz sofreu ao ser transformada em Catedral com a troca do piso de ladrilho hidráulico,
seja decorrente da necessidade de uma nova as obras no forro de estuque e o madeira-
configuração estética que, além de suprir a mento da cobertura, a substituição do telha-
necessidade de mais espaço físico para as do, os acréscimos de anexos como: a Casa
celebrações, contribuiria para conferir um Paroquial, as salas nas laterais da capela-mor
novo aspecto à Vila de Desterro mais con- sobre as sacristias e outras obras de manu-
dizente ao desejo de modernidade e de pro- tenção, mudando mais o aspecto estético
gresso da população. interno do que as estruturas edificadas.
As mudanças implantadas na cidade, pre- Após as obras de 1974, a configuração
sentes no estilo das edificações da época, da Catedral permanece a mesma. São feitas
são consequências das influências vindas da obras pontuais de manutenção e repintura
Europa e dos Estados Unidos com a Revo- externa como paliativos perante os proces-
lução Industrial (século XIX). sos de degradação.
Todas essas novidades que atingiram a Com as obras realizadas ao longo do tem-
cidade também transpareceram nas obras po, a cobertura sofreu intervenções que por
inauguradas em 1924, transformando a vezes ampliavam a degradação. Algumas
Matriz em Catedral. Essas intervenções não delas foram referidas de forma direta no re-
pararam por aí, também compreendiam os latório de 2000, tais como: a colocação de
aditamentos (acréscimos) de elementos um tabuado entre o telhado e a cobertura;
arquitetônicos e decorativos que se esten- o depósito de restos dos entulhos nas bor-
deram por vários anos e que modificaram das internas do forro de estuque, forçando
radicalmente o aspecto estético e físico da a estrutura, principalmente nos rincões; a
edificação, tais como: a alteração do adro e falta de manutenção e outras complicações.
das escadarias, em 1934, a pintura mural Isso fez com que o forro de estuque da nave
interna com medalhões sacros, arabescos e central fosse irreversivelmente afetado. Es-
pinturas decorativas em todo interior da tes motivos contribuíram para agravar o es-
edificação, em 1938 e os vitrais artísticos tado de conservação do forro, chegando a
da Casa Conrado de São Paulo, em 1948. romper parte da estrutura do forro da Nave
Com as pinturas murais de 1938 ocorreu Central (cantos). As fissuras no forro em
um impacto visual de requinte e ostenta- 2003 são os primeiros indícios de agrava-
ção (Figura 3). Mas, em 1974, elas são mento dos problemas da cobertura. Isso
recobertas por repintura monocromática, progrediu até o desprendimento de peque-
com tinta a óleo em tom azul claro fosco, nos fragmentos do estuque, colocando em
ocultando assim, por 31 anos, a existência risco a estrutura da edificação e também a
dessas pinturas decorativas. segurança dos fiéis que frequentavam a igre-
Na reforma de 1974 ocorrem obras devi- ja. No final de 2004 a Catedral é interdita-

97
Anais | Congresso Abracor 2009
da à visitação pública e começa um pro- ainda estão em andamento, fazendo parte
cesso prolongado com obras em todo o de um projeto global de recuperação da
complexo edificado. Estas intervenções Catedral.

4 ANÁLISES
Durante todas as etapas construtivas des- turais. Desta maneira, uma mesma
ta edificação, cujas fundações e estruturas edificação pode, ao longo de sua existên-
parietais possuem materiais construtivos tra- cia, adquirir diferentes acréscimos passan-
dicionais do século XVII, constatou-se que do a agregar ao seu valor arquitetônico as
este monumento arquitetônico foi sempre modificações ocorridas.
objeto de construção e reconstrução, dos Como resultado desta pesquisa, baseado nos
aditamentos, das modificações de adapta- dados coletados, foi elaborada uma leitura das
ção de usos. estruturas parietais e dos pisos através da lo-
A Catedral é um “lugar” onde o seu espa- calização em planta baixa dos elementos cons-
ço físico já transcendeu a função religiosa. trutivos nas diversas intervenções
É um patrimônio material e imaterial e pode arquitetônicas (Figura 5), bem como uma cro-
ser vista também como um espaço nologia das etapas construtivas da Catedral .
museológico, pois é visitada por todos os É impossível dizer a que estilo
tipos de pessoas, independente de credos, arquitetônico pertence ou quais elementos
que ali reverenciam a sua grandiosidade acrescidos devem ser removidos, pois são
como marco da Cidade. Muitos adentram as marcas do tempo e a construção de sua
suas portas para admirar seu conjunto história que estão neles impregnados. Como
arquitetônico, seus bens integrados e mó- salienta a Carta de Brasília, de 1995, onde
veis, mesmo sem possuírem vinculação re- a “autenticidade passa pelo da identidade,
ligiosa, constituindo-se assim um ponto que é mutável, dinâmica e pode adaptar-se
turístico de Florianópolis. e valorizar, desvalorizar e revalorizar os as-
As etapas de intervenções analisadas pectos formais e os conteúdos simbólicos
aconteceram dentro de um contexto social de nossos patrimônios” (INSTITUTO DO
que se modificavam à medida que eram PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
introduzidos novos costumes e hábitos cul- NACIONAL, 2006).

5 CONCLUSÕES
A contribuição desta reconstituição cro- serido, evidenciando e valorizando a cultu-
nológica das etapas históricas e suas inter- ra de um povo que se espelha e se orgulha
venções arquitetônicas na Catedral Metro- de sua história.
politana de Florianópolis, desde a sua con- Uma das formas de preservar um
cepção até hoje, é uma forma de contribuir patrimônio é conhecer sua história, para
para a preservação deste monumento de assim compreender os fatos e as mudanças
grande significado patrimonial, material e ocorridas e, consequentemente, formar uma
imaterial para todos os catarinenses e tam- base para as medidas de proteção do bem.
bém ressaltar a importância da pesquisa Este foi o objetivo desta pesquisa, investi-
histórica dos materiais e das técnicas tradi- gar as modificações arquitetônicas na Cate-
cionais utilizados nos sistemas construtivos, dral, identificando as várias etapas de inter-
segundo Oliveira (2001) ao resgatar a me- venção dos elementos arquitetônicos, loca-
mória do “fazer”, permite conhecer os ma- lizando-as no espaço e no tempo, contribu-
teriais constitutivos do patrimônio herda- indo assim, para a história da edificação.
do, podendo assim “intervir” no edificado O resultado obtido nesta reconstituição
e seu entorno. A importância da pesquisa histórica proporciona a visualização crono-
no conhecimento das formas e a funciona- lógica das intervenções arquitetônicas, for-
lidade das edificações, com suas técnicas e necendo subsídios para a preservação do
materiais, configuram um contexto que só edificado, e contribuindo para a perpetua-
adquire sentido e valor quando percebido ção da linguagem e da significância deste
como patrimônio vivo e atuante. O resulta- patrimônio. Reconhecendo-o como teste-
do desta pesquisa é compreendido como munho de valores socioculturais e como par-
um resultado estratigráfico dos seus elemen- te significativa do processo de identidade e
tos construtivos e das relações com seu en- da história de Florianópolis.
torno e com a comunidade em que está in- A metodologia desenvolvida no Mestrado

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Anais | Congresso Abracor 2009
de Arquitetura e Urbanismo - PósARQ, da sequência cronológica das alterações
Universidade Federal de Santa Catarina- arquitetônicas, que foram agrupadas em eta-
UFSC, de 2005 a 2007, foi utilizada para pas e apresentadas sob forma gráfica e de
identificar as alterações arquitetônicas que textos relacionados às circunstâncias tem-
aconteceram ao longo do tempo na porais. A partir das análises e recomenda-
edificação e propiciou a reconstituição ções apresentadas na dissertação, algumas
histórica das intervenções, permitindo a já foram acatadas pelos órgãos de preserva-
organização dos fatos sob forma cronoló- ção e pela empresa executora das obras, tais
gica. Teve como fonte fundamental a co- como: a ampliação do Largo da Catedral,
leta de dados nos Livros Tombo, trazendo fechando a rua lateral para o tráfego; a de-
a público fatos inéditos sobre as fases de molição do acréscimo de 1948 sobre a sa-
intervenções e suas respectivas datações. cristia original de 1773, recompondo-a vi-
Cita os materiais construtivos utilizados sualmente e melhorando a incidência de luz
e suas aplicações, relatórios, contratos, no interior da Capela-Mor, com a valoriza-
propostas, e a justificativa de intervenções. ção dos vitrais (Casa Conrado -1948) e do
As entrevistas e as pesquisas documentais ladrilho original do piso; a escolha da pin-
forneceram importantes informações so- tura externa com base nos dados documen-
bre os procedimentos adotados. Esse con- tais; a orientação na tipologia e datação dos
texto contribuiu esclarecendo dados pou- pisos; a transformação da escadaria princi-
co embasados e influenciando nas atuais pal; a compreensão espacial referente à re-
intervenções que estão ocorrendo desde dução da capela lateral de “Nossa Senhora
2005. das Dores”, onde estão sendo dedicados
Este método de pesquisa e organização estudos específicos de arqueologia e
dos dados resultou na identificação da prospecções.

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Anais | Congresso Abracor 2009
95
Anais | Congresso Abracor 2009
NUNES, Dulcilia Maneschy Corrêa Acatauassú
arquiteta, especialista em Conservação e Restauro

SANTOS, Larissa Corrêa Acatauassú Nunes


arquiteta, doutoranda em Conservação e Restauro pela FAUFBA

1
AVÉ-LALLEMANT,
Grande Hotel de Belém – PA: Robert. Viagem pelo
norte do Brasil no
ano de 1859. Trad. de
preservação e memória Eduardo de Lima
Castro. Rio de janeiro:
Ministério da Educação
e Cultura; Instituto
Nacional do Livro,
1961. 2v. (Coleção de
Em 1913, no final do ciclo da borracha, inaugura-se em Belém o Grande Hotel, exem- obras raras; VII), p. 27.

plar significativo da arquitetura eclética que se tornou o maior e mais importante Hotel
construído no Norte do País. Em 1948, foi comprado pela Intercontinental Hotel
Corporation, passando em 1971, por novas negociações de venda que culminaram com a
sua demolição em 1973, apesar das manifestações contrárias que alertavam para a perda
de um patrimônio cultural do Pará. Àquela altura ainda não havia uma lei de preservação
municipal e estadual.
Desta forma, o Grande Hotel, que por décadas foi símbolo de sofisticação e cultura, foi
demolido para ser substituído por outro hotel com o objetivo de modernizar a paisagem
local. Recentemente essa história está sendo reconstruída, para manter na memória um
elo vivido e fortalecer, com a perda, a salvaguarda do patrimônio cultural paraense.

Palavras-chave:
Grande Hotel, Patrimônio, Preservação, Belém.

In 1913, at the end of the rubber cycle, the Grande Hotel was inaugurated in Belém.
The hotel was an important example of the eclectic architecture and became the biggest
and most important hotel built in the North of the country. In 1948 it was acquired by
the Intercontinental Hotel Corporation. New selling negotiations took place in 1971,
leading to its demolition in 1973, in spite of the protests against it, which pointed
towards the loss of a cultural heritage in Pará, since there was no city or state preservation
law at the time.
This way, the Grande Hotel, which stood as a symbol of culture and sophistication
for many decades, was demolished to be replaced by another hotel with the aim of
modernizing the local scenery. Recently this history has been reconstructed with the
objective of connecting to the past, strengthening the loss and preserving the cultural
heritage of Pará.

Introdução

A construção do Grande Hotel em Belém, Uma coisa, porém, me horrorizou! Ti-


no final do ciclo da borracha, representou nham-me indicado, em Pernambuco, um
um marco para a hotelaria paraense. Até hotel no Pará como o melhor. Quando trans-
aquele momento, a cidade contava com pus a porta, recuei, apavorado; parecia exa-
poucos hotéis, sendo que a maioria funcio- tamente um desses albergues portugueses,
nava em edificações adaptadas para uso ho- os cortiços do Rio. Sujidade e um cheiro
teleiro, não oferecendo conforto aos hóspe- repelente me causaram positivamente náu-
des. seas. Fora êsse, não havia outro hotel na
Ao visitar Belém em 1859, o médico ale- cidade, pelo menos nenhum melhor!1
mão Robert Avé-Lallemant constatou que: Em 1910, quando Paul Walle desembar-
As ruas do Pará apresentam igualmente cou em Belém, cumprindo a missão con-
bom aspecto. Vêem-se muitas casas distin- fiada pelo Ministro do Comércio Francês
tas, grandes e bonitas, verdadeiros palácios e pela Sociedade de Geografia Comercial
em miniatura, mas tôdas antigas, do tempo de Paris, já se observava melhora no siste-
em que Portugal se transladou para o Bra- ma de hospedagem da capital, com as mo-
sil, e o Pará deveria ser uma capital. dificações ocorridas na cidade resultante 101
Anais | Congresso Abracor 2009
2
WALLE, Paul. No
Brasil, do rio São dos recursos provenientes da borracha que juntos formavam o eixo artístico-cultu-
Francisco ao
(Hevea brasiliensis). O viajante registrou ral mais importante de Belém.
Amazonas. Trad. de
Oswaldo Biato. Brasília, a existência de bons hotéis, com quartos A sua demolição, para ser substituído por
DF: Senado Federal,
Conselho Editorial, limpos e arejados, destacando-se o Café e outro empreendimento hoteleiro com o
2006. (Edições do
Senado Federal, v. 71). Hotel da Paz e o Hotel do Comércio2. objetivo de modernizar a cidade, provo-
3
ARENDT, Hannah. O Grande Hotel, no entanto, foi ideali- cou manifestações contrárias da socieda-
Entre o passado e o
futuro. Trad. Mauro W. zado e construído para funcionar como de que infelizmente não conseguiram evi-
Barbosa de Almeida. 5.
ed. São Paulo: hotel, o que não ocorria anteriormente, tar a perda desse patrimônio cultural sin-
Perspectiva, 2000.
(Coleção Debates, ocupando a área de um quarteirão, com gular.
Política, n. 64), p.37.
4
ventilação natural em todos os quartos e Hoje, essa perda significativa tem sido
COELHO, José
Simões. Pará industrial: usufruindo os avanços tecnológicos dispo- frequentemente lembrada e a
as grandes oficinas
mecanicas. In: níveis na época, características constante- revalorização de sua história e memória
Ilustração portugueza:
revista semanal dos
mente exaltadas nas propagandas encon- tem representado um importante aliado na
acontecimentos da vida tradas nos jornais da época. luta para a salvaguarda do patrimônio cul-
portugueza, Lisboa, v.
16, n. 395, p. 350 - 352, Durante os sessenta anos de sua existên- tural paraense como observa Hannah
15 set. 1913. (Serie, 2).
Edição semanal do cia, sempre foi sinônimo de sofisticação e Arendt: “[...] é o futuro que nos impele de
jornal O século.
5
cultura especialmente pela proximidade volta ao passado”3.
OS PROGRESSOS da
cidade: o Grande Hotel. O com o Teatro da Paz e o Cinema Olympia
Estado do Pará, Belém,
ano 3, n. 830, p. 1, 20 jul.
1913. Grande Hotel de Belém e os caminhos da preservação
Figura 1
Vista em ângulo
da fachada principal do
Grande Hotel.
A valorização da borracha amazônica no Digna dos mais justos louvores é a firma
Fonte: Acervo DPHAC/ mercado internacional, que registrou seu que tomou sobre seus hombros a responsa-
SECULT
apogeu entre os anos de 1870 e 1910, mo- bilidade de tão grande emprehendimento.
dificou a morfologia urbana de Belém [...] E venceu todos os obstáculos que natu-
cuja remodelação foi intensificada duran- ralmente se antepõem a empresas grandio-
te a administração municipal de Antônio sas, como essa, sobretudo em cidades como
José Lemos (1897-1910), favorecida prin- a nossa onde são falhos, minguados e defi-
cipalmente pelo capital oriundo da produ- cientes todos os meios desde as matérias-
ção gomífera na região, que permitiu o primas até a mão-de-obra.
acesso direto da Amazônia à cultura e aos Vemos, pois, os seus esforços coroados
avanços tecnológicos da Europa. do mais brilhante resultado e o sumptuoso
Neste período, Lemos propôs refor- edifício que se ergue à praça de maior mo-
mas nas edificações urbanas de Belém, vimento da “urbs” attestando o quanto pode
baseando-se nos princípios de higiene e o trabalho, a energia e a força de vontade”5.
normas estéticas, que eram regulamenta- O Grande Hotel, apresentava arquitetura
das pelo Código de Polícia. Desta forma,
o perfil urbano de Belém foi sendo
ecletizado.
Em 1913, no final do ciclo da borracha,
foi inaugurada em Belém a primeira parte
do Grande Hotel, de Teixeira Martins &
Cª que já era proprietário do Cinema
Olympia, inaugurado um ano antes. Foi
construído pela firma Salvador Mesquita
& Ca, uma das grandes construtoras do
Pará, responsável pela edificação de pré-
dios importantes como o antigo Banco do
Estado do Pará, o Cinema Olympia e a loja
Paris n’América4.
Situado na Praça da República, o Gran-
de Hotel, o maior hotel construído no Nor-
te do Brasil, foi notícia no jornal “O Estado
do Pará”, que destacou:
“[...] edifício que foi construído com to-
das as regras da moderna architectura e
com os melhoramentos exigidos pela
hygiene, tornando assim o Grande Hotel
um estabelecimento moderníssimo, no
gênero egual aos melhores das grandes
capitaes.
102
Anais | Congresso Abracor 2009
eclética, com a fachada principal localiza- era executada no “poço” da orquestra por 6
Grande Hotel. Folha
do Norte: jornal da
da na atual Av. Presidente Vargas, em fren- músicos locais 8. manhã, cotidiano e
independente, Belém,
te ao Teatro da Paz, medindo 61,00 m de O aspecto da cidade, remodelada com ano 18, n.6.544,
p.1,7.jul. 1913.
extensão. O corpo principal atingia 24,00 os recursos advindos da borracha, encan- 7
OS PROGRESSOS
m de altura, ladeado por mansardas. As fa- tou Theodore Roosevelt que, ao findar o da cidade: o Grande
Hotel. O Estado do
chadas laterais tinham as mesmas dimen- seu mandato de presidente dos Estados Pará, Belém, ano 3, n.
830, p. 1, 20 jul. 1913.
sões, medindo 50,00 m de extensão e 20,00 Unidos, esteve em Belém em 1914, parti- 8
BARROS, Guiães. De
Guiães de Barros, as
m de altura. A escada de incêndio, instala- cipando da Expedição Científica melhores recordações
da externamente em uma das laterais, fez Roosevelt-Rondon. Segundo ele, do Grande Hotel. A
Província do Pará,
com que o Grande Hotel se tornasse uma Belém, capital do Pará, constituía um Belém, ano 97, n.
24.208, 28-29 out.
das primeiras edificações de Belém a apre- admirável exemplo do verdadeiro e surpre- 1973. Caderno 5, p. 1.
sentar este equipamento de segurança. endente progresso que o Brasil tem apre- Entrevista concedida a
Edwaldo Martins.
No hall de entrada do Hotel, o piso era sentado nos anos recentes. E’ uma bonita 9
ROOSEVELT,
Theodore. Através do
revestido de mosaicos, sendo as paredes cidade quasi sob o equador. Mas não é ape- sertão do Brasil. Trad.
de Conrado Erichsen.
e o teto de estuque ornamentado com lus- nas bonita; as docas, os serviços de São Paulo: Companhia
tres de bronze. dragagem, os armazéns, depósitos e casas Editora Nacional, 1944.
(Coleção Brasiliana.
No pavimento térreo, com pé direito de de comércio, todos exprimem a energia e o Série 5., v. 232), p. 339.

6,00 m de altura, funcionava o Bar e o triunfo na órbita comercial. E’ uma cidade


Restaurante com paredes revestidas de tão limpa, salubre e bem policiada como
azulejos, assentados até meia altura, e com qualquer outra de igual importância da zona
piso de mosaicos. Grandes lustres de bron- temperada setentrional. Os edifícios públi-
ze com cristais iluminavam o ambiente. cos são belos e as casas particulares de as-
Nesse pavimento também estava situada pecto atraente; existe um belo teatro e o
a sorveteria com máquinas elétricas, gela- serviço de bondes é excelente. Há luzes
deiras, frigorífico entre outros, e a cozi- acesas durante toda a noite, para protege-
nha, com equipamentos de fabricação fran- rem os cavalos contra os vampiros, nas ca-
cesa.6 valariças do batalhão montado. O Jardim
O acesso para os andares superiores era Botânico e o Museu são magníficos. Os
feito por meio de elevador movido à eletri- parques, as alamedas de palmeiras e de
cidade, com lotação para quatro pessoas. mangueiras, os restaurantes ao ar livre e a
A sala de recepção, no primeiro pavi- vida cheia de alegrias à noite, sob as luzes,
mento, era bem decorada, e os quartos tudo isto confere à cidade uma feição típi-
com uma ou duas janelas, tinham um ca e cheia de encanto9.
mobiliário luxuoso composto de cama no O início do Século XX trouxe ao Brasil
estilo Luiz XV, guarda-casaca, cômoda mudanças, refletidas no crescimento das
toilette e mesas de cabeceira. Todos esses grandes cidades e fatos importantes inter-
móveis, com perfeito acabamento, foram nacionais, como a deflagração da Primei-
construídos nas oficinas de J. S. de Freitas ra Guerra Mundial (1914-1918), que pos-
& Cia, em Belém, utilizando madeiras das sibilitou ao Brasil aplicar o capital oriun-
florestas paraenses7. do da produção cafeeira das regiões Sul e
O Grande Hotel foi concluído em 1914, Sudeste na produção de bens manufatura-
com 100 quartos; restaurante; Amazon dos. Com isso, tentava-se diminuir a im-
Bar, onde sempre havia músicos tocando portação de produtos europeus, o que in-
piano, sax e violino; a terrasse, um dos centivou o processo de transformação social
locais mais agradáveis e marcantes do e a formação de novos grupos politicamente
Grande Hotel, onde se tornou costume da organizados que clamavam por mudanças e
época, saborear o charlotine, sorvete tra- pelo início da busca da identidade da nação
dicional do Hotel, após a sessão de cine- brasileira nas expressões artístico-culturais, na
ma do Olympia. literatura e na arquitetura.
Fazendo parte do Grande Hotel, o Na procura dessa identidade brasileira,
Palace Theatre, com lotação um pouco os modernistas em 1922, organizaram em
inferior ao Teatro da Paz, foi um espaço São Paulo a Semana de Arte Moderna, com
importante para as artes cênicas, receben- atividades que mudaram os parâmetros das
do companhias do Sul do País e do exte- expressões estéticas, refletindo-se mais tar-
rior. Aos domingos, o Palace Theatre pro- de nos fundamentos da idéia de
movia sessões cinematográficas, exibin- patrimônio. Mário de Andrade, um dos
do com exclusividade os filmes da com- modernistas mais influente nessas discus-
panhia alemã UFA - Companhia sões, realizou viagens pelo Brasil, procu-
Universum Film AG, que se destacava rando conhecer as especificidades do País.
como produtora de filmes de primeira Em maio de 1927, esteve em Belém parti-
categoria. Nos filmes mudos, a música cipando da Viagem Etnográfica, em com- 103
Anais | Congresso Abracor 2009
10
MORAES, Marcos
panhia de Olívia Guedes Penteado, Marga- vamente integradas à categoria de monumen-
Antonio (Org.).
Correspondência: rida Guedes Penteado e de Dulce do Amaral tos históricos11.
Mário de Andrade &
Manuel Bandeira. São Pinto, filha de Tarsila do Amaral. Todos os Em 1946, Juan Trippe, então presidente
Paulo: EDUSP; Instituto
de Estudos Brasileiros, viajantes hospedaram-se no Grande Hotel da PanAmerican World Airways Inc., mais
2000. (Coleção
e em carta a seu amigo Manuel Bandeira, tarde denominada Pan American World
Correspondência de
Mário de Andrade, 1), p. Mário de Andrade destaca a sua estada em Lines – PanAm, ao delinear a implantação
345.
11
CHOAY, Françoise. Belém. de uma rede de hotéis em cidades que
Alegoria do
Patrimônio. São Paulo: Porém me conquistar mesmo a ponto de poderiam facilitar o cruzamento de rotas
Estação Liberdade; ficar doendo no desejo, só Belém me con- aéreas, criou a International Hotel
UNESP, 2001, p.99.
12
ONZE grandes hotéis quistou assim. Meu único ideal de agora Corporation, subsidiária da PanAm.
serão construídos nas
mais modernas cidades em diante é passar uns meses morando no A Pan American World Airways, e a sua
Sul-Americanas. O
Estado do Pará, Grande Hotel de Belém. O direito de sen- filiada, InterContinental Hotel Corporation
Belém, ano XXXVIII, tar naquela terrasse em frente das manguei- de New York, anunciaram em julho de
n.12.410, p.1,20 jul.
1947. ras tapando o Teatro da Paz, sentar sem 1947, a elaboração de um projeto para a
13
GRANDE Hotel. O
Estado do Pará, mais nada, chupitando um sorvete de construção nos próximos quatro anos, nas
Belém, ano XXXVIII, n.
12.509, p. 2, 13 nov.
cupuaçu, de açaí, você que conhece mun- mais modernas cidades da América Lati-
1947a.
14
do, conhece coisa melhor do que isso, na, de onze grandes hotéis dotados de boas
BARROS, Guiães. De
Guiães de Barros, as Manu? Me parece impossível. Olha que instalações e conforto, segundo o modelo
melhores recordações
do Grande Hotel. A tenho visto bem coisas estupendas. Vi o americano12. No Brasil, as únicas cidades
Província do Pará,
Rio em todas as horas e lugares, vi a Tijuca listadas foram Rio de Janeiro e São Paulo.
Belém, ano 97, n.
24.208, 28-29 out. e a Sta. Teresa de você, vi a queda da Ser- Porém, devido à importância estratégi-
1973. Caderno 5, p. 1.
Entrevista concedida a ra pra Santos, vi a tarde de sinos em Ouro ca de Belém durante a Segunda Guerra
Edwaldo Martins.
Preto e vejo agorinha mesmo a manhã Mundial, uma vez que a sua localização
Figura 2
Terrasse do mais linda do Amazonas. Nada disso que favorecia a ligação com outros países, o
Grande Hotel e, ao
fundo, parte do Cinema lembro com saudade e que me extasia presidente da PanAm visualizou que
Olympia.
Fonte: Acervo Pedro sempre ver, nada desejo rever como uma Belém teria perspectivas favoráveis para a
Veriano..
precisão absoluta fatalizada do meu orga- escala de aviões e passageiros, decidindo
nismo inteirinho. [...] Quero Belém como que no Pará daria início a sua experiência
se quer um amor. É inconcebível o amor hoteleira com a compra de um hotel já
que Belém despertou em mim. E como já instalado.
falei, sentar de linho branco depois da Em janeiro de 1947 foi assinado um con-
chuva na terrasse do Grande Hotel e tra- trato de arrendamento do edifício do Gran-
gar o sorvete, sem vontade, sem vontade, de Hotel, de propriedade de Teixeira
só para agir [...]10. Martins & Ca, com a Grandes Hotéis S/A,
Mário de Andrade foi quem redigiu o possuindo a American World Airways Inc.
como fiadora, e em dezembro de
1948 foi efetivada a compra do
edifício. Desta forma, Belém, tor-
na-se a primeira cidade do mun-
do, onde foi implantado esse em-
preendimento pioneiro da rede
InterContinental Hotels
Corporation.
A nova direção do Grande Ho-
tel imprimiu mudanças para
adequá-lo aos padrões americanos
de conforto, praticidade e eficiên-
cia, tendo sido vendido o mobili-
ário que guarnecia o Hotel, no
mesmo ano da aquisição da
anteprojeto para a criação de um serviço edificação13. Sob essa nova administração,
nacional para proteger os bens patrimoniais o centro da vida social e de negócios da
- o SPHAN (Serviço do Patrimônio Históri- cidade mantinha-se no Grande Hotel, vi-
co e Artístico Nacional) – consubstanciado vendo o Palace Theatre, grandes dias, com
pelo Decreto Lei nº 25 de 30 de novembro magníficas apresentações de artistas e or-
de 1937, que estabeleceu o tombamento, a questras contratadas pelos americanos14.
defesa e restauração de bens, obras No Brasil, o setor hoteleiro nas capitais
arquitetônicas e cidades, priorizando os ainda era reduzido, mas destacavam-se o
bens de pedra e cal. Só após a Segunda Hotel Glória e o Copacabana Palace, no
Guerra Mundial (1939 - 1945), as arquite- Rio de Janeiro, inaugurados em 1922 e em
104 turas dos séculos XIX e XX foram progressi- 1923, respectivamente, e em São Paulo, o
Anais | Congresso Abracor 2009
15
NUNES, Dulcilia
Hotel Esplanada, inaugurado em 1922. direito de opção previsto no Código Ci- Maneschy Corrêa
Nesse panorama o Grande Hotel de Belém vil Brasileiro. Acatauassú.
Entrevista com a Dra.
tinha destaque e era o único na Região A transação foi suspensa e o valor foi Maria Eugênia Rio
sobre o Grande Hotel
Norte. depositado em juízo, tendo sido sustada por [ago. 2007]. Belém.
Informação verbal.
No plano da preservação, a criação do ordem judicial a demolição já iniciada em 16
ENGENHARIA
SPHAN (atual IPHAN), contribuiu para a virtude da Ação proposta pela CODEM. paraense demonstra
sua capacidade. Diário
salvaguarda do patrimônio cultural brasi- Entretanto, com as novas negociações que do Pará, Belém, ano 3,
n. 558, 26 ago. 1984.
leiro, com os bens tombados no âmbito se seguiram, envolvendo interesses políti- Caderno Especial, p. 9.
federal tornando-se paradigmas para ori- cos, a transação interrompida anteriormen- Figura 3
Foto da
entar a política preservacionista em todos te, foi declarada num valor superior, e na demolição do Grande
Hotel.
os estados brasileiros até quase o final de sequência, após ser refeito o processo de Fonte: COSTA (1974,
p. 3).
1970, quando, a Carta Patrimonial – “Com- traspasse, a Prefeitura desistiu de efetuar a
promisso de Brasília”, concluía como compra do edifício.
inadiável a necessidade de ação supletiva O Grande Hotel, que por décadas foi
dos Estados e Municípios à atuação fede- símbolo de sofisticação e cultura, foi de-
ral, necessitando, pois, da criação de ór- molido e a construção do novo empreen-
gãos municipais e estaduais, cuja urgên- dimento, também hoteleiro - Hotel Hil-
cia foi ratificada no Encontro de Salvador ton Belém - foi iniciada em novembro de
em 1971. 1979. Este fato foi objeto de notícias de
Durante 24 anos, o InterContinental jornal de que não havia sido fácil iniciar
Hotels Corporation, administrou o Gran- a construção, considerando os conflitos
de Hotel, porém os interesses da compa- estabelecidos e o combate, entre os tradi-
nhia direcionavam-se para outras localida- cionalistas do Pará e os novos proprietá-
des. O Hotel, então, foi vendido para rios. Os primeiros, insistiam em manter
Itapessoca Agroindustrial S/A, com sede no o prédio do Grande Hotel, e os outros, os
Estado de Pernambuco, em 28 de dezem- novos proprietários, que propunham uma
bro de 1971. nova construção para renovar a paisagem
No plano internacional, a década de com uma “torre” no padrão internacional,
1970, foi pródiga em incentivar investi- venceram com certa dificuldade16.
mentos para a preservação, buscando
incrementar o turismo em regiões com tra-
dição histórica e cultural. No Brasil, hou-
ve um aumento significativo de hotéis, in-
clusive com instalação de redes hoteleiras
internacionais.
Após um período em que o Grande Ho-
tel permaneceu fechado, só abrindo pro-
visoriamente para receber hóspede, face
à carência de hotéis na cidade, em 1972,
as negociações para venda e demolição
do Hotel estavam em processo acelera-
do. Por esse motivo, em Belém, inicia-
ram-se manifestações contrárias à demo-
lição, por grupos representativos da so-
ciedade, como escritores, intelectuais
entre outros, que alertavam para a perda Belém sofreu outras perdas de bens sig-
iminente de um dos valores do nificativos que deveriam ter sido preserva-
patrimônio cultural do Pará. Essa preo- dos, até a aprovação da Lei nº 4.885, de
cupação em tentar salvaguardar o edifí- 03 de setembro de 1979, primeira Lei a
cio significativo da arquitetura eclética, estabelecer normas de preservação do
também foi sentida na Prefeitura de Patrimônio Histórico do Pará. Os bens
Belém. O processo de venda, ao tramitar municipais, mais tarde, tiveram a sua
na Companhia de Desenvolvimento e Ad- preservação garantida, pela Lei nº 7.709,
ministração da Área Metropolitana de de 18 de maio de 1994.
Belém - CODEM, foi analisado e a dire- O Copacabana Palace (RJ), com cons-
ção da empresa15, entendendo que o edi- trução iniciada em 1917, quatro anos após
fício do Grande Hotel era imóvel mere- o início de funcionamento do Grande Ho-
cedor e deveria continuar a integrar o tel de Belém, teve destino diverso, sobre-
patrimônio arquitetônico do Pará, suge- vivendo à tentativa de demolição na déca-
riu a sua aquisição pela CODEM / Pre- da de 1980, pela solicitação de tombamen-
feitura, exercendo a empresa, o uso do tos federal, estadual e municipal. 105
Anais | Congresso Abracor 2009
17
RUSKIN, John. A Considerações Finais
Lâmpada da memória.
Apresentação, tradução
e comentários críticos: A história do Grande Hotel permanece na Associação dos Hotéis do Pará, para manter
Odete Dourado.
Salvador: Mestrado em
memória daqueles que viveram a sua história na memória um elo vivido e para fortalecer a
Arquitetura e da construção à demolição. Em 1996, a salvaguarda do patrimônio cultural paraense.
Urbanismo, Universida-
de Federal da Bahia, InterContinental Hotels Corporation lançou Conforme parecer de Le Goff, “a memória é
1996. (Pretextos. Série
b, Memórias, n. 2). o livro: 50 Anos InterContinental no Brasil, um elemento essencial do que se costuma
Separata de: RUSKIN,
John. The seven
publicação comemorativa a atuação da rede chamar identidade, individual ou coletiva,
lamps of Architecture. no País, onde o Grande Hotel de Belém, apre- cuja busca é uma das atividades fundamen-
London: George Allen &
Unwin, 1927. cap. 6 senta-se valorizado como a sua primeira ex- tais dos indivíduos e das sociedades de hoje
18
LE GOFF, Jacques.
História e memória.
periência no mundo. [...]”18.
Trad. Bernardo Leitão Além de ser lembrado pela InterCon-tinental Para Belém, torna-se importante a parceria
[et. al.]. 4. ed.
Campinas/SP: Ed. da em 2007 a Associação Brasileira da Indústria do poder público e a conscientização da soci-
UNICAMP, 1996.
(Coleção Repertórios), de Hotéis (ABIH) publicou um livro comemo- edade aliados às leis de preservação, para que
p. 476.
19
ARENDT, Hannah.
rativo aos 70 anos de atuação, apresentando fatos semelhantes não ocorram, como desta-
Op. Cit.
20
15 destaques da hotelaria no Brasil, como re- ca Hannah Arendt ao observar que é através
MEIRA FILHO,
Augusto. Belém de presentativos seja pela diversidade, seja pela de seus monumentos, os habitantes da cida-
agora. A Província do
Pará, Belém, ano 98, n. importância histórica e arquitetônica, em dife- de não esquecem as suas origens e a sua his-
24.494, 25 ago. 1974.
Jornal Dominical.
rentes épocas. Nesse livro, o Grande Hotel de tória, pois essa, prolongando-se na dúplice
Caderno 3, ano 1, n. 28, Belém, figura entre os 15 destaques, como o infinidade do passado e do futuro, pode asse-
p. 5.
mais antigo e único edifício já demolido. gurar a imortalidade sobre a terra19.
Esse reconhecimento e homenagem nacio- Foram muitas as recordações expressas em
nal, feita ao Grande Hotel, que completaria artigos publicados em jornais de Belém, na
95 anos de existência, reforçam a necessida- época da demolição, como as do historiador
de de divulgar para as novas gerações a sua Augusto Meira Filho, grande defensor do
história, alertando o episódio de sua demoli- patrimônio cultural de Belém:
ção, como um marco para novas conquistas Velhas arcadas de um belo edifício, em
de preservação. Em referência a isso, Ruskin cujas sombras bailou Ana Pavlowa. O famo-
atribuiu um valor na preservação da arquite- so “Grande Hotel” da minha juventude onde,
tura do passado como o legado mais valioso, também bailei as minhas primeiras valsas...!
citando também que “nós devemos olhar se- [...] Oh destino triste do Grande Hotel “fin-
riamente a Arquitetura como o elemento cen- de-siécle”, recanto de namorados e boêmi-
tral [...]. Podemos viver sem ela, rezar sem os na inigualável “terrasse” que nunca mais
ela, mas sem ela não podemos recordar”17. Belém terá...! Que tuas cinzas repousem em
Recentemente essa história está sendo paz e não possam os ventos contar todos os
reconstruída, valendo-se também do apoio da teus segredos...! 20

Referências:
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Trad. Mauro W. Barbosa de Almeida. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. (Coleção
Debates, Política, n. 64).
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pelo norte do Brasil no ano de 1859. Trad. de Eduardo de Lima Castro. Rio deJaneiro: Ministério da Educação
e Cultura; Instituto Nacional do Livro, 1961. 2v. (Coleção de obras raras; VII).
BARROS, Guiães. De Guiães de Barros, as melhores recordações do Grande Hotel. A Província do Pará, Belém, ano 97, n. 24.208, 28-29
out. 1973. Caderno 5, p. 1. Entrevista concedida a Edwaldo Martins.
CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade; UNESP, 2001.
COELHO, José Simões. Pará industrial: as grandes oficinas mecanicas. In: Ilustração portugueza: revista semanal dos acontecimentos da vida
portugueza, Lisboa, v. 16, n. 395, p. 349 - 352, 15 set. 1913. (Serie, 2). Edição semanal do jornal O século.
Edart, 1972.
CORRÊA, Dulcilia Maneschy; Nunes, Larissa Corrêa Acatauassú. Hospedagem - primeiros hotéis de Belém In: BONNA, Mário; MENDONÇA,
Beth (ed.). Belém do Pará: guia grande Belém do Grão-Pará: diretório da cidade. Belém: Canomedia, 2008, p. 156-165.
COSTA, Raymundo. O velho e o novo na Belém que muda. A Província do Pará, Belém, ano 98, n. 24.425, 17 de jun. 1974. Caderno 1, p. 3.
ENGENHARIA paraense demonstra sua capacidade. Diário do Pará, Belém, ano 3, n. 558, 26 ago. 1984. Caderno Especial, p. 9.
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WALLE, Paul. No Brasil, do rio São Francisco ao Amazonas. Trad. de Oswaldo Biato. Brasília, DF: Senado Federal, Conselho Editorial,
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106
Anais | Congresso Abracor 2009
HOROWITZ, Renata Galbinski,
Arquiteta, Especialista em Desenho Industrial.
Escritório de Restauração e Reabilitação do Conjunto Histórico do Hospital Psiquiátrico
São Pedro - Secretaria das Obras Públicas – Secretaria da Saúde - Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul – Governo do Estado do Rio Grande do Sul

RESTAURAÇÃO E REABILITAÇÃO DO 1
Conforme Processo
de Instrução para
Tombamento Hospital
CONJUNTO HISTÓRICO DO Psiquiátrico São Pedro
Portaria nº13/90 de
21.08.1992. Livro
HOSPITAL PSIQUIÁTRICO SÃO PEDRO Tombo nº 3.Publicado no
Diário Oficial de
26.09.1990.
2
Conforme
CHEUICHE,Edson
Medeiros. 120 Anos do
O presente trabalho relata as atividades desenvolvidas pelo Escritório de Restauração e Hospital Psiquiátrico
São Pedro: Um Pouco de
Reabilitação do Hospital Psiquiátrico São Pedro, instituído pelo Governo do Estado do História. Revista de
Psiquiatria do Rio
Rio Grande do Sul em 2004, tendo por finalidade o gerenciamento de um Projeto Grande do Sul, Agosto
2004, volume 26, Nº2, P-
Arquitetônico de Restauração e Reabilitação Global do Conjunto Histórico do Hospital 118-120-ISSN 0101-
8108
Psiquiátrico São Pedro (HPSP), de Porto Alegre. Este escritório é composto por profissio-
nais da Secretaria das Obras Públicas, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e
Secretaria Estadual da Saúde, em cooperação técnica, e vem trabalhando desde abril de
2005, no sentido de coletar dados, diagnosticar, e elaborar o Projeto Arquitetônico de
Restauração e Reabilitação que deverá abranger a Edificação Centenária e seu entorno.

The present paper is related to the activities developed by the Recycling and
Restoration Office of the Psychiatric Hospital São Pedro in Porto Alegre. This office
was designated by Rio Grande do Sul State Government having the aim of a Global
rehabilitation of this Historical Hospital settled in Porto Alegre.
Professionals of the State Public Building Secretary, Rio Grande do Sul State University
and from the State Health Secretary belong to this office, which was set up through a
Technical Term of Cooperation in December, 2004, and have been systematically
working since April, 2005 in order to collect details and diagnoses, and finally elaborate
an Architectonic Restoration Project to this centenary Hospital.

1. INTRODUÇÃO

É com satisfação que o Escritório de Res- Pedro de Porto Alegre, Estado do Rio
tauração e Reabilitação do Hospital Psi- Grande do Sul. Na continuidade, apre-
quiátrico São Pedro, participa do XIII Con- sentaremos um breve histórico do Con-
gresso Internacional da Associação Brasi- junto, da Edificação Centenária e do Es-
leira de Conservadores e Restauradores critório de Restauração, passando a abor-
de Bens Culturais. Este Escritório é res- dar o projeto arquitetônico em suas eta-
ponsável pelo gerenciamento e elabora- pas realizadas e em andamento; assim
ção do Projeto de Restauração, Reabilita- como, as ações de preservação da Me-
ção e Reciclagem de uso do Conjunto mória Cultural geradas a partir desse tra-
Histórico do Hospital Psiquiátrico São balho, até o momento.

2. Conjunto Histórico do Hospital Psiquiátrico São Pedro: BREVE HISTÓRICO

A necessidade de criação de um hospí- Em 1879 é adquirido o terreno do Hos-


cio para acolhimento dos alienados abri- pício São Pedro, com gleba de trinta e três
gados na Santa Casa de Misericórdia e na (33,00) hectares, junto à Estrada do
Cadeia Pública de Porto Alegre, é regis- Matogrosso, Arraial do Partenom, local
trada em 1857 no relatório do presidente afastado da urbe, arborizado, rico em água
da Província de São Pedro, Joaquim Antão potável, adequado aos tratamentos
Fernandes Leão, em contraposição à pro- terapêuticos da época ².
posta de transferência dos alienados da A inauguração do Hospício dá-se em
Província para o Hospício Dom Pedro II 1884, com somente um de seus seis pavi-
no Rio de Janeiro.¹ lhões concluídos, abrigando 41 alienados. 107
Anais | Congresso Abracor 2009
³ Extraído do Processo
de Instrução para
Tombamento Hospital
Psiquiátrico São Pedro
nº 035 – 12.03/91.5
4
Idem ²
5
Conforme Godoy,
Jacintho. Psiquiatria no
Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Edição do
Autor, 1955.
6
Extraído do Relatório
de Atividades Gerais,
Seção de Estatística,
Hospital Psiquiátrico
São Pedro, 1957.

Figura 1
Vista Frontal
Hospício São Pedro
Início do Século XX

Em 1885 a instituição recebe a visita da Prin- pêutica de avançada tecnologia à época


cesa Isabel, primeira autoridade a assinar o (Malarioterapia, Insulinoterapia, Psicocirurgia,
livro de visitantes do Hospício, que assim Eletroconvulsoterapia, etc.) 4 , é planejada a
registra em seu diário: “... fui com a barone- construção de novos pavilhões e são executa-
sa e o presidente ao Hospital de Alienados, das obras de remodelação e reformas no Pré-
obra caridosa quanto é possível, tirando se- dio Centenário5.
tenta e tantos infelizes de cadeias, onde não A demanda de espaço físico no Hospital
podem se não piorar. Pareceu-me bem aten- São Pedro começa a ser registrada logo após
dido, bem dirigido, e será imenso pois o que o término de sua construção, em 1904. Em
se está construindo é a quarta parte e já é 1926, a população do hospital constituía-se
muito grande”.³ de 800 pacientes, passando a cerca de 1.800
Após a inauguração as obras do Hospício pacientes em 1937, chegando a 3.280 em
são paralisadas, vindo a ser retomadas em 1957 6 e a cerca de 5.000 na década de 70.
1889. Em 1899 conclui-se o 4º pavilhão, e Este incremento contínuo de pacientes,
em 1903 o total da edificação; quando se dá gerando carência de recursos financeiros e
também a implantação da rede de esgoto. dificuldades administrativas, levam ao gra-
No início do século XIX, com os avanços dual processo de degradação do conjunto.
do saber médico, a loucura assume a condi- A partir de 1992, com a Lei Estadual da
ção de doença mental, e com isso são intro- Reforma Psiquiátrica nº 971/92, que prevê a
duzidos tratamentos terapêuticos que geram substituição gradativa de leitos dos Hospitais
as primeiras necessidades de alteração no Psiquiátricos por leitos em hospitais gerais, a
espaço físico da Instituição. constituição de uma Rede de Atenção Inte-
Em 1925 com o novo Regulamento o gral à Saúde Mental, e a gradual extinção dos
Hospício São Pedro passa a denominar-se manicômios; inicia-se um processo de redu-
Hospital São Pedro. ção do número de pacientes residentes no
No período de 1926 a 1952, sob a dire- hospital. No início dos anos 2000 dá-se a
ção do Dr. Jacintho Godoy Gomes, se esta- desocupação total do Prédio Centenário para
belece no Hospital uma nova prática tera- fins de moradia de pacientes.

3. Conjunto histórico do Hospital Psiquiátrico São Pedro: SITUAÇÃO ATUAL


Escolhida para servir de manicômio, de quarenta edificações perfazendo um total
por encontrar-se nos limites da cidade, aproximado de quarenta e quatro mil metros
hoje, esta área de treze hectares e nove quadrados de área construída, e tem como
mil metros quadrados (13,90), situada no bem de maior relevância o “Prédio Centená-
bairro Partenom, centro geográfico da ci- rio”.
dade de Porto Alegre, se habilita como O Prédio Centenário, edificação tombada
“Corredor de Centralidade”, e é juntamente com seu entorno, em nível esta-
tangenciada por importantes avenidas: a dual em 1990, e em nível municipal em
Bento Gonçalves, a Ipiranga e a Terceira 1993, obteve suas áreas frontal e lateral su-
Perimetral de Porto Alegre. Os dezenove deste gravadas como Praça pelo Conselho
hectares e dez mil metros quadrados Municipal de Desenvolvimento Urbano
(19,10) hectares subtraídos ao longo de Ambiental em 2002.
seus 124 anos de história, que represen- A população atual do HPSP é de trezen-
tam quarenta e oito por cento (48%) de tos e cinquenta pacientes na área asilar, na
sua área total, deram lugar a instituições maioria pessoas idosas, cento e vinte e nove
públicas e privadas. pacientes na área hospitalar e oitenta e um
Este imenso conjunto compreende cerca pacientes em residenciais terapêuticos.
108
Anais | Congresso Abracor 2009
7
Idem ¹
4 - O PRÉDIO CENTENÁRIO 8
Extraído de
TREBBI, A.A., Planta
O prédio Centenário do Hospital Psiqui- redes portante de alvenaria de tijolos, co- da Cidade de Porto
Alegre Capital do
átrico São Pedro possui uma área de doze bertura original de telhas de barro e Estado do Rio
Grande do Sul,
mil quatrocentos e oitenta metros quadra- platibanda em toda sua extensão, apresen- Editora Livraria do
dos (12.480,00m²) construída ao longo de ta fachadas externas e internas compostas Commercio, 1906.

dezenove anos, num período que se es- por aberturas ritmadas em arco pleno no Figura 2
Planta Baixa 1º
tende de 1884 a 1903. pavimento térreo que se repetem no pavi- Pavimento - Prédio
Centenário
A autoria do projeto arquitetônico é atri- mento superior em vergas retas. 7 Figura 3
Fachada Prédio
Centenário
buída a Álvaro Nunes Pereira, engenhei- De acordo com a Planta da Cidade de Figura 4
Detalhe
Figura 5
Detalhe
ro chefe da Repartição de Obras Públicas Porto Alegre de 1906 8, o projeto original
à época, ao qual coube também a dire- previa o rebatimento dos seis blocos trans-
ção técnica da obra, segundo relatório da versais, a partir de um eixo paralelo ao cor-
Repartição Obras Públicas de 1882. redor longitudinal, o que resultaria no do-
A Edificação é composta por seis Blo- bro da área hoje existente.
cos de dois pavimentos e porão, interli- Apesar das obras de remodelação e re-
gados transversalmente por um extenso formas mencionadas, a integridade formal
eixo de circulação com cerca de cento e do Prédio se manteve, constituindo-se até
vinte metros (120,00m) de comprimen- hoje no maior legado Arquitetônico do fi-
to, orientado para norte, gerando cinco nal do século XlX de nosso Estado.
pátios internos, numa estrutura tipo Atualmente desenvolvem atividades no Pré-
“pente”. Este partido geral comumente dio Centenário a direção Geral do hospital,
utilizado no século XIX como modelo alguns setores administrativos, o Serviço de
para patrulhamento de grandes contin- Memória Cultural, o Escritório de Restaura-
gentes humanos, já era contestado pela ção, a Oficina de Criatividade, além de sete
bibliografia especializada desde 1837, grupos teatrais autônomos. Esta ocupação se
que apontava o alojamento em pavi- dá sob precárias condições, em cinquenta por
lhões separados como o mais eficiente cento (50%) da área total do prédio, perma-
na tentativa de cura dos pacientes por- necendo cerca de seis mil metros quadrados
tadores de doenças mentais. Prédio em (6.000,00 m²) de área desocupados, em avan-
estilo arquitetônico neoclássico, com pa- çado estado de deterioração.

109
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 6
Projeto
Paisagístico SOP/2002
5- O ESCRITÓRIO DE RESTAURAÇÃO E REABILITAÇÃO DO HPSP
A primeira iniciativa do Governo Estadual de, e a Secretaria de Estado das Obras Públi-
no sentido de promover ações restaurativas cas celebram um termo de cooperação técni-
no Prédio Centenário do Hospital Psiquiátri- ca com vistas ao gerenciamento do Projeto
co São Pedro data de 1985 com a contratação de Restauração e Reciclagem Global do HPSP
de uma Equipe coordenada pelo Arquiteto prevendo a instalação da UERGS no comple-
Edegar Bittencourt da Luz para elaboração xo. Cria-se assim, o Escritório de Restauração
de um Projeto de Restauração dos Blocos A, e Reabilitação do Conjunto Histórico do
B e C do Prédio Centenário do HPSP. Esta HPSP, que vem a instalar-se no 2º pavimento
equipe elabora então, o Projeto de Restau- do Bloco B do Prédio Centenário do hospital
ração da Cobertura e dos Blocos Dois e Três. em março de 2005, iniciando etapa de coleta
As obras são licitadas e vencidas por uma de dados e sistematização de informações que
empresa não especializada em obras de res- servirão de base geral para o Projeto de Res-
tauro, o que acarreta a rescisão do contrato, tauração e Reabilitação do HPSP. O Escritó-
antes da conclusão das mesmas. rio é composto por uma arquiteta da Secreta-
No ano 2000, a Secretária Estadual da Saú- ria das Obras Públicas e uma estagiária, sen-
de institui um Grupo Interdisciplinar de Tra- do a coordenação Geral de um engenheiro da
balho, destinado a elaborar propostas de uso Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.
para o prédio histórico do Complexo do Em agosto de 2007, a Governadora do
Hospital Psiquiátrico São Pedro. Como des- Estado do Rio Grande do Sul institui uma
dobramento do trabalho apresentado por Força Tarefa para elaborar um plano visan-
este grupo, em 2001 os Secretários da Saú- do promover iniciativas para restauração e
de, Obras e Cultura instituem um Grupo de aproveitamento das instalações físicas do
Trabalho Técnico para Restauração e HPSP. Esta Força Tarefa propõe ações pro-
Reciclagem de Uso do HPSP. curando contemplar as duas linhas de in-
Mas é somente em dezembro de 2004 que teresse que perpassam a questão – preser-
a Universidade Estadual do Rio Grande do vação do patrimônio público e racionali-
Sul (UERGS), a Secretaria de Estado da Saú- zação do uso de imóveis do Estado.

6 - O PROJETO DE RESTAURAÇÃO E REABILITAÇÃO DO HPSP


O Projeto de Restauração e Reabilitação Administração geral e diretorias, biblioteca
do HPSP tem como objetivo restaurar e e arquivo histórico do HPSP, Museu da
requalificar o espaço referencial urbano do Saúde Mental, Escola de Administração
HPSP, em consonância com as Políticas de Hospitalar e Escola de Ofícios da UERGS.
Preservação do Patrimônio Cultural do Es- Como metodologia de Trabalho adota-se o
tado e do Município; melhorar a qualidade Roteiro para Projetação de Intervenções
de vida dos pacientes e restaurar e reabili- Restaurativas do Professor Paulo Ormindo
tar Prédio Centenário. Este deverá destinar- de Azevedo do Curso de Especialização em
se a atividades administrativas, educacio- Conservação e Restauração de Monumen-
nais e culturais, a partir da implantação da tos e Conjuntos Históricos-Salvador /Bahia.

6.1 ETAPAS REALIZADAS

6.1.1.Levantamento Histórico da Institui-


ção - Trabalho realizado pelo historiador
Edson Cheuiche do Serviço de Memória
Cultural do Hospital Psiquiátrico São Pedro.
6.1.2.Inventário do Conjunto – Trabalho
realizado pelos Arquitetos Helton Estivalet
Belo, Renata Galbinski Horowitz e Roberto
Sawitzki, a partir de Parceria Técnica en-
tre Escritório de Restauração do HPSP, Ins-
tituto do Patrimônio Histórico e Artístico
do Estado e Equipe do Patrimônio Históri-
co Artístico e Cultural do Município.
6.1.3 Levantamento Cadastral Atualiza-
do e Cronologia do conjunto histórico –
Trabalho realizado em parceria com téc-
nicos do setor de levantamento Topográ-
110
Anais | Congresso Abracor 2009
fico da Secretaria das Obras Públicas do do Professor Joel Gorski da Disciplina de
Estado. Técnicas Retrospectivas da Faculdade de
6.1.4. Levantamento Cadastral atualiza- Arquitetura da Universidade Federal do Rio
do e Cronologia do Prédio Centenário – Grande do Sul.
Trabalho realizado pelo Escritório de Res- 6.1.5. Anteprojeto de Proposta Cromática
tauração do HPSP com a colaboração, em 6.1.6.Anteprojeto Paisagístico – Trabalho
algumas etapas, dos Alunos da Professora Realizado em 2002 pelos arquitetos Aída J.
Maria Beatriz de Medeiros Kother das Dis- Rosek, Fernando Eckart e Suzana R. Silveira
ciplinas de Restauro Um e Dois do Curso da Divisão de Paisagismo da Secretaria das
de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Obras Púbicas do Estado, Responsáveis Téc-
Universidade Católica do RS e dos Alunos nicos:

6.2 ETAPAS EM ANDAMENTO


6.2.1. Levantamento Histórico da Constru- 6.2.3. Cadastro de Esquadrias-Trabalho
ção do Prédio Centenário - Trabalho sendo re- iniciado em 1985 pela equipe do Arquiteto
alizado pelo historiador Edson Cheuiche do Edgar Bittencourt da Luz.
Serviço de Memória Cultural do Hospital Psi- 6.2.4. Levantamento Fotográfico
quiátrico São Pedro. 6.2.5. Atualização Projeto Cobertura – Em
6.2.2. Cadastro de Patologias – Trabalho 2007 iniciou-se a Atualização do Projeto de
sendo realizado pelo Escritório de Restauração Restauração da Cobertura do Prédio Cente-
do HPSP em etapas, atualmente conta com a nário do HPSP, elaborado em 1985 pelo Ar-
colaboração dos alunos do Professor Joel Gorski quiteto Edegar Bittencourt da Luz.
da Disciplina de Técnicas Retrospectivas da 6.2.6. Anteprojeto de Restauração Reabi-
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da litação e Reciclagem de Uso do Prédio His-
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. tórico do Hospital Psiquiátrico São Pedro.

6.3 INTERVENÇÕES REALIZADAS


6.3.1. Recuperação Emergencial da Cobertura – Foi projetada e executada obra de
Recuperação Emergencial de um trecho da Cobertura do Bloco G do Prédio Histórico
que havia desabado.

7 - PARTCIPAÇÃO DA SOCIEDADE NO PROCESSO


Em 2003 foi criada a organização não tir de estatuto, possui inscrição no Ministério
governamental Amigos da Memória do da Fazenda e sua sede se localiza nas depen-
Hospital Psiquiátrico São Pedro – dências do Hospital. O sistemático apoio
AMeHSP, com o objetivo de colaborar material e institucional prestado pela AMeHSP
com a preservação do patrimônio e seu papel de mobilização da sociedade têm
histórico edificado e dos acervos docu- sido de importância fundamental para o pro-
mental e material do Hospital Psiquiátri- cesso de construção do Projeto de Restaura-
co São Pedro. A AMEHPS funciona a par- ção e Reabilitação do HPSP.

8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A despeito de sua magnitude e privilegi- o num Centro Integrador de diferentes áre-
ada localização, o Conjunto Histórico do as do conhecimento humano é, sem dúvi-
Hospital Psiquiátrico São Pedro remete à da, um desafio. Seus 124 anos de história
idéia de uma pequena cidade, com uma encontram-se preservados pela imponência
organização espacial peculiar e hermética. do prédio histórico, que já há muito apre-
Se o objetivo é incluir e revitalizar, faz-se senta elevado grau de deterioração, sendo
necessária a criação de pontos de diálogo cada vez mais urgente a necessidade de
entre as cidades intra e extramuros, que obras visando sua recuperação. Um empre-
certamente surgirão a partir da reabilita- endimento desta envergadura poderá ser a
ção global do Conjunto. Romper com o médio e longo prazo uma referência, no
estigma de lugar para a loucura e exclu- entanto, exige grande e constante
são, capaz de gerar medo, transformando- mobilização do governo e da sociedade.

111
Anais | Congresso Abracor 2009
BIBLIOGRAFIA:
CHEUICHE, Edson Medeiros. 120 Anos do Hospital psiquiátrico são Pedro: Um Pouco de História. Revista de Psiquiatria do Rio grande
do Sul, volume 26, Nº2, P-118-120-ISSN 0101-8108, Agosto 2004.
DOCUMENTO CINEMATOGRÁFICO INSTITUCIONAL, Serviço de Memória Cultural, Hospital Psiquiátrico São Pedro, 1929.
GODOY , Jacintho, Günter. Psiquiatria no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edição do Autor, 1955.
HOROWITZ, Renata Galbinski. Análise do Conjunto Histórico do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP) Revista de Psiquiatria do Rio
grande do Sul, volume 28, Nº2, P-111-112-ISSN 0101-8108, Agosto 2006.
TREBBI, A.A. Planta da Cidade de Porto Alegre Capital do Estado do Rio Grande do Sul, Editora Livraria do Commercio, 1906.
PROCESSO DE INSTRUÇÃO PARA TOMBAMENTO Hospital Psiquiátrico são Pedro nº 035 – 12.03/91.5 Secretaria da Cultura do
Estado do Rio Grande do Sul, 1991.
RELATÓRIO DE ATIVIDADES GERAIS, Seção de Estatística, Hospital Psiquiátrico São Pedro, 1957.
WADI, Yonissa Marmitt. Palácio Para Guardar Doidos: Uma História das Lutas pela Construção do Hospital de Alienados e da Psiquiatria
no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2002.

LISTA DE FIGURAS:
Fig.1-Vista Frontal HPSP – Fonte: Acervo Serviço de Memória Cultural do Hospital Psiquiátrico São Pedro, início do século XX.
Fig.2–Planta Baixa 1º Pavimento Prédio Centenário – Fonte: Levantamento Cadastral Escritório de Restauração e Reabilitação do
Hospital Psiquiátrico São Pedro, Responsável Técnico: Arquiteta Renata Galbinski Horowitz, 2008.
Fig.3–Fachada Prédio Centenário – Fonte: Levantamento Fotográfico Escritório de Restauração e Reabilitação do Hospital Psiquiátrico
São Pedro, 2007.
Fig.4–Detalhe Prédio Centenário - Fonte: Levantamento Fotográfico Escritório de Restauração e Reabilitação do Hospital Psiquiátrico
São Pedro, 2007.
Fig.5–Detalhe Prédio Centenário - Fonte: Levantamento Fotográfico Escritório de Restauração e Reabilitação do Hospital Psiquiátrico
São Pedro, 2006.
Fig.6–Projeto Paisagístico - Fonte: Divisão de Paisagismo da Secretaria das Obras Púbicas do Estado, Responsáveis Técnicos:
Arquiteta Aída J. Rosek, Arquiteto Fernando Eckart, Arquiteta Suzana R. Silveira, 2002.
112
Anais | Congresso Abracor 2009
Sílvio Mendes ZANCHETI ,
Arquiteto, Doutor USP)

Virgínia PONTUAL,
Arquiteto, Doutor USP

Rosane PICCOLO,
Arquiteto, Mestre UFPE)

Ana Rita Sá CARNEIRO,


(Arquiteto, Doutor Oxford)
Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI) e
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade
Federal de Pernambuco (MDU/UFPE)

IDENTIFICANDO BENS PATRIMONIAIS EM


CIDADES DO BAIXO SÃO FRANCISCO –
METODOLOGIA E CARACTERIZAÇÃO

Este artigo apresenta uma metodologia de identificação de bens patrimoniais. A


metodologia foi aplicada nos municípios de Água Branca, Olho d’Água do Casado e
Delmiro Gouveia, no Estado de Alagoas, na região oeste do Baixo São Francisco. A
metodologia inter-relaciona a pesquisa histórico-documental e a leitura da morfologia
urbana in situ. A pesquisa histórico-documental é calcada no método histórico, que
permite reconhecer as dimensões que definem e caracterizam os bens patrimoniais
materiais. Como resultado da aplicação do método, foi identificado um conjunto de
29 bens patrimoniais passíveis de proteção. Os bens patrimoniais identificados encon-
tram-se, em grande parte, com suas feições primevas intactas ou com pequenas altera-
ções que não ferem os princípios de autenticidade. Constituem-se um acervo patrimonial
de valor histórico e artístico significativo para a memória do Brasil.

Palavras-chave:
Identificação patrimonial, metodologia, inventário, Alagoas.

This paper presents a methodology for the identification of material heritage. The
methodology was applied to the cities of Água Branca, Olho d’Água do Casado and
Delmiro Gouveia, in the State of Alagoas, the West Region of the Low São Francisco
River. The methodology integrates historical analysis with urban morphology analysis
in situ. The application of the method led to the identification of 29 goods. The majority
of the identified goods are still with their original features or with small changes that
do not threat their authenticity. The set of goods is a significant collection of historical
and artistic values of the Brazilian memory.

1. O método de identificação de bens patrimoniais

O objetivo do trabalho é apresentar os mento, sendo o resultado de pesquisas de


resultados da aplicação de um método de identificação realizadas pelo Centro de Es-
identificação e interpretação patrimonial tudos Avançados da Conservação Integrada
de bens materiais imóveis em áreas urba- (CECI) entre os anos 2005 e 2007.
nas e territórios que ainda não tiveram seus A metodologia é composta, basicamen-
bens incluídos em listas de proteção ou te, por três procedimentos: 1) a realização
tutela. de pesquisa histórico-documental; 2) a
O objeto de aplicação do método foi o identificação dos de bens in situ e 3) a in-
conjunto de três municípios do Estado de terpretação dos resultados.
Alagoas – Água Branca, Olho-d’Água do Para a pesquisa histórico-documental é
Casado e Delmiro Gouveia, todos perten- imprescindível para a identificação do bem
centes à região oeste do Baixo São Fran- cultural, pois significa reconhecer as dimen-
cisco. sões que o definem e caracterizam. Assim,
O método de identificação aqui apresen- os registros históricos dos bens constituem
tado é, ainda, um trabalho em desenvolvi- os registros para recompor a identidade, a 113
Anais | Congresso Abracor 2009
memória e a transformação física sofrida Essa última associação, deve ser confronta-
pelo lugar em distintas dimensões, como a da com as informações sobre a autenticida-
histórica, social, econômica, política, de e a integridade material dos bens.
morfológica e simbólica. Como resultado tem-se uma lista de bens
A identificação dos bens patrimoniais in a serem protegidos com valores culturais
situ consiste na realização de levantamen- relevantes, inseridos na lógica da narrati-
tos em três níveis e na confecção de ins- va histórica e com autenticidade e integri-
trumentos de investigação suplementares. dade comprovadas. Essa lista deve ser sub-
O levantamento exploratório, reporta-se metida a uma audiência pública de discus-
à realização de visitas e confecção dos pri- são, com participantes das diversas comu-
meiros de registros de bens passíveis de nidades envolvidas no processo de prote-
proteção patrimonial. A partir da análise ção. Os temas a serem discutidos são, ao
dessas informações, deve ser elaborada menos: os objetivos da proteção dos bens,
uma ficha de identificação e caracteriza- os valores culturais associados aos bens e
ção sistemática pelos tipos de bens identi- as formas de proteção possíveis.
ficados na análise anterior. O levantamento confirmatório consiste
O levantamento sistemático consiste no em uma confirmação in situ das caracte-
preenchimento das fichas de identificação rísticas dos bens incluídos na lista de pro-
e caracterização para todos os bens iden- teção, do levantamento de informações
tificados no levantamento exploratório, complementares sobre o entorno e de uma
complementados com novos bens identi- análise (ou teste) pormenorizada sobre a
ficados por meio de consultas e entrevis- autenticidade e a integridade dos bens.
tas com moradores, em particular pessoas Deve ser ressaltado, que o método pode
de destaque nas cidades e participantes de ser aplicado em vários ciclos, que inclu-
instituições públicas e privadas locais, es- am a inclusão de novos bens ou a
pecialmente as culturais. reinclusão de bens excluídos em algumas
As informações coletadas neste levanta- das fases dos ciclos anteriores. A decisão
mento devem ser organizadas e associa- sobre a realização de ciclos de investiga-
das aos fatos (ou temas) constitutivos das ção dependerá dos recursos disponíveis para
narrativas elaboradas pela análise histórica. o trabalho.

2. Os resultados
O resultado norteador do processo de patrimoniais para a região. Esses bens con-
identificação foi a narrativa histórica sobre têm valores culturais (histórico, artístico,
o desenvolvimento da região do Baixo São arquitetônico, urbanístico e paisagístico)
Francisco, no atual Estado de Alagoas, que que merecem uma tutela por parte da soci-
ao lado do levantamento in situ, permiti- edade brasileira, e especialmente a nordes-
ram selecionar um conjunto de 29 bens tina.

2.1 A narrativa histórica


O conhecimento do acervo documental Os fatos locais que marcam as transforma-
histórico, as fotos atuais, as visitas in situ e ções estão por vezes associados às estraté-
as entrevistas realizadas com pessoas que gias de ocupação do território nacional, por
vivenciam a história dessa região, meio do sistema de transporte ferroviário e
nortearam a apreensão das principais do processo da industrialização brasileira que
temáticas componentes da justificativa so- teve como uma das suas exigências a produ-
bre a importância dos bens culturais e o ção de energia elétrica.
recorte temporal estabelecido, do século A notícia sobre a excentricidade na natu-
XVIII, especialmente do final do século reza da região do São Francisco deve ter-se
XIX, e início do século XX. Esse recorte é disseminado alhures, fazendo com que o
substanciado nos fatos que promoveram pintor Franz Post, no século XVII, tenha re-
transformações na natureza: a construção tratado o rio São Francisco e a Cachoeira de
da Estrada de Ferro de Paulo Afonso, da Paulo Afonso. Tais representações estavam
Usina Hidrelétrica de Angiquinho e da ainda presentes nos oitocentos, então, pelos
Fábrica de Linhas Estrela, com o núcleo fotógrafos Augusto Sthal e Augusto Riedel,
operário em Pedra e a formação urbana na década 1860, e Marc Ferrez em 1875,
da cidade de Água Branca. Tais fatos cons- que procuraram registrar a natureza da região
tituem-se em uma narrativa que tem a na- do Baixo São Francisco.
tureza como elemento permanente e Os relatórios de Gardner e Halfeld indi-
114 unificador de distintos processos históricos. cam as questões econômicas postas para a
Anais | Congresso Abracor 2009
afirmação da nação brasileira: o estabeleci- a partir do século XVI, mas somente após a
mento de comunicações - transporte expulsão dos holandeses, em 1654, ganhou
hidroviário e ferroviário - para a integração importância como uma área de pecuária
do território e a produção de energia elétrica para prover alimento e animais de trabalho
de suporte às primeiras instalações para as duas principais zonas de produção
manufatureiras. Em 1858, Avé-Lallemant açucareira: Salvador e Olinda. Segundo o
descreve a natureza, moldando suas expres- geógrafo Manoel Correa Andrade (1979:
sões físico-territoriais, em uma narrativa nem 41), o sertão nordestino foi inicialmente
sempre indulgente com a região e o elemen- desbravado por colonizadores que partiam
to humano que a habita. Situa o rio no imenso dessas duas importantes cidades.
território, querendo sugerir aos governantes O sistema de ocupação humana do terri-
a importância estratégica de ocupação e tório era bastante rarefeito, com pequeno
dinamização econômica dessa região. número de trabalhadores e moradores, pou-
Euclides da Cunha no final do século XIX co propenso a formar núcleos urbanos. O
centra sua narrativa na natureza excêntrica – gado era criado solto, em grandes extensões
a caatinga – e no sertanejo, integrante de de pastagens, e levado para as zonas de
um conflito, elementos que são tematizados comercialização por meio de boiadas.
como expressões constituintes do povo bra- Entretanto, a ocupação do território da
sileiro e da formação nacional. porção oeste do Baixo São Francisco, região
Nas últimas décadas do século XIX as re- de Paulo Afonso até as últimas décadas do
presentações do Baixo São Francisco, porém século XIX, não modifica a natureza excên-
passam a dar destaque a dois fatos: a cons- trica. A transformação só é operada com a
trução da Estrada de Ferro Paulo Afonso e a Estrada de Ferro e a Usina Angiquinho, as-
exploração do potencial energético das ca- sociadas às questões de formação da unida-
choeiras, como anotado no “Álbum Ilustra- de nacional, por meio da implantação do
do do Estado de Alagoas”, organizado por transporte ferroviário e do aproveitamento
Álvaro Cardoso em 1908, e “Terras das dos recursos hídricos como fonte de ener-
Alagoas”, de Ad Marroquim em 1922. gia, primeiramente mecânica/ hidráulica e
A região de Paulo Afonso foi colonizada depois elétrica.

2.2 A Estrada de Ferro de Paulo Afonso


A questão do transporte passou a ser en- colocar as várias críticas ao projeto relativas
frentada a partir de 1878, com D. Pedro II à definição do percurso: “esqueceu-se do
abrindo um crédito para obras ferroviárias princípio econômico e ao mesmo tempo
em todo o Brasil, inclusive a construção de estético...” procurando unicamente encurtar
uma linha que ligasse o alto ao baixo rio distâncias, levou-o por uma zona desabitada,
São Francisco. Após a grande seca de 1878, pedregosa e estéril... (PINTO, 1949: 18). Em
foi iniciada construção da linha férrea li- 1964, essa rede foi desativada, depois de ter
gando a povoação de Piranhas, na Provín- aberto fronteiras, interligado cidades e po-
cia das Alagoas, à de Jatobá (depois voados isolados do sertão nordestino e esti-
Itaparica, hoje Petrolândia), na Província mulado o comércio e a agricultura.
de Pernambuco. Segundo afirma Bonfim Com a desativação da ferrovia e de seu
(2001: 11) seriam dois os objetivos de parque ferroviário, ocorreu o abandonado
construção dessa estrada: o de ligar comer- e a dilapidação das construções. Pouco resta
cial e socialmente o alto ao baixo rio São dos mesmos e, quando ainda existente, es-
Francisco e o de aproveitar os braços de tão em precário estado de conservação.
milhares de retirantes da seca. Entretanto, os artefatos remanescentes des-
Em cinco anos, a Estrada de Ferro Paulo sa obra constituem um dos principais acer-
Afonso foi construída, cortando a caatinga do vos de bens patrimoniais da região. Dentre
sertão das Alagoas, com um percurso de 116 os bens desse acervo, cabe ressaltar: o es-
quilômetros. O traçado da linha férrea foi petacular conjunto de edificações ferroviá-
projetado para correr na direção N.O., com rias de Piranhas, a estação e a caixa d’água
oito estações e diversas obras de artes, como em Olho d’Água do Casado; a estação e o
208 boeiros, 16 pontilhões e 13 pontes maquinaria de Delmiro Gouveia e, princi-
(BONFIM, 2001:19, 21 e 22). Paralelamente palmente, as obras de arte, como a ponte
à estrada de ferro, a navegação também foi do Moxotó, que é considerada por Estevão
incrementada nessa região com a ligação en- Pinto como uma das mais significativas.
tre Penedo e Piranhas a partir de 1881. O Quadro apresenta os bens patrimoniais
As colocações de Estevão Pinto (1949) identificados como representativos da es-
convergem para as de Bonfim (2001), ao trada de ferro. 115
Anais | Congresso Abracor 2009
2.3 A Usina Hidrelétrica de Angiquinho

A exploração do potencial energético de meio de conjuntos de escadas encravadas na


Paulo Afonso foi perseguida desde meados escarpa da rocha no canyon: três metálicas
do século XIX. A primeira efetiva explora- inclinadas e retas e uma helicoidal, perfazen-
ção se deu a partir do acordo realizado en- do cerca de 60 metros de altura. Para fazer o
tre o Governo do Estado de Alagoas com o transporte de operários e engenheiros, assim
empresário Delmiro Gouveia, de 1911, se- como os materiais de construção, equipamen-
guido da construção da usina colocada em tos e maquinaria elétrica e hidráulica, foi
funcionamento em 1913, na escarpa construída uma estrada férrea e de um bonde
alagoana do canyon do São Francisco. Sabe- ligando as duas margens do canyon. A Usina
se que a construção dessa Usina foi impul- de Angiquinho hoje mantém o acervo de suas
sionada pelas necessidades de energia elé- edificações, praticamente intacto, com perda
trica para o funcionamento da Fábrica de de, somente, parte da maquinaria. A concep-
Linhas Estrela, localizada na povoação de ção do projeto estético de Delmiro Gouveia
Pedra, atual cidade Delmiro Gouveia, dis- harmoniza a natureza excêntrica com as ro-
tante cerca de 30 quilômetros da cachoeira chas, o canyon, o rio São Francisco e a caatin-
de Paulo Afonso. ga alagoana. Essa forma harmoniosa de ocu-
O conjunto da Usina compõe-se de uma pação do sítio com as edificações da Usina
casa de força, com três unidades geradoras, permanece, felizmente, a mesma do momen-
uma casa de máquinas, uma ferramentaria, to do início de sua operação, formando uma
uma seccionadora, uma subestação elevadora, das paisagens histórico-culturais mais repre-
quatro depósitos e oito unidades residenciais. sentativas dos primórdios da industrialização
O acesso à casa de máquinas é obtido por do País.

2.4 A cidade de Pedra – Delmiro Gouveia


Delmiro Gouveia percebeu que a povo- sidência de Delmiro Gouveia, nas janelas
ação de Pedra apresentava boa localiza- ogivais da fábrica e nas formas das colu-
ção para o embarque dessas mercadorias nas dos alpendres das casas operárias e do
para Piranhas e dali para os portos de ex- cinema. Da linguagem estética tradicional
portação, especialmente os do Recife. Per- do campo nordestino, Pedra recupera o
cebeu ainda Delmiro Gouveia o potenci- uso de alpendres, de triângulos de venti-
al econômico dessa povoação para o lação, a disposição de casas em arruados
beneficiamento do algodão e a produção e a simplicidade e limitação da ornamen-
de tecidos. Em 1913, Delmiro instalou a tação. Os longos blocos de casas, as ruas
Companhia Agro Fabril Mercantil, uma retas e largas, o uso da cor branca em to-
fábrica de linhas de algodão, associada a das as edificações conferiam unidade ao
um núcleo operário. Para a implantação núcleo.
desse empreendimento, ele já tinha A atual cidade de Delmiro Gouveia
construído a Usina Hidrelétrica de mantém muito da conformação urbana
Angiquinho, viabilizando o funciona- concebida e construída por esse industri-
mento da fábrica e da vila operária com al. Marca a cidade a estrutura do núcleo
a utilização de eletricidade e água cana- urbano – a malha viária, a repartição do
lizada. Uma estrada carroçável, larga e solo e as tipologias construtivas, a fábri-
bem conservada, ligava as duas localida- ca, a igreja, a praça e o açude, além das
des. edificações respectivas para o mercado de
Em 1912, com a implantação da fábri- peles, o curtume e a estação de trem. O
ca, foi iniciada a construção do núcleo grande espaço da praça hoje fica limita-
operário o qual contava com casas de por- do pela via principal de acesso e pelo
ta e janela, conjugadas, construídas em muro da fábrica, mas guarda a relação de
alvenaria de tijolos, cobertas com telhas, paisagística de uma vila operária. Entre-
rebocadas, caiadas, sendo as portas pinta- tanto, a descaracterização que esse con-
das de cores claras, além de um longo al- junto sofreu foi muito grande, especial-
pendre. mente quanto aos fatores morfológicos e
A arquitetura de Pedra incorporou ele- de unidade estética que tanto caracteri-
mentos do ecletismo e do estilo tradicio- zaram esse núcleo de Pedra no seu iní-
nal das edificações rurais nordestinas. A cio. No entanto, a conservação e a valo-
revelação da estética eclética pode ser rização desses elementos constituem um
percebida nos ornamentos com patrimônio, não só da sociedade alagoana
lambrequins de madeira, presentes na re- como também da brasileira.
116
Anais | Congresso Abracor 2009
2.5 A cidade de Água Branca
A cidade de Água Branca foi edificada praça-mirante ao lado da igreja, que, pela
nos flancos da Serra de Água Branca. Apre- sua localização em nível elevado e dispon-
senta características de uma região de bre- do de guarda-corpo decorado, exerce pa-
jo, com presença de olhos d’água, solo fér- pel preponderante de referência histórica
til e clima serrano. A densidade da ocupa- e de orientação. Próximo à igreja, está o
ção humana na Serra de Água Branca foi imponente solar do Barão de Água Bran-
muito maior que a do restante do território, ca, integrante do importante grupo de des-
levando à formação de um aglomerado ur- bravadores da região. A praça da matriz,
bano de relativo porte já no início do século centro histórico da cidade, de formato re-
XIX, com a presença de um grande número tangular, é formada por um casario de gran-
de fazendas e sítios na zona rural. Em 1875, de porte e pela Igreja de Nossa Senhora da
o povoado foi emancipado politicamente, Conceição, construída em 1871 pelo mes-
tornando-se uma vila e sede do Município mo Barão de Água Branca. A Igreja exibe
de Água Branca, vindo a ser elevado à cate- altas torres, nave com detalhes de madeira
goria de cidade em 1919. trabalhada em ouro, mosaicos e imagens
A ocupação urbana de Água Branca es- trazidas de Portugal, no século XVIII. A pra-
teve, até meados do século XX, associada ça possui um valor artístico incontestável,
à dinâmica da economia local de base agrí- por ser um testemunho histórico dos valo-
cola e como centro comercial e de servi- res sociais e estéticos dos grandes potenta-
ços. A atual estrutura urbana de Água Bran- dos da região no século XIX.
ca reflete o apogeu econômico alcançado Água Branca possui ainda um acervo
no final do século XIX. Apresenta uma patrimonial representativo da ocupação
morfologia urbana de desenho irregular, rural, especialmente de fazendas e sítios,
orientado a partir da implantação da Igre- para a produção de alimentos. Nesse con-
ja de Nossa Senhora do Rosário, localiza- junto, as fazendas da Cobra e de São Fran-
da no sentido norte-sul, em um patamar cisco de Assis são de particular interesse,
do sítio de relevo acidentado e entre ser- por mostrarem valores de
ras. A igreja representa o ponto focal que representatividade de um período históri-
origina os arruados de residências e co- co, econômico local (processamento de
mércio, ao lado de canteiros arborizados, algodão e engenho de açúcar) e estético,
recantos e mirantes. Entre esses pequenos pela fusão de uma arquitetura rural com
espaços livres, encontra-se uma pequena elementos urbanos mais modernos.

3. Conclusões
Mesmo com limitações de recursos para A qualidade do acervo também pode ser
sua realização, este trabalho destaca-se no aferida pela autenticidade dos bens. Em ge-
cenário dos estudos de identificação ral, observou-se um alto nível de autentici-
patrimonial do Brasil, por ser um dos pou- dade mesmo que, em alguns casos, a inte-
cos a realizar um levantamento de caráter gridade material dos bens não fosse muito
integrado do ponto de vista da abrangência boa. A maioria dos bens identificados tem
da área geográfica, do período histórico e ainda os aspectos externos e os materiais de
das tipologias dos bens. A partir deste es- construção originais e, em alguns casos ex-
tudo é perfeitamente possível realizar um cepcionais, o mobiliário original. A exceção
trabalho de identificação da paisagem cul- mais importante a essa constatação é a vila
tural do sertão com a adição de outros es- operária da Pedra (Delmiro Gouveia) que está
tudos, principalmente do patrimônio bastante descaracterizada e com perda signi-
ambiental e da cultura imaterial. ficativa de sua autenticidade. Felizmente,
A região dos municípios de Água Bran- mesmo nesse caso, foi possível identificar
ca, Delmiro Gouveia e Olho D’Água do um conjunto de bens urbanísticos e
Casado possui um acervo de bens que se arquitetônicos que permitem conservar, para
destaca tanto pela quantidade como pela as futuras gerações, testemunhos autênticos
qualidade dos seus bens patrimoniais. da vila.

117
Anais | Congresso Abracor 2009
Bibliografia
ANDRADE, M. C. O Processo de Ocupação do Espaço Regional do Nordeste. Recife: Sudene, 1979.
AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pelo Norte do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro/ Ministério da Educação e Cultura, 1961.
BONFIM, Luiz Ruben F. de A. Estrada de Ferro Paulo Afonso – 1882-1964. Paulo Afonso: Serviços Gráficos e Técnicos Ltda, 2001.
CORREIA, Telma de Barros. Pedra, Plano e Cotidiano Operário no Sertão. Campinas: Papirus, 1998.
CUNHA, Euclides. Os Sertões. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo Ltda, 1957.
GARDNER, George. Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Universidade São Paulo, 1975.
HALFELD, Henrique Guilherme F. Atlas e relatório concernente a exploração do Rio de São Francisco desde a Cachoeira da Piaba até ao
Oceano Atlântico, 1852-1854. Rio de Janeiro: Lithographia Imperial, 1860.
MARROQUIM, Ad. Terra das Alagoas – MCMXXII. Roma: Editori Maglione & Strini. Succ. E.esches 1922. Edição Fac-Similar. Brasil, 2000.
PINTO, E. História de uma Estrada-de-ferro do Nordeste. Rio de Janeiro: José Oympio, 1949.
118
Anais | Congresso Abracor 2009
Sílvio Mendes ZANCHETI,
Arquiteto, Doutor USP

Jorge Eduardo TINOCO,


Arquiteto, Especialista UFMG

Franciza TOLEDO,
Arquiteta, Doutora UCL

Rosane PICCOLO,
Arquiteta, Mestre UFPE

Marina RUSSEL,
Arquiteta, Especialista FAFIRE
Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI)

OS LIMITES DO RESTAURO: 1
Este trabalho
somente foi realizado

IMPASSES PROJETUAIS1
pelo apoio do World
Monuments Fund -
“The Robert W. Wilson
Challenge for
Conserving Our
Heritage” que está
custeando parte das
obras de conservação.

O tratamento das lacunas em uma obra de arte, seja em objetos arquitetônicos,


escultóricos ou pictóricos, tem resultado em soluções muito variadas, por vezes até
opostas, no campo do restauro. Cesare Brandi aponta que tal variedade de soluções
tem se dado pelo fato das lacunas serem tratadas empiricamente, quando na verdade
deveriam ser objeto de uma decisão teórica. Mas, como promover uma aproximação
suficiente da teoria com a prática do restauro, a ponto de se conseguir compatibilizar
uma à outra? Como converter postulados teóricos em medidas ou diretrizes práticas? Este
artigo se propõe a discutir esta questão, tendo como ponto de partida um caso específico.
Será tomado como objeto de reflexão a pintura do forro em madeira da sacristia da Capela
de São Roque do Conjunto de São Francisco em Olinda, que está sendo restaurada pelo
Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada, desde fevereiro de 2008.

Treating losses in a work of art, being in architectural, scupltorial or pictorial objects,


has resulted in varied, and some times opposed, solutions in the restoration field. Cesare
Brandi points out that such variety has been due to the fact that the losses are (or have
been) treated empirically, when in fact they should be the result of a theoretical decision.
However, how to achieve a sufficient approach between the theory and practice in
restoration in a way so to make them compatible? How to convert theoretical postulates
into practical guidelines or measures? This article intends to discuss this matter, having
as a starting point a specific case study. The ceiling painting of Saint Roque Chapel’s
sacristy, whose restorarion in progress since February 2008 by the Center for Developed
Studies in Integrated Conservation – CECI, will be taken as an object of reflexion.

Palavras-chave:
Reintegração Estética, Pintura em Madeira, Simulação Virtual, Olinda.

Os bens artísticos da Ordem Terceira

A Venerável Ordem Terceira de São Fran- Belas Artes (Inscrição N. 189).


cisco localiza-se na cidade de Olinda, Os bens artísticos integrados da Ordem
Pernambuco, no Nordeste do Brasil. Faz Terceira estão concentrados na Capela de
parte do Conjunto Franciscano de Olinda, São Roque e sua Sacristia, e na Capela dos
conjuntamente com o Convento de Nossa Noviços. Esses bens são de valor histórico
Senhora das Neves, e está inserida no nú- e artístico indiscutível. As pinturas dos for-
cleo histórico da cidade de Olinda, que ros da Ordem Terceira, quando aprecia-
pertence à lista dos bens Patrimônio Cul- das com as do Convento e Igreja de Nossa
tural da Humanidade. O Conjunto Senhora das Neves, constituem um con-
Franciscano foi tombado pelo IPHAN em junto com vários tipos de obras que repre-
22 de julho 1938 e inscrito no Livro de sentam a diversidade e a evolução da pin- 119
Anais | Congresso Abracor 2009
tura setecentista e oitocentista em das da pintura em todas as partes do forro.
Pernambuco. Nesse sentido, o acervo do Os pregos utilizados para fixação das tá-
Conjunto Franciscano pode ser caracteriza- buas nas traves encontravam-se oxidados,
do como um museu de pintura sacra, con- ocasionando perdas pontuais da mesma.
tendo exemplares de quase todos os tipos No intradorso do forro, detectou-se a ação
de estilos e técnicas de execução utilizadas de insetos xilófagos.
nesses dois séculos. Diante desta situação, deu-se início aos
A Capela de São Roque possui o maior serviços de conservação, sendo realiza-
número de obras de arte e bens integra- das as seguintes ações: mobilização do
dos da Ordem Terceira de Olinda, caben- canteiro de obras e instalações provisóri-
do destacar o grande forro em caixotões, as; documentação gráfica e fotográfica;
com pinturas isoladas a óleo sobre painéis testes e análises microquímicas;
de madeira. higienização superficial; refixação da ca-
Na Sacristia, o destaque é o forro plano, mada pictórica, limpeza mecânica e quí-
na forma de um quadrado, com a repre- mica e nivelamento de pequenas e médias
sentação de um ático delimitado por uma lacunas.
balaustrada, pintada em perspectiva Recentemente, foram iniciados os estu-
escorçada, sobre um fundo infinito, com dos para a reintegração da pintura, ou seja,
rocalhas e medalhões incorporados nos o preenchimento das lacunas. Esta fase tem
elementos arquitetônicos, tendo como exigido intensa reflexão teórica e prática
motivo temático São Francisco recebendo para que novas diretrizes de ação fossem
os estigmas do Cristo Seráfico. A cena dos adotadas, já que as perdas encontradas
estigmas está em um medalhão central, espalham-se por mais de 60% da superfí-
envolto por uma rocalha e motivos florais, cie da pintura do forro.
que flutua no céu cobrindo o ático. A sa- Algumas possibilidades de reintegração
cristia possui ainda outros elementos ar- estética da pintura estão sendo analisadas,
tísticos integrados e aplicados como graças à reconstituição virtual da pintura
retábulo, sanefas, arcaz, lavabo e lápides original, com base nos métodos e técni-
funerárias. cas abordadas por Brandi (2004). Os re-
Apesar do valor deste bem cultural inte- cursos computacionais foram essenciais
grado, o forro estava em estado de conser- nas definições tomadas em relação ao
vação precário, pondo em risco a integri- nivelamento e ao retoque das grandes la-
dade e estabilidade dos materiais e das cunas. Por meio destes, foi possível a
técnicas encontradas. A ação de goteiras reconstituição de linhas mestras, particu-
na coberta e a manutenção inadequada larmente nos elementos arquitetônicos (re-
foram as causas dos descolamentos e per- tos), assim como algumas cores de fundo.

A metodologia de intervenção
A metodologia de intervenção de conser- históricos e simbólicos da Sacristia.
vação dos forros utilizada pelo CECI apoiou- O objetivo da atividade de conservação
se na teoria contemporânea da conservação foi estabelecido como a da revalorização
e restauração (Viñas 2005). Foi organizada do espaço da sacristia, pela melhoria do
em quatro fases principais: o estabelecimen- aspecto pictórico do forro pintado, que
to da significância cultural do objeto de con- reforça o simbolismo religioso (o recebi-
servação, a definição dos objetivos da ativi- mento dos estigmas por São Francisco) e
dade de conservação, a definição de diretri- revaloriza os aspectos estéticos e históri-
zes para a ação de conservação e a implanta- cos do local.
ção do trabalho. Os resultados das três pri- Foram estabelecidas quatro diretrizes de
meiras fases orientaram a abordagem para o intervenção, calcadas na citada teoria de
conhecimento das características físico-ma- conservação. A primeira refere-se à manu-
teriais do objeto. tenção da autenticidade da matéria e do
A significância foi estabelecida em rela- processo construtivo pelo qual a matéria
ção a dois atores principais: os Irmãos Ter- foi constituída, pelos quais podem ser
ceiros e os visitantes. Para os Irmãos Ter- transmitidos os principais valores do bem
ceiros, a sacristia é um lugar de veneração cultural. A segunda versa sobre a mínima
religiosa, pois nela está a imagem de São intervenção possível, balizada pelos obje-
Francisco recebendo os estigmas de Cris- tivos da atividade de conservação, como
to, e o ambiente onde o celebrante prepa- meio de assegurar a manutenção da inte-
ra-se para as liturgias. Os visitantes, por gridade material e, especialmente, da
sua vez, valorizam os aspectos artísticos, pátina. A terceira diretriz reporta-se à uti-
120
Anais | Congresso Abracor 2009
lização de materiais e técnicas tradicionais, reversibilidade à intervenção.
sempre que possível. Em casos imperati- Seguindo essa abordagem metodológica,
vos de utilização de materiais sintéticos, e a partir de testes e estudos, ponderaram-
devem-se preceder estudos e análises es- se os possíveis benefícios e prejuízos so-
pecíficos de compatibilidade e adaptação bre as peças, quer isoladamente quer no
aos materiais originais. Por fim, a última contexto dos conjuntos, antes de se em-
diretriz é voltada à garantia de máxima preender as ações.

O conhecimento do objeto

O estado de conservação do forro da Sacris- área. É possível que um verniz resinoso


tia era deplorável, encontrando-se com gran- tenha sido utilizado no medalhão de São
des áreas de perdas e muitos agentes de degra- Francisco. No desgaste da pintura foram
dação. A quantidade total de lacunas e perdas identificados, de maneira mais significati-
foi calculada em, aproximadamente, 60% da va, as seguintes manifestações ou sintomas
área total. Esse percentual comprometia seri- de danos: manchas generalizadas com co-
amente a leitura das composições da pintura lorações escuras, áreas úmidas próximas às
bem como sua integridade. Foram observa- portas e janelas, oxidação de pregos, cra-
dos principalmente descolamentos, perdas vos e parafusos, assim como grandes, mé-
generalizadas das camadas pictóricas, man- dias e pequenas perdas da pintura original,
chas e escurecimentos. deformações, trincas e fissuras nas tábuas.
Na fase de elaboração do projeto esti- Outros danos foram identificados, como
mou-se que a natureza dos materiais do alterações cromáticas, principalmente na
suporte e da pintura, bem como a manu- cor branca de fundo. As causas identificadas
tenção inadequada, por um longo perío- que motivaram esses danos foram a proli-
do, favoreceu o avançado estado de de- feração de fungos, devido às infiltrações
gradação do forro. A cor branca dominan- d’água, os elevados índices anuais de umi-
te de fundo foi a mais atingida pelas man- dade relativa e de cloretos no ar, e a limpe-
chas e proliferações de fungos. Notou-se que za mecânica por escovação (espanador)
houve algumas repinturas nas áreas de con- pelos zeladores da Irmandade. Os princi-
torno dos elementos decorativos da pintura pais agentes de degradação do forro foram
em perspectiva. O marmorizado vermelho, as infiltrações de água, o ambiente natural
provavelmente uma pintura mais recente hostil e a ação humana inadequada.
aplicada nos frisos do roda-teto, e a pintura A origem exógena dos danos deve-se à
do medalhão central, são policromias mais proximidade da edificação ao mar, onde
resistentes, apresentando as menores áreas os índices de sais marinhos, a temperatu-
de descolamento. ra e a umidade relativa média anual do ar
Para identificação, estudos e registros são muito elevados. Por se encontrar numa
dos principais danos do forro, foi elabora- zona tropical, a ação de agentes biológi-
do um mapa de danos, por meio do levan- cos, assim como as goteiras do telhado,
tamento arquitetônico do forro, pelo mé- geraram graves danos no forro.
todo clássico de obtenção de medidas in A natureza dos danos endógenos advém
loco, utilizando-se técnicas de fotografia dos materiais do suporte (madeira) e da
em alta definição. O forro da Sacristia pintura (têmpera), sendo o primeiro de
mede 7,75m por 6.90m e é formado por baixa densidade (e muito higroscópico), e
35 tábuas policromadas, em cedro. os outros, adesivos orgânicos vulneráveis
O mapeamento documentou a caracte- aos agentes externos.
rização dos danos, as manifestações ou sin- Foram realizados os testes químicos para
tomas, as causas, natureza e origem (pro- a identificação da composição da camada
cedência), bem como os agentes pictórica, de colas naturais e sintéticas, para
patogênicos. Para identificação dos proble- a refixação da camada pictórica e os testes
mas e caracterização das patologias ou da- de impermeabilização das camadas de
nos foram realizados levantamentos através nivelamento. As análises permitiram reali-
de inspeção visual e de contato direto com zar duas inferências: 1) foi utilizada a
os componentes construtivos, por expertise. albumina como aglutinante da têmpera, e
Como ferramenta metodológica, utilizou- 2) foi observada em praticamente todas as
se uma Ficha de Identificação de Danos, amostras, a presença de grandes quantida-
específica para o registro dos dados de cada des de carbonatos (CO3—), o que revela
tipo de manifestação patológica. forte ação do tempo sobre os revestimen-
A técnica pela qual a pintura foi realiza- tos primários, atestando a idade e a autenti-
da é a têmpera a ovo na maior parte da cidade da pintura do forro da sacristia.
121
Anais | Congresso Abracor 2009
A refixação da camada pictórica
Os testes de colas foram realizados para ção e o suporte (madeira). A cola respon-
que se definisse o adesivo a ser adotado deu bem na maior parte do forro, particu-
na refixação da camada pictórica ao seu su- larmente nas grandes lacunas, mas nas áre-
porte. Foram testadas as seguintes colas: cla- as onde a pintura encontrava-se
ra de ovo em água destilada (1:1), sem ne- pulverulenta, a cola não funcionou bem.
nhum efeito aderente (Gettens e Stout 1966); Nessas áreas foi aplicado
cola de coelho diluída em água destilada a carboximetilcelulose (CMC) a 3%. Os ele-
3% (com pouca aderência) e a 7% (com boa mentos da pintura do forro, dos frisos e
aderência e algum brilho nas bordas das la- cimalhas que estavam apresentando
cunas); cola de osso diluída em água desti- descolamentos, desagregações ou outras
lada a 3%, com certa aderência e brilho su- fragilidades foram então refixados. Inicial-
perficial; cola animal (osso e pele), diluída mente foram aplicadas, por meio de serin-
em água destilada a 6%, com alguma ade- ga e agulha, pequenas quantidades de ál-
rência; carboximetilcelulose (CMC) diluída cool etílico hidratado (70%) com o intuito
em água destilada a 3%, com boa aderên- de melhorar a penetração da cola à base, e
cia; e Mowiol (álcool polivinílico), diluído logo em seguida, a cola coelho. A mesma
em água destilada a 3,5%, com muito boa foi acrescida de água destilada, e levada ao
aderência. fogo até a sua completa dissolução. Após a
Apesar do bom desempenho das colas aplicação da cola, foi utilizada espátula tér-
sintéticas, a cola de coelho foi escolhida mica para acomodar as camadas mais sali-
por sua compatibilidade com os materiais entes da pintura e tornar mais eficaz a ação
originais. Após a realização de testes em da cola. Houve áreas em que a cola foi apli-
uma área delimitada no forro da sacristia, cada com pincel e outras, onde a cola dei-
foi decidido que seria utilizada a cola co- xou brilho nas bordas de algumas lacunas,
elho a 7%, por promover a maior capaci- ele foi depois removido com “swab” ume-
dade de adesão entre a base de prepara- decido em álcool hidratado.

O nivelamento das lacunas


Os testes de nivelamento foram realiza- a mesma foi seca e lixada para receber a ca-
dos com carbonato de cálcio e sulfato de mada subsequente, até se atingir o nível de-
cálcio (gesso), com cola de coelho diluída sejado. As últimas camadas aplicadas no
em água destilada a 3%, ambos com bons nivelamento foram mais finas e macias para
resultados. O gesso foi escolhido por ser receber o retoque. O nivelamento das pe-
uma carga neutra e, desse modo, compatí- quenas lacunas precisou, além do
vel com o azul ultramarino (pigmento cuja lixamento, de certa impermeabilização para
cor é alterada em meio alcalino). Após a receberem a reintegração cromática, feita
aplicação de cada camada de nivelamento, com guache (Maimeri).

A reintegração cromática
Paralelamente aos trabalhos de festou na busca do equilíbrio entre melho-
nivelamento, foram iniciados os trabalhos rar a visibilidade da obra (o objetivo prin-
de reintegração da policromia ou apresen- cipal) e a manutenção do máximo de au-
tação estética pelo preenchimento das la- tenticidade artística e histórica (material),
cunas faltantes. Este estágio da obra, em especialmente da pátina.
especial, exige uma reflexão sobre os pos- Nesse sentido as reintegrações concentra-
síveis modos de conciliação da teoria à ram-se nas áreas onde predominam as re-
prática da conservação na condução do presentações de elementos arquitetônicos,
projeto, onde a execução técnica deve ser como frisos, listéis e balaústres e evitou-se a
orientada e refletir a decisão intelectual. ações nas partes com figuração orgânica,
O maior desafio das intervenções como as floreiras e rocalhas. No caso do
conservativas no forro da sacristia foi a medalhão de São Francisco optou-se pelo
delimitação do nível e da extensão das preenchimento das mínimas lacunas somen-
ações de recuperação dos danos pelas te nas áreas não figurativas.
perdas das áreas pictóricas – as lacunas. Partiu-se do princípio de que a reinte-
Pelo estado de conservação de quase de gração da imagem da camada pictórica às
ruína do forro, ficou claro que a atitude suas lacunas, por reprodução, se constitui
seria de minimizar o aspecto de degrada- em uma medida não-recomendada, já que
ção da pintura e maximizar leitura dos or- não é possível se inserir com legitimidade
122
namentos artísticos. Esse desafio se mani- naquele momento em que o artista criou
Anais | Congresso Abracor 2009
a parte que agora está ausente. Desse modo, cou se diferenciar do restante da obra por
reintegrar a lacuna à camada pictórica sem meio da utilização de uma técnica e de to-
deixar os vestígios da ação, pressupõe uma nalidades de cores distintas das encontra-
falsa idéia de contemporaneidade com o das na obra original. O pontilhismo, como
restante da obra. A intervenção deve se li- meio de diferenciação de técnica, e as co-
mitar a favorecer a fruição estética daquilo res, em um tom abaixo daquele originário,
que resta e que se apresenta como obra de foram utilizados na reintegração das lacu-
arte, sem utilizar o recurso das “integrações nas. As lacunas pequenas (até 8 cm2) rece-
analógicas”. Este conceito, lançado por beram uma aguada nas mesmas cores
Cesare Brandi (1977), designa um méto- sugeridas pelos seus contornos sendo em um
do de recomposição da imagem fundado tom mais baixo. As lacunas médias (até 80
na analogia, onde os elementos formais de cm2) foram reintegradas pela técnica do
um primeiro conjunto podem ser transpos- pontilhismo onde foram utilizadas sempre
tos a um segundo, desde que eles guar- três cores, isto é, um fundo e duas outras
dem entre si uma relação biunívoca. Por nos pontos coloridos. As lacunas maiores e
biunívoca, entende-se que seja a relação as grandes perdas, onde o suporte (a madei-
entre dois conjuntos distintos, onde cada ra) esteve aparente, não foram objetos de
elemento do primeiro corresponde a ape- reintegração, mas somente de ajuste da cor
nas um elemento do segundo. Como a onde a base (cor branca) ainda estivesse
imagem original e a reproduzida aparente, com uma pintura homogênea em
analogicamente não mantêm entre si esta cor que não ressaltasse visualmente a per-
relação biunívoca em sua dimensão tem- da, relativamente ás zonas com camadas
poral, apenas na formal, o recuso da pictóricas. Nessas áreas de perda, as tonali-
integração analógica não foi utilizado. dades das cores dos fundos variavam con-
A reintegração da camada pictórica bus- forme as cores das áreas anexas.

Conclusão
O CECI realizou uma série de ensaios de gração das lacunas devolveu a unidade à
reintegração virtual das lacunas da pintura obra que se constitui em uma legítima ema-
do forro para verificar quais técnicas, cores nação da sua própria imagem pictórica,
e tonalidades se adequavam melhor aos mantendo a sua autenticidade e sem incor-
objetivos de revalorização pictórica e sim- rer em um ato de falsificação.
bólica dos forros. Foram realizados ensaios Entretanto, até o momento da redação
de extensão da reintegração que começavam deste artigo, não foi possível aferir se o
com a reintegração das pequenas lacunas, objetivo de revalorização da sacristia, pela
passavam para as médias e as grandes, até intervenção no forro, foi alcançado junto
atingir a reintegração total, com base em aos seus dois principais usuários: Irmãos
suposições do restauro estilístico. Os en- Terceiros e visitantes. Esse fato deve-se à
saios foram muito importantes para que a não utilização das simulações virtuais como
equipe de especialistas e de restauradores elemento de negociação dos objetivos.
pudesse alcançar uma compreensão comum Recomenda-se, portanto, que as simulações
sobre os objetivos, a estratégia a ser segui- sejam preparadas antes das principais fases
da e os procedimentos técnicos a serem de intervenção e que não sejam somente tra-
empregados. balhadas no nível da percepção técnica, mas,
Pelo modo como foi conduzida, a reinte- também, no dos usuários.

Bibliografia
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração, “Apostila teórica para o tratamento das lacunas”. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.
GETTENS, Rutherford J. e George L. STOUT. Painting Materials: A Short Encyclopaedia. New York: Dover Publications Inc. 1966.
HOENIGER, Catheleen. “The Restoration of the Early Italian ‘Primitives’ during the 20th Century: Valuing Art and Its Consequences”.
JAIC Volume 38, Number 2, Article 3. 1999.
ICOMOS Principles for the Preservation and Conservation-Restoration of Wall Paintings (2003). http://www.international.icomos.org/
charters/wallpaintings_e.htm
MASSING, Ann. “Restoration Policy in France in the Eighteenth Century”. Studies in the History of Painting Restoration. London:
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MORA, Paolo, Laura MORA e Paul PHILIPPOT. “Problems of Presentation”. Historical and Philosophical Issues in the Conservation of
Cultural Heritage. Los Angeles: The Getty Conservation Institute. 1996.
PHILIPPOT, Albert e Paul PHILIPPOT. “The Problem of Integration of Lacunae in the Restoration of Paintings”. Historical and
Philosophical Issues in the Conservation of Cultural Heritage. Los Angeles: The Getty Conservation Institute. 1996.
PHILIPPOT, Paul. “Historic Preservation: Philosophy, Criteria, Guidelines II”. Historical and Philosophical Issues in the Conservation of
Cultural Heritage. Los Angeles: The Getty Conservation Institute. 1996.
VÉLIZ, Zahira. “The Restoration of Paintings in the Spanish Royal Collections, 1734-1820”. Studies in the History of Painting Restoration.
London: Archetype. 1998.
VIÑAS, Salvador. Teoria Contemporânea de la Restauración. Madrid:..............2004.

123
Anais | Congresso Abracor 2009
124
Anais | Congresso Abracor 2009
Virgínia Pontual,
Arquiteta, Doutora em História Urbana. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e
Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI)

Mônica Harchambois,
Arquiteta, Especialista em Gestão do Patrimônio Cultural. Centro de Estudos Avançados
da Conservação Integrada (CECI)

Renata Cabral,
Arquiteta, Mestra em Arquitetura e Urbanismo. Centro de Estudos Avançados da
Conservação Integrada (CECI)

Magna Milfont,
Historiadora, Doutoranda em Desenvolvimento Urbano. Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI)

Rosane Piccolo,
Arquiteta, Mestra em Desenvolvimento Urbano. Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI)

Divulgação e interpretação do patrimônio:


O Pátio de São Pedro no Recife
O Pátio de São Pedro, bem tombado pelo IPHAN no Recife, é um dos conjuntos
mais íntegros do bairro de Santo Antônio e testemunha a diversidade das manifesta-
ções populares tradicionais de Pernambuco. Entretanto, apesar do seu grande potenci-
al atrativo, o mesmo não integra os roteiros desenvolvidos pelas agências de turismo.
Para isto, a divulgação turística e interpretação do pátio se colocam como um cami-
nho à propagação dos valores e conservação do espaço urbano e arquitetônico. O site
“Pátio de São Pedro: Turismo e Tradição Popular em Pernambuco” constitui um dos
produtos de um projeto selecionado pelo Programa MONUMENTA para ser executa-
do pelo Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI). Por meio
desse site buscou-se divulgar os valores do lugar de modo a atrair visitantes, acrescen-
tando valor à experiência. O conteúdo e registro de como foi realizado esse site é o
objeto deste artigo.

Palavras chave:
Patrimônio, interpretação, divulgação, Recife.

The São Pedro Courtyard, heritage protected by IPHAN in Recife, is one of the sets
most uprightly of Santo Antônio district and testifies the diversity of the traditional
popular manifestations of Pernambuco. However, despite its great attractive potential,
the courtyard does not integrate the itineraries developed by travel agencies. For this,
the tourist divulgation and interpretation of the courtyard constitute a way of propagation
of the values and conservation of the urban and architectural space. The website “São
Pedro Courtyard: Tourism and Popular Tradition in Pernambuco” constitutes one of
the products of a project selected for Program MONUMENTA to be executed by the
Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI). This website aimed
the divulgations of the values of the place in order to attract visitors, adding value to
the experience. The content and registers of the way this website was carried through
is the object of this paper.

Key words:
Heritage, interpretation, divulgation and Recife.

Introdução
O conjunto urbano e arquitetônico do igreja com a simplicidade das edificações
Pátio de São Pedro, bem tombado pelo do entorno, o conjunto apresenta grande
IPHAN no Recife, é composto pela Igreja unidade urbanística e é um dos mais ínte-
de São Pedro dos Clérigos e pelo casario gros do bairro de Santo Antônio. O Pátio
que a circunda. Além da beleza que resul- de São Pedro testemunha, também, a di-
ta do contraste formado pela riqueza da versidade das manifestações populares tra- 125
Anais | Congresso Abracor 2009
dicionais de Pernambuco, tendo sido clas- grama MONUMENTA para ser executado
sificado por Gilberto Freyre como o lugar pelo Centro de Estudos Avançados em Con-
“mais recifense do Recife”. Entretanto, servação Integrada (CECI), com financiamen-
apesar do seu grande potencial atrativo, to do Governo Federal mediante contrato
não integra os roteiros desenvolvidos pe- de empréstimo com o Banco Interamericano
las agências de turismo. O aumento da de Desenvolvimento (BID). O material pro-
atividade turística poderia favorecer a con- duzido procurou diluir, em textos fluidos e
servação do lugar, contribuindo, ainda, interessantes, com design elegante e
para a consolidação das atividades cultu- envolvente, o conteúdo denso das interpre-
rais incentivadas pelo poder público nos tações acadêmicas sobre a história, a
bairros centrais do Recife. morfologia e a cultura atual do Pátio.
O site “Pátio de São Pedro: Turismo e Tra- Este artigo discorre sobre o caminho
dição Popular em Pernambuco” constitui um percorrido para a construção do site, que
dos produtos do projeto intitulado “Divul- buscou divulgar o Pátio de São Pedro de
gação Turística do Pátio de São Pedro dos modo a atrair o visitante, acrescentando
Clérigos no Recife”, selecionado pelo Pro- valor à experiência da visitação.

1. A construção do site: conteúdo e forma


Partindo da idéia de que o planejamen- construção da narrativa) ocorreram, por
to interpretativo, em parceria com a vezes, de forma simultânea.
dinamização econômica de um lugar, pode Na etapa de identificação do lugar, fo-
ser uma forma criativa de atender à deman- ram selecionadas para o site, dentre o vas-
da pela sustentabilidade do patrimônio, o to material bibliográfico e iconográfico
site procurou estabelecer interfaces entre o consultado durante as pesquisas, informa-
turismo e a preservação patrimonial, ajus- ções pouco trabalhadas até então. Na de-
tando as necessidades da comunidade e dos finição das temáticas, o que se queria co-
visitantes. A criação do site obedeceu a uma municar sobre a essência do lugar foi se
lógica de construção baseada na interpre- delineando aos poucos. Tomando como
tação histórica, na interpretação ponto de partida a interpretação histórica
morfológica e na interpretação da cultura e morfológica e passando pelo entendi-
atual do Pátio de São Pedro, realizadas em mento das formas de integração entre a
interação com a comunidade local. história e o turismo, a abordagem do tema
A metodologia adotada envolveu a co- da transformação do Pátio ao longo do
munidade local nas decisões a serem to- tempo adquiriu grande relevância. Nos
madas, desde a concepção do material in- encontros com a comunidade, ficou re-
formativo até a formatação do produto fi- solvido que todo o conteúdo do site de-
nal. Para isto, a equipe técnica do CECI veria estar permeado pela história do lu-
empenhou-se em sensibilizar os diversos gar, incluindo a história mais recente, da
atores sociais presentes no Pátio de São qual fazem parte os eventos culturais de
Pedro (entidades religiosas, moradores, pro- caráter profano, como o carnaval, o pas-
prietários de bares e restaurantes, gestores toril, as quadrilhas juninas e outras mani-
municipais), sobre a relevância do valor festações tradicionais populares, caracte-
histórico e estético imanente ao lugar, cha- rísticas de Pernambuco. Esta decisão exi-
mando atenção para o seu significado cul- giu dos técnicos do CECI uma pesquisa
tural e para a importância do papel da co- complementar, voltada para interpretação
munidade como “guardiã do patrimônio”. da cultura atual.
As atividades referentes às diversas eta- Os resultados das interpretações históri-
pas do trabalho (identificação do lugar, ca, morfológica e da cultura atual, a se-
definição das temáticas; análise da relação guir expostos de forma resumida, são apre-
da comunidade com a história do local e sentados no site com riqueza de detalhes.

2. A interpretação histórica

O Pátio de São Pedro é considerado um história da arte e da arquitetura, que con-


dos conjuntos arquitetônicos e urbanísti- feriram ao monumento religioso e ao con-
cos mais expressivos da cultura barroca em junto arquitetônico uma grande valoriza-
Pernambuco, destacando-se, principal- ção, reconhecendo-o como patrimônio
mente, pela importância da Igreja de São histórico e artístico nacional. A interpreta-
Pedro dos Clérigos. A igreja de traços bar- ção das fontes históricas destaca, especi-
rocos e o casario que a circunda, foram almente, atributos histórico-culturais que
126
objeto de inúmeros estudos no campo da marcaram o lugar ao longo do tempo: a
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 1
Verticalismo da
ocupação do lugar e a Cidade Maurícia; a obra a ser considerada pelo historiador Igreja de São Pedro
igreja e a reinvenção do pátio. Germain Bazin em “Originalidade da arqui- dos Clérigos
Fonte: CECI, 2006
O Pátio de São Pedro dos Clérigos guar- tetura barroca em Pernambuco”, como a
da, na sua configuração urbanística, vestí- mais monumental do Brasil.
gios do barroco neerlandês, que marcaram - O frontão com nicho, onde se encaixa
profundamente a história da Cidade do uma imagem de corpo inteiro em solução
Recife. Estudos arqueológicos realizados tipicamente pernambucana influenciada
em fins da década de 90, século XX, mos- pela arquitetura franciscana.
traram que parte da disposição do casario - A monumental portada entalhada em
do pátio integrava a chamada Cidade pedra e madeira, considerada pelo escri-
Maurícia ou “Mauritiopolis”, projetada e tor pernambucano Padre Antonio Barbo-
construída no período do governo de Mau- sa como “a mais expressiva em seu estilo
rício de Nassau (1637-1644). em toda a América do Sul”.
Conforme o Plano da Cidade Maurícia, - Elementos do barroco foram agregados
elaborado pelo arquiteto holandês Pieter harmonicamente à arte interpretada como
Post, em 1639, a expansão da ilha de An- maneirismo, estilo este aplicado excessi-
tônio Vaz (atual bairro de Santo Antônio) vamente na planta do interior dos edifíci-
abarcava o trecho considerado entre o os religiosos de Pernambuco. A forte mar-
Forte Ernesto, incluindo o Grande Aloja- ca do maneirismo na Igreja de São Pedro
mento e a fortificação de Cinco Pontas. A dos Clérigos está presente na planta ideali-
ocupação urbana seguiu a prática do ur- zada pelo arquiteto Jácome.
banismo holandês, tendo por eixo central
o sistema fortificado e a regularidade geo-
métrica, que orientou a configuração de
parte do casario do futuro Pátio de São
Pedro.
A relação da disposição do casario loca-
lizado na Rua das Águas Verdes, nas cer-
canias do Pátio, com a Cidade Maurícia é
um dos fortes atributos históricos que des-
taca o lugar como parte do acervo urba-
nístico ainda existente da antiga cidade
holandesa.
A irmandade de São Pedro dos Clérigos
financiou as obras do plano da Igreja de
São Pedro dos Clérigos, edifício elabora-
do pelo “mestre-pedreiro”, depois arqui-
teto, Manuel Ferreira Jácome em 1728. A
construção se arrastou até 1782. Segundo
Mota Menezes em “Dois monumentos do
Recife: São Pedro dos Clérigos e Nossa
Senhora da Conceição dos Militares”, tra-
ços construtivos típicos da arquitetura
pernambucana estavam alicerçados na tra-
dição construtiva de Antônio Fernandes de
Matos, com quem Jácome obteve sua for-
mação. Dentre esses traços marcantes po-
dem-se destacar:
- A desproporção da altura em relação à
largura das torres das igrejas, característi-
ca singular que permitiu à sociedade
pernambucana principalmente durante os A partir das primeiras décadas do século
séculos XVIII e XIX, utilizarem as torres XX, o Pátio de São Pedro é redescoberto por
como mirantes e pontos de orientação. intelectuais pernambucanos, destacando-se
- As torres altas e esguias em contraponto Gilberto Freyre e seu “Movimento
com a baixa altura do casario circundante Regionalista” (1926). Com a publicação do
acentuavam a verticalidade e referido autor “Guia Prático, Histórico e
monumentalidade da Igreja de São Pedro sentimental da Cidade do Recife” (1934),
dos Clérigos. foi inaugurado um novo sentido para o lu-
- O verticalismo da fachada que leva a gar, calcado nos seus atributos artísticos e
127
Anais | Congresso Abracor 2009
arquitetônicos. O Pátio de São Pedro foi Os “brasileiríssimos valores” idealizados
então, pela primeira vez, apontado como para o Pátio de São Pedro, por aquele ci-
relíquia da arte e arquitetura nacional entista social, influenciaram as iniciativas
(FREYRE, 1934).Um novo interesse vai sen- das autoridades e círculos intelectuais, cri-
do aos poucos construído pela ando uma atmosfera distante da história e
intelectualidade – a narrativa turística em tradição do lugar. A partir dos anos de
torno do pátio. 1970, o pátio passa por momento de
Em 25 de maio de 1969, Gilberto Freyre efervescência cultural, tornando-se ponto
elabora um artigo no Diário de de encontros de intelectuais e artistas;
Pernambuco que destaca o Pátio de São marcado por diversões e manifestações da
Pedro como centro cultural e de turismo. cultura regional nordestina.
As palavras do intelectual estimularam os Entretanto, na década de 1980 ocorreu o
empreendimentos de recuperação do pá- abandono daquelas atividades artísticas e
tio nas gestões dos Prefeitos Geraldo Ma- culturais, repercutindo negativamente na
galhães de Melo entre os anos de 1969- vida do pátio. No final dessa década e iní-
1970 e Augusto Lucena no período de cio dos 1990, as autoridades municipais
1971 a 1975. A idéia era transformar o elaboraram projetos de recuperação do
Pátio de São Pedro “num centro cultural, pátio. A herança do pensamento de Gilberto
além de turístico” conforme as palavras de Freyre ainda pairou sobre a execução des-
Freyre (Diário de Pernambuco, 25/06/ ses projetos culturais que relacionavam o
1969, caderno 1: 04). pátio ao atributo histórico e turístico.

3. A interpretação morfológica
O conjunto urbano e arquitetônico do Pátio as apresentam vergas retas ou em arco abati-
de São Pedro é composto pela Igreja de São do, sendo marcadas por molduras em pedra
Pedro dos Clérigos, pelo pátio e por 63 ou argamassa. Os telhados, na maior parte,
edificações, entre casas térreas e sobrados que são cobertos por telha cerâmica canal, tipo
circundam os quatro lados da igreja. calha e bica, e exibem suas cumeeiras parale-
Este conjunto está sob a proteção do Insti- las à rua, ou seja, paralelas às faces da igreja.
tuto do Patrimônio Histórico e Artístico Na- Praticamente todos os telhados encontram-se
cional (IPHAN). A igreja e o pátio estão en- parcialmente escondidos pelas platibandas que
quadrados na categoria de Conjuntos Anti- se elevam das fachadas e criam calhas para o
gos, inscritos no livro de tombo do IPHAN escoamento de águas pluviais. O desenho
sob o número 187, Livro de Belas Artes, fo- urbano do pátio de São Pedro constitui-se em
lha 33 em 20 de junho de 1938. um dos principais elementos invariantes do
Os edifícios que cercam a igreja são na local.
maioria casas térreas, registrando-se a pre- O estado de conservação (quanto à inte-
sença de três sobrados de dois pavimentos gridade física) e preservação (quanto à ca-
e doze sobrados de um pavimento. A mai- racterização) destes imóveis ilustra uniformi-
or incidência de sobrados altos está na qua- dade em certos trechos. Os edifícios que
dra frente à fachada da igreja, criando um estão localizados em torno ao Pátio de São
diálogo entre volumes de altos gabaritos. Pedro são aqueles que apresentam o melhor
Os sobrados, de uma forma geral, se desta- estado no conjunto, com exceção dos imó-
cam no conjunto pela sua altura diferenci- veis que estão sendo recuperados. As de-
ada do restante e pelo requinte de suas fa- mais edificações em torno da igreja encon-
chadas, que se apresentam como as mais tram-se razoavelmente conservadas e pre-
ornadas, com frisos, entablamentos, balcões servadas, apesar de terem sido observadas
e número superior de vãos. algumas intervenções.
As casas térreas são edifícios vernaculares Enfim, o traçado urbano e o conjunto
tradicionais de duas portas, geminadas dos edificado ainda mantém bom nível de inte-
dois lados, com fachadas em argamassa, gridade, constituindo-se em um lugar de
excetuando-se poucos edifícios que se apre- grande valor rememorativo, embora os usos
sentam revestidos por azulejos, cerâmica e tenham sido bastante modificados desde o
ladrilho. As portas e janelas das casas térre- final da década de 1960.

4. A interpretação da cultura atual


O Pátio de São Pedro tem sido palco das cessário adquirir conhecimento sobre as
mais diversas manifestações populares tra- principais manifestações culturais que
dicionais. Para realizar a interpretação da acontecem no local, como musicas e dan-
cultura atual com relação ao Pátio, foi ne- ças populares tradicionais, profanas ou
128
Anais | Congresso Abracor 2009
sagradas; arte e gastronomia; instituições que porâneo das artes visuais, organizando ex-
ali funcionam; caráter e tipos de serviços posições, performances, e trabalhando com
oferecidos. As pesquisas sobre essas expres- a formação em Artes Visuais. Cada uma
sões culturais foram realizadas em vários delas ocupa um lugar de destaque no site.
acervos da cidade, onde foi encontrada uma No final da década de 1960, um projeto
ampla produção bibliográfica e icnográfica. municipal de revitalização do Pátio estimu-
Sabe-se que, na metade do século XIX, lou a abertura de vários estabelecimentos
manifestações de caráter profano, como o que valorizavam as tradições culinárias da
carnaval, que até então estavam limitadas terra, tornando o Pátio um centro de con-
às ruas, praças e pontes da cidade, esten- vergência da intelectualidade, da poesia e
deram-se aos pátios de igrejas, como a de da boêmia. A efervescência cultural daque-
São Pedro, dando novo significado ao es- les anos veio a repetir-se em meados da
paço. Nos anos 70 do século XX, a década de 1980. O turista que, hoje, vem
municipalidade, no intuito de revitalizar ao Pátio pode contar com bares e restau-
o Pátio, promoveu diversos programas rantes, nos quais é possível desfrutar, além
culturais tornando o espaço um local de da culinária representativa da região, o es-
visitação obrigatória para os turistas que pírito boêmio que sempre reinou no local.
chegavam ao Recife. Nos anos seguintes, As pesquisas documentais realizadas
o Pátio alternou fases de marasmo com para a interpretação da cultura atual foram
fases de grande efervescência. Atualmen- complementadas por depoimentos colhi-
te, a Prefeitura do Recife nele mantém uma dos em entrevistas com pessoas que esti-
intensa agenda cultural, com eventos fi- veram ligadas ao Pátio de São Pedro por
xos, que ocorrem semanalmente, e pro- muitos anos. Pessoas que moraram, traba-
gramações especiais, durante os ciclos lharam ou frequentaram o lugar, acompa-
carnavalesco, junino e natalino. nhando suas mudanças ao longo do tem-
No Pátio de São Pedro, funcionam três po. Mais que o tempo, é o sentimento de
instituições de relevância na área da cultu- pertencer ao local que as torna, de fato,
ra: a Casa do Carnaval, o Museu de Arte “donas da casa”, os “anfitriões do Pátio”.
Moderna Aloísio Magalhães e o Centro de O registro dessas memórias afetivas com-
Formação em Artes Visuais. A primeira tra- puseram para o site um banco de dados
balha com cultura popular e as outras tra- da memória oral, importantíssimo para
balham com o desenvolvimento contem- futuras pesquisas sobre o Pátio.

5. A participação da comunidade
Paralelamente às pesquisas históricas e micas realizadas, como manifestações re-
morfológicas, foram realizadas três ofici- ligiosas, presença negra, vestígios do ur-
nas pedagógicas e decisórias, com a par- banismo holandês e da ocupação portu-
ticipação da comunidade e de autorida- guesa, riqueza artística do barroco, não
des governamentais. Nesses momentos, eram suficientemente conhecidos pela co-
os técnicos do CECI puderam analisar a munidade, que se mostrou admirada com
relação da comunidade com a história do a relevância dos valores presentes no lu-
lugar. Foi possível observar, a partir do gar em que vivem.
contato com os proprietários e locatários O lançamento oficial do produto final
de imóveis do Pátio de São Pedro, que o do projeto ocorreu na terceira e última
aspecto da história mais lembrado por oficina. A comunidade mostrou-se extre-
eles era o da história da boemia, mamente sensibilizada ao ver o seu coti-
vivenciada a partir da década de 1960. diano retratado nos vídeos e depoimentos
Temas ressaltados nas pesquisas acadê- que integram o site.

6.Estrutura do site
O site resultante do Projeto de Divul- ção é composto pelos links: Visita Virtu-
gação Turística do Pátio de São Pedro está al; Eventos Culturais; Arte e Gastronomia;
assim estruturado: na página principal do Anfitriões do Pátio; História do Lugar e
site, o internauta encontra um ambiente Saiba Mais.
virtual que remete à essência do Pátio; O site www.patiodesaopedro.ceci-
há uma faixa superior construída a partir br.org é uma peça de multimídia elegan-
do desenho das fachadas do casario e da te, convidativa aos internautas, com in-
igreja (planta do final do século XX, per- formações confiáveis e de qualidade, ten-
tencente ao acervo do IPHAN) e ouve-se do atendido aos propósitos estabelecidos
uma música barroca; o menu de navega- pelas instituições financiadoras.
129
Anais | Congresso Abracor 2009
Principais referências bibliográficas:
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130
Anais | Congresso Abracor 2009
ASTORGA, Jorge Garro
Arquiteto e urbanista, aluno mestrando em urbanismo no PROURB
FAU UFRJ. Bolsista FAPERJ DT1 (2006 - 2007), Centro de
Memória e Informação. Plano de Conservação Preventiva do
Museu-Casa de Rui Barbosa – Coordenação do Projeto: Claudia
S. Rodrigues de Carvalho, Arquiteta Dsc. Núcleo de
Preservação Arquitetônica da Fundação Casa de Rui Barbosa

CONSERVAÇÃO PREVENTIVA DAS


COBERTURAS DO MUSEU-CASA DE RUI
BARBOSA, RIO DE JANEIRO

Seguindo o Plano de Conservação Preventiva do Museu de Rui Barbosa, o trabalho trata


de uma metodologia de inspeção, nomenclatura e diagnóstico para a montagem de roti-
nas de manutenção e conservação das coberturas visando manter a última grande inter-
venção de restauro que o museu sofreu, evitando outra grande intervenção. Na conserva-
ção estão as Ações Preventivas – inspeção, Ações de Manutenção - pequenos reparos e as
Ações de Reparo - correção de inconformidades de maior porte.
Mas este não é o aspecto mais importante, não é o manual de conservação, mas sim, o
entendimento que os membros da instituição passam a ter sobre preservar, que vão evitar
uma grande intervenção.

Palavras-chave:
CONSERVAÇÃO - PREVENÇÃO - COBERTURA - MUSEU

This paper focuses the “Plano de Conservação Preventiva do Museu de Rui Barbosa”,
his inspection, nomenclature and diagnosis methodology for the mounting of the roof
maintenance and conservation routine, in order to maintain the last great restauration of
the museum and trying to avoid another expressive intervention.
Among “conservation” we can find the preventive actions, like inspection, maintenance
actions, small repairs and the repair actions, like rectificating great lacks of conformity.
The conservation guide is not the most important aspect, but the understanding by the
associates of the institution who will become aware about how important is to preserve
and that they are helping to avoid a great intervention.

Sob o Plano de Conservação Preventiva títulos, em 37 mil volumes. São livros so-
do Museu Casa de Rui Barbosa [1], trata- bre os mais variados ramos do conhecimen-
mos dos elementos de madeira do Museu. to, destacando-se as obras jurídicas - pode-
A casa foi adquirida em 1893 por Rui ria se dizer que ele possuía as legislações
Barbosa, o grande jurista e orador Brasilei- de todos os países”. [4]
ro, que se consagrou na Conferência de “Conservar es intentar substraer algo, de
Haya. Na casa permaneceu até 1923, ano los efectos reales del tiempo, es decir, es
de sua morte. A construção é em estilo luchar contra el tiempo. La conservación es
neoclássico e foi concluída em 1850, com entonces, una manifestación de nuestra
influência da missão francesa no Brasil, relación con el pasado, ya sea como
onde praticamente se recriou o Neoclássico, representación y materialización del pasado,
com mestres como Grandjean de Montigny en el presente y para el futuro. Por lo tanto,
[2] e discípulos, um deles José Maria la noción del tiempo está siempre implíci-
Jacintho Rebello [3]. Em 1930 se inaugu- ta en nuestra práctica de conservación.
rou como o primeiro museu brasileiro des- Conservamos un pasado que cumple unas
te gênero, Museu Casa, com a finalidade determinadas funciones en el presente, y que
de abrigar seus bens pessoais e a sua biblio- debemos transmitir íntegramente a las
teca. generaciones futuras.
“A biblioteca que Rui Barbosa organizou La conservación de los bienes culturales,
ao longo de sua vida, que foi adquirida pelo suele distinguir, con matices particulares,
governo brasileiro em 1924, reúne 23 mil las áreas o estadios generales de la

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Anais | Congresso Abracor 2009
preservación: la conservación y la A cobertura é uma das partes mais im-
restauración, ambos correspondientes a un portantes, ela pode ser considerada a redoma
solo proceso, es decir, el museológico y de vidro que guarda uma outra casca e seu
patrimonial. conteúdo, se ela se rompe coloca em risco
La preservación, referida a las condiciones o conteúdo. Assim, no museu teríamos da-
favorables del ambiente físico y material en nos na arquitetura e no acervo.
que deben encontrarse las colecciones, se “También hay que comentar, que en esta
identificaba ya de hecho con la conservación vida, todo precisa de un mantenimiento para
preventiva, y se diferenciaba de la conservar el bien de cualquier naturaleza,
restauración o proceso interventivo, de lo pero lo que está comprobado es que las
que es la propia conservación patrimonial propiedades de los edificios no se acuerdan
o museológica. “ [5] de que existe una cubierta hasta que “Santa
Esta pesquisa tratou dos elementos de Bárbara truena”, es decir, al recibir las de-
madeira do Museu, coberturas, forros e pi- nuncias de los moradores de la última plan-
sos. Inicialmente se fez um reconhecimen- ta, ante el fenómeno de que llueve dentro
to do edifício e de seus bens móveis em de sus casas.
conjunto com restauradores (de papel e te- Estos problemas o molestias se pueden
cidos) e se ouviu a direção do museu e os paliar efectuando unas inspecciones perió-
técnicos da manutenção e equipe de lim- dicas a la cubierta del edificio y no agotar o
peza. Desta forma com o uso de fichas para alargar las garantías de las empresas
cada cômodo, surgiu a primeira apreensão instaladoras del material
do edifício e seu acervo. impermeabilizante, y avisar al técnico re-
Comprovaram-se relações entre as pato- parador en el momento de tener cualquier
logias que afetam a arquitetura que geram tipo de filtración de agua de lluvia proce-
consequências sobre os bens móveis. São dente de la cubierta y que en muchos ca-
infiltrações descendentes e ascendentes, sos, estas filtraciones son originadas por el
desníveis nos pisos, a ação do microclima mal uso de la misma.”[6]
e problemas com as instalações prediais. As estruturas das coberturas do século XIX
Na época da pesquisa se estava implantan- utilizam-se da tesoura, em forma de triân-
do o sistema de controle ambiental no edi- gulo, têm a hipotenusa como linha, os
fício, nas áreas onde estão os móveis com catetos como pernas, ao centro o pendural
os livros, estantes. Trata-se de um controle com escoras ou asnas e entre as tesouras as
de humidade e temperatura de modo a man- terças (cumeeira, terças e frechal). Sobre as
ter uma média constante entre as oscilações terças os caibros e sobre estes as ripas onde
que foram observadas durante um se apoiam as telhas cerâmicas do tipo fran-
monitoramento prévio. cesas. O telhado do sobrado tem 90m2 com
O museu tem forma poligonal com a par- 4 tesouras e a parte baixa em H tem 665m2
te principal em forma de H e uma outra em com 30 tesouras.
forma de L. A primeira parte parece ser a Com este trabalho se preparou uma nova
mais antiga e tem um nível térreo, subsolo nomenclatura, colocando siglas (letras) para
(espécie de cave, que teve seu piso rebaixa- os elementos e números para as quantida-
do) e um segundo nível, em sobrado. Já a des, tornando assim, mais fácil a identifi-
parte em L está no nível do solo. cação quando necessário tanto para a dire-

Planta da cobertura com a nomenclatura e a indicação de danos.

ção do Museu como para a manutenção. nos sobre os telhados estão relacionados
Com este material e visitas se preparou diretamente aos danos internos e no entre
um diagnóstico do estado de conservação forro. É comum onde há algum tipo de re-
dos elementos que compõem as cobertu- paro improvisado, que ocorram reflexos di-
ras, gerando uma planilha com o estado dos retos na parte externa, deformações e danos
elementos de cada telhado. Os danos exter- internos. Algumas calhas estão com proble-

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Resumo do estado de conservação das coberturas

mas de trasbordo e desníveis inadequados. neiras. Estas ações são serviços básicos que
Com este diagnóstico se prepararam as contemplam pequenos reparos.
propostas de intervenção, recomendações e Ações de Reparo - As ações de reparos
as ações para a Manutenção Conservativa, são um conjunto de serviços necessários para
que atendem às orientações do Plano de a correção de diversas inconformidades en-
Conservação Preventiva. contradas durante a preparação do Projeto
Disto surge o plano de propostas para as de Conservação Preventiva. São intervenções
coberturas do Museu Casa de Rui Barbosa, maiores e mais abrangentes. É uma diretriz
que são medidas a curto (medidas do Plano, manter a conformação deixada
emergenciais e de curto prazo), médio e pela última grande obra, realizada nos anos
longo prazos. A Manutenção Conservativa 90 .
visa proporcionar um meio fácil de fazer uma Mas estes não são os aspectos mais im-
inspeção periódica, rotineira, permitindo portantes, não são o manual de conservação
avaliar o avanço da deterioração e executar e o caderno de recomendações, mas sim, o
as medidas necessárias para que estas mes- entendimento que os membros da institui-
mas possam ser minimizadas ou até ção e usuários do Museu passam a ter sobre
estancadas. Todas as intervenções devem ser a importância de cada vez mais se preservar,
com materiais contemporâneos e ter solu- que vão evitar a grande intervenção.
ções reversíveis, não alterando a parte estéti- “Restauración de un objeto implica la
ca do edifício e sem criar um falso histórico. realización de elecciones subjetivas: qué con-
Na implantação temos três módulos: servar en el caso de la conservación, y qué y
Ações Preventivas - Serviços basicamente cómo restaurar en el caso de la restauración.
de inspeção e preparação de relatórios para Cada elección que se realiza determina en
que se tenha um registro dos acontecimen- buena medida qué objetos formarán el
tos nas coberturas que servirão de base para patrimonio que llegará a las generaciones fu-
a tomada de decisão. turas, y en qué estado llegarán -aunque ese
Ações de Manutenção - As ações de ma- estado puede no ser el adecuado... Similar-
nutenção são referentes às não conformida- mente, el aprecio contemporáneo por pintu-
des encontradas nas ações de inspeção roti- ras con una superficie homogénea y satinada,

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o por fachadas con tonos vívidos y aspecto de también los usuarios futuros. Como se afir-
recién pintadas, puede evolucionar en otros ma en la Carta de Cracovia, cualquier
sentidos. Cuando esto ocurra, las acciones de intervención de Restauración implica
Restauración que se practican en la actualidad decisiones, selecciones y responsabilidades
podrían condicionar las posibilidades de relacionadas con todo el patrimonio, incluso
adaptación de los objetos a nuevos gustos y con aquellas partes que aunque no tienen un
necesidades; los usuarios de los objetos no significado específico en la actualidad, pueden
son tan sólo los usuarios presentes, sino tenerlo en el futuro.”[7]

Conclusões
A restauração da arquitetura é, na maio- onde um determinado grupo ou seu agente
ria das vezes, pensada apenas em seu aspecto representante decidem o que se deve preser-
técnico, buscam-se fórmulas que possam re- var para as novas gerações.
cuperar ou retardar processos de deterioração O monumento recebe do homem uma ação
dos sistemas e materiais construtivos. Não há cíclica de resignificação. Croqui de Jorge
uma atenção especial para seu interior e, em Astorga.
muitos casos, nem para questões históricas “Tratar a matéria é algo difícil, mas se trata
ou sociais. As indagações por quê? e para quê? de um problema exclusivamente técnico. Por
nem sempre fazem parte das temáticas de uma outro lado, transmitir uma mensagem é um
intervenção. problema cultural de outra amplitude, e as-
Esta investigação junto ao Plano de Con- sim, a aproximação varia de acordo com o
servação Preventiva do Museu Casa de Rui fundo cultural de cada país, época, ou forma-
Barbosa, coloca a restauração arquitetônica e ção.
artística lado a lado, seguindo as orientações Um bem cultural carrega ao mesmo tempo
da conservação preventiva para a salvaguarda a sua história e a sua estética e sua restaura-
do patrimônio, incluindo a ção não é nem um simples reparo de rotina
interdisciplinaridade e criando uma nova nem uma renovação: trata-se de um ato críti-
temática ao redor da restauração. Não há ago- co, resultado de um compromisso entre o ri-
ra uma pressão apenas pela intervenção, mas gor histórico sem nada acrescentar de “novo”
sim, por uma ampla discussão sobre a toma- e a exigência estética que incide sobre todas
da de decisões preventivas para preservar este as traições do tempo, danos e acidentes que
monumento histórico. perturbaram a sua leitura.
A salvaguarda do nosso patrimônio O gosto romântico da “ruína” fez aceitar a
construído e natural é sem dúvida o objetivo destruição irremediável das obras do passa-
principal das ações da preservação para as fu- do: apagar a passagem do tempo, renovar, fazer
turas gerações. Mas, estas ações nos trazem crer que a obra saiu aqui do atelier de um
as preocupações com a manutenção, a con- artista, é um “falso histórico”. [9]
solidação e a restauração. Desde ali surgem A conservação preventiva pode parecer uma
estudos mais aprofundados sobre os materi- expressão incoerente visto que a restauração
ais e de seus processos de deterioro. do patrimônio se dedica a retardar os proces-
“Grande parte do conhecimento que adqui- sos de deterioração dos monumentos, o que
rimos sobre a cultura humana no passado se na realidade pode ser interpretado como uma
baseia em evidências materiais que resistiram ação preventiva. A própria salvaguarda do
a diversos processos de deterioração: o ambi- patrimônio é preventiva, já que não existe um
ente construído ou os seus vestígios, os obje- estado do monumento em que o mesmo se
tos históricos e as obras de arte. Assim é que conserve como em um frigorífico. Mas os graus
grande parte dos esforços para a preservação de ação destas intervenções de restauro são os
de um bem cultural se concentra em ações que podem definir melhor a conservação pre-
focadas nos processos de deterioração dos ventiva que pode ser utilizada na arquitetura
materiais, seja para tratar seus efeitos seja para de monumentos. Uma ação mais incisiva e
identificar e mitigar suas causas”[8] em curto prazo é claramente uma interven-
A eleição de proteger determinado monu- ção de restauração e uma ação com determi-
mento depende dos valores históricos e cul- nada periodicidade e, em menor escala, com
turais de cada sociedade e de cada época. Es- ações localizadas será a conservação preven-
tes fatores nos levam a um determinado bem, tiva. Esta última tenta de todo modo evitar
e isto pode ser um ato coletivo ou unilateral, que a restauração, assim como a grande inter-

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venção, aconteça. tre distintos especialistas y así lograr un
“…Por lo tanto, para realizar una buena verdadero trabajo de equipo.”[10]
conservación preventiva será imprescindible Tanto no Brasil como nos países da Améri-
elaborar un programa previo de actuación, ca Latina, que possuem realidades econômi-
adaptado a los lugares y a las colecciones a cas e sociais muito similares, cabem bem os
proteger. Las acciones urgentes y a la desespe- termos prevenção e planejamento para evitar
rada suponen, en la mayoría de los casos, una as grandes intervenções, que em muitos casos
solución tardía que se aplica ya sobre los daños são danosas, e na sua maioria são muito mais
que la acción preventiva pretendía evitar. caras.
Actuar sobre las causas cuando los efectos o “Umas poucas folhas de chumbo, postas a
la enfermedad ya han afectado a los objetos tempo sobre o telhado, umas poucas folhas
sería tener una concepción muy terapéutica. mortas e gravetos varridos a tempo salvarão
En general podemos decir, que la tanto o telhado como as paredes da ruína.
conservación preventiva, poco a poco, se ha Olhe para o velho edifício com um cuidado
creado un espacio y una identidad en el mun- ansioso, guarde-o o melhor que você puder e
do de la protección del patrimonio, y ha ido a qualquer custo de qualquer influência de
englobando aspectos cada vez más variados. dilapidação. Conte as suas pedras como se você
Por ello, su aplicación práctica supone una contasse as jóias de uma coroa, coloque guar-
tarea multidisciplinar en la que, lejos de todo das em torno dele como você colocaria para
dogmatismo, toda acción debe ir precedida guardar uma cidade sitiada, grampeie com fer-
de un exhaustivo análisis, registro de datos y ro onde estiver cedendo, sustente com escoras
control continuado de los sucesivos resulta- onde estiver caindo, não se importe sobre a
dos, ya que cada intervención es un caso úni- invisibilidade da ajuda: melhor uma muleta
co y diferente. Por tanto, es imposible asignar do que um membro perdido, e faça isto terna-
esta tarea a un solo responsable o especialis- mente e reverentemente e continuadamente e
ta. Más bien es necesario buscar la muitas das gerações ainda por vir e para passar
coordinación y articulación de las tareas en- desfrutarão da sua sombra.”[11]

Referências
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depois foi Academia das Artes, o Solar de Grandjean, entre outros.
[3] Arquiteto brasileiro discípulo de Grandjean, projetou a Casa do Barão de Itamaraty.
[4] http://www.casaruibarbosa.gov.br/template_01/default.asp?VID_Secao=108
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[6] Restauración y Rehabilitación de Edificios, José Coscollano Rodríguez, Thomson Paraninfo, España 2003.
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Astorga Garro)
[10] MILAGROS, Vaillant Callol- Uma Mirada Hacia La Conservación Preventiva De Patrimônio.
[11] John Ruskin - The Seven Lamps of Architecture - 1880 (Tradução - Yamila Astorga Garro)

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Anais | Congresso Abracor 2009
Artes Visuais

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138
Anais | Congresso Abracor 2009
BACHETTINI, Andréa Lacerda.
Mestre em História. Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis.
Especialista em Patrimônio Cultural - Conservação de Artefatos. Bacharel em Pintura e Gravura.
Cons. e Rest. de Bens Culturais Móveis da Restauratus.

CORRÊA, Naida Maria Vieira.


Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis. Licenciada em Desenho
e Plástica. Cons. e Rest. do Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente da ACOR-
RS. Conservadora e Restauradora de Bens Culturais Móveis da Restauratus

1
MARCONDES,1998.

CONSERVAÇÃO DO SUPORTE 2
CALVO, 197.

LYCRA NA OBRA DE ALEX FLEMMING 4

5
NICOLAUS, 343.
Solução não aquosa
impregna o papel com
produtos que neutralizam
os ácidos existentes, não
deforma o papel, previne a
Este trabalho tem por objetivo apresentar o processo de restauração de duas obras do oxidação, não apresenta
nenhum efeito sobre as
artista contemporâneo Alex Flemming, dois “Torsos Masculinos”, de 1983, executados tintas o papel.
na técnica de serigrafia. O artista utilizou tinta acrílica para impressão sobre o suporte
lycra sintética, que foram colados em algodão e em pôsteres de eucatex.

This paper presents the restoration of two silkscreens from contemporary artist Alex
Flemming, both named “Torso Masculino” and dated 1983. The artist printed with acrylic
on lycra, wich was pasted on cotton and then in eucatex posters.

Palavras-chave:
Lycra, Serigrafia, Arte Contemporânea. Conservação e Restauro.

Introdução
Este trabalho trata da restauração de duas ternacionais de São Paulo. Em 2001-2002, fo-
obras do artista contemporâneo Alex tografou corpos esbeltos, sobre estas imagens,
Flemming. Nascido em São Paulo, em 1954, foram desenhados mapas de áreas de conflitos
Flemming surgiu no meio artístico nos anos e de guerras. Atualmente, mora em Berlim,
70, e trabalhando com gravuras sobre o coti- mas viaja com frequência ao Brasil.
diano e contestação sociopolítica, dedicou As obras aqui apresentadas são dois torsos
toda a sua pesquisa a conflitos sociais e pai- masculinos, de 1983, executado na técnica de
xões humanas. A partir de 1981, começou a serigrafia, quando o artista utilizou tinta acrílica
pintar intensamente, nos anos 90, realizou sobre suporte lycra sintética, que foram cola-
uma série de pinturas biográficas que utiliza- dos em algodão e pôsteres de eucatex. As obras
vam como suporte suas próprias roupas. Pos- medem 79 x 99,2cm, mas cada obra é com-
teriormente passou a recolher e pintar cadei- posta por quatro módulos que medem 39,5X
ras, poltronas e sofás usados, nos quais apli- 9,6cm aparafusados uns aos outros.
cava letras, que formavam textos de notícias O trabalho de restauro destas duas obras que
de jornais. têm como suporte a lycra foi um desafio, devi-
Também atuou como professor da do ao estado de conservação em que as obras
Kunstakademie de Oslo. Expôs no Brasil e ex- se apresentavam: muito fragilizadas, com per-
terior, participou de Panoramas de Arte Atual da da coloração e elasticidade e infestadas por
Brasileira, no MAM/SP e diversas Bienais In- ataque de insetos xilófagos.

Metodologia
A metodologia para este trabalho de res- gráfica; diagnóstico do estado de conser-
tauração consistiu-se no levantamento bi- vação das obras; entrevista com o artista
bliográfico visando à fundamentação teó- sobre a técnica de execução dos Torsos
rica; estudo da técnica de execução das Masculinos; elaboração de uma proposta
obras através de exames organolépticos e de tratamento intervenção; tratamento de
com luzes especiais e documentação foto- restauro; elaboração do relatório.

Técnica e Suporte Utilizados por Alex Flemming


Para confecção dos dois “Torsos Masculi- tela para cada cor1. Está técnica admite uma
nos”, Alex utilizou a técnica de serigrafia, téc- grande variedade de tintas e suportes, podem
nica de reprodução de uma gravura em que a ser utilizados tecidos sintéticos2. O material
matriz é uma tela de náilon que filtra a tinta escolhido para o suporte pelo artista foi o te-
nos locais da imagem e as outras partes ficam cido sintética Lycra. A Lycra é marca registra-
isoladas com uma cola, sendo necessário uma da que identifica uma fibra sintética de gran-
139
Anais | Congresso Abracor 2009
3
http://pt.wikipedia.org/wiki/
Lycra
de elasticidade conhecida tecnicamente como acumulam eletricidade estática4.
4
http://www.fazfacil.com.br/ Elastano ou Spandex3. As fibras sintéticas (po- Segundo informação do próprio artista im-
manutencao/
vestuario_lavar_sintetico.html
liéster, nylon, acrílico, elastano) têm origem pressão foi feita com tinta acrílica para
5
Está cola é uma mistura no carvão ou no petróleo. São muito resisten- serigrafia. O tecido sintético após impresso
de adesivo PVA neutro
Lineco com cola de
tes ao uso e enrugam pouco, mas não devem foi colocado com PVA em um tecido de al-
Metilcelulose. Primeira- ser submetidas a altas temperaturas de lava- godão com a intenção de deixar a lycra mais
mente prepara-se a
Metilcelulose: 40gr de
gem ou de ferro. Devem ser passadas pelo rígida. Depois estes tecidos foram colados nos
metil + 1.000 ml de H2O lado avesso, com ferro sem vapor. Por vezes, módulos de eucatex.
deionizada, bater em
batedeira e deixar
descansar por 24horas. Estado de Conservação das Obras
Depois acrescenta-se o
250ml de PVA neutro O estado de conservação das obras era xação dos tecidos ao suporte rígido em
sempre batendo até
conseguir uma mistura
péssimo, com sujidades generalizadas, eucatex estavam completamente oxidados.
homogênea, colocar esta excrementos de insetos, fungos e manchas, A lycra havia perdido muita coloração e
mistura em um recipiente
grande de boca larga e
bolhas e mossas. Os painéis de eucatex es- elasticidade. Já o tecido de algodão estava
com tampa de rosca, tavam muito infestados por insetos muito amarelecido devido ao alto grau de
mantendo sempre vedado
após o uso e sob
xilófagos, que chegaram a fazer perfurações acidez e ainda apresentando áreas de apo-
refrigeração. nos tecidos. Os grampos que faziam a fi- drecimento.
6
Adesivo Lineco PVA
neutro.
Tratamento de Restauro
A proposta de intervenção teve como crité- algodão, onde se utilizou banhos de água
rio fazer um trabalho de estabilização do pro- deionizada previamente aquecida para facili-
cesso de degradação das obras. Optou-se pela tar o desprendimento do adesivo.
eliminação dos suportes rígidos que estavam A quarta etapa foi a secagem e planificação
seriamente comprometidos devido ao ataque da lycra, realizadas com papel mata-borrão
de insetos xilófagos. A conservação dos su- sobre as faces da obra e sobre estes foram co-
portes lycra foi criteriosa, já que estes haviam locados placas de vidro e pesos.
perdido a elasticidade. A quinta etapa realização da velinação do
O tratamento de restauro foi executado em suporte lycra com papel japonês e cola neu-
várias etapas: Em primeiro, as obras foram tra5, com a intenção de estabilizar a movi-
higienizadas com Wishab pó e pincel e sepa- mentação do tecido que já havia perdido sua
rados os módulos. Foi realizado o característica de elasticidade, evitando assim
mapeamento dos módulos, para facilitar a a deformação da impressão.
remontagem após o restauro. Em sexto foram confeccionados novos pai-
Em segundo, como a proposta de interven- néis em MDF revestidos de fórmica branca,
ção previa a eliminação do suporte rígido, fo- que foram forrados com não-tecido e feitos
ram analisadas e testadas várias técnicas até a isolamento com papel de pH neutro entre o
tomada de decisão de como realizar o painel e o Non Wovem.
descolamento dos tecidos dos painéis de Posteriormente foram feitos os enxertos dos
eucatex. Primeiramente, foram removidos furos e perdas da lycra, estes foram preenchi-
grampos oxidados e descoladas a bordas, com dos com pasta confeccionada com própria
ajuda de umidade e bisturi. Após lycra e cola de PVA neutra6.
descolamento do tecido de algodão do pai- O suporte lycra foi estirado no novo painel
nel, observou-se que o tecido estava muito que já estava revestido com papel pH neutro
fragilizado em processo de deterioração, e foi e o Non Wovem e fixado com grampos.
decidido eliminá-lo. Na última etapa os módulos foram fixados
Em terceiro, foi realizada a limpeza e uns os outros seguindo o mapeamento e as
descolamento do suporte lycra do tecido de perfurações anteriores.

Figura 1: “Torso Masculino” nº1 Figura 2: “Torso Masculino” nº2

140
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 3: A imagem mostra parafusos oxidados e excrementos de insetos. Figura 9: Descolamento dos tecidos em banho de água deionizada.

Figura 4: A imagem os grampos oxidados. Figura 10: Descolamento do tecido de algodão da lycra água deionizada.

Figura 5: Higienização com Wishab pó Figura 11: Velinação do suporte lycra com papel japonês e cola neu-
tra.

Figura 6: Desmontagem dos módulos Figura 12: Tecido de lycra velinado.

Figura 7: Limpeza com pincel. Figura 13: Novos suportes rígidos revestidos de fórmica.

Figura 8: Descolamento das bordas. Figura 14: Cada módulo foi revestido com folha de papel de pH neutro.
141
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 15: Depois do papel foi colocado o Non Wovem. Figura 18: Montagem da obra.

Figura 16: O módulo rígido foi colocado sobre o tecido de lycra velinado. Figura 19: “Torso Masculino” nº 1 após o tratamento.

Figura 17: Módulo já com o tecido de lycra. Figura 20: Verso da obra Torso Masculino nº 1.

Conclusão
Alex Flemmig é considerado um dos gran- neste momento é que se passou a conhecer
des artistas de sua geração, portanto a preser- melhor as partes que constituíam as obras.
vação de sua obra é de grande importância A etapa de descolamento dos suportes de
para história de arte, ainda mais para arte con- tecidos dos suportes rígidos foi trabalhosa, mas
temporânea. não apresentou complicações.
A restauração dos dois “Torsos Masculinos” Um momento importante deste trata-
se fez necessária devido à fragilidade em que mento foi velinação do suporte lycra em
as obras encontravam-se, o trabalho mostrou- papel japonês, para manter a impressão
se interessante não só pelos problemas estru- sem deformações. Com esta técnica con-
turais que apresentava, mas também pelo tipo seguiu-se um resultado satisfatório, con-
de suporte que o artista trabalhou. A lycra é segui-se dar uma estabilidade ao suporte
um material relativamente novo, e é quase lycra.
nula a bibliografia sobre a conservação e res- A última etapa deste tratamento foi a mon-
tauração deste tipo de suporte. tagem dos módulos que seguiram o
O processo de restauração constituiu basi- mapeamento realizado anteriormente.
camente em nove etapas. Dando continuidade ao trabalho ainda fo-
Foi realizado o tratamento inicial, que cons- ram realizados: levantamento, registro e ava-
tituiu da limpeza superficial e da liação do estado de conservação dos dois
desmontagem das obras. Estes foram procedi- “Torsos Masculinos”; entrevista com o artista
mentos simples, mas de grande importância, Alex Femming realizado por e-mail.

Bibliografia
BARBOSA, Ana Mae. Alex Flemming. Coleção Artista Brasileiro. São Paulo; EDUSP e Imprensa Oficial, 2004.
CALVO, Ana. Conservación y restauración Materiles, técnicas y propriedades de la A a da Z. Barcelona: Ediciones del Serbal, 1997.
CANTON, kátia. Alex Flemming, uma poética. São Paulo: Metalivros 2002.
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Flemming, Alex (flemming13@aol.com). De Berlin para POA. E-mail to Andréa Bachettini (bachetta@terra.com.br). 31 março de 2008.18:28.
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Processos Técnicos, 1997.
http://brasiliavirtual.info/tudo-sobre/alex-flemming/
http://www.alexflemming.com
142
Anais | Congresso Abracor 2009
BACHETTINI, Andréa Lacerda.
Mestre em História. Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis.
Especialista em Patrimônio Cultural - Conservação de Artefatos. Bacharel em Pintura e
Gravura. Cons. e Rest. de Bens Culturais Móveis da Restauratus.us.com.br

CORRÊA, Naida Maria Vieira.


Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis. Licenciada em
Desenho e Plástica. Cons e Rest. do Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente
da ACOR-RS. Conservadora e Restauradora de Bens Culturais Móveis da Restauratus

RESTAURAÇÃO DAS OBRAS DE IBERÊ


1
CATTANI, 2004.

CAMARGO PARA EXPOSIÇÃO PINTURA PURA

Este trabalho trata da preparação de 10 obras de Iberê Camargo para exposição Pintura
Pura, realizada na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. A exposição teve curadoria
da Prof. Dra. Icleia Borsa Cattani da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As obras
restauradas apresentavam sujidades generalizadas, fungos, craquelês, desprendimento da
camada pictórica e oxidações.

This paper regards the preparation of ten Iberê Camargo´s paintings to Pintura Pura
exposition, hosted by Iberê Camargo Foundation, in Porto Alegre. The show was curated
by Dr. Icleia Borsa Cattani, from Rio Grande do Sul Federal University. The pieces were
widely soiled, had fungus, crackles, paint film cleavage and oxidations.

Palavras-chave:
Iberê Camargo, Pintura, Arte Brasileira, Conservação /Restauração.

Introdução
Este trabalho trata da preparação de 10 social. O pintor referia-se à sua luta diária
obras de Iberê Camargo para exposição Pin- na arena, o ateliê, e às armas que usava, os
tura Pura, realizada na Fundação Iberê pincéis e as tintas. A criação provocou
Camargo, em Porto Alegre. A exposição nele, seguidamente, angústia e insatisfa-
teve curadoria da Prof. Dra. Icleia Borsa ção com o resultado obtido. Pintar era uma
Cattani da Universidade Federal do Rio missão”.1
Grande do Sul. Segundo a curadora, “Iberê Os suportes das obras selecionadas são di-
Camargo mergulhou fundo, mais profun- ferentes, incluindo tela, madeira e papel, que
damente do que a maioria dos artistas, nas receberam camadas espessas de óleo, uma
questões da pintura. Isso foi o que marcou característica do trabalho do artista. Quanto
sua obra ao longo de intensa trajetória: no ao estado de conservação as pinturas apresen-
aprendizado e na maturidade artística, a tavam sujidades generalizadas, fungos,
entrega, a exigência, os questionamentos, craquelês, desprendimento da camada pictó-
a urgência foram os mesmos, independen- rica e oxidações O processo de restauração
temente do seu nível de conhecimento e foi intenso, de dedicação exclusiva, e teve a
de experiência e do seu reconhecimento duração de um mês.

Obras Selecionadas para Exposição


A Curadora procurou destacar poucas 1981, Óleo s/ madeira, 27,5x37cm; 5) Com-
obras para facilitar a observação mais de- posição,1982, Óleo s/ madeira, 30x40cm; 6)
morada de cada tela durante a exposição. Contraste,1982, Óleo s/ madeira, 25x34,5; 7)
Para isso ela pinçou as seguintes obras do Carretéis com figura, 1984, Óleo s/ tela,
acervo da Fundação: 1) Figura II, 1964, Óleo 55x110cm; 8)Tudo te é falso 1992, Óleo s/
s/ tela, 113x93cm; 2) Desdobramentos II,1972, tela, 200x250cm; 9) S/ título, S/ data, Óleo s/
Óleo s/ tela 93x132cm; 3) Carretel azul,1981, papel, 32x47,2cm; 10) S/ título, S/ data,
Óleo s/ madeira, 25x35cm; 4) Caixa D’água, Óleo s/ papel, 39,5x57,3cm.
143
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 01 – Obra: Figura II. Figura 02 – Obra: Desdobramentos II.

Figura 03 - Obra: Carretel Azul. Figura 04 – Obra: Caixa D’água.

Figura 5 – Obra: Composição Figura 6 – Obra: Contraste.

Figura 7 – Obra: Carretéis com Figura. Figura 8 – Obra: Tudo Te é Falso e Inútil.

Estado de Conservação
Quanto ao estado de conservação das obras A obra Desdobramento II apresentava
a grande maioria apresentava sujidades gene- excrementos de insetos e problemas de despren-
ralizadas, fungos, craquelês, desprendimento dimento da camada pictórica, nas cores pretas,
da camada pictórica e oxidações. principalmente na região da assinatura. Algu-
A obra Figura II tinha em toda sua superfície mas áreas da camada pictórica, nas cores ama-
uma opacidade que não permitia a visualização relo e ocre, apresentavam esbranquiçamento,
de cores nas pinceladas do artista, a pintura ainda na parte inferior central.
mesmo tendo um tom monocromático apre- As obras Carretel Azul e Caixa D’água apre-
sentava cores muito sutis nas pincelas, que fi- sentavam sujidades, fungos e perdas da
cavam imperceptíveis com esta opacidade, ain- policromia nas bordas da pintura.
da havia grandes craquelês que formavam Já as obras Composição e Contraste apre-
144 fissuras na região central da pintura. sentavam sujidades, fungos, desprendimento
Anais | Congresso Abracor 2009
2
São ceras semi-sintéticas
obtidas de derivados de
petróleo, não produzem
amarelamento, são neutras
e se fundem a 65°.
3
Essência de Terebentina
e Álcool Etílico (50:50). “A
Essência de Terebentina é
o termo vulgar para a
designação de resinas
(líquidas, semi-líquidas ou
glutinosas) que são
extraídas do terebinto e de
outras plantas coníferas e
terebintáceas. É feito de
extratos vegetais, um
líquido obtido por
destilação da resina de
pinheiros, sendo usado na
Figura 9 – Obra: S/ título. Figura 10 – Obra: S/ título. mistura de tintas, vernizes
e polidores. A fórmula é:
C10H16 (aprox.)” In: http://
da camada pictórica nas áreas de azul e preto As duas obras sobre papel apresentavam www.quinari.com.br/loja/
index.php?page=shop.
e perdas da policromia. uma camada espessa de fungos, manchas ao product_details&fly
page=shop.flypage&
A obra Carretéis com Figura apresentava redor da camada pictórica da migração do product_id=151&category_id=
somente sujidades e fungos. óleo para o papel. A obra em papel com 19&manufacturer_id
=0&option=
A obra Tudo Te é Falso e Inútil apresentava carretéis apresentava fitas adesivas e rasgos com_virtuemart&Itemid
=44&vmcchk=1
sujidades, fungos e áreas com esbranqui- nas bordas, um deles colado com papel ja- 4
NICOLAUS, 343.
çamento da camada pictórica. ponês.
5
Solução não aquosa
impregna o papel com
produtos que neutralizam
os ácidos existentes, não
to já descrito acima. As áreas com deforma o papel, previne a
oxidação, não apresenta
esbranquiçamento foram tratadas com mis- nenhum efeito sobre as
tura resina3 e álcool, fazendo uma regenera- tintas o papel.

ção da camada pictórica4. 6


Está cola é uma mistura
de adesivo PVA neutro
A obra Carretel Azul foi higienizada com pin- Lineco com cola de Metil
celulose. Primeiramente
cel macio, a limpeza foi realizada com enzimas prepara-se a Metil
naturais e houve a fixação da cor preta da cama- celulose: 40gr de metil +
1.000 ml de H2O
da pictórica em três pontos com cera deionizada, bater em
batedeira e deixar
microcristalina, nas bordas oi feita reintegração descansar por 24horas.
Depois se acrescenta os
cromática com pigmento verniz da Maimeri. 250ml de PVA neutro
Figura 11 – Detalhe da obra Desdobramento II onde se observa A obra Caixa D’água foi higienizada com sempre batendo até
a assinatura com perda da camada pictórica. conseguir uma mistura
pincel macio, o verso da obra foi higienizado homogênea, colocar esta
Tratamento Executado mistura em um recipiente
com pó de borracha e pincel. A fixação da grande de boca larga e
com tampa de rosca,
Primeiramente todas as obras passaram por um camada pictórica foi com cera microcristalina mantendo sempre vedado
processo de desinfestação em câmara de vidro e utilizando o mesmo procedimento já des- após o uso e sob
refrigeração.
alvenaria hermeticamente fechada, utilizando crito acima. A obturação da perda da cama-
solução de Timol em Álcool, por cinco dias. Após da pictórica do canto inferior esquerdo foi
este período e antes da abertura da câmara foi realizada com gesso e cola e reintegrada com
ligado o exaustor para retirar o excesso do produ- pigmento verniz da marca Maimeri.
to. Sempre com equipamentos de segurança pes- As obras Composição e Contraste tiveram a
soal, máscara contra gases e luvas. higienização com enzimas naturais e pincel
A obra Figura II foi higienizada pelo verso tanto no verso como pela frente, a camada pic-
com auxílio do pincel e aspirador de pó, a tórica foi fixada com cera microcristalina com
limpeza da camada pictórica que apresenta- calor e pressão. A obturação com gesso e rein-
va com opacidade foi feita com enzimas na- tegração com pigmento verniz da Maimeri.
turais, os craquelês fixados com cera A obra Carretéis com Figura após a
microcristalina aquecida com soprador tér- desinfestação foi somente higienizada com
mico, depois era feita pressão com Melinex pincel macio e enzimas naturais.
e colocados pesos de saquinhos de areia até A obra Tudo Te é Falso e Inútil foi
o esfriamento da pintura. As fissuras foram higienizada com pincel e aspirador de pó
complementadas com cera microcristalina2 pelo verso e a camada pictórica com enzimas
e pigmento da cor da camada pictórica. O naturais. As áreas com esbranquiçamento fo-
excesso de cera foi removido com aguarrás. ram tratadas com solução de resina e álcool.
A obra Desdobramento II foi higienizada As obras em papel foram desinfetadas,
com pincel e aspirador de pó pelo verso, a higienizadas com pó de borracha fino e a
camada pictórica foi limpa com enzimas desacidificação foi realizada com WeiT’O5.
naturais, e foi usado bisturi para retirada de A fita adesiva da obra com carretéis foi
excrementos de insetos e ainda aguarrás. A reneutra6 e ainda foi feita uma pequena obtu-
fixação da camada pictórica foi feita com ração com papel japonês e cola neutra no
cera microcristalina, seguindo o procedimen- canto esquerdo do verso. 145
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura12 – Realização da higienização e limpeza da obra de Iberê Camargo.

Conclusão A restauração devolveu as obras o vigor de


sua pintura que estavam escondidos atrás de
A restauração destas 10 obras para exposi- sujidades e fungos que encobriam texturas e
ção Pintura Pura foi instigante e de um gran- sutilezas de cores.
de aprendizado sobre técnica pictórica deste O processo de restauração constituiu basi-
grande artista. Os suportes utilizados pelo ar- camente em quatro etapas: as obras foram
tista foram tela, madeira e papel, e todos re- desinfestadas, higienizadas, fixadas e reinte-
ceberam espessas camadas de tinta a óleo. O gradas as camadas pictóricas.
trabalho mostrou-se interessante não só pelos A Curadoria da exposição Pintura Pura fez
problemas que apresentavam, mas principal- um recorte específico na múltipla obra de
mente pela pintura de Iberê Camargo ser uma Iberê, e teve a intenção com a seleção destas
pintura viva, até hoje as camadas espessas das obras de ressaltar detalhes ao público que fo-
tintas a óleo estão em processo de secagem. ram evidenciados após a restauração.

Bibliografia
BARBOSA, Karem Cristine. Perboyre – a possibilidade do uso de produtos menos tóxicos em um trabalho de restauração. Belo Horizonte: Cecor –
Escola de Belas Artes – UFMG, 1998.
BRANDI, Cesare. Teoria del restauro. Torino: Piccola Biblioteca Einaudi, 1977.
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HAYES, Colin. Guia completo de dibujo y pintura, tecnicas y materiales. Madrid: Ed. Blume,1980.
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MENDEZ, Marylka e BAPTISTA, Antônio Carlos N.. Restauração; ciência e arte. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / IPHAN, 1998.
MOERSI, Claudina Maria Dutra. Manual de tinta e pigmentos. Belo Horizonte: FAOP e Banco Interamericano de Desenvolvimento,1998.
MOTTA, Edson. Restauração de pinturas em descolamento. Rio de Janeiro: IPHAN, 1969.
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NICOLAUS, Knut. Manual de restauração de cuadros. Köln: Könemann, 1999.
ORTI, Maria Angustias Cabrera. Los métodos de análises físico – quimicos y la história del arte. Granada: Servicio de Puplicaciones de la
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CASA DO RESTAURADOR. Produtos para Conservação e Restauro. pdf. Cd. São Paulo:2005.
RCM – GUIA DE PRODUTOS CONSERVACIÓN PREVENTIVA. Restauració, conservació, materiales. Barcelona: s/d.
STOUT, George L.. Restauración y conservación de pinturas. Madrid: Editorial Tecnos S. A.,1960.

Agradecimentos

146 À Fundação Iberê Camargo por ter viabilizado a restauração. A Prof. Dra. Icléia Borsa Cattani, curadora da exposição Pintura Pura
Anais | Congresso Abracor 2009
VANRELL V., Arianne
Historiadora de Arte y Conservadora y Restauradora de Bienes Culturales,
en la Universidad de Paris I, Pantheon-Sorbonne. Francia.
Diploma de Estudios Avanzados en Conservación y Restauración en la
Universidad Complutense de Madrid. España.
Actualmente realizando la Tesis Doctoral.
Conservadora-Restauradora de Instalaciones y Nuevos Medios en el
Departamento de Conservación y Restauración del Museo Nacional Centro
de Arte Reina Sofía –MNCARS-, Madrid, España.
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía
Departamento de Conservación-Restauración
Calle Santa Isabel 52, 28012 Madrid, España

Protocolos de Estudio de Colecciones de Arte Electrónico,


Vídeo Instalaciones y Art Net en el Departamento de
Conservación-Restauración del MNCARS
La presencia e importancia cada vez mayor de Instalaciones de Arte, Arte Electrónico,
Art Net y nuevos medios en colecciones públicas y privadas nos plantea nuevos pro-
blemas de conservación y un cambio significativo en el rol del conservador-restaura-
dor que permita garantizar la correcta exposición de la obra a través de montajes
sucesivos.
El uso de nuevas tecnologías, su dificultad de conservación, mantenimiento y
restauración hace imprescindible mejorar la calidad de la documentación con la
participación del artista, optimizando su conservación física y conceptual y mejorando
su comprensión para evitar pérdidas de significado en la transmisión del mensaje del
artista.

Palabras Chave:
Intercambio de conocimientos, Estudio, Comprensión, Evaluación de Riesgos,
Documentación de calidad

The importance and the increasing number of Art Installations, Electronic Art, Art
Net and New Media in publics and private collections purpose us a new challenges in
art conservation and the changing role of conservators and restorers in order to guarantie
the correct transmission of the meaning of the art work thought new exhibitions.
The use of new media and the difficulties of conservation, preservation, maintance
and restoration aims to increase the quality of the documentation and the artist
participation, to optimize the physical and conceptual conservation, and increase our
comprehension of these art works to reduce the risks in lost of significance.

A presença cada vez malhor de instalaçoes da arte, arte eletrónico, arte net e novos
méios nas coleçoes públicas e privadas propor novos problemas para a conservaçao e
uma mudanza importante do papel do conservador e restaurador que facilite a correta
exposiçao das obras em exhibiçoes sucessivas.
A utilicaçao de novas tecnologías e as dificuldades para a conservaçao, mantenimento
e restauraçao precisam duma melhor documentaçao e da participaçao dos artistas
para garantir a conservaçao física e concetual das obras, melhorando nossa comprençao
e evitando pertas do significado na trasmiçao da messagem do artista.

En los últimos años, el Museo Nacional “Primera Generación, arte e imagen en


Centro de Arte Reina Sofía ha movimiento, (1963-1986)” que supuso la
incrementado la presencia de Videoarte, presentación de la colección de video
Instalaciones, Arte Electrónico y Art Net instalaciones y videoarte del museo y un
tanto en sus Colecciones como en sus éxito de crítica y público, recibiendo nu-
Exposiciones. merosos reconocimientos y referencias en
En 2006-2007, el MNCARS realizó una publicaciones especializadas.
gran exposición sobre producciones de A partir del 26 de junio, hasta el 13 de
videoarte y video instalaciones llamada octubre de 2008 , el MNCARS expuso 147
Anais | Congresso Abracor 2009
“Máquinas y Almas, arte digital y nuevos ta el desmontaje de la exposición.
medios” que incluyó a diecinueve artistas La adecuación y legibilidad de las
que trabajan sobre y con Art Net, Arte instrucciones para el montaje, instalación,
Electrónico y Arte Digital. puesta en marcha, calibración, etc., y el
Es obvio que estas experiencias han en- acceso a la información y al know how de
riquecido y modificado considerablemente cada obra son fundamentales para
nuestra percepción y punto de vista sobre garantizar la correcta transmisión del
muchos trabajos, y podemos observar mensaje y de su percepción por parte del
cómo frente a cada propuesta de espectador.
intervención se toman en cuenta caracte- La responsabilidad del museo y el
rísticas y singularidades específicas para esfuerzo necesario para la transmisión del
su documentación, conservación, montaje, significado de la obra son muy diferentes
difusión e interpretación. entre las formas de arte tradicional y en
Este tipo de obras depende de una las Instalaciones de Arte ya que éstas son
tecnología cada vez más específica por el a menudo más complejas y costosas, no
uso de un determinado lenguaje informático, sólo de adquirir sino también de producir,
de fácil obsolescencia y rápida mantener y conservar, planteando a
discontinuidad del software y del hardware menudo nuevos retos para su exposición.
o la incompatibilidad entre ellos. El Departamento de Conservación y
En pocos años hemos visto multiplicarse Restauración ha puesto especial interés en
las complicaciones técnicas para la sistematizar la información y la
actualización o migración de obras relativa- documentación de cada exposición según
mente recientes, afectando a la estabilidad protocolos de estudio que sean útiles en
y la duración de sistemas de backup en un la actualidad y que puedan ser probados a
universo tecnológico cada vez más corto y medio plazo, corrigiendo errores
dinámico, por lo que el riesgo de perder la o modificando detalles que faciliten su
posibilidad de exponerlas e incluso de comprensión por todos los equipos del
visualizarlas a nivel documental en un perí- museo involucrados en la toma de
odo de tiempo muy corto es muy alto. decisiones: exposiciones, almacenes,
A través de Internet numerosos artistas divulgación, etc.
apuestan por modelos interactivos, Como parte fundamental en la recopilación
muchos de ellos inagotables en los que se de información de primera mano, el Depar-
juega con la percepción de datos, ideas, tamento de Conservación y Restauración del
propuestas, bancos de imágenes, etc., MNCARS realiza desde hace muchos años,
producidos por un público cada vez más video entrevistas a los artistas que exponen
diverso, sin aparente vinculación entre sí, en el museo, y de las que obtenemos mucha
a través de sistemas informáticos que ha información sobre aspectos técnicos y sobre
creado una nueva generación de obras de los criterios y posición de cada autor en
arte y en el que la interrelación con el relación con la exposición y con la
público se realiza de una manera comple- conservación de sus obras.
tamente diferente. Un tema relativamente nuevo en la
El proceso de creación y la interrelación documentación y elaboración de criterios
con otros artistas, el concepto de para la conservación de este tipo de obras
autenticidad y de derechos de la obra de está relacionado directamente con el
arte han evolucionado en numerosos sen- concepto de la percepción del paso del
tidos. tiempo, del espacio, del recorrido, del uso
Tratándose de un museo de arte de luz, el sonido, etc. ya cuentan con la
contemporáneo, en el que la colección de participación activa del espectador por
nuevos medios, no es la más numerosa, medio de interactividad y experiencias
pero que sin embargo, no deja de crecer y multi sensoriales.
de plantear problemas nuevos, la Esto plantea dificultades para documen-
posibilidad de trabajar con personas tar cada obra y reproducirla o reexponerla
involucradas en la creación de las obras y en espacios diferentes, ya que son a
en la solución de problemas técnicos es menudo creadas para lugares u ocasiones
fundamental, por lo que cada vez con especiales por lo que muestran una
mayor frecuencia, se recurre a la fragilidad o vulnerabilidad específica en
contratación externa de técnicos términos espaciales lo que puede influir
especializados en el montaje y el en su comprensión dentro del contexto
mantenimiento de éste tipo de temporal, social o cultural en el que han
exposiciones, con los que se trabaja des- sido creadas y del que dependen para su
148 de el momento de la pre-producción has- adecuada interpretación.
Anais | Congresso Abracor 2009
Al enfrentarnos a expresiones cada vez capaces de interpretarlas y preservar su
más complejas desde el punto de vista significado -o significados-
conceptual y al existir una mayor independientemente del espacio y más allá
conciencia de la influencia de los de aspectos o contextos meramente esté-
planteamientos y de las propuestas artísti- ticos, ya que a menudo proponen
cas a través de todo tipo de medios, los sensaciones –elementos intangibles de la
creadores se involucran cada vez mas en obra - que forman parte del discurso del
la trascendencia de sus ideas y de sus artista, y que tienen que ver con su con-
obras, sobretodo para asegurar la texto de creación, por lo que es posible
transmisión de su significado. ubicarlas y relacionarlas con una época,
Cada artista plantea también su posición unos ideales o un momento determinado.
frente al uso y la trascendencia de éstas Además de la importancia de los elemen-
tecnologías, que pueden ser utilizadas tos simbólicos y materiales, la idea, los
como soportes o como herramientas de la criterios de conservación y el significado
obra según cada propuesta. de la obra están estrechamente relaciona-
Al considerar la conservación y dos a la técnica empleada, a su proceso
restauración de éstas obras nos vemos en de ejecución e incluso al de su destrucción.
la necesidad y en la responsabilidad de Actualmente estamos trabajando en la
implicarnos cada vez más en un estudio creación y el estudio de Evaluación de
en profundidad de cada propuesta, que nos Riesgos o Pérdidas de Información en
permita conservarla, interpretarla y Instalaciones de Arte como un medio para
exponerla en el futuro sin perder el cuantificar las dificultades de transmisión
mensaje del artista y preservando todos sus y exposición de una obra a través de los
elementos en virtud de la originalidad y años, tomando en cuenta las característi-
de la autenticidad de la idea. cas tangibles e intangibles de sus elemen-
Esta implicación y este trabajo de equi- tos, los peligros o riesgos a los que está
po está cambiando el papel del conserva- sometida la colección, las posibilidades de
dor-restaurador en el caso de exposiciones restauración, el presupuesto disponible,
de Instalaciones de Arte, hacia un rol más disponibilidad de almacenaje, etc.
activo no sólo del conocimiento material Esta evaluación de riesgos de la pérdida
del objeto sino también de su significado de información se basa tanto en la
e interpretación a través de montajes importancia de cada elemento como en
sucesivos. las posibilidades o capacidades reales del
El trabajo del conservador-restaurador museo en conservar, restaurar o sustituir
tiene su punto de partida en una estos elementos, ya sea por sus
investigación que permita este condiciones internas como por la
acercamiento a través de la comprensión naturaleza de la obra y nos permite pen-
de nuevos aspectos materiales del objeto sar en un programa de prevención y de
o de los objetos que componen la obra, gestión de los recursos para la
también llamados “elementos conservación de cada colección en función
escenográficos”, su distribución, de una lista consensuada de prioridades y
iluminación o interrelación con otros ele- de las posibilidades reales de que ocurra
mentos u obras dentro de una sala y la pre- una pérdida o de que exista un riesgo de
sencia y recorrido del público, hasta ser pérdida.

Artista : Evru,
Obra: “Tecura”
Exposición “Máquinas & Almas,
arte digital y nuevos medios”,
MNCARS, del 26 de junio al 13 de
noviembre de 2008.
Público interactuando con la obra.
149
Anais | Congresso Abracor 2009
Conclusión:
La diversidad de las Instalaciones de Arte de consulta y diseminación de la
nos exige una gran flexibilidad y una con- información que nos permita transmitir y
tinua adaptación en el estudio de cada conservar todo su significado a través de
propuesta a través de una comprensión de montajes futuros, evaluando los riesgos de
la obra y de sus elementos fundamentales, pérdida de información y estableciendo
el planteamiento e ideas del artista, una protocolos de actuación según las
documentación adecuada y mecanismos necesidades de cada pieza.

Artista: Antoni Abadi, Artista: Rafael Lozano Hammer,


Obra: “Canal Motoboy” Obra: “Micrófonos, Subestructura C10".
Exposición “Máquinas & Almas, arte digital y nuevos medios”, Exposición “Máquinas & Almas, arte digital y nuevos medios”,
MNCARS, del 26 de junio al 13 de noviembre de 2008. MNCARS, del 26 de junio al 13 de noviembre de 2008.

Artista: Daniel Rozin, Artistas: Ben Rubin y Mark Hansen,


Obra: “Circles Mirror” Obra: The Listening Post
Exposición “Máquinas & Almas, arte digital y nuevos medios”, Exposición “Máquinas & Almas, arte digital y nuevos medios”,
MNCARS, del 26 de junio al 13 de noviembre de 2008. MNCARS, del 26 de junio al 13 de noviembre de 2008.
Entrevista con los artistas.

150
Anais | Congresso Abracor 2009
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151
Anais | Congresso Abracor 2009
152
Anais | Congresso Abracor 2009
FARIAS Jucara Quinteros
Paper Conservator- Master in conservation of Cultural materials- University of Canberra- Australia
Senior Conservator of the Conservation Laboratory-Chamber of Deputies- Brasilia- Brazil

LOBON Mar Gomes


Painting Conservator- Conservation and Restoration of Paintings at the School of Conservation and
Restoration of Cultural Material in Barcelona (Spain)
Painting Conservator of Queen Victoria Museum and Art Gallery (QVMAG)

DISCOVERING THE PAST: THE VARNISH


REMOVAL FROM A 1859 WATERCOLOUR

The conservation treatment of the watercolour View of Launceston looking east from
Cataract Hill c.1859 by Frederick Strange presented some important challenges for the
Queen Victoria Museum and Art Gallery conservation staff. It involved putting together
the skills of the paper and paintings conservation departments to apply a relatively
new technique for varnish removal from paper, assessing the risks of the proposed
treatment and meeting a deadline for an exhibition opening. The thorough examination
of the work and conservation treatment uncovered part of its complex history of
successive restorations and revealed an incredible amount of previously unseen detail
in the depiction of Launceston’s colonial streetscapes.

KEYWORDS:
Conservation treatment, watercolour, varnish, varnish oxidation

A restauração da aquarela View of Launceston looking east from Cataract Hill de


1859 de Frederick Strange, impôs aos restauradores do Queen Victoria Museum and
Art Gallery uma série de desafios durante o seu tratamento. O emprego de uma técni-
ca, relativamente nova, para a remoção da camada de verniz exigiu, por parte dos
restauradores, uma avaliação dos possíveis riscos impostos pelo tratamento, a aplica-
ção de técnicas utilizadas nas áreas de restauração de papel e telas e a capacidade de
se concluir o trabalho dentro do prazo determinado. A minuciosa análise do objeto e
sua restauração revelaram, além de uma série de intervenções anteriores, detalhes
sobre a arquitetura colonial de Launceston.

PALAVRAS-CHAVE:
restauração, verniz, oxidação, aquarela

Introduction

The watercolour View of Launceston streetscapes in the late 1850s, pictured


looking east from Cataract Hill, c.1859 by with extraordinary detail. No other simi-
Frederick Strange came into the Queen lar photographic or painted image is
Victoria Museum & Art Gallery (QVMAG) known from that time, making this work a
collection over 100 years ago from the unique and very valuable visual record.
private collection of businessman W F The artwork was first brought into the
Petterd. Petter. It was last displayed in 1975 QVMAG conservation department in
and since then it remained in the Fine Art September 2005 for initial examination
storage because of its poor condition. and conservation treatment was completed
This large watercolour (869 mm x 1420 by February 2006 for the exhibition
mm) depicts a view of Launceston with two ‘Launceston through the Eyes of Artists and
figures on the foreground viewed from Photographers’ at the QVMAG. This
behind. This work is of primary historical exhibition was part of a series of events
significance, as it provides an image of celebrating the 200 anniversary of
Launceston’s historic buildings and Launceston- Tasmania- Australia.
153
Anais | Congresso Abracor 2009
1
IR spectrophotometer
analysis was kindly
Background
undertaken by Stewart
Laidler, Senior Paintings Frederick Strange arrived in Van ‘Tasmanian Illustrations’, a series of
Conservator at the
AGNSW
Diemen’s Land in 1838 as a convict. He watercolour sketches of Launceston that
lived in Launceston for most of his life, portrayed Tasmania as a suitable home for
where he became an established portrait the immigrant, intended to promote
and landscape painter with the patronage interest in immigration to Tasmania from
and support of the town’s Scottish Britain. This publication never eventuated,
community. Most of his portraits were but all the works have survived. View of
executed between 1843 and 1848, and Launceston looking east from Cataract Hill
towards the end of the 1840s Strange is a larger and much more detailed version
turned to painting the town and its of one of the small sketches for ‘Tasmanian
surroundings (Lake & Mulford 2002).His Illustrations’. Strange remained in the
most important commission was the colony until his death in 1873.

Technical examination
Support
Initial examination revealed that the ‘systems’(Carlyle 2001). Today many
watercolour was painted on a thick and examples of this practise of stretching
slightly textured watercolour paper, works on paper have survived.
adhered to 2 canvases and mounted on a Detailed examination of the
strainer. Artwork had also been folded over watercolour’s support and the tacking
the edge of the strainer on the top and right edges led to the conclusion that the
sides and glued to the strainer bars. artwork had been modified in size at least
The first layer of canvas appeared to be twice and mounted on a smaller strainer,
original or to have been applied very soon by folding all edges of the work and
after the execution of the watercolour. It cutting down the left and right sides of
is not uncommon to find watercolours that the work. The reason for the last re-
have been mounted onto canvas and mounting, which gave the painting its
stretched either prior to the execution of current dimensions, probably was to hide
the work or very soon after. There was a silverfish damage on the artwork. Second
lot of interest in the second half of the 19th canvas was most likely applied during this
century in the process of putting works of process, when painting was re-mounted
art together and the longevity of into its current strainer.

Surface layers
The watercolour’s surface was covered results revealed a layer of gelatine on top
with a very thick layer/layers of varnish and of the paper, which could be the ‘varnish
a great deal of overpainting, occurred layer’ in itself, or a size applied to the paper
during previous restorations. Mountains by the artist before coating the work with
and sky areas, creases and tears were a resinous varnish. In the 19th century, it
heavily overpainted, generally with a was common to use a layer of glue or
brown colour. Over time, the varnish had gelatine as a preliminary size aiming to
oxidised, becoming very dark and keep the varnish coat even (Carlyle 2001).
obscuring the fine detail. It is unknown if The original varnish was either removed
the watercolour was originally varnished and/or covered by subsequent layers of
by the artist or if all present layers of varnish varnish applied in successive restorations.
have been applied during posterior The present layer/s of varnish was
restorations. Overpaints seemed to have predicted to be a natural resin (probably
been applied in a more recent restoration, mastic) because of its yellowed
probably with oil paint, as they matched discolouration and its fluorescence under
the colour of the discoloured varnish. UV light (NAS 2004) as well as from
Samples taken from the image folded further investigation into the records of
over the edge, which appeared to have previous restorations carried out in the
original varnish on it, were analysed with 1950s at the National Gallery of Victoria-
an IR spectrophotometer [1]. The analysis Australia.

Condition assessment
The watercolour was found to be in poor detracting the visual appearance of the
condition. The chemical and physical artwork and accelerating the paper and
154 changes of the varnish layer were paint layer deterioration. In some areas,
Anais | Congresso Abracor 2009
Figure 1
Watercolour View
varnish had formed an ‘orange peel’ of Launceston looking
effect. In addition, the oxidized and east from Cataract Hill
c.1859 before
discoloured varnished was obscuring conservation treatment

the fine detail of the artwork,


impeding the appreciation of
Launceston streetscapes and
buildings (see Figure 1).
Although the paper support was
quite thick and sound, many vertical
creases and tears were present on the
left area of the artwork, probably
caused by the different rates of
movement between the paper and the canvas. glue. Adhesion of canvas to paper support
Some of these creases were heavily at the time of examination was very good.
overpainted. The paper support presented Adhesion between first and second layer
many losses on the areas folded over strainer, of canvas was adequate, but not as strong
caused by insect damage (silverfish) and as the previous. Original frame for the
rusting tacks had also caused staining on the artwork has been lost. One poor quality
folded image over the tacking edges. frame was made for the work during the
First layer of canvas (probably original) 1970s, which was historically and
was adhered to paper with water soluble aesthetically unsuitable for the artwork.

Assessing the Risks


The heavy layer of discoloured varnish dimensions, the layers of canvas under the
was diminishing the visual appearance of paper support and the risk of partial loss
the object, obscuring the fine detail and of original paint layer and associated
impeding appreciation of the artwork’s information. Conservators and curators had
original colours. Therefore, the need to long discussions to consider the risks
remove the varnish was crucial for its associated with the varnish removal. It was
historic and aesthetic interpretation and to finally decided that the benefits of the
improve the condition of the object. treatment outweighed the risks and
However, removing the varnish was conservators were asked to proceed with
complicated by the watercolour’s large the treatment.

The Conservation Treatment


Preliminary tests
Prior to commencing the conservation a weaker solvent than ethanol. The recipe
treatment, many tests and sampling of used was as follows:90 ml Solvent (Ethanol
materials were carried out, revealing that or isopropanol), 20 ml Ethomeen C/25, 2
varnish was soluble in organic solvents in g Carbopol Ultrez 10, 7 ml distilled water
the alcohol group. However, it was difficult (Petukhova 1992). After a final discussion
to estimate the stability of the pigments at with Curators about the results of the tests,
this stage due to colour shift imposed by the treatment was developed over three
the varnish and overpaints layer. In stages.
addition, all tests undertaken with free
solvents left some staining and tide lines Stage 1: Varnish removal with gels
around the cleaned area. The same The first stage on the treatment involved
solvents were tested in the form of gels, removing the layers of varnish and
following Wolbers gel recipes -normally overpaints using isopropanol gels. Ethanol
used in painting conservation- with much gels had to be used for cleaning areas with
better results. The colourless gels allowed more layers of varnish and overpaints. This
for conservators to better control the procedure was undertaken very carefully
treatment, minimizing the stress on the to avoid removal of original pigments and
paper, and, in this case, removing more damage to the artwork, especially in the
varnish without leaving any halo around creased areas. Gels were applied with
the paper. cotton swabs over the top of the artwork
The two gels found to work better were to allow for the swelling of the oxidized
ethanol gel and isopropanol gel. It was varnish, which was then removed and
decided to use isopropanol gel for the rinsed with free isopropanol. This process
varnish removal when possible, for being was repeated three times over the whole 155
Anais | Congresso Abracor 2009
Figure 2
Details of image
during varnish removal
Figure 3
surface of the artwork showing
Ethanol bath
dramatic changes (see Figure 2). After
this procedure it was found that the
watercolour pigments were quite
stable and that further treatment
could be undertaken.

Stage 2: Ethanol bath


After varnish removal with gels the
surface was still uneven as some of
the varnish had penetrated through the
paper and canvas. Since the pigments
were quite stable, it was decided to
undertake a floating bath with ethanol ethanol and 20% deionised water was
solution to help to remove the varnish undertaken (see figure3). While in the
ingrained inside the fibres and improve the solution, varnish residue on surface was
aesthetic appearance of the artwork. absorbed with large pieces of blotting
Prior to that, the artwork had to be paper. Since the support and media were
separated from its canvas and stretcher. withstanding the treatment very well, it
The creases and damaged edges of the was decided to immerse the artwork in the
artwork were faced with Japanese tissue solution. The artwork was left in the bath
and methylcellulose to protect them when for approximately 30 minutes, being
removing the canvas. The artwork sides constantly monitored.
glued to stretcher were separated from it After being dried under weights, it was
mechanically with a thin spatula, old tacks noticed that varnish residue was still
were removed, and artwork was taken off ingrained in the paper fibres. Since the
its strainer. After that, the second layer of paper support was very sound and the
lining canvas was removed mechanically watercolour pigments stable, it was deci-
by peeling it off from the original canvas de to immerse the artwork again on a
by pulling it in a parallel direction to the second bath of ethanol for 30 minutes.
plane of the artwork. Then the artwork was dried under weights.
The first (original) lining canvas was This process removed all remaining varnish
glued to the paper support with what residues, revealing large amount of detail
appeared to be animal glue; therefore it and the original colours of the artwork.
required humidification to separate it. This
was achieved by placing wet blotters on Stage 3: Immersion
top of goretex for 1 hour over the whole in calcium hydroxide solution
artwork, to allow for water vapour to The last stage of the conservation
penetrate through canvas and glue. The treatment involved immersing the artwork
canvas was then peeled off by tearing it in in a bath of calcium hydroxide Ca(OH)2 in
long and parallel strips. order to remove most of the yellow
After the paper was separated from both deterioration products from the paper and
lining canvases the artwork was placed on improve its pH. Prior to this, solubility of
a large piece of Reemay® and on top of a all colours was extensively tested.
screen. Then, a floating bath with 80% The artwork was immersed in a solution
of calcium hydroxide (pH=8.0)
for approximately 30 minutes.
Then, the artwork was pressed
under weights and left to dry
between dry blotters for a period
of 2 days. While the artwork was
unmounted, losses of support
were filled using toned Japanese
paper died with acrylic paints.
Losses of colour and some stains
that were still present in the sky
were inpainted using pastels.
The extensive conservation
treatment of the watercolour
156
Anais | Congresso Abracor 2009
Figure 4
View of
Re-Mounting Launceston looking
east from Cataract Hill
The next challenge faced by QVMAG between canvas and paper could cause after conservation
treatment with new
conservators was finding a system to further creasing in the future. Consequently, replica frame
support and present such a large work. The it was decided that the most appropriate and
preservation of the watercolour on its ori- less invasive option to keep the artwork flat
ginal support would have been the and stretched would be to mount in onto
preferred option. However, once the an acid free Foam-Core® panel. In order to
artwork had been removed from both do that, strips of Japanese tissue were
canvases for the treatment, the option of attached to the edges of the artwork with
remounting it onto another canvas and methylcellulose and glued to the back of
stretcher was considered not appropriate, the panel with two strips of archival double-
as the different rates of movements sided tape on each side.

Framing

After treatment, the new framing for the colonial-style frame, constructed with
watercolour had to considered, as the ori- musk veneer and with a gilt slip (Hay
ginal frame of the watercolour had been 2006). This frame was styled from the ori-
lost and the contemporary frame made for ginal veneer frame for the painting Port
it in the 1970s was unsuitable. Curators Arthur, 1850 by Hawkins (QVMAG
decided to frame the watercolour in a new collection).

Conclusion
View of Launceston looking east from be carried out afterward. However, time and
Cataract Hill revealed some amazing detail budget limitations did not impede a
that was previously unseen, such as the collaborative conservation approach based on
artist’s original colours and brush strokes, the the most advanced techniques and materials
fine detail of the churches, public buildings available for both varnish removal and
and the river edge of Launceston. The new treatment of paper artefacts.
mounting also exposed a section of the work This treatment also showed how a
that was previously covered, by having been methodical and thorough visual
folded over the back of the strainer, and examination can uncover much information
which included two colonial houses about the history of the object and the
previously unseen (see figure 4). materials constituting it.
This successful treatment was fruit of the The authors would like this project to set
collaboration of paper and paintings an example for further collaboration and
conservation skills. One area could have note interconnection between different
done without the other. It was also an example conservation disciplines. Many components
of a complex treatment that was undertaken of the traditional disciplines of objects,
with a very limited timeline, to allow for the paintings and paper have large overlaps and
artwork to be included in an exhibition. collaboration ands sharing of knowledge
These circumstances and the lack of between them is essential to achieve the
equipment did not allow for extensive best results in the conservation of cultural
research or materials analysis, which had to material.
157
Anais | Congresso Abracor 2009
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158
Anais | Congresso Abracor 2009
Aloisio Arnaldo Nunes de Castro
Graduado em Artes Plásticas – UFJF, Especialista em Tecnologia Educacional – UFJF,
Especialista em Evolução da Linguagem Visual – UFJF, Mestre em História – UFJF.
Conservador-Restaurador de Bens Culturais
Laboratório de Conservação e Restauração de Papel do Museu de Arte Murilo Mendes – UFJF

1
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Esta comunicação tem por objetivo apontar investigações acerca da trajetória histó-
rica da conservação e restauração de acervos em papel no Brasil, tendo como recorte
cronológico a primeira década do século XX até os anos de 1990. Utilizando-se da
análise bibliográfica, documental e do exercício da história oral, esta pesquisa exami-
na os marcos teóricos, os paradigmas e as influências internacionais e as políticas que
alicerçaram a inserção e a construção dessa disciplina especializada no âmbito brasi-
leiro.

Palavras-chave:
Papel; Patrimônio Cultural; História da Conservação e Restauração; Práticas e narrati-
vas preservacionistas.

This paper has goal to investigate, based on Cultural History, the historical trajectory
of paper conservation-restoration in Brazil since the first decade of the 20th century
until the years 1990s. This research uses bibliographic, documental and oral history
analysis. It examines theoretical points, paradigmas, international influences and cul-
tural policy that are basic idea to the insertion and construction of this subject in
Brazilian context.

Introdução

A presente comunicação apresenta tópi- ções com as instituições culturais e com a


cos parciais da dissertação de Mestrado sociedade.
intitulada “A trajetória histórica da conser- Desse modo, o diagnóstico do desco-
vação-restauração de acervos em papel no nhecimento em relação ao processo de
Brasil” defendida pelo autor, em fevereiro construção histórica, bem como as inqui-
de 2008, no Programa de Pós-Graduação em etações concernentes à gênese das práti-
História do Instituto de Ciências Humanas cas e representações da preservação, con-
da Universidade Federal de Juiz de Fora. servação e restauração de acervos em pa-
Os recentes trabalhos acadêmicos dedi- pel desenvolvidas no âmbito nacional, ori-
cados à reflexão da história da conserva- entaram este estudo para uma investiga-
ção e restauração de bens culturais no Bra- ção mais detalhada, capaz de suscitar re-
sil enveredam-se, notadamente, para a flexões, análises e questionamentos perti-
análise do patrimônio edificado, bem nentes à construção cultural
como para as categorias de pintura de ca- preservacionista. Em consonância, portan-
valete, escultura policromada e têxteis. to, com as proposições da História Cultu-
Verifica-se, portanto, uma lacuna ral que destacam a emergência dos “no-
historiográfica – ou porque não dizer um vos objetos” e dos “novos territórios” no
grande abismo historiográfico – no que diz seio das questões históricas1, este estudo
respeito à trajetória histórica da conserva- pretende ser uma contribuição à
ção e restauração de papel no cenário historiografia que já se ressentia de discus-
preservacionista brasileiro. Trata-se, pois, sões e interpretações mais aprofundadas
de um tema ainda pouco explorado em na ação preservacionista relativa à memó-
sua dimensão histórica, em suas ria cultural expressa em papel. Assim sen-
temporalidades e em suas múltiplas rela- do, acreditamos que a definição da temática
159
Anais | Congresso Abracor 2009
2
A posição de Peter
Burke é que “a base
dos acervos em papel enquanto objeto de questionamentos de ordem tecnicista e
filosófica da nova história estudo ainda pouco investigado, e a locali- cientificista também são abordados na obra
é a ideia de que a
realidade é social zação de um novo corpus documental im- do teórico belga Paul Philippot, na qual
culturalmente
construída”. Cf. BURKE, plicam em vislumbrar à presente pesquisa ele sustenta que, após a Segunda Guerra
Peter (org.). A Escrita da
história: novas
novas abordagens, ou seja, analisar e bus- Mundial, a restauração se tornou uma dis-
perspectivas. São Paulo: car compreender as diferentes e múltiplas ciplina cada vez mais científica com o
Editora da Universidade
Estadual Paulista, 1992, práticas, narrativas, discursos, contextos, abandono dos métodos artesanais.
p. 11.
3
CHARTIER, Roger. redes de significados e representações Philippot reconhecia a importância dessa
op. cit., p.16.
4
MARTÍNEZ JUSTICIA,
construídas em torno da conservação e res- evolução, entretanto, intuía o perigo da
Maria José. Historia y tauração de papel no Brasil. Outrossim, o crença de que a utilização de novas técni-
teoría de la conservación
y restauración artística. exercício reflexivo desta pesquisa pretende cas de pesquisa por si só pudessem garan-
Madri: Tecnos, 2000. pp.
18-42. contribuir para que os conservadores-restau- tir o êxito da intervenção, uma vez que -
5
PHILIPPOT, Paul. “La
conservation de oeuvres
radores especialistas em papel - ou demais antes de tudo - a restauração apresenta um
d’ art. Problème de profissionais engajados na tarefa caráter cultural5. Nesse sentido, Philippot
politique culturelle”.
Annales d´Histoire de preservacionista - ampliem o conhecimen- também salienta o caráter dialogal da con-
l´Art et d´Archéologie de
l´ Université Libre de
to sobre o seu próprio campo de trabalho. servação ao entendê-la como “um fenô-
Bruxelles, VII(1980), p. Dessa forma, esta pesquisa dialoga com meno moderno de manter contato vigoro-
7-14. apud MARTÍNEZ
JUSTICIA, Maria José, as perspectivas apontadas pela História so com trabalhos culturais do passado”6.
op. cit., p. 344.
6
MATERO, Frank. Cultural, ou seja, pretende discutir o pen- Frank Matero, em seus estudos sobre a Éti-
Ethics and Policy in
Conservation. In: The
samento preservacionista como uma ca e Política na Conservação, afirma que
GCI Newsletter, Volume “construção cultural”2, por meio do exa- “toda conservação é um ato crítico, de in-
15, Number 1, Spring
2000,p.4. Disponível em me das práticas, narrativas e representa- terpretação. Nós preservamos com um
<http://www.getty.edu/
conservation/ ções, notadamente aquelas relacionadas objetivo – e é esse objetivo que deve ser
publications/newsletters/
15_1/features1_2.html>.
aos documentos gráficos. Assim, rompen- de forma contínua questionado, avaliado
Acesso em: 24/03/ do-se com os paradigmas que classificam, e modificado se necessário”7. É também
2005.(tradução nossa).
7
Id., p.4. aprioristicamente, a conservação e restau- nesse contexto dialogal por excelência, no
8
MUÑOZ VIÑAS,
Salvador. Teoría ração como atividade tecnicista, este estu- qual se funda a construção cultural, que
Contemporánea de la
Restauración. Madri:
do se propõe a investigar os “modos”3 podemos situar o pensamento do restau-
Editorial Síntesis, S.A. como a preservação do patrimônio cultu- rador John McLean no qual verificamos a
2003. p. 17. (tradução
nossa). ral, no seio da sociedade, é: pensada, in- interpenetração das diversas áreas do co-
9
Jornal da Tarde
(São Paulo). 21/09/95. terpretada, assimilada, praticada e legiti- nhecimento na construção da disciplina
mada. Nesse contexto, cabe situar as pro- em estudo: “Tanto a conservação como a
posições defendidas pelos pesquisadores restauração são um estado mental: uma
da conservação e restauração que, ao se matriz pessoal de eleições formativas, téc-
preocuparem com as implicações históri- nicas, estéticas, culturais, políticas e
cas e teóricas da preservação cultural, cri- metafísicas” 8.
ticaram e problematizaram os paradigmas De outra parte, há que se considerar,
tecnicistas inerentes ao campo da conser- ainda, na investigação historiográfica pro-
vação e restauração dos bens culturais. posta, a relação dialógica que se estabele-
Maria José Martinez Justicia reitera, ao lon- ce entre a preservação de papel com o
go das páginas de sua publicação Historia campo das ciências humanas, evidencian-
y teoría de la conservacion y restauración do-se o contato subjacente com as obras e
artística, que a restauração não é só e ex- textos históricos. O resgate dos arquivos
clusivamente uma questão técnica, mas ganhou alento também com a
sobretudo (e num grau muito importante) revalorização da busca do documento de-
uma ação crítica. Conforme a autora, mui- fendida pelos historiadores franceses vin-
ta confiança foi depositada na tecnologia culados à Escola dos Annales, criada por
e nas significativas contribuições que ci- Lucien Fevbre e Marc Bloch, em 1929.
ências experimentais propiciaram à restau- Conforme ressaltou o restaurador espanhol
ração, a ponto das questões estéticas serem Pedro Barbáchano San Millan, “O histori-
frequentemente esquecidas. Ao defender que ador Fernand Braudel, discípulo de Bloch
restaurar significa “dialogar” com as obras e Fevbre, buscou resgatar os arquivos na
do passado e que, portanto, o restaurador França. Como a Escola dos Annales pro-
deve se converter num intérprete, Justicia cura auxílio de outras disciplinas para a
propõe uma revisão historiográfica nesse pesquisa, a restauração cumpre um impor-
campo de estudo visto que “a reconstrução tante papel” 9.
da História da Restauração daria, sem dúvi- No que concerne ao referencial teórico
da, resposta a múltiplas interrogações, pro- metodológico, elegeram-se os aportes en-
porcionaria novos dados e, sem dúvida, nos contrados nas obras do historiador francês
livraria de muitos equívocos” 4 . Os Roger Chartier e do sociólogo Pierre
160
Anais | Congresso Abracor 2009
Bourdieu. Na esteira do pensamento de poder) e “habitus” (capital simbólico, ca- 10
CHARTIER, Roger.
op. cit., p.16.
Chartier, a Cultura (ou as diversas forma- pital intelectual dos atores sociais) foram 11
Cf. BOURDIEU,
Pierre. A economia das
ções culturais) poderia ser examinada no utilizados como ferramentas, como funda- trocas simbólicas. São
Paulo: Perspectiva,
âmbito da ação interativa entre duas no- mentos metodológicos na investigação e no 2005.
ções: de um lado as “práticas” e, de outra deciframento do espaço social demarcado
parte, “as representações”. Dessa forma, a pela preservação do patrimônio cultural.
análise das “práticas” e “representações” É, portanto, nessa perspectiva que
enfocadas neste estudo objetivaram, tal contemporaneamente se inscrevem a ne-
como propõe Chartier, “identificar os mo- cessidade de estudos e a reflexão acerca
dos como em diferentes lugares e momen- da trajetória da conservação e restauração
tos uma realidade cultural é construída, da memória grafada sobre o suporte de
pensada e dada ler”10. Outro viés de inter- papel no Brasil e que tenha em mira a
pretação foi encontrado nas categorias melhor compreensão da construção cul-
analíticas com as quais Bourdieu pensa a tural preservacionista, considerando-se,
sociedade 11 . Assim, os conceitos de ainda, as mudanças de paradigmas cientí-
“campus” (arena social, jogo de tensão e ficos ocorridas nas últimas décadas.

Os antecedentes: dos insetos bibliófagos ao despertar da conservação


Difícil demarcar o momento no qual há agentes patológicos de deterioração sob o
o surgimento da conservação e restauração ponto de vista científico, o estudo do ciclo
de papel no Brasil. Todavia, as primeiras biológico, o conhecimento das condições
referências sobre a problemática de preser- climáticas de procriação e das preferências
vação mostram-se vinculadas à ação destrui- alimentares, para, em seguida, indicar as
dora dos insetos bibliófagos. Ao longo da medidas de combate e prevenção contra tais
primeira década do século XX, os médicos espécimes biológicos. Pode-se constatar, em
Pedro Severiano de Magalhães (1850-1909), tais estudos, a prevalência de autores médi-
Diogo Teixeira de Faria (1867-1927) e Jai- cos ligados às instituições dedicadas aos es-
me Silvado realizam estudos sistemáticos tudos de parasitologia, verminoses, higiene
sobre os insetos destruidores de livros e social e desinfecção de doenças. Partindo deste
documentos pautados numa metodologia de ponto de vista, vemos o desenvolvimento do
trabalho científica. Conforme observamos, conhecimento científico a partir do diálogo
os referidos estudos técnicos de interdisciplinar da biologia, da química e da
entomologia, publicados nas primeiras dé- medicina. Nesta literatura técnica, dedicada
cadas do século XX, exemplificam que a aos estudos dos insetos bibliófagos, observa-
preocupação preservacionista estava, a se a construção de um enunciado
priori, relacionada à necessidade de conhe- preservacionista que se quer dizer
cimento dos males biológicos que então metodológico e cientificista em contraposição,
degradavam os acervos em papel. Assim, portanto, às técnicas empíricas de conserva-
tornava-se premente a identificação destes ção e restauração de bens culturais móveis.

A criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN/IPHAN


e as ações de conservação e restauração de papel

O Serviço do Patrimônio Histórico e Ar- atividades de conservação e restauração de


tístico Nacional – SPHAN é criado em 1936, papel na Biblioteca Nacional. Recém-che-
na Era Vargas. Em 1937, por meio do De- gado dos Estados Unidos podemos verificar
creto-Lei nº. 25, organiza-se a proteção do no relatório dirigido ao então Diretor da
patrimônio histórico e artístico nacional Biblioteca Nacional, Josué Montello, a pre-
com a oficialização do SPHAN. Em 1944, ocupação do restaurador em implementar
Edson Motta é convidado por Rodrigo Melo no Brasil o que, provavelmente, foi o pri-
Franco de Andrade para ocupar o cargo de meiro laboratório de conservação e restau-
Conservador do SPHAN. Em 1945, Edson ração especializado somente em papel nos
Motta obtém uma bolsa de estudos pela moldes ditos científicos, em contraposição,
Fundação Rockfeller a fim de realizar está- portanto, aos métodos empíricos anterior-
gio no Fogg Art Museum da Universidade mente empregados. No que concerne à ne-
de Harvard. Em 1947, Edson Motta retorna cessidade de aparato tecnicista, observamos
ao Brasil e inicia a organização do Setor de que Edson Motta emprega a terminologia
Recuperação da Diretoria do Patrimônio His- “laboratório” para o recinto onde desenvol-
tórico e Artístico Nacional – DPHAN. A verá os trabalhos de conservação e restaura-
partir de 1948, Edson Motta sistematiza as ção, bem como ressalta a aquisição de equi-
161
Anais | Congresso Abracor 2009
12
Arquivo Noronha Santos
– IPHAN. Série: Centro de
pamentos, de mobiliários específicos e a nominar-se “Setor de Conservação e Restau-
Restauração de Bens realização de instalações pertinentes - ração de Pinturas, Esculturas, Manuscritos
Culturais.
13
Arquivo Noronha Santos conditio sine qua non - na adoção de uma e Impressos do IPHAN”, momento no qual
– IPHAN, Série Centro de
Restauração de Bens metodologia de trabalho científica12. Des- se verifica estudos de melhoria para a “Se-
Culturais.
14
Arquivo Noronha Santos
se modo, podemos constatar um marco ção de Restauração de Papel”. A partir de
– IPHAN, Série Centro de referencial na inserção da restauração de 1978, observa-se a mudança de nomencla-
Restauração de Bens
Culturais. papel no Brasil voltado, notadamente, para tura dessa repartição pública – até então
15
VELOSO, Bethânia
Reis. A formação do a restauração de obras de arte em suporte denominada “Setor de Conservação e Res-
conservador-restaurador
na Universidade Federal
de papel. Nessa época, Edson Motta utili- tauração de Pintura, Talha, Manuscritos e
de Minas Gerais. Belo za como literatura de referência a publi- Códices” – para “Centro de Conservação e
Horizonte: UFMG/Escola
de Belas Artes, 1998 cação norte-americana “The treatment of Restauração de Bens Culturais”13. Tal mu-
(Dissertação de
Mestrado). pictures”, escrita por Morton Bradley dança coaduna as influências do ideário de
16
Cf. SOARES, Maria
Luisa Ramos de Oliveira.
Júnior, apropriando-se de uma Aloisio Magalhães – a “fase moderna” do
Critérios de intervenção. metodologia de trabalho então vigente nos órgão oficial de preservação do patrimônio
Quando a tradição
encontra a modernidade. p. Estados Unidos. A atuação pioneira do brasileiro – ocasião em que Magalhães subs-
54. In: Curso de
Preservação de Acervos
Prof. Edson Motta vem, de fato, colaborar titui a noção de valor de “patrimônio histó-
Bibliográficos e com a interpretação da inserção da disci- rico e artístico” por “bem cultural”. Por
Documentais. Fundação
Biblioteca Nacional. Rio de plina nos moldes ditos científicos no con- conseguinte, depreende-se que a política de
Janeiro. 16 a 25 de outubro
de 2006. Coordenadoria de texto pós-Segunda Guerra. Desse modo, a preservação não estaria voltada apenas para
Preservação.
despeito da preservação do patrimônio os objetos de relevância histórica e artísti-
edificado surgir a partir de uma matriz fran- ca, ao contrário, deveria abranger a extensa
cesa, verificamos, na década de 1940, com variedade tipológica de bens culturais, dentre
o trabalho do Prof. Edson Motta, a apro- as quais incluiriam os acervos documentais
priação de uma linha conceitual tipicamen- e bibliográficos. A restauradora Maria Luiza
te americana no que concerne às ações Guimarães Salgado atuou como diretora do
de conservação e restauração de papel. Centro de Conservação e Restauração de
Em 1962, a então Diretoria do Bens Culturais e, ao longo de sua gestão,
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desenvolveu projetos voltados para a preser-
- DPHAN estabeleceu a sistematização do vação de papel tais como: elaboração do es-
“Setor de Recuperação de Pintura, Escul- tudo “Laboratório-Escola para restauração de
tura e Manuscritos”, subordinada à Divi- papéis”; “Formação de pessoal técnico em con-
são de Conservação e Restauração – DCR. servação e restauração”; estudo sobre a defi-
Observa-se a prevalência de serviços de nição de “Técnico de Assunto Cultural – Área
restauração de pinturas e esculturas, en- Restauração”14. Como representante do
tretanto, há também registros que eviden- IPHAN, Maria Luiza Guimarães Salgado tem
ciam a atuação de Edson Motta na restau- atuação pioneira como docente em curso de
ração de acervos em papel oriundos de pós-graduação ao ministrar, em 1978, no 1º.
repartições do próprio governo federal, Curso de Especialização em Conservação e
bem como de instituições de regiões dis- Restauração de Bens Culturais Móveis – lato
tintas do país. Em 1973, na gestão de Re- sensu, na UFMG, a disciplina “Conservação
nato Soeiro, a referida unidade passa a de- e Restauração de Papel”15.

A busca de formação profissional no estrangeiro na década de 1970 e a


implantação dos laboratórios pioneiros em conservação e restauração de papel
nas instituições públicas
A partir dos anos de 1970 as linhas de exemplo: Lindaura Alban Corujeira reali-
trabalho direcionam-se para o conceito eu- za cursos e estágios na Biblioteca Nacio-
ropeu, seja pelo despertar advindo das nal de Madri e no Istituto de Patologia
ações desenvolvidas pós-enchente de Flo- del Libro Alfonso Gallo, em Roma; Ma-
rença16, seja pela formação dos conserva- ria Luiza Ramos de Oliveira Soares faz
dores-restauradores em cursos e estágios estágio técnico no Museu Calouste
de média ou curta formação - Gulbenkian, especializando-se em con-
subsequentes ao Prof. Edson Motta - em servação e restauração de documentos grá-
centros europeus que inspiraram, de cer- ficos (obras raras, gravuras, desenhos e pin-
to modo, o surgimento dos núcleos inici- turas sobre papel); Gilda Lefevbre obtém
ais de conservação-restauração. Assim, bolsa de estudos da UNESCO e realiza trei-
verificamos um grupo de profissionais que namento no Istituto de Patologia del Libro
buscam, de modo pioneiro, a especiali- Alfonso Gallo e Ingrid Beck faz curso de
zação em conservação e restauração de especialização em conservação e restau-
162
papel em instituições européias como por ração de documentos na Biblioteca da Uni-
Anais | Congresso Abracor 2009
versidade de Göttingen e State Graphic institucional com o Centro de Conserva-
Collection of the State of Bavaria, em ção e Restauração de Bens Culturais do
Munique, como bolsista do Carl Duisberg IPHAN e com o LACRE da Fundação Casa
Gesellshaft, CDG, Alemanha. Outrossim, de Rui Barbosa com vistas a obter infor-
podemos correlacionar reflexos produtivos mações de natureza técnica e administra-
por meio da ação dos profissionais que, tiva, além de solicitar treinamento profis-
após receberem formação pautada em sional por meio da realização de estágios
metodologia científica em centros estran- de curta duração.
geiros especializados, indicam a necessi- Diante das dificuldades de ordem fi-
dade premente da implantação de labora- nanceira, técnica e administrativa encon-
tórios de conservação e restauração devi- tradas no campo da preservação dos do-
damente instalados e equipados. Nesse cumentos gráficos podemos verificar, a
contexto, destaca-se o pioneirismo da im- partir do final da década de 1970, estra-
plantação, nos anos de 1978 e 1979, do tégias de aglutinação de núcleos cientí-
“Laboratório de Conservação e Restaura- ficos e de instituições detentoras de bens
ção de Documentos Gráficos – LACRE” culturais com vistas a somar esforços e
do Centro de Documentação da Funda- viabilizar ações efetivas de preservação,
ção Casa de Rui Barbosa, por meio da apro- conservação e restauração de acervos bi-
vação de projeto da Financiadora de Estu- bliográficos e documentais. Nesse senti-
dos e Projetos – FINEP. do, podemos situar a criação, em 1979,
Ao final da década de 1970 e início da da Coordenadoria de Conservação e Res-
década de 1980, mapeamos iniciativas de tauração de Livros e Documentos do Es-
implantação de laboratórios de conserva- tado de São Paulo – CORLIDOSP com o
ção e restauração no âmbito dos governos objetivo de elaborar e implantar uma sis-
estaduais. Tais iniciativas são, de fato, temática de restauração e conservação de
reveladoras na medida em que demonstram livros e documentos históricos, abrir no-
a preocupação regional com a preservação vos campos de pesquisas historiográficas
dos acervos em suporte de papel, bem e aperfeiçoar as técnicas de restauração.
como ilustram a ramificação das ativida- Dentre as primeiras ações da
des de conservação e restauração de papel CORLIDOSP, destaca-se a realização do
pelo território brasileiro a partir dos nú- “Primeiro Encontro Brasileiro de Conser-
cleos pioneiros situados na cidade do Rio vação e Restauração de Livros e Docu-
de Janeiro. Observa-se que os governos mentos”, na cidade de São Paulo, em 30
estaduais buscam manter intercâmbio de julho de 1979.

A implantação de laboratórios de conservação e restauração de papel nas


instituições de ensino universitário na década de 1980, a atuação da sociedade
civil e o despertar da conservação preventiva na década de 1990.

Se, inicialmente, a criação dos laborató- tauração de Bens Culturais – CECOR da


rios pioneiros em conservação e restaura- UFMG (1980); o Laboratório de Conserva-
ção de papel no Brasil vincula-se à proble- ção e Restauração de Obras de Arte sobre
mática de preservação dos acervos alocados Papel do Museu de Arte Contemporânea da
nas instituições públicas é, então, a partir USP (1985); o Laboratório de Preservação de
da metade da década de 1980 que Acervos – LPA da Escola de Biblioteconomia
mapeamos iniciativas de implantação de da UFMG (1986); o Núcleo de Preservação
vários laboratórios e de núcleos de preser- e Conservação de Bens Culturais –
vação no âmbito das universidades. Tal NUPRECON da Escola de Museologia de
constatação evidencia a preocupação com UNIRIO (1987) e o Laboratório de Conser-
a inserção da preservação de acervos em vação e Restauração de Documentos –
papel no campus científico e acadêmico. LACORD na UFF (1988).
Nota-se que alguns dos laboratórios foram A partir dos anos de 1980, com o pro-
criados com fins precipuamente técnico- cesso de redemocratização do País, ocor-
pedagógicos, tendo em vista o atendimen- rem reformulações teóricas na concepção
to das disciplinas de introdução à conser- de patrimônio cultural. Desse modo, a dis-
vação-restauração na área de livros, docu- seminação do conceito antropológico e
mentos e obras em papel notadamente nos pluralista de cultura, o direcionamento da
cursos de Belas Artes, Museologia, pesquisa historiográfica em fontes documen-
Arquivologia e Biblioteconomia. Dentre as tais alocadas em arquivos e bibliotecas, a
iniciativas pioneiras temos: o Laboratório abertura da História a novos atores sociais
de Papéis do Centro de Conservação e Res- e o aflorar de memórias outrora silenciadas 163
Anais | Congresso Abracor 2009
17
Cf. ZÜÑIGA, são elementos que contribuíram para a re- artesanal e artística.
Solange Sette Garcia
de. Documentos como significação social dos acervos em suporte Na década de 1990, ocorrem significati-
objeto de políticas
públicas em de papel como bens identitários da memó- vas mudanças de paradigmas conceituais
preservação e o
acesso à informação: o
ria cultural. Diante da lacuna e das motivadas pelo despertar da conservação
caso das bibliotecas e indefinições por parte do Estado, preventiva. É nessa perspectiva que as
arquivos. Rio de
Janeiro: UFRJ/Escola mapeamos, a partir dos anos de 1980, es- ações de conservação e restauração de pa-
de Comunicação, 2005
(Tese de doutorado em tratégias de aglutinação de profissionais em pel pautam-se, notadamente, em referênci-
Ciência da
Informação).
torno de associações de conservação-restau- as bibliográficas de autores norte-america-
ração, de cooperativas de prestação de ser- nos, conforme evidenciado no Projeto “Con-
viços e de ONGS que acabam por se carac- servação Preventiva em Bibliotecas e Arqui-
terizar em espaços de sociabilidades, de vos” - CPBA17. Com a apropriação dos con-
comunicação e de formação de valores. Em ceitos estabelecidos pela conservação pre-
1980, é criada a Associação Brasileira de ventiva, nota-se o paulatino desligamento
Conservadores e Restauradores de Bens da aplicação de técnicas curativas do bem
Culturais - ABRACOR, reunindo profissio- cultural e, por conseguinte, verificamos as
nais em torno da preservação do patrimônio iniciativas com tônica no desenvolvimento
cultural. Em 1988, foi criada a Associação de programas de preservação dos estoques
Brasileira de Encadernação e Restauro – informacionais, planejados sob a ótica
ABER, sediada em São Paulo. A ABER esta- interdisciplinar, os quais compreendem
beleceu como objetivo central congregar os aspectos políticos, culturais, técnicos e
profissionais e entidades especialmente na administrativos. Verificamos, ainda, ao
conservação-restauração de livros, documen- longo da última década, o desenvolvimen-
tos impressos e manuscritos. Em 1990, a to de vários projetos de preservação de
ABER, em convênio com a Escola SENAI acervos em papel caracterizados por prá-
Theobaldo de Nigris, criou o curso de Con- ticas sociais inclusivas. Desse modo, cabe
servação e Restauração de Documentação analisar a ampliação do perfil dos agentes
Gráfica, formando, ao longo de 18 anos, sociais que se integram à tarefa
cerca de 300 técnicos auxiliares. A criação preservacionista. Temos aqui a possibili-
da ABER mostra-se vinculada ao ideário de dade de considerar a preservação do
Guita Mindlin e Thereza Nickelsburg patrimônio cultural como instância
Brandão Teixeira, as quais já desenvolvi- socializadora, ou seja, como espaço plural
am atividades no campo da encadernação de múltiplas relações sociais.

Considerações finais
O exame das narrativas, práticas e repre- de muitas décadas, um lugar de primazia
sentações – demarcadas no campo da con- e hegemonia na arena preservacionista. No
servação e restauração de papel - encami- julgamento e na escolha dos bens dignos
nhou-se no sentido de compreender a gêne- de preservação, poder-se-ia dizer que, la-
se da construção cultural preservacionista, mentavelmente, o patrimônio sobre papel
forjada em meio à rede de trocas simbólicas ficou preterido por não apresentar os con-
dos múltiplos atores e instituições sociais. siderados apelos históricos, artísticos, es-
No que diz respeito aos critérios de téticos e econômicos capazes de atrair a
valoração do bem cultural e, atenção preservacionista. Onde fundou-se
consequentemente, das escolhas do essa valoração desigual? Seriam as obras
patrimônio a ser preservado por parte do de arte em suporte de papel categorizadas
Estado, os dados analisados nesta pesqui- como “artes menores”? Seriam os acervos
sa nos permitiram entrever que os acervos em papel desprovidos de representação sim-
bibliográficos, documentais e as obras de bólica no processo de construção das iden-
arte em suporte de papel - enquanto cate- tidades históricas e culturais da nação?
goria tipológica de bens culturais - não ocu- Desse modo, podemos concluir que, mui-
param, desde a criação do Decreto-Lei nº. to embora a preservação de algumas cate-
25 de 1937, posição relevante e merece- gorias de acervos em papel - como acervos
dora de preservação. Ao contrário, verifi- os bibliográficos de valor excepcional e os
camos - na noção de “excepcionalidade” manuscritos raros - tenha sido juridicamen-
que norteou historicamente a prática de te instaurada a partir do Decreto-Lei nº. 25
preservação do Estado brasileiro - que o de 1937, é somente a partir da década de
patrimônio edificado, os monumentos 1980 que a conservação-restauração de pa-
emblemáticos, as pinturas de cavalete, as pel alcança visibilidade no cenário
esculturas policromadas e demais objetos preservacionista brasileiro.
museológicos sempre detiveram, ao longo Com relação ao modelo educacional, cabe
164
Anais | Congresso Abracor 2009
ressaltar que a inexistência de uma forma- portanto, nos conceitos estabelecidos pela
ção sistemática por meio da graduação aca- conservação preventiva. Tal constatação é
dêmica, na área de preservação de papel, evidenciada nas ementas das disciplinas de
constituiu-se num grave fator que compro- preservação de papel ministradas dos cur-
meteu, sobremaneira, o desenvolvimento da sos universitários e nas grades curriculares
disciplina no âmbito brasileiro. Conforme dos cursos de graduação e pós-graduação.
se pode analisar, foram as instituições de- Nesse sentido, observa-se a ampliação das
tentoras de acervos e outras iniciativas iso- atividades e da atuação do conservador-res-
ladas que, ao longo das últimas décadas, taurador de papel no Brasil, ou seja, muda-
por meio de um ensino informal, acabaram se o perfil do profissional outrora centrado
por oferecer treinamentos práticos, estágios numa ação de caráter micro, para o emergir
supervisionados e cursos de curta duração de um novo profissional pautado numa vi-
com vistas a suplantar a evidente lacuna são ampla, interdisciplinar, comprometida,
educacional. portanto, com aspectos culturais, científi-
Não obstante o discurso e metodologia cos, políticos, gerenciais e administrativos.
científica que se pretendeu implementar no Ao nos debruçarmos sobre a trajetória
Brasil, a conservação-restauração de acervos histórica da conservação e restauração de
em papel no Brasil foi interpretada, ao lon- papel no Brasil, por meio de diferentes fios
go das cinco últimas décadas do século narrativos, concluímos, à luz do pensamen-
passado, como uma prática curativa, pon- to bourdieusiano, os esforços empreendi-
tual e intervencionista, voltada para o bem dos pelos agentes sociais no sentido da
cultural deteriorado. O conservador-restau- “criação de campo simbólico”, da “inven-
rador de papel era concebido como um in- ção de uma categoria social” e “às lutas
divíduo paciente, meticuloso e dotado de por formas de classificação social”, forja-
habilidades manuais e artísticas – da em meio: à apropriação do conhecimen-
notadamente oriundo da formação acadê- to científico como base normativa da dis-
mica em Artes Plásticas - e sua atuação es- ciplina, à implantação de laboratórios e
tava caracterizada por um fazer operacional, de núcleos de conservação e restauração, à
bem como por um labor silencioso e isola- criação de associações de representação da
do em laboratórios de conservação e restau- classe, à elaboração de código de ética, à
ração. Esta prática reducionista deve ser ex- implantação da graduação universitária em
tinguida e atualmente pode-se constatar o conservação e restauração de bens cultu-
direcionamento para uma linha de menor rais e à luta pela regulamentação da pro-
intervenção, além do chamamento ao diá- fissão do conservador-restaurador de bens
logo no planejamento de trabalho norteado, culturais no País.

165
Anais | Congresso Abracor 2009
166
Anais | Congresso Abracor 2009
CARVALHO, Humberto Farias.
Conservador-restaurador e arte educador. Mestrando em artes
visuais da linha de pesquisa crítica e história da arte UFRJ.
humbertofarias@hotmail.com

1
DANTO, Arthur C.
Considerações acerca da possibilidade de Após o Fim da Arte: a
arte contemporânea e
os limites da história.
conservação de arte contemporânea. São Paulo: Odysseus
Editora, 2006. p.
2
VIÑAS, Salvador
Muñoz. Teoría
Contmporánea de la
Restauración. Madrid:
Esta comunicação pretende abordar as consequências, os efeitos do tempo sobre as obras de Editorial Síntese, 2004.
p. 80, tradução nossa.
arte contemporânea, e de que maneira pensar a conservação e a restauração destas. 3
VIÑAS, op. cit. , p. 18.

A partir de exemplos específicos de trabalhos de artistas contemporâneos como Mira


Shendel, Robert Smithson e Rirkrit Tiravanija, serão desenvolvidas reflexões com o
intuito de propor considerações gerais a respeito da possibilidade de se conservar e
restaurar obras de arte contemporânea. Desta forma, criar um pensamento crítico,
acerca da natureza dos trabalhos destes artistas, orientado pelo esforço conjunto de
teorias da história da arte e da restauração. As ponderações relativas às obras deste
período conduzirão a questões inerentes às possibilidades de atuação no campo da
conservação e da restauração.

Palavras-chaves:
Passagem do tempo; conservação; arte contemporânea. Utilização de datashow.

This communication intends to approach the consequences, the effects of time on


contemporary works of art, and in which way to think their conservation and restoration.
From specific examples of contemporary artist’s works such as Mira Shendel, Robert
Smithson and Rirkrit Tiravanija, reflexions will be developed aiming to propose gene-
ral considerations about the possibility of conserving and restoring contemporary works
of art. In this sense, to create a critical thinking about the nature of these artist’s works,
guided by the effort altogether from history of art’s theories and restoration’s ones.
The considerations related to the art works from this period will lead to questions
inherent to the possibility of acting at the conservation and restoration field.

A partir de exemplos específicos de tra- moderna1. Entretanto, o que buscamos nes-


balhos de artistas contemporâneos como ta comunicação é a sistematização de teori-
Mira Shendel, Robert Smithson e Rirkrit as da crítica de arte com teorias da conser-
Tiravanija, serão desenvolvidas reflexões vação e restauração, entendendo que a uti-
com o intuito de propor considerações lização das teorias acontece quando se com-
gerais a respeito da possibilidade de se preende as relações intrínsecas das proposi-
conservar e restaurar obras de arte con- ções das obras de arte.
temporânea. Desta forma, criar um pensa- Como se sabe a restauração é o conjun-
mento crítico, acerca da natureza dos tra- to de atividades materiais, ou de proces-
balhos destes artistas, orientado pelo es- sos técnicos, destinados a melhorar a efi-
forço conjunto de teorias da história da arte ciência simbólica e historiográfica dos
e da restauração. As ponderações relati- objetos, atuando sobre os materiais que os
vas às obras deste período conduzirão a compõem2. E está ligada diretamente a con-
questões inerentes às possibilidades de servação ambiental ou preventiva. A con-
atuação no campo da conservação e da servação promove medidas para que o ob-
restauração. jeto de arte experimente o menor número
Para se pensar conservação e restaura- de alterações durante o maior tempo possí-
ção de arte contemporânea, é necessário vel. A conservação3 atua diretamente sobre
o entendimento de que esta é uma arte os materiais que compõem os objetos artís-
individual, onde em sua maioria, as obras ticos, sem alterar suas capacidades simbó-
não compartilham de procedimentos licas. Ambas as atividades estão preocupa-
grupais, como é possível perceber na arte das em manter o objeto de arte em condi- 167
Anais | Congresso Abracor 2009
4
BRANDI, Cesare. Teoria
da Restauração. São ções adequadas de fruição para as gerações tura é monocromático buscando o vazio,
Paulo: Ateliê Editorial, atuais e futuras, ou seja, adequar e manter com pequenos desníveis na superfície for-
2005.
5
VIÑAS, op. cit. sua condição física para a posteridade. mando linhas virtuais. De fatura lisa e sem
6
Em restauração a
aplicação de qualquer Existem teorias de restauração considera- impregnação gestual, o ouro ilumina a têm-
tipo de tinta sobre a
camada de pintura das clássicas como por exemplo a de Cesari pera convidando à placidez, à contempla-
original é denominado Brandi4, e teorias consideradas contempo- ção e à reflexão. O caráter intimista, a refe-
repintura.
7
MARQUES, Maria râneas como a de Salvador Muñoz Viñas5. rência de textura, de aridez e de opacidade
Eduarda. Espaços da
Arte Brasileira: Mira Em linhas gerais, para Brandi a restaura- da têmpera com a assinatura em ouro, bus-
Schendel. São Paulo:
Cosac & Naify, 2001.
ção deve visar o restabelecimento da uni- ca reportar também o mundo hebraico, da
8
GREENBERG, dade potencial da obra, desde que não cabala, ein sof (sem fim). Com a restaura-
Clemente. Arte e
Cultura. São Paulo: cometa um falso artístico e não remova as ção foi possível restituir parte da intenção
Editora Ática, 1989.
9
Dentro da análise marcas que a obra adquiriu com a passa- proposta pela artista, na remoção das man-
semiológica, significante
gem do tempo. Viñas pretende, durante o chas, tornando a superfície lisa e homogê-
é uma dimensão do
signo que se apresenta processo de restauração, não alterar os nea dando sensação de vazio e solidão de-
numa determinada
materialidade. significantes de uma obra de arte conside- sejada. Porém a opacidade, a aridez, o sen-
10
O livro de Brandi,
“Teoria da Restauração”, rando seu valor simbólico e historiográfico. tido afirmativo e transgressor do espaço real,
foi publicado no ano de
As teorias existentes tratam de objetos físi- se perderam para sempre.
1963, e os artigos mais
famosos de Greenberg, cos, a intervenção na matéria busca man- Quando o pseudo-restaurador sem ne-
“Pintura Modernista” em
1960, e “Depois do ter os códigos visuais, de modo a não alte- nhum conhecimento crítico-histórico da
expressionismo
Abstrato” em 1962. rar a mensagem. obra de Mira Schendel aplicou tinta PVA
Danto publicou seu livro Iniciemos o desenvolvimento deste ra- sobre têmpera, ele amputou a pintura. O
“Após o Fim da Arte: a
arte contemporânea e os ciocínio utilizando como exemplo pintu- binário conceito e matéria se desfez no
limites da história” em
1997, e Viñas o livro ra, desta forma, contribuindo para o en- momento em que a repintura de tinta PVA,
“Teoria contemporânea
da restauração” em 2004, tendimento da lógica das teorias de res- a base de água, sensibilizou a têmpera, se
contendo muitas citações tauração e crítica de arte, e no desenvolvi- ancorando a ela e impossibilitando qual-
a Danto
mento de considerações que possam orien- quer tipo de reversibilidade.
tar procedimentos ligados à conservação e Cogitemos problemas hipotéticos na obra
restauração. Usemos uma pintura de Mira acima exemplificada, e façamos uma refle-
Shendel. (IL. 1.). xão tendo como comparação de um lado os
Esta obra foi encaminhada para restaura- teóricos Brandi e Clemente Greenberg8 e de
ção porque apresentava manchas resinosas outro Viñas e Arthur C. Danto. Partiremos
sobre a camada de pintura, e isso incomoda- por um lado de uma leitura formalista de
va muito o proprietário da obra. Descobriu- Greenberg e do pensamento da teoria
se que a obra foi repintada6 por completo, brandiana que atribui valores às instâncias
um pseudo-restaurador aplicou uma nova histórica e estética. E por outro lado, de um
camada de tinta sobre toda a camada de pin- pensamento filosófico acerca do objeto de
tura original. Após alguns exames, acredita arte de Danto e a teoria de Viñas, que se
se tratar de uma repintura a base de tinta preocupa com a preservação dos
PVA (acetato de polivinila). (IL. 2.). significantes9 da obra. Os pares teóricos fo-
Este trabalho é uma têmpera e folha de ram reunidos a partir das afinidades de pen-
ouro sobre gesso e madeira, pertencente samentos e do momento histórico que am-
à série que começou a ser produzida em bos publicaram suas teorias10.
torno de 1983. Mira Schendel7 era judia Imaginemos que a folha de ouro per-
de origem suíça, e veio para o Brasil em tencente à pintura estivesse muito desgastada
1949. Como se sabe, esta série de traba- pelo tempo, perdido a aparência dourada e
lhos realizados nos anos 80 possui uma o brilho. E a camada de tinta com vários
carga mística oriental, onde o plano da pin- pontos de alteração de cor e perdas de ca-

IL. 1. Fotografia. Mira Schendel, têmpera e folha de ouro sobre ges- IL. 2. Fotografia. Mira Schendel, têmpera e folha de ouro sobre ges-
so e madeira sem título 1987. Observação, fotografia realizada após so e madeira sem título 1987. Fotografia realizada sob microscópio
a restauração. FONTE: Fotografia do autor. de luz polarizada ampliada 200x. FONTE: Fotografia do autor.
168
Anais | Congresso Abracor 2009
11
Dentro da análise
mada pictórica. Acreditamos que um con- de transgressão realizado pela arquitetura na semiológica, significado é
servador/restaurador, seguindo os postula- natureza como dilaceração da superfície da uma dimensão do signo que
se apresenta como conceito,
dos da teoria de Brandi, faria retoques nas terra. Smithson valida o fetichismo do relativo a uma determinada
cultura.
áreas de perda, de modo que pudessem ser material oriundo da natureza, e propõe a 12
FOSTER, Hal; KRAUSS,
reconhecidos, para não se criar um “falso “fissura”13 como possibilidade maior de Rosalind; BOIS, Yve-Alain;
BUCHLOH, Benjamin H. D.
artístico”. Na folha de ouro nada se faria, desvincular a matéria ao objeto de arte. A Arte desde 1900. Madrid:
Ediciones Akal, 2006. p.
pois é importante para a instância histórica desmaterialização do objeto físico para 505-508.
13
SMITHSON, Robert. Uma
preservar a passagem do tempo sobre o Smithson significa que nada é sólido, tudo Sedimentação da Mente:
material, também com o intuito de não se é permeável. Em um de seus trabalhos mais projetos da terra. In:
FERREIRA, Gloria;
criar um “falso artístico”. significativos a Spiral Jetty (IL. 3.), consiste COTRIM, Cecília (orgs.).
Escritos de Artistas: anos
É possível que Greenberg ficasse satis- em um grande deslocamento de enormes 60/70. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2006. p. 191.
feito com o posicionamento de Brandi, e quantidades de rocha e terra que se projeta 14
KRAUSS, Rosalind.
até mesmo com o tratamento do pseudo- da margem para o interior sobre um grande Caminhos da Escultura
Moderna. São Paulo: Martins
restaurador que aplicou tinta (PVA) sobre a lago salgado em forma de espiral. Fontes, 2001. p. 336.

têmpera. Para Greenberg o que lhe interes-


sa é a forma, retângulo e triângulo, a pureza
filosófica buscada nas formas geométricas,
o “essencial” de cada meio. A diferença en-
tre técnicas pictóricas, provavelmente, não
alteraria seu entendimento com relação à
leitura formal e purista abstrata.
Na teoria contemporânea da restauração,
Viñas, para não alterar os significantes da
obra, faria uma investigação acerca das in-
tenções do artista para com os materiais
utilizados, perguntando-se qual o valor se-
mântico que aquela materialidade carrega
e qual a importância simbólica dentro de
um contexto social que se faz necessário
restaurar. Pois a modificação da aparência
material acarretaria a mudança dos
significantes e, por conseguinte dos signifi-
cados11. Ora, a mudança do significado, que IL. 3. Fotografia. Robert Smithson, Spiral Jetty, 1970. FONTE: FOSTER, Hal;
KRAUSS, Rosalind; BOIS, Yve-Alain; BUCHLOH, Benjamin H. D. Arte desde
é o conceito, comprometeria a comunica- 1900. Madrid: Ediciones Akal, 2006. p. 543.
ção, a linguagem, o pensamento de ques-
O artista utiliza elementos que pertencem
tões íntimas e subjetivas que levaram Mira
ao universo mítico dos primeiros habitantes
Schendel a propor aquela obra. De acordo
do local onde foi construída a obra, estes
com Viñas, Danto entende que a arte con-
acreditavam na existência de um redemoi-
temporânea efetiva-se na individualida-
nho originado por um forte curso de água
de das proposições artísticas, e que o enten-
subterrâneo. Tendo a obra a forma de espi-
dimento da pintura está vinculado a um
ral, Smithson reúne o objeto artístico ao mito.
conceitualismo inerente à obra de arte.
No livro de Rosalind Krauss encontramos o
Desta forma, acredita-se que na teoria de
seguinte sobre a obra:
Viñas seria imprescindível a restituição das
“Contemplando o local, ele reverberava
qualidades estéticas da folha de ouro como
para os horizontes sugerindo um ciclone
foi pensada pela artista, e na camada pictó-
imóvel, enquanto a luz bruxuleante fazia
rica um tipo de retoque que chegasse ao
com que a paisagem inteira parecesse sacu-
resultado de superfície homogênea e árida
dir. Um terremoto dormente propagava-se
da têmpera, buscando manter os
por uma imensa circularidade. Desse espa-
significantes como proposto pela artista.
ço giratório surgiu à possibilidade do Que-
Na obra de Robert Smithson, percebe-
bra-mar espiral. Nenhuma idéia, conceito,
se a existência de um viés analógico entre
sistema, estrutura ou abstração podiam sus-
matéria e homem, procedimentos e
tentar-se diante da realidade daquela prova
vivências, organizados pelo conceito de
fenomenológica.”14
entropia12. Tais semelhanças demonstram
O autor de Spiral Jetty coloca sua obra
intenções diretas com a natureza, que é
dentro de um contexto fenomenológico
vista como ciclos, onde sua matéria gera
onde espera que o fruidor experimente este-
o pensamento investigativo que conduz
ticamente a obra estando imerso no traba-
suas proposições. Estas transformações
lho para reconhecer que a expansão do es-
naturais vão ao encontro das transformações
paço natural se encontra no interior do ob-
do homem, o artista relaciona o processo 169
Anais | Congresso Abracor 2009
15
ÉRIC, Aliez. Da
impossibilidade da
fenomenologia. São
Paulo: Editora 34,
1996. p. 87.
16
KRAUSS, op. cit.
17
Quer dizer o indício
de que algo aconteceu,
como por exemplo as
pegadas marcadas na
areia da praia indicam
que alguém passou por
ali.
18
OBRIST, Hans Ulrich.
Arte agora! : em 5
entrevistas / Martthew
Barney, Maurizio
Catellan, Olafur Eliason,
Cildo Meireles, Rirkrit
Tiravanija. São Paulo:
Alameda, 2006. p. 79-80.
IL. 4. 1970,Robert Smithison, Spiral Jetty in Red Salt Water, grafite
sobre papel, 9" X 12".FONTE: http://www.robertsmithson.com/ .

servador. A sensação de Spiral Jetty é a de-


IL. 5. Vista da instalação de Rirkrit Tiravanija, sem título 1992 (refei-
claração de afastamento da posição que ta em 200). FONTE: http://nymag.com/arts/art/reviews/31511/ .
ocupamos relativamente a nossos centros
físicos e psicológicos. Assim, podemos pen- semântico.
sar em fenomenologia do conceito15 que No trabalho de Rirkrit Tiravanija, consi-
produz o conceito como objeto. derando as devidas diferenças, possui um
Este trabalho de Smithson está compre- caráter de ciclo igual ao de Smithson. Em
endido no campo da Earthwork ou Land seu trabalho “sem título de 1992 (Free)”(IL.
Art16, como é sabido, é muito difícil o aces- 5.), Tiravanija constrói uma espécie de ins-
so ao local onde foi realizada a obra, com talação. Neste ambiente o artista propõe a
possibilidade da não existência da mesma obra, ela é o acontecimento, uma situa-
hoje. Como experimentar esteticamente ção de encontro com celebração entre gru-
obras desta categoria? É possível que estas pos de pessoas, como uma espécie de ri-
obras pertencentes ao grupo Land Art, só tual onde todos estão incluídos, criando
possam ser experimentadas indicialmente17. relações de bem-estar e intervalos de boa
Desta forma, a possibilidade de fruição a vontade. São pequenas utopias, onde o pro-
partir do índice da obra, ou seja, por meio cesso, o acontecimento, é a materialidade
de fotografia, projeto, documento, vídeo artística, não os objetos ali presentes. O ar-
e resíduos, conserva o conceito, o conhe- tista neste trabalho levou fogareiros portá-
cimento do artista, pois a matéria que re- teis e ofereceu comida tailandesa para os vi-
presenta o trabalho, em muitos casos, é sitantes, demonstrando interesse na arte que
impossível de ser restituída ao seu estado se desenvolve quando os visitantes comem e
íntegro de modo a manter seu valor simbó- conversam com o artista e entre si, contribu-
lico. Logo, para se restaurar uma obra de indo para a criação da obra.
arte é necessário que se atue no material A relação de ciclo se faz quando um even-
que a constitui, pois a matéria é o to acaba e outro começa, preparar a comi-
significante que temos que preservar para da, comer e findar.
não alterar os significados que o artista Nas palavras do curador suíço Hans Ulrich
propôs. Se considerarmos que na Spiral Obrist 18 o mais importante não é o que você
Jetty de Smithson o que se conserva é o vê, mas o que acontece entre as pessoas, ou
conceito como objeto de arte, e sendo o seja, os elementos visuais, os objetos, são
significado o conceito advindo de uma meros pretextos para garantir a relação entre
materialidade, existe a impossibilidade de os visitantes, nas palavras de Nicolas Borriaud
se restituir algo imaterial. Em última análi- é a “Estética Relacional”. Se os objetos como
se, se a experiência do trabalho é indicial, bancos, cadeiras, panelas, fogareiros, copos,
o único elemento que é possível restituir, talheres, geladeira e toda a estrutura de ma-
restaurar, é o suporte que carrega a ima- deira montada são meros coadjuvantes para o
gem e a proposição da obra. protagonista “o acontecimento”, seria
Todavia, esta condição indicial coloca- irrelevante a conservação e a restauração dos
da por intermédio de projeto (IL. 4.) ou foto, mesmos. Os registros fotográficos, projetos e
possibilita a “reconstrução” do objeto de arte. toda sorte de técnicas de registro dão a medi-
Como é sabido, a reconstrução, a obra de- da indicial de que a relação aconteceu, con-
senvolvida a partir de projeto era o pensa- tribuindo para a conservação da obra. Assim,
mento em voga desta geração de artistas. mais uma vez a conservação e a restauração
Sendo assim, a obra pode emergir atra- se limitam em manter os objetos materiais,
vés da reconstrução, a materialidade é sejam eles físicos em sua condição material
170 reconstituída e assim restaurado seu valor ou físico em sua condição “indicial”.
Anais | Congresso Abracor 2009
Referências bibliográficas
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WOOD, Paul. Movimentos da Arte Moderna: arte conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 171
Anais | Congresso Abracor 2009
172
Anais | Congresso Abracor 2009
LANER, Márcia Regina Escorteganha
Mestre em Arquitetura e Urbanismo, do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo- Pós-Arq- Universidade Federal de Santa Catarina-
UFSC, Brasil.

MEDEIROS, João de Deus


Professor Doutor do Departamento de Botânica CCB – Universidade Federal de
Santa Catarina- UFSC

VALLE, Ângela do
Departamento de Eng. Civil CTC- UFSC

ARTE SACRA CATARINENSE:


A “FUGA PARA O EGITO” E SUA
IDENTIFICAÇÃO ANATÔMICA
A obra sacra “Fuga para o Egito” é uma obra artística valiosa para o patrimônio religi-
oso do Estado de Santa Catarina. É uma talha em madeira, policromada e dourada, adqui-
rida em 1902 pela Catedral Metropolitana de Florianópolis, vinda da região do Tirol na
Áustria. Para averiguar se é realmente a madeira utilizada it “tília Grandisflora”, foram
feitas análises anatômica com o objetivo de identificar sua espécie botânica.
Com os exames e análises efetuados para a identificação anatômica possibilitou com-
provar que a espécie utilizada na Talha é um exemplar de gimnosperma- espécie ‘pinacea’
não é um exemplar de angiosperma- espécie ‘tiliacea’.
Para a preservação patrimonial, é importante analisar os tipos de os materiais que com-
põem as obras patrimoniais, pois isso influi nas patologias e nos procedimentos de con-
servação e restauração dos bens culturais, minimizando os processos de degradação.

Palavras-chave:
Patrimônio Cultural; Identificação anatômica; História; Arte Sacra.

It The art sacra “Escape for Egypt” is a valuable artistic workmanship for the religious
patrimony of the State of Santa Catharina. It cut in wood, policromada and golden, acquired
in 1902 pela Cathedral Metropolitan of Florianópolis, coming da region do Tirol na
Austria.It is known as being a sculpture executed in wood “tília Grandisflora”. To inquire
if this affirmation, executed analyses with the objective to identify its botanical species,
The examinations and analyses for the anatomical identification whom it made possible
to prove the species used in the Cut is a unit of gimnosperma- “pinacea” species is not a
unit of angiosperma- “tiliacea” .
For the patrimonial preservation, it is important to carry through analyses to the types of
materials that compose the patrimonial workmanships, therefore this it determines its
patologias, influences in the procedures of conservation and restoration of the cultural
goods, minimizes the degradation processes

Key-words:
Cultural patrimony; Anatomical identification; History; Art sacra.

1 INTRODUÇÃO
A centenária imagem “Fuga para o Egito” Florianópolis, um conjunto esculpido em
é uma das mais belas e valiosas obras sa- madeira feito pelo “artífice Demetz”, de
cras que compõem o acervo de bens cultu- “Gröden”, no “Tirol” Austríaco, hoje Itá-
rais móveis do Estado de Santa Catarina. lia, representa a cena bíblica da “Fuga para
Em “30 de maio de 1902” Foi adquirida o Egito”, a obra é entalhada em madeira
pela Catedral Metropolitana de “Tília Gransdiflora” e o “Pe. Francisco Topp

173
Anais | Congresso Abracor 2009
1
Entrevista realizada em
18 de agosto de 2005,
inaugura a imagem que custou 2 contos” era a prática que se tinha conhecimento na
onde Pe. Pedro Koheler (Livro tombo II- 1902 a 1930, p. 09). época. O produto aplicado durante o ba-
declara:
“quanto a esta imagem Esta obra foi esculpida em dois blocos de nho reagiu ao longo do tempo deixando um
de Nossa Senhora do
Desterro, conhecida madeira de procedência européia, executa- aspecto escurecido sobre a policromia e
também como Fuga para o
Egito, de Hans Demertz,
da por Ferdinand Demetz da Academia douramento da imagem, que por muito tem-
de Greden, no Tirol, Gröden- Áustria. É uma talha em madeira, po pensou ser o seu aspecto natural da obra.
Áustria, por mais
pesquisa que eu tivesse policromada e dourada, um dos blocos é a Ao serem realizadas prospecções em
feito nos meus estudos
para aquele folheto, que imagem de São José caminhando, (dimen- 2005, observou-se que é possível recuperar
levei ao conhecimento do
Osvaldo Rodrigues
sões: 1.96 X 81 X 76 cm (altura x largura X a policromia e o douramento da obra, ape-
Cabral e do prof. Osvaldo profundidade), o outro bloco representa Nos- sar de existirem desgastes, craquelês, inter-
Pauli – são historiadores,
e mais um outro professor sa Senhora e o Menino Jesus montados em venções inadequadas e perdas pontuais.
de história, então eu
procuro ser, eu acho que um burro (dimensões: 2.31 X 1.67 X 63 cm Com o objetivo de devolver seu aspecto
os dados históricos devem
ser precisos; não posso
(altura x largura X profundidade). Ela está cromático original da policromia e do
colocar filosofia do exposta na nave central da Catedral, com douramento, além de eliminar o ataque re-
achismo; então, não
encontrei nenhum dado de placa de identificação fixada ao seu lado. corrente de insetos xilófagos, pretende-se
quando esta imagem teria
vindo para o Brasil.
Na década de 1950, sua estrutura estava executar um processo de restauração nesta
Alguns acham ser do bem comprometida pela infestação de in- imagem, que ocorrerá durante o conjunto
século dezoito; não
sabemos. O fato é que setos xilófagos. de obras de intervenção que estão em anda-
temos um registro que ela
veio aqui para Para tentar eliminar esta patologia a ima- mento desde 2005 em todo o complexo da
Florianópolis em 1902.
Portanto, ela está aqui em
gem foi submersa em um tanque onde rece- Catedral Metropolitana de Florianópolis e
Florianópolis há 103 anos beu um banho com produtos químicos. Esta seu acervo sacro.
e ela é em madeira, Tília
Grandiflora – Lindenhous
– em alemão, Lindenhous 2 AFIRMAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A ESPÉCIE DA
é bonito – madeira bonita.
E eu soube, mais ou
MADEIRA QUE COMPÕE A TALHA
menos que havia uma,
esta, uma grande As afirmações aqui apresentadas servem dois blocos de cedro”. (Diagrama, 2005,
indústria, na Áustria, que,
na época, confeccionavam como justificativa para a pesquisa de iden- p.02). (grifo nosso).
imagens; agora, isto devia
se pesquisar lá para tificação anatômica da madeira, que é o Outro enfoque que merece esclarecimen-
saber de quando mais ou
menos... desde quando
suporte da obra sacra e demonstra que his- to é em relação ao termo popularmente usa-
começou esta indústria, toricamente a informação divulgada com do para denominar esta obra como uma es-
quem sabe eles teriam
algum dado sobre esta relação à espécie botânica da madeira, es- cultura, mas o correto seria chamá-la de ta-
imagem que é tão
admirada”. tavam equivocadas. As afirmações históri- lha, pois segundo ÁVILA (1996, p. 176) e
cas referentes a “Fuga para o Egito”, são: Damasceno (1987, p. 42) a designação ta-
- “obra entalhada em madeira “tília lha, que faz parte do conjunto referencial das
Grandisflora” (SALLES, 1995, p. 49)² . esculturas e geralmente é executada em ma-
- “[...]é em madeira, Tilia grandiflora – deira, se refere à obra entalhada onde a re-
Lindenhous – em alemão, Lindenhous é presentação gráfica tem só uma face e o ver-
bonito, madeira bonita”.( entrevista: Padre so é desbastado ou entalhado. E o termo es-
Pedro Koheler, 18/08/2005)¹. cultura é referente à representação gráfica
- Técnica-escultura em dois blocos de ma- tridimensional (exemplo: estátua), em que
deira “Tília Grandifolia” dourada e policromada se pode observa frente e verso com represen-
(placa de identificação ao público, exposta na tação da forma e da volumetria esculpida.
nave centra da Catedral). (grifo nosso) Mas o enfoque principal da pesquisa tra-
- “[...] escultura “Fuga para o Egito” do ta da identificação anatômica da madeira,
artista tirolês Demetz, que apresenta em como veremos a seguir.

3 OBJETIVO
O Objetivo desta pesquisa é identificar a espécie de madeira da talha, por meio de
análise macroscópica e microscópica, coletando assim dados relevantes para os procedi-
mentos de restauração da obra e esclarecer algumas denominações históricas.

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os procedimentos utilizados durantes 3. Coleta de amostras;
esta pesquisa, foram: 4. Análises Laboratoriais- Identificação
1. Pesquisa Histórica da obra; anatômica da madeira;
2. Diagnóstico do estado de conservação; 5. Síntese das Informações Coletadas.

174
Anais | Congresso Abracor 2009
2
Em 1902 era anexado
5 Diagnóstico do estado de conservação ao acervo da Igreja um
conjunto esculpido em
Arriaga (2002) defende que: “[...] o pri- desgaste; fissuras; desprendimentos pontu- madeira pelo artista
Joham Demetz, de
meiro passo antes de uma intervenção e ais; pequenas perdas generalizadas; áreas Groding uma cidade do
conhecer seu estado para definir o tipo de com desgaste. Tirol Austríaco, hoje
Itália. A obra entalhada
atuação e também conhecer as patologias - Douramento: com oxidação; acúmulo em madeira “tília
Grandisflora”
que afetam as estruturas[...]”. A mesma re- de sujidade de forma generalizada (poeira, representa a cena
bíblica da “fuga para o
comendação se manifesta na Carta de Res- excremento de insetos); pequenas fissuras; Egito”, quando José
tauro de 1972 – Itália (CURY, 2000): áreas com desgaste; pequenas perdas gene- tangenciando o burrinho
transportava Nossa
“[...] a primeira operação a realizar, antes ralizadas. Senhora e o Menino
Jesus. A obra é
da intervenção, em qualquer obra de arte - OBS: ocultamento da superfície por executada em dois
blocos de madeira e
pictórica e escultórica, é um conhecimento substâncias não identificada, que com o segundo peritos que
cuidadoso de seu estado de conservação. Em passar do tempo empregou um aspecto es- examinaram seu valor
artístico é incalculável.
tal reconhecimento se inclui a comprovação curo a imagem. Representa uma
relíquia do estilo
dos diferentes extratos materiais que com- Com base no diagnóstico efetuado perce- barroco e uma das
põem a obra [...] e a determinação das dife- beu-se a necessidade de averiguar o suporte obras artísticas mais
valiosas do patrimônio
rentes épocas através das estratificações.” (madeira) que constitui a imagem para en- religioso do estado de
Santa Catarina
Isto demonstra a importância do diagnósti- tender os motivos da infestação generaliza- (SALLES, 1995, p. 49).
co e da inspeção como ações pré-intervenção da no interior da obra, mas que pouco afe-
nos processos de conservação-restauração. tou as policromias e o douramento, estes
Em setembro de 2005, foram realizados foram afetado mais esteticamente pelo ba-
procedimentos investigativos através da ins- nho químico do que pelo ataque de insetos
peção visual e de percussão, para análise xilófagos.
do estado de degradação da obra sacra, com Outra precaução em relação à obra, é que
o objetivo de identificar as patologias, onde se não forem executados procedimentos
constatou-se: adequados de intervenção, poderá colocar
- Suporte (madeira): acúmulo de poeira em risco a integridade da obra, pois sua
de forma generalizada; galerias e excremento estrutura interna está totalmente tomada por
de insetos xilófagos generalizada; metais galerias de insetos xilófagos e as interven-
oxidados (pregos); preenchimento inadequa- ções inadequadas que foram acontecendo
do com argamassa; pequenas perdas gene- ao longo do tempo, deixaram resquícios de
ralizadas; áreas com desgaste. variados materiais incompatíveis a estrutu-
- Camada pictórica (policromia): acúmulo ra física da madeira e das policromias, alte-
de poeira de forma generalizada; craquelês; rando o aspecto original da obra.

6 Estrutura anatômica da madeira

Segundo BURGER (1991, p. 11) anato- porte de substâncias nutritivas;


mia (do grego anatomé: incisão, dissecação, - Sustentação do vegetal
com sufixo latino ia) da madeira: é o estu- Na estrutura macroscópica da madeira, as
do dos diversos tipos de células que consti- árvores são vegetais superiores (grupo de
tuem o lenho (xilema secundário), suas fun- fanerogamas). Segundo BURGER (1991, p.
ções, organização e peculiaridades estrutu- 50), foi Engler (1954 e 1964) que agrupou
rais, com os objetivos de: os vegetais em um sistema filogenético que
- Conhecer a madeira visando um empre- engloba dezessete divisões. Quanto ao
go correto; xilema secundário, citando-se apenas as que
- Identificar espécies; incluem espécies viventes. Para BURGER
- Distinguir madeiras aparentemente idên- (1991, p. 51), elas podem ser:
ticas; a) Gminospermas - (gymnos: nu e
- Predizer utilizações adequadas de acor- sperma: semente) são árvores sem frutos
do com as características anatômicas da Ordem das Coníferas: madeira mole ou
madeira. macia; soft woods: pinus e araucária.
A madeira é um conjunto heterogêneo de b) Angiospermas- (aggeion: vaso e
diferentes tipos de células com proprieda- sperma: semente), dividida em duas classes:
des específicas para desempenharem suas 1) Monocotiledôneas: palmas e
funções vitais: gramíneas
- Condução de líquidos; 2) Dicotiledôneas: árvores de madeira
- Transformação, armazenamento e trans- dura; hard woods, são as demais espécies

175
Anais | Congresso Abracor 2009
usadas na construção. ou perpendicular aos anéis de crescimento;
Por se tratar de um organismo heterogê- - Longitudinal tangencial (T):
neo constituído por células disposta e orga- tangenciando os anéis de crescimento, ou
nizadas em diferentes direções, o aspecto da perpendicular aos raios.
madeira varia de acordo com a face observa- “Além da aparência, também o compor-
da. Para estudos anatômicos, adotam-se os tamento físico-mecânico da madeira difere
seguintes planos convencionais de corte: em cada um destes três sentidos, fenômeno
- Transversal (X): perpendicular ao eixo conhecido como anisotropia. Por apresen-
da árvore; tar essa peculiaridade, a madeira é um ma-
- Longitudinal radial (R): paralelo aos raios terial anisotrópico” (BURGER, 1991, p. 38).

6.1 Análises laboratoriais


A Identificação anatômica da madeira da tidos da madeira (tangencial, radial e trans-
Talha- “Fuga para o Egito”, foi realizada no versal), com estes cortes obteve-se peque-
Laboratório de Anatomia Vegetal - do De- nas seções ou lâminas (películas) muito fi-
partamento de Botânica- CCB/UFSC, orien- nas de madeira (Fig. 06), que passaram por
tada pelo Prof. Dr. João de Deus Medeiros. um processo de preparação das lâminas para
Na coleta das amostras, que foi autoriza- as análises, são eles:
da através de ofício ao Pároco responsável, 1- Clarificação
foram utilizados procedimentos minima- 2- Coloração
mente destrutivos retirando-se da peça a ser 3- Montagem de Lâminas
pesquisada pequenas amostras de madeira 4- Análise anatômica
(2 X 2 cm ) na parte interna (verso) da ima- E o “método mais comumente emprega-
gem, evitando afetar sua estética, estrutura do para a identificação tanto macro como
física ou a policromia. microscópica de madeira é o de chaves de
Para a execução das lâminas de análise identificação, a nível de família, gênero ou
laboratorial foram feitos cortes nos três sen- até de espécies” (BURGER,1991,p. 109).

6.1.2 Resultado das análises das amostras:


Ao analisar as lâminas de madeira foi cons- a ausência de elementos de vaso; presença de
tatado que se tratava de um exemplar de fribrotraqueídeos; com pontuações areoladas
gimnosperma, da família Pinaceae, e não um bem evidentes; anéis de crescimento bem
exemplar de angiosperma, caso fosse real- demarcados; canais resiníferos radiais; raio
mente uma espécie de Tiliaceae. simples, não seriado, homogêneo composto
Apresentando em sua estrutura anatômica: por células procumbentes.

7. Conclusão:
Acreditava-se que a espécie fosse “Tilia te na talha, pois essa patologia encontra-se
grandiflora”, da família Tiliaceae, popular- ativa na estrutura da madeira. Uma caracte-
mente chamada de “tilia”, mas, por meio rística a ser considerada é que as coníferas
das análises de identificação anatômica da são geralmente de massa específica mais
madeira, foi possível constatar que a espé- baixa e absorvem melhor os produtos quí-
cie de madeira da talha não é um exemplar micos curativos.
de Tiliaceae, mas sim um exemplar de Portanto fica comprovado a importância
gimnosperma uma espécie da família da pesquisa e identificação dos materiais e
Pinaceae. É importante mencionar que por como isso pode contribuir em vários cam-
meio de análises posteriores mais detalha- pos de atuação e até esclarecer afirmações
das, envolvendo amostras adicionais, será históricas. No caso da preservação
possível identificar a espécie botânica for- patrimonial, é importante caracterizar a
necedora da madeira, determinando assim tipologia dos materiais para, com isso, com-
a espécie da madeira que serve como su- preender suas reações ao longo do tempo e
porte para a policromia e o douramento. prescrever os tratamentos mais indicados nos
Com base na estrutura anatômica da ma- processo de intervenção, pois a composi-
deira é possível fazer a indicação do produ- ção dos materiais determina o comporta-
to apropriado no combate a infestações de mento da estrutura física das obras de arte
insetos xilófagos, problema que é recorren- perante as patologias, influindo nos proce-

176
Anais | Congresso Abracor 2009
dimentos mais adequados de conservação- minimizar os processos de degradação, di-
restauração dos bens culturais. minuir os custos das restaurações ou até
Com o conhecimento dos materiais e suas evitá-las, e também promover a preserva-
reações pós-intervenções é possível ção do patrimônio cultural brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRIAGA, Francisco. et.al. Intervención en estruturas de madera. Madri: Asociación de Intervención Técnica de las Industrias de la Madera e
Corcho (AITIM), 2002.
ÁVILA, Afonso. Barroco mineiro: glossário de arquitetura e ornamentação. 3. ed. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos
Históricos Culturais, 1996.
BURGER, Luiza Maria e RICHTER, Hans Georg. Anatomia da madeira. São Paulo: Editora Nobel,1991.
CATEDRAL METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS. Histórico, Florianópolis, 2001. Neste site foi pesquisado sobre datas e fatos históricos
referentes à Catedral Metropolitana de Florianópolis. Disponível em: <http:cat.arquifloripa.org.br/história>. Acesso em: 28 ago 2006, 08:45
CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. 2ª ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.
DAMASCENO, Suely (org.). Glossário de Bens Móveis (Igrejas Mineiras). Ouro Preto: Instituto de Artes e Cultura / UFOP, 1987.
Diagrama- Relatório do Projeto de intervenção na cobertura da Catedral Metropolitana de Florianópolis, Arquivo da Catedral Metropolitana de
Florianópolis, 2005.
LIVRO tombo II. Florianópolis, 1896-1902. Vigário Padre Francisco Topp. Manuscrito.
SALLES, Sandra Makowieck. As imagens sacras de valor histórico existentes nas igrejas e capelas de Florianópolis: séculos XVIII e XIX.
Florianópolis: UDESC/ CEART, 1995.
MAINIERI,Calvino e CHIMELO, João Peres. Fichas de Características das Madeiras Brasileiras. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas,
Divisão de Madeira- Publicação IPT, nº 1791, 1978
SERCK-DEWAIDE, Myriam, COELHO, Beatriz( trad.). Breve história da evolução dos tratamentos das esculturas. Boletim do Centro de Estudos
da Imaginária Brasileira- CEIB. v. 9, nº31, p. 3, Belo Horizonte, jul-2005.

177
Anais | Congresso Abracor 2009
178
Anais | Congresso Abracor 2009
QUITES, Maria Regina Emery
Profa. Dra. de Conservação-Restauração de Esculturas
Policromadas em Madeira
Centro de Conservação Restauração de Bens Culturais
Móveis - Cecor - Escola de Belas Artes Universidade
Federal de Minas Gerais

1
QUITES, 2006.
CONSERVAÇÃO-RESTAURAÇÃO DE IMAGENS
DE VESTIR: CONCEITOS, CRITÉRIOS, ESTADO
DE CONSERVAÇÃO E CAUSAS DE
DETERIORAÇÃO

É importante enfatizar uma revisão dos conceitos sobre esta relegada categoria escultórica,
bem como, o resgate e preservação deste grande acervo, demonstrando sua relevância para
a história da arte. Estas imagens são uma particular interpretação da escultura devocional
e, principalmente, uma importante manifestação da cultura brasileira, que deve ser valo-
rizada e preservada. Na preservação de uma imagem de vestir são fundamentais estudos
metodológicos que visem uma compreensão global de seus aspectos conceituais, históri-
cos, estéticos, iconográficos, sociais, religiosos e técnicos. Somente este estudo funda-
mentado justifica uma proposta criteriosa de preservação deste acervo.

It is important to emphasize the need for a revision of the concepts of this less well
known sculptural category, as well as, the rescue and preservation of this important
collection, demonstrating their relevance for art history. These images are a particular
interpretation of devotional sculpture and, mainly, an important manifestation of
Brazilian culture that should be valued and preserved. For the preservation of “de
vestir” images, methodological studies which aim at the global understanding of their
conceptual, historical, aesthestic, iconographic, social/religious and technical aspects
are of fundamental importance. Only this well-founded study justifies a judicious
proposal for the preservation of this collection.

PALAVRAS-CHAVE:
imagem de vestir, escultura, conservação-restauração

INTRODUÇÃO

Este trabalho faz parte de uma tese de fora da Igreja como também que sejam ador-
doutorado1 (Endnotes) que teve como ob- nadas de forma escandalosa, dentro da tôni-
jetivo primordial aprofundar o estudo so- ca geral, que diz respeito à decência das ima-
bre as imagens de vestir, considerando que gens sagradas. Em particular, as Constituições
esta categoria escultórica tem sido quase proíbem que se façam novas imagens de ves-
sempre negligenciada pelos pesquisado- tir, mandando que as imagens de vulto sejam
res. Sua grande aceitação no Brasil, através feitas de corpos inteiros, de maneira que se
dos séculos, é fundamental para entender escusem os vestidos, por serem assim mais
o seu grande valor, como imagem decentes. E é ordenado que as imagens de
devocional e, consequentemente, como vestir antigas, sejam adornadas de forma que
importante documento histórico e social não se possam notar indecências nos rostos,
de nossa cultura. vestidos ou toucados. Apesar desta proibição,
Relembremos que o Concílio de Trento, o seu uso continuou normalmente e novas
no capítulo referente às “Sagradas Ima- imagens são encomendadas nos séculos XVIII
gens”, e consequentemente as Constitui- e XIX. Nas Constituições, há recomendação
ções Primeiras da Bahia2, de 1707, proí- aos visitadores e demais ministros, que fa-
bem que as imagens sejam levadas para çam exames nas sagradas imagens, se há al-
179
Anais | Congresso Abracor 2009
2
CONSTITUIÇÕES da
guma indecência, erro ou abuso. Nos rela- tes, feitas em tecidos importados e acessó-
Bahia, 1853, v. 4, p. 256.
3
TRINDADE, 1998. tos das Visitas Diocesanas de Dom Frei José rios, que eram renovados a cada ano, du-
4
TREXLER, 1991. p.
195-231.p.195 da Santíssima Trindade3 que abarca o perío- rante as procissões ou festas. Finalmente,
5
BAZIN, 1963. p. 194.
do de 1820 e 1835, na Diocese de Mariana, podemos ainda questionar a alcunha de
não encontramos nenhuma proibição às imagens populares, longe de qualquer eru-
imagens de vestir, no entanto, há sempre dição. Podemos constatar sim, que existem
uma preocupação de ressaltar a “decência” muitas imagens de fatura popular, muitas
das imagens e o seu caráter de “devota e vezes, prejudicadas pelo excesso de cama-
respeitável”. das de repinturas sobre as carnações. Entre-
tanto encontramos imagens de vestir de fa-
Queremos fazer algumas considerações tura primorosa, principalmente consideran-
sobre os “estigmas” que as imagens de do as cabeças, mãos e, em alguns casos,
vestir carregam. Em primeiro lugar, sua também os pés. Esculturas inclusive execu-
função essencialmente processional é tadas por bons mestres, como por exemplo,
questionável, pois podemos encontrar seu Aleijadinho.
uso também em retábulos, principalmen- Bazin5 foi instigante ao questionar se as
te em Minas Gerais, bem como seu tama- imagens de vestir constituíam a essência
nho reduzido (miniaturas), para serem uti- ou a decadência da imagem devocional
lizadas em oratórios, o que demonstra, cla- no Brasil. Apesar de não responder objeti-
ramente, outras funções devocionais. Em vamente à sua própria pergunta, acredita-
segundo lugar, seu uso apenas por ques- mos que esta imaginária é a essência da
tões de realismo e semelhança também imagem devocional na cultura religiosa
pode ser relativizado. Concordamos com brasileira, se considerarmos que possuem
Trexler4 , acreditando que as motivações características que, a tornam mais afeitas
do uso de vestir as imagens, nunca tenham à aproximação do devoto, pois o fiel dela
funcionado apenas dentro de um único se aproxima, a ponto de trocar sua roupa,
objetivo, o de tornar estes objetos mais colocar sua cabeleira, doar uma veste,
convincentes, e sim ultrapassarem o dese- passar um perfume, usar suas roupas e
jo do realismo visual. Durante milênios o acessórios como relíquias sagradas, pedin-
fato de “vestir as imagens” foi uma parte do ou agradecendo um milagre alcança-
comum da vida lúdica, da vida espiritual do. O santo deixa de ser um intermediá-
e cultual (devocional) de muitos povos. O rio para compartilhar “humanamente” da
ato devocional que levou e ainda leva o vida de seus devotos e em troca recebe
fiel a vestir uma imagem, doar uma peru- roupas, jóias, festas, etc.
ca ou uma veste é parte integrante de sua Sem pretender fazer uma apologia às
relação como o sagrado, e mais importan- imagens de vestir, considero que elas pos-
te do que simplesmente, poder lhe pare- suem uma técnica e estética próprias, di-
cer mais real. Em terceiro lugar, também ferente de outras categorias escultóricas,
queremos questionar sua condição de es- e sua função devocional faz com que sua
cultura de menor valor, mais econômica e utilização seja múltipla, servindo a
de decadência em relação à escultura retábulos, procissões, conjuntos
policromada em madeira. Se as imagens cenográficos efêmeros, sermões e mesmo
de vestir foram utilizadas desde o século imagens miniaturas que provavelmente
XVI até o século XX, podemos inferir que serviam a oratórios e outros fins
não são uma forma escultórica de deca- devocionais. Enfim, são essenciais ao tea-
dência, ou seja, sempre foram usadas tro sacro da arte religiosa.
concomitantemente às imagens de talha Sob o aspecto da técnica construtiva
inteira douradas e policromadas. As ima- elaboramos uma classificação fundamen-
gens de vestir, segundo nossa classifica- tada na pouca bibliografia existente e no
ção, possuem várias modalidades, desde exaustivo trabalho feito in loco, nas ima-
aquelas que têm toda a definição do corpo gens estudadas. Ressaltamos que esta
ou anatomizadas, até aquelas com gradea- classificação tem por base definir a ter-
dos de ripas, denominadas de roca. Consi- minologia “imagens de vestir” como um
deramos sim, que há uma economia e sim- grande grupo que possui subdivisões, que
plificação nesta diferenciação entre as ima- classificam as esculturas de acordo com
gens de vestir e que, muitas vezes, o traba- o seu sistema construtivo do mais com-
lho mais primoroso era executado apenas plexo ao mais simplificado. As imagens
na cabeça, mãos e pés. Podemos observar, de vestir, de acordo com sua estrutura
que seus custos são relativos, se considerar- formal, podem ser subdivididas em qua-
mos a economia com a talha e a policromia, tro grupos: “imagens cortadas ou desbas-
180 mas contabilizarmos os gastos com as ves- tadas”, “imagens de corpo inteiro ou
Anais | Congresso Abracor 2009
anatomizadas”, “imagens de roca” e roca é sempre uma imagem de vestir, mas
Figura 1
Intervenções
amarrando os
“imagens de corpo inteiro/roca”. nem sempre uma imagem de vestir é uma braços
Figura 2
Intervenções
Enfatizamos então que “uma imagem de imagem de roca”. nas articulações
dos braços
Figura 3
Deterioração
ESTADO DE CONSERVAÇÃO / CAUSAS DE DETERIORAÇÃO nas ripas

A imagem de vestir está inserida dentro locação de ganchos para fixar o braço, quan-
de um contexto maior que é o das escultu- do a articulação não possui mais a eficácia
ras policromadas em madeira, no entanto, necessária para manter os braços na posi-
apresentando deteriorações específicas, de- ção desejada. Outra intervenção feita para
vido a suas características próprias, tais manter os braços na posição desejada, é
como: suporte - que, no nosso caso, é ba- amarrá- los com cordas em volta do pesco-
sicamente constituído pela madeira; ço da imagem, o que dificulta o ato de ves-
policromia que na maioria das vezes é tir a escultura. Figura 1 e 2 É muito importante
esmerada somente nas carnações, cabelos, o conhecimento preciso da técnica utiliza-
bases, atributos ou mesmo uma policromia da na articulação, por-
simplificada, de uma cor única. E as ves- tanto a confeção de
tes naturais que geralmente são compos- fac-símiles destas pe-
tas de superposição de peças de tecidos ças é fundamental
variados, além de perucas, atributos, aces- para a pesquisa, pro-
sórios, andores, etc. piciando a compreen-
Em se tratando das imagens de vestir os são de sua funcionali-
problemas apresentados no suporte - ma- dade. No caso das
deira são basicamente aqueles que encon- imagens que possuem
tramos na escultura em geral, ou seja, de- articulações que, ori-
terioração biológica causada principalmen- ginalmente, foram co-
te por térmitas (cupins), sendo o ataque bertas por couro
de coleópteros (brocas) e fungos, mais ra- policromado, na mai-
ros. São também comuns, os problemas oria das vezes há ape-
de fissuras e rachaduras causados por pro- nas resquícios do cou-
blemas constitutivos ou por má condição ro original ou interven-
de conservação, como presença de muita ções grosseiras, feitas
umidade ou altas variações de umidade com o próprio couro
relativa do ar. ou com tecido. Como
Podemos afirmar que o problema mais o processo de coloca-
comum encontrado é a deterioração das ção do couro era feito
articulações. Esculturas que possuem arti- no momento da exe-
culações e que foram feitas para serem cução da carnação, são
manuseadas têm maior possibilidade de claros os exemplos, do
sofrerem problemas, se este manuseio é fre- resquício do couro ori-
quente, ou mesmo, se feito de forma ina- ginal sob a camada de
dequada, podendo forçar as peças ou sofrer preparação.
impactos mecânicos, que levam a várias Outro problema específico está relaciona-
deteriorações. As articulações são peças do às ripas de madeira que compõem a roca,
muitas vezes executadas com madeira mais geralmente feitas de madeira inferior à quali-
resistente, porém podem perder sua durabi- dade das partes mais importantes, sendo mais
lidade natural, se em más condições de susceptíveis aos ataques biológicos, às fratu-
conservação. É muito comum encontrarmos ras, e consequentemente às perdas. É muito
estas peças atacadas por insetos, emperradas, comum encontrarmos substituições de ripas,
sem movimento algum, quebradas, com evidenciando-se madeira
intervenções inadequadas e amarradas por diferente e mais nova.
cordas e fios de metal ou mesmo aparafu- Outro problema muito
sadas, quando estão desgastadas e sem fir- frequente é a falta de uma
meza. Encontramos articulações feitas com ou mais ripas, causando
madeira bastante resistente, como o desequilíbrio estrutural à
jacarandá, no entanto, devido ao esforço obra. São comuns tam-
sofrido, esta peça se rompeu. Há casos em bém, as intervenções ina-
que o ataque de térmitas é tão acentuado dequadas com pregos,
que a peça torna-se totalmente oca e sem arames, barbantes e pa-
resistência para executar a função para a qual rafusos prendendo as ri-
foi executada. Encontramos também a co- pas. Figura3
181
Anais | Congresso Abracor 2009
6
LÓPEZ, LE GAC,
RABELO, BARREIRO,
Por sua condição técnica, partes como Do ponto de vista técnico, as várias cama-
BAGLIONI, 2002, p. 272. cabeças, troncos, braços, antebraços, co- das de tintas aplicadas através dos sécu-
xas, pernas e pés podem ser soltos, encai- los, podem deturpar as características for-
xados por pinos ou fixados às ripas, ou mais originais da obra, escondendo a ta-
articulações e consequentemente estão su- lha. Camadas aplicadas mais recentemen-
jeitos aos mesmos problemas citados an- te, muitas vezes, por pessoa não qualifica-
teriormente, principalmente o seu do, se apresentam muito grosseiras e de
desmembramento, gerando muitas vezes qualidade inferior, muitas vezes deixando
perdas, ou substituição das peças. As ba- a imagem como uma “caricatura” do que
ses das esculturas sempre muito ela foi um dia: olhos esbugalhados, sobran-
simplificadas cumprem a função de fixar celhas pretas e grossas, lábios vermelhos
as imagens nos seus andores, e por isto, vivos e tintas escorridas. Estas camadas
são alvo de grande número de interven- grossas estão sujeitas à presença de
ções, apresentando muitos pregos, orifí- craquelês, desprendimentos e perdas da
cios, fraturas e perdas. Há também peças policromia, devido a variações de umida-
de reforço ou mesmo complementações de relativa.
de partes quebradas. A cabeça pode fazer As vestes em tecido natural são o mate-
parte do bloco do tronco ou ser um bloco rial mais frágil que compõem esta cate-
separado, nesta última condição, de ca- goria escultórica, portanto sujeitas a mai-
beça móvel, encontramos fraturas nos pi- ores deteriorações.
nos de encaixe, fixação inadequada com A indumentária em tecido está subme-
pregos, ripas e arames. Geralmente a ca- tida às alterações próprias dos têxteis:
beça possui mais de um orifício para co- sujidades, degradação fotoquímica de
locação de resplendores e uma infinidade corantes, perda de coesão devido à oxida-
de pequenos orifícios ou pontas de tachas ção das fibras, à ruptura de suas costuras,
ou alfinetes de metal, que eram coloca- ataque biológico segundo a natureza das
dos para fixar a peruca na cabeça, como fibras (vegetais ou animais), e também ao
podemos constatar através das radiografi- fator humano como rasgos e inserção de
as das imagens. Há, com muita incidên- elementos metálicos (alfinetes, tachas,
cia, rachaduras e fratura dos olhos de vi- ganchos), que por sua oxidação causam
dro, fragilizados por sua técnica e pelo manchas irreversíveis nos tecidos e con-
manuseio, se quebram facilmente, mui- tribuem para a deterioração das fibras.
tas vezes sofrendo intervenções, com Estas vestes formam parte substancial e
complementação de outros materiais, ou indissolúvel do aspecto formal destas es-
mesmo uma repintura recobrindo os olhos culturas, que têm a particularidade espe-
de vidro e escondendo a técnica original. cífica de serem vestidas e, portanto são
Também, devido ao manuseio, a face submetidas a tensões inerentes à função
seccionada para colocação dos olhos de que desempenham. 6
vidro pode se soltar e causar muitas inter- Quanto às cabeleiras naturais, ou pe-
venções com posteriores repinturas. O rucas, não encontramos nenhuma que ti-
tronco das imagens pode ter uma infini- vesse características de uma peça antiga,
dade de pregos, tachas e alfinetes que são são todas novas, e no geral estão
colocados para prender as vestes de teci- despenteadas, com os fios embaraçados
do no corpo. ou desfalcados. No entanto, as imagens
Quanto à policromia, que em geral se que mantém sua função devocional pos-
refere mais às carnações, podemos afirmar suem suas cabeleiras bem cuidadas e per-
que o problema principal são as repinturas. fumadas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE CONSERVAÇÃO-RESTAURAÇÃO


Não pretendemos ditar normas nem esta- Constatamos que as imagens de vestir re-
belecer critérios definitivos, queremos ape- cebiam uma grande quantidade de in-
nas levantar algumas considerações sobre a tervenções, que se justificavam, pela de-
conservação-restauração das imagens de terioração ocasionada pelo manuseio, no
vestir, exercitando a capacidade de avaliar ato de tirar e pôr as vestes, de colocação
nosso objeto de estudo, de acordo com as nos andores, e no movimento gerado du-
teorias postuladas no campo da restauração, rante as procissões. E também a falta de
considerando sua função devocional e a re- acondicionamento adequado quando es-
alidade das comunidades. Concordamos, tavam “inativas”.
como sempre, que cada caso é um caso, a ser Não podemos deixar de questionar aqui
investigado dentro de seu próprio contexto. o valor devocional destas repolicromias ou
182
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 4
Nossa Senhora
repinturas, que muitas vezes eram aplica- vestes através dos séculos. São muitos os da Conceição – ricas
das como um ato imprescindível à boa documentos das ordens terceiras, que de- vestes do século XIX
Figura 5
Fragmentos de
apresentação das devotas imagens, que monstram claramente a necessidade de imagens de vestir.

deveriam sempre estar “decentes”. O nú- substituição das vestes e a preocupação das
mero de intervenções, às vezes, é tão gran- ordens religiosas com a “decência” das
de que deforma a imagem, no entanto, imagens. Muitas vezes a substituição das
queremos questionar aqui o reconheci- vestes é também um ato de devoção, como
mento que os devotos têm desta imagem, constatamos ainda hoje na festa de São
que do ponto de vista do fiel, não são Roque em Mariana. É obvio que imagens
repinturas grosseiras, ou intervenções pos- “desativadas” do ponto de vista devocional
teriores, mas exatamente a forma como devem ter suas vestes preservadas, pois são
aquela imagem é venerada através dos legítimas da imagem, no entanto é inad-
séculos. Gostaríamos de argumentar a fa- missível a um restaurador impedir uma tro-
vor da manutenção de repinturas em ima- ca de vestes de uma imagem devocional
gens devocionais de vestir, não necessari- “ativa”, pois em primeiro lugar está a fun-
amente por seu valor histórico em detri- ção religiosa para a qual ela foi criada.
mento de seu valor estético, mas princi- Apesar de ser um objeto de valor históri-
palmente por seu valor devocional. Res- co e artístico, não cabe ao conservador ti-
taurar uma imagem de devoção, em bus- rar seu mérito devocional.
ca de seus valores estéticos e originais e
devolvê-la irreconhecível para seus fieis é
inconcebível para uma restauração
criteriosa. Outra consideração, diz respei-
to à pequena área que fica visível sob as
vestes e peruca, que consequentemente, não
demanda uma remoção de repintura, devi-
do principalmente à visão de conjunto da
obra.
É raro encontrarmos alguma veste mais
antiga preservada, mas temos como exem-
plo, no Museu Sacro, no Rio de Janeiro, a
imagem de Nossa Senhora da Conceição,
que apresenta rica veste possivelmente do Constatamos em várias localidades estu-
século XIX. Figura 4 É necessário que haja um dadas, o desmembramento de todo um acer-
empenho por parte dos profissionais da con- vo, transformando as imagens em fragmen-
servação no Brasil para tos desconexos, devido a perda de sua fun-
que se faça um traba- ção devocional. Figura 5 É possível também,
lho de valorização encontramos em museus ou até mesmo
deste acervo, abandonadas em depósitos nas igrejas, ima-
conscientizando os gens de vestir sem suas vestes ou perucas,
detentores deste isto demonstra uma atitude de “menor va-
patrimônio para sua lor” dos responsáveis, em relação a estas
adequada conserva- imagens. As imagens de vestir são exibidas
ção, mesmo que em “nuas” e sem suas perucas, ostentando para
muitos casos, tais ves- seus visitantes ou fiéis, sua engenhosa e
tes das imagens, tra- curiosa técnica de construção, no entanto,
dicionalmente poderi- elas não foram concebidas para serem apre-
am ser substituídas, ciadas desta forma. Mesmo fora de seu con-
por ocasião das festi- texto religioso, sua concepção original im-
vidades. Mesmo que plica a presença de vestes, perucas, etc. Jus-
as comunidades fa- tifica-se que tais imagens sejam apresenta-
çam questão de subs- das ao público como um “esqueleto” ou
tituir as vestes todo ano, por várias ques- um “manequim”, quando já perderam sua
tões ligadas à devoção, podemos neste caso função devocional? Creio que quando se trata
fazer um trabalho de valorização das vestes de fragmentos não temos o que discutir, no
substituídas, na intenção de mostrar que elas entanto, quando toda sua estrutura está pre-
podem ser conservadas, preservando a me- sente e é reconhecida em seus aspectos
mória das ofertas dos devotos através dos iconográficos, estéticos e históricos, não
anos. vejo impedimentos para que esta veste seja
No geral, no acervo estudado, temos feita, como de costume e através dos sécu-
como premissa básica a substituição das los. Portanto, considero que a 183
Anais | Congresso Abracor 2009
complementação das vestes e perucas dentro vestir. O diagnóstico correto analisa as possí-
de um contexto religioso ou mesmo veis discrepâncias entre a condição física do
museológico se justifica plenamente. Contu- objeto e as possíveis alterações em seus signi-
do, não descartamos a possibilidade da expo- ficados, analisando o nível de interferência e
sição de sua curiosa técnica construtiva even- questionando se tal intervenção é justificá-
tualmente, ou mesmo, de fazer uma demons- vel. A análise de possíveis discrepâncias de-
tração paralela através de documentação fo- verá considerar fatores estéticos, históricos, de
tográfica. autenticidade e de funcionalidade. E acredi-
Consideramos que, em se tratando de ima- tamos que partindo desta metodologia pode-
gens devocionais o conservador restaurador mos pensar critérios para a imagem de vestir,
deve ter o maior cuidado ao estudar, estabe- fundamentados em seus reais significados.
lecer critérios, ou mesmo praticar a conserva- E acreditamos que, partindo de uma
ção-restauração das imagens de vestir, pois metodologia de trabalho, podemos estabe-
para seus fiéis, na maioria das vezes, o im- lecer critérios fundamentados no real signi-
portante é a manifestação da imagem que o ficado da imagem de vestir, que é uma parti-
devoto venera, a quem pede ou agradece suas cular interpretação da escultura devocional
graças alcançadas. e principalmente uma importante manifes-
É importante elaborar um modelo para pen- tação de nossa cultura, que deve ser valori-
sar a conservação-restauração das imagens de zada e preservada.

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Bibliotecas
e Arquivos

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ARAVANIS, Evangelia
Dra. em História pela UFRGS e conservadora-restauradora
voluntária do AHRS, Porto Alegre – RS

BREITSAMETER, Sílvia M. J.
Bel. Direito URI-FW; Acadêmica de História PUC-RS;
Conservadora-restauradora voluntária do AHRS; Porto Alegre – RS

MCSHJC E AHRS: RELATO DE EXPERIÊNCIAS


NAS ÁREAS DE CONSERVAÇÃO E
RESTAURAÇÃO DE DOCUMENTOS
IMPRESSOS E MANUSCRITOS

Apresentam-se as atividades de conservação e restauro de documentos em papéis


desenvolvidas de forma voluntária no Museu de Comunicação Social Hipólito José da
Costa (MCSHJC) e no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) durante o perí-
odo de julho de 2005 a março de 2008. Faz-se uma apresentação sucinta da forma
como se encontravam os documentos que foram recuperados e restaurados e realiza-
se uma avaliação de sua importância para a sociedade. Descrição dos métodos e téc-
nicas utilizadas na conservação e restauração documental e dos métodos aplicados na
guarda e armazenamento dos documentos. A meta era o resgate do máximo dos docu-
mentos possíveis, cientes de sua importância para a história do Rio Grande do Sul e do
Brasil. Em todas as intervenções feitas se buscou aplicar a menor interferência possí-
vel, respeitando-se, assim, as máximas da restauração: o princípio do respeito à obra e
da reversibilidade das técnicas e materiais empregados.

Palavras-chave:
MCSHJC e AHRS – restauração – documentação histórica

This article presents the activities of conservation and restore of documents in


developed papers of form not required by law in the Museum of Social Communication
Hipólito José da Costa (MCSHJC) and in the Historical Archive of the Rio Grande do
Sul (AHRS) during the period of July of 2005 the March of 2008. A presentation becomes
sucinta of the form as if they found the documents that had been recouped and restored
and becomes fullfilled an evaluation of its importance for the society. Description of
the methods and techniques used in the conservation and documentary restoration
and of the methods applied in the guard and storage of documents. The goal was the
rescue of the maximum of possible, conscientious documents of its importance for the
history of the Rio Grande do Sul and Brazil. In all the done interventions if searched to
apply the lesser possible interference, respecting itself, thus, the principles of the
restoration: the beginning of the respect to the workmanship and of the reversibility of
the techniques and employed materials.

Key words:
MCSHJC e AHRS – restoration - historical documentation

O processo voluntário de conservação-res- dores-restauradores voluntários. O objetivo


tauração no Museu de Comunicação Social era recuperar algumas obras do acervo da
Hipólito José da Costa teve início em mea- referida instituição, os jornais raros, uma
dos de 2004 quando alguns alunos do cur- vez que não existia ali setor ou pessoal qua-
so de Conservação e Preservação em Papel, lificado e preparado para exercer tal função.
oferecido pelo MCSHJC e ministrado por Inicialmente o grupo era pequeno, não
Vera Zugno, decidiram criar, com o apoio mais que três pessoas ao todo, e dispunha
do referido museu, um grupo de conserva- de uma tarde por semana para o trabalho 187
Anais | Congresso Abracor 2009
voluntário. Por este motivo, as obras recu- ços minúsculos e em idioma diferente do
peradas se limitavam ao máximo de 12 português, o que nos obrigava a realizar a
jornais ao ano. façanha de compreender um pouco de
Conforme ocorriam novas edições do outros idiomas e cultivar o exercício da
curso, mais pessoas passaram a integrar o paciência e dedicação ao montarmos os
grupo de conservadores-restauradores vo- enormes quebra-cabeças que nos eram
luntários, entre os quais as alunas apresentados.
Evangelia Aravanis e Sílvia M. J. Enfim, tratava-se de obras raras, únicas,
Breitsameter, que se juntaram ao grupo em que se deterioravam diariamente, com a
julho de 2005. Com mais duas voluntári- situação destas obras agravadas pela ina-
as, os jornais restaurados passaram a um dequada conservação, armazenados de
total de 20 obras/ano. forma amontoada, sobrepostos, sem
Eram recuperados jornais dos Séculos individualização de pastas ou envelopes
XIX e XX. Eram obras raras e únicas, acer- previamente confeccionados com papéis
vo de grande importância histórica e do- apropriados, acid free ou com reserva al-
cumental para o Estado e para o País. Esses calina. Eram jornais guardados em espa-
jornais eram, e são ainda hoje, frequente- ços sem controle de umidade, temperatu-
mente procurados por pesquisadores, ra e luminosidade. Não se tem notícia de
mestrandos, doutorandos, acadêmicos, es- controle de pragas e insetos no MCSHJC,
critores e demais consulentes, que bus- e por vezes, recebíamos esses documen-
cam nestas obras informações históricas e tos com excremento de insetos, tais como
cotidianas de economia, cultura, saúde, edu- cupim e traças.
cação, arte, comportamento e fatos de cada Não bastasse tudo isso, degradação, fal-
período. ta de controle ambiental e pragas, os do-
Ao chegarem a nossas mãos constatamos cumentos eram disponibilizados à con-
que essas obras estavam, com muita sulta no estado que se encontravam, rotos
frequência, aos pedaços, sujas, desidrata- e aos pedaços, sem que houvesse contro-
das, ácidas, com fungos de todos os tipos, le sobre o manuseio e segurança dos jor-
com remendos e fitas adesivas coladas nais por parte dos consulentes.
indiscriminadamente, etc., o que degrada- No tocante ao espaço de trabalho
vam as obras, deixando-as com manchas do grupo de voluntários conservadores-
e marcas, por vezes, irreversíveis. restauradores do Museu notemos que não
Era comum os jornais chegarem ao existiam naquela instituição salas apropri-
grupo de forma incompleta, com grande adas, adequadas e especificamente desti-
perda de suporte e, consequentemente, com nadas ao setor de conservação e restauro
falta de texto. Havia danos causados pela do acervo documental impresso e manus-
má conservação, acondicionamento inade- crito da instituição.
quado, armazenamento em local impróprio Não dispúnhamos de pias, cubas para
e sem qualquer controle sobre a ilumina- banhos, água corrente, produtos químicos
ção, pois a sala é diretamente iluminada destinados à alcalinização e higienização
pelo sol, que, por vezes, recai sobre os jor- de jornais, mesas e cadeiras adequadas
nais. Existia também o agravante da umida- para acomodar os membros do grupo,
de, pois se não estavam superdesidratados, materiais como pinças, estiletes, pincéis,
por estar em lugar muito seco e extrema- lupas, trinchas, panos e tnt, bisturis,
mente iluminado, estavam em local úmi- espátulas, réguas de metal, prensas, mesa
do, diretamente colocados sobre o piso ou de luz, cola CMC, além de papéis para
encostados em paredes que fazem divisas enxertos e papel japonês de gramaturas
com a rua ou com banheiros e cozinhas, a diversas. O pouco material que se tinha
temperatura das salas onde eram armazena- era fornecido pelo próprio conservador-
das as obras não tinha qualquer controle, restaurador e alguma coisa pelo próprio
pois ficavam, e ainda hoje ficam, a mercê Museu.
das oscilações das temperaturas de nosso Face às dificuldades encontradas os
Estado, que um dia faz 1º e no seguinte métodos e técnicas empregadas reduzi-
passa dos 25º C. ram-se a higienização mecânica dos jor-
Em face de falta de suporte e texto e por nais, que consistia na retirada de sujidade
tratar-se de obras únicas, por diversas ve- a eles grudada com o emprego de bisturis
zes, era impossível que se conseguisse e trinchas; hidratação e alcalinização das
uma datação precisa da obra. Por vezes, o obras com o auxílio de um borrifador ma-
máximo que se conseguia era localizar a nual; enxertos com papel jornal previa-
obra entre um ou dois anos dentro da dé- mente alcalinizados pelo grupo, sem a
188 cada. Era comum o jornal chegar a peda- possibilidade de tingimento de papéis para
Anais | Congresso Abracor 2009
buscar uma aproximação da tonalidade setembro de 2007, surge o grupo de con-
dos documentos. Por vezes, a obra estava servadores-restauradores do AHRS, ocu-
tão degradada e esfacelada que só nos res- pando a sala de conservação até então
tava proceder a velatura e, por algumas ociosa, todas as terças e quintas-feiras, no
vezes, ao extremo da laminação dos jor- período da manhã e tarde.
nais com a agregação ao documento de Sob a supervisão de Sílvia, este grupo
um reforço no suporte pela aplicação de passou a realizar as atividades de conser-
papel japonês. vação-restauração da documentação exis-
Infelizmente, após o tratamento das tente no acervo, como documentos ma-
obras e precária recuperação, estas volta- nuscritos e impressos datados dos Sé-
vam ao seu local de origem, o que nos faz culos XVIII, XIX e XX. Eram de obras raras,
crer que em breve retornarão ao estado de valor histórico incontestável e de gran-
primário de antes da restauração. Ou seja, de importância para a nossa cultura e histó-
foram recolocados juntos ao acervo prin- ria, como a Carta da Criação da Vila de
cipal sem controle de umidade, tempera- Porto Alegre, Ano 1768. Cartas do Prínci-
tura e luminosidade, em armários e bal- pe Regente, Ano 1815. Códice de imigran-
cões infestados de cupins, e tes europeus chegados em Pelotas, Ano
disponibilizados ao público em geral, sem 1891. Manuscrito das cartas entre Brasil e
uma educação e conscientização da im- Portugal, entre os anos de 1802 a 1807,
portância da obra e manuseio adequados. transcritas por Paulo da Gama. Cartas
Em dezembro de 2007, frente à situa- Manuscritas de Julio de Castilhos do ano
ção encontrada, falta de espaço específi- de 1900.
co para conservação-restauração, falta de Em março de 2008, duas pessoas que
material de uso e de consumo na conser- estavam sem exercer a atividade voluntá-
vação-restauração das obras, etc., o grupo ria de conservação-restauração, que inte-
viu por bem encerrar suas atividades na- gravam o grupo de voluntários do
quela instituição. MCSHJC, o qual havia encerrado suas ati-
Porém, em maio de 2007, Sílvia vidades em dezembro do ano anterior,
Breitsameter havia passado a atuar como passaram a integrar o grupo existente e em
voluntária conservadora-restauradora tam- atividade do AHRS. Conforme seus rela-
bém no Arquivo Histórico do Rio Grande tos necessitavam contribuir com essa ati-
do Sul. O horário das atividades nas duas vidade tão gratificante e tão pouco reco-
instituições não se chocava e ela via sub- nhecida que é a de conservador-restaura-
aproveitada sua atividade de conservado- dor. Tais pessoas, Evangelia e Maria da
ra-restauradora nas instituições de guarda Graça, tinham consciência da importân-
e conservação da história no RS. Então, cia do trabalho que prestavam e da
passou a dedicar suas tardes de terças-fei- inexistência da atividade de conservador-
ras ao AHRS e as tardes de quartas-feiras restaurador institucionalizada no Estado.
ao MCSHJC. Em plena atividade, o grupo empregava
Em nosso trabalho no AHRS, podemos métodos e técnicas específicas e pertinen-
observar que, apesar da referida institui- tes a cada obra que seria restaurada.
ção possuir uma sala destinada à conser- Na sua maioria, os métodos consistiam
vação-restauração de seu acervo, esta es- em:
tava ociosa, pois a instituição não possuía - análise minuciosa da obra que era en-
em seu quadro de funcionários pessoa tregue no setor de conservação-restaura-
qualificada e designada a exercer a fun- ção;
ção de conservação e restauração desta - fichamento da obra;
documentação. - determinação do grau de degradação;
Em julho de 2007 a direção do AHRS - estudo e delimitação dos métodos e
convidou Sílvia e ministrar um curso de técnicas a serem empregadas na obra, com
conservação-restauração de documentos a busca da melhor técnica e menor inter-
impressos e manuscritos com suporte em ferência possível no documento;
papel, atendendo a um constante pedido - estudo sobre o tipo de documento e
e busca por parte do público frequentador agentes agressores;
da instituição. - análise da situação do papel, quando
Timidamente, surgiu um projeto piloto, livro, das capas considerando o material
que, com o passar do tempo, foi se conso- de que eram feitos, lombadas, costuras,
lidando através de novas edições. Destes guardas e métodos a serem empregadas
cursos, surgiram alunos interessados em para um amplo salvamento e
exercer a atividade de conservação e re- reestruturação;
cuperação de obras históricas. Em 25 de - higienização através de uma limpeza 189
Anais | Congresso Abracor 2009
mecânica prévia, considerando os tipos de Quando o documento oferecia segurança
papéis e estado de degradação, que con- e resistência e sua situação de sujidade e
sistia em varredura, aplicação de borracha degradação exigiam, procedia-se a sua lava-
ralada, retirada de sujidade e objetos ina- gem e/ou alcalinização. O procedimento de
dequados à marcação de páginas, retirada tratamento químico, em princípio, consis-
de grampos, clipes e outras sujeiras des- tia de 3 (três) banhos (limpeza, enxágüe com
conhecidas; água morna e fria e desacidificação ou
- análise do tipo de pigmentação e seu alcalinização).
estado de conservação; Para estes procedimentos, o documento
- testes de resistência dos suportes e pig- deve ficar protegido por organza, voil ou
mentos das obras; TNT, para não correr o risco de rasgar-se
- medição de pH e controle de acidez durante o tratamento.
dos papéis.

Banho de limpeza
1 - Método elementar pesquisar o tipo de costura, material em-
Colocar água quente na cuba (60º). Para pregado na confecção das capas, tipos de
cada litro de água, 1 g. de sabão ou sabone- papéis usados na obra original, para que se
te neutro ralado, duas colheres de sopa de pudesse proceder à restauração de determi-
CMC e 100 ml de álcool etílico, tudo mui- nadas obras.
to bem misturado. Mergulhar o documento Após a restauração dos documentos, eles
por 20min; se necessário, repetir a opera- quase sempre retornavam ao seu local de
ção. origem, pois se tratavam de obras raras e
2 – Banho de enxágue frequentemente pesquisadas pelos
Fazer passar o documento por banho de consulentes frequentadores do Arquivo.
água morna ou um pouco mais fria que a Mas, para uma melhor preservação, volta-
do banho anterior, para possibilitar a con- vam para o acervo em envelopes de papéis
tração gradativa das fibras e tirar o exces- adequados a sua conservação. Envelopes
so de sabão. Só então se passa para uma estes individuais, confeccionados com pa-
segunda cuba com água a temperatura péis com reserva alcalina e sob medida para
ambiente. Troque a água ao menos três cada obra.
vezes. Na busca de prevenir e retardar a degra-
3 – Banho de desacidificação dação natural dos documentos históricos,
Colocar água na cuba e adicionar e para uma melhor conservação e adequa-
hidróxido de cálcio ou carbonato de cálcio do manuseio das obras, o AHRS adotou
diluído de véspera, para decantar (para cada regras específicas para consultar as obras
litro de água, 1 colher de cafezinho). Mistu- do acervo, que foram repassadas aos
rar bem e colocar o documento de molho atendestes e destes aos consulentes, que
por 20 min. Se a água amarelar, deve-se re- consiste, basicamente, na obrigatoriedade
petir este banho com uma nova mistura. do uso de luvas de látex por parte do pú-
Quando não era seguro fazer a imersão, blico pesquisador, independente de ser
procedia-se à alcalinização através de obra rara ou não.
borrifadores manuais, deitando-se o docu- O acervo do AHRS consiste de fundos,
mento sobre papéis mata-borrão. que por sua vez trata-se de coletâneas par-
A finalidade é neutralizar a acidez do ticulares e públicas de determinados as-
papel, estabilizar o pH (ideal 7) e deixar suntos, pertinentes à história, cultura e tra-
uma reserva alcalina. dição do Rio Grande do Sul e Brasil. Algu-
Eram empregadas as técnicas à medida mas obras tratam de guerras, revoltas e
que as obras necessitavam reestruturação, revoluções nas quais o RS e o Brasil esti-
reforço de festo, carcelamento, enxertos, veram envolvidos. São obras raras e úni-
velaturas, laminação, etc. cas, que, sem a efetiva guarda e proteção
Por diversas vezes se fez necessário da instituição, perdem-se para sempre.

CONCLUSÃO
Nas duas instituições abordadas nesse tra- estão sob suas guardas.
balho, observamos que não há conservado- Os seus acervos, mesmo deteriorados,
res-restauradores efetivos ou que façam parte rasgados, ácidos e inadequados para ma-
do quadro de funcionários. Não existem nuseios e pesquisa, até porque são obras
profissionais preparados e designados a tra- únicas e raras, ainda assim são
190 tar e restaurar os documentos e livros que disponibilizados à pesquisa, e estão ao al-
Anais | Congresso Abracor 2009
cance do público. É rara a retirada de aces- se degradando diariamente, e não passa um
so do público a essas obras. dia que uma obra saia do acesso público
Quando são retirados para uma futura para a situação de fora de pesquisa por es-
recuperação e restauração, esta só acon- tar degradada e deteriorada. São obras que
tece pela boa vontade de voluntários e passam para a manutenção ou deixam de
funcionários de outros setores, os quais, circular por não se prestarem mais ao ma-
por vezes, possuem um pequeno conhe- nuseio e a leitura.
cimento e, mesmo assim, doam parte de Testemunha desta realidade é o fato de
seus tempos ao salvamento da história. não haver no Estado, nem mesmo na Capi-
Em ambas as instituições observou-se tal, estabelecimentos comerciais que
uma maior preocupação na disponibilizem, de forma qualificada, papéis,
disponibilização ao público das obras dos couros, materiais de uso e consumo especí-
acervos, sem uma maior preocupação na ficos à restauração de livros e documentos,
preservação da história através dos docu- obrigando ao conservador-restaurador bus-
mentos, ou em sua conservação-restaura- car fora do Estado o que necessita.
ção para o correto manuseio. A guarda e valorização da memória e
Encontramos salas de guardas de acer- da história é algo novo em nossa socieda-
vo muito bem iluminadas e, por vezes, de. Somos um país de pouco mais de qui-
com correntes de ar direto sobre os pa- nhentos anos e não podemos comparar
péis, ficando as obras expostas a todo tipo nossa cultura preservacionista à de países
de agressão externa, além das lâmpadas como Itália, França, China, entre outros.
fluorescentes, com raios UV diretamente Mas, nem mesmo assim, deixamos de
focadas sobre o acervo. nos preocupar com o que temos, pois re-
Em sua maioria, não se trata de má von- centemente, em uma visita à Secretaria de
tade, descaso ou desconhecimentos dos Obras e a uma biblioteca de bairro, pude-
diretores do AHRS, MCSHJC e de outros mos constatar que não é só nas institui-
órgãos, e sim uma total falta de políticas ções que trabalhamos que encontramos
públicas que visem disponibilização de tamanha degradação e perda de acervo.
verbas e de previsão orçamentária para a Cremos que a situação encontrada nos
efetiva preservação destes acervos históri- acervos do AHRS e no MCSHJC retrata a
cos em nosso Estado. situação das demais instituições do Estado
Não temos no Rio Grande do Sul cen- e quiçá do Brasil. É uma realidade
tros de formação de conservadores-restau- preocupante e que deveria ser de extrema
radores e o não reconhecimento desta pro- atenção dos órgãos públicos, pois, sem
fissão não propicia que as instituições te- investimentos e profissionalização de pes-
nham em seus quadros profissionais con- soas qualificadas para exercerem a con-
servadores-restauradores, bem como não servação-restauração de forma efetiva e
determinam espaços adequados às ativi- eficaz nas instituições de Arquivos e Mu-
dades destes profissionais. seus do Estado e País, em breve teremos
Ainda assim, observa-se nestas institui- pouco a relatar e a preservar de nossa his-
ções aqui relatadas que os acervos estão tória.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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191
Anais | Congresso Abracor 2009
192
Anais | Congresso Abracor 2009
BECK, Ingrid
Museóloga e Conservadora, Mestre em Ciência da Informação.
Consultora autônoma para projetos de preservação documental.

DESINFESTAÇÃO DO ACERVO DA
BIBLIOTECA BARBOSA RODRIGUES, DO
JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO
Em 2006, a Biblioteca Barbosa Rodrigues, através da Associação de Amigos do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, buscou o apoio junto ao Programa Petrobras Cultural, através da
Lei de Incentivo à Cultura, para a desinfestação de seu valioso acervo e a implantação de um
programa de conservação preventiva.
A presente comunicação tem por objetivo relatar o desenvolvimento de uma metodologia
inovadora que empregou atmosfera anóxia obtida com absorvedores de oxigênio. O tratamen-
to das coleções deu-se de forma massiva, quando a infestação atingia a quase 100% (periódi-
cos) e pontual, quando a infestação podia ser identificada com a inspeção dos volumes.
Em vários países a tecnologia de absorção de oxigênio já é amplamente utilizada para a
conservação de alimentos, de produtos farmacêuticos e também de acervos culturais, mais
precisamente no acondicionamento de acervos muito frágeis bem como na descontaminação
microbiológica e no controle de insetos. Sua utilização mais ampla no Brasil é apenas uma
questão de tempo.
A partir das características fisilógicas e metabólicas dos insetos e das condições ambientais
que são fortemente interferentes no processo de desinfestação por anóxia, foram estabelecidos
os procedimentos de desinfestação para esta Biblioteca. É importante frisar que em nosso País
há uma grande diversidade climática e que cada tratamento deve ser adequado a condições
ambientais específicas.
Os trabalhos foram iniciados com o diagnóstico de conservação do acervo e o mapeamento
da infestação. Este levantamento mostrou que na maioria dos casos o mau estado de conser-
vação, as sujidades e as condições climáticas adversas são facilitadores para a infestação.
Uma das dificuldades encontradas, a falta de espaço, que é uma situação muito comum nas
bibliotecas exigiu a adequação da metodologia para o tratamento dos volumes nas próprias
estantes.
Além de apresentar os materiais e equipamentos utilizados, o texto descreve os cuidados
necessários, como a selagem adequada das bolsas para a garantia da condição anóxia por todo
o período de tratamento e o monitoramento permanente do oxigênio residual, para assegurar
a eficácia na mortandade de todas as fases de desenvolvimento dos insetos.
Após o tratamento, os volumes desinfestados foram higienizados folha a folha, para a
remoção dos detritos dos insetos. Com o mapeamento dos volumes infestados será possível
monitorar em continuidade a redução da população destes insetos dentro do acervo. Por outro
lado, a continuidade deste monitoramento possibilita a identificação imediata de eventuais
focos de reinfestação e o seu controle.
O método mostrou-se especialmente adequado para acervos documentais, pela possibilida-
de da desinfestação pontual e localizada nas áreas de depósito em ações preventivas, evitan-
do-se assim os tratamentos massivos.

Palavras-chave:
Desinfestação; anóxia; preservação documental.

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Anais | Congresso Abracor 2009
1. Introdução
No período compreendido entre agosto de A metodologia incluiu o diagnóstico, a
2007 e maio de 2008 realizou-se a desinfestação desinfestação a limpeza folha a folha. O
do acervo da Biblioteca Barbosa Rodrigues, do tratamento foi realizado no prazo de dez
instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do meses, e abrangeu todo o acervo da biblio-
Rio de Janeiro, como parte do projeto para a teca, num total de 30.581 volumes, dos
implantação de uma sistemática continuada quais 6.438 foram desinfestados,
de manejo integrado de pragas. correspondendo a 21% do acervo.

2. A infestação da Biblioteca Barbosa Rodrigues


Dois tipos de insetos da família Anobidae adultos morrem quando expostos a 4° C
são muito conhecidos como pragas de bibli- por seis dias.
otecas: o Stegobium paniceum e o Lasioderma O inseto adulto costuma fazer a postura
serricorne, sendo este último normalmente dos ovos nos vincos, sulcos, ranhuras, ou
usado como parâmetro nos procedimentos de partes escondidas na lombada dos livros,
desinfestação, por ser considerado um dos onde se encontra farto material protéico
mais resistentes. com os adesivos e couros em processo de
Já os insetos encontrados na Biblioteca Bar- deterioração.
bosa Rodrigues apresentavam características A larva eclode do ovo microscópico de 6
semelhantes ao Stegobium paniceum, também a 10 dias. O seu tamanho final pode chegar
denominado de gorgulho da farinha, muito até 4,5 mm. As larvas são brancas e pelu-
comum em silos de grãos. Sua presença nes- das. They are similar to drugstore beetle
ta Biblioteca pode estar relacionada à exis- larvae but the hair is longer, the head is
tência de grandes quantidades e variedades evenly rounded dorsally and has a dark
de sementes, no espaço do Jardim Botânico. marking with a convex boundary that
A contaminação do acervo por insetos extends halfway up the frons. Nas larvas do
coleópteros atingia de forma diferenciada o Lasioderma serricornea os pelos são mais
acervo: A infestação foi considerada de 100% longos, a cabeça é uniformemente arredon-
no acervo de periódicos raros e de 42% no de dada, há uma linha dorsal escura. An
livros raros. No acervo geral, a infestação dos arolium is also present and extends beyond
periódicos foi de 20,5% e dos livros e obras the middle of the claw on each tarsus.
de referência de 6%. Na fase larvar o inseto é voraz e altamen-
As asas destes insetos são estriadas e os úl- te destruidor de acervos em papel, especi-
timos três segmentos das antenas são maio- almente dos livros. Ataca primeiramente
res. A duração do ciclo de vida é altamente as capas e as lombadas, posteriormente
dependente da temperatura e do alimento, mas fazendo perfurações perpendiculares ao sen-
geralmente leva de 40 a 90 dias. Females lay tido das folhas. Em estágio adiantado, os
10 to 100 eggs in the food and the larvae danos causam um aspecto de rendilhado nas
emerge in six to 10 days. Fêmeas ovipositam folhas.
de 10 a 100 ovos, em vincos, sulcos, ranhu- A identificação das infestações é feita por
ras, ou partes escondidas na lombada dos li- meio de vistoria, examinando-se o local sob
vros, onde se encontra farto material protéico as lombadas e no interior dos volumes, es-
com os adesivos e couros em processo de pecialmente nas primeiras folhas e junto à
deterioração. costura, para localizar as fezes das larvas,
Em climas mais quentes, pode haver cin- em forma de areia. Além da presença des-
co ou seis gerações sobrepostas. ses resíduos observa-se a presença de larvas
Development periods of 26 days at 37°C and ou de perfurações causadas por elas. Consi-
120 days at 20°C have been reported. Há dera-se a possibilidade de infestação ativa
relatos de períodos de desenvolvimento de em todos estes casos, pois os insetos po-
26 dias a 37 °C e de 120 dias a 20° C. dem estar ocultos dentro das capas dos li-
Development is incomplete at 17°C and vros.
adults die when exposed to 4°C for six days. Neste momento, o mapeamento da
Por outro lado observou-se que o desenvol- infestação será fundamental como ferramen-
vimento é incompleto a 17 ° C e que os ta futura, no controle preventivo.

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Anais | Congresso Abracor 2009
3. Fatores principais que influenciam na mortandade dos insetos em atmosferas anóxias
Segundo Maekawa, (1998) embora seja mentos realizados em temperaturas mais
inquestionável a eficácia de atmosferas com altas.
baixo teor de oxigênio para eliminar os in- Umidade relativa
setos, o exato mecanismo fisiológico da Como descrito anteriormente, os insetos
anóxia não é compreendido completamen- perdem água durante a exposição a atmos-
te. Os entomólogos observaram que a sen- feras anóxias, por evaporação. A taxa da eva-
sibilidade às baixas concentrações de oxi- poração depende da umidade do ar e au-
gênio variam de acordo com a espécie, o menta em um ambiente seco.
estágio de desenvolvimento e as circunstân- Tempo de exposição
cias ambientais a que os insetos foram ex- Maekawa concluiu, com base nos relatos
postos durante o tratamento com anóxia. das pesquisas por ele levantadas (Bursell,
São mais suscetíveis ao tratamento os in- 1970, Soderstrom, Mackey e Brandl, 1986,
setos com mobilidade, no caso os adultos e Valentin e Preusser, 1990), que todos os
e as larvas, do que os relativamente inati- estágios da maioria dos insetos anobídeos
vos, como as pupas e os ovos. Observou-se podem ser erradicados em oito dias, em
que os insetos são capazes de restaurar toda concentrações de oxigênio abaixo de 0.3%,
a função do corpo após uma exposição de a uma umidade relativa de 50% e tempera-
até um dia, mas morrem se o tempo da ex- tura não inferior a 25°C. Para garantir a
posição for prolongado. Os investigadores erradicação total de todos os insetos em um
concordam que a desidratação é o mecanis- tratamento do anóxia o cientista recomen-
mo mais importante influenciando a mor- da, entretanto, respeitar um período de
talidade do inseto durante a exposição às quatorze dias sob as circunstâncias acima,
atmosferas anóxias. considerando o prazo de dois dias para o
Temperatura estabelecendo da condição anóxia, mais uma
Segundo Maekawa (1998), diversos es- margem de segurança de 50% acima do tem-
tudos (Bursell, 1970; AliNiazee 1972; po de sobrevivência experimentalmente com-
Lindgren e Vincent,1970; Navarro e provada. Observa ainda que em temperatu-
Calderon 1980; Soderstrom, Mackey, e ras abaixo de 25°C o tempo de tratamento
Brandl, 1986; Rust e Kennedy 1995) mos- deve ser ampliado em cerca de 50% a cada
traram o aumento das taxas metabólicas e diminuição de 5°C. Assim, a 20°C o tempo
do consumo de oxigênio nos insetos quan- de tratamento deveria ser de vinte e dois dias,
do se elevou a temperatura. A abertura dos mas alerta que estas condições não se apli-
espiráculos para controlar a temperatura do cam para todos os insetos pesquisados: os
corpo provoca a perda de água. Estes dois mais resistentes não morrerão, e por isto não
fenômenos podem explicar a elevação da recomenda tratamentos em anóxia em tem-
taxa de mortalidade dos insetos em trata- peraturas abaixo de 25°C.

4. O controle de fungos e bactérias em condições anóxias


Os materiais protéicos como pergami- tados obtidos em uma pesquisa empreendi-
nho, o couro, e peles mumificadas são alta- da no Getty Conservation Institute (1987),
mente suscetíveis ao crescimento de fungos para a avaliação da influência da umidade
e bactérias aeróbicos e anaeróbicos. As relativa do ar em atmosferas anóxias no cres-
bactérias aeróbicas podem danificar as ca- cimento bacteriano, incluindo os
madas superficiais e as internas destes ma- anaeróbicos. Para encontrar o efeito da UR
teriais com manchas desagradáveis, e os e de atmosferas anóxias no crescimento de
fungos com colônias de cores escuras e co- bactérias e fungos, foram isoladas amos-
loridas além dos bolores brancos e colori- tras dos micro-organismos da pele de uma
dos, de aspecto desagradável. múmia feminina adulta, de três mil anos,
As bactérias anaeróbicas produzem enzimas originária de uma instituição egípcia. A
proteolíticas que causam a despolimerização maioria dos micro-organismos
do colágeno e assim perda da integridade de correspondiam a Aspergillus niger,
um objeto. Os fungos anaeróbicos são muito Aspergillus flavus, Penicillium commune,
pouco frequentes em materiais orgânicos Actinomyces sp., Bacillus sp., and
(KOWALIK, 1980 apud VALENTIN) Streptomyces sp., mas os anaeróbicos tam-
Nieves Valentin (1998) relatou os resul- bém foram encontrados e testados.

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Anais | Congresso Abracor 2009
As amostras microbiológicas foram então Observou-se que a atividade biológica
inoculadas em tiras limpas de pergaminho e dos micro-organismos foi retardada notavel-
expostas às várias combinações de UR (33%, mente quando o nível do oxigênio era de
43%, 50%, 75%, 85%, e 100%) e concen- 1% ou inferior e a UR abaixo de 50%.
trações de oxigênio (0.1%, 1%, 5%, e 20%) Quando o oxigênio foi reduzido a somente
em atmosferas do nitrogênio. Sua taxa de 0.1%, com a UR de 50% , após 3 dias o
crescimento foi monitorada determinando a número dos micro-organismos estacionado.
radioatividade que o dióxido de carbono pro- Por outro lado, após somente 10 horas de
duziu após aproximadamente três dias, pela exposição a uma UR de 45% no nível o
população heterogênea de fungos e bactéri- mais baixo do oxigênio (0,01%) observou-
as, que cresceram nas tiras do pergaminho. se o controle da atividade biológica.

5. O passo a passo
A metodologia de desinfestação por meio Os plásticos de barreira possuem baixa
de anóxia, utilizando apenas absorvedores permeabilidade ao oxigênio, evitando assim
de oxigênio é eficaz e de fácil aplicação, que a atmosfera anóxia no interior das bol-
comparada a outros métodos que utilizam sas seja contaminada pelo oxigênio da at-
gases. Aplica-se tanto no tratamento mosfera exterior. São confeccionados com
massivo, quando a infestação abrange todo 5 ou mais camadas de diferentes plásticos,
o acervo, como no controle pontual, para como polietileno, polipropileno, nylon e
evitar que uma infestação pequena se am- poliéster, unidas por coextrusão.
plie, em uma sistemática de conservação Alguns cuidados devem ser observados
preventiva. rigorosamente no momento da inserção dos
A higienização do acervo após a volumes nas bolsas, para não comprometer
desinfestação é uma etapa imprescindível a condição anóxia.
nesta metodologia. Desde o início, na me- · O plástico de barreira não deve ter
dida em que são inspecionados, separam- arranhões, sequer vincos, sob o risco de rom-
se os volumes que não apresentam indícios perem-se as camadas termo-aderidas ou
de infestação, e estes devem ser limpos coestrudadas, permitindo a passagem de
imediatamente, folha a folha e retornar para oxigênio da atmosfera externa para o interi-
a estante (também higienizada). Esta lim- or das bolsas.
peza minuciosa é importante, porque nela · Antes de serem inseridos nas bolsas
podem aparecer outros volumes com sinais de barreira, os volumes devem estar livres
de infestação que não foram detectados de objetos pontiagudos ou ser envolvidos
durante a primeira inspeção. em material macio e poroso, para evitar
Já os volumes infestados são limpos so- danos nas paredes internas das bolsas. A
mente após o tratamento de desinfestação, mesa onde as bolsas são preparadas deve
isto é, quando saem da anóxia, depois de 2 igualmente estar sempre limpa e protegida
ou 3 semanas, e também serão limpos fo- com um revestimento de não-tecido.
lha a folha. - Os absorvedores de oxigênio apresen-
A atmosfera anóxia é obtida pela conjun- tam-se na forma de sachês de um plástico
ção de diferentes recursos: microporoso contendo óxido de ferro em
· bolsas de plástico de alta barreira; pó e ácido ascórbico, entre outros. A
· saches absorvedores de oxigênio; tecnologia dos absorvedores baseia-se na
· indicadores de oxigênio residual; oxidação de pó de ferro.
· sachês de sílica gel; - O cálculo da quantidade de absorvedores
· indicadores de umidade. para a obtenção da anóxia é feito com base
Os volumes em tratamento de no volume (metragem cúbica) de cada bol-
desinfestação devem ser inseridos em uma sa em centímetros. Um centímetro cúbico
bolsa de plástico de alta barreira, juntamente (cm³) equivale a 1 ml. Com este cálculo
com a quantidade adequada de absorvedores obtêm-se o volume de oxigênio contido na
para a obtenção da atmosfera anóxia, abai- bolsa. Considerando-se que há 21% de oxi-
xo de 0,3% de oxigênio. Para monitorar a gênio no ar, divide-se o volume (cm³) de ar
condição anóxia durante todo o tempo de por 5. Por exemplo, se uma bolsa mede 20
tratamento é inserido um indicador de oxi- x 30 x 20 cm, tem 12.000 cm³. Divididos
gênio em cada bolsa. por 5, chega-se a 1.200 cm³ ou 1,2 litros

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Anais | Congresso Abracor 2009
de oxigênio. A quantidade de absorvedores umidade a ser reduzida.
deve ser correspondente à sua capacidade de - No fechamento das bolsas, a faixa de
absorver o volume de oxigênio calculado. selagem precisa ter no mínimo 1 cm de lar-
- Inserem-se os absorvedores de oxigênio gura. Deve-se observar a temperatura corre-
procurando evitar que fiquem acumulados. ta para a selagem, pois a faixa de selagem
Idealmente devem ser espalhados nas late- não pode conter danos por superaquecimen-
rais das bolsas, evitando inclusive o seu con- to, bolhas de ar ou vincos.
tato direto com os livros, uma vez que libe- - O manuseio da bolsa contendo o mate-
ram calor e água ao eliminarem oxigênio. rial em tratamento deverá ser cuidadoso, e
- Sobre uma cartela devem ser anotados: a bolsa é colocada sobre uma superfície
a data, o número da bolsa, a quantidade de plana e lisa, coberta com um não tecido,
absorvedores. Fixa-se um sensor de oxigê- para evitar abrasão. Deve-se evitar a exposi-
nio, que se torna azul quando detecta oxi- ção direta à luz solar.
gênio e volta a se tornar rosa em condições No caso da desinfestação realizada na
de anóxia. Opcionalmente coloca-se um Biblioteca Barbosa Rodrigues, os volumes
indicador de umidade, para que a umidade foram inseridos em bolsas pequenas, medin-
no interior da bolsa também possa ser do 60 x 40 cm, reunindo de 5 a 8 volumes.
monitorada durante o tratamento. Com isto resolveu-se o problema de falta de
- A cartela deve ficar em uma posição de espaço na Biblioteca, permitindo que os vo-
fácil visualização. O número da bolsa de- lumes fossem dispostos em suas próprias
verá remeter à listagem com o seu conteú- prateleiras. Isto possibilitou tratar um gran-
do. de volume de obras, simultaneamente.
- Quando a umidade relativa do ar é ele- Decorrido o tempo de exposição à anóxia,
vada, acima de 50%, recomenda-se acres- de 15 a 22 dias, os volumes são
centar sílica-gel, em quantidade a ser defi- higienizados para remover todos os resídu-
nida, de acordo com o volume da bolsa e a os e os insetos mortos.

6. Conclusões importantes para a eficiência do tratamento em anóxia,


em climas quentes e úmidos

As pesquisas levantadas confrontaram di- dia, mas morrem se o tempo da exposição


versas condições de temperatura, umidade for prolongado.
relativa e de redução do percentual de oxi- Igualmente no caso dos microorganismos,
gênio, conduzindo às seguintes conclusões: a redução da umidade atmosférica irá con-
Tanto para o controle de insetos como de tribuir de forma significativa para a eficácia
fungos e bactérias a concentração de oxigê- nos processos de desinfecção por anóxia.
nio é determinante para o controle efetivo. As condições recomendadas para o trata-
O aumento da temperatura aumenta as mento de desinfestação, com um tempo de
taxas metabólicas e o consumo de oxigênio exposição à anóxia por 15 dias são:
nos insetos. Estes abrem os espiráculos para - Atmosfera anóxia igual ou inferior a 0,3%.
controlar a temperatura do corpo, o que - Temperatura entre 25 e 300 C.
provoca a perda de água, ou desidratação. - Umidade Relativa igual ou inferior a 50%.
Este é o mecanismo mais importante influ- Para as condições ambientais brasileiras,
enciando a mortalidade dos insetos durante a temperatura ambiente no interior de um
a exposição às atmosferas anóxias. edifício na época do verão costuma estar
Assim, a temperatura e a desidratação são nesta margem. Já a umidade relativa do ar
dois fenômenos importantes para mortan- está sempre mais elevada, o que pede o uso
dade dos insetos em atmosferas anóxias, mas complementar de um dessecativo, no caso
vale enfatizar que a taxa da evaporação (de- a sílica gel.
sidratação) depende da umidade do ar e Além da água presente no ar e nos mate-
aumentará em um ambiente seco. riais dentro do invólucro, os absorvedores
No caso dos insetos, são mais vulnerá- de oxigênio usados para a obtenção da
veis ao tratamento os adultos e as larvas, anóxia, ao reagirem com o oxigênio produ-
do que os relativamente inativos, como as zem calor e liberam a água. Segundo
pupas e os ovos. Observou-se que os inse- Maekawa, esta quantidade de água irá con-
tos são capazes de restaurar toda a função tribuir para o aumento da umidade do ar
do corpo após uma exposição de até um no interior das bolsas na ordem de 5%, o

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Anais | Congresso Abracor 2009
que aumenta a necessidade de utilizar um de fungos. A umidade relativa do ar, na fai-
dessecativo. xa de 70%, não impediu, segundo nossa
Na Biblioteca Barbosa Rodrigues o trata- experiência, a mortandade dos insetos em
mento foi realizado sem o uso de sílica- 100%, mas levou-se em conta que esta
gel, exceto nos casos em que foi utilizada a umidade iria exigir o aumento do tempo de
anóxia para o controle de contaminações exposição à anoxia, de 15 para 22 dias.

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Anais | Congresso Abracor 2009
CHRISTO, Tatiana Ribeiro.
Chefe do Laboratório de Restauração da Biblioteca Nacional;
Bacharel em Gravura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro; Curso Monográfico de Restauração de Livros pela Escola de Artes Aplicadas e
Ofícios Artísticos, Madri, Espanha, com bolsa de estudos da CAPES; Pós-graduação em
Organização, Planejamento e Direção de Arquivos, Universidade Federal Fluminense/
Arquivo Nacional; Estágio com duração de quatro meses no Laboratório de Restauração
da Biblioteca Nacional de Madri, Espanha, com bolsa de estudos da CAPES; Estágio com
duração de dez meses nos Laboratórios de Restauração e Encadernação de Obras Raras
da Biblioteca Huntington, Pasadena, Califórnia, EUA, com bolsa de estudos das Fundações
GETTY e LAMPADIA; Curso Internacional de Restauração e Conservação de Materiais de
Biblioteca com duração de dois meses em Veneza, Itália, com bolsa parcial de estudos da
UNESCO; Curso do ICCROM sobre Conservação Japonesa em Quioto, Japão, com bolsa
de estudos do governo japonês.

A adoção da encadernação flexível em pergaminho


em obras raras restauradas na Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro.

O texto a seguir apresenta a encadernação flexível em pergaminho para fins de conser-


vação de obras raras restauradas por meio de Máquina Obturadora de Papéis na Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro.

The following text presents the Limp Vellum Binding with conservative purpose of
rare books restored through Leaf Casting Machine in the National Library of Rio de
Janeiro, Brazil.

PALAVRAS-CHAVE:
Diretrizes de preservação, Acervos raros, Encadernação flexível em pergaminho.

As encadernações em pergaminho (limp materiais que a compõem e a não utiliza-


vellum binding) predominaram em um pe- ção de cola.
ríodo anterior à descoberta da imprensa A encadernação flexível em pergaminho
em 1500 e tiveram sua origem nos mos- também despertou o interesse daqueles
teiros e conventos da Idade Média. Este responsáveis pelas atividades de preserva-
tipo de estrutura, também denominada ção da Biblioteca Nacional do Rio de Ja-
encadernação monástica, chamou atenção neiro em 1987. Nesta ocasião, as máqui-
do inglês Christopher Clarkson, especia- nas obturadoras de papel tinham sido
lista em encadernação histórica, quando introduzidas no Laboratório de Restaura-
convocado a participar da recuperação dos ção recém reativado e o principal objeti-
livros danificados pela inundação na cida- vo era a recuperação de obras raras seve-
de de Florença em 1966. ramente danificadas pela ação de insetos.
Clarkson observou que, apesar de mui- Após a restauração do bloco de texto,
to danificadas nas suas capas, as encader- optou-se pela encadernação flexível em
nações em pergaminho, principalmente as pergaminho não só pelos aspectos menci-
do início do século XVI, não tinham sofri- onados acima, bem como por que atendia
do tantos danos na parte do bloco de tex- ao princípio da reversibilidade, ou seja, era
to em comparação com estruturas mais ela- possível desfazer a encadernação de modo
boradas de encadernação. A partir daí, fácil sem prejuízo ao bloco de texto e pela
Clarkson analisou vários modelos de limp facilidade de encontrar no Brasil materi-
vellum binding e o resultado desta análise ais de boa qualidade para sua execução.
permitiu demonstrar que se tratava de uma A encadernação flexível em pergaminho
estrutura potencialmente apropriada para (limp vellum binding) desde então tem sido
fins de conservação por conta de algumas adotada nos livros danificados pela ação
de suas características como simplicidade de insetos e desprovidos dos elementos ori-
de construção, leveza, qualidades mecâ- ginais de encadernação como capas, cos-
nicas como boa abertura, durabilidade dos tura e cabeceados. 199
Anais | Congresso Abracor 2009
Atualmente, a encadernação flexível em servação preventiva o qual contempla a
pergaminho segue sendo executada em recuperação de uma grande quantidade
obras raras restauradas por meio de má- de obras em um curto prazo de tempo e
quinas obturadoras de papel e tem sido atende a novas demandas quanto à
considerada como um dos aspectos das agilização de processos de
diretrizes de preservação do acervo da microfilmagem e digitalização para asse-
Biblioteca Nacional. gurar o acesso à informação pelos pes-
Este modelo, pela sua praticidade, está quisadores e usuários da Biblioteca Na-
em conformidade com o conceito de con- cional.

BIBLIOGRAFIA
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fev. 2004. Disponível em: <http://www.ndl.go.jp/en/publication/ndl_newsletter/135/Lecture0312-1.pdf>
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Acesso em 21 jul. 2008.
10- LINDSAY, Jen. A Limp Vellum Binding Sewn on Alum-tawed Thongs. The New Bookbinder, n. 11, p. 3-19, 1991.
200
Anais | Congresso Abracor 2009
Edmar Moraes Gonçalves
Conservador-Restaurador
Fundação Casa de Rui Barbosa

Autores:
Edmar Moraes Gonçalves – Fundação Casa de Rui Barbosa
Yacy Ara Froner – Universidade Federal de Minas Gerais
Luiz Antonio Cruz e Souza - Universidade Federal de Minas Gerais

Estruturas de encadernações “brasileiras”


do século XIX na coleção Rui Barbosa: Um estudo
para a preservação de acervos raros

Este trabalho descreve o estudo desenvolvido sobre as estruturas das encadernações


da coleção Rui Barbosa, a qual data do século XIX, com o objetivo de preservá-las
mantendo sua originalidade e estilo de época.

This paper describes a research developed on the bookbinding structures of the Rui
Barbosa’s collection, which belongs to XIX century, with the goal of preserve them,
keeping its originality and style.

Palavras-chave:
Conservação-restauração de livros, estrutura de encadernação, encadernações brasilei-
ras, preservação de encadernações.

No Brasil, as grandes coleções de livros mil volumes e é constituído principalmen-


raros são dos séculos XVI a XIX. Não exis- te por obras francesas e norte-americanas
te um levantamento tipológico das enca- editadas no final do século XVIII, início de
dernações, nem tampouco dos materiais XIX e principalmente editadas no Brasil
e técnicas empregadas. Isso representa um com a vinda de D. João VI e a fundação da
desafio para os conservadores-restaurado- Imprensa Régia.
res, já que é necessário um conhecimento Optamos por concentrar nossas pesqui-
detalhado sobre essas técnicas de encader- sas em encadernações feitas no Brasil e
nações para a execução de procedimen- apenas no século XIX, quando surge a
tos de conservação e restauração. Dessa Ordem Régia que autorizou a imprensa no
maneira, por meio desta pesquisa preten- Brasil. Com sua instituição em maio de
de-se contribuir para o desenvolvimento 1808, a Imprensa Régia passa a deter a
mais acurado de projetos de conservação- exclusividade da imprensa na Corte. Du-
restauração de livros raros no Brasil a par- rante a Imprensa Régia foi publicado A
tir do conhecimento de sua tecnologia de Gazeta do Rio de Janeiro em 10 de maio
construção e responder às questões dos de 1808, primeiro jornal brasileiro, cria-
conservadores-restauradores no que tange do por decreto de D. João VI para divul-
a uma lacuna específica dessa área de co- gar informações oficiais. Surge também o
nhecimento: o conhecimento das técnicas primeiro livro, Marília de Dirceu, de To-
de encadernação. más Antonio Gonzaga. MORAES (1998)
O objetivo dessa investigação foi criar cita que desde a fundação da Imprensa
uma tipologia que possa auxiliar na iden- Régia, o Brasil começa a produzir livros e
tificação das estruturas das encadernações então começam a aparecer os
de livros do século XIX no Brasil, toman- encadernadores. Os primeiros
do como estudo de caso os livros selecio- encadernadores do Rio de Janeiro foram
nados a partir da coleção Rui Barbosa, os franceses. Desde o princípio do século
pertencentes à Fundação Casa de Rui Bar- XIX estava estabelecido na Rua do
bosa, órgão do Ministério da Cultura loca- Ouvidor, um francês Monsieur Bouvier,
lizado no Rio de Janeiro. com negócios de papelaria e encaderna-
Esse acervo, adquirido e organizado por ção. Os Morange, também na Rua do
Rui Barbosa ao logo de sua vida, reúne 37 ouvidor, eram encadernadores peritos e
201
Anais | Congresso Abracor 2009
costumavam colar elegantes etiquetas da casa: de livros e de encadernações antigas, as ins-
“Morange irmãos. Encadernadores franceses. tituições públicas, privadas e colecionado-
Rua da Cadeia no, 43. Rio de Janeiro”. res de livros raros, quando necessitam exe-
A oficina de encadernação mais famosa cutar intervenções nessas obras, deparam com
durante o Império foi a do suíço George um problema nem sempre bem resolvido.
Leuzinger, que chegou ao Rio de Janeiro em Por conta disto, muitas obras acabam pas-
1832 e ficou conhecido como o grande sando por tratamentos de intervenções feitos
encadernador das repartições públicas. Ele por pessoas não capacitadas, comprometen-
usava em suas encadernações o brasão do do sua originalidade e, com isso, perdem
Império. Apesar disso, não tinha nenhuma vestígios e testemunhos históricos para sem-
exclusividade nos serviços de encadernações pre.
para o governo. Nesta oficina formaram-se Através desse estudo, esperamos ser pos-
muitos brasileiros que depois foram montar sível auxiliar os gestores de acervos e, prin-
suas próprias oficinas nas províncias espa- cipalmente, ampliar o suporte científico e
lhando a arte de encadernar pelo Brasil. tecnológico para os profissionais conserva-
O Instituto dos Surdos Mudos, com sua dores-restauradores que lidam diretamente
oficina de encadernação, também era nes- com livros. A escolha da pesquisa
ta época um dos fornecedores do governo, enfocando tecnologia e estruturas de enca-
mas como afirmado por vários clientes in- dernações dos séculos XIX decorre do fato
telectuais e até mesmo por Rui Barbosa, ti- de a maioria das obras da coleção Rui Bar-
nham um trabalho de péssima qualidade. bosa, pertencer a este período e coincidir com
Nesta época, todos os materiais para enca- a implantação da imprensa em nosso País.
dernação eram importados e a grande mai- Como afirma RUIZ (2002), existem alguns
oria dos encadernadores eram estrangeiros. estudos realizados sobre estruturas de en-
Apesar da existência de excelentes ofici- cadernações, mas em sua maioria dando
nas de encadernação no Rio de Janeiro e ênfase apenas às ornamentações e decora-
nas principais cidades durante o Império, ções, com interesse especial em encader-
era de costume de muitos colecionadores, nações de luxo e quase nada sobre sua
mandarem encadernar suas obras na Euro- tecnologia de construção e estruturas.
pa, principalmente na França. Os livreiros Como metodologia, foi feito um levanta-
estrangeiros é que se encarregavam dessas mento sobre as Tipografias e Oficinas de
encomendas. Os que mais se destacavam encadernações que funcionavam no Brasil
eram: Livraria B. L. Garnier, Livraria - Rio de Janeiro durante o século XIX; feita
Laemmert & Cia, Livraria Briguiet etc. a caracterização da tecnologia de constru-
O conhecimento da tecnologia de enca- ção das encadernações existentes na Fun-
dernação, tomando como base a coleção dação Casa Rui Barbosa e detalhando dife-
de livros da Fundação Casa de Rui Barbo- rentes estruturas de encadernações desse
sa, servirá posteriormente como base de período presente na coleção; estudo
dados para o estudo e a história da enca- codicológico e estudo como base em 2
dernação de livros do século XIX, e uma manuais de encadernações: um francês do
cooperação técnica/científica dos conserva- século XVIII, de René Martín Dudin, consi-
dores-restauradores do LACRE (Laboratório derado o primeiro encadernador a escrever
de Conservação-Restauração) através da uma manual de encadernação, em 1772. Esta
Fundação Casa de Rui Barbosa, junto às obra, reeditada várias vezes e última em
instituições públicas e privadas que poderá 1997 resulta em um documento base para o
ocorrer por meio de assessoria técnica, or- conhecimento da arte de encadernar na úl-
ganização de cursos e seminários, orienta- tima metade do século XVIII e ainda utiliza-
ção técnica a estagiários e pesquisadores. do até os dias de hoje. Isso é confirmado
O resultado dessa pesquisa poderá respal- através do manual de Leopoldo Berger em
dar essas atividades de cooperação. 1946, considerado o primeiro encadernador
Diante da carência brasileira na área de brasileiro a escrever um manual de enca-
informação e conhecimento especializado dernação. Ambos descrevem as operações
de tecnologia de construção de estruturas completas da montagem de livro.

As estruturas de encadernações da coleção de livros de Rui Barbosa

Iniciamos as buscas na intenção de en- sideradas brasileiras e desenvolvidas no Bra-


contrar um estilo especial de encadernação sil no século XIX. Como localizar essas en-
que existiu na época do Império presente na cadernações? Buscamos por evidências que
coleção de Rui Barbosa. Encadernações con- comprovassem terem sido encadernadas aqui
202
Anais | Congresso Abracor 2009
no Brasil. Naquele período, principalmente cias encontradas foram através das etique-
a partir da vinda da Família Real e a Impren- tas (FIG. 1-6) que algumas dessas tipogra-
sa Régia em 1808. fias ou oficinas de encadernações aderi-
As buscas por essas encadernações bra- am na parte interna das capas dos livros,
sileiras tiveram resultados surpreendentes. nas folhas de rosto e em alguns casos, gra-
Foram encontrados muitos livros encader- vavam a ouro na parte interna da capa, os
nados no Brasil nesse período e as evidên- dados de quem a executou.

Figura 1 Figura 2

Figura 3

Figura 4 Figura 5 Figura 6


Fontes: Acervo Rui Barbosa – etiquetas mais importantes encontradas nos livros.

Fizemos uma busca por amostragem na servar é que no caso dessas encaderna-
coleção (FIG. 7) e separamos vários exem- ções feitas pela Livraria Briguiet, existe
plares para serem estudados. Um grupo dois estilos de encadernações bem dife-
muito grande desses livros foi encaderna- rentes, uma seguindo o estilo francês
do pela “Livraria F. Briguiet & Cia” – Rio (que são aquelas mais luxuosas) e outras
de Janeiro. Livraria essa que Rui Barbosa em um estilo mais simples (feitas com
fazia a maioria de suas encomendas de materiais inferiores e possivelmente po-
encadernações e suas novas aquisições. deriam ter sido feitas no Brasil). E com-
Como afirma LACOMBE (1984), Rui man- parando com outro grupo também muito
dava encadernar seus livros em Paris. Nes- presente na coleção, encadernados nas
te grupo, que são a maioria dos livros se- oficinas do “Instituto dos Surdos Mudos”
lecionados (FIG. 8) que podemos identificadas por etiquetas aderidas nas
identificá-los através de gravação a ouro folhas de rosto dos livros, podemos che-
com o nome da livraria localizado no in- gar a conclusão que utilizaram os mes-
terior da capa ao alto e a direita. mos tipos de materiais. Outro grupo tam-
Há nessa coleção encadernações simi- bém significativo de livros identificados
lares a esse grupo, cujos materiais utili- com etiquetas de outras livrarias e
zados poderíamos afirmar que são da mes- encadernadores brasileiros como: B. L.
ma origem. Outra coisa que pudemos ob- Garnier, Laemmert & Cia, etc.

Figura 8
livros selecionados
Figura 7
coleção RB
203
Anais | Congresso Abracor 2009
Uma vez feita a seleção dos livros, passa- forço do lombo, etc. Em algumas encader-
mos ao estudo das estruturas de costuras das nações, esta visualização tornou-se impossí-
mesmas. Primeiro separamos em grupos por vel, por apresentarem costuras muito aperta-
Livrarias, Oficinas, Encadernadores etc. Fi- das dificultando sua visualização. Somente
zemos uma documentação fotográfica deta- com o desmonte das obras foi possível uma
lhada de todos os livros selecionados por análise completa de sua estrutura. Ao mes-
grupos. Após isso, foi feito um estudo com- mo tempo foram preenchidas fichas técni-
parativo visual das estruturas de todas elas, cas individuais com informações detalhadas
para saber se há diferença de estilos entre sobre cada uma delas descrevendo como são
elas. Trata-se de um exame feito tomando suas estruturas internas. Depois selecionamos
como base o centro dos cadernos dos livros, algumas de diferentes grupos onde foram
onde podemos verificar como a costura foi desmontadas, analisadas, mapeadas suas es-
executada. Nesta etapa, é possível visualizar truturas e feita à identificação dos materiais
como a costura foi constituída e qual linha utilizados. Durante esses processos, foram
utilizada, mas, não se pode verificar qual foi feitas ilustrações demonstrando fielmente
o material que serviu de suporte para a cos- como foram executadas essas estruturas na-
tura como: cordas, barbantes, cadarços, re- quela época.

Conclusões
Após executarmos todas as etapas de in-
vestigações sobre as encadernações existen-
tes na coleção Rui Barbosa, levantarmos as
oficinas de encadernações e tipografias da
época no Rio de Janeiro. Chegamos às se-
guintes conclusões:
Todas foram extintas ou mudaram de
nome. Como existe um número conside-
rado de encadernações executadas na Ofi-
cina de Encadernação do Instituto dos Sur-
Figura 9 – livros que foram desmontados
dos Mudos presentes na coleção, demos
um tratamento especial e constatamos que
após ter passado por várias mudanças de
nome, infelizmente encerraram suas ativi-
dades gráficas e de encadernações no ano
de 1990, já com o nome de Instituto Naci-
onal de Educação de Surdos. A única que
existe até hoje é a Oficina de Encaderna-
ção da Imprensa Braille, pertencente ao
Instituto Benjamin Constant, instituição
criada por D. Pedro II em 1856 com o
nome de Imperial Instituto dos Meninos
Cegos, mas claro, com transformação de Figura 10 – desmonte e mapeamento
sua qualidade na encadernação.
Através das encadernações selecionadas,
estudadas e comparadas com os manuais
da mesma época, podemos afirmar que suas
estruturas são similares. Ou seja, essas en-
cadernações que comprovadamente foram
feitas aqui no Brasil no século XIX, utiliza-
ram os mesmos materiais e tipos de estru-
turas iguais os de estilo francês da mesma
época. Isso justifica porque foram os fran-
ceses, os primeiros a chegarem aqui no Rio
de Janeiro com sua mão-de-obra especializa-
da e passam a partir de então a treinar os Fgura 11 – detalhe de uma estrutura
brasileiros nessa arte de encadernar. Pode- Fontes: coleção Rui Barbosa.

mos também confirmar através dos exem- terão suas estruturas reconstituídas nova-
plos ilustrados (FIG. 9 - 14) de livros da mente seguindo informações detalhadas fei-
coleção desmontados e que tiveram suas tas em suas fichas técnicas preservando a
204 estruturas estudadas. Essas encadernações originalidade de cada obra.
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Figura 12 – estrutura de encadernação da Oficina de Encadernação da Imprensa Nacional. Exemplo
de uma estrutura de costura simples e sequencial, com lombo serrotado e que a linha passa por todos
os nervos (suporte de costura) em cada caderno.

Figura 13 – estrutura de encadernação da Oficina de encadernação G. Leuzinger & F. – Exemplo


também com lombo serrotado e com costura alternada de dois em dois cadernos.

Figura 14 – oficina de Encadernação do Instituto dos Surdos Mudos e da Typografia Universal de


Laemmert. Exemplo mais complexo com lombo serrotado e com costura alternada envolvendo três
cadernos ao mesmo tempo.

Obs.: Essas ilustrações acima descrevem algumas das estruturas estudas durante a
pesquisa e que faz parte de um estudo maior de dissertação de mestrado em Conserva-
ção, na EBA/UFMG que será defendida no segundo semestre deste Ano.

Bibliografia
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DUDIN, René Martin. Arte del encuadernador y dorador de libros. Madrid: Ollero & Ramos, 1997.
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GREENFIELD, P. B. Headbands: how to work them. London: Oak Knoll Books, 1990.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2006.
HOLLANDER, Annette. Bookcraft: how to construct note pad covers, boxes and other useful items. Van Nostrand Reinhold Company, 1974.
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MORAES, Rubens Borba de. O bibliófilo aprendiz. 3. ed. Brasília: Briquet de Lemos; Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1998.
RUIZ, Elisa Garcia. Introducción a la codicologia. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 2002.
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CORRÊA, Hélade da Rocha
Conservadora-restauradora
Contracapa Oficina de Encadernação S/C Ltda - ME

GIORDANO, Patrícia de Almeida


Conservadora-restauradora
Atelier Além do Livro Ltda - ME

RESTAURAÇÃO DE LIVROS DO SÉCULO XVII


DA FACULDADE DE DIREITO DA USP: CRITÉRIOS

O objetivo deste trabalho é apresentar os critérios adotados na escolha dos procedi-


mentos para o restauro dos livros do século XVII da Faculdade de Direito da Universi-
dade de São Paulo.
Neste processo foram identificados quatro grupos de obras com características co-
muns com relação ao estado de conservação, o que determinou o tratamento a ser
realizado: conservação de encadernação original, restauração de encadernação origi-
nal, substituição de encadernação inadequada e ausência de encadernação/nova en-
cadernação - o suporte (papel) em todas as situações também recebeu tratamento. São
apresentados detalhadamente os critérios utilizados em cada um destes casos em rela-
ção à análise do estado de conservação, documentação, tratamentos realizados e ma-
teriais utilizados. Discutem-se também os critérios utilizados na definição de encader-
nação inadequada e encadernação de conservação.

The purpose of this work is to present the criteria to choose the procedure during the
restoration of 17th century books of Law School of University of São Paulo.
In this process four groups of books with similar characteristics about its conservation
were identified and defined the procedures to be realized: original binding conservation,
restoration of original binding, substitution of inadequate binding and lost binding/
new binding - the support (paper) in all situations are also treated.
The adopted criteria are presented with details in each one of the cases related to the
analysis of conservation status, documentation, procedures and supplies. The adopted
principles to define inappropriated binding and conservation binding are also discussed.

O projeto de restauro e os grupos:


A restauração dos livros do século XVII cedimento que seriam adotados durante a
se integrou no projeto: Restauração de li- execução do projeto. A seleção final ficou
vros, vitrais, lustres e quadros da faculda- a cargo das bibliotecárias da instituição,
de de Direito da USP (Lei Rouanet sem interferência das restauradoras-conser-
PRONAC 030695), promovido pela Fun- vadoras contratadas para o projeto.
dação Arcadas e não abrangia a totalidade A quantidade (oitenta e quatro volumes)
dos livros que necessitavam tratamento. e a diversidade das obras em relação ao
Atelier Além do Livro Ltda - ME e estado de conservação em que se encon-
Contracapa Oficina de Encadernação S/C travam, tornaram imprescindível o estabe-
Ltda - ME foram as empresas responsáveis lecimento de parâmetros, tanto para o
pelo trabalho de restauro e sua participa- agrupamento de obras com características
ção iniciou-se com a visita técnica das con- comuns, como para os procedimentos a se-
servadoras-restauradoras ao acervo para rem realizados. Desta forma, conforme o
seleção das obras e discussão com biblio- estado de conservação, os grupos foram
tecárias da instituição dos critérios e pro- definidos assim:

A. Conservação de encadernação original


Estado de conservação apresentando su- osa higienização e pequenas intervenções
porte em bom estado, sem necessidade de (reparos e enxertos no papel) e encaderna-
tratamento aquoso, mas apenas de minuci- ção com estruturas bem preservadas, prin-
207
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cipalmente com a costura íntegra e presen- as originais, de forma geral, estavam mais
ça dos elementos essenciais. deterioradas pelo ataque de insetos e
Neste caso a opção foi por não desmon- micro-organismos, perdas, manuseio e al-
tar a obra, pois isso acarretaria maior per- gumas interferências posteriores; em
da do que benefício. contrapartida, as encadernações contem-
porâneas se encontravam em aparente
B. Restauração de bom estado, porém eram inadequadas,
encadernação original: muitas vezes como resultado de concep-
Estado de conservação apresentando ção equivocada no passado. Ou seja, a não
suporte em mau estado, necessitando sem- identificação da obra como rara e a ado-
pre de tratamento aquoso, e, ção de procedimentos equivalentes aos uti-
consequentemente, de desmonte. Estado de lizados em acervos de obras correntes, ou
conservação da encadernação com estrutu- o encaminhamento de obras a profissio-
ras bem preservadas ou não, desde que com nais não qualificados (se hoje se questio-
elementos e informações suficientes para a na a formação do encadernador-conserva-
o seu restauro. dor-restaurador, o que dizer do profissio-
Aqui não houve a possibilidade de evi- nal de cinquenta anos atrás?). Era frequente
tar o desmonte, mesmo havendo em al- o uso da guilhotina nos cortes e na lomba-
guns casos perdas para a encadernação; da, chegando a atingir o texto; costuras co-
os benefícios para o suporte prevalecem. merciais (serrotada, chuleada, alceada e à
máquina, foto 2) que restringiam abertura
C. Substituição de
encadernação inadequada:
Estado de conservação apresentando
suporte em mau estado, necessitando sem-
pre de tratamento aquoso, e,
consequentemente, de desmonte. Encader-
nações não originais inadequadas a serem
substituídas por encadernações de conser-
vação.
Aqui não houve a preocupação de evi-
tar o desmonte, pois a encadernação exis- Foto 2: Costura à máquina e chuleada.
tente seria descartada.

D. Ausência de encadernação
Estado de conservação apresentando
suporte em mau estado, ne-
cessitando sempre de trata-
mento aquoso, e,
consequentemente, de des-
monte. Encadernações perdi-
das; mesmo havendo algumas
informações, estas não são su-
Foto 3: Corte superior guilhotinado, perda de texto.
ficientes para reconstituição.
Como no caso anterior, do livro; uso de material inadequado.
aqui também não houve a pre- A encadernação contemporânea em si, não
ocupação de evitar o desmon- seria problemática se princípios de conser-
te. vação fossem conhecidos e aplicados. Um
Na maioria dos casos, os tratamento adequado ao suporte, o uso de
principais agentes de deteri- materiais de qualidade arquivística, como
oração encontrados foram: no caso das guardas, a confecção de costura
ataque de insetos e micro-or- resistente que permita boa abertura, o res-
Foto 1:
Inscrição
ganismos, umidade, sujidades, manipula- peito à integridade da obra (manutenção do
oxidada. ção e interferências anteriores. Em relação formato original, sem uso da guilhotina foto
ao suporte, os exemplares apresentavam 3, em nenhuma hipótese), se adotados, as-
folhas rendilhadas, com manchas, rasgos e segurariam a conservação da obra indepen-
perdas, laminações antigas (às vezes na pá- dente do tipo de encadernação. As enca-
gina inteira, prejudicando a leitura), inscri- dernações contemporâneas, mesmo quan-
ções manuscritas oxidadas (foto 1) presen- do em bom estado, foram substituídas por
ça de veneno, fungos e detritos. Quanto à novas de conservação, pois elas, além de
208 encadernação, havia dois casos distintos: tudo, não apresentavam nenhum valor his-
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tórico que merecesse ser salvaguardado.
Para as encadernações de conservação,
seguimos os padrões das encadernações
antigas em pergaminho, que comprovaram
sua durabilidade através do tempo - tanto
pela estrutura quanto pelo material de re-
vestimento. Uma característica fundamen-
tal de qualquer encadernação de conser-
vação é a reversibilidade, de técnicas e
materiais. O pergaminho é um material de
conservação por excelência, principalmen-
te pela alcalinidade, resistência e durabi-
lidade, compensando inclusive suas carac- Foto 4: Encadernação original a ser mantida.

terísticas negativas, como o fato de ser tórico que justificasse sua preservação, as
higroscópico. Linha de linho foi usada para etapas do processo foram meticulosamen-
a costura, feita sobre nervos de couro ao te documentadas para futura remontagem.
alúmen, assim como para o cabeceado; Na obra Directorii Confessariorum
reforço da lombada foi realizado com pa- (1668) de Antonio A. Spititu Sancto, resta-
pel japonês 30gr/m² e cola de amido; guar- va apenas o revestimento em couro da
das, em papel Ingres 90gr/m² da Fabriano; encadernação original. Com base nas in-
reforço interno da capa com cartão neutro formações tanto do couro como do corpo
de acordo com as dimensões do livro, lom- do livro (como estilo da encadernação,
bada caligrafada com autor e título. tamanho e localização dos nervos) foi rea-
Sempre que as condições do suporte lizada nova encadernação sobre a qual se
permitiram, a integridade da encaderna- aplicou o revestimento original (fotos 5 e
ção foi mantida evitando seu desmonte. 6), sendo esta a intervenção mais radical.
Cada elemento de uma encadernação traz O resultado é uma dedução de como seria
consigo informações relevantes que, quan- o original, pois pode-se saber onde se loca-
do refeita, sofre alterações inevitáveis, por lizavam os nervos, mas não assegurar como
exemplo: a remoção do revestimento é eles eram, o mesmo acontecendo com os
uma operação radical, que pode demais elementos (costura, fixação das pas-
comprometê-lo totalmente causando inclu- tas). Esta dedução tem respaldo também no
sive sua perda; da mesma forma, ao se conhecimento prévio da história e das téc-
reencadernar uma obra desmontada, a nicas de encadernações antigas.
substituição de materiais originais por con- Em outras situações, em obras que esta-
temporâneos torna-se inevitável. Nesta si- vam mais intactas, mais elementos pude-
tuação foram realizados limpeza, ram ser preservados e informações mais
hidratação e enxertos no revestimento, precisas, resultaram em uma reconstituição
consolidação de cantos e coifas, fixação mais fiel. Um exemplo é a obra De virtute,
de cabeceados e guardas, conforme a ne- et sacramento poenitentiae, tractatus...
cessidade de cada caso. (1678) de Francisco Soares, conforme foto
Sendo imprescindível o tratamento do su- 7, onde se vê a posição dos nervos, costu-
porte e o consequente desmonte da obra, ra, fixação das pastas, reforços da lomba-
quando havia encadernação de valor his- da e cabeceados.

Fotos 5 e 6: Encadernação original antes e depois da restauração, com caixa de conservação.


209
Anais | Congresso Abracor 2009
Foto 7: Encadernação original durante o processo de desmonte.

Estabeleceu-se que as obras, após trata-


mento, receberiam dois tipos de acondici-
onamento: para as encadernações de con-
Foto 8: Acondicionamento, envelope de proteção.
servação, envelopes de proteção em pa-
pel de qualidade arquivística (foto 8), e que todas as obras recebessem proteção de
para as encadernações originais, caixas rí- caixas rígidas, contudo a opção foi por fa-
gidas de conservação com revestimento tor econômico; de acordo com as possibili-
externo de tecido e interno de papel Ingres dades, no futuro os envelopes poderão ser
90gr/m² da Fabriano (foto 6). O ideal seria trocados por caixas.

Conclusão
Era imprescindível a realização deste proje- O resultado final desta etapa foi devolver
to dado o estado de deterioração em que o às obras sua possibilidade de manuseio se-
acervo de obras do século XVII da biblioteca guro, quando imprescindível (elas não se en-
da Faculdade de Direito da USP se encontra- contram digitalizadas). A necessidade de con-
va. A importância se ressalta em como o pro- sulta é uma realidade, pois em mais de uma
jeto foi desenvolvido, ou seja, primeiro a dis- situação foram priorizadas obras que esta-
cussão e criação de parâmetros a serem segui- vam sendo aguardadas para consulta por pes-
dos, para somente depois dar início a sua exe- quisadores. Por estas razões, pela importân-
cução. A troca de informações e experiências cia do acervo, e pelo volume de obras que
entre responsáveis pelo acervo e conservado- ainda necessitam de tratamento, espera-se
res-restauradores, além de ter função educativa, que o projeto tenha continuidade, e neste
evita a perda de testemunhos e execução de caso os critérios a serem seguidos já estão
procedimentos inadequados ou equivocados. estabelecidos.

Bibliografia:
ADAM, C. Restauration des manuscrits et des livres anciens. Puteaux: Erec, 1983.
BIBLIOTHECA Universitatis: Acervo Bibliográfico da Universidade de São Paulo. Séculos XV e XVI. São Paulo: Edusp; Imprensa Oficial,
2000.
BROWN, Margaret. Boxes for the protection of rare books: their design and protection. Washington: Library of Congress, 1982.
FEBVRE, Lucien; MARTIN, Henry-Jean. O aparecimento do livro. Trad. Fulvia M . L. Moretto, Guacira Marcondes Machado. São Paulo:
Unesp; Hucitec, 1992. Original francês.
IPERT, Stéphane; Rome-Hyacinthe, Michèle. Restauración de libros. Madri: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1992.
210 McMURTRIE, Douglas C. O livro. Trad. Maria Luísa Saavedra Machado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1969. Original inglês.
Anais | Congresso Abracor 2009
Ciência da
Conservação

211
Anais | Congresso Abracor 2009
212
Anais | Congresso Abracor 2009
LOURENÇO, Bettina Collaro G.
Arquiteta, doutoranda do Proarq/UFRJ,
Fundação Oswaldo Cruz

Orientadora:
Rosina Trevisan M. Ribeiro (Proarq/UFRJ)

1
Edificação principal do
INVESTIGAÇÕES SOBRE ARGAMASSAS Núcleo Arquitetônico
Histórico de
Manguinhos (NAHM),
MISTAS DE REVESTIMENTO CROMÁTICAS também conhecido
como Castelo da
Fiocruz, inserido no
EM FACHADAS HISTÓRICAS Campus da Fiocruz,
Manguinhos, Rio de
Janeiro. Ver:
Benchimol, Jaime L.
(coord.). Manguinhos
do Sonho à Vida – A
Ciência na Belle
Époque. Casa de
Oswaldo Cruz, Fiocruz.
Durante muitos anos as argamassas de revestimento da maioria das edificações de valor Rio de Janeiro, 1990,
pp. 109-129.
histórico eram baseadas em argamassas de cal. Mas o mundo especialista em restauro, 2
“A linguagem
com a introdução do cimento Portland e aplicação de diversos sistemas de pintura, vem arquitetônica
denominada neo-
questionando o emprego de pequenas quantidades de cimento Portland como aditivo nas mourisca surgiu na
produção brasileira
argamassas de cal, ou até mesmo, a durabilidade das recomposições dos revestimentos dentro das releituras
introduzidas pelo
antigos com argamassas e pinturas novas mais fortes. O interesse de realizar um estudo Ecletismo, que vigorou
entre a segunda
mais aprofundado e científico sobre a preservação destes revestimentos em edificações metade do século XIX e
a década de 1930”.
históricas, surgiu a partir de testes laboratoriais e in loco realizados nas Fachadas do Caminhos da
Arquitetura em
Pavilhão Mourisco da Fundação Oswaldo Cruz, juntamente com resultados de Projetos Manguinhos. Renato da
Gama-Rosa Costa
de Pesquisa, com apoio do CNPq. (org.), Casa de
Oswaldo Cruz, Rio de
Janeiro, 2003, pp.101.
Palavras-chave:
preservação, testes laboratoriais, argamassas, pintura.

For many years, plasters and renders in most buildings of historical value were based
on lime mortars. But the world became expert in restorations, with the introduction of
the Portland cement and the application of various painting systems are questioning
the use of small quantities of Portland cement as an additive in the lime mortar, or
even the durability of old plasters with stronger mortars and new paintings. The interest
of conducting a more thorough and scientific study on the preservation of these plasters
in historic buildings arose from in-loco laboratory tests performed in Facades of the
Oswaldo Cruz Foundation Mourisco Pavilion, together with results from Research
Projects, with support from CNPq.

1. Introdução
A iniciativa em realizar este trabalho par- camada de pintura original à base de cal
tiu, a princípio, pelo fascínio das superfí- das argamassas de revestimento desta
cies coloridas remanescentes em edificação histórica em estilo neo-
edificações históricas. Uma vez que, a ci- mourisco 2, tombado pelo Instituto do
ência do restauro solicita uma investiga- Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN),
ção na qual seja sempre avaliado o estado em 1981.
de conservação do suporte, o presente es-
tudo traça considerações nas argamassas de “A conservação deve se valer do con-
revestimentos em edificações do final do junto de disciplinas capazes de contribuir
século XIX ao início do séc. XX na cidade para o estudo e a salvaguarda de um bem.
do Rio de Janeiro e de nossa experiência As técnicas empregadas devem, em prin-
acumulada na preservação dos revestimen- cípio, ser de caráter tradicional, mas pode-
tos das fachadas do Pavilhão Mourisco1 se, em determinadas circunstâncias, uti-
(1905). Esta experiência foi determinante lizar de técnicas modernas, desde que se
na escolha do tema pelas inúmeras difi- assentem em bases científicas e que sua
culdades e investigações realizadas ao longo eficácia seja garantida por uma certa ex-
de quase dez anos, na procura do melhor periência acumulada.” (CARTA DE BUR-
material a ser utilizado na preservação da RA, 1980, Art.4, pp.284).
213
Anais | Congresso Abracor 2009
3
O Alhambrismo, termo A relação da técnica construtiva aplicada
dado a uma estética
adotada pela burguesia na concepção deste bem edificado e o esti-
européia do século XIX na
Europa, a linguagem neo-
lo desta arquitetura foi um dos primeiros
árabe, surgindo para questionamentos, uma vez que o objeto em
valorizar a imagem do
islamismo arquitetônico questão, as argamassas de revestimento das
enquanto arte. Visto antes
com sobriedade, e evocado fachadas do Pavilhão Mourisco, remete a
depois, pelo espírito
romântico, como uma
uma estética adotada nos palácios de
magia especialmente Alhambra, principal modelo referencial, de-
atrativa. In: Anais do XXI
Colóquio Internacional de nominada Alhambrismo3. Esta influência
Historia del Arte – La
aboliciòn del arte. La estética encontrada na rica ornamentação
Alhambra de Oriente: la
restauracion del patrimônio
das fachadas, despertou a investigar a op-
monumental ção do engenheiro-arquiteto português Luiz
hispanomusulmán y el
medievalismo islámico, Moraes Jr.4 ter aplicado, na época da cons-
José Manuel Rodríguez
Domingo, Oaxaca, 1997, trução do Pavilhão Mourisco, uma camada Figura1: Vista Pav. Mourisco Acervo DPH/COC, 2004.
pp.116.
4
Engenheiro-arquiteto
de pintura à base de cal pigmentada sobre
português responsável as argamassas mistas (cimento, areia e cal)
pelos projetos dos
pavilhões inseridos no de revestimento das fachadas. Acreditamos
Núcleo Arquitetônico de
Manguinhos. Reza a que Moraes era sintonizado com o seu tem-
lenda, que Moraes
começou a trabalhar
po, no que diz respeito ao uso de técnicas
depois de um encontro com tradicionais aliadas às mais modernas, como
Oswaldo Cruz em um dos
vagões do trem da o cimento, mas preso à tradição da lingua-
Leopoldina durante o
trajeto de ambos para seus
gem historicista que reveste o Pavilhão
trabalhos. Moraes Mourisco.
trabalhava nas obras de
reforma da Igreja da Neste estudo valeremos de uma
Penha, da cidade do Rio de
Janeiro. (NA) metodologia científica, onde tomaremos
5
Os dois Projetos de
Pesquisas apresentados
como base a descrição dos ensaios
neste estudo foram cedidos laboratoriais na caracterização de amos-
plenamente pelo DPH/
COC, foram estes: tras de argamassas e dos testes in loco do
1)Reintegração das
Argamassas Históricas, da sistema de pintura à base de cal realiza-
Rede de Materiais e
Estruturas, Edital 042/
dos nas fachadas do Pavilhão Mourisco.
2001, CNPq - Ministério Além disto, traçaremos alguns conceitos
de Ciência e Tecnologia
(MCT)/Fiocruz(2002- dos quais consideramos relevantes na ava-
2004); 2)Preservação das
Argamassas Cromáticas liação do estado de conservação destas
Históricas. Estudo de
caso: Fachadas do
superfícies arquitetônicas históricas.
Pavilhão Mourisco, Edital Figura 2: Detalhe da argamassa de revestimento ornamental. Mancha
050/2006, CNPq-MCT/ mais escura à direita, área com grande absorção das águas de chuva.
Fiocruz (em desenvolvi- (foto da autora, 2007).
mento 2007- 2009). Ambos
do acervo DPH/COC – 2. Metodologia e ensaios realizados
Fiocruz/RJ.
6
Todas as análises
laboratoriais, em se
Considerando a teoria moderna de res- testes laboratoriais de diversas amostras das
tratando de material tauração, diversas questões se destacaram argamassas de revestimento do Pavilhão
construtivo histórico
original, devem ser no decorrer dos trabalhos de restauração Mourisco. Observou-se que o desgaste das
realizadas em laboratório
especializado e desenvolvidos no Núcleo Arquitetônico argamassas nesta edificação ocorreu com
credenciado pela Rede
Histórico de Manguinhos: a compatibili- intensidades diversas conforme sua exposi-
Brasileira de Laboratórios
de Ensaios (RBLE). dade física, química e mecânica (absorção, ção ao intemperismo, assim como, as di-
fissuração, desgaste, resistência, coloração, versas épocas de intervenções, onde os
porosidade e granulometria) entre arga- aditivos para recomposição das argamassas
massas históricas e argamassas novas; a foram modificando de acordo com suas
reconstituição do traço original no proces- especificidades (volume, forma e dimen-
so de reintegração das argamassas através são). Estes ensaios foram descritos e con-
de testes diversos e complementares, pois templados em dois projetos de pesquisa
a reconstituição de traço é uma operação desenvolvidos pelo DPH/COC, com apoio
bastante delicada; a utilização de produ- do CNPq5. No primeiro projeto foram ob-
tos contemporâneos, como aditivos orgâ- tidos resultados dos testes laboratoriais das
nicos, na reconstituição do traço original amostras das argamassas escolhidas, e que
das argamassas; a aplicação de produtos forneceram dados comparativos de seus
atuais na proteção de argamassas e a re- materiais constituintes. Neste aspecto, con-
composição do aspecto original na reinte- tribuindo no sentido de avaliar se existe
gração das lacunas das argamassas de re- proximidade química e mineralógica en-
vestimento. tre as mesmas, e se as patogenias desen-
A fim de obter dados científicos para es- volvidas foram as mesmas.
tas investigações, foram realizados diversos Os testes laboratoriais6 realizados no
214
Anais | Congresso Abracor 2009
Instituto de Pesquisa Tecnológica de São cujos dados da análise química encon- 7
Testes realizados em
laboratório e in locco.
Paulo (IPT/SP) e no Instituto Nacional de tram-se registrados no Manual de Resis- Os resultados destes
fazem parte do projeto
Tecnologia do Rio de Janeiro (INT/RJ) des- tência dos Materiais (USP – POLI - GRÊ- de pesquisa Fiocruz/
CNPq com parceria do
tas amostras de argamassas estudadas fo- MIO, 1905). IPT/SP - Laboratório de
ram: análise mineralógica por difratometria Na segunda fase do projeto de pesquisa, Materiais de
Construção Civil
de raios x - utilizada para identificar os com os dados obtidos dos resultados das (LMCC), do Centro de
Tecnologia de Infra-
minerais presentes, especialmente na pas- análises laboratoriais, a investigação pro- estrutura de Obras e
da Indústria
ta; análise petrográfica - aplicada, mais curou relacionar o estado de conservação Mineradora Pagliato
recentemente, em argamassas históricas da argamassa de revestimento do Pavilhão Ltda - Minercal. Todo o
material de tinta para
visando obter informações sobre as fa- Mourisco com a camada de pintura à base os testes foi fornecido
pela Minercal. In:
ses da argamassa (pasta, agregados e va- de cal existente. Para tal, foram realizados Avaliação de sistema
zios), a zona de interface e a formação os testes de compatibilidade física e esté- de pintura e tinta à
base de cal para
de produtos secundários; análise tica, com caracterização da pintura origi- restauro, Relatório
técnico do IPT/SP n. 88
granulométrica por peneiramento e se- nal e sua aplicabilidade nas argamassas 216-205, acervo DPH/
COC, 2006; Avaliação
dimentação - visa caracterizar o agrega- existentes, nos seguintes ensaios7: identi- de desempenho de
do utilizado, quantificando as frações ficação da resina por espectrofotometria no pinturas à base de cal,
Relatório técnico IPT/
granulométricas e classificando-o segun- infravermelho (ASTM D 3677); identifica- SP n. 99 675-205,
acervo Minercal, 2008.
do SHEPARD (1954) - a fração agregado ção qualitativa dos constituintes
é separada da fração aglomerante por ata- inorgânicos cristalinos por difratometria de
que ácido baseado no método proposto raio X; espectrometria de fluorescência de
por KATZ, FRIEDMAN (1965); análise quí- raio X; resistência de aderência do sistema
mica - aplicada com vistas à reconstituição de pintura com fita adesiva – corte em X
de traço. ou em grade (ASTM D 3359); poder de co-
As técnicas aplicadas para análise e ca- bertura de tinta seca (NBR 14942); resis-
racterização da argamassa são comple- tência à abrasão úmida (NBR 14940); ex-
mentares entre si. Em argamassas anti- posição ao intemperismo artificial – CUV
gas, para as quais as características dos por 600h (ASTM G 154); avaliação dos
materiais são desconhecidas, é usual ado- efeitos da exposição ao intemperismo arti-
tar cimentos sem adições minerais, tipo ficial – CUV; permeabilidade à água antes
CP-I, como referência de cálculo. Primei- e após o intemperismo; choque térmico (10
ro pela disponibilidade atual desse tipo ciclos); avaliação dos efeitos da exposição
de cimento no mercado nacional, e se- ao choque térmico. Nestes testes, o siste-
gundo, por ser quimicamente semelhan- ma de pintura avaliado foi constituído por
te aos cimentos antigos, àqueles dispo- uma tinta orgânica e um hidrofugante de
níveis no Brasil no início do séc. XX, silicone à base de solvente.

Figuras 3, 4 e 5 –
(3) Catalogação in locco da referência de cor da camada de pintura original da argamassa de revestimento da
fachada do Pavilhão Mourisco.
(4) Aplicação in locco da pintura nova à base de cal pigmentada sobre a argamassa de revestimento original;
(5) teste de resistência de aderência do sistema de pintura à base de cal com fita adesiva – corte em X ou em
grade (ASTM D 3359). (Fotos da autora, 2007)

3. As controvérsias na adição de cimento em argamassas de cal


Durante muitos anos o uso de cimento mento em argamassas de cal é uma prática
em reparação de edificações históricas era vulgaríssima, quase tradicional, mas pou-
temido pelos especialistas, pois acredita- cos pensam porque razões será feita e quais
vam que este tornava as argamassas de re- as suas consequências (O´HARE, 1995).
paro fortes. Atualmente, os restauradores O uso de cimento nas argamassas
encontram-se divididos entre aqueles que de cal aérea, também conhecido como
adotam o emprego de pequenas quantida- “abastardamento” das argamassas, a fim de
des de cimento Portland como aditivo nas torná-las hidráulicas, apresenta vantagens
argamassas de cal e os que rejeitam quais- e desvantagens, conforme descreve o con-
quer aditivos de cimento. A adição de ci- sultor em conservação prática inglês,
215
Anais | Congresso Abracor 2009
8
Ausência de Graham O´Hare. Do lado positivo da adi- maior risco é a segregação. Quando as ar-
compostos originados
de processos derivados ção temos: o cimento proporciona uma gamassas são fortes, ou seja, a proporção
de petroquímica ou de
transformações da presa hidráulica que ocorre antes que ocor- de cimento alta, a segregação tem menos
indústria química.(NA)
ra a retração, reduzindo, portanto os ris- probabilidade de ocorrer, e vice-versa.
cos de fissuração; as sucessivas camadas O cimento só por si é inofensivo, mas
podem ser sobrepostas mais rapidamente, seu uso indiscriminado e insensível já não
sem que seja necessária uma longa espera o é. Pode ser usado como aditivo
pela presa de cada uma antes da aplica- pozolânico para argamassas não hidráuli-
ção seguinte; endurecem rapidamente, cas (aéreas), mas os responsáveis pela
proporcionando assim proteção contra especificação devem esclarecer porque o
chuvas antes de se ter completado a fazem, e porque são desejados seus efei-
carbonatação; sendo um produto de subs- tos. Uma vez que atualmente recomenda-
tância artificial, manufacturado sob con- se que a argamassa deve ser mais fraca e
dições rigorosamente controladas, é de mais porosa do que o material que está a
utilização fiável e previsível; vende-se unir ou a reparar, provavelmente seja me-
numa gama de cores, o que é útil quando lhor, na maioria das circunstâncias, confi-
é preciso acertar a cor numa argamassa ou ar-se numa boa argamassa não hidráulica
reboco existente. Quanto as desvantagens (aérea), usando-se pasta de cal bem endu-
temos: alguns cimentos contém quantida- recida e um agregado anguloso e bem gra-
des apreciáveis de sais solúveis, em parti- duado, aplicada com cuidado e
cular de sulfato de potássio, que podem subsequentemente bem cuidada para se
constituir numa causa de degradação na assegurar uma carbonatação correta
alvenaria; ocorrem riscos de segregação, (O´HARE, 1995). Vale lembrar que ao
uma vez que o cimento se separa da cal substituir os revestimentos de cal, perme-
conforme a argamassas seca e endurece; áveis à água mas também favorecendo um
o uso da cal leva o aplicador a considerá- secagem rápida, por revestimentos de
la como se fosse apenas de cal hidráulica menor permeabilidade, como os de cimen-
ou cimento, negligenciando a importân- to, os sintéticos e os materiais
cia da carbonatação a longo tempo dos hidrofugados, altera-se todo o equilíbrio
elementos não hidráulicos presentes. O dos revestimentos externos e internos.

4. Soluções de sistemas de pintura de substituição


Neste estudo desenvolvemos investiga- nindo ou mesmo evitando a ação deletéria
ções sobre pinturas compatíveis com arga- de agentes agressivos atmosféricos, princi-
massas mistas de revestimento em facha- palmente os micro-organismos e raios
das de edificações históricas, onde avalia- ultravioleta. No aspecto decorativo, contri-
mos as tintas à base de cal e as tintas à base bui no aspecto visual da superfície, inserin-
de silicato. do efeitos estéticos de textura e cor. As su-
Tinta à base de cal - produto composto perfícies arquitetônicas quando caiadas apre-
por uma dispersão aquosa de hidróxido de sentam alguma transparência, que no caso
cálcio [Ca(OH)2] com presença de aditivos de edifícios antigos, em geral, é o que se
e ou pigmentos. Sendo a cal obtida a par- pretende: que o revestimento mantenha vi-
tir de um calcário de natureza dolomítica síveis todas as irregularidades das paredes
ou magnesiana, a dispesão aquosa deverá com uma tonalidade cheia de nuances
conter também hidróxido de magnésio (TAVARES, 2003).
[Mg(OH)2]. Deve-se considerar que o de- Em todas estas questões é preciso que a
sempenho deste tipo de pintura está direta- pintura à base de cal seja compatível qui-
mente relacionado com a natureza da cal micamente com o substrato, a fim de se
utilizada (calcítica, dolomítica ou evitar o processo de degradação, e meca-
magnesiana) e o teor de impurezas, ou seja, nicamente evitando aderência mecânica
com à pureza das matérias-primas e ao pro- inadequada ao substrato. No caso, quan-
cesso industrial de produção da cal e as do a argamassa de revestimento é mista
condições de aplicação e cura. (cimento, cal e areia) o poder de cobertu-
Apesar de ser considerada uma tinta na- ra da tinta de cal ocorre num processo de
tural8, o desempenho desta implica em adensamento microestrutural, função da
algumas exigências funcionais na recarbonatação de seus hidróxidos.
edificação, entre elas destacamos: a pro- Nos testes realizados para determinar a
teção e a decoração. A cal exerce uma fun- cor e a percepção da diferença de cor após
ção de durabilidade da edificação preve- exposição ao intemperismo, foi verifica-
216
Anais | Congresso Abracor 2009
do pouco esmaecimento cromático, o que Quanto ao critério em acrescentar
significa um resultado positivo. Cabe res- impermeabilidade às superfícies
saltar que o período aplicado na exposição arquitetônicas, a pintura à base de cal não
ao intemperismo artificial foi de 1200h, o contribui com a estanqueidade à água das
que equivale há aproximadamente 04 anos paredes, mas apresentam elevada
de exposição ao intemperismo natural em permeabilidade ao vapor de água, o que a
condições de exposição da cidade de São torna adequada para aplicação em
Paulo – Brasil. edificações históricas. Uma vez que a água
Algumas recomendações foram observa- é a principal causa de degradação das pa-
das nestes estudos que resumem o desem- redes antigas, nos revestimentos históricos
penho adequado das pinturas à base de cal, o comportamento à água torna-se um cri-
são elas: natureza química adequada da cal tério essencial para a seleção das pinturas
que resulte em maior durabilidade da pin- de substituição, os quais devem ter carac-
tura; emprego de técnicas adequadas de pre- terísticas semelhantes aos antigos neste
paro e aplicação da tinta de cal; embala- ponto de vista (VEIGA, 2006).
gens apropriadas que incluam informações Tinta à base de silicato – o silicato líqui-
técnicas quanto aos procedimentos de pre- do é um produto conhecido desde a Ida-
paração e de aplicação das tintas de modo de Média como liquor silicium obtido dis-
a evitar o uso inadequado do produto; reco- solvendo selce quartízifera com uma de-
mendações do fabricante quanto ao correto terminada quantidade de álcalis. Porém,
preparo dos substratos em função do aspec- apenas a partir da metade do século XIX
to visual desejado; limitações de uso de seu uso tornou-se tecnicamente possível,
forma a evitar: aplicação das tintas de cal principalmente na Alemanha. A base da
em regiões sujeitas à alta incidência de chu- tinta é obtida pela transformação do car-
vas dirigidas; em ambientes altamente po- bonato de cálcio do substrato em silicato
luídos; em substratos inadequados (madei- de cálcio, por ação do silicato. Na superfí-
ra, alumínio, metais); ou sobre pinturas de cie temos a formação de polissilicatos com-
natureza orgânica; regras de aplicação con- plexos pela absorção de dióxido de car-
siderando as condições climáticas e os cui- bono do ar. Vale ressaltar, que as tintas
dados que devem ser tomados por ocasião minerais necessitam sempre de um rebo-
da aplicação da tinta; restrições quanto ao co ou de uma alvenaria sem pintura sinté-
uso de cores, considerando-se que as cores tica para poder reagir com o substrato. A
escuras são mais susceptíveis à alteração de grande problemática e podendo até ser
aspecto pela exposição ao intemperismo considerado negativo em se tratando de
natural, às chuvas e às diferenças na dilui- preservação de edificações históricas, seja
ção; avaliação sistemática dos produtos por a questão da estética. Em comparação com
meio de ensaios laboratoriais, visando a as caiações que possuem transparência, as
melhoria contínua e consequente ganhos de tintas de silicato tornam as superfícies de
desempenho e de durabilidade. uma cor uniforme (TAVARES, 2003).

5. Considerações Finais
As investigações sobre argamassas de re- bamento ou proteção.
vestimento são inúmeras, porém este estudo No que diz respeito à preservação do Pavi-
focalizou a importância da compreensão da lhão Mourisco como monumento
relação do substrato com a camada de pin- arquitetônico histórico de valor inestimável,
tura, denotando assim a possibilidade de torna-se fundamental a conservação dos ma-
especificar um produto adequado para pre- teriais construtivos originais em sua máxima
servação de cada material construtivo origi- totalidade possível. Deste modo, os testes
nal dos nossos monumentos. Os produtos a realizados em campo e a resistência por par-
serem especificados numa preservação de te dos restauradores em não aplicar um pro-
argamassas de revestimento devem sempre duto de mercado não compatível com o su-
conjugar o substrato com a pintura de aca- porte original, determinaram os resultados.

217
Anais | Congresso Abracor 2009
Bibliografia
COSTA, Renato da Gama-Rosa (Org.). Caminhos da Arquitetura em Manguinhos. Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2003.
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O´HARE, Graham. Lime mortars and renders: the relative merits of adding cement. Artigo do The Building Conservation Directory, 1995.
Tradução de Antônio de Borja Araújo, 2003.
MANUAL DE RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS. Publicação promovida pelo Grêmio Politécnico – Associação de alunos da escola Politécni-
ca de São Paulo. Primeira edição, São Paulo, 1905. Biblioteca do IPT / São Paulo.
TAVARES, Martha Lins. Tese de doutorado: A conservação e o restauro de revestimentos exteriores de edifícios antigos – uma metodologia
de estudo e reparação. Faculdade de Arquitetura de Lisboa, Universidade Técnica, Lisboa, 2003.
VEIGA, Maria do Rosário. Intervenções em revestimentos antigos: conservar, substituir ou...destruir. In: Anais do 2 Encontro sobre Patolo-
gias e Reabilitação de edifícios, Porto, 2006.
218
Anais | Congresso Abracor 2009
CASATTI, Renata
Especialista em Conservação e Restauro / Papel
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo

BURINI JR, Elvo Calixto


Pesquisador e Engenheiro
Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo

COLORIMETRIA EM OBRAS DE ARTE

O MAC/USP integra em seu acervo, 6700 obras de arte, cujo suporte é papel, sendo
submetido a uma demanda de exposições bastante intensa.
Uma parceria entre MAC (Renata Casatti) e POLI (Elvo Calixto Burini Junior / Fernando
Josepetti Fonseca) foi estabelecida, a fim de realizar medições colorimétricas em pontos
previamente mapeados de algumas obras de arte, antes e depois de serem expostas,
para verificação de mudanças na policromia e suporte, devido à incidência de luz.
O objetivo é sistematizar as medições, com estudos dos limites já existentes em litera-
tura e análises de novos parâmetros, uma vez que a tecnologia e ciência avançaram.

O Museu de Arte Contemporânea da Uni- Com isto, espera-se melhor atender as ne-
versidade de São Paulo integra em seu acer- cessidades curatoriais, preservando,
vo, 6700 obras de arte, cujo suporte é pa- concomitantemente, a integridade física das
pel. O fluxo de mostras dessas obras é gran- obras.
de e variável, considerando as exposições O objetivo principal da pesquisa é defi-
no próprio MAC e os empréstimos, para ins- nir em números, a incidência de luz, con-
tituições nacionais e internacionais. cedendo um caráter científico nas argu-
A literatura diz que 70 lux é o máximo mentações que os especialistas em con-
permitido de incidência de luz sobre obra servação e restauro de museus necessitam
de arte em papel e que, exceder esse núme- colocar a cada exposição, para que não
ro pode haver comprometimento, tanto do haja ocorrência de esmaecimento de
suporte, quanto da camada pictórica. Esse policromia e alteração de suporte, devido
número pode se reduzir quando se trata de à luz excessiva ou inadequada.
obras de arte com policromias mais suscetí- Uma idéia que nasceu na tentativa de aten-
veis. O Laboratório de Conservação e Res- der as necessidades curatoriais de um mu-
tauro de Papel do MAC, em parceria com seu, cujo acervo é contemporâneo e que as
Pesquisadores da Escola Politécnica da Uni- reclamações são constantes devido à baixa
versidade de São Paulo e do Instituto de luminosidade a que as obras são expostas.
Eletrotécnica e Energia, iniciou um projeto Essa é uma pesquisa onde não pode haver
de pesquisa para fundamentar esses dados. alterações cromáticas ou de suportes, pois
A intenção inicial foi realizar medições estamos falando de obras de arte e
colorimétricas em pontos previamente patrimônio público. Portanto, a análise cons-
mapeados de algumas obras de arte, antes tante dos dados, inclusive de eventuais pro-
e depois de serem expostas, para verifica- blemas que possam ocorrer em determina-
ção de mudanças na policromia e supor- das exposições, é que vão dar os indicativos
te, devido à incidência de luz. Criar uma de qual caminho tomar. Está em fase embri-
metodologia de registros, para constantes onária e a intenção é que em um futuro pró-
estudos, análises e conclusões. Uma vez ximo, haja uma sistematização do procedi-
coletados números suficientes de dados, a mento descrito.
intenção é obter maior flexibilidade nos Paralelamente a esse objetivo central,
parâmetros fixados pela literatura, ou en- estamos analisando o que ocorre com a ca-
tão, a definição de que não há mada pictórica de obras de arte que são sub-
maleabilidade em incidência de luz sobre metidas a tratamentos convencionais de con-
papel. servação e restauro. Com essas medições,
A pesquisa também objetiva buscar adap- poderemos analisar cientificamente, possí-
tações e alternativas nas instalações dos es- veis perdas de policromia, uma vez que a
paços expositivos (como tipos de lâmpadas mesma sofre modificação com a
e filtros em vidros de proteção frontal) para neutralização dos ácidos, presentes antes do
a obtenção de uma maior incidência de luz. tratamento. Nessa vertente, com certeza
219
Anais | Congresso Abracor 2009
conseguiremos resultados mais concretos e rá- facilita a execução do trabalho. A Escola Poli-
pidos, tanto que os resultados apresentados são técnica da Universidade de São Paulo conce-
de uma obra de Aldo Bonadei que passou por de apoio científico, assim como o equipamen-
tratamento de restauro. to necessário (colorímetro).
O MAC possui elementos para que a coletâ- A apreciação dos dados, visa fundamentar
nea de dados possa ser realizada (medição dos os parâmetros existentes. Atualizá-los, tendo
pontos mapeados, tanto em obras que serão como base os equipamentos modernos de pro-
expostas, como também as que serão tratadas). teção dos espaços expositivos. Com isso, criar
E a demanda com que as obras são expostas novos conceitos, além dos já existentes.

Relatório sobre registros realizados a partir


da obra de Aldo Bonadei do acervo MAC/USP, em 27/nov./2008
Imagens foram registradas eletronicamen- solicitado pelo MAC/USP e realizado em al-
te, pela utilização de duas câmeras fotográ- gumas regiões selecionadas (pictóricas e ver-
ficas (SONY DSC – H9 e COOLPIX S210), so) conforme indicação nas fotos da obra.
em arquivos com tamanho aproximado de Metodologia: Para cada obra foram
1MB cada, sob a iluminação disponível no registradas imagens na direção da normal a
ambiente (fluorescente e luz do dia com superfície, sendo que em algumas situações
entrada lateral e zenital; e incandescente está associado elemento de referência (cartão
convencional e um pouco de luz da tarde, Kodak 90/18 e ou cartão 24 cores), tendo sido
entre aproximadamente 15h e 16h28min) do a iluminância amostrada com equipamento
laboratório de conservação de papéis do MAC/ do próprio do MAC.
USP. Resultado: As imagens estão disponíveis
Objetivo: Estabelecer memória (segundo em arquivos eletrônicos, elas foram utiliza-
evento) sobre o estado de conservação e apa- das para a definição dos pontos/regiões de
rência de uma obra do MAC/USP (Aldo medição de luminância e para documentar
Bonadei - 1972.8.9), após tratamentos, du- a obra em duas oportunidades (20/dez./2007
rante levantamento colorimétrico/fotométrico e 27/nov./2008), antes e após tratamento.

Relatório sobre levantamento da radiação refletida por superfícies


e regiões da obra de Aldo Bonadei do acervo MAC/USP, em 28/nov./2008
Objetivo: Estabelecimento de registro da um colorímetro (modelo CS-100A, provido
refletância produzida por determinadas regiões de lente numero 135 que permite diminui-
de uma obra do MAC/USP, após ter sido sub- ção da distância focal, apenas no caso da fonte
metida a tratamentos (três banhos sucessivos e incandescente). Os elementos de referência uti-
secagem convencional) e elementos de refe- lizados foram um cartão contendo 24 amos-
rência (24 amostras de cores e refletâncias: 90 % tras de cores e um cartão Kodak, dimensões:
e 18 %). 127 mm por 101 mm, com refletância nomi-
Metodologia: Ambas as faces da obra e os nal de 90 % (denominado K90) em uma face
elementos de referência foram iluminados pela e 18 % na face oposta (denominado K18).
utilização de dois sistemas, um normalmente Para cada conjunto de medição três leitu-
utilizado no ambiente do laboratório no MAC ras foram realizadas no elemento de referência
(luz do dia e fluorescente tubular, 32 W) e outro (K90 ou K18), que ficou posicionado ao lado
incandescente (duas lâmpadas convencionais da obra.
claras, 100W-127V). Durante a utilização da No caso em que existe suficiente número
iluminação ambiente a obra ficou posicionada de repetição do evento/registro, o valor mé-
ao nível do piso, em posição semelhante ao dio e respectivo intervalo de confiança bila-
levantamento realizado em 2007 (obra antes teral, para nível de 95 % (ver ABNT NB 1188)
dos tratamentos), e sob uma bancada durante foram calculados. Não houve aplicação de
a utilização do iluminante tipo incandescente qualquer fator de correção aos valores
(nota – nesta situação houve o desligamento registrados das leituras.
da fonte fluorescente e blindagem lateral da Resultados: As áreas pictóricas da obra fo-
obra com anteparos de cor branca para ram selecionadas para maximizar o número
minimizar a influência da luz do dia). das diferentes regiões. Foi utilizado o verso
Para o levantamento da iluminância na re- da obra para poder melhor caracterizar regi-
gião de cada plano onde a obra ficou ões não pictóricas e o próprio material de
posicionada foi realizada em cinco pontos base. No caso em que foi utilizada a ilumina-
tendo sido utilizado um luxímetro fornecido ção do ambiente do laboratório no MAC (luz
pelo MAC e para amostrar a luminância e do dia e fluorescente tubular) houve levanta-
220
coordenadas de cromaticidade foi utilizado mento anterior, realizado em dez./2007 cujos
Anais | Congresso Abracor 2009
registros estão no Anexo I. Para as medições média é de (242 ± 7) cd/m2 e coordenadas
realizadas em nov./2008, a iluminação mé- de cromaticidade x, y média de (0,392 ±
dia (luz do dia e fluorescente tubular) ao ní- 0,001), (0,431 ± 0,001), tendo sido obti-
vel do pavimento, na região onde a obra con- do para o referencial K90, posicionado pró-
siderada ficou posicionada, apresentou ilu ximo, ao lado da obra, a luminância média
minância média de (959 ± 41) lx, sendo ob- de (315 ± 10) cd/m2 e coordenadas de
tido para o referencial K90, posicionado pró- cromaticidade x, y média de ?????
ximo e ao lado do ponto onde a iluminância (0,433 ± 0,001), (0,419 ± 0,001) respec-
foi amostrada, a luminância média de tivamente.
(357 ± 15) cd/m 2 e coordenadas de Levantamento da radiação luminosa re-
cromaticidade x, y média de fletida por regiões selecionadas de uma obra
(0,362 ± 0,001), (0,408 ± 0,001) respecti- do MAC/USP (Aldo Bonadei - 1972.8.9) -
vamente. Realizado em 27/nov./2008, iluminação do
Para as medições realizadas em nov./2008, ambiente (luz do dia e fluorescente) e após
a iluminação média (incandescente) ao ní- a obra receber tratamentos
vel da bancada, na região onde a obra con-
siderada ficou posicionada, apresentou
iluminância média de (91 ± 11) dalx, sen- Para a obra:
do obtido para o referencial K90, Posição Luminância Coordenada de cromaticidade
ordem cd/m2 x y
posicionado próximo e ao lado do ponto 1 135 0,425 0,441
2 148 0,423 0,443
onde a iluminância foi amostrada, a 3 142 0,419 0,441
luminância média de (26 ± 2) dacd/m2 e 4 27,8 - -
5 88,9 0,425 0,441
coordenadas de cromaticidade x, y média 6 18,8 - -
de (0,433 ± 0,001), (0,419 ± 0,001) respec- 7 61,6 0,349 0,481
8 82,8 0,364 0,479
tivamente. A influência da luz do dia foi de- 9 50,9 0,442 0,430
terminada para a condição de iluminante 10 44,2 - -
11 155 0,425 0,467
incandescente, a iluminação média (luz do 12 102 0,421 0,463
dia) ao nível da bancada, na região onde a 13 104 0,376 0,417
14 89,1 0,370 0,475
obra considerada ficou posicionada, apre- 15 147 0,417 0,442
16 113 0,387 0,457
sentou iluminância média de (25 ± 1) lx, 17 102 0,378 0,418
sendo obtido para o referencial K90, 18 88,8 0,379 0,416
19 72,5 0,366 0,474
posicionado próximo e ao lado do ponto
onde a iluminância foi amostrada, a NOTA: Tendo sido obtido para o referencial K90, posicionado no
piso ao lado da obra, a luminância média de (302 ± 18) cd/m2 e
luminância média de (5,7 ± 0,4) cd/m2. As coordenadas de cromaticidade x, y média de (0,366 ± 0,001),
(0,408 ± 0,001) respectivamente.
coordenadas de cromaticidade x, y não Para as medições realizadas em dez pontos do verso da obra, sob
foram registradas devido ao nível do sinal a iluminação incandescente (luz do dia atenuada) ao nível da ban-
cada, conforme caracterização acima indicada, a luminância mé-
ser baixo e limitação de sensibilidade do dia é de (213 ± 6) cd/m2 e coordenadas de cromaticidade x, y mé-
colorímetro. dia de (0,460 ± 0,001), (0,428 ± 0,001), tendo sido obtido para o
referencial K90, posicionado próximo, ao lado da obra, a luminância
Para as medições realizadas em dez pon- média de (254 ± 12) cd/m2 e coordenadas de cromaticidade x, y
tos do verso da obra, sob a iluminação do média de (0,433 ± 0,001), (0,419) respectivamente.
Levantamento da radiação luminosa refletida por regiões
ambiente (luz do dia e fluorescente selecionadas de uma obra do MAC/USP (Aldo Bonadei - 1972.8.9)
tubular) ao nível do pavimento, conforme - Realizado em 27/nov./2008, iluminação incandescente (luz do
dia limitada) e após a obra receber tratamentos
caracterização acima indicada, a luminância

Nota: Tendo sido obtido para o referencial K90,


Para a obra: posicionado ao lado da obra sob a bancada, a
luminância média de (267 ± 3) cd/m2 e coordenadas
Posição Luminância Coordenada de cromaticidade
de cromaticidade x, y média de (0,432 ± 0,001), (0,419
ordem cd/m2 x y ± 0,001) respectivamente.
1 152 0,493 0,426 Anexo I - Levantamentos da radiação luminosa inci-
2 157 0,486 0,428 dente e refletida por regiões de uma obra do MAC/USP
3 144 0,495 0,427 (Aldo Bonadei - 1972.8.9) e referencial - Realizados em
4 30,5 0,496 0,417 20/dez./2007, antes da obra receber tratamentos
5 77,7 0,497 0,425 Para as medições realizadas em dez./2007, a ilumina-
6 16,3 0,455 0,428 ção média (luz do dia e fluorescente tubular) ao nível do
7 63,3 0,404 0,468 pavimento, na região onde a obra considerada ficou
8 84,4 0,423 0,460 posicionada, apresentou iluminância típica de 858 lx,
9 35,8 0,488 0,420 sendo obtido para o referencial K90, posicionado em
10 39,8 0,479 0,424 cinco locais próximos ao ponto onde a iluminância foi
11 167 0,488 0,446 amostrada, a luminância média de (266 ± 8) cd/m2 e
12 132 0,482 0,449 coordenadas de cromaticidade x, y média de (0,366 ±
13 122 0,481 0,452 0,001), (0,406 ± 0,001) respectivamente.
14 84,6 0,425 0,461 Para as medições realizadas em nove pontos do verso
15 158 0,492 0,428 da obra, sob a iluminação do ambiente (luz do dia e
16 115 0,446 0,447 fluorescente tubular) ao nível do pavimento, conforme
17 109 0,440 0,413 caracterização acima indicada, a luminância média de
18 91,8 0,445 0,411 (212 ± 12) cd/m2 e coordenadas de cromaticidade x, y
19 59,0 0,407 0,471 média de (0,400 ± 0,001), (0,433 ± 0,001) respectiva-
mente.
221
Anais | Congresso Abracor 2009
Conclusão:
Para a obra:
Posição Luminância Coordenada de cromaticidade
O acervo MAC/USP, infelizmente, possui mui-
ordem cd/m2 x y tas obras com queima de suporte por problemas
1 89,1 0,439 0,447 de exposição à luz excessiva, que deve ser decor-
2 108 0,437 0,447
rente de uma época em que as referidas obras ain-
3 97,3 0,441 0,446
4 21,8 0,426 0,429
da não eram acervo. Muito se tem cuidado para
5 79,0 0,432 0,446 que essas obras estejam expostas em condições
6 14,3 0,391 0,425 ideais de luminosidade. O fluxo e trânsito das
7 43,8 0,349 0,484
mesmas é muito grande, pois além das exposições
8 60,6 0,470 0,483
9 34,0 0,427 0,431
do MAC, existem requisições nacionais e interna-
10 36,0 0,432 0,435 cionais constantes. Atualmente iniciamos o refe-
11 110 0,432 0,481 rido estudo, visando, acima de tudo, manter a in-
12 82,9 0,426 0,475
tegridade das obras, preservando-as, para que so-
13 96,4 0,425 0,480
14 56,1 0,369 0,483
fram o mínimo possível de variações cromáticas e
15 102 0,432 0,445 alterações nos suportes.
16 55,4 0,390 0,462 O início de uma pesquisa que ainda não
17 55,2 0,364 0,400
possui resultados concretos, mas que a sistema-
18 52,5 0,341 0,380
19 42,2 0,353 0,481
tização de dados vai propiciar análises que pre-
tendemos que sejam valiosas nos momentos em
Nota
Tendo sido obtido para o referencial K90, posicionado ao lado que o museu estará cumprindo com um de seus
da obra, a luminância média de (266 ± 8) cd/m2 e coordena-
das de cromaticidade x, y média de (0,366 ± 0,001), principais objetivos: colocar seu acervo acessí-
(0,406 ± 0,001) respectivamente. vel ao público.

222
Anais | Congresso Abracor 2009
Antonio Gonçalves da Silva
Arquivo Nacional

Alice Jesús Nunes


IPT

Maria Luiza Otero D´Almeida


IPT

Alessandro Wagner Alves Silva


FIOCRUZ

DESACIDIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS
IMPRESSOS EM PAPÉIS DE PASTA MECÂNICA
Parte II: PROPRIEDADES FÍSICO MECÂNICA

Foi desenvolvido um método de desacidificação de documentos impressos em pa-


pel de pasta mecânica, utilizando uma solução de hidróxido de sódio a 1,0 % peso por
volume, a temperatura entre 72 a 80 °C. Sendo descrito neste artigo as propriedades
físico-mecânicas determinadas após os tratatamentos de desacidificação e também
posterior à realização do envelhecimento artificial acelerado de papéis, tratados por esta
metodologia.

Palavras-chave:
Desacidificação, restauração, papéis, celulose.

A method of desacidification of printed papers on mechanics pastes was developed.


This technique employed sodium hidroxide of 1,0 % w/v, between 72 until 80° C.
Further, the physical and mecanical strength of papers treated by this method before
or after an artificial aging were also determined.

Introdução

A conservação de documentos é um pro- mente vários produtos foram empregados na


cedimento realizado desde as antigas ci- desacidificação de papéis. As característi-
vilizações para aumentar a durabilidade cas toxicológicas desses, a descoberta do
dos acervos arquivísticos e bibliográficos, comportamento deletério entre alguns pro-
sendo a biblioteca Real Assurbanipal, de- dutos e a celulose, principal matéria-prima
nominada posteriormente de Biblioteca da empregada na fabricação de papéis, assim
Babilônia, inaugurada pelo rei Assírio como as características adversas de certos
Assurbanipal, na sua dinastia de 668 a 627 produtos químicos, contribuíram para a in-
a. C., sendo esta construção arquitetônica terrupção do uso dos mesmos na
apontada por alguns conservadores como desacidificação de papéis. Dentre os pro-
o marco mundial da conservação de bens dutos que deixaram de ser utilizados para
culturais em suporte papel. esta finalidade no século XIX e início do
O desenvolvimento da Humanidade XX podemos descrever o Hidróxido de
possibilitou o uso de vários procedimen- Bário e o Tetra Borato de Sódio.
tos e técnicas de conservação de acervo, Durante o século XX várias metodologias
sendo os mesmos aprimorados nos perío- foram desenvolvidas para a realização da
dos seguintes. desacidificação de papéis, sendo o bom-
No século XIX iniciaram-se os desen- bardeio de papéis com nano partículas de
volvimentos de técnicas de desacidificação Hidróxido de Cálcio, conforme descreve
de papel, visando a redução de sua aci- GIORGI, (2002) a tecnologia mais avan-
dez, sendo desenvolvida por sir Artur çada descoberta neste século para neu-
Church em 1891 o uso da solução de tralizar a acidez do papel. Neste mesmo
Hidróxido de Bário em metanol, confor- período SILVA et alli (2000) publicou a
me descreve GUERRA (1992), como o primeira parte deste estudo de
primeiro produto utilizado para reduzir a desacidificação de papéis produzidos com
acidez de desenho de Rafael. Posterior- polpa mecânica.
223
Anais | Congresso Abracor 2009
Muitas vezes a perda da permanência bonato de magnésio a 0,5%, ditionito de
de documentos em papel está ligada à dimi- sódio a 0,5% e água-álcool 1:2, respec-
nuição do seu índice de acidez ou pH, ocor- tivamente. Este tratamento possui custo ele-
rida durante o seu envelhecimento. A princi- vado de cerca de R$ 50,00 por banho e
pal consequência do aumento da acidez é o causa cerca de 25% de redução nas dimen-
incremento da velocidade das reações de rup- sões do documento, interferindo assim na
tura das ligações â 1- 4 glucosídicas, que unem sua estética. O tratamento por nós desen-
as moléculas de glicose, formando o polímero volvido apresenta redução das dimensões
de celulose, sendo esta a principal matéria- e custo dez vezes inferior aos índices esta-
prima do papel, conforme mencionado an- belecidos para o método alemão.
teriormente. Os custos elevados desse método podem
O rompimento destas interações quími- inviabilizar sua realização em algumas Ins-
cas causam a ruptura de ligações inter e tituições nacionais. Por causa deste entra-
intrafibrilares, tornando os papéis rígidos, ve financeiro nós estudamos a viabilidade
frágeis e quebradiços, devido à perda de fle- técnica de realizar o tratamento de
xibilidade e encurtamento da cadeia de ce- desacidificação de papel jornal utilizando
lulose. Isto ocorre principalmente com produtos químicos usuais na
os produtos fabricados por processos áci- desacidificação. O único não empregado
dos ou com pasta de alto rendimento, como dentre destes foi o NaOH por ser usado nos
as empregadas em jornais, nas revistas e processos de obtenção de fibra celulósica.
outros produtos fabricados com essas pas- O principal objetivo desse estudo foi de-
tas que possuem elevado teor de lignina. terminar as propriedades físico-mecânicas
Na tentativa de solucionar a baixa dura- de papéis produzidos com celulose obti-
bilidade dos papéis de pasta mecânica, o da por processo mecânico e tratados por
Instituto de macromoléculas da Universi- uma metodologia com menor custo e que
dade de Darmstad, Alemanha, desenvol- empregue menor quantidade de produtos
veu um tratamento de choque realizado químicos para restauração desses papéis,
através de banhos aquosos sucessivos à tem- quando o mesmo já perdeu sua resistência
peratura ambiente com hidróxido de mecânica e não pode ser mais manuseado.
sódio a 25%, ácido Sulfúrico a 10%, car-

Parte experimental
Foram utilizados os produtos convencionais empregados na desacidificação de documen-
tos em suporte papel, empregando como amostra um papel jornal cedido pelas Organizações
Globo e para o experimento os seguintes reagentes, materiais, e equipamentos:
- água desmineralizada;
- hidróxido de Cálcio Ca(OH)2 P.A;
- hidróxido de sódio (NaOH) P.A. ;
- cuba em alvenaria com dimensões de 0,90x1,20m;
- telas de Nylon;
- tecido sintéticos marca villene;
- condutivímetro;
- pHmetro; e
- ebulidor de água.
Nas amostras de papel jornal foram empregados os seguintes tratamentos:
Tratamento I: método água fria – banho com água fria ( 22- 22,5°C) durante 10 minutos
Tratamento II: método água quente - banho com água quente (80°C) durante10 minutos
Tratamento III: método de desacidificação convencional do Arquivo Nacional SILVA ( 2000)
Tratamento IV: método soda – alemão – KOURA ( 1983).
Tratamento V: método soda - desenvolvido pelo Arquivo Nacional

O método desenvolvido pelo Arquivo depende da condutividade final da água do


Nacional (AN) consistiu de um banho entre banho: a diferença entre a condutividade ini-
72 e 80 ºC em solução de NaOH a 1,0 % p/ cial e final da água utilizada no banho deve
v por 10 minutos. Após o banho, efetuou-se ser igual ou inferior a 10 micro siemens. Após
a remoção do álcali pelo seguinte processo: a remoção do excesso de álcali, o tratamento é
um banho com água deionizada aquecida a finalizado com um banho aquoso em solu-
60-70 °C e 6 ou 7 banhos com água ção de Hidróxido de Cálcio, Ca(OH)2, a
desmineralizada fria . O número de banhos 0,02% por 20 minutos.
224
Anais | Congresso Abracor 2009
As amostras sem tratamento e com trata- cial acelerado (EAA), servindo esta análise
mento foram caracterizadas quanto às pro- como indicativo das características futuras
priedades apresentadas no Quadro 2, antes e dos papéis envelhecidos naturalmente, sendo
após serem submetidas a envelhecimento em a mesma realizada nesse estudo através da
câmara climatizada a 65% de umidade e metodologia descrita na norma ISO 5630.
80°C de acordo com norma ISO 5630-1996 Na literatura há diversas discussões so-
Paper and Board:Accelerated aging- bre a validade dos métodos de EAA, por
Part3:Moist heat treatment at 80°C and 65% eles serem realizados artificialmente em
of relative humidity. condições diferentes daquelas existentes no
Os métodos de pesquisa desenvolvidos envelhecimento natural. No entanto, este
na área de celulose só podem ser aplica- método pode ser empregado como
dos em documentos textuais após a reali- indicativo das características futuras do pa-
zação do ensaio de envelhecimento artifi- pel envelhecido naturalmente.

Notas:
a) Legenda:
Tratamento sem: refere-se a amostra não submetida a nenhum dos tratamentos
Tratamento I: método água fria – banho com água fria ( 22- 22,5°C)
Tratamento II: método água quente - banho com água quente (80°C) durante10 min
Tratamento III: método de desacidificação convencional do Arquivo Nacional
Tratamento IV: método soda – alemão – conforme KOURA ( 1983).
Tratamento V: método soda - desenvolvido pelo Arquivo Nacional
b) Para simplificar a tabulação dos resultados na tabela são apresentados apenas os valores obtidos para a direção longitudinal de
fabricação do papel.
c) o número entre parênteses referem ao desvio padrão de dez determinações.

A espessura do papel é uma propriedade ligações entre elas. A resistência à tração


especialmente importante para restauradores zero span mede a resistência individual das
porque está relacionado a processos de mon- fibras à tração separadas de outros efeitos.
tagem de documentos restaurados. A alvura é uma medida da eficiência do
A resistência à tração e alongamento são branqueamento de pastas celulósicas, mas
propriedades relacionadas à capacidade também pode ser uma medida de enve-
do papel se sustentar sob condições de lhecimento do papel, uma vez que este
tensão. A resistência à tração depende da ao envelhecer, ou passar por degradação,
resistência individual das fibras tem sua absorção no comprimento de onda
celulósicas e da estrutura do papel, ou citado afetada.
seja, da formação da trama de fibras e das
225
Anais | Congresso Abracor 2009
Analisando os resultados do Quadro 2 as seguintes observações podem ser
efetuadas em relação aos tratamentos antes do envelhecimento
- o tratamento que mais afeta a espessura do papel é o IV;
- a queda mais pronunciada da resistência do papel à tração ocorreu no tratamento IV;
- os tratamento não afetaram, de um modo geral, a resistência da fibra individual.
Esta resistência apresenta uma pequena melhora no caso do tratamento IV.
- O tratamento que mais afeta a propriedade de alongamento do papel é o IV;
- O tratamento que mais afeta a propriedade de alvura, causando uma
diminuição desta é o V.

Analisando os resultados do Quadro 2 as seguintes observações podem ser


efetuadas em relação aos tratamentos após o envelhecimento das amostras:
- as mesmas relações ocorridas entre os tratamentos antes do envelhecimento
das amostras são mantidas;
- a propriedade mais afetada pelo processo de envelhecimento é a alvura,
tanto no caso da amostra não tratada como das tratadas. No tratamento IV, além
da alvura ocorreu uma queda significativa na propriedade de resistência à tração.

Discussão dos resultados


O método desenvolvido pelo AN (trata- co entre os valores médios de uma mesma
mento V no Quadro 2) apresenta um custo propriedade e a amostra sem tratamento,
em torno de R$ 4,00 por banho, sendo este sendo essa considerada como padrão. Sen-
dez vezes inferior aos determinados para o do verificado neste estudo se há diferenças
método desenvolvido por KOURA (1983) entre os valores obtidos nos tratamentos. Para
(tratamento IV no Quadro 2), cujo custo a realização desse estudo foi considerado
por banho situa-se em torno de R$ 40,00 apenas as propriedades do papel relaciona-
sendo esse identificado nos quadros 2 e 3 das com seu uso para impressão como a es-
como método alemão. A metodologia de- pessura, a alvura e as resistências à tração,
senvolvida pelo AN possibilita a realiza- ao zero Spam e ao alongamento ao nível de
ção da conservação do papel jornal com 99% de confiança ou chance de erro de 1%.
menor custo. Facilitando sua realização por Sendo avaliadas apenas as propriedades na
restauradores autônomos. direção longitudinal do papel conforme des-
Esse método foi aplicado em papel ácido crito anteriormente.
fabricado com celulose obtida por proces- Ao compararmos os valores das propri-
sos químicos, denominada de pasta quí- edades descritas no quadro 2 para a amos-
mica e após a desacidificação pela tra sem identificada como o papel jornal
metodologia desenvolvida no Arquivo na- não submetido a nenhum tratamento,
cional o mesmo encontrava-se completa- com os demais índices das outras amos-
mente deteriorado, mostrando a incompa- tras, verificamos a elevação de todas as
tibilidade do método com este tipo de pa- propriedades de resistência mecânica.
pel. Sendo assim, para evitar a perda e a Podendo este aumento nas propriedades
deterioração de documentos impressos está relacionado a remoção de extrativos
nestes papéis produzidos com pasta quí- solúveis descrito acima
mica, recomendamos a não aplicação des- A remoção dos constituintes solúveis
te método. das fibras durante os tratamentos aumen-
Sendo assim, para aplicação do méto- tam sua resistência, contribuindo favora-
do aqui descrito deve-se certificar se o velmente para o aumento de todas as pro-
papel a ser tratado é um produto fabrica- priedades físicas-mecânicas do papel jor-
do com polpa mecânica, e a escrita é em nal em todos tratamentos realizados.
impressão gráfica, evitando-se assim a per- A avaliação estatística entre as proprie-
da de documentos. A partir do exposto dades físicas dos papéis tratados com água
anteriormente este método aqui descrito a temperatura ambiente entre 22 a 23 ºC
é aplicado apenas a desacidificação de e água aquecida a 80 ºC não mostrou di-
papel jornal impresso por ele ainda pos- ferenças estatísticas ao nível de 99% de
suir constituintes que reagem com o significância, mostrando serem equivalen-
hidróxido de Sódio ao invés de reagirem tes em termos de propriedades a imersão
com as fibras de celulose. do papel em água nas duas temperaturas
Para comparação dos valores experimen- investigadas.
tais obtidos nas propriedades de resistência Ao compararmos os tratamentos obser-
226 física do papel, realizamos estudo estatísti- vamos incremento de espessura em todos
Anais | Congresso Abracor 2009
eles, independente do método aplicado. nência das propriedades do papel
Para volumes de jornais encadernados esta desacidificado.
alteração pode ser problemática por con- O estudo estatístico mostrou que há di-
tribuir com aumento na espessura da lom- ferenças entre a maioria das propriedades
bada dos mesmos, aumentando assim o físico mecânicas investigadas após o trata-
espaço necessário para o seu acondiciona- mento e o EAA do papel ao nível de 99%
mento. As alterações da espessura na mai- de significância.
oria dos métodos é significativa ao nível No quadro 2 verificamos que a resis-
de 1%. O incremento da espessura do pa- tência a tração das amostras
pel jornal pode ser causado pelo tipo de desacidificadas com Hidróxido de sódio
fibra utilizado na sua fabricação por ser pelo método por nós desovolvido é supe-
ele produzido com fibras de madeira obti- rior que esta propriedade obitida no tra-
das por processos mecânicos, permanecen- tamento pelo método alemão. Este fato
do nessas fibras alguns constituintes pode ser uma consequência da
soluvéis do caule de vegetais. Podendo os neutralização do Hidróxido de Sódio, na
mesmos ser solubilizados durante os trata- metodologia desenvolvida por KOURA
mentos de desacidificação ou então pela (1983) com ácido Sulfúrico. Podendo este
imersão deste papel jornal em água pura. ácido causar a deterioração das fibras, por
Apesar de a água ser utilizado na fabrica- quebrar algumas ligações â-1-4
ção da polpa mecânica, permanecendo glucosídica que unem as moléculas de
mesmo assim alguns constituintes solúveis glicose formadora da celulose. Com a
nas fibras, sendo estes removidos durante quebra destas as fibras de celulose apre-
os tratamentos de desacidificação ou sentam menor resistência física. A resis-
imersão do papel em água, podendo a saí- tência a tração e a resistência ao Zero
da destes constituintes ser apontada como Spam são propriedades do papel que de-
os principais causadores da variação de pendem da qualidade da fibra. No entan-
espessura. to, as fibras tratadas pelo método desen-
No nosso trabalho anterior verificamos volvido por KOURA apresentaram maio-
que o método desenvolvido no Arquivo res índices de resistência ao Zero Spam.
Nacional causa cerca de 3,0% de redução Estas alterações podem estar relacionadas
de área na folha de papel, enquanto no ao aumento das ligações de ponte de hi-
método desenvolvido por KOURA(1983) drogênio intrafibrilares na metodologia
esta redução é em torno de 25%. Poden- desenvolvida na universidade de
do ela estar relacionada ao fenômeno de Darmstad.
cornificação e à remoção de extrativos. No quadro 2 observamos que os papéis
Além disso, ainda há na fibra de celulo- desacidificados pela metodologia desen-
se a ocorrência do fenômeno de volvida por KOURA apresentaram maiores
cornificação, conhecida como uma varia- índices médios de alvura que as amostras
ção dimensional da molécula de celulose tratadas pela metodologia desenvolvida no
que ao ser hidratada não adquire o seu arquivo nacional. Estes maiores índices po-
tamanho original após a secagem. dem estar relacionados ao uso do Ditionito
A saída destes constituintes da fibra tam- de Sódio, sendo este um produto alvejante.
bém causa redução de área nas folhas tra- No entanto, no quadro 3 verificamos que
tadas, conforme descrito por SILVA (2000). a amostra D, apresenta maior que os va-
Podendo esta característica ser um proble- lores observados para a amostra B, mos-
ma para a restauração deste papel por ela trando que o tratamento apenas com
interferir na integridade do material. Hidróxido de sódio fornece maior estabi-
A resistência à tração e o alongamento lidade para esta propriedade.
do papel são propriedades dependentes. Ao compararmos as propriedades de re-
No entanto, a primeira é diretamente pro- sistências mecânicas das amostras, como
porcional a qualidade das ligações à tração e o Zero Spam observamos um
intrafibrilalares. Enquanto o segundo é di- incremento das mesmas após o EAA para
retamente proporcional ao tipo de fibra a maioria dos tratamentos realizados, ex-
como o ensaio ao Zero Spam que serve cetuando o tratamento realizado por
para mostrar a resistência determinada em KOURA aonde temos redução da resis-
uma única fibra. Este fato pode ser evi- tência à tração. Podendo este valor inferi-
denciado através da comparação entre os or estar mostrando a maior degradação das
resultados das propriedades físicas anali- fibras no método desenvolvido pela uni-
sadas após o EAA. Podendo estes índices versidade de Darmstad, conforme des-
serem observados através da maior perma- crito anteriormente.
227
Anais | Congresso Abracor 2009
Conclusão
Apenas a imersão do papel jornal em A avaliação estatística dos resultados
água causa aumento das suas característi- mostrou que os resultados após o enve-
cas de resistência mecânica. lhecimento artificial acelerado e os obti-
A remoção dos constituintes solúveis da dos após os tratamentos se equivalem.
fibra do papel jornal durante sua desaci- O método de desacidificação de papel
dificação contribui com aspectos favoráveis jornal desenvolvido no Arquivo Nacional
como o aumento das propriedades de re- pode ser utilizado na restauração de pa-
sistência mecânica da fibra. No entanto esta pel jornal por ele fornecer aumento nas
também causa aspectos negativos como a propriedades de resistência deste papel.
variação dimensional da área da folha. O método alemão fornece maior índi-
Todos os tratamentos investigados causam ce de alvura no entanto esta possui menor
incremento na espessura do papel jornal. estabilidade.
O método desenvolvido por Koura pode O método é aplicado apenas à
causar uma grande alteração da fibra. desacidificação de papel jornal impresso.

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228
Anais | Congresso Abracor 2009
PINTO, Marília de Lavra
Arquiteta Urbanista
Instituição: IPHAE (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico do Estado – RS)

1
Adaptação do projeto
ESTUDO COMPARATIVO DE DESEMPENHO nº. 02:115.29-013/
anexo A da ABNT.
2
Adaptação de método
DE TINTAS À BASE DE CAL E SILICATO francês para medir a
absorção d’água
(Methode a la pipe).

A cal é material adequado para conservação e restauro, devido às suas característi-


cas e à necessidade de compatibilização com os materiais pré-existentes. A caiação,
sistema de pintura de tradição milenar, foi sendo substituída, no século XX, pelas tintas
sintéticas, que não se mostram adequadas em presença de umidade, geralmente en-
contrada nas paredes porosas das edificações históricas. O uso de tintas minerais vem se
mostrando uma tendência mundial, também devido a fatores ambientais. O presente
trabalho consiste na realização de testes simples, comparativos de desempenho de tintas
à base de cal e silicato aplicadas sobre substratos de argamassa de cal e areia (traço: 1;3)
e argamassa mista de cal, cimento e areia (traço: 1;2;12).

Palavras-chave:
pintura; tintas à base de cal e silicato.

Limewash has demonstrated to be the most adequate material for works of


conservation and restoration, due to its characteristics and to the requirements of
compatibility with the pre-existent materials. Whitewash, a painting system with a
millenary tradition, has being substituted by synthetic paints of organic origin since
the first half of twentieth century. The rescue of traditional techniques is a world
tendency. This work performed qualitative and quantitative comparative tests to evaluate
the performance of a lime and silicate based paints applied over lime and mixed mortars.

Introdução
As tintas para obras de restauração e con- técnica, são muitas vezes contraditórias, e
servação arquitetônica, necessitam apre- as descrições das técnicas e materiais tradi-
sentar características especiais, para alcan- cionais usados no passado chegam até nós
çar o desempenho adequado sobre os já com alterações que resultam em diferen-
substratos históricos, geralmente mais po- tes produtos e formas de produção. O que
rosos, e pela própria técnica construtiva das há em comum, é a necessidade de cuidado
edificações (fundações rasas), e a longa especial em todas as etapas da produção da
exposição às intempéries, mais sujeitos à cal, desde a escolha da matéria-prima, os
presença da umidade, sais e agentes processos de calcinação, hidratação e
poluentes. Devido a essas características, carbonatação, para que se tenha um bom
a grande permeabilidade ao vapor d’água, produto final. As tintas à base de cal são
é uma propriedade da cal não encontrada secularmente utilizadas, e aplicadas sobre
nas tintas sintéticas, que traz grande van- rebocos de cal, interagem com o este, con-
tagem no seu uso. solidando o revestimento e protegendo a
As informações da literatura clássica e alvenaria.

Objetivos específicos
Comparar o desempenho de cales de di- tas foram aplicadas sobre reboco de arga-
ferentes procedências encontradas no massa de cal, traço 1:3, e reboco de arga-
mercado local, em relação à massa mista, de cal, cimento e areia, tra-
permeabilidade à água, permeabilidade ao ço 1:2:12. Os ensaios foram adaptados dos
vapor d’água, e pulverulência, através de projetos 02:115.29-013 (permeabilidade à
ensaios qualitativos e quantitativos. As tin- água) e 02:115.29-017 (permeabilidade ao
229
Anais | Congresso Abracor 2009
vapor d’água) da ABNT para serem realiza- rar o desempenho em relação à
dos em corpos-de-prova; adaptação do mé- pulverulência. Os ensaios foram realiza-
todo do “cachimbo”, que avalia a dos nas instalações do Laboratório do
permeabilidade à água na parede vertical, NORIE/PPGEC/UFRGS, e as tintas cedidas
além de ensaios qualitativos para compa- pelos respectivos fabricantes.

Aplicação das tintas


Confecção de corpos-de-prova
Foram confeccionados 32 corpos-de-prova de argamassa, na mesma composição e
traço do painel (16 CPs de argamassa de cal 1:3, e 16 CPs de argamassa mista 1:2:12).
Os corpos de prova foram moldados em fôrmas de PVC, com diâmetro de 10cm e
espessura de 2cm.
Ensaios sobre argamassa em parede vertical interna
Pulverulência - Avaliação qualitativa da película de pintura

O ensaio consiste em deslizar uma lixa (vermelha), nº. 200, no sentido de cima para
baixo, com certa pressão, sobre uma pequena área escolhida da superfície pintada.

A pulverulência deve ser baixa.


O grau de pulverulência foi avaliado pela observação da lixa, após aplicação, sendo
comparada qualitativamente, podendo ser: alto; médio e baixo (tabela 2), dependendo
do aspecto das partículas soltas observadas sobre a lixa vermelha (figura 3)

Pulverulência. Partículas aderidas à lixa


(A) -.alta pulverulência(M) - média pulverulência(B) - baixa pulverulência
Osb : (A)* - mais alta pulverulência

Avaliação qualitativa das tintas em relação à pulverulência.

Considerações: duas tintas (C+CAS e F) se sobressaem por apresentarem baixa


pulverulência, e um comportamento estável nas duas argamassas.
A tinta D, comercializada com fixador, teve o pior desempenho nas duas argamassas.

Ensaio comparativo quantitativo de permeabilidade à água


Ensaio do cachimbo (para medir a absorção d’água na parede vertical – escala 1 a 4).

230
Anais | Congresso Abracor 2009
Material:
- Recipientes de vidro em forma de cachimbos; mastique para vedação.
Procedimento de ensaio:
- Colocação dos “cachimbos” na parede; fixação com mastique.
- Encher a coluna com água, até o nível zero.
- A cada minuto, anotar o deslocamento d’água indicado na escala, durante 15 minutos.

Considerações:
Os ensaios sobre o testemunho de arga- A tinta C+CAS está entre as tintas de me-
massa de cal apresentou gráfico com cur- lhor desempenho nas duas argamassas, com
va bastante diferenciada em relação ao resultados próximos às tintas de silicato. En-
testemunho, demonstrando o efeito de tre as tintas de silicato, a tinta F apresentou
proteção das tintas de cal; já o testemu- comportamento mais constante e melhor
nho de argamassa mista, não apresentou desempenho (menor permeabilidade à
gráfico tão diferenciado, devido às conhe- água), sobre as duas argamassas, na argamas-
cidas propriedades hidráulicas do cimen- sa de cal chegando a menos de 0.5, afastan-
to, embora com maior proporção de cal do-se de todas as outras tintas.
na argamassa. A tinta E (silicato) apresentou bom de-
Há grande variabilidade entre as diferen- sempenho em relação às demais tintas nas
tes tintas. As tintas A e B, encontram-se duas argamassas, sendo o melhor sobre
num patamar intermediário, sendo que a argamassa mista (abaixo de 1.0). Na arga-
tinta B apresenta pontos de leitura quase massa de cal, está próximo à tinta C+CAS,
coincidentes, nas duas argamassas. A tin- com desempenho inferior à tinta F
ta C, apresenta grande dispersão entre os (silicato). Na argamassa mista, está com-
3 pontos de leitura na argamassa mista, patível com a tinta C+CAS e a F. Tintas
chegando num dos pontos a se aproximar que apresentaram o melhor desempenho
das tintas C+CAS/ E/ F (silicato). nas duas argamassas. (gráfico 2).

Argamassa de cal -Tintas que apresentaram melhor desempenho

Uso de aditivos

A caseína foi usada como aditivo na pro- comportamento mais estável e baixa
porção de 6%, nas cales A, B, C. O uso do permeabilidade sobre as duas argamassas.
aditivo não apresentou mesmo efeito para A pasta de cal importada (c/ aditivos),
as diferentes cales testadas. A cal D, já é com caseína, apresentou melhor desem-
comercializada com aditivos, conforme penho que uma das tintas de silicato.
informação do fabricante. Observa-se que a caseína, em propor-
A cal A com caseína, apresentou pior ções aproximadamente idênticas, produ-
desempenho do que sem o aditivo. ziu diferentes resultados quando adicio-
A cal C com caseína, embora com um nada a diferentes cales, e a tinta
deslocamento inicial maior (provavelmen- comercializada com fixador, apresentou
te devido ao preenchimento de algum va- pior desempenho em relação à
zio na argamassa), apresentou o melhor permeabilidade à água, o que leva a con-
desempenho das cales neste quesito, pró- cluir que os aditivos podem levar a resul-
xima à tinta F (silicato), que apresentou tados opostos ao que se espera deles. 231
Anais | Congresso Abracor 2009
Ensaio quantitativo de permeabilidade ao Pesagem dos conjuntos
vapor d’água sobre substrato de argamassa A primeira pesagem dos
conjuntos (vidro contendo água,
em corpos-de-prova. com os corpos-de-prova
pintados tapando a superfície
Ensaio conforme projeto de norma superior – aberta - sem tocar na
água, vedados com mastique).
02:115.29-017 da ABNT, com alterações.
Após aplicação da tinta, os corpos-de- (T1); um testemunho de argamassa de cal
prova permaneceram sobre superfície ho- (T1ca); e sete corpos de prova de argamas-
rizontal, durante 20 dias; foi colocada no sa mista com aplicação das tintas: A,
frasco de vidro 60ml de água destilada; A+CAS, B, C, D, E, F.
temperatura de (25+/- 2)°C; umidade re- Os conjuntos foram pesados durante 7
lativa do ar de (60+/-5)%, borda do frasco dias, conforme a norma. Foram conside-
fechada pelo CP. Foram realizados inici- rados apenas os CPs de argamassa mista
almente ensaios com 9 corpos-de-prova, (por tempo insuficiente para
sendo um testemunho de argamassa mista complementação dos ensaios).

Análise – leitura da primeira amostra


As tintas B, C, D e E apresentaram maior permeabilidade, ao vapor do que o CP
testemunho da argamassa mista, sendo a E, a mais permeável.
A tinta F (silicato) apresenta valor maior, porém o mais próximo do testemunho.
As tintas A e A+CAS, apresentaram valor um pouco inferior ao testemunho.
O CP testemunho da argamassa de cal apresentou maior permeabilidade ao vapor,
na primeira mostra, do que todos os demais CPs.
Os potes e o mastique foram reaproveitados para a segunda amostra.

Análise - leitura da 2ª amostra


As tintas A+CAS e F apresentam permeabilidade abaixo do testemunho. A tinta B
coincide com o testemunho. As tintas D e E permanecem próximas ao testemunho, po-
rém são mais permeáveis. A tinta C aparece nesta leitura como a mais permeável, seguida
da tinta A.
Resultados das duas amostras (superposição gráficos das amostras 1 e 2).

Média dos resultados das duas amostras

G – variação de massa (em gramas); t – possível realizar os testes com caseína nas
tempo em que ocorreu G (em dias). demais tintas.
Observa-se que, na realização do ensaio A tinta A, sem caseína, e a B se aproxi-
com corpos-de-prova de argamassa, esta está mam do testemunho.
sendo avaliada junto com a tinta, porém este A tinta F, de silicato, contrariamente ao
dado não é significativo para este estudo. esperado de uma tinta de silicato, dimi-
Conforme o gráfico, as cales sem aditivos nuiu a permeabilidade ao vapor, apresen-
apresentaram valores próximos ou superi- tando um dos piores resultados. A tinta E
ores ao testemunho, não diminuindo a apresentou permeabilidade bem acima do
permeabilidade ao vapor apresentada pelos testemunho.
corpos-de-prova. A tinta que apresentou maior
A tinta A+CAS apresentou pior resulta- permeabilidade ao vapor d’água foi a C.
do - a presença da caseína diminuiu a O estudo foi apenas comparativo, não
permeabilidade ao vapor d’água (esta tin- se estabelecendo parâmetros recomendá-
ta também apresentou pior resultado no veis de desempenho das tintas em relação
ensaio de permeabilidade à água). Não foi à permeabilidade à água e ao vapor d’água.
232
Anais | Congresso Abracor 2009
CONSIDERAÇÕES FINAIS
- As causas do comportamento diferenci- lhor desempenho em relação à
ado das cales são de difícil avaliação, na permeabilidade à água, e um bom desem-
fase final de aplicação. O processo de pro- penho em relação à permeabilidade ao
dução da cal passa por muitas etapas, até o vapor.
produto final, fator que dificulta a avalia- - As tintas de silicato são reconhecidas
ção da matéria-prima em si. A realização como de desempenho superior em rela-
de testes da qualidade da cal, já demons- ção à resistência à passagem da água, e
tra um indicativo do produto. permeabilidade ao vapor, porém apresen-
- O estudo experimental teve caráter tam alto custo. O ensaio demonstra que o
exploratório, utilizando métodos simplifi- desenvolvimento de uma tinta à cal com
cados, devido às limitações de tempo, re- desempenho similar, além de ideal, devi-
cursos e condições de realização. Contou do ao baixo custo da cal, é também possí-
com número relativamente extenso de pro- vel.
dutos e um número limitado de testes, re- - Quanto ao uso de aditivos, observou-
sultando em dados suficientes para indi- se que podem alterar o comportamento das
car alguns comportamentos das cales. Para cales, nem sempre no sentido desejado,
resultados conclusivos, seria necessário confirmando dados da literatura
maior número de dados, o que iria pesquisada.
extrapolar os limites desta pesquisa. Os - O uso da caseína apresentou resulta-
dados coletados, entretanto, demonstram dos opostos em relação à permeabilidade
a validade da realização de testes simples, à água, conforme as diferentes tintas em
para avaliar determinadas características que foi aplicada. A tinta A com caseína,
dos produtos antes da sua aplicação em apresentou o pior desempenho. Já a tinta
obra, permitindo maior segurança na C (pasta de cal de referência), apresentou
especificação, quanto ao futuro desempe- bom desempenho, não sendo possível aqui
nho. avaliar se os resultados alcançados se de-
- Apesar de alguma variabilidade decor- vem ao aditivo ou à diferente qualidade
rente das condições do ensaio, foi possí- das tintas. Em relação à permeabilidade ao
vel verificar que as cales de diferentes pro- vapor d’água, a caseína alterou o compor-
cedências apresentam comportamento di- tamento da tinta em que foi aplicada, di-
ferenciado em relação às características minuindo a permeabilidade, porém não
analisadas. foram testadas outras tintas, para verificar
- O estudo comparativo com o produto a incidência deste comportamento.
comercializado, demonstra a grande vari- - Pode-se observar, pelos dados encon-
abilidade existente. trados, da grande variabilidade dos pro-
- O ensaio comprovou as propriedades dutos, que é importante a realização de
da tinta à cal de oferecer um bom acaba- testes simples antes da aplicação das tin-
mento, e de preencher os vazios do rebo- tas em obra, para que se possa utilizar os
co de cal. Em poucos dias após a aplicação melhores produtos, e também influir, in-
da última demão de tinta, as fissuras na ar- centivando para que as empresas produto-
gamassa de cal (provavelmente decorren- ras tenham melhor controle sobre a maté-
tes de problemas nos materiais, e da exe- ria-prima que colocam no mercado.
cução rápida) tornaram-se imperceptíveis, - A revisão bibliográfica, assim como as
permanecendo visíveis apenas nos locais respostas e declarações de profissionais
onde foram aplicadas tintas de silicato. experientes no uso da cal, na área de res-
- Em relação às tintas de silicato, obser- tauração, tanto arquitetônica como da pin-
vou-se que uma delas (tinta F) apresentou tura mural, a pesquisa técnica realizada na
melhor resistência à permeabilidade à USP, e exemplos mundiais – antigos e atu-
água, porém pior desempenho à passagem ais - apontam a cal como um material de
do vapor d’água, resultado que não grande valor e atualidade, fundamental em
corresponde ao esperado de uma tinta de obras de restauração e com possibilidades
silicato. Já a tinta E, apresentou comporta- mais amplas de utilização, desde que se-
mento semelhante à tinta de cal de me- guindo padrões de qualidade.

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Anais | Congresso Abracor 2009
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A monografia completa Estudo Comparativo de Tintas a base de Cal e Silicato pode ser encontrada na Biblioteca PPGEC/NORIE/UFRGS.
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Anais | Congresso Abracor 2009
PONTUAL, Virgínia
Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1998). Professora da Universidade
Federal de Pernambuco/ Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano - MDU/UFPE. É
pesquisadora e membro dos Conselhos Administrativo e Científico do Centro de Estudos Avançados da
Conservação Integrada (CECI)

ZANCHETI, Sílvio
Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1989) e pós-doutorado pela
International Centre For The Study Of The Preservationa And Restoration Of (1996). Professor da
Universidade Federal de Pernambuco/ Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano - MDU/
UFPE. É pesquisador e Presidente do Conselho Administrativo do CECI.
LIRA, Flaviana
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE (MDU/UFPE).
É pesquisadora e Diretora associada do CECI.

MILFONT, Magna
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE (MDU/UFPE).
É pesquisadora da do CECI.

HARCHAMBOIS, Mônica
É graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Gama Filho (1988). É pesquisadora e diretora
associada do CECI.

CABRAL, Renata
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Carlos (2003). É pesquisadora do CECI.

PICCOLO, Rosane
Mestre em Desenvolvimento Urbano pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano
(MDU/ UFPE). É pesquisadora e membro do Conselho Científico do CECI.

METODOLOGIA PARA A IDENTIFICAÇÃO E


AUTENTICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL:
O CASO DO ISTMO DE RECIFE E OLINDA- PE

O presente artigo apresenta uma metodologia de identificação e autenticação do


patrimônio cultural, construída a partir da condensação de diversas pesquisas, contri-
buindo para a supressão da lacuna existente no campo da conservação urbana. Ques-
tões como: Como proceder a essa identificação e autenticação? Como conferir valor a
um patrimônio cultural? Não tinham sido satisfatoriamente tratadas, principalmente
por não darem a necessária relevância à história e à cultura das cidades. Para enfrentar
os desafios conceituais e doutrinários foi adotado como referência empírica o Istmo de
Olinda e Recife, por possuir significativa história, ser objeto de tombamento federal e
de reconhecimento internacional. O artigo, composto de três partes, está estruturado
de modo a seguir encadeamento expositivo que permita compreender como se deu a
construção da metodologia, como foi aplicada e quais os resultados obtidos.

Palavras-chave:
patrimônio cultural, metodologia, identificação, autenticação.

This paper presents a methodology of identification and authentication of the cultu-


ral heritage, constructed from diverse experiences, contributing for the suppression of
an existing gap in the field of urban conservation. In this pape some questions should
be answered: How to proceed to this identification and authentication? How to confer
value to a cultural heritage? These questions haven´t been completely answered yet,
mainly due for not have been giving the necessary relevance to history and the culture
of the cities. To face this conceptual and doctrinal challenges, the Isthmus of Olinda
and Recife was adopted as empirical reference.

Key-words:
cultural heritage, methodology, identification, autentication.
235
Anais | Congresso Abracor 2009
INTRODUÇÃO
Na atualidade, evidencia-se o crescente contribuir para a supressão dessa lacuna, ao
interesse pelo conhecimento do apresentar uma metodologia de identifica-
patrimônio cultural como um ato de ção e autenticação do patrimônio cultural.
rememoração de outras experiências A discussão desses desafios conceituais e
vivenciadas, no entanto no Brasil esse doutrinários está feita tomando como refe-
patrimônio é comumente apresentado sem rência empírica o Istmo de Olinda e Recife
a devida identificação e autenticação, seja – pequena lingueta de areia que no passado
quanto à sua dimensão material, seja quan- foi reduto de fortificações e local envolto
to à imaterial. em lendas e mistérios –, por possuir signifi-
A lacuna da identificação histórica é pro- cativa história, ser objeto de tombamento
blemática, pois é a história que revela a federal e de reconhecimento internacional.
cultura do lugar e os significados atribuí- O artigo, que é composto de três partes,
dos no tempo. O processo de autentica- está estruturado de modo a seguir um enca-
ção por meio da atribuição de valor ao deamento expositivo que permita compre-
patrimônio cultural e de certificação de sua ender como se deu a construção da
autenticidade e integridade está também metodologia, como foi aplicada em um
a carecer de estudos e pesquisas. objeto empírico e quais os resultados obti-
O presente artigo propõe-se, assim, a dos.

1. Metodologia de identificação e autenticação do patrimônio cultural


As dimensões da identificação e da au- possível consolidar um conhecimento so-
tenticação requerem a adoção de distin- bre o bem quanto aos seus atributos físi-
tos passos metodológicos e técnicas de co-espaciais e funcionais.
pesquisa, como será explorado nas duas Para elaborar a autenticação do
seções seguintes. patrimônio cultural, a identificação deve
A identificação de um bem cultural está estar concluída, pois é a interpretação dos
relacionada ao reconhecimento de seus dados obtidos nesta etapa que fornece in-
conteúdos históricos e formais. Os proce- formações ordenadas e sistematizadas so-
dimentos requeridos nesta atividade envol- bre bem, assim como atestam sua autenti-
vem a aplicação articulada de distintos cidade e integridade. Enquanto a identifi-
métodos: o histórico, a história oral e a cação do bem está voltada para o reco-
leitura da forma urbana. A utilização des- nhecimento de suas características mate-
ses métodos deve considerar a natureza riais, a autenticação se centra em seus va-
do bem e os objetivos do trabalho, poden- lores, os quais tornam o objeto um exem-
do ser aplicados no seu conjunto ou isola- plar de importância insubstituível para a
damente. Por meio dessas informações é sociedade.

1.1 Identificação do patrimônio cultural

O primeiro passo para a atividade da iden- lecimento de hipóteses de investigação e


tificação é o conhecimento preliminar do análise. O movimento de inter-relação
patrimônio cultural por meio de uma visita entre as atividades de levantamento e re-
e de leituras de fontes secundárias. Tais in- gistro das fontes, verificação de consistên-
formações, de natureza perceptiva e biblio- cia e estabelecimento de hipóteses vem a
gráfica, permitem iniciar o registro do co- exigir, em continuidade, o relacionamen-
nhecimento e a definição de indexadores to das fontes primárias e secundárias, bem
ou chaves temáticas. como a identificação das chaves temáticas
Concluída essa primeira etapa, inicia-se e dos argumentos que conformem uma
a pesquisa histórica que consiste na visita narrativa. A descoberta de temas, propor-
aos acervos e arquivos locais e nacionais, cionada pelas fontes, permite definir o que
físicos ou virtuais, para o levantamento e confere caráter único ao lugar.
registro das fontes primárias relacionadas Especial atenção deve ser dada à análi-
ao objeto de investigação. À medida que se da cartografia histórica, em virtude de
as informações forem sendo levantadas, sua importância para o entendimento das
elas devem ser registradas em fichas pró- transformações da forma urbana. Como
prias e em pastas temáticas específicas, em procedimentos específicos cabe destacar:
meio digital. Essa atividade de levantamen- análise individual de cada mapa segundo
to deve ser concomitante com a verifica- categorias morfológicas adotadas (malha,
ção de consistência das fontes e o estabe- ruas, quadras, lotes, edificações);
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Anais | Congresso Abracor 2009
complementação analítica e/ou tipologia construtiva e a relação entre chei-
correlacionamento com as fontes históri- os e vazios, espaços públicos lineares e
cas manuscritas e bibliográficas; análise não-lineares.
comparativa e sequencial entre os mapas
adotados com a identificação das princi- Estrutura ativa: atividades existentes -
pais características morfológicas. abrigadas ou não em espaços construídos,
A estrutura expositiva não é idêntica ao incluindo-se as atividades excepcionais,
percurso da investigação, sendo, portanto como as festas.
necessário ter um conhecimento substan-
tivo das fontes e dos objetivos do trabalho Já o levantamento dos bens patrimoniais
para definir a estrutura da narrativa. paisagístico e urbano-arquitetônico deve
Finalizada a pesquisa histórica, parte-se ser guiado por uma ficha padrão (com cam-
para a pesquisa de história oral, que con- pos de múltipla escolha e abertos) que
siste na coleta e análise de entrevistas e contempla diferentes elementos. Para os
depoimentos. Antes de iniciar a aplicação bens urbano-arquitetônicos são levantados
do método, é necessário estruturar os ins- o estilo arquitetônico, o uso atual, a
trumentos de investigação, os quais con- tipologia, o gabarito, a implantação, os
sistem na: definição das palavras-chave para materiais e forma de sua coberta e pare-
a entrevista com os grupos focais (essas pa- des, seu estado de conservação e proble-
lavras podem ser fornecidas pelo acervo mas encontrados. Para os bens
documental anteriormente levantado); iden- paisagísticos, os elementos analisáveis são
tificação e definição de grupos focais (por seus componentes naturais (topografia,
exemplo: intelectuais, comunidades, usuá- vegetação, corpos d’água e clima), compo-
rios, turistas, população, empresários, fun- nente construídos (volumetria, escala,
cionários públicos, etc); elaboração de per- permeabilidade, singularidade, diversidade,
guntas centrais, conforme o objeto de estu- linearidade, amplitude, cheios e vazios,
do ou bem cultural, de modo a serem apre- cores, barreiras visuais, ritmo, usos), visa-
endidos os sentidos e registros de memória das e mirantes, unidades de paisagem, li-
e os valores dos grupos focais; elaboração nhas de força, estado de conservação e pro-
de uma ficha de identificação do entrevis- blemas encontrados. Além desses elemen-
tado, na qual serão registrados os dados tos, a análise de ambos os tipos de bens
pessoais e de um questionário, ordenando deve também indicar que valor pode ser
as perguntas centrais; realização da entre- atribuído ao bem, de modo a auxiliar na
vista gravadas segundo duas modalidades: etapa posterior de atribuição dos valores.
uma flexível, de modo a fazer com que o Ao longo do percurso da realização de
entrevistado fale de suas vivências relativas cada uma dessas pesquisas, é necessário
ao bem cultural e a outra utilizando questi- definir momentos de sínteses, que podem
onário. redefinir as chaves temáticas e os argumen-
A última etapa da identificação é a leitu- tos estabelecidos na pesquisa histórica.
ra da forma urbana e o levantamento dos Cabe notar que a sequência de realização
bens patrimoniais, paisagístico e urbano- das pesquisas, à exceção da relativa ao
arquitetônico. conhecimento prévio, pode ser definida
O método de leitura da forma urbana caso a caso. E mais, pode haver situações
está referenciado nas teorias morfo- em que algumas serão realizadas parale-
tipológicas, cujos principais autores con- lamente, como, por exemplo, a pesquisa
siderados são: Carlos Aymonino (1995), histórica com a de leitura da forma urba-
Vicente Del Rio (1996), Maria Elaine na.
Kolsdorf (1996), Philippe Panerai (2006) e
Luz Valente Pereira (1996). A forma urba- A interpretação, fundamentada nas no-
na é lida a partir dos seguintes elementos ções de espacialidades e temporalidades,
de sua estrutura urbano-ambiental: estru- deve resultar:
tura física e estrutura ativa. Essas estrutu- - Na identificação do que confere cará-
ras são percebidas por meio das seguintes ter único àquele lugar, como personagens,
variáveis: lendas, ambiente natural, escolha
locacional, fatores socioeconômicos, ocu-
Estrutura física: estrutura geofísica, pação e uso do solo e arquitetura, como
hidrográfica e vegetal, além da malha ur- também o que é similar a outros lugares;
bana – seus traçados, suas linhas de força - Na escolha de uma idéia-chave ou de
de ocupação (vetores de crescimento), suas uma representação do bem, a qual norteie
orientações dominantes e sua geometria, a construção da narrativa;
e ainda os formatos das quadras e lotes, a - Na definição da autenticidade e inte- 237
Anais | Congresso Abracor 2009
gridade do patrimônio cultural. Para essa patrimônio cultural em estudo, isto é, tal
definição, é necessário que a pesquisa his- avaliação requer uma análise comparati-
tórica e a leitura da forma urbana e/ou o va da situação do patrimônio hoje e no
levantamento paisagístico e urbano- passado. Mas qual passado? Aquele que
arquitetônico devem estar concluídos. E dispõe de documentação (dossiê, inventá-
mais, é imprescindível a definição de um rio, fotos, etc.) consistente, que possibilite
marco temporal que possibilite a realiza- a confrontação do desenho, função, mate-
ção da avaliação entre o passado e o pre- rial de construção e entorno, conforme
sente dos elementos componentes do preceitua a UNESCO.

1.2 Autenticação do patrimônio cultural


A identificação de um bem reconhece vem sofrer um processo de
os conteúdos históricos e formais de um monitoramento e controle que permita
patrimônio, porém é necessário o reco- verificar mudanças e permanências nos
nhecimento de seus valores (dimensão não- valores atribuídos e a manutenção de sua
material), o que o torna um exemplar de autenticidade e integridade. Para assegu-
importância insubstituível para uma soci- rar a lisura do processo, é importante que
edade. a instituição que tenha a competência de
Os estudos para a definição dos passos salvaguarda não seja a mesma que reali-
metodológicos relativos à autenticação do ze a autenticação daqueles bens já tom-
patrimônio cultural basearam-se nos se- bados ou classificados.
guintes autores e obras, além das biblio- Para elaborar a autenticação de um
grafias referidas nos itens anteriores: patrimônio cultural, a identificação deve
Cesare Brandi (2004), Steven Connor ter sido concluída, pois é com base no
(1994), Aloïs Riegl (1999), Norma Lacerda conjunto de informações colhido nessa
(2002) e Silvio Zancheti e Jukka Jokilheto etapa que de realiza a autenticação. Po-
(2002). rém, para ter reduzida a carga de subjeti-
“Lei natural necessária” é a expressão vidade na atribuição de valor, deve ser
empregada por Riegl (1999) para funda- procedida de consultas a diversos seg-
mentar os critérios ou valores atribuídos mentos que direta e indiretamente conhe-
ao “monumento”. O monumento, como cem ou estão envolvidos com o
era pensada a obra de arte em fins do sé- patrimônio: comunidade, especialistas,
culo XIX, tinha de carregar a marca do instituições de salvaguarda, etc. Cabe
tempo para obter determinados valores. aqui destacar a importância da partici-
Na escala temporal, a confrontação dos pação social no processo de autentica-
valores podia trazer dificuldades para ção. Parte-se do pressuposto de que as
contextualizá-los historicamente. Na atu- pessoas que cresceram e vivem em um
alidade, o monumento ultrapassa a dado lugar detêm sobre ele um conheci-
materialidade da obra de arte e pode ser mento profundo, enraizado. A interação
entendido como algo que incorpora va- dos diversos segmentos sociais é um
lor, ideologia e mensagem e os transmite modo de perceber significados cultural-
no tempo. mente construídos. Tal processo terá
A importância do valor para o proces- maior consistência e legitimidade quan-
so de autenticação situa-se na análise das to mais formal, ou repetitivo, e com o
práticas culturais materiais e imateriais emprego de técnicas de consulta, a exem-
que uma sociedade desenvolve em rela- plo do médoto Delphos, for realizado.
ção a um bem. Segundo Lacerda (2002), Verificada a autenticidade e a integrida-
“os valores que devem ser considerados de (na etapa de identificação) e atribuídos
são aqueles que permanecem mais os valores do patrimônio cultural, a insti-
invariantes (...) são fortemente imbrica- tuição que certifica, caso não seja a mes-
dos, de difícil delimitação, uma vez que ma que garante a salvaguarda, deve sub-
não existem separadamente. Geralmente meter o dossiê de identificação e valoração
se complementam, se articulam, se so- a essas instituições a fim de receber a
brepõem”. Essas considerações apoiam a anuência do parecer. Entretanto, pode-se
adoção dos valores formulados por Riegl prever que outra instituição forneça a au-
(1999), para efeito da metodologia de tenticação. Nesse caso, tal instituição deve
autenticação. São eles: de antiguidade, ser reconhecida por organismos
histórico, artístico, rememorativo, de no- normatizadores (ABNT, ISSO) como com-
vidade e de uso. petente para certificar a autenticidade e a
Bens já tombados e classificados de- integridade do patrimônio.
238
Anais | Congresso Abracor 2009
2. Aplicando a metodologia: o caso do Istmo de Olinda e Recife

A aplicação da metodologia ao Istmo foi meço do século XX, alcançando a reforma


realizada como um projeto específico - “Ist- da Base Naval do Recife na década de 1950
mo de Olinda-Recife: história, identidade e os polígonos de tombamento.
e memória”-, com o apoio do Governo do Os registros e a catalogação das fontes
Estado de Pernambuco, por meio do Fundo documentais seguiram o modelo de ficha,
Pernambucano de Incentivo à Cultura em meio digital, que permitiu a agilidade
(FUNCULTURA), cujos produtos foram um e a uniformidade dos registros. As fichas
website e um folder. O projeto teve como foram organizadas por temáticas e consis-
substrato as seguintes pesquisas: i. pesqui- tem num catálogo impresso das fichas para
sa histórica nos acervos das cidades de Re- a consulta interna dos pesquisadores.
cife e Olinda, de modo a revelar atributos A iconografia recebeu um tratamento di-
histórico-culturais até então esquecidos so- ferenciado, sendo dividida em mapas, fo-
bre o Istmo; ii. pesquisa de história oral, tografias e litogravuras. Um catálogo geral
para identificar a memória do lugar contida das imagens, identificando a instituição, o
em relatos e depoimentos; iii. pesquisa de autor e a referência bibliográfica, foi com-
campo para conhecimento da atual ocupa- posto, constituindo um acervo digital.
ção do solo e paisagens naturais e A pesquisa nos acervos documentais e
construídas. iconográficos da cidade não foram as úni-
A pesquisa foi iniciada com o estabeleci- cas formas de investigação sobre o Istmo.
mento, a partir do conhecimento prévio do Os relatos orais dos moradores das fave-
lugar, da área de estudo no mapa-base ado- las do Istmo e os intelectuais
tado. A definição dessa área foi checada à pernambucanos também foram incorpora-
medida que os passos metodológicos foram dos às fontes, de modo a registrarem-se
realizados. Essa preparação pode consistir traços da memória e identidade daquelas
ainda de: formação de equipe, nivelamento pessoas sobre o lugar. Nesse sentido, a
do conhecimento dos membros da equipe, investigação direcionou a pesquisa de his-
definição de atividades, etc. tória oral em dois grupos focais: 1) inte-
Definidas as questões iniciais, partiu-se lectuais pernambucanos; 2) moradores das
para a pesquisa histórica e de história oral. favelas assentadas próximas ao Istmo - ilha
A estratégia de pesquisa concentrou-se, do Maruim e favela dos Milagres.
primeiramente, no levantamento histórico, As entrevistas foram orientadas pela
que consistiu na identificação e registro de indução por meio de perguntas e conver-
fontes primárias e secundárias, destacan- sas informais, segundo as possibilidades
do, respectivamente, a iconografia e os oferecidas por cada grupo focado. Em
escritos impressos da época, além das bi- ambos os grupos, as perguntas deveriam
bliografias e fotografias atuais. A investi- trazer subsídios para compreender as se-
gação das referidas fontes foi guiada pelo guintes questões: Existe ou não reminis-
delineamento do tempo histórico de lon- cência dos antigos atributos histórico-cul-
ga duração, assim compartimentado: o le- turais do Istmo no passado?; Caso exista
vantamento documental entre os séculos (ou não) reminiscência desses atributos do
XVI – XIX, e o levantamento documental passado, quais são os valores e significa-
entre os séculos XX e XXI. O levantamen- dos do Istmo hoje para os grupos em ques-
to das fontes históricas dos dois recortes tão?; Até que ponto os relatos orais podem
temporais foi realizado em bibliotecas e nos aproximar dos valores e significados
arquivos das cidades de Olinda e Recife. do passado atribuídos ao Istmo e refletir
O levantamento entre os séculos XVI – como os valores atuais podem remodelar
XIX consistiu em fontes bibliográficas, im- a memória?
pressos históricos de viajantes, crônicas e A etapa seguinte, referente à leitura da
diários de guerras, além da iconografia forma urbana, seguiu os elementos de sua
sobre o Istmo de Olinda e Recife, desde o estrutura urbano-ambiental: estrutura físi-
início da fixação portuguesa até a consoli- ca e estrutura ativa. Para tanto, foi adota-
dação das principais estruturas urbanas das do como mapa-base o UNIBASE e foto-
cidades nos oitocentos. O levantamento grafias atuais. A leitura foi efetivada após
documental entre os séculos XX e XXI a definição da área objeto de estudo, em
centrou-se em fontes bibliográficas de cinco visitas ao local. As visitas foram pre-
folcloristas, jornais, revistas, relatórios de viamente estruturadas de acordo com cada
engenheiros, legislação de proteção, além um dos levantamentos, e as informações
da iconografia da época, que trata das re- a serem colhidas seriam registradas em
formas do Porto do Recife iniciadas no co- mapas e fichas de campo. 239
Anais | Congresso Abracor 2009
Organizadas as fontes documentais, pro- rativa histórica das fontes primárias impres-
cedeu-se à verificação da consistência e a sas e das fontes secundárias. Assim, por
interpretação das fontes pesquisadas. Tal meio da interpretação das fontes, foi possí-
confronto representou uma das principais vel identificar os sentidos do Istmo segundo
etapas da pesquisa, por ser o momento de as seguintes temáticas e recortes temporais:
levantar hipóteses e estabelecer chaves Porto e defesa (séc. XVI-XVIII); Caminho e
temáticas acerca das inflexões da história e porto (séc. XVIII-XIX); Barreira e extensão do
dos sentidos adquiridos pelo istmo no tem- porto (séc. XIX-XX); Paisagem cultural (me-
po. Portanto, um questionamento central tade do séc.XX).Outras chaves temáticas
surgiu: quais os possíveis sentidos históri- puderam ser identificadas a partir das fon-
co-culturais que identificam o lugar e quais tes: mitos e lendas, celebrações religiosas e
as transformações efetivadas com a refor- profanas e a legislação de proteção.
ma do porto no início do século XX? Nessa Feita a identificação do bem, constatada
fase, todas as diferentes naturezas das fon- a sua autenticidade e integridade, foi dada
tes históricas foram contextualizadas e con- sequência ao projeto para a produção do
frontadas a fim de serem verificadas as website, acessível em www.ceci-br.org/ist-
múltiplas formas de compreensão do lugar, mo. O projeto gráfico e literário do site
de modo a preparar a interpretação. consistiu na transposição do conteúdo rea-
Defesa, caminho, ribeira, porto, ritual são lizado para a identificação do patrimônio
palavras encontradas na documentação. cultural para linguagem midiática e
Eram significados – atribuídos pela socie- informacional, mediante realização de ajus-
dade urbana de Olinda e Recife –, que se tes e complementações no texto e na
relacionam entre si, possibilitando a com- iconografia.
preensão dos sentidos escondidos na nar-

3. Avaliação dos resultados obtidos


A aplicação dos procedimentos lembrar que essa definição está diretamen-
metodológicos de identificação ao Istmo de te ligada aos recursos financeiros destinados;
Olinda e Recife permitiu constatar a
pertinência e efetividade da metodologia - O nivelamento e a integração da equi-
proposta. Porém, alguns cuidados para a pe, dado que os quatro procedimentos
correta e proveitosa aplicação dos passos precisam estar inter- relacionados na defi-
propostos e testados cabem ser nição da autenticidade, da integridade e
explicitados: do valor.

- O conhecimento prévio do patrimônio A avaliação positiva dos passos


cultural a ser identificado, de modo que metodológicos refere-se apenas à identifi-
ajustes e estratégias de execução sejam cação. Quanto à autenticação, as experi-
realizados a contento. O método históri- ências realizadas pelo CECI ainda não per-
co, portanto, deve ser iniciado antes dos mitem avaliar sua eficácia. Todavia, os
demais, ainda que possa haver situações estudos realizados para a indicação dos
em que seja mais pertinente iniciar por um procedimentos são válidos e pertinentes,
dos outros métodos. Tal situação pode ser ficando indicada uma proposta que deve
a de um patrimônio cultural que não pos- ser testada em outra oportunidade.
sui acervo histórico documental suficien- Cabe ainda salientar, que o estudo de
te e consistente; identificação e autenticação do patrimônio
cultural fizeram transparecer a importân-
- A aplicação de pelo menos três dos qua- cia de um sistema de monitoramento e
tro procedimentos integrantes da controle da autenticidade e da integrida-
metodologia é necessária para assegurar a de. A montagem desse sistema fica como
consistência da identificação do outra indicação de estudo a fazer. Assim,
patrimônio; pode-se dizer que os procedimentos
metodológicos estabelecidos dão conta da
- A definição clara e precisa do estudo e identificação do patrimônio cultural, de-
do produto a ser realizado, o que significa vendo ser aperfeiçoados à medida que os
a determinação do nível de detalhamento, estudos sobre o processo de autenticação
tamanho e perfil da equipe, equipamen- e o sistema de monitoramento e controle
tos necessários e tempo de execução. Cabe forem sendo desenvolvidos e testados.

240
Anais | Congresso Abracor 2009
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242
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GOMES, Gabriela de Lima,
Comunicação Social, Mestre em Artes, Universidade Federal de
Minas Gerais, Professora do Departamento de Fotografia, Teatro
e Cinema da Escola de Belas Artes

1
GOMES, 2008.
Reconhecer o risco - estratégia utilizada no arquivo 2
PAVÃO, 1997.

fotográfico da Rádio Nacional

Ver o arquivo de provas fotográficas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro é reviver a


“Época de Ouro do Rádio”, constatar sua importância documental e crer que ações de
preservação e acesso deverão ser tomadas. Por meio da investigação pautada na Ciên-
cia da Conservação desenvolvemos o diagnóstico do estado de conservação do acer-
vo, os protocolos de gerenciamento de risco e a proposta de digitalização. Ao ampliar
o acesso deste arquivo, permitimos que ele fosse revisto e reencontrado, potencializando
a pesquisa teórico-prática e transformando-a em um piloto incentivador para uma po-
lítica de divulgação do patrimônio cultural. Pois preservar é também comunicar, per-
petuar e propagar a memória.

To see the archive of photographic proofs of Rio de Janeiro’s National Radio is


to revive the “Radio’s Golden Age”, to ascertain its documental importance and to
believe that preservation and access actions must be taken. We intend with this
investigation according Conservation Science to produce the diagnosis of the collection’s
conservation state, the risk management and to purpose the digitalization practice.
When we make public the archive access we intend it was reviewed and recovered,
enlarging the theoretical-practice research and becoming it as a stimulating pilot for a
cultural heritage access and publicity policy. For preserving is also communicating,
perpetuating and propagating memory.

PALAVRAS-CHAVE:
Preservação fotográfica, arquivos marginais, gerenciamento de risco, digitalização

Apresentaremos neste artigo o diagnóstico e a metodologia de gerenciamento de


risco aplicados no arquivo de fotografias da Rádio Nacional.
A investigação do material fotográfico, do ambiente e da instituição possibilitou encon-
trar evidências que nos revelaram os motivos que causaram e causam a degradação do
Arquivo.

Introdução
Encontrar arquivos de fotografias ou docu- A curiosidade em conhecer as fotografias
mentos institucionais carregados de valor das Rainhas do Rádio foi o estímulo para o
patrimonial não é difícil na atualidade. Insti- reconhecimento deste patrimônio documen-
tuições públicas e privadas, das mais diver- tal. O reencontro com um Arquivo que se
sas funções, produzem e acumulam docu- mantém à margem da instituição Rádio Na-
mentos textuais, iconográficos e digitais. E, cional do Rio de Janeiro. À margem, por
na maioria das vezes, tais instituições, não que sua produção é, exclusivamente, sono-
sabem como cuidar desta produção. ra.

O objeto

Partiremos com uma sucinta apresenta- de 1940 e 1960. As ampliações foram feitas
ção do objeto de estudo e seu estado de em papel revelação 2 . A estrutura é constitu-
conservação, seguidos dos gráficos resul- ída por substâncias orgânicas e inorgânicas
tantes do diagnóstico. sobrepostas em camadas: o suporte de pa-
O recorte privilegiou as provas fotográficas pel, uma camada de barita e a emulsão foto-
em preto e branco registradas entre os anos gráfica, mistura de gelatina e prata filamentar. 243
Anais | Congresso Abracor 2009
3
MURCE, 1976, p.71.
4
Edna Dantas concedeu
entrevista à pesquisado-
ra no dia 9 de abril de
2007 na Rádio Nacional
do Rio de Janeiro.
5
Disponível em: <http://
www.cbmerj.rj.gov.br>.
Acesso em: mar. 2007.
6
SAROLDI, 2005, p.
192.

O contexto
A Rádio Nacional do Rio de Janeiro é re- foi idealizado em 1980, durante a gerência
conhecida por ter sido responsável pela de Jorge Guimarães Marcelo, com o propó-
transformação da vida social dos brasilei- sito de reintegrar o acervo doado ao Museu
ros ao produzir mitos populares. Renato da Imagem e do Som do Rio de Janeiro 6 .
Murce 3 afirma que “a Rádio Nacional foi Alberto Luiz da Silva Santos, auxiliar admi-
a própria essência do rádio no Brasil por nistrativo, realiza pesquisas para a progra-
cerca de duas décadas”. mação da emissora e às terças e quartas-
O edifício “A Noite”, Praça Mauá, n°7, feiras de 14 às 17 horas recebe visitantes e
abriga, até hoje, a emissora. Instituição le- consulentes.
gislada pelo Governo Federal e pertencen- Estão registradas no controle de catalo-
te à Radiobrás (Empresa Brasileira de Ra- gação do arquivo fotográfico da Rádio Na-
diodifusão), ligada à Presidência da Repú- cional 494 imagens, sendo que 313 foto-
blica por meio da Secretaria de Comuni- grafias foram catalogadas entre 1982 e
cação de Governo e Gestão Estratégica. 1984 e as outras 181 foram catalogadas
Edna Dantas 4 , chefe do Escritório Regi- em 2003. Desse total, 46 imagens estão
onal da Rádio Nacional, relata sobre a pre- desaparecidas e 7 são fotografias em co-
ocupação da instituição em conservar suas res pós 1970. Logo, fizeram parte da pes-
coleções, no entanto, não existe verba quisa 441 imagens.
dedicada à manutenção das coleções. O arquivo de provas fotográficas foi for-
Em uma sala no 21° andar do edifício mado a partir de imagens produzidas por
“A Noite” região portuária e tráfego inten- fotógrafos que acompanhavam a progra-
so está guardado o arquivo fotográfico da mação da Rádio e por doações realizadas
Rádio Nacional. Edifício equipado com pelos artistas e produtores dos programas
escadas externas e brigada de incêndio. radiofônicos.
Tanto a portaria do edifício, quanto a da O estado de conservação é preocupante
emissora possuem vigilância. Segun- devido à manipulação e acondicionamen-
do o Corpo de Bombeiros Militar do Esta- to. As fotografias estão montadas em pas-
do do Rio de Janeiro 5, o edifício “A Noi- tas de argola fixadas em cartolinas ácidas
te” não sofreu nenhum tipo de desastre com cantoneiras de fita adesiva, além de
ambiental ou criminoso. apresentarem diversas intervenções ocor-
O setor de pesquisa da Rádio Nacional ridas durante os anos de uso.

244
Anais | Congresso Abracor 2009
O resultado do diagnóstico
Após o diagnóstico de cada elemento as encontradas em três situações de de-
fotográfico da Rádio Nacional, passamos gradação: por intervenção, por manipu-
a ter uma visão geral sobre o Arquivo. lação e ambiental. Os gráficos, a seguir,
Com o intuito de esclarecer o estado apresentam o resultado deste levanta-
de conservação dividimos as ocorrênci- mento.

O gráfico acima apresenta as intervenções o nome dos participantes da cena da foto-


realizadas no Arquivo, tais como: procedi- grafia, a data, o fotógrafo e o contexto.
mentos adotados para indexação, identifi- Verificamos também que um terço das
cação dos personagens, montagem em pas- provas sofreram pequenos reparos, no de-
tas argola e consolidações de rasgos e fra- correr dos anos 27 anos de uso, sem os
turas. Cerca de 87% das imagens foram devidos cuidados e conhecimentos espe-
registradas com o carimbo da instituição e cíficos. Além disso, as provas fotográficas
anotação a caneta no suporte; muitas delas foram montadas com material ácido e ar-
apresentam informações incompletas como ranjadas em pastas de argola.

Constatamos no gráfico acima que pulação sem luvas.


mais da metade das provas apresenta vin- A presença de sujidade ocorre em 100%
cos e abrasões decorrentes do uso contí- do Arquivo devido à poeira proveniente da
nuo e descuidado e um oitavo delas têm manipulação e localização, tráfego intenso
manchas de dedos recorrentes de mani- e região portuária.

245
Anais | Congresso Abracor 2009
7
HANDBOOK: Risk
management A realização do diagnóstico do estado de indícios de sulfuração e/ou mau
guidelines. Joint
Australian/New
conservação das provas fotográficas da Rá- processamento. Apesar dos vasos de plan-
Zealand Standard, AS/ dio Nacional nos revelou que, mesmo com tas da sala de guarda, meio facilitador à
NZS 4360, 2004.
as flutuações recorrentes da umidade relati- proliferação de insetos, não encontramos
va e da temperatura, o Arquivo apresenta furos ou marca de roedores e apenas cin-
uma pequena parte das possíveis caracterís- co imagens possuem excrementos de in-
ticas de degradação decorrentes da falta de setos. Tal evidência demonstra que nem
controle ambiental. Como a proliferação de sempre o meio ambiente com temperatu-
fungos, craquelês e ondulações. ra e umidade relativa inadequadas é o prin-
As características mais recorrentes foram cipal causador da degradação.
manchas e amarelecimento, que podem ser

O reconhecimento do risco
Após o reconhecimento da política ca onde as fotografias estão alocadas não está
institucional; das características ambientais ameaçada pelas forças físicas da natureza;
e urbanas da região e do bairro; estruturais 2. CRIMINOSO - podemos apontar como
do edifício; as condições climáticas da sala um fator problemático a falta de segurança
de guarda; o armazenamento e o acondici- do acervo quando disponível a consulta.
onamento do arquivo e seu o estado de con- Segundo os dados apresentados acima, 46
servação seguiremos com alguns dos proce- imagens foram roubadas da seção durante
dimentos metodológicos de gerenciamento seus 25 anos de existência;
de risco. 3. FOGO - o edifício possui brigada de
De acordo com o guia Risk Management incêndio;
Guidelines7 , o termo “gerenciamento de 4. ÁGUA - a tubulação de água é exter-
risco” significa a compreensão da cultura, na ao prédio;
dos processos e das estruturas, do objeto 5. PESTE - apenas 1,11% das provas
inserido na instituição, a fim de detectar apresentam danos causados por insetos ou
as oportunidades potenciais e administrar roedores;
os efeitos adversos. 6. POLUENTES - a poluição e o
Metodologias baseadas em tabelas com processamento inadequado são dois fato-
estimativa de vida e escalas com valores de res a serem considerados, pois
risco foram desenvolvidos nos últimos anos contabilizamos um terço das imagens com
para facilitar a administração das coleções. amarelecimento;
ABC risk assessment scales for museum 7. LUZ/UV - as provas da emissora não
collections¬, criada por Stefan Michalski em são utilizadas em exposições e estão acon-
2006 apresenta uma escala baseada em per- dicionadas em pastas com proteção;
guntas em relação à coleção, tais como: 8. TEMPERATURA - a temperatura da
A: Com que rapidez e com que frequência sala de guarda não sofre fortes alterações;
a degradação ocorre? 9. UMIDADE RELATIVA - a variação da
B: Quanto de valor é perdido em cada umidade não alcança as provas fotográfi-
objeto afetado? cas a ponto de originar craquelês e despren-
C: Quanto do valor total do arquivo é dimento da gelatina do suporte de papel;
afetado? 10. DISSOCIAÇÃO - uma causa bastan-
Cada resposta possui um valor pré-de- te preocupante é quanto ao contexto das
terminado e o resultado da soma dos valo- imagens, que não foi descrito durante sua
res das respostas A, B e C nos demonstra- produção e hoje fica à mercê de lembran-
rá os riscos mais eminentes. ças de funcionários ou pessoas remanes-
Os 10 possíveis agentes de degradação centes que vivenciaram a época áurea da
identificados no arquivo de fotografias da emissora, ocasionando no futuro a
Rádio Nacional foram: dissociação informação.
1. FORÇAS FÍSICAS - a região geográfi-

246
Anais | Congresso Abracor 2009
A análise do cenário nos evidenciou que os fatores de maior preocupação são a ação
criminosa, os poluentes, a manipulação e a dissociação da informação.

A: Com que rapidez e com que frequência a degradação ocorre?

As provas fotográficas da Rádio Nacional estão disponíveis ao público desde 1982,


quando foram indexadas e montadas em pastas de argola. Assim, concluímos, com base
na análise da média dos gráficos de degradação, que em 25 anos:
• 86% das imagens foram carimbadas e têm inscrições no verso;
• 20% do arquivo sofreu intervenções com fita adesiva, e 40%, com cola;
• 38% têm perda na emulsão;
• 80% das imagens apresentam danos em decorrência da manipulação excessiva.
Tais evidências nos fazem compreender que a frequência de degradação ocorre
em cerca de um ano ou menos. [A = 5]

B: Quanto de valor é perdido em cada objeto afetado?

Apesar das perdas demonstradas no gráfico de degradação por manipulação (GRÁFI-


CO 2), não podemos considerar que os objetos tiveram seus valores decrescidos, pois
todas as imagens ainda podem ser visualizadas. Perda de valor apenas notável. [B = 2]

C: Quanto do valor total do arquivo é afetado?

Podemos dizer que parte significativa das provas fotográficas da Rádio Nacional foi
afetada por algum tipo de intervenção ou sofre até mesmo danos causados pelo meio
ambiente. [C= 4]

A+B+C=11

Entendemos que compreender a realidade da instituição e o contexto é primordial


para a proposição e execução, do ponto de vista financeiro e pessoal, de uma política
de organização e gerenciamento do arquivo.

247
Anais | Congresso Abracor 2009
Ao conferirmos a magnitu-
de de risco verificamos que as
provas fotográficas da Rádio
Nacional possuem alta priori-
dade. Ou seja, perda significa-
tiva de valores no período de
uma década ou perda total em
cem anos. Estes valores são
comuns em instituições onde
a conservação preventiva nun-
ca foi prioridade ou onde pre-
ciosos artefatos estão expostos
em locais de fácil roubo.
Para ampliar o acesso des-
te Arquivo, permitir que ele
seja revisto e reencontrado
sugerimos a elaboração de
um protocolo de digi-
talização potencializando a
pesquisa teórico-prática e
transformando-a em um pilo-
to incentivador para uma po-
lítica de divulgação do
patrimônio cultural.
No entanto, é preciso real-
çar que a realização da
digitalização requer atenção
especial para as normas de
captação da imagem e
armazenamento das cópias
digitais. A preservação digital
é de extrema importância.
Devemos ficar atentos e
acompanhar as transformações
tecnológicas, pois a obsolescência do materi- das provas fotográficas da Rádio Nacional
al eletrônico é rápida. A revisão deve aconte- e criar um Arquivo digital “vivo”,
cer no tempo máximo de cinco anos, mas circulante, que não se torne “morto”, es-
recomenda-se uma revisão anterior a esse pra- tanque, guardado em discos rígidos e
zo. DVDs. Conhecer, reconhecer, preservar,
Pretendemos com as ações do reencon- divulgar, publicar, prover acesso e usar as
tro e da digitalização preservar o Arquivo imagens é a prioridade desta pesquisa.

Bibliografia
BESSER, H. Digital longevity. In: SITTS, Maxine (Ed.). Handbook for digital projects: a management tool for preservation and access.
Andover MA: Northeast Document Conservation Center, 2000. p. 155-166.
GOMES, Gabriela de Lima. Ver para crer: um novo olhar para os arquivos fotográficos. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de
Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
PAVÃO, Luís. Conservação de coleções de fotografia. Lisboa: Dinalivro, 1997.
PEDERSOLI, José Luis. Principles of risk management. Apresentação Safeguarding Sound and Image Collections. ICCROM, Internatinal
Course. Brasil, 2007.
MICHALSKI, Stefan. Scales for Calculating Magnitude of Risks. Apresentação Preventive Conservation: ReducingRisks to Collections.
ICCROM-CCI, International Course. Canadá, 2006.
MURCE, Renato. Bastidores do Rádio: fragmentos do rádio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro: Imago Editora LTDA, 1976.
SÚÑIGA, Solange Setta Garcia. Divagações mais ou menos contemporâneas acerca das coleções de imagens. In: Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – Fotografia, n° 27, 1998.
248
Anais | Congresso Abracor 2009
Markus Wilimzig
Biólogo, Dr. rer nat.
Consultor para análises de danos nos Monumentos Históricos

Análises de problemas pós-restauração

Após o término da restauração da Antiga Igreja Matriz de Dois Irmãos, Rio Grande
do Sul, apareceram manchas pretas em vários pontos das suas paredes internas. A
origem dessas manchas está nas eflorescências salinas de carbonato de magnésio.
Com as análises, também foram constatadas altas concentrações de sais das formas
nitrato de magnésio e nitrato de sódio. A distribuição desses sais é diferente nas áreas
pretas e nas áreas sem preto.

After finishing the restoration of the church Antiga Igreja Matriz at the city of Dois
Irmãos in Rio Grande do Sul, Brazil, was noticed the appearance of different areas
with black coloration. This thin black crust consists of magnesium carbonate. Also
have been analyzed high concentrations of magnesium and sodium nitrate salts at
various places of the walls. The concentrations of these salts were different in black
and non black areas.

Introdução

Os monumentos históricos edificados acurado no caso de uma restauração.


normalmente sofrem danos ao longo do Entre os anos de 1995 e 2006, foi res-
tempo de sua vida. Esses danos, muitas taurada a Antiga Igreja Matriz de Dois Ir-
vezes, são originados do meio-ambiente. mãos e, após o término da restauração,
Exemplos disso são: a falta de manuten- apareceram manchas pretas em vários pon-
ção, o uso de materiais não adequados, a tos das suas paredes internas. A origem
mudança de função do ambiente, entre dessas manchas não está clara; poderiam
outros. Cada caso apresenta diferentes pro- ser fungos ou eflorescências salinas. As se-
blemas. Tudo isso precisa atenção e olhar guintes fotos demonstram essas manchas.

Figuras 1 e 2: exemplos das áreas pretas.

As seguintes observações podem ser feitas: as manchas começaram aparecer 3 sema-


nas depois do término da pintura e continuaram a aumentar a partir desse tempo. As
manchas pretas são localizadas até dois metros de altura em todas as paredes da igreja.

Materiais e métodos
Para as análises de sulfato e nitrato, foram tos da microscopia eletrônica foram feitos
usados Teststäbchen da empresa Merck. O no Institut für Werkstofftechnik / Amtliche
cloreto foi analisado com nitrato de prata. Materialprüfungsanstalt, em Bremen, Alema-
Os demais sais foram analisados com méto- nha com Dr. Herbert Juhling. Para os ensai-
dos microquímicos. A umidade das provas os microbiológicos, as provas foram diluí-
foi analisada com o método de Darr. As aná- das em NaCl 0,9% e as diluições distribuí-
lises de refratometria de raios-X como as fo- das nas placas de Nutrient Broth.
249
Anais | Congresso Abracor 2009
Resultados e discussão
A primeira análise das camadas de re- uma camada consistente de Mg, O e C na
boco demonstrou os seguintes resultados: cor preta; e segundo, uma contaminação
O reboco foi aplicado em uma ou duas com sais nitratos.
mãos e depois foi colocada uma camada Primeiro: a análise de refratometria de
de reboco fino, como fundo da tinta. To- raios-X mostrou que a camada preta con-
das as argamassas são de cal-dolomita. tém só os íons de magnésio, oxigênio e
Acima da argamassa fina, constata-se a carbonato, como a figura 5 demonstra:
camada preta, como se pode ver na figura
3. A tinta foi feita à de base de cal com
adição de cola branca e pigmento.

Figura 3: camadas de reboco e camada fina e vistas transversal-


mente (Herbert Juhling, MPA Bremen).

Os ensaios começaram com a pergunta:


Figura 5: ensaio de refractometria de raios-X da camada preta
A camada preta é de origem biológica ou (Herbert Juhling, MPA Bremen).
química? Foram analisadas duas provas da Com esses dados, a camada preta pode
superfície preta e sem preto com métodos ser uma camada de sais de magnésio. O
microbiológicos. Com 7,6 x 10³ células de único sal de magnésio de cor preta é o
micro-organismos heterotróficos por grama carbonato de magnésio - MgCO 3. O
material (área preta) e 9,9 x 10³ células magnésio pode ter origem na argamassa
por grama material (área sem preto), cons- de cal-dolomita. Essa camada de magnésio
tatou-se não haver diferenças dentro des- não pôde ser analisada nas áreas sem pre-
sas duas provas. Além disso, a quantidade to, que mostram só os íons de argamassa
das células pôde ser avaliada como mais cal-dolomita, como demonstra a figura 6:
baixa do que a média normal de 1,1 x 104
células por grama material (Wilimzig e
Bock, 1995).

Também as imagens da microscopia ele-


trônica não demonstram células na super-
fície das provas (figura 4).

Figura 6: ensaio de refractometria de raios-X da camada da área


sem preto (Herbert Juhling, MPA Bremen).

As análises do segundo problema da


contaminação com sais nitratos darão os
seguintes resultados, figura 7:

Figura 4: superfície da prova da área preta (Herbert Juhling, MPA


Bremen).

A segunda possibilidade da origem da


cor preta é de processos químicos. Para
verificar isso, as provas foram analisadas as
concentrações de diversos sais e também
Figura 7:
com refratometria de raios-X. Com essas resultados
análises, foram identificados dois maiores das análises de
sais nas paredes.
250 problemas nas paredes da igreja. Primeiro,
Anais | Congresso Abracor 2009
Esses resultados demonstram que, nas áre-
as pretas, na superfície (tinta e reboco), as
concentrações de sais nitratos podem ser
avaliadas como muito altas (até 18.000 ppm
por grama material). Ao contrário, as partes
mais profundas como o barro das juntas e o
arenito contêm médias e baixas concentra-
ções desses sais.
Nas áreas sem preto, na figura 7, cha-
madas de áreas brancas, a distribuição dos
sais é diferente. Aqui se encontram, na
superfície (tinta e reboco), médias e bai-
xas concentrações de sais; e, na parte mais
profunda, altas concentrações (até 32.000
ppm no barro das juntas); e médias con-
centrações no arenito.
Isso pode significar que, nas áreas pre- Figura 9: distribuição da umidade dentro da profundidade da
parede.
tas, os sais foram transportados para a su-
perfície e, nas áreas sem preto, os sais per- A análise da máxima absorção de água
manecem na profundidade da parede ou do arenito demonstra que essa pedra pode
podem ser transportados, no futuro, até a absorver água até 6 % do seu peso. Isso
superfície, dependendo da umidade da significa que as provas contêm, na média,
parede. cerca de 50 % do valor máximo. Só numa
Em todas as provas, foram identificados profundidade de 15 cm essa umidade au-
como ânions Na+ e Mg2+. O nitrato de sódio menta. Esse resultado pode significar, que
tem o ponto de equilíbrio da umidade en- a umidade das paredes origina-se do tem-
tre 73 % e 75,4 % de umidade relativa; e po em que a igreja estava em ruínas e sem
os sais de nitrato de magnésio têm esse telhado. A igreja é construída acima de
ponto entre 50,3 % e 54,4 % (Nägele, uma rocha e não tem fontes embaixo das
1992). Essas faixas ocorrem dentro da fundações. Por isso, esses fundamentos não
umidade relativa que acontece no ambi- têm muita umidade.
ente interno da igreja. Com isso, muitas As análises de provas das paredes da
vezes, os sais mudam entre a forma crista- igreja demonstram que existem dois pro-
lina e a líquida, e essa mudança provoca a blemas. Primeiro, uma contaminação com
deterioração do reboco das paredes, como sais de nitrato de magnésio e nitrato de
pode ser visto na diferentes áreas (ver fi- sódio. Esses sais acumulam-se nas áreas
gura 8). pretas na superfície, dentro do reboco, e
na camada preta. Nas áreas sem preto, os
sais podem ser localizados nas profundi-
dades das paredes, dentro do barro das
juntas e no arenito. O segundo problema
é a camada preta que se origina dos sais
da forma carbonato de magnésio e não do
crescimento de micro-organismos.
Como a quantidade de sais e de umida-
de nas paredes é limitada, é possível fazer
uma dessalinização, que ainda não foi fei-
Figura 8: área com eflorescências de sais nitratos na parede sul.
ta. Como outros ensaios não descritos aqui
As análises da distribuição da umidade demonstram, a camada preta tem uma
nas paredes indicam que as paredes con- baixa solubilidade em água. Talvez seja
têm médias quantidades de umidade, possível reduzir a cor preta com a
como a figura 9 demonstra: dessalinização.

Bibliografia
Wilimzig M., E. Bock (1995): Endangerement of mortars by nitrifiers, heterotrophic bacteria and fungi. Biodeterioration and
Biodegradation 9:195-199.
Nägele E.W. (1992): Die Rolle von Salzen bei der Verwitterung von mineralischen Baustoffen, WTA – Schriftenreihe Heft 1.
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Anais | Congresso Abracor 2009
SAWITZKI, Roberto Luiz
Arquiteto.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do RS

O ESTUDO DA ADIÇÃO DA MUCILAGEM DE CACTOS


ÀS ARGAMASSAS HISTÓRICAS NO MUNICÍPIO DE
PIRATINI/RIO GRANDE DO SUL, BRASIL.

O homem desde seus primórdios aproveitou os recursos naturais para melhorar as


propriedades físico/químicas dos materiais utilizados em suas construções. Dentre es-
tas utilizações existem relatos orais sobre a incorporação de cactos às argamassas,
quando da construção dos prédios históricos no município de Piratini no Estado do Rio
Grande do Sul, basicamente nos séculos XIX e XX. Este estudo possui dois objetivos os
quais são o de estabelecer através de ensaios laboratoriais o traço mais provável (basi-
camente cal, areia e silte) em massa e em volume das argamassas dos prédios tomba-
dos em nível estadual e, comprovar se realmente existem benefícios na adição da
mucilagem de cactos às argamassas e quais são. Uma vez comprovado os benefícios de
sua adição, esta tecnologia poderá ser utilizada na elaboração das argamassas para a
restauração dos prédios históricos.

PALAVRAS-CHAVE:
Argamassa, Revestimento,Restauração Metodologia, Aditivos Orgânicos.

On its life trajectory, mankind has always appropriate the benefits of using the resources
offered by nature. Man learned therefore how to make use of natural resources, in order
to improve the physical and chemical properties of the materials used in its buildings.
Among the uses of organic additives, there are oral accounts about the incorporation of
the cactus into mortars used for the construction of historic buildings in the municipality
of Piratini, situated in the State of Rio Grande do Sul, basically during 19th and 20th
centuries. The present survey has two main objectives: The first one is to establish,
through laboratorial tests, the most probable composition (basically lime, sand and silt)
of those mortars used in the buildings under state protection, both in mass and in volu-
me. The second one is to prove whether there are in fact benefits in the addition of
cactus to those mortars and, if they exist, which they are. As soon as the benefits of this
addition are proved, the technology can be employed in the elaboration of mortars that
will be used to fill in the gaps existing in historic buildings.

KEY WORDS:
Mortar, Rendering, Restoration, Methodology, Organics Additives.

INTRODUÇÃO:
A existência de relatos orais sobre a adi- da desapropriação da sesmaria de José
ção de mucilagem de cactos às argamas- Antônio Alves (Almeida, 1997, pg. 15).
sas elaboradas para as primeiras constru- Esta sesmaria foi dividida em 48 datas de
ções executadas no município de Piratini, campo as quais foram doadas a casais aço-
Estado do Rio Grande do Sul, foi o mote rianos para ali se fixarem e cultivarem as
inicial desta pesquisa. O Estado do Rio terras, não podendo vendê-las por no mí-
Grande do Sul foi colonizado pelos portu- nimo cinco anos. Quando da declaração de
gueses a partir do séc. XVIII. A cidade de Independência do Rio Grande do Sul, que
Piratini surgiu no final do século através aconteceu durante a Revolução Farroupilha 253
Anais | Congresso Abracor 2009
(1835 e 1845), Piratini tornou-se sua pri- mistura dos componentes das argamassas
meira capital, permanecendo no ideário históricas de Piratini ocasionou uma série
popular rio-grandense-do-sul como a capi- de orientações técnicas incorretas nas obras
tal deste período revolucionário. Devido ao de restauro, acarretando acréscimo às pato-
ocaso sofrido após o final da guerra, e prin- logias existentes. A comprovação da adição
cipalmente durante o séc. XX, a cidade dos cactos às argamassas foi obtida com
manteve seu centro histórico relativamente antigo construtor local, que ouviu de seus
íntegro. Seu centro histórico possui o mai- mestres pedreiros referências sobre a utili-
or número de prédios tombados na esfera zação de cactos nas argamassas, porém es-
estadual do interior do estado, bem como tes não especificaram os benefícios da uti-
três bens tombados em nível federal além lização deste aditivo orgânico. Esta espécie
de dezenas de prédios tombados em nível é popularmente conhecida como tuna
municipal. No âmbito municipal, as tenta- colunar (foto 05), identificada cientificamen-
tivas para preservação do patrimônio histó- te como “Cereus
rico iniciam-se em 1952 com a aprovação hildmaniannus”(Scheinwar, 1985, pg.
da Lei n0 13/52, que institui os imóveis de 105), porém não havia comprovação cien-
interesse cultural para preservação. Esta le- tífica de seus benefícios. Os ensaios neces-
gislação protetora inicial decorre da visão sários para a comprovação dos seus benefí-
preservacionista do arquiteto Francisco cios foram estabelecidos em duas etapas,
Riopardense de Macedo, ocasionando a sendo a primeira a identificação da propor-
criação do primeiro Plano Diretor no Esta- ção de mistura tanto em massa como em
do do Rio Grande do Sul com delimitação volume da argamassa dos prédios
de um centro histórico, contando também pesquisados (basicamente cal, areia e argi-
com listagem de imóveis de interesse cul- la, ou silte). Para a comprovação dos bene-
tural e regramento para novas edificações. fícios da adição da mucilagem de cactos
Posteriormente, no ano de 1984 foi apro- foram elaborados corpos-de-prova com ar-
vada a lei nº 767/84, que delimita o cen- gamassa de cal e areia com e sem a adição
tro histórico, bem como disciplina o uso e da mucilagem de cactos.
ocupação do solo no mesmo. Os corpos-de-prova com mucilagem fo-
As construções do centro histórico de ram elaborados com dois percentuais de
Piratini possuem como técnica construti- massa verde incorporada, também visan-
va predominante a alvenaria de pedra ou do uma comparação entre resultados.
tijolos, com assentamento em argamassa Devido à ausência de normatização no
de barro, ou cal e areia. Porém, todos os âmbito nacional, para alguns ensaios foi
prédios pesquisados, em número de 13, necessária a utilização de normas de paí-
apresentam revestimento em argamassa de ses como Portugal e Itália, bem como em
cal e areia. casos específicos as normas brasileiras ti-
O desconhecimento das proporções de veram que sofrer pequenas adaptações.

METODOLOGIA:
No princípio da pesquisa foi realizada a tórica. Após essa etapa foram elaborados
coleta das amostras e a identificação da es- os corpos-de-prova para a realização dos
pécie de cactos utilizada na elaboração das ensaios finais. Observado o período neces-
argamassas históricas. Para a coleta das ar- sário para carbonatação dos corpos-de-pro-
gamassas históricas foi elaborado um va, foram realizados os ensaios finais (En-
extrator composto por um cilindro metáli- saio de Resistência à Compressão Axial,
co dentado, o qual foi girado contra os Ensaio de Tração por Compressão Diametral
rebocos, retirando-se as amostras, as quais (Ensaio Brasileiro), Massa Unitária –
foram colocadas em recipientes apropria- Picnômetro de Hubbar, Ensaio de Absorção
dos e identificadas (foto 01). Em seguida por Capilaridade, Ensaio de Porosidade à
foram iniciados os ensaios para determi- Água, Envelhecimento Acelerado com
nar o traço, a granulometria da areia e o Na2SO4) e, finalmente, a análise dos resul-
ataque dos sais solúveis na argamassa his- tados.

OS ENSAIOS PARA DETERMINAR O TRAÇO E A AGRESSÃO DOS SAIS SOLÚVEIS


Os ensaios foram realizados nos labora- quisa de Mestrado, sob orientação do Prof.
tórios do Núcleo de Tecnologia da Preser- Mario Mendonça de Oliveira.
vação e da Restauração (NTPR), ligado à Para a determinação do traço mais pro-
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da vável de cada amostra pesquisada (nume-
Universidade Federal da Bahia, como pes- ro total de amostras pesquisadas = 36)
254
Anais | Congresso Abracor 2009
iniciou-se pela sua trituração e em seguida porada em um Béquer contendo 100 ml de
colocadas para secar em estufa a 75º C por água deionizada, agitada com um bastão de
24 horas, pesando-se após 10 g do materi- vidro e, posteriormente filtrada. A parte fil-
al, o qual foi colocado em um béquer de trada foi utilizada para a execução dos tes-
100 ml e atacado por ácido clorídrico dis- tes, sendo que para a constatação da presen-
solvido em água deionizada (foto 02), sendo ça de cloretos, como reagente foi utilizado
depois de filtrado e colocado para secar em acido nítrico (HNO3) e nitrato de prata
estufa. Depois de seco, o material foi pesa- (AgNO3), comparando-se a intensidade de
do e foram realizados os cálculos para ob- turvamento final da água (foto 03). Para os
tenção do traço em massa e volume, consta- nitratos foi utilizado como reagente 1% de
tando-se ao final que o traço médio em mas- difelamina em acido sulfúrico (H2SO4), sen-
sa encontrado nas argamassas históricas foi do a constatação do ataque de sais através
de 1:0: 0,34: 5,05 (cal, silte e areia) e em da comparação da intensidade da cor resul-
volume foi de 1,0: 0,56: 4, 45. tante (foto 04) e, para os sulfatos utilizou-se
Nos ensaios de granulometria constatou- como reagente o Ácido Clorídrico e o Cloreto
se que a areia utilizada foi de média para de Bário verificando o surgimento de preci-
grossa. pitado. Como resultado dessa parte inicial
A constatação da presença de sais solú- da pesquisa constatou-se a presença de
veis (cloretos, nitratos e sulfatos) foi reali- cloretos em todas as amostras, de nitratos
zada através de testes qualitativos. Estes em 72%, porém não foi constatada a pre-
ensaios foram realizados através da pesa- sença de sulfatos em nenhuma das amostras
gem de 10 g da amostra seca, que foi incor- pesquisadas.

OS ENSAIOS FINAIS
A Moldagem dos Corpos-de-Prova

Para a realização dos ensaios, como ormente moldados os corpos-de-prova ob-


metodologia estabeleceu-se a elaboração de tendo-se um total de 22 unidades (foto 06).
três tipos de corpos-de-prova, um somente Para os corpos-de-prova com a adição da
com cal e areia, e dois tipos com adição da mucilagem de cactos foi utilizado procedi-
mucilagem dos cactos Cereus hilmaniannus, mento semelhante na incorporação dos ele-
sendo uma bateria com 30 gramas de mas- mentos secos. Para a obtenção da
sa verde e outra com 60 gramas, visando mucilagem de cactos, este foi triturado
assim obter resultados comparativos nos num liquidificador junto com a água ne-
ensaios a serem realizados. cessária a realização dos ensaios, sendo
Na elaboração dos corpos-de-prova obser- em seguida filtrada e descartada a parte
vou-se o recomendado pela NBR 7215. Para sólida. O líquido obtido (mucilagem) foi
a elaboração das argamassas foram pesados incorporado aos elementos secos para ela-
os elementos secos (cal e areia), sendo os boração da argamassa. Ao constatar-se a
mesmos colocados numa argamassadeira e consistência ideal da argamassa, procedeu-
batidos a seco inicialmente. Em seguida foi se a moldagem dos corpos de prova, se-
adicionada a água na quantidade estipula- guindo as determinações da NBR 7215,
da pela norma e, através do acionamento obtendo-se no final 25 unidades com 30 g
da batedeira, incorporados os elementos, de massa verde e 24 unidades com 60 g
elaborando-se a argamassa, sendo posteri- de massa verde (foto 07).
255
Anais | Congresso Abracor 2009
OS ENSAIOS REALIZADOS E SUAS ANÁLISES
Ensaio de Resistência à Compressão Axial:
Para sua execução todos os corpos-de- pidos corpos-de-prova com os distintos tra-
prova foram inicialmente capeados como ços, ou seja, cal e areia, cal, areia + 30 g
determina a NBR 7215 e a Norma de massa verde e cal e areia + 60 g de
Mercosur NM 77:96. A realização desse massa verde, constatando-se que os cor-
ensaio possibilita medir a resistência de pos com 30 g de cactos apresentaram re-
uma argamassa à compressão, ou seja, sistência superior aos corpos-de-prova com
qual é a sua resistência ao ser aplicada no cal e areia os quais apresentaram resis-
assentamento de uma parede e sua execu- tência superior aos com traço contendo
ção é baseada na NBR 7222. Foram rom- 60 g de massa verde (foto 08).
Ensaio de Tração por Compressão Diametral (Ensaio Brasileiro)
Este ensaio mede a resistência de uma distintos traços, constatou-se que os corpos
argamassa ao arrancamento, ou seja, qual com 30 g de cactos apresentam resistência á
é a sua capacidade de aderência após ser compressão diametral superior aos somente
aplicada como revestimento em uma pa- com cal e areia, apresentando menor
rede (reboco). Para este ensaio o corpo-de- disparidade de resultados. Nos corpos-de-pro-
prova é rompido em seu sentido longitudi- va com 60 g de massa verde também houve
nal e, para a sua realização, é necessário ser disparidade nos resultados e uma resistência
colocado em sua superfície superior uma acentuadamente menor que os corpos-de-pro-
placa de compensado para correta distribui- va com a incorporação de 30 g, e, no geral,
ção de cargas sobre o mesmo. Após a reali- também inferior aos com cal e areia (foto 09).
zação do ensaio com os corpos-de-prova de
Massa Unitária – Picnômetro de Hubbar
Este ensaio consiste na determinação da norma italiana (Normal 4/80). Na análise
massa (volume de cheios) das amostras a dos resultados constatou-se uma semelhan-
partir de uma relação obtida com a massa ça entre as amostras sem adição de cactos
unitária do mercúrio. Devido a isso, e as com 30 g de massa verde, indicando
complementa o ensaio de Porosidade à uma densidade de materiais muito próxi-
Água, já que neste é possível que a amos- mos. A densidade decresceu significativa-
tra possua poros sem comunicação, os mente com a incorporação de mais 30 g
quais ficariam isolados, e não absorveri- de massa verde, (cal + areia + 60 g de
am água, causando falsidade nos resulta- cactos), indicando um aumento conside-
dos. Este ensaio seguiu a metodologia da rável dos poros destas amostras.

Ensaio de Absorção por Capilaridade


Este ensaio consiste em verificar a quan- de água no interior de um aquário visando
tidade de água absorvida por capilaridade a menor interferência externa que poderia
em função do tempo. Neste ensaio, basea- mascarar resultados, pesando-se os corpos-
do na norma italiana Normal – 11/85, a de-prova, em tempos determinados, até o
recomendação é de secar os corpos-de-pro- seu total encharcamento Na análise dos re-
va em estufa a uma temperatura de no má- sultados dos ensaios constatou-se haver
ximo 60° C, pois são corpos-de-prova com uma violenta absorção de água inicial em
aditivos orgânicos e, temperaturas acima todos os corpos-de-prova, sendo que nos
da estipulada podem afetar as característi- de cal e areia a água atingiu o topo mais
cas físicas. Após a secagem os corpos-de- rapidamente em seguida os com 60 g e por
prova foram colocados sobre uma lâmina últimos os com 30 g de cactos.
256
Anais | Congresso Abracor 2009
Ensaio de Porosidade à Água
Este ensaio ocasiona uma relação entre um do como base a Norma 88.26 - jan./71-LNEC
corpo poroso quando totalmente seco e quan- (norma portuguesa), com as alterações
do totalmente úmido. O procedimento usado estabelecidas pelo NTPR. Para a realização
para a realização do mesmo é uma adaptação do ensaio foi saturado com sulfato de sódio
realizada pelo NTPR da NBR 12766, utilizada uma quantidade de água deionizada e, poste-
para rochas de revestimentos. O ensaio consis- riormente, os corpos-de-prova ficaram imersos
te em manter um corpo-de-prova, previamente por 24 horas. Após foi sendo alternados perí-
seco em estufa, imerso em água num ambien- odos de imersão na solução com secagem na
te com vácuo por um período de 24 horas. Da estufa até a sua completa dissolução dos cor-
análise dos resultados conclui-se que as arga- pos-de-prova. Quanto maior for o número de
massas com cactos apresentaram maior ciclos de imersão/secagem em estufa dos cor-
percentual de absorção de água, revelando um pos-de-prova, mais resistente às intempéries
aumento da porosidade, proporcional ao au- será a argamassa. Na análise dos resultados
mento da quantidade de massa verde incorpo- constatou-se que os corpos-de-prova com cal
rada aos corpos-de-prova (fot 10). e areia resistiram quatro (4) ciclos, quando
Envelhecimento Acelerado com Na2SO4 então se romperam em definitivo, restando
Este ensaio simula a ação das intempéries apenas a (3) argamassa desintegrada no fun-
(ciclos seco – úmido, aerossol marinho, ata- do. Já os corpos-de-prova com cal e areia +
que de sais, ciclos de gelo-degelo) sobre os 30 g de massa verde de cactos resistiram um
materiais, no caso os corpos-de-prova. Os ciclo a menos, ou seja, três ciclos, apresen-
corpos-de-prova são submetidos a ações ex- tando apenas a argamassa desintegrada no
tremas de secagem em estufa e imersão em fundo, como os anteriores, demonstrando
solução saturada com sulfato de sódio menor resistência ás condições adversa do
(Na2SO4). Os corpos-de-prova foram pesados meio ambiente, ou seja, nas condições em
e colocados na estufa a 105/110°, seguindo a que foi incorporado aos corpos-de-prova, apre-
metodologia estabelecida para os ensaios, ten- sentou menor vida útil (foto 11).
Ensaios

RESULTADOS
Nos ensaios realizados constatou-se que maior presença de vazios na argamassa, po-
as argamassas históricas possuem uma gran- dendo ser um agente incorporador de ar. O
de variedade de traços, evidenciando peque- ensaio em que houve resultados negativos foi
no controle tecnológico em sua elaboração, o de envelhecimento acelerado, no qual as
encontrando-se extremos de traços como casa amostras com a incorporação de mucilagem
de Darwig Lucas (1:2,70; cal areia), seme- de cactos tiveram pior desempenho, eviden-
lhante ao traço recomendados por Vitruvio ciando a possibilidade de acelerar a degrada-
(1:3; cal e areia); bem como traços com ção, necessitando melhor investigação. Nas
menor quantidade de aglomerante (1: 7,55; argamassas com incorporação de 60 g de massa
cal e areia) como na casa do Comendador verde, em todos os ensaios os resultados fo-
Moreira Fabião. ram inferiores, evidenciando ser excessiva essa
Nos ensaios laboratoriais (30 g de massa quantia de massa verde. Porém, constatou-se
verde de cactos) houve aumento considerável ao final a dos resultados a possibilidade de
nas resistências à compressão axial e diametral, resgate da incorporação de cactos às argamas-
e também um maior isolamento hídrico al- sas utilizadas no preenchimento de lacunas
cançado nos ensaios de absorção por nas obras de restauro em Piratini, recuperan-
capilaridade. No ensaio de porosidade à água do esta tecnologia e a importância desta es-
houve um acréscimo absorção evidenciando pécie de cactos junto à população local. 257
Anais | Congresso Abracor 2009
Bibliografia
ALMEIDA, Davi. História do Município de Piratini- Roteiro Histórico e Sentimental. 2. ed. Piratini: Gráfica C.E.A.J., 1997. 131 p.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT).
______ NBR 7215/1996. Cimento Portland – Determinação da resistência à compressão, Rio de Janeiro, 1996.
______ NBR 7222/1993. Argamassas e Concretos – Determinação da resistência à tração por compressão diametral de corpos-de-prova cilíndricos,
Rio de Janeiro, 1993.
______ NBR 13279, 1995. Argamassas para assentamento de paredes e tetos – Determinação da resistência à compressão, Rio de
Janeiro, 1995.
______ NBR 12766, 1992. Rochas para Revestimentos – Determinação da massa específica aparente e absorção d’água aparente, Rio de
Janeiro, 1992. (Utilizada com a Normal 4/80).
Doc. Normal 04/80, Distribuizione del volume dei pori in funzione del loro diâmetro.CNR – ICR. Roma: Comas Gráfica, 1985.
Doc. Normal 11/85, Assobimiento d água per capilaritá – Coefficente di assorbimimento capillare CNR –ICR. Roma, 1985
ESPECIFICAÇÃO LNEC - 88.26, Agregados –Ensaio de Alteração pelo Sulfato de Sódio ou pelo Sulfato de Magnésio, LNEC, Lisboa,
Portugal, 971.
NORMA MERCOSUR, NM77:96, 1996. Concreto - Preparação das bases dos corpos-de-prova e testemunhos cilíndricos para ensaio de
compressão. Comite Mercosur de Normalizacion, 1996.
SCHEINVAR, Léia. Cactáceas, in Flora Ilustrada Catarinense, Itajaí: Editada por Raulino Reitz, 1985, 384 p.
258
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Conservação
Preventiva

259
Anais | Congresso Abracor 2009
260
Anais | Congresso Abracor 2009
KLÜPPEL, Griselda Pinheiro. Arquiteta
Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Professora Adjunto IV da Faculdade de
Arquitetura da Universidade Federal da Bahia

HERNANDEZ, Maria Hermínia Olivera


Arquiteta, Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Professora Adjunto I da
Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia

GOMES, Ana Vitória M. de S. Gomes


(estagiária chefe). Graduanda em Arquitetura e Urbanismo da UFBA

Identificação, Documentação,
Armazenamento e Gestão do Acervo na Reserva
Técnica do Museu de Arte Sacra da UFBA.

O Museu de Arte Sacra da UFBA está localizado no Convento e Igreja de Santa


Tereza, construídos no século XVII, e abriga uma importante coleção de arte sacra do
Brasil. Para ele foi desenvolvido um projeto de Implantação da Reserva Técnica com
Tratamento do Acervo, patrocinado pela Caixa Econômica Federal no Programa Ado-
ção de Entidades Culturais. O primeiro passo do projeto foi: identificação, documenta-
ção e quantificação do acervo armazenado. Foram desenvolvidas fichas individuais
de identificação das peças e criado um índice em cores, segundo sua materialidade.
As coleções foram armazenadas em mobiliário compacto, com critérios definidos con-
siderando a sala e as condições do clima quente e úmido, sendo feitos diferentes
suportes e caixas de polietileno corrugado e expandido e em madeira, para acondicio-
namento do acervo. Devido à localização da RT, as peças receberam cobertura em
TNT para proteção adicional contra particulados em suspensão.

The Sacred Art Museum of the UFBA is located in the 17th-century former Convent
and Church of Santa Teresa in Salvador, Bahia, and hosts one important collection of
sacred art in Brazil. A project for the Implementation of a Storage Room and Treatment
of MAS’s collection, was developed supported by Caixa Econômica Federal under the
Adoption of Cultural Entities Program. The first step of the project was the identification,
documentation and quantification of the storage collection. An individual index card
was created and another label was developed identifying handling guidelines and
treatment instructions customized to the material. The collection was properly stored
following recommended procedures for the local hot and humid climate conditions.
The collection was packaged in polyethylene boxes and special trays and stored in
compact shelving. Each piece received an individual cover made of a synthetic fabric
named TNT, to protect it from dust particles.

Palavras-chave:
reserva técnica, identificação e documentação de acervo, suportes e armazenamento
de coleções.

1. Introdução

O Museu de Arte Sacra (MAS), localiza- biliários, pertencentes não apenas ao mu-
do no conjunto arquitetônico construído seu, mas também, a irmandades e igrejas
no século XVII, do antigo Convento e Igreja de Salvador e de outras cidades baianas ce-
de Santa Teresa em Salvador, Bahia, e abri- didas sob o regime de comodato. Fazem
ga uma das maiores coleções de arte sa- parte ainda do acervo os bens artísticos
cra do Brasil, constituída de esculturas de integrados aos edifícios, como altares, pa-
madeira, terracota, marfim, entre outros inéis de azulejos tipo figurativo e de tape-
materiais, pinturas, objetos e alfaias de prata, te, painéis de madeira, pias em mármore,
ouro e metais, paramentos litúrgicos e mo- mobiliário, como o grande arcaz da sacris-
261
Anais | Congresso Abracor 2009
tia, entre outros, que ampliam e enrique- tratados, a saber: Identificação, Documen-
cem as coleções do Museu. tação e Dimensionamento do Acervo; Aná-
O Projeto de Implantação da Reserva lise, Tratamento e Acondicionamento do
Técnica com Tratamento do Acervo Arma- Espaço para a RT; Elaboração dos Suportes
zenado foi financiado pela Caixa Econô- para Armazenamento, (abrangendo essa
mica Federal, na primeira edição do Pro- etapa o mobiliário e as embalagens) e o Tra-
grama de Adoção de Entidades Culturais. tamento do Acervo. Apresentaremos espe-
Os trabalhos foram separados segundo cificamente os procedimentos para identi-
quatro procedimentos metodológicos es- ficação, documentação, acondicionamen-
pecíficos considerando os objetos a serem to e gestão do acervo armazenado.
2. Documentação e dimensionamento do acervo
A primeira etapa de execução do projeto posição e necessidades quanto ao mobiliá-
foi o processo de identificação, documen- rio para armazenamento.
tação e dimensionamento do acervo em re- Com base nas fichas de identificação do
serva, para a concepção e formatação do acervo foram elaboradas as etiquetas de
espaço da RT e do mobiliário necessário identificação individual das peças arma-
para sua armazenagem. Iniciando os proce- zenadas segundo dois tamanhos: um ge-
dimento de levantamento do acervo foi cri- ral para a maioria das obras, com 100 X
ada uma ficha técnica de Identificação In- 60 mm, e outro em tamanho reduzido de
dividual da Peça, tomando como base a 68 X 36 mm, para os objetos pequenos a
identificação já utilizada pelo setor de do- serem armazenados em caixas
cumentação do MAS, considerando entre seus Para identificação das peças, segundo
principais itens: o objeto, catego-
ria, coleção, datação, técnica/ ma-
terial, dimensões, peso, estado de
conservação, n° de inventário e fo-
tografia da obra de frente, de perfil
e/ ou de costas, para sua melhor ca-
racterização.
Os trabalhos de identificação e
preenchimento das fichas, além
dos membros da equipe do proje-
to, contam com a participação das Figuras 1 e 2 – Detalhes das etiquetas utilizadas nas peças grandes e nas
peças pequenas.
museólogas Mirna Conceição
Brito Dantas e Edjane Cristina Rodrigues sua materialidade foi criada uma tabela de
da Silva e da conservadora Selma cores e marcadas nas etiquetas (ver Figu-
Dannemann, responsáveis pelo acervo do ras 1 e 2). Dessa maneira, pode-se identi-
MAS. O levantamento das coleções foi ficar, imediatamente, o suporte da peça
definido considerando uma sequência por antes mesmo de ler a ficha, indicando o
técnica construtiva de grupo de peças. Na maior cuidado que deve ser tomado no
definição das dimensões foi considerada manuseio da mesma, seu peso, ou a mai-
também uma folga entre 5 a 10 cm além or fragilidade material correspondente.
da dimensão original, para determinar o
volume geral do acervo e poder garantir As etiquetas foram confeccionadas em
no seu armazenamento espaços necessá- papel Filipaper Granitto cor natural, 180
rios para manuseio e movimentação ade- gramas, neutro, e as etiquetas presas nas
quados das obras nas prateleiras, e ou nos peças com fio de silicone de 0.8mm de
suportes. Esses dados foram processados espessura. Usamos esse material por ser
em tabelas Excel o que permitiu a separa- neutro e mais higiênico, em substituição
ção, em forma de listagem, de todo acer- ao barbante de algodão, anteriormente
vo a ser armazenado; a determinação do utilizado no MAS.
quantitativo de peças, por tipologia e
materialidade; a área e o volume por peça Foi procedida à catalogação e documen-
e por coleções; e, segundo suas técnicas tação fotográfica de todo acervo armaze-
construtivas. Essas informações possibili- nado, em meio digital, e montado o ban-
taram determinar o volume total do acer- co de dados para acesso e controle da
vo a ser armazenado, e serviu como movimentação do acervo dentro e fora da
parâmetro indicador na definição da ca- Reserva Técnica, assim como, a localiza-
pacidade requerida das áreas da sala, dis- ção de cada peça dentro do mobiliário.
262
Anais | Congresso Abracor 2009
3. Mobiliário e critérios de armazenamento
A partir do conhecimento do volume, ou
cubagem, do acervo a ser armazenado foi
feito o pré-dimensionamento para a defini-
ção do mobiliário necessário, de acordo
com a diversidade das coleções e as dimen-
sões e formato da sala disponibilizada para
a RT (ver Figura 3). Foram também estabe-
lecidos os tipos de embalagens que seriam
necessários e quais os materiais mais ade-
quados a serem utilizados para acondicio-
namento das peças e o quantitativo neces-
sário para armazenar convenientemente o
acervo existente, e permitir ainda espaços
para sua ampliação. Figuras 3 – Exemplo dos esquemas de montagem das peças
Verificou-se a necessidade de um mó- para dimensionar o mobiliário

vel compacto deslizante para possibilitar


o maior volume possível na menor área, e trilhos para deslizamento das estantes, para
de uma estante fixa, para receber as peças não haver nenhuma perfuração no tabua-
de maiores dimensões e / ou as mais pesa- do de madeira original da sala.
das. Todo mobiliário deveria ser modula- Para complementar o armazenamento da
do de forma a permitir maior mobilidade coleção de móveis foi construída uma es-
e re-arranjos quando necessário, facilitar tante especial com estrutura de ferro e pra-
outras disposições e novas possibilidades teleiras móveis, em aramado de alta resis-
de lay out da sala, quer seja, no redesenho tência, constante de dois módulos de 1000
da proposta atual, ou para atender futuras x 1000 x 210 mm. Nessa estante foram ar-
necessidades do MAS, incluindo-se a am- mazenados: mobiliário sacro e peças com
pliação do acervo e do mobiliário, ou grandes dimensões e/ ou muito pesadas.
mesmo a mudança da RT para outro local. Os antigos suportes de madeira, existen-
Estabeleceu-se que o módulo mínimo de- tes no MAS para armazenagem das varas
veria ter 100 mm de largura, com profun- e lanternas processionais, foram
didades variando desde, aproximadamen- reaproveitados. Para melhor acondiciona-
te, 400 mm até no máximo 870 mm. mento das peças os furos dos suportes, por
O móvel deslizante deveria ter onde passam as hastes das peças e suas
integração ambiental com a sala para não bases, foram ampliados sendo estes reves-
criar microclimas internos e poder respon- tidos com material apropriado (aros e pla-
der aos critérios ambientais anteriormen- cas de polietileno expandido) para evitar
te definidos. Nesse sentido, foi proposto à o contato do metal com a madeira e pre-
empresa Telos, vencedora da licitação, o venir atritos, abrasões e outros danos nas
desenvolvimento das laterais e fundos des- peças em sua movimentação, ou mesmo,
se conjunto com chapas perfuradas (ver quando estiverem armazenadas. Todos os
Figuras 4 e 5). Entretanto, a superfície su- suportes receberam higienização adequa-
perior deveria ser fechada para impedir da com lixamento das superfícies e apli-
quaisquer sujidades que pudessem cair do cação de cera apropriada para sua conser-
forro sobre as obras armazenadas. Outra vação, e sem produzir nenhum ataque fu-
exigência foi a não fixação no piso, dos turo às peças a serem neles armazenadas.

Figuras 4 e 5
Detalhe externo das
laterais vazadas e
aspecto do móvel
deslizante.
263
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 6 – Planta de distribuição das obras no mobiliário da Reserva Técnica.

De acordo com a distribuição das jane- na mais fácil a movimentação das peças
las, do mapeamento climático interno da pelos técnicos responsáveis pelo setor e
sala e da diversidade tipológica e dos su- pelo pessoal encarregado de manutenção
portes do acervo foi estabelecido um e movimentação das obras. Considerando
zoneamento para distribuição das peças o grande número de esculturas de tama-
segundo suas características, diferentemen- nhos intermediário e pequeno, outro cri-
te da arrumação anterior do MAS que con- tério para sua organização foi separar os
siderava a origem da coleção para seu santos homens e as santas mulheres. Essa
agrupamento. Ficou definido que a cole- norma foi estabelecida para facilitar a pes-
ção de metais, com total predominância quisa e identificação das obras nas prate-
de prataria, se localizaria no móvel fixo leiras (ver Figura 7).
de cabeceira do mobiliário deslizante, e Todas a peças de prata com grandes di-
nos dois módulos seguintes, numa maior mensões verticais foram dispostas nos su-
proximidade com a fachada norte, por ser portes de madeira já existentes no MAS,
a que teria as janelas abertas por maior que receberam tratamento para melhor
período de tempo e, com isso, esse espa- acondicionar as peças. Ainda obedecen-
ço da sala sofreria maior flutuação termo- do ao critério ambiental de
higrométrica, o que não viria a ocasionar armazenamento esses suportes, com as
nenhum prejuízo, ou risco, para a conser- varas e tocheiros de prata, foram alocados
vação preventiva desse tipo de acervo. Na próximos à fachada norte (ver Figura 8).
sequência seriam dispostos os trainéis para
Figuras 7 e 8
telas, gravuras, etc., seguido das esculturas Peças
armazenadas
de madeira e por fim as peças de terracota e nas prateleiras...
outros suportes. As peças maiores de
terracota, por serem mais pesadas, e as de
grandes dimensões ficam armazenadas, em
sua grande maioria, no armário fixo próxi-
mo a parede sul da sala (ver Figura 6). Con-
siderando a grande inércia térmica das pa-
redes, e as análises procedidas, essa parede
não apresentou ganhos térmicos diferencia-
dos do restante da sala mesmo no verão e o
móvel foi instalado com afastamento de 10
cm em relação a essa superfície, criando-se
um colchão de ar para maior proteção do
acervo.
As coleções foram dispostas nas estan-
tes obedecendo ao critério material e da
sua dimensão em altura, dispondo-se as
obras maiores e mais pesadas nas estantes
mais baixas, seguidas das peças de altura
intermediária e nas estantes mais elevadas
foram dispostas às peças menores. Assim,
além de ser feita uma distribuição racio- ...e varas
nal do peso no móvel e facilitar seu deslo- processuais em
suportes de
camento, esse organização, também tor- madeira.
264
Anais | Congresso Abracor 2009
4. Embalagens e acondicionamento do acervo
Verificou-se a necessidade de embalagens outra camada de polietileno de 20 mm ou
especiais para acondicionar das peças de de 40 mm (a depender das peças que iri-
metal de pequenas dimensões, a exemplo am ser armazenadas), sendo esta última
das coroas e jóias, assim como para as co- moldada, de acordo com a morfologia de
leções de têxteis, como alternativas para cada peça a ser armazenada. Com isto,
maior proteção e controle dessas peças, e todos os objetos acondicionados ficaram
melhor aproveitamento das prateleiras, sem estruturalmente estabilizados, e com mai-
a necessidade de gavetas que implicariam or segurança contra choques e atritos en-
no aumento do custo do mobiliário. O re- tre elas, além de permitir identificação vi-
quisito principal para o desenvolvimento sual rápida na ausência de qualquer peça
dessas caixas foi à escolha dos materiais, dentro das caixas ou das prateleiras, pelo
que precisavam ser rígidos para suportar o vazio deixado no seu lugar pré-definido
peso das peças, sem deformação no seu (ver Figuras 9 e 10). Foi fixada, na base da
manuseio, e serem totalmente inertes, sem caixa, sob a primeira camada de
emissão de substâncias químicas que pu- polietileno uma manta de TNT da largura
dessem trazer danos posteriores as peças da caixa para cobrir todas as peças após
armazenadas. Foram utilizadas chapas de sua fixação, para proteção contra
polipropileno de estrutura alveolar (tipo particulados ou sujidades que possam en-
polionda) com gramatura de 800 g/m², e trar pelos respiradouros da caixa.
espessura de 3 mm, na cor branca, evitan-
do-se, também, problema de alteração cro-
mática nas peças pelo efeito da luz através
da caixa.
Foram definidos três modelos de caixas:
Caixas para têxteis com tampa solta de
sobrepor, com 1200 X 800 X 120 mm,
dimensionadas para acondicionar a maior
peça do vestuário sacro, sem receber ne-
nhuma dobra, no caso a casula. Caixas de
900 x 600 x 180 mm, para peças peque-
nas de metal, com a tampa acoplada e cai-
xas para as jóias e peças avulsas de tama-
nho reduzido. Para essas peças foram uti-
lizadas caixas de polionda industrializada
de tamanho A4, na cor branca, e seu
armazenamento, por segurança, foi feito
dentre de uma gaveta no móvel deslizante.
Essas caixas receberam reforço interno de
chapa de polipropileno de 800g/m², fixa-
dos com braçadeiras de nylon.
Para definição das caixas diversos mo-
delos reduzidos foram elaborados em pa-
pelão, estudando-se os recortes necessári-
os para montagem e os tipos de fechamen-
to. Foram confeccionadas caixas de pape-
lão no tamanho real para os modelos sele-
cionados, e elaborados moldes em pape-
lão rígido, para auxiliar a marcação e cor-
tes das chapas de polipropileno, buscan-
do-se a otimização dos cortes das placas,
para reduzir o desperdício desse material.
Após corte e dobragem, as caixas foram
montadas e fixadas com braçadeiras de
nylon, eliminando-se o uso de colas e ade-
sivos que poderiam trazer problemas para
as obras armazenadas.
A base dessas caixas recebeu uma ca-
mada de espuma de polietileno expandi-
Figuras 9 e 10 – Detalhes de peças em gaveta e suporte
do de 10 mm e sobre esta foi colocada moldado para fixação de segurança.
265
Anais | Congresso Abracor 2009
As coleções de têxteis (paramentos ecle-
siásticos como casulas, alvas, estolas, toa-
lhas, etc.), utilizadas em cerimônias religi-
osas, estavam originalmente penduradas
em cabides e muitas delas apresentavam
problemas de desgaste e esgarçamento das
fibras por tração e atrito. Foi proposto o
seu acondicionamento horizontal, nas cai-
xas de chapa de polipropileno, para evitar
maiores desgastes aos tecidos. A base das
caixas recebeu uma camada de manta
acrílica sobre as quais foi colocada outra
camada de Tecido Não Tecido, na cor
branca, e sobre esta disposta a peça (ver Fi-
guras 11 e 12).
Cada caixa recebeu dois conjuntos de
paramentos, e entre cada peça, foi colo-
cada outra camada de TNT para evitar atri-
to, migração de cores, ou outros danos
entre as peças, e facilitar sua manipulação,
levantando-se o suporte de TNT sem de-
sarrumar ou enrugar os demais objetos.
Cada caixa recebeu identificação visual
frontal e lateral com fotografia e número de
registro de cada peça.
As caixas para armazenamento das
indumentárias e dos tecidos receberam
furos laterais regulares, respiradouros, para
se prevenir a criação de microclimas em seu
interior. Estas caixas foram termo-
higrometricamente analisadas, demons-
trando-se a adequação dessa solução para
o clima local.
Como a área do Museu onde está a Re-
serva Técnica recebe muitas partículas em
suspensão, provenientes da poluição aé-
rea do tráfego intenso de veículos na Aveni-
da Contorno, dos barcos que transitam na
Baía de Todos os Santos, e cloreto de sódio
Figuras 11 e 12 – Antigo armazenamento de indumentárias,
proveniente do aerosol marinho, foi propos- novo acondicionamento em caixas.

Figuras 13 e14 – Teste do TNT e aspecto de uma peça acondicionada na RT.


266
Anais | Congresso Abracor 2009
ta a cobertura de todo acervo armazenado na base uma placa de polietileno expandi-
individualmente por peça ou por grupos de do de 10 mm, para evitar contato direto das
peças. peças com a superfície de metal. Sobre esta
Para possibilitar essa proteção, foi anali- foi colocada outra placa moldada de acor-
sada a capacidade higrotérmica do um teci- do com as características da base ou da su-
do não tecido, ou TNT (conhecido por perfície da peça a ser armazenada. Também
cami), sendo instalados dois dataloggers foram desenvolvidos suportes complemen-
com sensores de temperatura e umidade tares especiais para estabilização e redução
relativa do ar, sobre a peça que recebeu dos esforços das peças dentro das gavetas,
uma cobertura integral com esse tecido ou nas prateleiras, e revestimento das bar-
não tecido, na cor branca, e instalaram-se ras de segurança, com polietileno expandi-
dois aparelhos semelhantes, externamen- do, para propiciar maior estabilidade verti-
te, ao lado da peça coberta. Os resultados cal nas peças de maior altura dentro do
obtidos demonstraram que a temperatura móvel deslizante.
do ar no interior da peça coberta foi seme- As coleções de pinturas e obras
lhante à temperatura do ar no exterior, bidimensionais foram armazenadas nos
enquanto a umidade relativa internamen- dois módulos de trainéis, do mobiliário
te apresentou valores um pouco abaixo da deslizante, e penduradas nos aramados,
umidade relativa do exterior (ver Figuras com ganchos especiais de alumínio. Essas
13 e 14). Considerando que a umidade obras também receberam uma cobertura
relativa elevada é prejudicial ao acervo, a de TNT para maior proteção contra suji-
utilização da cobertura de TNT concorre dades.
para tornar o ambiente no interior da peça Um ano após a instalação da RT, foi ve-
mais favorável a sua conservação, além de rificado em todas as peças armazenadas
protegê-la das possíveis agressões resultan- cobertas com TNT, que estas permanecem
tes da poluição aérea. As peças cobertas em excelente estado de conservação, in-
receberam uma fotografia frontal da obra, clusive o acervo de prataria, não apresen-
impressa no mesmo tecido, facilitando sua ta nenhum escurecimento, nem oxidação,
identificação sem necessidade de retirada diferentemente das obras limpas na mes-
da capa de proteção. ma ocasião e que se encontram nas salas
Todas as prateleiras e gavetas receberam de exposição do Museu de Arte Sacra.

267
Anais | Congresso Abracor 2009
268
Anais | Congresso Abracor 2009
KLÜPPEL, Griselda Pinheiro,
Arquiteta, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Professora
Adjunta IV da Faculdade de Arquitetura da Universidade
Federal da Bahia (UFBA).

GOMES, Ana Vitória M. de S. Gomes,


(estagiária-chefe)
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.

Tratamento Climático da Sala da Reserva Técnica


e Definições Ambientais para o Acervo
Armazenado do Museu de Arte Sacra da UFBA

O Museu de Arte Sacra da UFBA, instalado no Convento e Igreja de Santa Tereza obras
do século XVII, abriga uma importante coleção de arte sacra do Brasil. Para ele foi desen-
volvido o projeto de Implantação da Reserva Técnica com Tratamento do Acervo, patroci-
nado pela Caixa Econômica Federal no Programa Adoção de Entidades Culturais. A nova
Reserva Técnica (RT) foi passivamente acondicionada utilizando-se as condições do edi-
fício e do entorno, e o auxílio de equipamentos mecânicos garantindo as condições ne-
cessárias para preservação do acervo no clima quente e úmido. O forro e as janelas do
edifício foram tratados para reduzir os ganhos térmicos e a penetração de água no interior
da sala. Foi proposto um Plano Integrado para a RT constituído de três partes: Programa de
conservação preventiva do edifício e acervo; Roteiro para prevenção a situações de risco e
emergência, e um Manual de gerenciamento e uso da RT.

The Sacred Art Museum of the UFBA is located in the 17th-century former Convent
and Church of Santa Teresa in Salvador, Bahia, and hosts one important collection of
sacred art in Brazil. A project for the Implementation of a Storage Room and Treatment
of collection, was developed supported by Caixa Econômica Federal under the Adoption
of Cultural Entities Program. The storage room was prepared with passive and
mechanical environmental controls, adapted to the hot and humid climate, take
advantage of the natural resources of the building and the external climatic conditions
whenever possible. The ceiling and windows were treated to reduce the temperature
inside the room and rain water penetration. To complement an integrated plan for
preventive conservation was elaborated, consisting of a guide for risk and emergency
prevention, a program for the building and collection, and a manual for management
and use of the storage vault.

Palavras-chave:
reserva técnica, tratamento climático; correção e condicionamento ambiental e con-
servação preventiva.

1. Introdução

O Museu de Arte Sacra da Universidade condições climáticas e das pragas de inse-


Federal da Bahia (MAS) está instalado em tos xilófagos (isópteros e coleópteros), as-
Salvador, no antigo Convento e Igreja de sociada à inexistência de padronização e
Santa Teresa, - conjunto arquitetônico do adequação de materiais utilizados nas em-
século XVII, e abriga uma das maiores co- balagens de acondicionamento. O
leções de arte sacra do Brasil. A armazena- armazenamento procurava otimizar o es-
gem de seu acervo em reserva ocupou, ao paço disponível, havendo inclusive o
longo dos anos, espaços diversos na empilhamento de mobiliário e de obras.
edificação. Esses ambientes ofereciam ris- Para sanar esses problemas foi executado
cos para as coleções pela presença de agen- o Projeto de Implantação da Reserva Téc-
tes deteriorantes, ausência de controle das nica com o Tratamento do Acervo Arma- 269
Anais | Congresso Abracor 2009
zenado financiado pela Caixa Econômica rando os objetos a serem tratados, a saber:
Federal, na primeira edição do Programa Identificação, Documentação e
de Adoção de Entidades Culturais. Dimensionamento do Acervo; Análise, Tra-
A qualidade superior dos exemplares tamento e Acondicionamento do Espaço
influenciou na resistência e sobrevivência para a RT; Elaboração dos Suportes para
da maioria dos materiais constituintes das Armazenamento, (abrangendo essa etapa o
obras, com danos pouco graves ao longo mobiliário e as embalagens) e o Tratamen-
do tempo. Algumas, porém, sofreram mais, to do Acervo, desde a restauração, imuni-
com ataques de xilófagos, perdas de par- zação e consolidação até a higienização
tes constituintes, desprendimentos e per- completa das obras a serem armazenadas.
das da camada pictórica. O presente trabalho apresenta a análise,
Foi proposta a criação da Reserva Téc- diagnóstico e o detalhamento das corre-
nica em uma sala especial com controle ções climáticas e ambientais procedidas no
ambiental, através de condicionamento pas- espaço onde foi implantada a nova Reser-
sivo e mecânico tirando-se partido da pró- va Técnica, assim como, as diretrizes para
pria construção cujas paredes grossas, po- o correto acondicionamento e
dem proporcionar uma grande inércia tér- armazenamento do acervo. Salientamos,
mica ao edifício. Os maiores pontos de fu- que para a especialização do espaço, o
gas e ganhos térmicos, constituído pelo forro princípio básico norteador do projeto foi
e janelas, que foram tratados para permitir intervir o mínimo possível para adequa-
o aproveitamento das condições ambientais ção da sala ao uso proposto salvaguardan-
externas quando estas forem favoráveis ou do a autenticidade e aparência do edifício
o seu bloqueio, com cerramento e prote- e seus valores históricos e artísticos, assim
ção, e a utilização de ventilação e/ ou como, levou em conta o controle
desumidificação mecânicas quando o ar ambiental passivo e mecânico, consideran-
interno estiver com níveis de umidade ou do a edificação e as condicionantes do cli-
temperatura desfavoráveis à conservação do ma quente e úmido, no qual as obras de
acervo. arte estão adaptadas e o baixo custo
Para execução do Projeto os trabalhos energético para sua manutenção. Nesse
foram separados segundo quatro procedi- sentido todas as alterações propostas e
mentos metodológicos específicos conside- executadas são totalmente reversíveis.

2. Diretrizes e Condicionantes para a escolha da sala da nova Reserva Técnica

Para definir o novo local da Reserva Téc- tes análises e coletas de dados para cada
nica foi procedida análise de seis espaços uma das salas: Análise das relações com o
que já haviam sido cogitados para a im- entorno imediato, considerando a orien-
plantação da RT, dentro do conjunto tação, a radiação solar direta e a ventila-
arquitetônico que constitui o Museu, igre- ção natural incidente por fachadas; as con-
ja e convento, sendo eles: o Salão Nobre – dições físicas, sob o ponto de vista de “fra-
onde estava armazenado grande parte do gilidade” e riscos pela existência de “pon-
acervo; a Ermida – sugerido pela direção do tes térmicas” e frente às vulnerabilidades
MAS; a Salas dos técnicos no 3o. andar – físicas do edifício. Diagnóstico de conser-
para onde foi realizado o projeto original; a vação e danos aparentes nas salas e seus
Sala da Exposição Temporária – sugerido no componentes arquitetônicos (piso, forro,
Diagnóstico de Conservação; a Sala da Res- janelas, etc.). Análise das condições de se-
tauração – sugerida em antigo projeto de gurança e Avaliação de riscos ao acervo e
técnicos do MAS e o Depósito, atual acessibilidade, considerando a localização
almoxarifado – sugerido no Diagnóstico de da área na edificação e as possibilidades
Conservação (Klüppel, et al 1998). para evacuação e salvamento das coleções
Desconsideramos para análise o depósito ao em situações de emergência, e/ ou sinistros.
lado da entrada da Igreja por sua adaptação Análise ambiental do comportamento
exigir obras civis de custo muito elevado higrotérmico interno através da coleta de
que não poderiam ser cobertos pelos recur- dados de temperatura (Ta) e umidade re-
sos aprovados pela Caixa Econômica Fede- lativa (UR) do ar. Para esses levantamen-
ral. tos foram utilizados aparelhos específicos:
Na avaliação da capacidade dos espa- psicrômetro, termoanemômetro, termôme-
ços possíveis para abrigar a RT, sob a óti- tro de superfície, e posteriormente registra-
ca das condições ambientais necessárias, dores contínuos (dataloggers) de Ta e UR.
garantindo a conservação preventiva do Após tratamento dos dados obtidos, proces-
acervo armazenado, foram feitas as seguin- sados em tabelas e gráficos do programa
270
Anais | Congresso Abracor 2009
Excel, foi procedida a análise comparativa Definido o Salão Nobre para a implanta-
entre as distintas salas. Dessa etapa analíti- ção da Reserva Técnica, a Direção do MAS
ca participou das avaliações a Dra. Franciza se responsabilizou em garantir algumas prer-
Toledo, como consultora ambiental e de rogativas necessárias para adequação desse
conservação. espaço e as obras civis, que não estavam
Com base nos critérios acima definidos originalmente previstas no orçamento do
consideramos que o local tecnicamente mais Projeto, sendo elas: verificação da capaci-
adequado para a futura Reserva Técnica, se- dade de carga do piso da sala para receber o
ria a sala de Exposições Temporárias (ver Fi- peso do mobiliário deslizante com o acer-
gura 1). Entretanto, por considerar a impor- vo; inspeção, recuperação e tratamento con-
tância funcional da permanência dessa fun- tra ataque de xilófagos no telhado, no forro
ção no mesmo local a direção do MAS, jun- e no piso da sala, visto que, no diagnóstico
tamente com parte de sua equipe técnica, havia sido constatada a presença de cupins
disponibilizou o Salão Nobre e a Ermida para ativos no interior da sala, cuja origem de-
escolha do local para implantação da RT, veria ser detectada e procedida à imuniza-
sendo também descartada a possibilidade de ção necessária.
uso das salas dos técnicos e do Laboratório Grande parte do acervo estava armazena-
de Restauração, por questões inerentes ao fun- da no Salão Nobre. Para iniciar as interven-
cionamento do MAS. Após novas análises ções do projeto da Nova Reserva Técnica,
mais detalhadas entre esses dois espaços, este acervo foi deslocado para outro espaço
confirmamos a inviabilidade de instalação provisório, a Sala da Ermida. A vistoria e
da RT nas salas da Ermida por ser um dos adaptação do local provisório e o transpor-
piores locais, tanto sob o ponto de vista te das obras e foi de inteira responsabilida-
ambiental e vulnerabilidade ao entorno, de do MAS e sua equipe técnica, tendo em
quanto à segurança do acervo, em caso de vista os cuidados necessários para movimen-
sinistros. tação do acervo.

3. Tratamento e adequação do Salão Nobre para Reserva Técnica


O Salão Nobre está localizado no último edificações, ou mesmo pela ocorrência de
pavimento do edifício do convento, logo raios, quando não existe um elemento de
abaixo do telhado, sendo separado deste por proteção ativo em suas proximidades.
um forro de madeira em gamela com algu- Outros problemas identificados no Salão
mas partes muito próximas às telhas. Essa Nobre resultam de sua orientação, disposi-
localização acarreta problemas de natureza ção em planta e localização no terreno, com
microclimática como a transmissão rápida basicamente 4 paredes externas, tendo aber-
dos ganhos térmicos do telhado para o inte- turas distribuídas nas fachadas norte, oeste
rior da sala, de vapor d’água e umidade re- e leste (ver Figura 2). As esquadrias de
lativa provenientes das telhas de cerâmica cerramento são em folha dupla, com caixi-
quando encharcadas pelas chuvas. O telha- lhos de madeira e vidro e escuro. Por serem
do sempre representa um risco potencial de janelas antigas apresentam irregularidades
danos pela possibilidade de penetração di- e um sistema de tramela para fechamento,
reta de águas pluviais na ocorrência de te- o que facilita, pela ação dos ventos, o afas-
lhas quebradas ou afastadas pela ação dos tamento entre as folhas e a ampliação das
ventos e, principalmente, pela sua frestas, gerando menos capacidade de
vulnerabilidade a incêndios, quer seja por vedação e maior interferência das condições
curto-circuito nas instalações e fiações de ambientais externas, além da entrada de
energia elétrica, nas partes superiores das águas de chuvas, principalmente as de tem-

Figuras 1, 2 e 3 – Esquema analítico de fuga da sala de Exposição temporária; local do Salão Nobre, atual Reserva Técnica e aspecto
da sala antes da intervenção, com infiltrações aparentes e presença de cupins.
271
Anais | Congresso Abracor 2009
poral, com ventos de noroeste. A esse falta do forro com as paredes e na base inferior
de estanqueidade das esquadrias acrescen- das janelas da fachada oeste; caminhos de
ta-se o desgaste da cercadura de arenito, já cupins de solo, já extintos nas paredes sul;
bastante erodida pelo atrito e uso, fazendo e excrementos de cupins sobre distintas
com que a inclinação da base do peitoril áreas do piso (ver Figura 3). Estes poden-
para o interior da sala seja mais acentuada do ser provenientes de infestações no for-
que para o exterior, facilitando, sobrema- ro, no telhado, ou no próprio piso.
neira, o escorrimento de águas para dentro Para reduzir a incidência e/ ou as possi-
da sala. bilidades da ocorrência desses problemas
Quanto aos danos físicos no espaço que afetariam de diferentes maneiras o
arquitetônico e elementos complementa- espaço interno da futura Reserva Técnica
res a sala não apresentava nenhum pro- algumas medidas de correção foram toma-
blema, sob a ótica de sua integridade físi- das e serão detalhadas a seguir:
ca. Apenas verificamos manchas de
escorrimento de águas pluviais nas juntas

3.1 – Tratamento do telhado


Foi executada uma revisão detalhada no do as peças infestadas por ataques de
recobrimento do telhado de cerâmica capa xilófagos, removidas e ou substituídas, de
e canal, da área do Salão Nobre, com subs- acordo com suas necessidades estruturais,
tituição das peças quebradas e e não foi constatada nenhuma instabilida-
grampeamento de todas as telhas fixando- de ou comprometimento de peças impor-
as ao madeiramento do telhado. Esse tantes na cobertura. Na sequência foi pro-
grampeamento foi executado com fios de cedida uma imunização preventiva. Ou-
cobre para não haver corrosão dos gram- tra medida preventiva importante foi to-
pos (ver Figura 4). Tal medida foi tomada mada quanto à fiação elétrica sob o telha-
para prevenção de problemas e evitar o do, sendo retirados e/ou desviada toda fi-
deslocamento de telhas, pela ação das aves ação desnecessária, e todos os fios e ca-
e dos ventos e reduzir a quebra de peças. bos de eletricidade ativos que passam so-
O madeiramento da cobertura do Salão bre o forro foram devidamente colocados
Nobre foi minuciosamente verificado, sen- em calhas apropriadas e dutos.

3.2 – Tratamento do piso e do forro


O tabuado do piso foi inspecionado para madeira de similar qualidade e procedida à
detectar infestação de xilófagos, não sendo correção das juntas que apresentavam fres-
necessária nenhuma substituição de peças. tas. As revisões e tratamentos da cobertura,
Em seguida procedeu-se à correção e do piso e do forro foram realizados pelo
vedação das juntas, com rebites de madeira próprio MAS, com supervisão do diretor
de lei, semelhantes a original do piso e, Francisco Portugal.
posteriormente, após nivelamento, raspagem Para reduzir a carga térmica transmitida
geral e limpeza, foi aplicada cera apropria- pelo telhado para a sala, através do forro,
da para conservação. colocamos sobre este, em todo sua exten-
O forro de madeira que recobre o Salão são, uma manta de lã de rocha com 5 cm
Nobre é em formato de gamela trapezoidal de espessura, densidade de 32kg/m³, e
(ver Figura 5). Essa forma faz com que sua condutividade térmica de 0,032 kcal/ h/
o
superfície externa se aproxime mais do C. A lã de rocha, além de servir como
telhado do que um forro plano convenci- barreira térmica em relação aos ganhos de
onal. Com isso, é mais reduzida a camada temperatura do telhado é uma medida pre-
de ar entre as telhas e o forro, propiciando ventiva contra incêndios. Caso um sinis-
maior transmissão da carga térmica rece- tro viesse a ocorrer no telhado, a manta,
bida pelo telhado para o forro, e desse para por não ser inflamável, reduziria a propa-
o interior da sala. Também é maior sua gação do fogo sobre o forro da Reserva
vulnerabilidade quanto à umidade relati- Técnica, retardando sua ação no interior
va e a penetração de águas de chuvas, por da sala.
avarias na cobertura, ou por problemas de Para aumentar o isolamento térmico,
incêndio no telhado. prevenir problemas de infiltração, e incre-
Foi executada uma revisão completa no mento da umidade relativa no interior da
tabuado e estruturas do forro com substi- futura Reserva Técnica, foi colocada, so-
tuição das peças que apresentavam bre a lã de rocha, uma manta de Tyvek,
infestações de xilófagos, por peças de um tecido não tecido 100% de polietileno,
272
Anais | Congresso Abracor 2009
de alta densidade, recoberto com alumínio juntas com fita apropriada, formando uma
e verniz acrílico em uma das faces. Esta lona contínua passando por dentro da calha
superfície aluminizada foi mantida na par- (ver Figuras 6 e 7). Caso ocorra infiltração,
te superior, voltada para o telhado, para a água escorrerá para a calha, e daí se eva-
aumentar a emissividade e reduzir a absor- pora pela ação da temperatura do ar eleva-
ção e transmissão térmica para o interior da da no interior do telhado. Como o Tyvek é
sala. Criou-se uma superfície impermeável um material que não provoca labaredas ini-
para minimizar a possível penetração de be, também, a propagação do fogo. A colo-
água por avarias do telhado, sendo instala- cação dos revestimentos do forro foi execu-
das calhas de PVC continuas, em toda peri- tada com mão-de-obra especializada a car-
feria do forro. A manta de Tyvek foi fixada go do Projeto.
no madeiramento e inteiramente vedada nas

Figuras 4 e 5 – Grampeamento das telhas de cerâmica na cobertura da RT e desenho do forro em gamela.

Figuras 6 e 7 – Manta de lã de rocha e coberta de Tyvek, e a terminação da manta na calha periférica do forro.

3.4 – Tratamento das Esquadrias


Além da cobertura, as janelas se consti- 49oC, durante a tarde, significando 19oC
tuem em pontes térmicas com considerável mais elevado que a temperatura radiante da
aporte de carga térmica, por condução e sala, enquanto na janela leste em torno de
convecção, para o interior da sala, princi- 44oC, no início das medições pela manhã.
palmente as voltadas para leste e oeste que, A janela norte apresentou temperatura su-
alternadamente pela manhã e à tarde, con- perficial estabilizada, com diferença de no
tribuem para elevar a temperatura do ar no máximo 2oC, em relação à temperatura ra-
interior da sala. O desenho das esquadrias, diante da sala.
com caixilhos de madeira e vidros propici- Diante da impossibilidade de redefinição
am o efeito estufa no espaço entre o vidro e do desenho das janelas para não alterar o
o escuro aumentando as temperaturas do ar aspecto geral do edifício, foram testados
e radiante na sala (ver Figura 8). Foi neces- diferentes tipos de películas de materiais
sário o estudo individualizado de cada ja- opacos aplicados sobre a superfície exter-
nela, pela sua localização e orientação. na do vidro para estudar a redução da car-
Inicialmente, foi procedido o levantamen- ga térmica e do efeito estufa resultantes
to das temperaturas na superfície interna das desse tipo de esquadria. Os testes foram
janelas e radiante no interior da sala. Para feitos medindo-se diretamente a tempera-
obtenção desses dados estabelecemos pon- tura superficial no escuro de madeira sem
tos no centro de cada uma das folhas das o vidro, com o vidro e com os demais vi-
janelas onde foram medidas a temperatura dros revestidos. As películas utilizadas fo-
superficial horária, nesses pontos específi- ram vinil branco, prateado e cinza, e Tyvek
cos, durante dois dias, das 9:00 às 17:00 com superfície aluminizada. Estas pelícu-
horas. Verificamos uma carga térmica ex- las foram definidas para não criar elemen-
cessiva proveniente das janelas oeste e les- tos capazes de interferir no aspecto exter-
te, chegando a primeira a valores em torno no do edifício e sua aplicação deveria ser 273
Anais | Congresso Abracor 2009
totalmente reversível (ver Figuras 9 e 10). pestanas de madeira na base externa das
Não foram testadas as películas normal- duas folhas das esquadrias. Sobre a cantaria
mente utilizadas, que são coladas sobre de arenito afixamos com cola a base de
vidros, porque estas também interferem na silicone, totalmente removível, uma peça
coloração interna dos ambientes, o que de madeira 3 centímetros mais larga que a
poderia ser prejudicial à conservação pre- cercadura do peitoril e com declividade de
ventiva do acervo. 12 %, para permitir o escoamento da água
Verificamos pelos dados de temperatu- para fora, sendo feita uma pingadeira na sua
ras superficiais obtidos que o revestimen- parte externa inferior em balanço. Com isso,
to com maior capacidade de emissividade a água que descer da janela não escorrerá
e menor absorção foi o Tyvek, resultando pela parede externa. Utilizamos a madeira
na menor temperatura superficial sobre a Ipê Champanhe que é resistente ao sol e as
janela com uma redução de até 15 o C, em chuvas, além de ter coloração clara, seme-
relação à superfície de vidro, ambos me- lhante ao arenito. Essas peças receberam
didos em uma janela na fachada oeste. O acabamento em verniz naval e as pestanas
recobrimento foi feito apenas na superfí- foram pintadas na mesma coloração verde
cie do vidro aplicado com fita adesiva de das janelas (ver Figura 11). As calhas do
dupla face, deixando o caixilho de madei- peitoril de pedra foram limpas e
ra totalmente à vista. desentupidas todas as pingadeiras existen-
Para corrigir a penetração da chuva pe- tes na própria cantaria. Após a instalação
las janelas foi proposta uma antiga solu- do sistema houve um temporal e foi cons-
ção, com a fixação, com parafusos, de tatada a correção da proposta.

Figuras 8, 9 10 e 11 – Aspecto da janela sem intervenção; vidros com películas para teste; aspecto final da janela com revestimento
de Tyvek e aspecto da pestana e peitoril de madeira, acrescentados à janela.

4. Sistema de condicionamento ambiental proposto


O Salão Nobre foi monitorado diversas persando pontos de umidade ou de tempe-
vezes durante o processo de implantação da ratura mais elevada, através de fluxos cru-
Reserva Técnica para se obter seu zados auxiliares à renovação natural do ar
mapeamento ambiental e determinar o com- internamente, considerando a ventilação,
portamento higrotérmico e os pontos de quando forem abertas as janelas (ver Figu-
maior ou menor temperatura e /ou de umi- ras 12 e 13). Para garantir a renovação e
dade relativa, para definir as correções dos qualidade do ar, foi estabelecido um esque-
pontos mais negativos, sob a ótica da con- ma de rotinas a serem obedecidas, para a
servação preventiva do acervo. Esse proce- abertura e fechamento de janelas específi-
dimento também orientou a organização das cas segundo a hora do dia e as condições
coleções, segundo a materialidade de seus de tempo, considerando as ocorrências cli-
suportes, considerando sua maior ou me- máticas e sazonais do exterior.
nor fragilidade em relação às oscilações No sentido de corrigir os pontos de mai-
ambientais e características da sala. or umidade relativa dentro da sala foram
Partindo da configuração do espaço e da instalados dois aparelhos
localização das aberturas estudamos a cri- desumidificadores sob as duas janelas la-
ação de fluxos de ventilação mecânica terais da fachada oeste (ver Figura 12). Es-
auxiliares, sendo proposta a instalação de ses aparelhos possuem um humidostato
três ventiladores acima das janelas nas que aciona o equipamento a partir de de-
paredes leste e oeste e sobre a porta dupla terminada umidade relativa do ar, sendo
de entrada. Sua localização foi definida fixado como valor máximo, aproximada-
para promover a aeração geral do ambiente mente, 70% de umidade relativa. Esse valor
criando uma homogeneização no ar, e dis- foi definido com base nos dados observados
274
Anais | Congresso Abracor 2009
no próprio museu e que consideramos ade- venção contra contaminação do ar dentro
quado, dentro dos padrões de conforto, e para da Nova Reserva. Considerando a cubagem
a conservação preventiva das obras adapta- da sala de 240m3 foram instalados 3 purifi-
das ao clima quente e úmido. cadores de ar com capacidade de purifica-
Foram também instalados purificadores ção de 120m3 cada. Dois foram instalados
de ar, como medida de prevenção contra na fachada oeste, por ser a que tem maior
ataque e proliferação de micro-organismos número de janelas e receber mais influên-
que possam ameaçar a integridade das cia externa e um na esquina das paredes leste
peças armazenadas, aumentando-se a pre- e sul.

Figuras 12 e 13 – Esquema de localização e instalação dos equipamentos mecânicos na sala da RT.

5. Conclusões
O sistema instalado funciona origem provável é a contaminação aérea re-
alternadamente com as condições sultante do tráfego intenso da Avenida Con-
ambientais do lugar, e assegura a conser- torno e o incremento de poluição proveni-
vação preventiva do acervo, a redução dos ente das embarcações da Marina da Contor-
custos na sua manutenção e o racionamen- no e da Baía de Todos os Santos. Para prote-
to do uso da energia elétrica. Para garantir ger do acervo foi testado climaticamente um
essas condições estabelecemos rotinas e tecido não tecido e proposto a cobertura de
critérios para aproveitamento das condi- todas as peças armazenadas.
ções externas do tempo, os horários do dia Complementando a implantação da RT
e as estações do ano, e as necessidades do foi elaborado um Plano Integrado de Con-
acionamento dos equipamentos mecâni- servação Preventiva composto de três par-
cos complementares. tes: Programa de Conservação Preventiva
Durante a instalação da RT foi verifica- do Edifício e Acervo; Roteiro para Preven-
do o acúmulo de um particulado de colo- ção a Situações de Risco e Emergência, e
ração escura, muito fino depositado sobre um Manual de Gerenciamento e Uso da
o mobiliário e na cobertura das peças, cuja Reserva Técnica.

6. Referências Bibliográficas
KLÜPPEL G. et al. Diagnóstico de Conservação: Museu de Arte Sacra. Salvador, 1998. 275
Anais | Congresso Abracor 2009
276
Anais | Congresso Abracor 2009
DANNEMANN, João Carlos Silveira,
Arquiteto e Urbanista (FAUFBA), Mestre em Artes Visuais (EBA / UFMG),
Especialista em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis
(CECOR / EBA / UFMG), Professor Assistente da EBA / UFBA

KLÜPPEL, Griselda Pinheiro,


Arquiteta, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da
Bahia. Atualmente é Professora Adjunta IV da (UFBA).

GOMES, Ana Vitória Mello de Souza,


Arquiteta e Urbanista (FAUFBA)

Conservação e Restauração do Acervo


Armazenado na Reserva Técnica do Museu de
Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia

Projeto para implantação da Reserva Técnica Prof. Edgard Santos no Museu de Arte
Sacra da Universidade Federal da Bahia (MAS). Diagnóstico do estado de conservação
e tratamento das coleções para armazenagem na reserva técnica.

Diagnosis and treatment of the collections stored in the Sacred Art Museum of the
Federal University of Bahia.

Palavras-chave:
Conservação – Restauração – Armazenagem - Acervos

Introdução

O Museu de Arte Sacra da UFBA (MAS) foi Dra. Maria Hermínia Hernandez e o restau-
aberto ao público em 1959, adaptado em uma ro das coleções sob coordenação do Prof.
edificação do século XVII, antigo Convento João Dannemann. Complementando a equi-
de Santa Teresa de Ávila, em Salvador. Abri- pe, a arquiteta Ana Vitória Gomes foi res-
ga uma das maiores coleções de arte sacra da ponsável pela logística e processos executi-
América do Sul, incluindo esculturas, pintu- vos. O projeto foi financiado pelo Progra-
ras, ourivesaria, paramentos litúrgicos e mo- ma de Adoção de Entidades Culturais da
biliário histórico. Bens artísticos integrados ao Caixa Econômica Federal no ano de 2006,
edifício, como retábulos, painéis de azulejos sendo concluído em 2007, contemplando
e forros pintados complementam o acervo do todo o acervo armazenado no espaço da re-
importante museu. serva técnica do MAS, incluindo
O trabalho aqui apresentado faz parte mapeamento, estudo, diagnóstico do esta-
do projeto para a implantação da reserva do de conservação e intervenção para resta-
técnica Professor Edgard Santos, no referi- belecer a integridade das obras. Descreve-
do museu, tendo como Coordenadora-geral remos aqui, sucintamente, a metodologia
a Professora Griselda Pinheiro Klüppel. A adotada para o tratamento das coleções
coordenação da documentação do acervo ar- selecionadas.
mazenado foi responsabilidade da Profa.

Tratamento do Acervo
Para iniciar os procedimentos técnicos de acondicionamento (caixas e capas), bem
diagnóstico, tratamento e embalagem das como para armazenar o material a ser utili-
coleções, o layout do Setor de Conservação zado nas mesmas, como placas de
e Restauração do MAS foi revisto, polietileno expandido, polipropileno e
redistribuindo-se o mobiliário e os equipa- papelão, rolos de TNT e de polietileno.
mentos do local de forma a atender ao gran- Devido ao grande número de obras em
de número de obras selecionadas para o tratamento ao mesmo tempo, fez-se neces-
projeto. Foi necessário também criar espa- sário utilizar um instrumento para a siste-
ço para a confecção das embalagens de matização da coleta de dados sobre cada 277
Anais | Congresso Abracor 2009
exemplar. Para esse fim, criou-se uma ficha vação. O conceito utilizado para esta se-
para diagnóstico, um documento tipo check- leção considerou que os exemplares com
list. Nesta ficha, além da identificação, ma- possibilidades de participar do rodízio da
teriais constituintes e tipologia, foram apon- área de exposição do museu fossem res-
tados os seus problemas de conservação e taurados, para poderem cumprir essa fi-
sugeridos os procedimentos técnicos para o nalidade. Na restauração desses exempla-
tratamento, com espaço para o registro de res deu-se ênfase à higienização,
materiais utilizados em cada etapa, indivi- desinfestação e consolidação dos supor-
dualizando a abordagem e ao mesmo tempo tes, refixação e apresentação estética das
possibilitando a avaliação de forma ágil do camadas pictóricas. Obras de menor
acervo de forma conjunta. Essa documenta- representatividade, e, por esse motivo,
ção complementou as outras de praxe, como sem chances de serem expostas no MAS,
o registro fotográfico, codificação e marca- foram apenas conservadas, com ênfase na
ção. sua higienização e desinfestação quando
Além da determinação do estado de con- necessária, eliminando-se as chances de
servação de cada obra, o diagnóstico pos- contaminação do ambiente da reserva téc-
sibilitou o estabelecimento das priorida- nica. O tratamento das coleções de ima-
des, ou seja, a sequência de tratamento das ginária e pinturas foi priorizado, pela
coleções, em função do seu grau de dete- maior demanda de tempo necessário nas
rioração, sendo definidos os casos graves intervenções dessas tipologias. O mobili-
e prioritários (emergências, infestações etc) ário e coleções de ourivesaria foram tra-
e a ordem de transferência para o Setor de tados posteriormente, por apresentarem
Conservação e Restauração do MAS. menores problemas. Por último, foram
A partir do diagnóstico individual, em higienizados os têxteis, para permitir a sua
função do estado de conservação e da qua- armazenagem segura e no futuro recebe-
lidade estética, artística e relevância his- rem tratamento específico. De forma ge-
tórica, determinou-se o grau de tratamen- ral, a sequência de tratamento das cole-
to para cada obra, restauração ou conser- ções, obedeceu à ordem abaixo:

Prioridades de Tratamento para as Coleções do MAS

1o. Obras infestadas por xilófagos – procedimento: isolamento e desinfestação ime-


diata.
2o. Obras com desprendimentos de policromia – procedimento: faceamento e
refixação do tecido figurativo.
3o. Obras com problemas estruturais (partes soltas, mobilidade de blocos constituin-
tes, perdas) – procedimento: reunião, mapeamento e refixação das partes.
4o. Acúmulo de sujidades, oxidação de vernizes e camada pictórica e perdas de
informações estéticas – procedimento: testes de solvência, limpeza, prospecções para
visualização de camadas subsequentes, remoção de repinturas, reintegração cromática e
apresentação estética.
5o. Oxidação e problemas estruturais do acervo de metal – procedimento: adequa-
ção da estrutura, limpeza química e aplicação de camada de proteção.
6 o. Acúmulo de sujidades no acervo têxtil – procedimento: limpeza mecânica ma-
nual e aspiração.
7o. Acúmulo de sujidades em peças íntegras – procedimento: limpeza química e
mecânica manual e aspiração.

Os estudos históricos, estilísticos e ração e estabilizar materiais constituintes,


iconográficos se fizeram presentes quando recuperando a unidade potencial das obras
necessários, contribuindo para maior preci- e a sua leitura estética. Os materiais e téc-
são dos resultados e para a elaboração das nicas adotadas nas intervenções obedece-
propostas de tratamento de cada coleção. O ram aos critérios de compatibilidade e
reconhecimento das técnicas construtivas e reversibilidade, de acordo com a filosofia
a definição da intervenção adequada depen- do restauro contemporâneo. Testes de sol-
deram muitas vezes da contextualização his- vência e adesão foram realizados previamen-
tórica e estética de cada objeto. te e individualmente, contribuindo para a
A proposta de tratamento das coleções melhor seleção dos materiais e adequação
278 objetivou reverter os processos de deterio- dos procedimentos.
Anais | Congresso Abracor 2009
Descrição dos Procedimentos Técnicos
Higienização e Desinfestação pictórica foram utilizados adesivos, apli-
das Coleções cados de forma pontual e de forma geral,
A etapa inicial do tratamento das obras para a preservação da informação do teci-
selecionadas foi a sua higienização, per- do figurativo. Durante o manuseio e trans-
mitindo seu manuseio e análise mais porte, policromias sensíveis em risco ou
acurada. Foi essencial a remoção de processos de perdas graves receberam
particulados e outros corpos estranhos faceamento, com bandagens provisórias
depositados sobre o substrato das obras. fixadas com a aplicação de um adesivo
Primeiramente, a higienização foi feita de tênue e bastante reversível (carbóxi-metil-
forma mecânica, com a utilização de pin- celulose-CMC).
céis e trinchas secas e macias, em movi-
mentos delicados, partindo da parte supe- Consolidação de Suportes
rior da obra em direção à sua base. Du- Os problemas de conservação dos su-
rante este procedimento, verificou-se a si- portes das obras eram, de forma geral, mo-
tuação da camada pictórica e a necessida- bilidade, destruição por insetos xilófagos,
de de refixação e ou contenção, no caso perdas de matéria constituinte e fragilida-
de craquelês e desprendimentos. Após a de. A consolidação dos suportes foi execu-
limpeza mecânica, foram realizados tes- tada com a complementação das áreas per-
tes de solvência para a definição dos didas, obturação de lacunas, impregnação
solventes adequados para a limpeza quí- com resinas para estruturação de fibras com-
mica. Remoções de repinturas e vernizes prometidas, além da refixação de blocos
oxidados foram feitas posteriormente, após com mobilidade. A utilização de materiais
estudos específicos. Durante a compatíveis e reversíveis foi uma das pre-
higienização foram detectadas várias obras missas importantes nessa etapa.
infestadas por insetos xilófagos (isópteros
e coleópteros). Nesses casos, a Remoção de Repinturas
metodologia previu o isolamento imedia- Através da análise das prospecções nas
to do exemplar e aplicação de produto in- camadas de pintura das obras, muitas ve-
seticida para eliminação da praga. Após zes foram detectadas repinturas e áreas de
período de quarentena, seguiu-se o trata- retoques alterados (oxidação de pigmen-
mento necessário. Lembramos que para tos). Para essas zonas de interferência, pro-
essa etapa, foram utilizados equipamen- cedeu-se a realização de testes de solvên-
tos de segurança como guarda-pós, luvas, cia, para a adequação dos produtos quí-
óculos e máscaras com filtros de carvão micos e a completa remoção das mesmas
ativado para a proteção dos membros da com segurança.
equipe técnica.
Reintegração Cromática
Tratamento Emergencial As lacunas superficiais receberam mas-
dos Suportes e Camada Pictórica sa de nivelamento à base de carbonato de
Muitas obras apresentavam problemas de cálcio e cola protéica, obtendo-se uma
suporte, incluindo mobilidade, desprendi- superfície uniforme para ser, em seguida,
mento e descolamento de partes constituin- polida e adequada para a complementação
tes. O mapeamento e refixação imediata fo- cromática, a partir de estudo das referên-
ram procedimentos aplicados a esses casos. cias existentes na própria peça ou por ana-
Quando impossível proceder a refixação logia. Utilizaram-se técnicas ilusionistas
imediata, procuramos manter as partes cons- para eliminar ausências das camadas de
tituintes próximas ao exemplar, utilizando, ornamentação (lacunas), permitindo a lei-
por exemplo, envelopes identificados. tura da obra de forma mais completa, re-
Para casos onde foram detectados versível e dentro dos critérios contempo-
craquelês e desprendimentos da camada râneos de restauro.

Conclusão
O Museu de Arte Sacra da UFBA é um firmado entre a Arquidiocese de Salvador e
grandioso guardião das nossas referências a Universidade Federal da Bahia, vem
culturais. Armazena exemplares valiosos, implementando as suas instalações, dentro
expoentes da manifestação luso-brasileira das recomendações da conservação preven-
voltada para a fé e a religiosidade. Em meio tiva, contornando de forma exemplar as
século de existência, a partir do Convênio implicações de uma adaptação museográfica
279
Anais | Congresso Abracor 2009
em uma edificação antiga. tado de conservação. Além dos objetivos
A implantação da Reserva Técnica Pro- já mencionados, este projeto permitiu o
fessor Edgard Santos, no Museu de Arte estabelecimento de intercâmbio com ins-
Sacra da UFBA, complementou a tituições de ensino superior como Escola
infraestrutura da instituição e permitiu o de Belas Artes da UFBA e Universidade
correto acondicionamento e Católica do Salvador, recebendo estudan-
armazenamento de suas coleções, contri- tes de graduação para estágios relaciona-
buindo para a sua preservação. Para se- dos com acervos históricos e sua preser-
rem armazenados, cerca de 1000 exem- vação, além de contribuir para a inclusão
plares de diversas tipologias foram adequa- social de jovens aprendizes, egressos da
damente tratados em um período de 12 Fundação da Criança e do Adolescente
meses, após cuidadoso diagnóstico do es- (FUNDAC).

Figuras 1 e 2 – Processo de limpeza de têxteis: Etapas de limpeza mecânica e aspiração à baixa velocidade, para evitar danos.

Figuras 3, 4 e 5 – Tratamento do acervo de prata.

Figuras 8 – Refixação e nivelamento de


Figuras 6 e 7 – Limpeza mecânica de escultura e refixação de blocos constituintes. camada pictórica.

Figuras
11 e 12
Detalhes do
Figuras 9 e 10 – Estagiários trabalham na apresentação estética da escultura; a estudante em primeiro processo de
plano, deficiente visual é auxiliada pelos colegas em uma vivência sensorial da restauração. Detalhes remoção
da escultura Cristo Morto restaurada. mecânica
de repintura.
280
Anais | Congresso Abracor 2009
Shin Maekawa
The getty Conservation Institute, LA, USA
Claudia S. Rodrigues de Carvalho
FUndação Casa de Rui Barbosa/ MinC, RJ , Brasil
Franciza Toledo
Conservare Ltda., RE, Brasil
Vincent Beltran
The Getty Conservation Institute, LA USA

1
MAEKAWA, S.,
SISTEMA DE CONTROLE CLIMÁTICO PARA A TOLEDO, F. (2003)
“Sustainable Climate
Control for Historic
BIBLIOTECA RUI BARBOSA: PRESERVAÇÃO DA Buildings in Hot and
Humid Regions.”
Management of
COLEÇÃO E MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE Environmental Quality: An
International Journal Vol.
14, No. 3: 369-382.
CONFORTO DOS VISITANTES MAEKAWA, S., GARCIA
MORALES, M. (2006)
“Low-Cost Climate
Control System for
Museum Storage Facility
on Tenerife Island.”
Uma estratégia de controle climático que se traduzisse em uma alternativa à forma padrão Apresentado no 25º
International Conference
de condicionamento de ar foi projetada para a biblioteca do Museu Casa de Rui Barbosa, no of Passive and Low
Energy Architecture
Rio de Janeiro, Brasil. A partir de diagnósticos do edifício, da coleção, bem como análise (PLEA 2006) em Geneva,
das condições ambientais foram desenvolvidas e executadas estratégias para melhoria do Suiça,
MAEKAWA,S.,
clima interior. Em paralelo ao reparo do envelope do edifício e do rejuvenescimento dos BELTRAN, V., TOLEDO,
F. (2007) “Testing
detalhes construtivos originais, que visavam o controle passivo do ambiente, foi instalado Alternatives to
Conventional Air-
um sistema de controle climático. Este sistema, localizado no porão e no entre-forro de Conditioning in Coastal
Georgia.” APT Bulletin,
modo a preservar a visualidade dos ambientes, é baseado na ventilação e na desumidificação Vol 38, No. 2-3
Association of
para promover a preservação da coleção na biblioteca. Ao longo do percurso do visitante a Preservation Technology
International: p3-11.
velocidade do ar circulante foi aumentada de modo a melhorar as condições de conforto Apresentado no Annual
Meeting of APT
humano por convecção. A conservação de energia foi incorporada ao sistema através do uso International, em Atlanta,
da ventilação, quando o ar exterior está seco e fresco; da recirculação do ar desumidificado GA.

e da hibernação do sistema fora dos horários de visitação. O sistema instalado mantém a


umidade relativa em 60 ± 5% e 25 ± 3°C, com níveis da poluição do ar reduzidos.
Contribuem ainda para o conforto dos visitantes a umidade mais baixa, a sensação de ar
limpo, eliminação da luz solar direta, e os baixos níveis de ruído.

Palavras-chave:
Controle Ambiental, Conservação Preventiva, Sustentabilidade, Preservação Integrada
Edifício & Coleções, Economia de energia, Conforto.

INTRODUÇÃO

As instituições culturais têm usado siste- A eficácia de estratégias de ventilação e


mas convencionais do condicionamento de desumidificação, ou de aquecimento para
ar, como meios de controle climático. Em- conservação, para o estabelecimento e ma-
bora tais sistemas sejam capazes de mode- nutenção de ambientes seguros para cole-
rar o ambiente para a preservação da cole- ções, em climas quentes e úmidos, tem sido
ção e também para o conforto humano, a confirmada com experimentações de cam-
sua utilização pode causar problemas signi- po1, no entanto, sua capacidade a promo-
ficativos a médio e longo prazos. Os custos ver o conforto humano, mantendo tal am-
instalação, operação e manutenção, bem biente, ainda não tinha sido testada.
como os danos que a instalação pode cau- Com dez mil visitantes por ano, o Museu
sar nas estruturas históricas são apenas al- Casa de Rui Barbosa, edificação do século
guns destes problemas. XIX, tombado pelo IPHAN- Instituto do

281
Anais | Congresso Abracor 2009
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – do de 630 m3). As salas contêm a coleção de
IPHAN, no Rio de Janeiro, foi identificado livros de Rui Barbosa em armários e estantes
como local ideal para se testar a aplicabilidade feitos sob medida. Dada a significância e
da estratégia de controle climático em um vulnerabilidade desta coleção, esta área foi
contexto onde o conforto humano era uma selecionada para o projeto de melhoria cli-
consideração importante. A coleção de Rui mática.
Barbosa inclui obras de arte, mobiliário, e os Em 2004, um projeto foi iniciado entre o
diversos automóveis, destacando-se a biblio- Instituto Getty de Conservação - GCI e a Fun-
teca, com mais de 30.000 títulos, preservada dação Casa de Rui Barbosa, com o objetivo de
em seu local original. melhorar as condições internas da casa, pro-
A biblioteca, situada no primeiro andar do movendo o conforto humano dentro de um
edifício da alvenaria do século XIX, ocupa ambiente estável e seguro para as coleções. Esta
cinco salas interconectadas: Sala Constitui- iniciativa foi um projeto único de melhoria
ção, Sala Civilista, Sala Casamento Civil, Sala climática para casas históricas no Brasil, onde
Código Civil, e Corredor Ruiano. As cinco a preservação das coleções e do edifício, o con-
salas têm uma área total de 165 m2, com um forto do visitante, e a sustentabilidade foram
pé direito de 3,8 m (e volume total aproxima- abordados conjuntamente.

A Metodologia
A maior ameaça às coleções, em regiões lativa em menos de 65%, para proteger a
quentes e úmidas, é biodeterioração, e o coleção de deteriorações biológicas e me-
ataque de fungos e bactérias. Isto pode ser cânicas, com pequena variação de tempera-
controlado mantendo a umidade relativa tura. Deste modo, o controle climático pode
ambiente menor que 65%. Os danos mecâ- ser tecnologicamente simples e economi-
nicos, como rachaduras e deformações, camente sustentável. A temperatura do ar
podem ser controlados através de um ambi- da biblioteca foi limitada a 28ºC, quando o
ente com umidade relativa estável, que li- conforto humano é significativamente afeta-
mita suas dilatações higrométricas. A de- do, e teve como fim evitar a possibilidade
gradação química, como o envelhecimento de condensação na coleção e no edifício.
e a oxidação, é considerada uma ameaça Era importante manter a ambiência his-
menor nessas regiões, uma vez que o pro- tórica na biblioteca, de modo que a estéti-
cesso é relativamente lento, e a maioria das ca original do edifício (exterior e interior)
coleções já atingiu estágios quimicamente deveria permanecer intacta. Isto significou
estáveis em reservas técnicas e espaços nenhuma alteração nas paredes nem nos
expositivos. Entretanto, o processo pode ser tetos do edifício. Por último, o edifício é
retardado mantendo o ambiente refrigera- frequentemente visitado por estudantes,
do, mais seco e escuro. consequentemente, quantidades adequadas
O controle da temperatura e da umidade de ar fresco devem ser fornecidas na biblio-
relativa do ar é tecnicamente difícil e caro, teca para sua segurança e conforto.
especialmente em edifícios históricos, e por O projeto foi desenvolvido em quatro eta-
isso o projeto para controle climático da pas: diagnóstico, desenvolvimento da estra-
Bilioteca Rui Barbosa visou a manutenção tégia, execução, monitoramento e
de um ambiente estável, com umidade re- melhorias.

DIAGNÓSTICO:
A avaliação do envelope do edifício re- 1980, para que o espaço fosse utilizado para o
velou que muitas portas e janelas não esta- armazenamento e exposições temporárias. O
vam funcionando bem e, por isso, permiti- edifício possui características originais de
am a infiltração de grandes quantidades de exaustão do ar quente, consistindo em espa-
ar exterior. Foram examinadas as caracterís- ços abertos nos perímetros dos tetos, no ático,
ticas originais do edifício referentes ao con- e em telhas cerâmicas permeáveis encaixadas.
forto térmico, assim como sua proteção Entretanto, a instalação de uma subcobertura
contra a umidade elevada. As aberturas do tipo Tyvek sob as telhas (para impedir a infil-
porão, projetadas originalmente para venti- tração da água da chuva e da poeira) obstruiu a
lar a umidade do espaço, foram fechadas remoção do ar quente do ático.
com janelas de vidro, instaladas nos anos A avaliação ambiental registrou um ático

282
Anais | Congresso Abracor 2009
quente e um porão úmido. Estes espaços quado da biblioteca Rui Barbosa.
estavam provavelmente impactando o cli- A coleção das obras de arte, de mobiliá-
ma na biblioteca . A prática de abrir janelas rio e de livros na biblioteca. A avaliação da
para ventilação provocava grandes flutuações mobília mostrou que estava em boas con-
de temperatura (22-34°C) e umidade relati- dições. Entretanto, muitas das portas das
va (40-90%) do ar, assim como altos ní- estantes de livros estavam desalinhadas ou
veis de poluição do ar no edifício. Entre- tortas, tendo por resultado um mal fecha-
tanto, o clima dentro das estantes de li- mento. A maioria dos livros foi afetada pelo
vros não era úmido (RH menor que 70%) processo de acidificação de papéis típicos
e permanecia muito estável. Além disso, do século XIX; alguns sofreram danos me-
uma quantidade menor de poluentes cânicos, devido aos maltratos, e ataques de
oxidantes do ar foi encontrada nos armári- fungos e insetos; e muitos foram afetados
os (Fig. 6), indicando que eles proporcio- pelo acúmulo de poeira, devido a uma com-
navam um microambiente protetor, prote- binação de um ambiente empoeirado e a
gendo os livros do ambiente pouco ade- falta de limpeza periódica.

ESTRATÉGIAS DE CONSERVAÇÃO
As recomendações das avaliações acima rão deveria ser ventilado mecanicamente,
foram combinadas para produzir estratégi- equipando-se janelas com filtros de partí-
as de conservação para a biblioteca. Primei- culas para se manter um espaço limpo e
ramente, o envelope do edifício precisou seco. Uma vez que a instalação do sistema
ser reparado para reduzir a infiltração de ar, de controle climático ocorreria no porão e
e as características originais de controle cli- no sótão, estaria escondido dos visitantes e
mático do edifício deveriam ser seria inteiramente reversível.
restabelecidas, tanto quanto possível. As Os dados do clima no Rio de Janeiro, de
melhorias do clima no porão e no sótão 2001 a 2005, coletados por uma estação
foram consideradas especialmente importan- meteorológica independente2 mostraram que
tes. As janelas e as portas da biblioteca de- a ventilação é viável somente 10% do tem-
veriam ser mantidas fechadas para eliminar po, se nós exigimos condições menores que
o ar exterior empoeirado, poluído e instá- 28°C e menores de 70%.
vel. Os livros deveriam ser limpos e retornar As quantidades adequadas de ar fresco
às estantes cujas portas já tinham sido re- devem ser fornecidas para a segurança e o
paradas para fecharem corretamente. Os li- conforto de ocupantes e visitantes. De sua
vros seriam assim protegidos das flutuações experiência operacional, a equipe de funcio-
da umidade relativa e dos impactos da po- nários da FCRB determinou o número máxi-
luição do ar e da poeira no microambiente mo de visitantes na biblioteca em 50, base-
das estantes. ada no arranjo atual da mobília e no percur-
Um sistema de controle climático deve- so do visitante. A Sociedade Americana de
ria ser instalado no porão da biblioteca para Engenheiros de Aquecimento, Refrigeração,
fornecer ar fresco, limpo, filtrado e/ou con- e Condicionamento de Ar (ASHRAE) reco-
dicionado em 55-65% e 22-28° C às salas menda que o ar fresco a ser fornecido é de
da biblioteca usando ventilação e oito litros por segundo por a pessoa3.
desumidificação. O ar insuflado, um pou- Estimando-se que a biblioteca tem uma
co mais quente do que aquele fornecido por infiltração de ar exterior de 1-1,5 trocas de
sistemas típicos de ar-condicionado, foi ar por a hora, foi determinado que o siste-
selecionado para evitar a condensação em ma de controle climático precisaria de mais
dutos de insuflação de ar e em áreas que 2 trocas de ar por hora, de ar fresco, duran-
cercam as grelhas difusoras. Um ventilador te as horas de visitação (8 am - 6 pm), a fim
de exaustão deveria ser instalado no sótão de limitar a concentração de dióxido de
para reduzir a acumulação de calor. O po- carbono em menos de 1000 ppm.

DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE CONTROLE CLIMÁTICO


Um ventilador de insuflação, um venti- temperatura e umidade relativa do ar (um
lador de exaustão, uma unidade “split” de na biblioteca e o outro no exterior do edifí-
condicionamento de ar, uma unidade de cio) são os principais componentes do sis-
controle programável, com dois sensores de tema de controle climático da biblioteca.

283
Anais | Congresso Abracor 2009
A unidade “split” foi projetada para operar dois sensores de temperatura e umidade re-
sempre conjuntamente com a bobina de lativa do ar, situados fora do edifício e na
reaquecimento, situada imediatamente abai- biblioteca.
xo da unidade para trabalhar como um As sequências operacionais consistem de
desumidificador alinhado. À exceção do ventilação, desumidificação, e hibernação,
ventilador de exaustão no sótão, todos os havendo condições que indiquem a neces-
outros componentes estão instalados no sidade da operação simultânea da ventila-
porão da biblioteca. Esses equipamentos são ção e desumidificação, seja para reduzir a
conectados através de uma série de dutos umidade, seja para evitar temperaturas su-
de metal no porão, assim como no sótão. periores a 28ºC.
O ar exterior e o ar recirculado passam atra- Há três tipos de condições operacionais
vés de filtros G3 situados nas extremidades que determinam a modalidade de operação
da fonte de insuflação e de retorno do do sistema: as horas de funcionamento do
desumidificador, antes de serem delicada- museu, a umidade relativa, e a temperatu-
mente liberados na biblioteca através de 30 ra. Segue um sumário das condições
grelhas difusoras distribuídas por todo operacionais e dos correspondentes modos
assoalho da biblioteca, ao longo dos per- operacionais do sistema.
cursos do visitante). Os difusores do tipo Hora Operacional: Durante as horas de
espiral foram usados para permitir um gran- operação do museu, o sistema de controle
de fluxo de ar com uma velocidade limita- climático funciona no modo ventilação ou
da de ar vertical. no modo híbrido. Em ambos, o ar fresco é
O ar de retorno é tomado nas aberturas garantido na biblioteca para promover a
do duto encontradas no lado oeste do segurança e o conforto do visitante. O sis-
assoalho da biblioteca e canalizadas à en- tema pode selecionar o modo
trada da unidade desumidificadora. O ar de desumidificação, mas, quando as horas de
exaustão é tomado das aberturas originais visita terminam, o ar da biblioteca é total-
de ventilação nos perímetros dos tetos de mente recirculado, através do
madeira nas Salas Casamento Civil, desumidificador, até que a umidade relati-
Civilista, Código Civil, assim como no va na biblioteca seja reduzida a 65%.
Corredor Ruiano. A Sala Constituição tem Umidade Relativa: O sistema de contro-
um teto de estuque e, consequentemente, le seleciona o modo ventilação quando a
não tem aberturas de ventilação. Uma gran- umidade relativa na biblioteca é maior que
de câmara fechada foi criada no espaço do 65% e a umidade relativa exterior é menor
sótão acima das salas da biblioteca. O ven- que 65% e a temperatura menor que 28°C.
tilador de exaustão extrai o ar da câmara Se a umidade relativa exterior está acima
através de um duto e transfere-o ao exteri- de 65%, o modo desumidificação ou o
or, através de uma clarabóia, perto da bi- modo híbrido serão selecionados, dependen-
blioteca. do da hora do dia.
Uma unidade programável de controle Temperatura: A temperatura foi adiciona-
lógico (PLC) com relógio interno, também da à sequência operacional do sistema para
situado no porão da biblioteca, controla o promover o conforto térmico dos visitantes,
equipamento de ventilação e de limitando a temperatura da biblioteca a va-
desumidificação. O PLC é programado para lores inferiores a 28°C. Consequentemente,
executar as sequências operacionais basea- é aplicável somente durante as horas de ope-
das nas condições climáticas levantadas por ração do museu (8 am - 6 pm).

MONITORAMENTO E MELHORIAS

Após a instalação e o período de ajuste Uma comparação da poluição do ar atra-


inicial do sistema de controle climático, ele vés de dados coletados na Sala Constitui-
tem produzido e mantido 25 ± 3°C e 60 ção durante os períodos pré e pós-instala-
± 5% na biblioteca, quando a condição ção do sistema de controle climático indi-
exterior variou de 20°C a 38°C e de 35% a caram uma redução na concentração do
100%. Isto mostrou a capacidade do siste- número de variáveis examinadas. Entre os
ma de produzir e manter a condição climá- poluentes, a maior diminuição foi observa-
tica almejada na biblioteca durante um ve- da no ozônio, que indicou uma redução de
rão típico. 85% nos valores relativos às condições an-

284
Anais | Congresso Abracor 2009
tes da instalação do sistema . As concentra- seco, e mais limpo. Janelas e portas fechadas
ções de dióxido de nitrogênio foram redu- também reduziram a luz solar direta e os ruí-
zidas em 30% em relação aos valores que dos do exterior, podendo ter contribuído para
antecederam à instalação do sistema. o conforto dos visitantes.
Dois tipos de partículas, de 1 a 5 mícron No curso da operação do sistema, o cli-
e de 0.3 a 1 mícron, foram examinados. As ma na biblioteca desviou da condição pro-
partículas maiores mostraram uma diminui- jetada, em função da complexidade do pro-
ção de 75% a 85% em concentrações, na Sala grama original do PLC. Por outro lado, ini-
Constituição, após a instalação do sistema. cialmente foi difícil, identificar no merca-
Foi feito levantamento junto aos visitantes do empresa de manutenção capaz de lidar
para identificar o nível de conforto obtido e com a concepção pouco usual do sistema.
os comentários dos visitantes são de que este Atualmente, o sistema tem manutenção pre-
ambiente é mais leve do que o restante da ventiva e corretiva, e as rotinas lógicas es-
casa, em função do ar estar mais fresco e mais tão sendo simplificadas para evitar desvios.

CONCLUSÃO
Um sistema de controle climático, base- ção do edifício histórico e da coleção, as-
ado em ventilação e desumidificação, foi sim como a avaliação ambiental sistemáti-
implantado com sucesso num museu-casa, ca, forneceram subsídios para o estabeleci-
em região de clima quente e úmido. Um mento de uma estratégia de controle climá-
ambiente de preservação estável para a co- tico integrada à preservação do edifício.
leção e o edifício histórico foi estabelecido Este projeto de controle climático, que
e mantido, com a umidade relativa menor produziu com sucesso um ambiente para a
que 65%, permitindo variações de tempe- preservação da coleção, garantindo o con-
ratura entre 22°C e 28°C e evitando a forto humano, estabeleceu um parâmetro
condensação (ou a umidade elevada) no metodológico para aplicação desta estraté-
interior do edifício, demonstrando a viabi- gia sustentável, simples e de baixo custo
lidade de se promover o conforto humano, para melhoria do clima nas instituições cul-
através de um nível mais baixo de umida- turais em climas quentes e úmidos.
de, de uma sensação de limpeza do ar, da Este projeto foi financiado pela Fundação
eliminação da luz solar direta, e da redução Vitae (São Paulo, Brasil). Os autores dese-
dos níveis de ruído. jam agradecer à Fundação e à Sra. Gina Ma-
O sucesso do projeto foi atribuído a um chado, então gestora da área de cultura, pelo
projeto, execução, e avaliação bem apoio financeiro e logístico, assim como o
estruturados. Os diagnósticos de conserva- seu incentivo durante todo o projeto.

285
Anais | Congresso Abracor 2009
286
Anais | Congresso Abracor 2009
BARBOSA, Karen Cristine
Especialista em Conservação e Restauração de Bens
Culturais Móveis – CECOR - UFMG
Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand-MASP

Embalagens de Obras de Arte – Arte em Trânsito

O objetivo deste trabalho é salientar a importância que tem uma embalagem adequada
a cada obra durante seu transporte, além da essencial presença do courier durante todo o
trajeto de transferência. Como o MASP possui obras-primas em seu acervo que são fre-
quentemente requisitadas para participação em exposições no mundo inteiro enfatiza-se
que estas embalagens sejam devidamente elaboradas para atender adequadamente sua
função. É apresentado neste trabalho o complexo conjunto de caixas construídas para
embalar as 73 esculturas de Edgar Degas.

This work intends to emphasize how important is to elaborate special and safe crates
to transport art work and the fundamental job of the courier escorting them. As MASP
has in its collection relevant master pieces that are frequently requested from important
museums around the word it is important to have the adequate construction and
functionality of these safe crates. The example of the crates that MASP projected to
bring the 73 sculptures from Edgar Degas will be presented.

Palavras-chave:
embalagem, Degas, courier, transporte, trânsito

Introdução

O planejamento da embalagem de uma a coleção completa de bronzes de Degas,


obra de arte é muito importante para a se- estas esculturas são bastante requisitadas
gurança da mesma durante seu transporte. para exposições em museus americanos e
Assim como é importante o papel do courier europeus. Desde que tivemos o pedido de
que acompanha seu trajeto com cuidados participação em quatro exposições conse-
específicos para diferentes tipos de obras. cutivas pelos EUA e Itália, tivemos o cui-
No caso das 73 esculturas em bronze dado de planejar embalagens que além de
de Edgar Degas, pertencente ao acervo do proteger as obras, facilitasse sua embala-
MASP, foi feito um minucioso trabalho gem e desembalagem, já que se tratavam
para seu transporte. Como o MASP possui de 73 esculturas.

Planejamento das caixas


O primeiro passo foi estudar as obras que seriam embaladas levando em consideração os
seguintes itens:
• Material de construção das esculturas e suas fragilidades.
• Tamanho e peso para uma melhor distribuição dentro das caixas.
• Necessidade de dividir as obras em dois grupos, em função do valor do seguro.
Uma vez feita a distribuição das esculturas por caixas, foi feito o planejamento das embala-
gens que deveriam atender às seguintes expectativas:
• Proteção contra choque.
• Amortecimento durante o transporte.
• Proteção contra mudanças bruscas climáticas.
• Facilidade na embalagem e desembalagem.
• Possibilidade de manuseio seguro.
• Tamanhos adequado para transporte no interior do MASP.
• Proteção contra eventuais chuvas na pista dos aeroportos.
• Identificação interna nas caixas para melhor visualização, por meio de fotos e núme-
ros, pois algumas esculturas são muito semelhantes.
• Identificação e sinalização externa nas caixas.
• Pé de apoio para as caixas com distanciamento do solo, para facilitar o encaixe de
empilhadeiras e evitar que molhe, no caso de eventuais chuvas. 287
Anais | Congresso Abracor 2009
Execução das caixas
As caixas foram construídas em compen- seu próprio nicho. Esses nichos, divididos
sado de madeira grossa, de forma a dar uma em compensado, foram distribuídos em an-
boa resistência externa contra choques. Para dar superior e andar inferior. Para algumas
garantir o isolamento térmico das escultu- caixas, os dois andares possuem abertura fron-
ras, foram coladas placas de isopor nas pa- tal, para outras, abertura frontal e superior.
redes internas. Nos quatro cantos internos Os nichos de madeira foram revestidos com
foram colados blocos de etaphoam, para um espuma de densidade mediana e tatuam na
melhor amortecimento. Estávamos traba- base. O objetivo principal no projeto era que
lhando com esculturas em bronze, com uma cada escultura pudesse ter seu nicho
distribuição de aproximadamente 8 a 10 anatomicamente moldado e forrado com
esculturas por caixa, resultando em um peso material macio para que não fosse necessá-
considerável. Com isso, tivemos a atenção rio embalar uma a uma. Utilizamos então
de reforçar a base com mais blocos de blocos de espuma de 5 e 10 cm de espessu-
etaphoam e distribuir o peso harmoniosa- ra, esculpidas internamente com bisturi, de
mente dentro da caixa. As vedações das tam- forma que cada escultura entrasse como mão
pas da caixa externa foram feitas com em uma luva. Estas espumas esculpidas fo-
neoprane para permitir um ajuste perfeito. ram forradas com TNT (tecido-não-tecido),
Internamente foi construída uma segunda de forma que não necessitava embalar as es-
caixa de madeira com um compensado um culturas individualmente. Dependendo do
pouco mais fino que o da caixa externa. Para peso e formato das esculturas, algumas des-
esta caixa foi feito uma distribuição em ni- lizam para frente com o apoio de uma base
chos, de modo que cada escultura possui o de madeira, tipo gaveta. Para as tampas in-

Caixa com abertura frontal sem as esculturas Caixa com abertura frontal com as esculturas

ternas de espuma forrada, foi colocada a iden-


tificação de cada peça, com números e pe-
quenas fotos. Contornando a tampa de es-
puma foi amarrada uma fita de algodão com
a identificação do número de série da obra,
que além de auxiliar na remoção da tampa
de espuma, auxilia na identificação da es-
cultura, acompanhando-a até a hora que ela
receba sua identificação definitiva na expo-
sição.
Para o fechamento da caixa interna de
madeira optou-se por substituir os parafu-
sos por clips de pressão, facilitando a aber-
tura e fechamento das mesmas.
Para duas esculturas de maior dimensão
foram executadas caixas individuais, caso da
“Pequena Bailarina de 14 anos” e “Bailari-
na de 14 anos nua”. Neste caso, também
com caixas duplas de madeira, foram feitas
“Pequena Bailarina de 14 anos”
traves em madeira e espuma forrada, em lo-
cais específicos das esculturas de modo a dar tim no cabelo, procuramos deixar estas áre-
estabilidade às mesmas sem maiores conta- as livres de contatos diretos. Tratando-se de
tos diretos. Como a “Pequena Bailarina de esculturas grandes, fizemos um sistema de
14 anos” possui saia de tecido e fita de ce- deslizamento da base, para facilitar a colo-
288
Anais | Congresso Abracor 2009
cação e retirada da escultura da caixa. em dois lotes, de acordo com o valor do
As 73 esculturas foram divididas em 12 seguro e sempre viajam separadamente para
caixas diferentes, sendo que duas escultu- uma maior segurança da coleção.
ras de maior dimensão ficaram em caixas Todas as caixas foram planejadas e execu-
individuais. As 12 caixas foram divididas tadas pela equipe de funcionários do MASP.

Trânsito das obras e a importância do courier


Todas as obras do MASP, quando saem de arte. Não se pode ter nada que eventual-
em empréstimo, são acompanhadas, mente possa vazar para a caixa que possui
impreterivelmente por um courier. Este obras de arte.
courier é treinado de forma a assegurar a • O courier deverá embarcar no mesmo voo
proteção da obra durante seu transporte des- que a obra de arte, portando o laudo técni-
de a saída do museu até a colocação da obra co em mãos, nunca na mala.
em seu local expositivo. • O courier deverá ter em mãos todos os
contatos do MASP e do museu a que está
Consideramos como emprestando, além dos contatos da pessoa
função do courier: e/ou empresa que deverá estar esperando por
• Checar o laudo junto ao conservador do ele no aeroporto.
MASP. O conservador é quem faz o laudo • O courier de verá acompanhar a
e instrui o courier quanto ao estado de con- despaletização da obra no terminal de car-
servação da obra e suas fragilidades. Todos gas e zelar pelo manuseio seguro de sua cai-
os detalhes e cuidados com a embalagem xa.
são anotados no laudo. • Quando a caixa estiver bem presa no ca-
• Acompanhar a embalagem da obra, para minhão, o courier deverá entrar e checar sua
quando chegar ao seu destino, ter condi- estabilidade. Só então permitir que o cami-
ções de orientar ou tirar dúvidas da equipe nhão seja fechado e trancado.
que fará a desembalagem da obra. • O courier deverá acompanhar o caminhão
• Acompanhar a obra desde a hora em que até o museu onde será a exposição e deixar
sai do MASP até sua chegada ao destino. a caixa em local seguro e climatizado den-
Costumávamos fazer todo este trajeto com tro do museu até que a obra seja
uma única pessoa, porém como os trâmites climatizada. É importante frisar que nin-
de liberação de obras na alfândega do Bra- guém deverá manusear as caixas sem a pre-
sil são muito longos, e o courier normal- sença do courier.
mente passa por longas viagens além de • No primeiro momento que o courier che-
acompanhar paletização ou despaletização gar ao museu, ele deverá checar o espaço
também em outro país, optamos por enviar onde será a exposição e suas condições de
outra pessoa do museu para acompanhar os climatização.
procedimentos da alfândega nacional e a • Depois de climatizada, a caixa é aberta
paletização ou despaletização das caixas. com a presença do courier que irá instruir
Esta pessoa é responsável por passar todas os técnicos na hora da desembalagem.
as informações para o courier antes de seu • O courier deverá conferir o laudo com uma
embarque, inclusive o número do palete que lente de aumento e boa iluminação e acom-
a caixa se encontra e se já está dentro do panhar até que a obra esteja no seu local
avião. No caso de viagem terrestre, o courier definitivo na exposição. Se for pintura, que
acompanha dentro do próprio caminhão ou
em um carro que escolta o caminhão.
• Quando courier acompanha a paletização,
é importante orientar a equipe do terminal
de cargas a sempre colocar um ou dois plás-
ticos embaixo da caixa e cobrir bem as cai-
xas por cima de forma a não deixar furos
em que eventualmente possam entrar águas
de chuva. Também é importante que a cai-
xa esteja bem firme de modo a não correr
riscos de cair.
• Não se deve empilhar caixas de obras de
arte em um palete.
• O courier deverá checar quando outras mer-
cadorias estão no mesmo palete que a obra Caminhão da FEDEX em transferência nos EUA 289
Anais | Congresso Abracor 2009
esteja na parede, se for escultura, que esteja • O courier deverá lembrar à equipe do mu-
em uma vitrine fechada e assim por diante. seu, que ninguém deverá tocar na obra, lim-
• É importante que o courier certifique-se par, abrir vitrines ou trocá-las de lugar. Mes-
que as caixas, mesmo vazias serão mantidas mo estando tudo escrito no contrato, sem-
em locais limpos e seguros. No caso das pre vale lembrar.
caixas do Degas sempre pedimos para que • Os mesmos procedimentos valem para o
sejam mantidas em depósitos climatizados. retorno das obras.

Conclusão
Cada vez mais constatamos que uma boa requisitadas para empréstimos, e procurar-
embalagem e o cuidadoso acompanhamen- mos proteger o máximo que podemos, seja
to do courier são primordiais para a seguran- com proteção no verso das pinturas, vidros
ça de uma obra de arte em trânsito. Contu- especiais e/ou vitrines microclimatizadas, res-
do, mesmo com todos os cuidados já men- peitamos, antes de mais nada o estado de
cionados, é importante lembrar que obras conservação de uma obra, sua fragilidade e
frágeis NÃO devem ser emprestadas. No histórico. É importante conhecer a obra e ze-
MASP, apesar de termos sempre nossas obras lar pela sua conservação, acima de tudo.

290
Anais | Congresso Abracor 2009
Educação
Patrimonial

291
Anais | Congresso Abracor 2009
292
Anais | Congresso Abracor 2009
MANHAS, Adriana Capretz Borges da Silva (1)
Arquiteta, Mestre em Engenharia Urbana e Doutora em Ciências Sociais
Professora Adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Mestrado em Dinâmicas
do Espaço Habitado (DEHA) - Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

SOUZA, Adriano Luís de (2)


Decorador, Restaurador e Diretor da A3 – Atelier de Arte Aplicada
Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Uberaba (UNIUBE-MG)

MANHAS, Max Paulo Giacheto (3)


Arquiteto, mestrando em Dinâmicas do Espaço Habitado (DEHA)
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

POR UMA ARTICULAÇÃO ENTRE TEORIA


E PRÁTICA NO TRIÂNGULO MINEIRO:
O CASO DE UBERABA (MG)

O trabalho apresenta uma proposta de articulação entre uma universidade particular


localizada na região do Triângulo Mineiro, a UNIUBE, e uma instituição sem fins lucra-
tivos que possa captar recursos e gerir o projeto de restauração de uma obra pertencen-
te ao patrimônio arquitetônico de Uberaba que é o conhecido “casarão da Rua Lauro
Borges”. A obra incluiria também a adequação do edifício à Escola de Artes da UNIUBE,
abrigando os cursos de Arquitetura, Design e outros futuros. Com esta atividade, a
Universidade concretizaria a proposta de unir o ensino e a pesquisa ao mundo do
trabalho e à prática social, conforme previsto na LDB de 1996. Esta proposta surgiu de
experiências educacionais realizadas até 2008 no curso de Arquitetura e Urbanismo
pelos professores de Desenho, História da Arquitetura e Técnicas Retrospectivas, auto-
res do presente trabalho, bem como a partir de exemplos concretos na Universidade
Federal de Alagoas.

The study proposes a link between a private university located in the “Triângulo
Mineiro”, UNIUBE, and a non-profit institution that can raise funds and manage the
project of restoration of works belonging to the architectural heritage of Uberaba which
is known “house of Rua Lauro Borges.” The works also include the adequacy of the
building of the School of Arts Uniube, harboring the courses of Architecture, Design
and other futures. With this activity, the University implements the proposal to join the
teaching and research to work and social practice, as provided in LDB 1996. This
proposal arose from experiences made by 2008 in the course of Architecture and the
professors of Design, History of Architecture and Technical Retrospective, authors of
this work, and concrete examples from the Universidade Federal de Alagoas.

PALAVRAS-CHAVE:
Uberaba, ecletismo, restauração, patrimônio arquitetônico

Introdução
Na cidade de Uberaba, localizada na re- os cursos de arquitetura), sobretudo na área
gião do Triângulo Mineiro (MG), há um sig- de patrimônio arquitetônico. O Município
nificativo acervo de edifícios do período do conta com um órgão público atuante na área
Ecletismo, Art Déco, Neocolonial e Moder- de preservação, que é o CONPHAU (Con-
nismo, resultantes do período de apogeu da selho do Patrimônio Histórico e Artístico
economia zebuína entre as décadas de 1920- de Uberaba), responsável por inventariar e
1960. Entretanto, nota-se a falta de articu- realizar os tombamentos em nível munici-
lação entre as pesquisas históricas realiza- pal, mas que não se articula com a Univer-
das dentro das universidades da região (prin- sidade. Por outro lado, anualmente, um
cipalmente particulares, as quais mantém número significativo de pesquisas é finan- 293
Anais | Congresso Abracor 2009
ciado por instituições de fomento (CNPQ, taneamente pelos autores deste trabalho, que
CAPES e FAPEMIG), resultando em traba- é o Projeto de Pesquisa intitulado “Quadro
lhos de alta qualidade, mas que acabam da Arquitetura em Uberaba” e a inserção
não saindo do âmbito teórico. Pouco se de estagiários da disciplina de Técnicas
aproveita para a efetivação de trabalhos Retrospectivas para a restauração da Câma-
de preservação do patrimônio construído, ra Municipal de Uberaba; a segunda parte
que necessita de ações em caráter apresenta a proposta para a restauração do
emergencial, visto que é rápida a perda “Casarão Lauro Borges”, com a transforma-
das edificações devido ao precário estado ção na sede da Escola de Artes da Uniube,
de conservação. nos moldes da “Casa de Dona Yayá”, em
No estudo de caso apresentado, é feita São Paulo, que abriga o atual Centro de Pre-
uma proposta de trabalho a partir de reali- servação Cultural da USP, seguida de uma
zações em andamento na Universidade de proposta semelhante já realizada, que são
Uberaba (UNIUBE-MG), nos moldes das os projetos desenvolvidos na disciplina de
regiões do País com tradição em educação Técnicas Retrospectivas da Faculdade de Ar-
patrimonial, que mantém as equipes de tra- quitetura e Urbanismo da Universidade Fe-
balho em “oficinas-escolas”. A primeira deral de Alagoas (UFAL), geridas pela Fun-
parte deste artigo apresenta as experiências dação Universitária de Desenvolvimento
educacionais individuais e integradas espon- de Extensão e Pesquisa (FUNDEPES).

Primeira parte: Experiências educacionais no CAU-UNIUBE

Sediado no Curso de Arquitetura e Urba- versos colaboradores voluntários que inte-


nismo da Universidade de Uberaba (CAU- graram o Laboratório de Estudos do Ambi-
UNIUBE), o projeto de iniciação científica ente Construído (LEAC), locado no CAU-
intitulado “Quadro da Arquitetura de UNIUBE.
Uberaba” teve duração total de quatro anos Paralelamente à pesquisa “Quadro da
(agosto de 2004 a agosto de 2008), e contou Arquitetura em Uberaba”, o professor res-
com o financiamento do Programa ponsável pela disciplina Técnicas Retros-
Institucional de Bolsas de Iniciação Cientí- pectivas, Adriano Luís de Souza, aprovei-
fica (PIBIC) e com o Programa de Apoio à tando sua atuação prática na restauração
Pesquisa (PAPE) da UNIUBE, e também da de bens móveis e imóveis, introduziu um
Fundação de Amparao à Pesquisa do Esta- trabalho prático de restauração no conteú-
do de Minas Gerais (FAPEMIG) para a com- do da disciplina. Naquela ocasião, o tra-
pra de materiais e equipamentos - câmera balho a ser executado constituía-se do con-
fotográfica digital e acessórios, impressora junto de pinturas parietais da Câmara dos
colorida jato de tinta e scanner, assim como Vereadores (cujo edifício havia integrado
para cessão de bolsas institucionais de ini- a já citada pesquisa científica). No contex-
ciação científica. to do currículo de Arquitetura e Urbanis-
O projeto visou levantar, registar por mo da Universidade de Uberaba, a disci-
meio de fotos e desenhos e analisar toda a plina “Técnicas Retrospectivas” tem o pa-
produção arquitetônica de Uberaba, abran- pel de fundamentar o futuro profissional
gendo os estilos arquitetônicos Eclético, para valorizar, e instrumentalizar para in-
Art Déco, Neocolonial e Moderno. O tra- tervir, conscientemente, na produção cul-
balho resultou em um banco de dados tural. Para isso, é estudada a evolução da
constituído de cerca de duzentos projetos, ciência do restauro, além de conceitos
incluindo os desenhos técnicos de plantas como preservação, patrimônio cultural,
e fachadas, fotografias e análises teóricas. histórico e artístico. Entretanto, por ser uma
A equipe foi constituída pela orientadora disciplina teórica, a dimensão técnica do
e coordenadora do projeto, Adriana restauro e as formas de utilização de ma-
Capretz Manhas, também responsável pe- teriais e procedimentos técnicos aplicados
las disciplinas de Desenho Arquitetônico a monumentos edificados na sua restaura-
e História da Arquitetura, pelo professor ção são analisados apenas teoricamente.
Max Paulo Giacheto Manhas, responsável A partir da inserção prática dos alunos nos
pela disciplina Informática Aplicada à Ar- trabalhos de restauração, os mesmos pu-
quitetura e Desenho Arquitetônico, que deram de fato vivenciar os problemas
cuidou da digitalização e tratamento das concernentes a um canteiro de obra, apli-
imagens, além de sete estudantes de Inici- car técnicas e conceitos estudados e expe-
ação Científica, que receberam bolsas de rimentar soluções técnicas – neste caso,
294 pesquisa PIBIC UNIUBE e FAPEMIG e di- técnicas de restauração em pintura parietal
Anais | Congresso Abracor 2009
a cal e têmpera das obras de arte do interior como bolsistas ou voluntários foram capa-
do Paço da Câmara Municipal de Uberaba citados a executar levantamentos in loco,
(salão nobre e sala presidencial). bem como aprimoraram suas habilidades em
O professor já possuía um projeto para a desenho assistido por computador e foto-
captação de recursos para a execução desta grafia digital, sendo que vários deles parti-
obra aprovado pelo Ministério da Cultura, ram para o estágio na Fundação Cultural de
mas a Câmara Municipal iniciou as obras Uberaba, para realizar o mesmo tipo de ta-
antes da liberação da verba, por conta da refa. Todo o material iconográfico gerado,
urgência devido ao estado de degradação juntamente com pesquisas teóricas, está
avançado em que as obras de arte se encon- sendo organizado pela professora coordena-
travam, além do risco de desmoronamento dora da pesquisa para posteriormente ser
do forro em estuque. Uma vez que a em- publicado na forma de um ou mais livros.
presa contratada pela Prefeitura de Uberaba Além disso, os mais de três mil microfilmes
para realizar as obras era a mesma em que dos projetos das construções de Uberaba
o professor responsável atuava, este incluiu aprovados entre os anos de 1933 a 1953,
seus alunos no trabalho, na função de esta- que se encontravam inutilizados no Setor
giários. Vários deles haviam participado da de Cadastro da Prefeitura Municipal devido
pesquisa de iniciação científica e, portan- à falta do equipamento para leitura, foram
to, já se interessavam pelo patrimônio his- escaneados e disponibilizados em formato
tórico. Foi feita então uma seleção focando digital para consulta, evitando o manuseio
habilidades manuais e conhecimentos na dos projetos antigos e sua deterioração.
área de desenho e história e os mesmos par- Entre os estagiários que participaram das
ticiparam de todas as etapas do processo: obras de restauração da Câmara Munici-
levantamentos, pesquisa, remoção das pin- pal, alguns deles realizaram o Trabalho
turas, nivelamentos, reintegração cromáti- Final de Graduação na área de Patrimônio
ca, moldagens, tratamento do estuque. Os Histórico e seguiram em pós-graduações
alunos foram acompanhados por uma equi- na área de restauro. Com isso, conclui-se
pe constituída de três restauradores, sendo que a proximidade com a prática em can-
dois deles formados pelo CECOR, além de teiro de obras instigou o interesse nos alu-
auxiliares de restauração e as obras foram nos pelo trabalho com restauro, uma es-
concluídas em treze meses. Os estagiários pecialidade escassa no Triângulo Minei-
possuíam uma escala de horários flexível, ro, embora a região possua um grande
revezando entre os horários de aula na fa- acervo de obras de arte e edificações
culdade, e todos eles receberam salário e arquitetônicas que necessitam de restau-
equipamentos de segurança individuais. rações. Além disso, o recrutamento e
Os resultados das duas experiências indi- capacitação da nova mão-de-obra dentro
viduais, que acabaram se tangenciando, fo- do próprio curso de arquitetura promoveu
ram muito positivos entre os alunos que economia nos gastos com contratação de
pretendem seguir os estudos na área de técnicos de outras cidades, que seriam
preservação e patrimônio: começando somados à hospedagem e custos adicio-
pela pesquisa de Iniciação Científica, esta nais e, por outro lado, valorizou o profis-
gerou um inédito acervo constituído de sional local, ampliando as possibilidades
desenhos de plantas e fachadas de de atuação do futuro arquiteto.
edificações representantes de toda a sua Foi a partir destas experiências que a
evolução arquitetônica. Para a execução proposta de restauração do Casarão da Rua
deste trabalho, os alunos envolvidos foram Lauro Borges e sua posterior transforma-
despertos para a pesquisa científica, pois ção em escola de Artes surgiu.
puderam participar de mais de uma deze-
na de eventos científicos, apresentando os
resultados. Os alunos que participaram

Segunda parte: Proposta de readequação do “Casarão da Rua Lauro Borges”

O presente trabalho tem por objetivo fi- de Interiores, já existentes, além de outros
nal transformar o antigo “Casarão da Rua na área de artes que possam a vir ser cria-
Lauro Borges”, um exemplar representante dos.
do ecletismo que integra o patrimônio Edificado no ano de 1914 sobre porão
arquitetônico da cidade, pertencente à Fun- no alinhamento da via pública em um
dação Educacional Uberabense, na futura único pavimento, o casarão constitui um
Escola de Artes da Uniube, abrigando os dos primeiros exemplares do ecletismo na
cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design cidade com recuo frontal e jardim lateral, 295
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura1: Casarão da Rua Lauro Borges. Fotos: Raquel Prata. Desenhos: Renata Pinheiro Gutierrez Borges

e o único ainda restante com ornamenta- pectivas”; 2. Instituição sem fins lucrativos,
ção em relevo, que dissolve o volume pe- como a Fundação Educacional
sado do paralelepípedo. A prancha apre- Uberabense, que possa gerir projetos de
sentada na pesquisa, contendo plantas e restauração ou captar recursos para sua
fotos, foi reproduzida na Figura 1 a seguir: realização a partir da utilização da Lei
Para a viabilização do projeto do casarão Rouanet, bem como contratar os profissi-
da Rua Lauro Borges, deverá ser feita uma onais especializados para a execução das
articulação entre 1. Universidade: que obras.
sediará o projeto de pesquisa, financian- A proposta é inspirada no projeto que
do materiais ou disponibilizando bolsas de criou o Centro de Preservação Cultural da
Pesquisa e Iniciação Científica por parte USP, sediado na antiga “Casa de Dona
de órgãos de fomento, bem como recru- Yayá”, um bem tombado, representante do
tando estagiários e cedendo espaço físico ecletismo, localizado no bairro da Bela
para os canteiros de obras de restaurações Vista, em São Paulo, e que foi incorpora-
296 praticadas na disciplina “Técnicas Retros- do à USP após o falecimento da proprietá-
Anais | Congresso Abracor 2009
ria. O Centro de Preservação já constitui, seus bens e direitos para promover e sub-
em si, um estudo arquitetônico e social, sidiar, com os rendimentos auferidos, pro-
pois unem-se valores históricos da casa aos grama de desenvolvimento do ensino,
da memória social, os interessantes aspec- pesquisa e extensão, bem como ativida-
tos técnicos e artísticos ao de testemunho des técnicas e administrativas específicas;
de costumes. A USP decidiu que o imóvel b) prestar serviços técnico-científicos
abrigaria a sede do Centro de Preservação remunerados à Universidade e à comuni-
Cultural (CPC), órgão da Pró-Reitoria de dade;
Cultura e Extensão Universitária, que pas- c) executar mediante convênios, contra-
sou a assumir a responsabilidade pelo uso tos e acordos, inclusive atividades de ad-
e conservação da casa, incluindo a prática ministração universitária, no campo da
de aproximação da instituição com a soci- assistência ao estudante, de artes gráficas,
edade. A obra teve a duração de quatorze de administração hospitalar e de radiodi-
anos e desenvolveu-se em quatro fases: a fusão educativa;
primeira, entre 1989 e 1991, constituída d) promover a divulgação dos resultados
de estudos históricos prospectivos e levan- de pesquisas;
tamentos subsidiários às intervenções de e) instituir prêmios de estímulo e reco-
restauro e conservação do bem, teve iní- nhecimento a pesquisadores que tenham
cio com a implementação de um cantei- contribuído ou venham a contribuir para
ro-escola, na segunda fase, entre 1991 e o desenvolvimento científico, técnico e
1998, foram executados os serviços de cultural da comunidade alagoana;
manutenção e conservação geral do imó- f) conceder bolsas de estudo em nível
vel, contando com órgãos de preservação de graduação e pós-graduação;
estatais; a terceira fase teve início com a g) utilizar canal de radiodifusão, sem fi-
criação de uma “Comissão Especial “Casa nalidade comercial, destinado a veicular
de Dona Yayá”, com o objetivo de elabo- programas educativos, consoante as dire-
rar plano de restauração e ocupação da trizes da política nacional de educação do
casa, seguindo para o restauro de murais Ministério da Educação e Cultura;
artísticos realizado pelo programa “Identi- h) desempenhar outras atividades espe-
ficação, Consolidação e Restauração de cíficas e inerentes as suas finalidades es-
Pinturas Murais” do CPC, nos moldes do senciais (Manual para Elaboração de Pro-
canteiro-escola, finalizando com o restau- grama ou Projeto, 2005, p.11).
ro das fachadas externas, azulejaria inter- A Fundação Educacional Uberabense,
na, jardins e implantação de redes de infra- mantenedora da UNIUBE e também pro-
estrutura (LANNA & PRATA, 2006). prietária do casarão, seria a responsável
No decorrer da elaboração desta propos- pela captação de recursos e parcerias para
ta, foi verificado que algumas universida- a obra, do projeto à execução, nos mol-
des federais já contratam fundações cria- des da FUNDEPES. O trabalho teria início
das para gerir as obras (de acordo com a com o restauro do casarão sob coordena-
Lei n.8958, de 20 de dezembro de 1994), ção do restaurador e também autor deste
como é o caso da Fundação Universitária projeto, escolhido por notório saber. O
de Desenvolvimento de Extensão e Pes- projeto para a readequação do edifício e
quisa (FUNDEPES), que tem por objetivo transformação em Escola de Artes poderia
apoiar o desenvolvimento de programas e ser escolhido por meio de concurso públi-
projetos de ensino, pesquisa, extensão e co, o que daria mais credibilidade e visi-
desenvolvimento institucional da Univer- bilidade à iniciativa, envolvendo profissi-
sidade Federal de Alagoas (UFAL), com onais das mais diversas localidades, bem
suas diretrizes estabelecidas no Programa como alunos e ex-alunos.
de Apoio à UFAL para o Desenvolvimen- Os estagiários seriam recrutados dentro
to de Ações Integradas para o Estado de do próprio corpo discente do Curso de
Alagoas (PROUFAL). Arquitetura e Urbanismo, Design de Inte-
A FUNDEPES é uma entidade de direito riores e Engenharia Civil, tanto para as
privado, sem fins lucrativos, credenciada obras de restauro como para a reconversão
no Ministério da Educação e Ministério da do edifício (e possível ampliação), moder-
Ciência e Tecnologia, que objetiva apoiar nização e adequação das instalações,
as atividades desenvolvidas pela Univer- ambientação de interiores e programação
sidade em todos os campos de atuação (Lei visual, sob coordenação de arquitetos tam-
nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994). bém docentes do curso. Assim como nas
Conforme estabelecido em seu Estatuto, experiências relatadas, esta medida con-
são objetivos da FUNDEPES: tribuiria para a formação de mão-de-obra
a) explorar economicamente parte de especializada na cidade, bem como have- 297
Anais | Congresso Abracor 2009
ria economia com a hospedagem, uma vez cretizaria a missão da Universidade em as-
que não seria necessário o recrutamento sociar ensino, pesquisa e extensão, de
de profissionais em grandes centros. acordo com a LDB de 1996.
Por fim, esta proposta de trabalho con-

Nota
Durante o processo de elaboração desta clusiva da Faculdade de Arquitetura e Ur-
proposta até sua aceitação para publica- banismo e no Programa de Mestrado em
ção, a docente do Curso de Arquitetura e Dinâmicas do Espaço Habitado, onde se
Urbanismo da Universidade de Uberaba encontra lotada atualmente, juntamente
(MG), Adriana Capretz Borges da Silva com Max Paulo Giacheto Manhas, que tam-
Manhas, ingressou, por meio de concurso bém assina este artigo. No entanto, a pro-
público, na Universidade Federal de posta aqui apresentada terá prosseguimen-
Alagoas (AL), para lecionar como profes- to com o Professor Adriano Luís de Souza
sora adjunta em regime de dedicação ex- e outros professores do CAU-UNIUBE.

Referências Bibliográficas
FUNDEPES - MANUAL PARA ELABORAÇÃO DE PROGRAMA OU PROJETO NO ÂMBITO DA PROUFAL, Universidade Federal de Alagoas,
2005. Disponível em : <http://www.ufal.edu.br/ufal/> Acesso em 10 jan.2009.
LANNA, Ana Lúcia Duarte Lanna & PRATA, Juliana Mendes. O CPC-USP e a Casa de Dona Yayá: questões de gestão de um patrimônio. In:
Revista do Centro de Preservação Cultural da USP, São Paulo, v.1, n.1, p. 06-15, nov. 2005/ abr. 2006.
298
Anais | Congresso Abracor 2009
DI BLASI, Laura
Arquiteta e Urbanista
Especialista em Restauro e Reciclagem de Edificações
Mestranda em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura
e Urbanismo da UFF
Gerente de Projetos e Obras da Secretaria de Patrimônio Cultural
da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL OU
UMA QUESTÃO DE CIDADANIA?

A conscientização dos valores próprios é o caminho viável para evitar a


homogeneização dos saberes e o esmagamento da cultura de uma determinada socieda-
de, causados, primordialmente, pela absorção indiscriminada de elementos exógenos,
propiciado pela globalização acelerada.
O cidadão deve estar consciente e engajado nas decisões políticas para ter a liberdade
e o direito de escolher seus caminhos. Não permitir que sua história, seus símbolos,
tradições, saberes e o registro de sua trajetória sejam usados de maneira irresponsável
ou apagados.
As práticas de educação patrimonial são promovidas com o intuito de estimular o
conhecimento, a conscientização, a difusão e a valorização do patrimônio cultural, vi-
sando o fortalecimento da identidade de uma comunidade e o exercício da cidadania.

Palavras-chave:
Educação, Patrimônio Cultural, Memória, Identidade.

The awareness of cultural values is the feasible feasible way to prevent the
homogenization of knowledge and crushing one society culture, caused, primarily, by
the indiscriminate absorption of exogenous factors, caused by the globalization.
The citizen must be aware and engaged in political decisions to have the freedom
and the right to choose their paths. Do not allow its history, its symbols, traditions and
knowledge to being used so irresponsible or be finally erased.
The practical method of education is promoted in order to stimulate consciousness,
dissemination and enhancement of cultural heritage and aimed to strengthen the
identity of a community and the exercise of citizenship.

Key Word:
Education, Cultural Heritage, Memory, Identity.

“A Educação é a codificação adequada de uma cultura, é


o processo de transmissão e de continuidade de uma cultura.”
Aloísio Magalhães

Introdução

Conforme definição da Declaração do e levar em consideração, não somente os


México, documento exarado em 1985 du- aspectos culturais, mas os fatores históri-
rante conferência mundial sobre políticas cos e sociais de cada sociedade.
culturais, cada cultura é portadora de um O processo de conhecimento,
conjunto de valores únicos e conscientização e de apropriação da heran-
insubstituíveis que garantem o progresso ça cultural pelas comunidades é fundamen-
das nações e a permanência dos povos no tal para a afirmação da identidade e preser-
mundo. Portanto, para alcançar um desen- vação da memória coletiva. A educação,
volvimento equilibrado, as estratégias po- por conseguinte, é o caminho para a trans-
líticas culturais devem visar, sempre e pri- missão destes valores às gerações futuras e
mordialmente, o bem-estar do ser humano a garantia de sua continuidade no tempo,
299
Anais | Congresso Abracor 2009
1
FERREIRA, Aurélio
Buarque de Hollanda.
promovendo, assim, o desenvolvimento har- Prover a difusão das informações e pro-
MiniAurélio. 4ª ed. ver. monioso do progresso técnico e da elevação mover a formação educacional da popu-
ampliada. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, intelectual e moral de uma sociedade. lação como um todo, sem distinção, pro-
2001
A grandeza do território nacional e a di- porciona aos indivíduos a faculdade de
versidade étnica da sociedade brasileira são discernir sobre os valores que lhes são
os principais fatores geradores da caracte- caros, tornando-os participativos e defen-
rística plural e única da cultural nacional. sores do seu patrimônio cultural.

O Patrimônio Cultural no Mundo Globalizado


O acervo patrimonial de uma cultura é por todas as dimensões da vida social,
designado pela acumulação contínua de como se a ‘inclusão cultural” servisse para
objetos, obras, trabalhos, valores e sabe- simular a devolução da identidade aos ci-
res produzidos pela sociedade que, agre- dadãos, já excluídos social e economica-
gados a valores estéticos, históricos, cientí- mente. (ARANTES, 1996, p.232)
ficos ou sociais, se convertem em instru- Associado a esta realidade, a absorção
mentos da memória coletiva e testemu- indiscriminada de elementos exógenos,
nhos das tradições presentes e seculares propiciado pela globalização acelerada,
que serão deixadas às gerações vindouras. pode gerar uma homogeneização de sa-
Hannah Arendt, filósofa alemã, ao pen- beres e até o esmagamento cultural de
sar a condição humana do homem moder- determinados grupos.
no, enfatiza a importância das experiênci- Aloísio Magalhães, administrador cultu-
as do passado e define as tradições como ral e incansável defensor da valorização
“o fio que nos guia com segurança através do patrimônio cultural brasileiro, destaca-
dos vastos domínios do passado”: va que:

[...] esse passado, além do mais, es- [...] Um dos problemas com que se
tirando-se por todo o trajeto de volta à defrontam os países no mundo moder-
origem, ao invés de puxar para trás, no é a perda da identidade cultural,
empurra para frente, e, ao contrário do isto é, a progressiva redução dos valo-
que seria de esperar, é o futuro que res que lhes são próprios, de peculia-
nos impele de volta ao passado [...]. ridades que lhes diferenciam as cultu-
(ARENDT, 1972, p.37) ras. [...]
(MAGALHÃES, 1997, p.54)
De forma alguma significa aceitar sub-
missa e passivamente os valores do passa- Neste sentido, é imprescindível que os
do, mas ter a certeza de que lá são encon- cidadãos tenham uma condição de vida
tradas as raízes, os elementos fundamen- que lhes permitam conhecer e entender
tais, enfim, a matriz que irá construir as seus direitos e os bens que lhes são caros
bases e as referências da identidade cultu- para, então, poder exercer ativamente o
ral de um povo. seu papel de guardião.
No entanto, constitui um aspecto rele- Somente o cidadão plenamente consci-
vante e preocupante da atualidade o fato ente e engajado nas decisões políticas pos-
de que estamos em uma época onde tudo sui a liberdade e o direito de escolher seus
que é produzido por uma sociedade é pas- caminhos e não permitir que sua história,
sível de adquirir um valor simbólico e se seus símbolos, tradições, saberes sejam
transformar em bem de consumo. Na cha- usados de maneira irresponsável ou, até
mada “Era Cultural” a cultura se expandiu mesmo, esquecidos ou apagados.

A Educação Patrimonial
Segundo definição literal, educação é o balho, nas instituições de ensino e pesqui-
“processo de desenvolvimento da capaci- sa, nos movimentos sociais e organizações
dade física, intelectual e moral do ser hu- da sociedade civil e nas manifestações
mano”1. culturais.
Conforme o Artigo 1º da Lei nº 9.394/ Portanto, o papel primordial do proces-
86, que estabelece as Diretrizes e Bases so ensino/aprendizagem é interagir com o
da Educação Nacional, os processos meio, buscar e transmitir conhecimentos
formativos do indivíduo são desenvolvidos e desenvolver a capacidade intelectual dos
nas suas várias áreas de atuação: na vida indivíduos, visando formar e transformar
familiar, na convivência humana, no tra- cidadãos conscientes e críticos.
300
Anais | Congresso Abracor 2009
2
Decreto-Lei Nº 25, de
Quanto às questões do patrimônio cultu- preender o presente e agir sobre ele”. 30 de novembro de
ral, vários estudos, documentos nacionais Para o bom desempenho do processo, é 1937, que “Organiza a
proteção do patrimônio
e internacionais relacionados ao tema men- imprescindível que os agentes responsá- histórico e artístico
nacional.”
cionam a educação como ferramenta fun- veis pela aplicação do trabalho educacio-
3
Documento Final da
damental para a preservação dos testemu- nal recebam treinamento apropriado para, Reunião Técnica de
nhos das civilizações. posteriormente, desenvolver as atividades Pirenópolis, ocorrido
em 03 de dezembro de
No âmbito nacional, a importância da com o grupo. O tema poderá ser inserido 2004, disponível em:
http://www.iphan.
educação nas discussões acerca do tema nas várias disciplinas do currículo escolar. gov.br/forum/
patrimônio cultural é destacada desde o A proposta tem por objetivo, primeira- modules.php?
name=Content&pa=
início da história oficial da preservação de mente, que os alunos identifiquem o obje- showpage&pid=1
Acesso em 02/10/2007.
bens culturais no Brasil, no Decreto-Lei nº to, função ou significado a ser estudado;
25, datado de 19372. Em 1970, o documen- aprofundem e fixem o conhecimento perce-
to gerado a partir do 1º Encontro de Autori- bido; desenvolvam a capacidade de análise e
dades de Estado ligados à área cultural, o julgamento crítico para, finalmente, se envol-
Compromisso de Brasília, aponta para a verem afetivamente e, a partir de então, desen-
necessidade de inclusão nos currículos es- volver o sentimento de pertencimento em re-
colares de nível fundamental, médio e su- lação aos bens culturais.
perior, matérias que versem sobre o conhe- O assunto tomou proporções de grande
cimento e a preservação das manifestações importância no contexto cultural nacional.
e tradições culturais nacionais. Em 2004 a Reunião Técnica de Educação
A museóloga Maria de Lourdes Horta, Patrimonial promovida pelo Instituto do
no entanto, destaca que o termo Educa- Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ção Patrimonial, somente começou a ser - IPHAN, ocorrida em Pirenópolis (GO),
introduzido no universo educacional bra- constatou a necessidade de incluir a Edu-
sileiro a partir do 1º Seminário sobre o Uso cação Patrimonial como área estratégica
Educacional de Museus e Monumentos, no planejamento das ações voltadas para
realizado em 1983, no Museu Imperial de a preservação do patrimônio cultural. 3
Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. Em 2005 aconteceu o 1º Encontro Naci-
Segundo a museóloga, Educação onal de Educação Patrimonial, em São Cris-
Patrimonial é um instrumento de “alfabe- tóvão (SE), representando para o IPHAN
tização cultural”, que busca, a partir de uma reflexão sobre as ações educativas
situações cotidianas, desenvolver a curio- desenvolvidas ao longo dos anos e
sidade e o interesse dos alunos sobre os objetivando promover a elaboração das
processos e manifestações culturais, per- diretrizes de uma política institucional no
mitindo-lhes “reconhecer o passado, com- campo da educação patrimonial.

As Ações no Âmbito da Prefeitura do Rio de Janeiro


No âmbito do Município do Rio de Ja- diversas disciplinas e o projeto propunha
neiro, a Secretaria de Patrimônio Cultural desenvolver dinâmicas educativas nas es-
- SEDREPAHC, o órgão público responsá- colas do ensino fundamental da rede pú-
vel pelas ações de tutela do patrimônio blica municipal, envolvendo técnicos do
cultural carioca, vem ao longo dos anos órgão de patrimônio e da educação, os
desenvolvendo atividades voltadas à trans- professores das escolas municipais e seu
missão e socialização dos conhecimentos corpo discente.
relativos às questões do patrimônio cultu- Mais recentemente, a Secretaria de
ral. O objetivo primordial destas ações é Patrimônio Cultural - SEDREPAHC promo-
informar a população e corroborar para a ve seminários visando divulgar as ações
conscientização da importância da preser- do órgão e informar à população em geral
vação desses bens culturais para o fortale- sobre a importância da preservação do
cimento da sociedade. patrimônio cultural carioca, aos moldes do
Na década de 1990, ainda como antigo projeto “A Cidade é Sua”.
Departamento Geral de Patrimônio Cul- Geralmente, os encontros são relaciona-
tural - DGPC, ligado à Secretaria Munici- dos às obras de restauração realizadas em
pal de Cultura, o órgão municipal desen- bens culturais promovidas pela Prefeitu-
volveu o projeto intitulado ‘’A Cidade é ra. Através de palestras expositivas, são
Sua”, elaborado em conjunto com o ór- transmitidas informações históricas, arque-
gão responsável pela pasta da Educação. ológicas e técnicas e, ao final do evento,
As ações eram focadas em torno de qua- acontecem visitas guiadas ao canteiro de
tro temas fundamentais: “Memória, Cida- obras, ocasião em que os participantes são
de, Cultura e Patrimônio”, sob a ótica das convidados a conhecer os pormenores da
301
Anais | Congresso Abracor 2009
intervenção e receberem informações so- No caso específico da Antiga Sé, houve a
bre as teorias e técnicas utilizadas naque- produção de uma publicação intitulada “Ca-
la restauração especificamente. derno de Educação”, contendo relatos his-
No biênio 2007/2008 foram realizados tóricos sobre a cidade e a edificação, associ-
encontros por ocasião das obras de restau- ados ao contexto social, e também informa-
ração da Igreja de Nossa Senhora do ções sobre as técnicas e os serviços de res-
Carmo da Antiga Sé, no Centro do Rio de tauração executados. Foi, também, ministra-
Janeiro, na obras de conservação do Con- do um curso para os professores da rede
vento de Santa Teresa, em Santa Teresa e municipal de ensino para que, posteriormen-
nas intervenções de restauro do Palacete te, estes trabalhassem em sala de aula com
Princesa Isabel, em Santa Cruz. os alunos o conteúdo apreendido no curso.

Considerações Finais
A diversidade de culturas e patrimônios direitos. Tem a liberdade e o discernimento
existentes no mundo são fontes insubstituíveis de escolher e determinar os signos e valores
de informações sobre as riquezas espirituais testemunhos de suas referências no presen-
e intelectuais da humanidade. te e merecedores de permanecerem como
Neste contexto, o papel fundamental da portadores de mensagens espirituais às ge-
educação é, antes de tudo, atribuir valor rações futuras.
ao ser humano. A missão de educar deve Espera-se, assim, que a conscientização
estar engajada na tarefa de reduzir as dife- da importância do patrimônio cultural seja
renças sociais existentes, principalmente um ato natural e resultante de todo o pro-
nas sociedades do Terceiro Mundo, cesso de formação e valorização do cida-
provocadas pela falta ou, pior, pela mani- dão como o verdadeiro dono de todo o
pulação das informações, que mantém os patrimônio que o cerca.
indivíduos alijados do processo de forma-
ção político-sociocultural. É necessário que [...] tentar fazer com que a comuni-
o processo educacional invista na forma- dade, nos seus afazeres e na sua vida,
ção e construção de sujeitos capazes de se conscientize de sua ambiência cul-
perceber a lógica do mundo que o rodeia e, tural. Isto é, procurar dar a comunida-
a partir do fortalecimento deste conhecimen- de um status de vida que lhe permita
to, se tornarem conscientes de seus direitos entender por que determinado bem
e deveres, articulados e participantes na está sendo preservado. Em outras pa-
constituição de uma sociedade que harmo- lavras, a própria comunidade é a me-
nize os interesses individuais e coletivos. lhor guardiã de seu patrimônio. [...].
Uma sociedade participativa possui a fa- Aloísio Magalhães (1999, p. 189)
culdade de vigiar e reivindicar pelos seus

Referências Bibliográficas
[1] ARANTES, Otília Beatriz F. Cultura da Cidade: Animação sem Frase. in Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº 24.
MinC, 1996, pp. 229-240
[2] ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972.
[3] ARGAN, Giulio Carlo. A História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
[4] ARROYO,Michele Abreu. Educação Patrimonial ou a Cidade como Espaço Educativo?
Disponível em
http://www.arnaldogodoy.com.br/html_cores/hps/revista04_artigo_michelearroyo.htm Acesso em 02/10/22007.
[5] CASCO, Ana Carmen Amorim Jara. Sociedade e educação patrimonial. Disponível em: <http://www.revista.iphan.gov.br/
materia.php?id=131>. Acesso em 02/10/2007.
[6] CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: Editora UNESP, 2001
[7] COSTA, Alcidea Coelho. Educação patrimonial como instrumento de preservação.
Disponível em <http://caminhosdofuturo.com.br/site_artigos/materia.php?id=5>
Acesso em 02/10/22007.
[8] CURY, Isabelle (org). Cartas Patrimoniais. 3ª ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004.
[9] EAGLETON, T. Ideologia Uma introdução. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista: Editora Bontempo, 1997.
[10] GONZALES-VARAS, Ignacio. Conservación de Bienes Culturales: Teoria, Historia, Principios y Normas. Madrid, Ed. Catedra, 2006
(1999 1a. ed).
[11] HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUMBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial .
Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.
[12] INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO ARTÍSTICO NACIONAL.
Documento Final Pirinópolis: Reunião Técnica de Educação Patrimonial. 2004. http://www.iphan.gov.br/forum/
modules.php?name=Content&pa=showpage&pid=1.
Acesso em 02/10/2007.
[13] MAGALHÃES, Aloísio, E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Fundação Roberto Marinho,
1997.
[14] ORIÁ, Ricardo. Educação Patrimonial: conhecer para preservar. Disponível em: <http://www.educacional.com.br/articulistas/
articulista0003.asp>. Acesso em 02/10/2007.
[15] QUEIROZ, Moema Nascimento. A Educação Patrimonial como Instrumento de Cidadania. Disponível em: http://www.revistamuseu.com.br/
artigos_asp?id=3562.
Acesso em 02/10/2007.
[16] VON ZUBEN, Newton Aquiles. O “Homo Faber” e a Mundanidade no Pensamento Político de Hannah Arendt. Acessível em: http://
www.fae.unicamp.br/vonzuben/homofab.html. Acesso em 02/10/2007.
302
Anais | Congresso Abracor 2009
Ética e
Responsabilidade
Social

303
Anais | Congresso Abracor 2009
304
Anais | Congresso Abracor 2009
VIEIRA, Felipe Koeller Rodrigues
Aviador formado pela Academia da Força Aérea (1997); Mestre em
Museologia e Patrimônio (2009) – UNIRIO/MAST;

GRANATO, Marcus
Engenheiro metalúrgico pela UFRJ (1980); D.Sc. em Engenharia
Metalúrgica e de Materiais pela COPPE/UFRJ (2003); professor e
vice-coordenador do Mestrado em Museologia e Patrimônio
(UNIRIO/MAST); Coordenador de Museologia do MAST. Museu de
Astronomia e Ciências Afins - MAST/MCT

ÉTICA DA CONSERVAÇÃO E O
PATRIMÔNIO AERONÁUTICO
OS PROCESSOS DE RESTAURAÇÃO E
CONSERVAÇÃO DE AERONAVES NO
MUSEU AEROESPACIAL
O trabalho discute o patrimônio aeronáutico e analisa os conceitos de conservação e
restauração segundo Violet-le-Duc, Ruskin, Boito e Brandi. Segue-se uma revisão bibliográ-
fica sobre a conservação do patrimônio industrial e a discussão sobre a manutenção do
estado de funcionamento de máquinas musealizadas. São estudados os processos de restau-
ração e de conservação de aeronaves realizados no Museu Aeroespacial (MUSAL), identifi-
cando, na práxis e no discurso dos envolvidos, quais são as concepções éticas de restauração
e conservação presentes. É observada a influência dos princípios e métodos utilizados pela
manutenção aeronáutica naquelas concepções. Verificou-se uma tendência da equipe de
restauração trabalhar no sentido de restabelecer as condições originais das aeronaves e, em
alguns casos, reestruturando o objeto a uma configuração prévia escolhida.

Palavras-chave:
Ética da Conservação, Patrimônio Aeronáutico, Restauração, Aeronaves.

ABSTRACT: This paper discusses the aeronautical heritage and analyzes the concepts of
conservation and restoration according to Violet-le-Duc, Ruskin, Boito and Brandi. A
bibliographical revision is followed on the conservation of the industrial heritage and the
quarrel on the maintenance of the state of functioning of musealized machines. The
aircraft conservation and restoration processes in use at the Brazilian Air and Space Museum
(MUSAL) are studied, identifying, in the praxis and the speech of the involved ones,
which are the adopted ethical conceptions of restoration and conservation. It is observed
the influence of the principles and methods used for the aeronautical maintenance in
those conceptions. A trend of the restoration team was verified to work in the direction to
reestablish the original conditions of the aircraft and, in some cases, reorganizing the
object to a previous chosen configuration.

Key-words:
Conservation Ethics, Aeronautical Heritage, Restoration, Aircrafts.

1. Introdução: O Patrimônio Aeronáutico

O Patrimônio Aeronáutico é uma parcela do atual é ressaltada por Tom Crouch, che-
do patrimônio cultural, podendo ser estu- fe do Departamento de Aeronáutica do
dado como parte do patrimônio industrial Smithsonian National Air and Space
e técnico-científico. Ainda assim, a impor- Museum, ao afirmar que “a história do sé-
tância de seu aspecto histórico para o mun- culo vinte foi moldada em larga medida pelo

305
Anais | Congresso Abracor 2009
fato dos seres humanos poderem voar” [1]. mesmos, orientando a sua transmissão às
O Comitê Internacional para a Conserva- futuras gerações e preservando os atributos
ção do Patrimônio Industrial (cuja sigla em responsáveis pelo seu valor simbólico, con-
inglês é TICCIH) é o comitê científico do forme comentado por Tim Thorne [5] e
ICOMOS – Internacional Council on Philip Ward [6].
Monuments and Sites - dedicado ao estu- A preservação dos aspectos originais do
do, à proteção, à promoção e à interpreta- patrimônio e a pesquisa das fontes que con-
ção do patrimônio industrial. Entre suas re- ferem a origem do objeto são fundamentais
alizações destaca-se a elaboração da Carta para o reconhecimento da sua autenticida-
de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Indus- de, como destacado no trecho a seguir, re-
trial, em 17 de julho de 2003, na qual está sultado da Conferência de Nara, realizada
definido que: no Japão em 1994. [7]
O patrimônio industrial compreende os A conservação do patrimônio cultural em
vestígios da cultura industrial que possuem suas diversas formas e períodos históricos é
valor histórico, tecnológico, social, fundamentada nos valores atribuídos a esse
arquitetônico ou científico. Estes vestígios patrimônio. Nossa capacidade de aceitar
englobam edifícios e maquinaria, oficinas, estes valores depende, em parte, do grau de
fábricas, minas e locais de processamento confiabilidade conferido ao trabalho de le-
e de refinação, entrepostos e armazéns, cen- vantamento de fontes e informações a res-
tros de produção, transmissão e utilização peito destes bens. O conhecimento e a com-
de energia, meios de transporte e todas as preensão dos levantamentos de dados a res-
suas estruturas e infraestruturas, assim como peito da originalidade dos bens, assim como
os locais onde se desenvolveram atividades de suas transformações ao longo do tempo,
sociais relacionadas com a indústria, tais tanto em termos de patrimônio cultural
como habitações, locais de culto ou de edu- quanto de seu significado, constituem re-
cação. [2] quisitos básicos para que se tenha acesso a
As principais categorias de bens aeronáu- todos os aspectos da autenticidade.
ticos são abrangidas por esta definição: as (UNESCO, ICCROM, ICOMOS, 1994,
aeronaves, que são meios de transporte; os p.2.)
aeródromos, que compreendem edifícios e Por outro lado, nem todas as pessoas e
infraestrutura ligada à aeronáutica; e os instituições que lidam com o patrimônio
aeroclubes e escolas de aviação, que são aeronáutico têm conhecimento e/ou utili-
locais de educação por sua própria nature- zam estes conceitos. A existência de outras
za. [3] formas de lidar com o patrimônio aeronáu-
Os aeródromos e edifícios mencionados, tico, podem ser observadas em diversos lo-
aí incluídos os hangares destinados ao abri- cais do mundo [8]. O uso desse patrimônio
go das aeronaves de diversos tipos, estão e sua restauração para condições de utiliza-
contidos, também, na definição da Carta ção plena, isto é, condições de vôo, tem
de Paris, de 1962, enquanto componentes conseqüências éticas e práticas relativas à
de paisagens e sítios. autenticidade e à segurança de vôo. [9]
A aplicação do conceito de monumento Apesar disso, deve-se levar em conta o
à maquinaria e aos meios de transporte, re- contexto exposto na Declaração de Sofia,
alizado pela Carta de Nizhny Tagil, permi- de 1996, [10] que dá abertura a novas for-
te a extensão dos conceitos de conservação mas de interpretação do conceito de con-
e restauração contidos na Carta de Veneza, servação.
de 1964, para bens do patrimônio aeronáu- A História ensina e as transformações
tico. Somando-se a estas, também são apli- sociais decorrentes de seu dinamismo per-
cáveis ao manejo dos citados objetos, às mitem constatar que o conceito de
operações de conservação, preservação, res- patrimônio cultural se encontra em cons-
tauração, manutenção, reconstrução e adap- tante processo de evolução. Em
tação, conforme definidas pela Carta de consequência, a conservação dos testemu-
Burra, de 1980. [4] nhos tangíveis e intangíveis do passado não
Com isso, as intervenções realizadas em constitui apenas uma questão de juízo ati-
aviões, balões, helicópteros e dirigíveis pas- ço e estético, mas também um tema de atu-
sam a possuir uma série de documentos ação prática. Isto implica que não mais se
balizadores de ações que visam aumentar a aceite a idéia de que a doutrina da conser-
longevidade e garantir a autenticidade dos vação seja estática e, doravante, sejamos

306
Anais | Congresso Abracor 2009
convocados a considerar o patrimônio cul- pode, tampouco, ser efetuado sem levar em
tural em função do contexto geral, levando- consideração, de forma crítica, as reais prá-
se em conta a diversidade e a especificidade ticas existentes no campo. A análise das
das culturas. (ICOMOS, 1996, p.1). diferentes abordagens faz parte intrínseca
Assim, o estudo do patrimônio aeronáu- deste estudo, uma vez que objetiva, tam-
tico não pode ser efetuado sem o bém, o entendimento dos significados e
embasamento nos principais documentos valores ligados à aeronáutica e seu
existentes sobre patrimônio, porém não patrimônio.

2. Os Conceitos de Conservação e Restauração Aplicados ao Patrimônio Aeronáutico


Na metade do século XIX, observou-se considerado satisfatório pelas pessoas inte-
na Europa a ascensão de duas correntes an- ressadas na conservação do patrimônio em
tagônicas de conservação. Na França, Eugène questão, contrariando suas crenças e gostos
Viollet-le-Duc praticava uma postura clara- ou permanecendo aquém das suas expecta-
mente intervencionista, executando exten- tivas. Hallam apud Granato [14] observa que
sas obras em edifícios antigos, principal- “existe uma tendência incorreta entre cole-
mente igrejas góticas e medievais. Sua filo- cionadores de objetos industriais, particu-
sofia de trabalho incluía a restauração dos larmente os de transporte, para a restaura-
prédios a um estado original ideal, o qual ção além do necessário”.
poderia nem ter existido na prática. Na In- A pergunta feita por Paolo Brenni [15],
glaterra, em sentido oposto, John Ruskin sobre a aparência dos instrumentos cientí-
postulava a não intervenção como a expres- ficos restaurados, é perfeitamente aplicável
são do respeito pela originalidade histórica para o patrimônio aeronáutico. Como uma
das obras arquitetônicas. A conservação aeronave restaurada deve parecer? Velha e
deveria se limitar, quando muito, à limpe- desgastada pelo tempo e pelo uso ou nova
za das superfícies, deixando o tempo agir em folha, pintada como se tivesse recém
sem nenhuma ação para limitar o desgaste saído da linha de montagem? Edward Mc
da matéria. [10] Manus [8] e Anne Milbrooke [16] têm opi-
Camilo Boito, na Itália, adotou uma niões semelhantes: existem diferentes cate-
postura intermediária entre seus predecesso- gorias de aeronaves, desde modelos históri-
res. Admitia a intervenção desde que clara- cos únicos até aeronaves construídas aos
mente distinguível do original, mesmo pe- milhares, em uma linha de montagem em
rante um leigo. Sua teoria do restauro série. Os processos de conservação e res-
scientifico propunha que a busca do conser- tauração de diferentes aeronaves devem le-
vador era descobrir a verdade contida no ob- var em consideração essas diferenças.
jeto, para tal, o mesmo deveria ser estudado Uma aeronave de combate da Segunda
em todos os detalhes e todos os processos de Guerra Mundial, o P-51 Mustang, foi usa-
intervenção deveriam ser largamente docu- do por Muñoz Viñas [17] para estudar a re-
mentados. [11] lação entre a conservação dos objetos
A Teoria da Restauração, de Cesari Bran- musealizados e a manutenção dos objetos
di, foi estabelecida para o trabalho com durante a sua vida útil. Durante a guerra,
obras de arte, primordialmente pinturas e de tempos em tempos, o avião era recolhi-
esculturas. Neste contexto, foi estabelecida do ao hangar para serviços de manutenção
uma diferenciação entre a estrutura e o as- como troca de componentes defeituosos,
pecto. A matéria da qual o objeto é consti- substituição de cabos elétricos, regulagem
tuído possui a finalidade de transmitir a de comandos, etc. O paradoxo do Mustang
imagem contida em si. Para Brandi, apenas é o fato de que estas mesmas atividades re-
a matéria da obra de arte pode ser restaura- alizadas hoje em dia, em uma aeronave deste
da, cuidando-se para não se cometer um tipo pertencente ao acervo de um museu
falso artístico ou histórico. Em seu concei- aeronáutico, são consideradas ações de con-
to geral restauração é a intervenção que per- servação da mesma. Conforme Muñoz
mite recuperar a função de um produto da Viñas, a mesma ação realizada na mesma
atividade humana. [12] aeronave pode ser considerada uma ação de
Muñoz Viñas [13] observa que o proces- manutenção ou conservação dependendo do
so de conservação, mal planejado ou exe- contexto em que está inserida.
cutado, pode danificar o objeto ou não ser Milbrooke [18] descreve a natureza da

307
Anais | Congresso Abracor 2009
manutenção aeronáutica. O projeto de uma expõem exemplares acidentados ou partes
aeronave incorpora componentes críticos que de destroços originados de sítios terrestres
seguem uma programação rígida de inspe- ou submarinos.
ções. Essas inspeções frequentemente inclu- A variedade dos exemplos citados permi-
em a substituição programada de peças e te observar que as práticas de conservação e
sistemas. Peter Meehan [19] explica que os restauração do patrimônio aeronáutico des-
objetos industriais podem ser desmontados critas na literatura abrangem desde as mais
em partes componentes em um processo profundas intervenções, à semelhança dos
reversível que permite que os mesmos se- trabalhos de Viollet-le-Duc, até o não
jam reparados durante sua vida de trabalho intervencionismo declarado, seguindo a fi-
e que os tratamentos dispensados aos acer- losofia de Rukin. A influência de Boito tam-
vos de veículos de transporte são os mes- bém é observada nos processos de documen-
mos utilizados tipicamente na maioria das tação do estado das peças e pesquisa da
áreas da conservação do patrimônio indus- origem dos componentes. A filosofia de
trial. restaurar a função original do objeto com o
Edward McManus [20] apresenta uma for- cuidado de evitar os falsos históricos, pos-
ma alternativa de tratamento, a conserva- tulada por Brandi, também influencia, di-
ção das aeronaves no estado em que foram retamente, os trabalhos de conservação do
encontradas. Diversos museus do mundo patrimônio aeronáutico.

3. Os Processos Observados no Museu Aeroespacial


Os processos de conservação e restaura- posição. Neste momento, são colocados ou
ção foram observados no Museu retirados bancos de passageiros, redes de
Aeroespacial (MUSAL) durante o primeiro carga, equipamentos opcionais ou de mis-
semestre de 2008. À observação de campo, são, bombas, mísseis, tanques de combus-
seguiram-se entrevistas individuais, abertas, tível auxiliares e outros itens cambiáveis.
com os componentes das equipes de con- Seus sistemas passam por uma manutenção
servação e de restauração. preventiva chamada de estocagem, quando
A conservação é realizada nas aeronaves os óleos e graxas são trocados por produtos
em exposição, através de um cronograma específicos para a estabilização da aerona-
de limpeza externa e interna. Os aviões ve por longos períodos sem funcionamen-
em exposição estática são colocados sobre to. Caso seja decidido, uma outra interven-
calços para evitar a deformação dos pneus. ção será realizada para removê-los, substi-
As que são conservadas em condições de tuindo-os pelos fluidos usados em opera-
funcionamento têm seus motores acionados ção. Todas essas tarefas são típicas da ma-
semanalmente pela equipe, de forma a per- nutenção aeronáutica e são executadas cor-
mitir a circulação de óleo e combustível riqueiramente por mecânicos de aviões.
nos respectivos sistemas. A movimentação Após a estocagem, a aeronave é deslocada
necessária para fora e para dentro dos para o seu lugar na exposição e passa aos
hangares cumpre, também, a função de pre- cuidados da equipe de conservação.
servação dos pneus. Três aeronaves são mantidas em estado
Como observa Tim Thorne [21], as aero- de funcionamento, duas delas são exempla-
naves chegam aos museus aeronáuticos em res repetidos existentes. Um dos dois avi-
diferentes estados de conservação. Algumas ões de combate P-47 Thunderbolt, modelo
são musealizadas logo após encerrar sua vida usado na Segunda Guerra Mundial pelo Pri-
operacional e são transladadas voando para meiro Grupo de Caça (1º GAC) brasileiro
os museus, outras permaneceram abando- na Itália, tem seu motor ligado toda sema-
nadas por décadas, deterioradas pelo passar na e um dos três T-6 Texan do acervo, avião
do tempo, incompletas e, às vezes, aciden- de treinamento outrora usado na Escola de
tadas. O mesmo acontece no MUSAL. Aeronáutica, está em condições de vôo. A
No primeiro caso, a aeronave recebida outra aeronave que está em condições de
passa por uma vistoria detalhada, visando movimentar-se no solo tem grande valor
documentar o seu estado e eliminar qual- simbólico por ter realizado o vôo inaugural
quer início de corrosão que possa ser obser- do Correio Aéreo Militar, em 1931. O
vado. É realizada a montagem das configu- Curtiss Fledgling de matrícula K-263 parti-
rações interna e externa escolhidas para ex- cipa anualmente das comemorações relati-

308
Anais | Congresso Abracor 2009
vas ao Correio Aéreo Nacional e do aniver- com décadas de experiência na FAB e na
sário da Aviação de Transporte da Força Aé- aviação civil. Essa experiência é necessária
rea Brasileira (FAB). Nestas ocasiões, o anti- e bem-vinda, uma vez que os familiariza
go avião desfila taxiando perante os vetera- com os objetos e métodos empregados nos
nos e demais participantes da solenidade. processos. Não é incomum que o restaura-
Muitas aeronaves do acervo do MUSAL dor ou conservador de uma aeronave
foram adquiridas ou coletadas em um esta- musealizada tenha trabalhado como mecâ-
do de quase completa destruição [22]. Nes- nico do mesmo modelo durante os seus anos
tes casos, o processo de restauração durou de serviço ativo. Todas as entrevistas mos-
alguns anos ou mesmo mais de uma déca- traram a forte ligação emocional entre os
da. Como exemplo de restauração, citado componentes da equipe e o trabalho nas
orgulhosamente pelos participantes da equi- aeronaves, bem como a percepção de con-
pe que foram entrevistados, encontra-se a tinuidade entre o trabalho de outrora, como
aeronave Focke Wulf FW-58 Weihe. Após mecânicos de aviões, e o presente, como
ser localizado, em 1978, por uma equipe restauradores e conservadores de aeronaves
do MUSAL, constatou-se que este avião, musealizadas.
construído em 1941, na antiga Fábrica do São fases comuns da restauração das ae-
Galeão, segundo os planos originais ale- ronaves mais antigas, construídas em ma-
mães, sofrera um incêndio que quase o des- deira e tela, a desmontagem, a desentelagem
truiu por completo. A restauração desta ae- da fuselagem e das asas, a reentelagem e
ronave demandou uma extensa pesquisa no pintura. Alguns exemplares são pintados
Brasil e na Alemanha, entretanto a sua re- para representar aeronaves de especial im-
cuperação foi considerada de grande inte- portância, como o P-47 da exposição está-
resse pelo MUSAL, pois se trata do único tica, que serviu como aeronave de treina-
exemplar deste tipo no mundo. mento em Natal e Fortaleza, mas está ca-
De uma forma diametralmente oposta, racterizado como uma das aeronaves que
um motor radial pertencente a uma aerona- voou no 1º GAC, durante a guerra, tendo
ve T-6 acidentada no litoral de Pernambuco sido perdida na Itália, causando a morte do
na década de 1960, e recuperado quarenta piloto, o Aspirante-Aviador Frederico
anos depois, é exposto ao público no esta- Gustavo dos Santos.
do de conservação em que foi retirado do A observação em campo mostrou que esta
mar, mostrando o efeito da corrosão mari- experiência prévia contribui, às vezes, para
nha e a incrustação de conchas de moluscos. a ocorrência de incorporações indevidas de
A análise desta ação de restauração traz à componentes não originais das aeronaves.
mostra similaridades à prescrição feita pela Em alguns casos de ausência de peças, prin-
Carta de Nizhny Tagil para a reconstrução cipalmente nas áreas das aeronaves que es-
de sítios industriais [23]: tarão à vista do público, são instaladas pe-
A reconstrução, ou o retorno a um estado ças “semelhantes”, sem nenhuma indicação
anteriormente conhecido, deverá ser consi- clara para os observadores leigos, como no
derada como uma intervenção excepcional caso de alguns instrumentos não originais
que só será apropriada se contribuir para o colocados no painel de aeronaves sem ca-
reforço da integridade do sítio no seu con- pota. Tal ação é justificada por alguns com-
junto, ou no caso da destruição violenta de ponentes da equipe como necessária para a
um sítio importante. (TICCIH, 2003, p.12). integridade estética da aeronave. Outros,
A equipe de artífices do MUSAL é com- porém, criticam o que consideram um fal-
posta por vários especialistas em aviação, so histórico, algumas vezes não claramente
muitos dos quais mecânicos aeronáuticos documentado.

4. Considerações sobre os Princípios da Manutenção e a Ética da Conservação

Conforme lembra Christopher Terry [24], antigos e para o uso dos objetos, revelados
os museus são repositórios de objetos e são por suas marcas e desgastes causados pelo
vistos muitas vezes como armazéns de co- uso cotidiano.
nhecimento acumulado. Os objetos Sobre o uso das peças de acervo
musealizados documentam épocas passa- musealizadas, Marcus Granato [25] afirma
das, servindo como fontes históricas para que “os curadores não podem comprome-
pesquisas sobre as tecnologias e projetos ter a integridade dos objetos, preservados

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Anais | Congresso Abracor 2009
NOTAS DAS CITAÇÕES
[1] Crouch, 1997, p. 13.
para as gerações futuras, colocando-os em as marcas geradas pela abrasão atmosférica
[2] TICCIH, 2003, p. 3. funcionamento e expondo-os a riscos des- típica dos voos.
[3] Milbrooke, 1998, p. 7.
[4] Cury, 2004. As cartas necessários de danos e mal uso”. A utilização de técnicas de anastilose e
patrimoniais podem ser
consultadas através da Apesar de alguns exemplares do acervo preenchimento exige, como em outras ca-
página do IPHAN na
internet. Disponível em: <
do MUSAL serem mantidos em condição tegorias do patrimônio, a adoção de princí-
http://portal.iphan.gov.br > de vôo, a efetiva utilização dessas aerona- pios de ação que permitam distinguir o
[5] Thorne, 1997, p. 17.
[6] Ward, 1982, p. 6. ves restringe-se ao acionamento dos moto- material original do adicionado. Este com-
[7] UNESCO, ICCROM,
ICOMOS. Conferência de res e, em ocasiões especiais, à movimenta- portamento carrega em si a ética de preser-
Nara. 1994. p. 2.
[8] McManus, 1994, p. 10.
ção no solo. Voar uma aeronave histórica é vação da verdade histórica do objeto con-
[9] ICOMOS. Declaração duplamente arriscado, é difícil manter um servado. Da mesma forma, a mudança de
de Sofia. 1996, p.1
[10] Muñoz Viñas, 2005, p. piloto familiarizado com equipamentos configuração de um exemplar, com a ado-
3-7.
[11] Muñoz Viñas, 2005, p. antigos e devidamente treinado para voar a ção das características de outra aeronave do
67.
[12] Brandi, 2004, p. 26-39.
aeronave. Esta pode, por outro lado, conter mesmo modelo, deve ser exposta de forma
[13] Muñoz Viñas, 2005, p. danos ocultos ou deteriorações dos materi- clara para o público, para não se tornar um
183.
[14] Granato, 2007, p. 130. ais impossíveis de serem controlados, é di- falso histórico.
[15] Brenni, 1999, p. 22.
[16] Milbrooke, 1998, p. 20.
fícil obter peças de reposição e prever a fa- O desafio de conservar, até em condições
[17] Muñoz Viñas, 2005, p. diga de componentes ao longo dos anos. de voo, um acervo cada dia mais antigo,
27-29.
[18] Milbrooke, 1998, p. 38. Por fim, um acidente pode destruir para revela a dedicação e o cuidado acurado de
[19] Meehan, 1999, p. 11 e
15. sempre informações sobre um exemplar do todos os integrantes do museu com os exem-
[20] McManus, 1994, p. 9.
[21] Thorne, 1997, p. 16.
patrimônio aeronáutico tão arduamente plares conservados.
[22] Drummond, [198?], p. conservado. A discussão sobre como conservar e
240-243.
[23] TICCIH, 2003, p.12. Da mesma forma, a re-configuração de restaurar os exemplares do patrimônio ae-
[24] Terry, 1997, p. 27.
[25] Granato, 2007, p. 129. um exemplar para um estado anterior ronáutico permanece atual. Como teste-
[26] Flopp, 1997, p. 4.
descaracteriza as modificações realizadas munha Michael Flopp [26], o trabalho
durante a sua vida em serviço, apagando para dos conservadores nos museus de avia-
sempre marcas históricas que são fontes de ção continua sendo um desafio. Como
valiosas informações para historiadores e outros museus aeronáuticos, o Museu
estudiosos da aviação. A remoção da pintu- Aeroespacial lida com um acervo que
ra altera as características da aeronave, uma representa a fronteira da tecnologia hu-
vez que dificilmente a nova cobertura terá mana. O uso deste patrimônio com
a mesma composição química da que foi parcimônia e respeito permitirá a sua
retirada. E mesmo que a tenha, a nova cor compreensão no presente e o seu usufru-
não terá o desgaste dos anos sob o sol, nem to pelas gerações vindouras.

REFERÊNCIAS
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TERRY, Christopher J. Canada’s technology museums go on-line. Museum international: air and space museums (UNESCO, Paris). Oxford (UK)
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Portuguesa para o Património Industrial. Disponível em: <http://www.mnactec.cat/ticcih/pdf/NTagilPortuguese.pdf>. Acesso em: 15/05/2008
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WARD, Philip R. La conservation: l’avenir du passé, in Museum, Paris: UNESCO. vol. XXXIV, nº1, 1982, p.6-9.

310
Anais | Congresso Abracor 2009
VIANA, Filomena Mata.
Arquiteta, Ms. em Ciência da Arquitetura pela FAU/UFRJ.
Professora da Universidade da Amazônia-UNAMA

MAIA, Myrian Leal.


Arquiteta, Ms. em Ciência da Arquitetura pela FAU/UFRJ.
Professora da Universidade da Amazônia-UNAMA

1
Silvio Burratino
ARTE NA OBRA: MELHADO. Gestão,
Cooperação e
Integração para um
uma experiência de responsabilidade Novo Modelo Voltado à
Qualidade do Processo
do Projeto na
social em obra de restauro Construção de
Edifícios. São Paulo,
Escola Politécnica da
Universidade de São
Paulo, 2001, p..85.
Tese (Livre Docência)

Ao executar uma obra de restauro em um patrimônio arquitetônico, a tendência é retirar


o edifício do convívio da sociedade, promovendo a exclusão da sociedade durante todo o
processo de restauro. No caso da restauração de um edifício de grande valor para a socieda-
de, este processo, provoca uma ansiedade natural e especulações, pelo desconhecimento do
que se está realizando. O processo de restauração da Catedral Metropolitana de Belém,
iniciado em 2005, vinha apresentando essas características tradicionais. Para quebrar este
paradigma e envolver a sociedade em todo o processo, um conjunto de ações estão sendo
realizadas, tais como: um mural expositivo, realização de visitas orientadas e Oficinas.
Essas ações, em conjunto, objetivam aproximar a comunidade ao patrimônio arquitetônico
em restauração, tornando-a mais participativa e consciente da importância da restauração,
preservação, conservação e manutenção do patrimônio arquitetônico, garantindo a
sustentabilidade de todo o processo.

Palavras-chave:
Patrimônio Arquitetônico; Restauração; Responsabilidade social; Sustentabilidade.

When implementing a work of restoration in a heritage architectural, the tendency is


to withdraw the building of the society coexistence, promoting the exclusion of the
society throughout the process of restoration. In the case of restoration of a building
that has a great value to society, this process causes natural anxiety and speculation,
because of the society’s ignorance of what is being doing. The process of restoration of
the Metropolitan Cathedral of Belém, started in 2005, was presenting these traditional
characteristics. To break this paradigm and to involve the society in the whole process,
a set of actions has been developed: an expositive wall, oriented visitations and
workshops of education assets. These actions, together, aim to bring the community to
know more about restoring heritage architectural, to make a society more participant
and conscious of the importance of restoration, preservation, conservation and
maintenance or heritage architectural, ensuring the sustainability of all process.

Keywords:
Architectural Heritage; Restoration; Social Responsibility; Sustainability.

1 - INTRODUÇÃO

O projeto de restauro, ao ser implanta- processo de restauro.


do, em um patrimônio arquitetônico, ten- Atualmente, as ações de restauro, de
de, por necessidade de execução dos ser- uma maneira ou de outra, procuram in-
viços, a isolar o edifício, retirando-o do corporar a comunidade ao processo, pos-
convívio dos diversos agentes sociais. De sibilitando um suporte aos programas de de-
certa forma, esta ação faz com que ocorra senvolvimento socioeconômico e cultural.
a exclusão desses agentes durante todo o Buscando se adaptar a esta linha, este pro-
311
Anais | Congresso Abracor 2009
2
Isabelle Cury. Cartas
Patrimoniais. Rio de
jeto visa quebrar o paradigma excludente dade e de seus moradores, a intervenção é
Janeiro: IPHAN, 2000, que envolve as ações restaurativas, com a direcionada para este novo conceito de pro-
p.91.
3
I SACHS. Desenvolvi- inclusão da participação dos diversos agen- jeto de restauro, onde a inclusão da comu-
mento: includente,
sustentável. Rio de tes sociais, durante todo o processo de res- nidade também ganha evidência.
Janeiro: Ed. Garamond/
SEBRAE, 2004, p.
tauração. Este artigo tem o objetivo de apresentar
4
Kevin Lynch. A Imagem A Catedral Metropolitana de Belém en- de que maneira este projeto foi organizado
da Cidade.São Paulo,
Martins Fontes, 1998, trou no processo de restauro em 24/09/ e como ele está sendo implantado, apre-
p.02.
2005, sendo paralisada por oito meses pela sentando o desenvolvimento das suas eta-
comunidade de seu entorno. Com a rea- pas e ações, possibilitando a reflexão entre
bertura da intervenção restaurativa, e con- as diversas possibilidades de tornar uma
siderando a grande importância que este obra de restauro, mais dinâmica com a ação
patrimônio possui para a memória da ci- de integração e inclusão da comunidade.

2 – O PROJETO DE RESTAURO
Um projeto de restauro tem, dentre ou- to quanto possível”. Portanto, esses valo-
tros, o objetivo de salvaguardar o bem res, históricos e estéticos, dão à obra a
arquitetônico e seu patrimônio integrado. qualidade de obra de arte, e sendo cada
Todo projeto arquitetônico, deve envolver obra um exemplar único, a prática da Res-
um amplo conhecimento interdisciplinar, tauração exige uma formação bastante es-
que deve manter um fluxo contínuo de in- pecífica e criteriosa.
formações. “É muito importante reconhe- Um projeto específico de restauração
cer que deve haver integração entre os arquitetônica pressupõe atividades que en-
agentes envolvidos no processo, para que volvem a pesquisa histórica do edifício,
ocorra uma qualidade global”. Sendo as- concepção e desenvolvimento do proje-
sim, como o projeto de restauro se trata to, realização e documentação da execu-
de um projeto arquitetônico com ção da obra, conservação preventiva e em
especificidades, a interdisciplinaridade se se tratando de edifícios considerados mo-
torna ainda mais ampla, visto que envol- numentos, de valor histórico para a socie-
ve conhecimentos específicos de cada dade, é importante haver a divulgação e
edifício. difusão dos procedimentos para que a co-
O artigo 2º da Carta de Veneza ² reforça munidade entenda e participe do proces-
essa afirmativa, pois ele aborda a restaura- so. Além dessas características ressalta-se
ção dos monumentos, como uma discipli- a importância de motivar a participação
na que reclama a colaboração de todas as da comunidade para que ela possa se in-
ciências e técnicas que possam contribuir serir no processo, fazendo com que o
para o estudo e a salvaguarda do patrimônio arquitetônico seja apropriado
patrimônio monumental. Porém, convém pela mesma, com o intuito de viabilizar a
ressaltar que “a restauração atua especifi- fluidez de todo o processo, além de pro-
camente nos valores históricos e estéticos mover a sustentabilidade do edifício e da
da obra de arte, restituindo tais valores tan- obra de restauro.

3 – A SUSTENTABILIDADE NAS AÇÕES DE RESTAURO


Uma ação restaurativa deve em sua con- a gestão mais eficiente dos recursos dispo-
cepção abranger vários conceitos para que níveis, garantem o fluxo regulador dos re-
o edifício restaurado recupere suas condi- cursos públicos e o respeito às especificidades
ções físicas adequadas. Porém, percebe- de cada ecossistema, de cada cultura e de cada
se que também é importante agregar con- localidade. Representam respectivamente a
ceitos que vão além da intervenção dire- sustentabilidade social, econômica e cultu-
ta, como é o caso da sustentabilidade so- ral” ³. Aspectos como estes devem fazer parte
cial, econômica e cultural. A intervenção de todo o processo de desenvolvimento das
restaurativa normalmente é necessária em ações restaurativas, pois “as pessoas e suas
edificações que perderam de alguma for- atividades, são tão importantes para a cidade
ma, a sua função e o seu valor dentro da quanto as suas partes físicas, pois elas são
coletividade ou por que a manutenção do elementos atuantes em suas transformações”4.
mesmo, se torna muito complexa e difícil. É nesse sentido que os conceitos de
Perdendo sua importância, ele passa a ser sustentabilidade social, econômica devem
relegado a um plano inferior, que permite ser aplicados, compreendendo que os co-
cada vez mais o seu abandono, evoluindo nhecimentos necessários à restauração do
o grau de deterioração. patrimônio passam, essencialmente pelo
312
“O trabalho humanizado, a alocação e debate sobre o planejamento urbano, as
Anais | Congresso Abracor 2009
5
Monsenhor Américo
formas de uso dos monumentos históricos ções que vão além do espaço físico e es- Leal. A Igreja da Sé.
e do apoio às manifestações culturais. trutural, característicos das construções. Belém: Falangola,1979,
p.95.
Portanto, somente restaurar o edifício Envolver a comunidade neste processo
por si só, de forma isolada, se torna uma passa a ser o ponto chave para que a in-
tônica do passado. Ao aproveitar as ações tervenção restaurativa empreendida seja
empreendidas pelo processo de restauro e bem-sucedida, não somente pela restau-
agregar a preocupação com a ração do patrimônio, mas pelo entendi-
sustentabilidade, permitem um desenvol- mento de seu valor social, cultural e eco-
vimento global, isto é a recuperação do nômico e consequentemente sua inclusão
edifício com o engajamento de preocupa- social.

4 – O PROJETO ARTE NA OBRA


O projeto Arte na Obra surgiu com a - uma transformação da visão tradicio-
necessidade de estabelecer a nal de que uma obra de restauro é
sustentabilidade do espaço restaurado, excludente.
desde o processo de restauro, integran- - aproximação da comunidade e visitan-
do a obra e a comunidade. Este projeto tes, ao prédio restaurado, que neste caso
está sendo concretizado pela Secretaria se trata da Catedral Metropolitana de
de Estado de Cultura do Pará e teve em Belém;
sua primeira etapa de implantação a par- - valorização do prédio histórico, como
ceria de empresas privadas. Ele foi idea- unidade que agrega o patrimônio material
lizado contemplando um conjunto de e imaterial;
ações que tem viabilizado esta - ênfase na apropriação do espaço, por
integração. parte da comunidade, evitando a
As ações têm por base: a substituição do sacralização do mesmo;
tapume de obra em um mural expositivo; - sedução da comunidade, fazendo com
oficinas com temas variados (educação que ela passe a compreender a necessidade
patrimonial, mediadores culturais, qualifi- da preservação desses espaços;
cação de mão-de-obra voltada para a res- Como o projeto Arte na Obra se vincula
tauração arquitetônica, conservação e à obra de restauração de edifícios históri-
manutenção de edifícios históricos e para cos, o projeto piloto foi implantado na
preparo de mediadores das visitas ao inte- Catedral Metropolitana de Belém, aprovei-
rior da Catedral). Estas visam à inclusão tando o processo de intervenção
de jovens e adolescentes com restaurativa já iniciada, aproveitando a sua
vulnerabilidade social; visitação orientada, reativação, para agregar conceitos que
permitindo a comunidade, em geral, ter colaboram com a inclusão da comunida-
acesso ao interior do patrimônio restaura- de. Sendo assim o projeto Arte na Obra, par-
do e dessa forma participar, como obser- tindo do mesmo princípio empregado na con-
vador, do processo de restauração. cepção de projetos de restauração, adotou a
O que se espera como resultado é que idéia de estabelecer o diálogo entre o antigo
esta iniciativa, ao envolver a comunida- e o novo, no que se refere à sustentabilidade
de, ocorra: econômica, social e cultural.

4.1 - O HISTÓRICO DA CATEDRAL


A história da Catedral de Belém tem iní- à Matriz Nossa Senhora das Graças, foi con-
cio “dois anos após a fundação da cidade de cluído em 1720. Isso contribuiu para que o
Belém, em 1616, construída inicialmente Rei de Portugal, D. João V, ordenasse, em
com simplicidade (palha e taipa), dentro do 1723, a construção da Catedral. Porém, a
Forte do Presépio” 5 (atualmente conhecido sua pedra fundamental foi lançada vinte e
como Forte do Castelo). Em função da pre- cinco anos mais tarde, em três de maio de
cariedade dos materiais construtivos, rapi- 1748, pelo bispo D. Frei Guilherme de São
damente entrou em processo de degradação. José. Segundo Cruz (1974, p.35) a Catedral
Em função disto, segundo este mesmo au- foi considerada como concluída em 8 de
tor, ficou decidida a construção de um novo setembro de 1771.
templo (em taipa de pilão), em uma clareira Não se tem registro do autor do projeto
ao sul do Forte, hoje conhecida como Praça original, mas quando o arquiteto italiano
Frei Caetano Brandão. Antônio José Landi chegou a Belém em
Somente com a elevação do Pará à sede 1753, juntamente com a comissão de de-
do Bispado (1719), o processo de conces- marcação de limites, enviada por Portugal
são dos direitos e honras de Sé Episcopal para a confirmação do Tratado de Madri, 313
Anais | Congresso Abracor 2009
6
Decreto-lei n.25 de
03/01/1941, f.24,
na função de desenhista, a Catedral se en- construído entre os séculos XVII e XVIII: o
inscrição n.145. contrava construída até o arco cruzei- Forte do Castelo , o complexo de Santo Ale-
ro. A partir daí, a obra ficou sob sua res- xandre (Igreja e Museu de arte Sacra) e a
ponsabilidade. Casa das Onze Janelas. É um forte referencial
Ao longo desses 259 anos, desde o iní- para a paisagem, além de representar um
cio de sua construção até a intenso vínculo religioso com a população,
contemporaneidade (2007), puderam ser em função da festividade do Círio de Nossa
identificadas várias intervenções, porém Senhora de Nazaré, pois ela compõe o ce-
uma das mais significativas foi realizada nário desta grande procissão que acontece
pelo Bispo Dom Antônio Macedo Costa todos os anos no segundo domingo do mês
(1867-1892), no séc. XIX. Esta se deu ao de outubro, desde 1882, sendo palco de
nível decorativo, isto é, foram introduzidas muitos acontecimentos marcantes, como
pinturas parietais, altar-mor esculpido por foi o caso da celebração religiosa proferida
Luca Carimini, novos painéis para os alta- por Sua Santidade o Papa João Paulo II, em
res colaterais e para as abóbadas (esta se 08/06/1980, em sua passagem por Belém.
destaca por um painel pintado por De certo que, o imaginário popular pas-
Domenico De Angelis), introdução de sou a se apropriar desta edificação, criando
novos púlpitos, paravento, cadeiral dos uma crença ou lenda, de que há uma Cobra
cônegos e piso em Mamoré, assim como Grande sob Belém, e que em uma das ver-
a aquisição do órgão Cavaillé-Coll. Não sões, ela tem sua cabeça sob o altar da Cate-
houve grandes interferências espaciais. dral da Sé e a cauda sob o altar da Basílica
Tombada a nível federal 6 atualmente a de Nazaré (que formam o percurso realizado
Catedral integra o complexo Feliz Lusitânia no Círio). Este aspecto reforça ainda mais a
(lembra o primeiro nome da cidade) e que identidade regional e os laços entre a socie-
é composto por um conjunto arquitetônico dade e esta edificação.
4.2 O PROJETO DE RESTAURO DA CATEDRAL E O ARTE NA OBRA
O projeto de restauração da Catedral de encontraram presentes: a sociedade civil
Belém possui como principal foco, a con- organizada e a Cúria Metropolitana, repre-
servação e a salvaguarda de sua condição sentada pelo Arcebispo Dom Orani
histórica, do seu caráter arquitetônico e Tempesta e seu secretário Padre Ronaldo
simbólico. Além disso, visa readaptar o Menezes. Após a explanação do Secretá-
monumento à contemporaneidade, utili- rio de Cultura foi assinado documento
zar um claro diálogo entre a linguagem aprovando o projeto.
do novo e a influência do edifício, contri- Com a paralisação da obra pela socie-
buir para a valorização do potencial turís- dade civil organizada, o conceito da inter-
tico da cidade de Belém, possibilitar ao venção é redirecionado inserindo a parti-
visitante conhecimento dos valores estéti- cipação da comunidade no processo, ou
cos, históricos e culturais próprios do edi- seja, a intervenção passa além de integrar
fício e proporcionar à comunidade a pos- as metodologias de restauro tradicionais,
sibilidade de vivenciar, sentir e apreciar a estabelecendo um diálogo entre o antigo
edificação, que contribui para sua própria e o novo, qualificando o espaço e condu-
memória; zindo à sua reversibilidade, adota concei-
O projeto foi desenvolvido em 9.402 m², tos contemporâneos, que permitem agre-
com o espaço organizado para abrigar, gar a sustentabilidade econômica, social
além do uso religioso, o uso residencial e cultural.
(párocos), uso museal (com atividades edu- Ante o exposto o processo de inter-
cacionais). Porém, apesar de haver uma venção é subdividido em dois enfoques
grande preocupação em estabelecer distintos:
criteriosamente a concepção e execução · Intervenção restaurativa do espaço
do projeto de restauro, a obra, iniciada em arquitetônico e de seu acervo artístico.
23/08/2005, foi paralisada por um perío- · Implantação de ações ou atividades
do de oito meses (23/08/2005- 27/04/2006) educacionais para a comunidade do en-
em virtude dos questionamentos formula- torno, ligadas ao processo de restauro
dos pela sociedade civil organizada. arquitetônico e artístico.
A reativação da obra, que hoje se en- Como relatado anteriormente, o projeto
contra em desenvolvimento com previsão Arte na Obra é composto por ações dife-
de término para abril de 2009, só foi possí- renciadas e que se completam com as ações
vel após a apresentação do projeto de res- da obra de restauro. Dentre as ações, que
tauro em uma audiência pública em que se fazem parte desse enfoque, estão:
314
Anais | Congresso Abracor 2009
4.3 AS AÇÕES DO PROJETO ARTE NA OBRA
4.3.1 - Construção de um mural 4.3.2 - Circuito de visitação - sendo rea-
expositivo. Esta ação se refere à trans- lizado por meio de visitas orientadas previ-
formação do tapume da obra de restau- amente agendadas, que permitem aos visi-
ro em um mural, em que os artistas lo- tantes, a observação e o acompanhamento
cais apresentam obras que tenham vín- da obra de restauro. O objetivo desta ação
culo com a edificação, isto é, a Catedral. é possibilitar o acompanhamento da obra
A idéia do mural foi constituir um espa- de restauro e também inserir nesta ação os
ço dinâmico, na medida em que essas jovens que serão preparados pelo curso de
imagens são expostas temporariamente, mediadores. Esta ação foi iniciada em ou-
isto é, as diversas formas de expressão tubro de 2007.
devem ter sua permanência dividida em
quatro séries que mudarão a cada três a 4.3.3 Promoção de oficinas e cursos -
quatro meses. A permanência do mural promovidas para atender agentes sociais
acompanhará todo o período de execu- que de certa forma possuam algum víncu-
ção da obra de intervenção restaurativa, lo seja com o entorno do edifício restaura-
até a sua entrega para a comunidade. Seu do, como guardadores de carros, ambu-
caráter temporal permitirá à população, lantes, comerciários, dentre outros. Além
o acompanhamento de alguns exemplos disso, são desenvolvidas parcerias com
das artes visuais, que de alguma forma órgãos estaduais com a finalidade de
tenham vínculo com a Catedral. O lan- viabilizar algumas oficinas para atender
çamento do mural, em outubro de 2007, jovens do programa Bolsa-Escola (Gover-
foi acompanhado por pôsteres e folders no Federal), garantindo o caráter de inclu-
que foram distribuídos para a comunida- são social do projeto. Esta ação foi inicia-
de, com o intuito de aproximá-la ao pro- da em outubro de 2007.
cesso.

As temáticas desenvolvidas serão:


- Educação Patrimonial para capacitação vo de qualificar a mão-de-obra ligada à cons-
de mediadores culturais, com o objetivo trução civil, no que se refere à obra de res-
de preparar jovens para atuarem como me- tauração. Esta ação inicia em agosto de
diadores durante o circuito de visitação. 2008;
Esta ação inicia em junho de 2008; - Curso de Conservação Preventiva, que
- Educação Patrimonial, para o atendi- será realizado após a conclusão da obra, com
mento de escolas do ensino médio da rede o objetivo de preparar os usuários de prédi-
pública, localizadas no entorno do mo- os históricos para a conservação preventiva
numento, desenvolvida para sensibilizar desses edifícios.
jovens e adolescentes, no que se refere à Dessa forma, com essas ações, se
importância do patrimônio material e pressupõem que a comunidade se apro-
imaterial, para a identidade e imagem da prie do bem, valorizando-o não somen-
cidade. O objetivo é preparar professores te como um edifício histórico, mas
da rede pública para serem agentes como um edifício que agrega significa-
multiplicadores dessas ações. Esta ação do mais abrangente, que ressalta seu
inicia em agosto de 2008; valor para a identidade da paisagem, da
- Formação Básica de mão-de-obra, (com comunidade, da cidade e até mesmo do
carga horária total de 180h), com o objeti- estado.

4.4 A APROPRIAÇÃO DOS USUÁRIOS

Acredita-se que o uso adequado do mesmo.


patrimônio deve exercer algumas funções: Os resultados iniciais do projeto Arte na
garantir o respeito à cultura, inclusive no Obra foram muito positivos. Houve uma
que se refere aos estilos artísticos; garantir receptividade e aceitação grande, por parte
o significado histórico; aproximar a comu- da sociedade como um todo, gerando ex-
nidade, que não pode ser excluída do pro- pectativas mútuas. A implantação do mu-
cesso de decisão sobre o uso do patrimônio ral expositivo, realizada em data próxima
ou mesmo dos benefícios econômicos. Para ao Círio, apresentou significativa apropria-
que isso possa ser realizado é importante ção, pois ele serviu de “pano de fundo” da
que a sociedade reconheça o bem, seja Missa Campal, além de servir para estabe-
material ou imaterial, se apropriando do lecer a integração da Catedral (ainda fecha- 315
Anais | Congresso Abracor 2009
da ao público) e os devotos. a contemplação da arte exposta no mural.
Nas fotos a seguir, estão registradas as No caso das oficinas, a participação foi
diversas possibilidades de integração da significativa. O trabalho desenvolvido bus-
comunidade, em relação ao mural cou contextualizar o período do Círio, por
expositivo. Elas apresentam devotos oran- meio da produção de mantos em origame,
do em frente às imagens do mural, servin- assim como envolver os participantes, por
do como cenário para fotos de recorda- meio da reprodução dos desenhos de azu-
ção, como local para receber os ex-votos lejos dos casarios que se localizam no en-
dos fiéis que acompanham o Círio ou para torno da Catedral.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos grandes desafios contemporâ- é preciso que ações promovam o resgate da
neos, das ações de preservação e restau- autoestima, buscando sempre mostrar que a
ração do patrimônio é agregar e sistemati- relação entre a sociedade e seu patrimônio
zar atividades de cunho social, que pos- possa se tornar uma relação de reciprocida-
sam estabelecer uma aproximação mais de, onde a sociedade pode assegurar a vita-
concreta entre o patrimônio e a comuni- lidade do patrimônio e o patrimônio possa
dade, decorrentes de seu usufruto e ma- corroborar com a sua inclusão, estabelecen-
nejo, de gerar emprego, renda e oportuni- do uma interação entre ambos.
dades econômicas. Essas ações, em conjunto, objetivam
Além disso, a participação da comuni- aproximar a comunidade ao patrimônio
dade é essencial para que diminuam os arquitetônico em restauração, pois se acre-
impactos negativos em diversas atividades, dita que a partir de seu reconhecimento, a
como é o caso das intervenções de restau- sociedade se apropria do mesmo e com-
ro, pois ela pode contribuir para o sucesso preende a necessidade das intervenções
das ações, reduzindo ou impedindo a rá- restaurativas. Portanto, além de participar
pida degradação do lugar ou do patrimônio deste processo, amplia-se o valor do
histórico, pois, o reconhecimento, de um patrimônio arquitetônico e das ações em-
patrimônio pode acentuar a compreensão preendidas para sua preservação, promo-
e sua valorização, ficando garantida a vendo uma sociedade mais participativa e
sustentabilidade do projeto de restauro, consciente da importância da restauração,
contribuindo para fortalecer a identidade preservação, conservação e manutenção
cultural e a paisagem urbana. do patrimônio arquitetônico, garantindo a
Como muitas vezes, a sociedade não re- sustentabilidade e a inclusão social em
conhece a importância da sua participação, todo o processo.

Bibliografia
CRUZ, Ernesto. Igrejas de Belém. Belém: Falangola, 1974.74 p.
CURY, Isabelle. (org.). Cartas Patrimoniais. 2ª ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000.384p.
LEAL, Monsenhor Américo. A Igreja da Sé. Belém: Falangola, 1979. 134 p.
MELHADO, Silvio Burrattino. Gestão, Cooperação e Integração para um Novo Modelo Voltado à Qualidade do Processo do Projeto na
Construção de Edifícios. São Paulo, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2001. 235 p. Tese (Livre Docência)
RESTREPO, Beatriz R. Manual de Prevención y Primeros Auxilios. Instituto Colombiano de Cultura. 1985.
SACHS, I. Desenvolvimento: includente, sustentável. Rio de Janeiro: Ed. Garamond/SEBRAE, 2004.
316
Anais | Congresso Abracor 2009
CAVALCANTI-BRENDLE, Maria de Betânia Uchôa
Arquiteta, PhD em Urban Design, Especialista em Conservação Arquitetônica – ICCROM
Universidade Católica de Pernambuco

VIEIRA, Natália Miranda


Arquiteta, Mestre em Arquitetura e Urbanismo PPGAU-UFBA,
Doutora em Conservação Integrada PPGDU-UFPE
Coordenadora de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade Damas

1
Neste contexto, a

Nova arquitetura e preexistências: a contribuição palavra moderno é


utilizada de acordo com
Houaiss, do latim

contemporânea ao patrimônio da cidade modernus, significando


recente, novo,
contemporâneo.

Este artigo discute intervenções urbanas e arquitetônicas no ambiente construído de


interesse histórico da cidade contemporânea. Busca-se a construção de um referencial
projetual para a inserção de novas arquiteturas no tecido urbano preexistente relacio-
nando-se recomendações internacionais de preservação, teorias de conservação e res-
tauro e postulados do Movimento Moderno no que diz respeito à cidade antiga com a
avaliação crítica de exemplos da convivência dialética do novo e do antigo. Tomando-
se como pressuposto a coerência com o momento histórico atual e a continuidade da
história urbana e arquitetônica, objetiva-se garantir a autenticidade e legibilidade do
ambiente construído da cidade contemporânea.

This article discusses urban and architectural interventions in the built environment
of contemporary cities of historic interest. It searches for design references for the
insertion of new architectures in the preexisting city urban fabric taking into
consideration some of the international recommendations for the preservation of cul-
tural property as well as theories of conservation and some of the guiding principles of
the Modern Movement relating to the old city with a critical evaluation of the dialectic
relationship between the new and the old. Taking as a conceptual background the
coherence between the present and the continuity of the urban and architectural history,
it aims at providing authenticity and legibility for the built environment of the
contemporary city.

Palavras-chave:
Intervenção, Preexistências, Patrimônio Contemporâneo.

Toda intervenção arquitetônica ou urba- anterior. Esta posição, segundo Tafuri (1979:
na na cidade apresenta uma relação de uni- 39), tem Brunelleschi como protagonista da
formidade ou de antítese com a primeira vanguarda artística no sentido
preexistência. A uniformidade é expressa moderno1 ao romper com a continuidade
pela absorção de tipologias pretéritas e se histórica das experiências figurativas
utiliza de sintaxes anacrônicas que se dis- arquitetônicas e urbanas em sua intenção
tanciam da contemporaneidade através da de autonomamente construir uma nova his-
mimese, recriação, cópia, imitação, falsi- tória em Florença. Ele toma a antiguidade
ficação e/ou repetição. Faz-se necessária clássica como referencial para superar a agre-
muita cautela ao empregar termos como gação e a empiricidade do espaço urbano e
releitura, reinterpretação, diálogo respeito- o repertório decorativo medieval. Assim,
so, entre outros, pois estes, têm sido utili- intervenções como a cúpula da Igreja de
zados muitas vezes pela comunidade aca- Santa Maria del Fiore (1417-34), as basílicas
dêmica para aceitar e/ou justificar o uso de San Lorenzo e do Santo Spirito, e a
mimético da história na produção do am- Rotunda degli Angeli, demonstram a ruptu-
biente construído contemporâneo. Por ra da estrutura preexistente românico-góti-
outro lado, a antítese estabelece contras- ca da cidade com a inserção de elementos
tes muito nítidos com a preexistência e robustos da gramática renascentista. Ao in-
aproxima-se da posição dialética de nega- serir objetos modernos no tecido urbano pré-
ção da reprodução de objetos existente de Florença, Brunelleschi demons-
arquitetônicos formulados em um tempo tra que “história urbana e intervenção são
317
Anais | Congresso Abracor 2009
2
Carta de Atenas,
Artigo 70.
complementares em sentido dialético”. O
3
Para utilizar a anti-historicismo das novas intervenções
classificação de Otília
Arantes em “O lugar da confronta-se com as preexistências consti-
arquitetura depois dos
modernos”. tuindo um fenômeno natural se observado
pela ótica de fidelidade à história, autenti-
cidade estética, tectônica e urbana que não
Figura 01: A
recorre à repetição epidérmica de lingua- cúpula de
gens arquitetônicas nem a postulados ur- Brunelleschi
para a Igreja
banos pretéritos. de Santa
Maria del
O Movimento Moderno também adota Fiore em
Florença.
a antítese na inserção da nova arquitetura
no ambiente construído. A Carta de Ate- simplista ou releitura de linguagens figura-
nas (1933), documento que reúne as reco- tivas e adequar à nova forma construída aos
mendações do IV CIAM (Congresso Inter- parâmetros urbanos e arquitetônicos das
nacional de Arquitetura Moderna), preexistências. Nem reproduzir formas, or-
posiciona-se claramente contra a cópia do namentos e decorativismos do passado. Es-
passado na construção de edifícios novos tas são características de intervenções rotu-
considerando-a uma falsidade e mentira. ladas como revivals presentes em algumas
O Artigo 70 enfatiza: “O emprego de esti- correntes da produção da arquitetura dita
los do passado, sob pretextos estéticos, nas pós-moderna que surge a partir da década
construções novas erigidas nas zonas his- de 1970, que Lina Bo Bardi lucidamente
tóricas, tem consequências nefastas”. Re- define como “retromania”, e que Lúcio Cos-
conhecendo o valor do patrimônio históri- ta (1995: 424) resume a um equívoco: “O
co das cidades, o CIAM, sem negar o valor equívoco é que os arquitetos contemporâ-
da história, defende uma postura dialética, neos, no seu afã de não repetir formas con-
ainda hoje atual, entre a relação do edifício sagradas válidas, se arvorem em “pós-mo-
antigo e do novo que não tolera o “empre- dernos”... eles deveriam pensar em fazer
go de estilos do passado”, enfatizando a arquitetura simplesmente”.
autenticidade da nova arquitetura Nestas intervenções que refletem
(Cavalcanti-Brendle: 2007). recorrências do passado e negação do pre-
As obras-primas do passado nos mostram sente (Rob e Leon Krier), aberrações
que cada geração teve sua maneira de pseudo-classicistas (Ricardo Bofill), metá-
pensar, suas concepções, sua estética, re- foras e anedotas (Michael Graves), farsas
correndo, como trampolim para sua ima- e pastiches (Quinlan Terry), fragilidade
ginação, à totalidade de recursos técnicos conceitual e vocabulário frívolo3 (Éolo
de sua época. Copiar servilmente o passa- Maia), a autenticidade histórica da cidade
do é condenar-se à mentira, é erigir o fal- é violada e em muitos casos o novo não
so como princípio, pois as antigas condi- se distingue nem qualifica o antigo
ções de trabalho não poderiam ser (Cavalcanti:1999).
reconstituídas e a aplicação da técnica Recentemente, a reconstrução mimética
moderna a um ideal ultrapassado sempre de edifícios e áreas destruídas pelos bom-
leva a um simulacro desprovido de qual- bardeios da Segunda Guerra Mundial na Ale-
quer vida2. manha como, entre outros, a Frauenkirche
Intervir em áreas antigas não significa Dresden e de todo seu entorno (o
apenas realizar uma acomodação tipológica Neumarkt), o Berlinschloss (em andamen-

Figuras 02 e 03:
Reconstrução da Catedral de Dresden e do Neumarkt.
Fonte: Cartões Postais e Cavalcanti-Brendle, 2007.
318
Anais | Congresso Abracor 2009
4
O projeto vencedor do
concurso de autoria de
Carlos Leão, uma
proposta neo-colonial,
foi rejeitado por Lúcio
Costa que indicou o
arquiteto Oscar
Niemeyer para
desenvolver o projeto.
5
Lúcio Costa (1940) in:
Lia Motta (1987: 109) A
SPHAN em Ouro Preto.
Uma história de
conceitos e critérios.
6
O Operacional
Guidelines for the
Implementation of the
World Heritage
Convention”, diz que:
Figuras 04 e 05: “Estilo patrimônio” em Ouro Preto. “Integrity is a measure of
Fonte: Cavalcanti-Brendle, 2007. the wholeness and
intactness of the natural
and/or cultural heritage
to), e o Braunschweig Einkaufzentrum e em Já em 1940, Lúcio Costa, em correspon- and its attributes”
(UNESCO, 2005).
menor escala, a reconstrução total de uma dência a Rodrigo de Mello Franco de
edificação do século XVIII no centro de Andrade, então diretor da SPHAN, defen-
Ouro Preto, alerta para a necessidade de dendo o projeto de Oscar Niemeyer para
atitudes e reflexões teóricas e conceituais o Grande Hotel Ouro Preto4 argumenta:
que fundamente a definição de diretrizes “(...) a boa arquitetura de um determina-
de intervenção alternativas às operações do período vai sempre bem com a qual-
epidérmicas de falsificação e imitação quer período anterior. O que não combi-
estilística e de “cosmética urbana” que a na com coisa nenhuma é falta de arquite-
cidade contemporânea vivencia em grande tura”.5
escala patrocinadas por poderosas campa- A antítese não representa necessariamen-
nhas de marketing e de media. te a colisão com a forma da cidade tradici-
No Brasil, intervenções empregando-se onal como argumenta Cesare Brandi
características estilísticas e linguagens (1963) através da defesa da preservação
arquitetônicas do passado foram em parte da dupla polaridade histórica e estética,
produtos de uma atuação conservadora do renegando tanto a falsidade histórica quan-
IPHAN (Vieira: 2006), e são visíveis, por to à ofensa estética. É importante destacar
exemplo, nas cidades de Ouro Preto e que a teoria Brandiana está voltada para o
Mariana, onde as edificações novas den- restauro da obra de arte. Faz-se necessá-
tro do perímetro da cidade antiga não se rio uma reflexão teórica no sentido de
distinguem das antigas gerando uma ano- apreender desta as contribuições pertinen-
malia urbana denominada “estilo tes para o campo das intervenções em áre-
patrimônio”, e que atualmente ainda é o as históricas a exemplo da crítica realiza-
referencial popular para as construções da pelo autor na reconstrução do Campa-
novas no centro antigo (Cavalcanti- nário de Veneza.
Brendle: 2007).

Autenticidade & Integridade


O conceito de autenticidade é abordado temporânea a autenticidade remete direta-
pioneiramente por John Ruskin através de mente à produção de uma arquitetura que
sua preocupação com a preservação da ma- expresse “o espírito do tempo”. Autentici-
téria original dos monumentos históricos. dade, como argumenta Jokilehto (2006), nos
A motivação de Ruskin para que esta au- remete diretamente aos conceitos de conti-
tenticidade seja preservada é eminentemente nuidade e mudança e, com a noção de ver-
moderna: o direito das gerações futuras te- dade. Na produção da arquitetura isto se
rem acesso a este patrimônio original entende como a rejeição de historicismos e
(RUSKIN, 1996). A valorização do passado concessões estilísticas que comprometem a
é tão grandiosa neste autor que o impossi- veracidade e legibilidade arquitetônica e
bilita de conceber qualquer forma que seja urbana da cidade contemporânea.
de intervenção. O grande desafio que as O conceito de integridade está relaciona-
gerações posteriores têm enfrentado é o re- do às qualidades e valores que referem-se à
conhecimento da autenticidade tectônica de continuidade espacial e arquitetônica de um
um edifício de valor histórico buscando conjunto urbano e arquitetônico, seu grau
ações intervencionistas que o coloque no- de descaracterização e conservação6. Na in-
vamente em condições de uso pela socie- serção de nova arquitetura na preexistência,
dade contemporânea. Na perspectiva con- a integridade da intervenção refere-se à pre-
319
Anais | Congresso Abracor 2009
servação dos valores ambientais, através do tenticidade e o respeito pelo antigo. É níti-
respeito às suas qualidades essenciais sem da a rejeição do figurativo formalista e,
a introdução de elementos comprometedo- portanto, a aproximação conceitual com
res de sua verdade arquitetônica. Assim alguns postulados do Movimento Moder-
descarta-se conceitualmente a adoção de no explicitados na Carta de Atenas e com
qualquer linguagem historicista. alguns princípios defendidos pela Teoria de
Intervenção & Contemporaneidade Restauração de Cesare Brandi. Defende-se
O equivocado respeito ao patrimônio a permanência do caráter evolutivo e
urbano e arquitetônico da cidade tradicio- diacrônico do patrimônio urbano e
nal tem revestido a nova arquitetura nela arquitetônico da cidade contemporânea
inserida com uma linguagem de referên- através do projetar e construir responsa-
cias estilísticas históricas. Esta vertente tem velmente de acordo com a linguagem, es-
como protagonista maior, discípulos de tética, valores e as possibilidades estrutu-
Camilo Sitte como Gordon Cullen , Rob e rais dos materiais e tecnologias modernas.
Leon Krier, e entre outros, o grupo Assim, interpretando estes postulados, de-
Tendenza com a figura de Aldo Rossi e fendemos uma postura onde tanto a au-
sua abordagem morfológica que pretende tenticidade (verdade) quanto a integrida-
resgatar os valores históricos e tipológicos de (completude) sejam garantidas através
da cidade tradicional como base do dese- da inserção de uma arquitetura contem-
nho urbano da forma moderna da cidade. porânea que não agrida o tecido de valor
Não se deve confundir a preservação da patrimonial enfatizando não ser suficiente
cidade tradicional com a adoção de mo- apenas utilizar linguagem e tecnologia atu-
delos, réplicas e pastiches que comprome- al, como o Movimento Moderno defende,
tem sua legibilidade e autenticidade para a valorização do tecido urbano
tectônica. A expressão de nosso tempo é preexistente. Isto fica evidente nas duas
a única historicidade aceitável ao se cons- torres de 41 pavimentos em construção no
truir a história da cidade e da arquitetura centro do Recife, projeto aprovado após
contemporânea. As bricolagens ou um tumultuado processo que envolveu o
colagens de memórias arquitetônicas sem Ministério Público, de impacto avassalador
significados não preservam o patrimônio na estrutura urbana e imagem da cidade
histórico arquitetônico da cidade, e sim o do Recife, cuja escala comprometeu defi-
destrói. nitivamente a ambiência de monumentos
A tese apresentada neste artigo para a históricos como a Igreja de São Pedro dos
inserção de nova arquitetura no ambiente Clérigos, entre outros, destruindo ainda a
construído da cidade contemporânea in- silhueta da cidade ao tornar-se o marco
corpora os postulados de Lúcio Costa e onipresente sobre toda a história
defende os princípios de legibilidade, au- arquitetônica e urbana.

Figura 06: Torres de 41 pavimentos em construção no Cais de Santa Rita, Recife.


Fonte: http://i272.photobucket.com/albums/jj195/zinho2008/19c.jpg.
Figura 07: O impacto das torres na paisagem do Bairro de Santo Antônio, Recife. Vista a partir da Igreja de São Pedro dos Clérigos.
Fonte: Cavalcanti-Brendle, 2008.

Contribuições empíricas para a fundamentação de um referencial teórico

Peter Zumthor e o Kolumba Museum: Simplicidade de formas e materiais

Sobre as ruínas da igreja de St. Kolumba, cujo primeiro lugar foi o projeto de Peter
em Colônia, Alemanha, destruída pelo bom- Zumthor. Além da preservação das ruínas
bardeio da Segunda Guerra Mundial, foi ins- do edifício medieval, foi exigido ainda a
talado o Museum Kolumba, projeto premi- incorporação ao novo projeto da capela
320 ado de um concurso de 167 participantes construída por Gottfried Böhm nos anos
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 08 e 09: Exterior e interior do Kolumba Museum, projeto de Peter Zumthor, Colônia, Alemanha.
Fonte: Cavalcanti-Brendle, 2007.

1950. A intervenção de Zumtor deixa do interior do edifício, bem como a capela


intocáveis as ruínas da igreja conferindo- dos anos 1950, são corajosamente incorpo-
lhe uma outra historicidade ao consolidá- radas ao novo edifício do museu estabelecen-
la e inseri-la na estrutura do novo edifício do uma dialética única e de leitura imediata,
do museu, sem, entretanto, interferir em sua talvez incompreensível para o leigo a um pri-
materialidade. A simplicidade da interven- meiro contato, mas que o remeterá a um pro-
ção, característica da obra de Zumthor, ex- cesso de reflexão silenciosa quando ele per-
põe a essência do material que são respei- correr o edifício confrontando séculos de his-
tados em sua bruta e natural configuração. tória. A obra de Zumthor é lírica e concreta,
Os detalhes construtivos visíveis em suas forte e refinada, e celebra a história como os
juntas expostas, não se corrompem pela arquitetos modernos, fazendo-a.
sedução do ornamento ou decoração, não O edifício estabelece uma relação de con-
são feitos para distrair ou divertir, eles têm traste acentuado e claramente identificável
uma função construtiva. Para Zumthor, o com o contexto urbano através dos diferen-
mundo pós-moderno “é um mundo de lin- tes materiais, cores e elementos construtivos
guagens vagas e irreais, cheia de sinais, de de suas diversas fases. Recupera ainda a es-
informações supérfluas”. Os vários momen- trutura urbana, imagem e o significado do
tos da história do edifício não se confron- lugar devolvendo à cidade um de seus mar-
tam nem colidem. As ruínas da fachada e cos mais expressivos.

Ouro Preto - Modernismo que preserva e a ofensa de uma cópia

Figura 10 e 11: Grande Hotel de Ouro Preto.


Fonte: Cavalcanti-Brendle, 2007.

O projeto de Oscar Niemeyer para o ções do restauro crítico proposto por Cesare
Grande Hotel de Ouro Preto (1940), Brandi nos anos 60 em sua Teoria do Res-
construído poucos anos depois da funda- tauro. Niemeyer respeita a instância histó-
ção do Serviço do Patrimônio Histórico rica ao inserir uma edificação francamente
(1937), até hoje se apresenta como uma li- moderna em meio ao casario colonial, ao
ção de inserção de uma arquitetura contem- mesmo tempo em que considera a instân-
porânea em um contexto histórico. O Gran- cia estética ao utilizar elementos tradicio-
de Hotel de Ouro Preto antecipa as orienta- nais como a telha de barro, muxarabis e os 321
Anais | Congresso Abracor 2009
terraços. Este é um exemplo de respeito ao a sua expressão formal dificilmente fugi-
passado através da proposição de uma ar- ria do epíteto de pastiche, desqualificando
quitetura contemporânea de qualidade. a arquitetura contemporânea e fazendo
Mais de meio século após esta interven- empalidecer a antiga.
ção pioneira, tem-se um exemplo que faz A pressão política e o marketing retórico
eco às propostas historicistas e carece da empreendido por segmentos da socieda-
autenticidade da primeira intervenção co- de defendendo posições conservadoras e
mentada. Voltamos à estaca zero. Trata-se há muito ultrapassadas, apesar de despro-
do preenchimento da lacuna urbana resul- vidos de autoridade científica foram mais
tante do incêndio ocorrido no ano de 2003 eficazes que a comunidade acadêmica, na
em um casarão da Praça Tiradentes. Uma rápida produção de uma falsificação esté-
perda inestimável ao patrimônio nacional tica que compromete a autenticidade do
que merecia um tratamento urgente e con- tecido urbano do centro de Ouro Preto.
dizente com o valor histórico e artístico Intervenções como o Grande Hotel de
do conjunto urbano da cidade, patrimônio Ouro Preto e o Kolumba Museum eviden-
cultural brasileiro e mundial. Discutindo ciam alternativas de coexistência entre o
o assunto ainda em 2003, a professora presente e o passado na construção da ci-
Odete Dourado reconhece a polêmica da dade contemporânea sem recorrer à uti-
questão, alerta a comunidade acadêmica lização nostálgica da história. Outros
para a necessidade de reflexão sobre a exemplos como o Museu Rodin, do Estú-
natureza de intervenção a ser adotada, dio Brasil Arquitetura, e a Pinacoteca de
expressando de maneira contundente a sua São Paulo de Paulo Mendes da Rocha (ao
postura conceitual e teórica: contrário da Sala São Paulo), permitem a
Apesar de seus aspectos claramente dis- integridade, legibilidade e compreensão
cutíveis, um deles está fora de qualquer do edifício antigo e a inserção
questionamento: o velho casarão está ir- contrastante de elementos arquitetônicos
remediavelmente perdido, nada poderá do presente necessários a sua nova funci-
trazê-lo de volta. Reconstruí-lo na sua apa- onalidade. Afinal o objetivo maior ainda
rência de casarão do século XVIII, mesmo é a preservação do patrimônio construído
com a utilização de materiais contempo- da cidade e a incorporação da
râneos e simplificação formal – na tentati- contemporaneidade como valor artístico
va velada de evitar um falso histórico – e arquitetônico.
não camuflaria um atentado contra a arte:

Figura 12 e 13: Casarão colonial do século XVIII reconstruído em 2003, Ouro


Preto. Fonte: Cavalcanti-Brendle, 2007.

Figura 14 e 15: Museu Rodin em Salvador e


Pinacoteca de São Paulo.
Fonte:
Vieira, 2008 e Cavalcanti-Brendle, 2007.
322
Anais | Congresso Abracor 2009
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323
Anais | Congresso Abracor 2009
324
Anais | Congresso Abracor 2009
ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de
Arquitetura e urbanista pela UFBA (2002)
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA (2006)
Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA
Técnico em Arquitetura e Urbanismo da 7ª S.R./IPHAN em Salvador/BA

OS ÓRGÃOS ESTADUAIS DE PRESERVAÇÃO


E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES
REGIONAIS ATRAVÉS DOS TOMBAMENTOS

Entendendo o tombamento não somente como um instrumento legal destinado a


garantir a integridade de um determinado bem, mas também como um reconhecimen-
to oficial dos seus valores culturais, este artigo analisa a construção, através dos tom-
bamentos realizados pelo IPHAN nas três primeiras décadas de sua existência, de uma
identidade nacional calcada no barroco – especialmente o mineiro – e na arquitetura
moderna da escola carioca. Em seguida, partindo das transformações pelas quais o
conceito de identidade tem passado nas últimas quatro décadas e do levantamento do
acervo dos bens tombados desde então pelo IPHAN e pelos principais órgãos estadu-
ais de preservação do patrimônio cultural do Brasil, discutimos o papel destas últimas
instituições, criadas a partir da década de 1960, na ampliação do conceito do patrimônio
edificado e na constituição de identidades regionais plurais e diversificadas.

Listing a building means not only creating a tool to guarantee its integrity but also
means to the official recognition of its cultural values. Based on that, this paper analyses
the construction, by the listings made by IPHAN in his first 31 years of existence, of a
national identity based on baroque – especially the one from Minas Gerais – and on
modern architecture of carioca school. On its second part, based on the transformations
of the concept of identity in the last forty years and in a survey of heritage listed since
then by IPHAN and some of the most important Brazilian State’s Cultural Heritage
Institutes, we discuss the role of the last, created from the 1960’s on, in the enlargement
of the concept of built heritage and in the constitution of plural and diversified regional
identities.

Palavras-chave:
preservação do patrimônio cultural, políticas públicas, identidade, IPHAN

Segundo Anthony Giddens, “a com as quais nós nascemos, mas são for-
modernidade produz certas formas soci- madas e transformadas no interior da re-
ais distintas, das quais a mais importante é presentação. Nós só sabemos o que signi-
o estado-nação.” (GIDDENS, 2002: p. 21). fica ser ‘inglês’ devido ao modo como a
De fato, ao longo deste período que cha- ‘inglesidade’ (Englishness) veio a ser re-
mamos de modernidade e que, a grosso presentada – como um conjunto de signi-
modo, tem início com o Século das Luzes ficados – pela cultura nacional inglesa.
e a Revolução Francesa (embora suas ori- Segue-se que a nação não é apenas uma
gens mais distantes possam ser encontra- entidade política mas algo que produz
das no Renascimento), dois conceitos fun- sentidos – um sistema de representação
damentais e profundamente inter-relacio- cultural. As pessoas não são apenas cida-
nados são identidade e nação. A identida- dãos/ãs legais de uma nação: elas partici-
de nacional é uma construção cultural pam da idéia da nação tal como represen-
moderna que substituiu outras identidades tada em sua cultura nacional. Uma nação
mais tradicionais e geograficamente mais é uma comunidade simbólica e é isso que
restritas, como as identidades locais ou explica seu ‘poder para gerar um sentimen-
regionais. Como afirma Stuart Hall: to de identidade e lealdade’.
As identidades nacionais não são coisas As culturas nacionais são uma forma 325
Anais | Congresso Abracor 2009
distintivamente moderna. A lealdade e a (ibid., pp. 50-51)
identificação que, numa era pré-moderna Embora profundamente moderno, o dis-
ou em sociedades mais tradicionais, eram curso da identidade nacional não se fun-
dadas à tribo, ao povo, à religião e à re- damenta apenas no presente e em se pro-
gião, foram transferidas, gradualmente, jetar para o futuro, mas vai buscar no pas-
nas sociedades ocidentais, à cultura naci- sado mitos fundacionais que lhe dêem res-
onal. As diferenças regionais e étnicas fo- paldo:
ram gradualmente sendo colocadas, de [O mito fundacional é] uma estória que
forma subordinada, sob aquilo que Gellner localiza a origem da nação, do povo e do
chama de ‘teto político’ do estado-nação, seu caráter nacional num passado tão dis-
que se tornou, assim, uma fonte poderosa tante que eles se perdem nas brumas do
de significados para as identidades cultu- tempo, não do tempo ‘real’, mas de um
rais modernas” (HALL, 2005: pp. 48-49 – tempo ‘mítico’. Tradições inventadas tor-
grifos nossos) nam as confusões e os desastres da histó-
Ainda segundo Stuart Hall, a formação ria inteligíveis, transformando a desordem
do discurso da nação se baseia em grande em ‘comunidade’ (...). (ibid., pp. 54-55)
parte na “narrativa da nação, tal como é Daí a importância do passado – e da
contada e recontada nas histórias e nas li- construção de mitos fundacionais e da in-
teraturas nacionais, na mídia e na cultura venção de tradições – na formação dos
popular” (ibid., p. 52): discursos sobre a identidade nacional:
Essas fornecem uma série de estórias, O discurso da cultura nacional não é (...)
imagens, panoramas, cenários, eventos his- tão moderno como aparenta ser. Ele cons-
tóricos, símbolos e rituais nacionais que trói identidades que são colocadas, de
simbolizam ou representam as experiênci- modo ambíguo, entre o passado e o futu-
as partilhadas, as perdas, os triunfos e os ro. Ele se equilibra entre a tentação de
desastres que dão sentido à nação. [... Essa retornar a glórias passadas e o impulso por
narrativa] dá significado e importância à avançar ainda mais em direção à
nossa monótona existência, conectando modernidade. (ibid., p. 56)
nossas vidas cotidianas com um destino No caso brasileiro, a criação do IPHAN1
nacional que preexiste a nós e continua em 1937, em plena ditadura Vargas, é bas-
existindo após nossa morte. (loc. cit.) tante representativo do processo de cons-
Hall observa que, na formação do discur- trução de uma identidade nacional. Enten-
so da nação, há uma “ênfase nas origens, dendo o tombamento não somente como
na continuidade, na tradição e na um instrumento legal destinado a garantir
intemporalidade”. Este discurso representa a integridade de um determinado bem,
a identidade nacional como primordial e mas também como um reconhecimento
os “elementos essenciais do caráter nacio- oficial dos seus valores culturais, é inegá-
nal permanecem imutáveis, apesar de to- vel que a constituição do acervo dos bens
das as vicissitudes da história”. Ele “está lá tombados pelo IPHAN ao longo dos seus
desde o nascimento, unificado e contínuo, primeiros 31 de existência – a chamada
‘imutável’ ao longo de todas as mudanças, fase heróica, em que Rodrigo Mello Fran-
eterno” (HALL, op. cit.: p. 53). As identida- co de Andrade esteve à frente do órgão
des nacionais, portanto, são construções de (1937-1967) – representou uma importante
sentido, símbolos, representações: e decisiva ferramenta na construção de
As culturais nacionais são compostas uma versão da história da arquitetura bra-
não apenas de instituições culturais, mas sileira que se consolidou, ao longo dos
também de símbolos e representações. anos, como dominante e hegemônica.
Uma cultura nacional é um discurso – um Segundo Maria Cecília Londres Fonse-
modo de construir sentidos que influen- ca, “não só mineiros, como cariocas,
cia e organiza tanto nossas ações quanto paulistas e outros passaram a identificar em
a concepção que temos de nós mesmos Minas o berço de uma civilização brasi-
(...). As culturas nacionais, ao produzir leira, tornando-se a proteção dos monu-
sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os mentos históricos e artísticos mineiros –
quais podemos nos identificar, constroem e, por consequência, do resto do País – par-
identidades. Esses sentidos estão contidos te da construção da tradição nacional.”
nas estórias que são contadas sobre a na- (FONSECA, 2005: pp. 92-93)
ção, memórias que conectam seu presen- Embora nos pareça mais apropriado fa-
te com seu passado e imagens que dela lar em construção da identidade nacional
são construídas. Como argumentou do que da tradição, pois esta última esta-
Benedict Anderson (1983), a identidade ria incluída na primeira, esta citação de
326 nacional é uma ‘comunidade imaginada’. Maria Cecília Londres Fonseca nos pare-
Anais | Congresso Abracor 2009
ce bastante esclarecedora do papel que o indo para que a arte brasileira litorânea pou-
tombamento dos exemplares – monumen- co se distinguisse da portuguesa, da qual
tos religiosos, civis e sítios urbanos – refe- constitui uma continuação lógica, quando
rentes aos ciclos do ouro e do diamante não cópia autêntica. (VASCONCELLOS,
localizados em Minas Gerais, 2004: p. 119)
complementados por outros edifícios e Assim, a partir da Era Vargas, o samba,
conjuntos barrocos situados na Bahia, em o futebol e a arquitetura colonial – nesta
Pernambuco, no Rio de Janeiro e em ou- última, com destaque para a obra do mu-
tros estados, tiveram na construção de uma lato Aleijadinho – passam a ser apresenta-
identidade brasileira a partir da Era Vargas. dos como representações máximas da
Como afirma Mariza Veloso Motta San- mestiçagem que caracteriza a identidade
tos na sua análise sobre a origem do nacional, em um processo de invenção de
IPHAN, o barroco “foi sacralizado como tradição, conforme conceito desenvolvi-
índice de primordialidade, de do por Eric Hobsbawn e Terence Ranger
exemplaridade na constituição da nossa (1997).
tradição cultural, uma vez que foi pensa- A arquitetura moderna brasileira da es-
do como origem” (SANTOS, 1996: p. 85). cola carioca, liderada por Lúcio Costa,
Deste barroco, o IPHAN destacou a pro- espelhada em Le Corbusier e tendo Oscar
dução realizada na longínqua região das Niemeyer como seu principal representan-
Minas Gerais no século XVIII como sendo te, é apresentada pelo intelectuais do
a mais autêntica, a verdadeira e original IPHAN como uma versão nativa e
arquitetura brasileira, distinta daquela pro- tropicalizada do modernismo internacio-
duzida na metrópole e mesmo nas regi- nal, com ligações ancestrais com a arqui-
ões litorâneas da colônia, como observa tetura tradicional brasileira: enfim, um
Sylvio de Vasconcellos, um dos maiores moderno “ancorado” no passado e no na-
estudiosos do barroco brasileiro e o mais cional. Lúcio Costa, o principal responsá-
importante colaborador do IPHAN em vel, na condição de Diretor da Divisão de
Minas Gerais nas primeiras décadas de Estudos e Tombamentos do IPHAN entre
atuação do órgão: 1937 e 1972, pelo estabelecimento dos
Foram estas mesmas dificuldades que, parâmetros e critérios utilizados na cons-
em grande parte, possibilitaram a carac- tituição do acervo de bens tombados bra-
terização das construções mineiras, a pon- sileiro, sempre ressaltava as relações en-
to de lhes conferirem uma fisionomia qua- tre a arquitetura moderna brasileira e a tra-
se peculiar (...). dição nacional:
As realizações litorâneas, no domínio Assim como Antônio Francisco Lisboa,
das artes, desenvolveram-se paulatina- o Aleijadinho, em circunstâncias muito
mente no decorrer dos séculos, acompa- semelhantes, nas Minas Gerais do século
nhando lentamente, e com atraso, a evo- XVIII, ele [Oscar Niemeyer] é a chave do
lução artística européia contemporânea. enigma que intriga a quantos se detêm na
As congregações religiosas sediadas na admiração dessa obra esplêndida e nume-
faixa marítima valiam-se frequentemente rosa devida a tantos arquitetos diferentes,
dos modelos, profissionais e orientações desde o impecável veterano Affonso
metropolitanos. Importavam ainda ele- Eduardo Reidy e dos admiráveis irmãos
mentos inteiros das construções: pedras, Roberto, de sangue sempre renovado, ao
altares, imagens, pinturas. Tudo contribu- civilizado arquiteto Mindlin, transferido

Figura 01 – Esquema desenhado por Lúcio Costa “demonstrando” a evolução da casa brasileira, do século XVII até a década de 1930
(COSTA, 1937)
327
Anais | Congresso Abracor 2009
1
Tendo em vista as
diversas denominações
para aqui de São Paulo e às surpreendentes entre as culturas componentes do Reino
que o órgão federal realizações de todos os demais, tanto da Unido, mas da hegemonia efetiva da cul-
responsável pela
preservação do velha guarda, quanto da nova geração e até tura ‘inglesa’, localizada no sul, que se
patrimônio cultural
brasileiro teve desde a dos últimos conscritos. (COSTA, 2007: p. representa a si própria como a cultura bri-
sua criação, em 1937,
como Serviço do
197) tânica essencial, por cima das culturas es-
Patrimônio Histórico e Para Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e os cocesas, galesas e irlandesas e, na verda-
Artístico Nacional
(SPHAN), optamos por outros arquitetos modernos ligados à es- de, por cima de outras culturas regionais”
utilizar a sigla atual
IPHAN, independente- cola carioca de matriz corbusiana – inclu- (HALL, op. cit.: p. 60). Analogamente,
mente do período
abordado
sive ele próprio, que certamente não se podemos dizer que, do ponto de vista do
2
Para uma análise mais inclui na lista por sua excessiva modéstia patrimônio edificado, a construção de uma
aprofundada do
processo de rejeição à – correspondem a uma versão moderna e identidade cultural brasileira entre as dé-
arquitetura eclética
durante a fase heróica do atualizada do mítico Aleijadinho. cadas de 1930 e 1960 se deu a partir do
IPHAN e o sucessivo – e
lento – processo de
Assim, durante a fase heróica, o tomba- reconhecimento, através do tombamento,
incorporação destes mento de bens da arquitetura colonial – da arquitetura barroca e das cidades colo-
bens ao acervo tombado
do órgão federal, cf. particularmente do Barroco mineiro – foi niais espalhada pelas regiões de ocupação
ANDRADE JUNIOR,
2008.
acompanhado do tombamento de obras da mais antiga (principalmente Bahia, Minas
escola carioca da arquitetura moderna: já Gerais e Rio de Janeiro e, em menor esca-
a partir de 1947 o IPHAN passou a inscre- la, Pernambuco), da arquitetura
ver nos Livros de Tombo uma série de neoclássica produzida por Grandjean de
obras da arquitetura e do urbanismo mo- Montigny e outros arquitetos atuantes no
dernos, a começar pela Igreja de São Fran- Rio de Janeiro no segundo e no terceiro
cisco, na Pampulha, em Belo Horizonte, quartéis do século XIX, e da arquitetura
projetada por Oscar Niemeyer e inaugu- moderna da Escola Carioca (Oscar
rada apenas quatro anos antes. Seguiram- Niemeyer, Lúcio Costa, Affonso Eduardo
se três outras obras modernas, todas loca- Reidy, Attilio Correia Lima, etc.).
lizadas no Rio de Janeiro: o prédio do Mi- O levantamento realizado por Silvana
nistério da Educação e Saúde Pública, atual Rubino (op. cit.) demonstra que a seleção
Palácio Capanema, tombado em 1948 (e dos bens representativos da identidade
inaugurado quatro anos antes); a Estação nacional não era limitada somente em ter-
de Hidroaviões, inaugurada em 1938 e mos estilísticos, tipológicos ou cronológi-
tombada em 1956; e o Parque do cos, mas também em termos geográficos.
Flamengo, tombado em 1965 ainda duran- Dos 689 bens tombados pelo IPHAN ao
te a execução do projeto de Affonso Eduar- longo dos 31 anos que correspondem à
do Reidy. fase heróica, nada menos que 492 (72,2%
Silvana Rubino observa que Lúcio Cos- do total) estão localizados em apenas qua-
ta e outros gestores do IPHAN ligados à tro estados: Minas Gerais (165 bens ou
vanguarda arquitetônica e artística moder- 23,9% do total), Rio de Janeiro (140 bens
na, como Alcides da Rocha Miranda e ou 20,3% do total), Bahia (131 bens ou
Carlos Drummond de Andrade, “fizeram 19,9% do total) e Pernambuco (56 bens
do tombamento uma instância de auto- ou 8,1% do total).
consagração – pois este é sempre uma Esta concentração está profundamente
medida de proteção e consagração – ao ligada à hegemonia que as identidades
inscrever suas próprias obras. E ao inscre- nacionais impuseram sobre as identidades
ver os marcos modernos criados por eles, regionais ou locais. Como observa Stuart
deixaram de lado obras do mesmo perío- Hall, “na história moderna, as culturas
do ou do período imediatamente anteri- nacionais têm dominado a ‘modernidade’
or” (RUBINO, 1996: p. 105). e as identidades nacionais tendem a se
Enquanto isso, a outras manifestações sobrepor a outras fontes, mais
arquitetônicas, como toda a arquitetura particularistas, de identificação cultural.”
eclética produzida nas últimas décadas do (HALL, op. cit.: p. 67)
século XIX e nas primeiras décadas do sé- Segundo Zygmunt Bauman, “a identida-
culo XX, por exemplo, era continuamente de nacional (...) nunca foi como as outras
negado o status de patrimônio nacional, identidades. Diferentemente delas, que
de forma a não abrir concessões no pro- não exigiam adesão inequívoca e fideli-
cesso de construção de uma identidade dade exclusiva, a identidade nacional não
nacional alicerçada no binômio arquite- reconhecia competidores, muito menos
tura barroca e arquitetura moderna – esta opositores” (BAUMAN, 2005: p. 28):
última apresentada como uma evolução da Cuidadosamente construída pelo Estado
arquitetura colonial.2 e suas forças (...), a identidade nacional
Stuart Hall observa que “a cultura ‘britâ- objetivava o direito monopolista de traçar
328 nica’ não consiste de uma parceria igual a fronteira entre ‘nós’ e ‘eles’. (loc. cit.).
Anais | Congresso Abracor 2009
No que se refere às identidades regionais identidade nacional era inevitável:
ou locais, Bauman afirma que “a identida- A ‘identidade nacional’ foi desde o iní-
de nacional só permitiria ou toleraria essas cio, e continuou sendo por muito tempo,
outras identidades se elas não fossem sus- uma noção agonística e um grito de guer-
peitas de colidir (fosse em princípio ou oca- ra. Uma comunidade nacional coesa so-
sionalmente) com a irrestrita prioridade da brepondo-se ao agregado de indivíduos do
lealdade nacional” (loc. cit.): Estado estava destinada a permanecer não
Ser indivíduo de um Estado era a única só perpetuamente incompleta, mas eter-
característica confirmada pelas autorida- namente precária – um projeto a exigir
des nas carteiras de identidade e nos pas- uma vigilância contínua, um esforço gi-
saportes. Outras identidades, ‘menores’, gantesco e o emprego de boa dose de for-
eram incentivadas e/ou forçadas a buscar ça a fim de assegurar que a exigência fos-
o endosso-seguido-de-proteção dos órgãos se ouvida e obedecida. (...) Nenhuma des-
autorizados pelo Estado, e assim confir- sas condições seria atendida não fosse pela
mar indiretamente a superioridade da superposição do território domiciliar com
‘identidade nacional’ com base em decre- a soberania indivisível do Estado – que,
tos imperiais ou republicanos, diplomas como sugere Agamben (seguindo Carl
estatais e certificados endossados pelo Schmitt), consiste antes de mais nada no
Estado. Se você fosse ou pretendesse ser poder de exclusão. Sua raison d’être era
outra coisa qualquer, as ‘instituições ade- traçar, impor e policiar a fronteira entre
quadas’ do Estado é que teriam a palavra ‘nós’ e ‘eles’. O ‘pertencimento’ teria per-
final. Uma identidade não-certificada era dido o seu brilho e o seu poder de sedu-
uma fraude. Seu portador, um impostor – ção, junto com a sua função integradora/
um vigarista. (loc. cit.) disciplinadora, se não fosse constantemen-
A partir da década de 1960, ao concei- te seletivo nem alimentado e revigorado
to, dominante na modernidade clássica, pela ameaça e prática da exclusão
da identidade como algo permanente e (BAUMAN, op. cit.: pp. 27-28).
estável foi contraposta a idéia de identida- Assim, traçando, impondo e policiando
de como diferença e transformação. Segun- a fronteira entre ‘nós’ e ‘eles’, o acervo de
do Stuart Hall, na contemporaneidade “di- bens selecionados para tombamento pelo
ferentes divisões e antagonismos sociais IPHAN – entendidos como referências
(...) produzem uma variedade de diferen- materiais da identidade cultural nacional
tes ‘posições de sujeito’ – isto é identida- – foi, como vimos, excluindo toda a pro-
des – para os indivíduos”, desarticulando dução eclética, justificando tratar-se de
as identidades estáveis do passado e abrin- produção realizada a partir de modelos e
do a possibilidade de criação de novas referências estrangeiros. Como afirmou
identidades, fazendo com que “a estrutu- Gustavo da Rocha-Peixoto (2000: p. 22),
ra da identidade permaneça aberta”, em “o tombamento do ecletismo [pelo
“uma concepção de identidade muito di- IPHAN], mais que esquecido, foi explici-
ferente e muito mais perturbadora e pro- tamente rejeitado”. Afinal, tratava-se da
visória do que as (...) anteriores”. (HALL, produção “deles”, que deveria a todo cus-
op. cit.: pp. 17-18). to ser distinguida da “nossa” produção –
Embora não haja consenso entre os au- isto é, o barroco dos séculos XVI a XVIII e
tores que se dedicam a analisar o concei- a arquitetura moderna de matriz interna-
to de identidade cultural na cional mas “abrasileirada” de Oscar
contemporaneidade sobre se nos encon- Niemeyer, Lucio Costa e outros. A inclu-
tramos em uma etapa que pode ser consi- são desde o início (1938), neste acervo
derada como uma alta modernidade ou referencial da “nossa” identidade nacional,
modernidade tardia (GIDDENS, 2002), ou da obra neoclássica produzida pelo fran-
ainda modernidade líquida (BAUMAN, cês Gandjean de Montigny no Rio de Ja-
2005), ou se estamos em uma pós- neiro na primeira metade do século XIX é
modernidade (HARVEY, 2003; JAMESON, justificada por ele ter buscado se adaptar
2004), todos parecem aceitar como ine- ao clima tropical brasileiro.3
gável que a noção de identidade cultural Buscando acompanhar os novos concei-
hoje está baseada nos conceitos de tos dominantes de identidade cultural, nas
descontinuidade, ruptura e deslocamento, últimas décadas o IPHAN tem buscado
em um processo de “fragmentação ou repensar a noção de valor nacional – ba-
‘pluralização’ de identidades” (HALL, op. seado na identidade nacional – que pre-
cit.: p. 18). dominou na primeira fase da sua atuação,
Zygmunt Bauman entende que o ocaso passando a incorporar, a partir da década
– ou pelo menos a desconstrução – da de 1960 e, mais intensamente, a partir da 329
Anais | Congresso Abracor 2009
década de 1980, uma série de exemplares 1965, foi tombado o Parque Henrique
de estilos e linguagens arquitetônicas an- Lage, incluindo um palacete eclético
tes desprezados. Segundo Maria Cecília construído em 1927, se constituindo no
Londres Fonseca, as mudanças no concei- primeiro bem cultural tombado em nível
to de identidade cultural promovidas na estadual no Brasil. Segundo Gustavo Ro-
contemporaneidade, associadas a um mai- cha-Peixoto, a preservação do Parque Lage
or envolvimento da sociedade civil nas “seria quase impossível de acordo com os
ações de preservação e salvaguada do rigorosos critérios de seleção de bens para
patrimônio cultural, “repercutiram, sem tombamento que vigoravam naquele mo-
dúvida, numa política pública fundada mento” (ROCHA-PEIXOTO, 1990: 01).
sobre o valor simbólico da nacionalidade O significado do tombamento do Parque
e conduzida por uma instituição estatal Lage pela DPHA-GB só pode ser correta-
que gozava de alto grau de autonomia em mente dimensionado tendo em vista que
relação aos movimentos da sociedade.” ele já havia sido tombado pelo IPHAN em
(FONSECA, 2005: p. 197): 1957 e que este tombamento foi revoga-
Na medida em que os próprios atores do, em 1960, pelo Presidente Juscelino
dessa política passam a pôr em dúvida não Kubitschek, que se utilizou de uma prer-
só a força política e simbólica da idéia de rogativa legal que permite ao Presidente
nação como também seu papel de únicos da República cancelar, em caráter excep-
porta-vozes dos grupos sociais na constru- cional, o tombamento de bens do
ção do patrimônio nacional, torna-se im- patrimônio nacional, desde que atenden-
perioso buscar novos caminhos. (loc. cit.). do a interesse público. O tombamento do
Entretanto, não obstante nas últimas dé- Parque Lage pelo Governo do Estado da
cadas o IPHAN tenha progressivamente Guanabara foi acompanhado da solicita-
passado a reconhecer através do tomba- ção de re-tombamento pelo IPHAN, feita
mento exemplares das arquiteturas pelo Governador Carlos Lacerda. Esta so-
eclética, Art Nouveau, art decô e da ar- licitação, contudo, não foi atendida.
quitetura do ferro e industrial produzida a A partir de 1965, a DPHA-GB assumiu
partir da segunda metade do século XIX, o um papel importantíssimo na preservação
acervo de bens tombados em nível fede- dos exemplares das arquiteturas até então
ral ainda é em sua esmagadora maioria desprezadas pelo IPHAN. Pouco mais de
formado por construções e conjuntos ur- três meses depois do tombamento do Par-
banos do período colonial. Além disso, que Lage, é a vez da DPHA-GB realizar o
percebe-se claramente uma diferença en- primeiro tombamento de um edifício em
tre a atuação do órgão nas diferentes regi- estilo neocolonial no Brasil: o Instituto de
ões do País: enquanto naqueles Estados de- Educação do Rio de Janeiro, construído
tentores de um acervo colonial signifi- entre 1927 e 1930 em “estilo missiones”,
cativo, como Bahia, Minas Gerais e foi tombado em 20 de outubro de 1965,
Pernambuco, o reconhecimento da arqui- não somente pelo reconhecimento da sua
tetura do século XIX através do tombamen- importância histórica como mais tradicio-
to federal ocorreu apenas de forma nal instituição de formação de professores
incipiente, em Estados cuja ocupação é do País, mas também como exemplar re-
mais recente, como Rio Grande do Sul e presentativo do estilo neocolonial em voga
São Paulo, a quantidade de edifícios dos entre as décadas de 1920 e 1940. A estes
séculos XIX e XX tombados pelo IPHAN é dois tombamentos realizados pela DPHA-
muito mais significativa. GB se seguiram outros, de importantes
Quem tem tido um papel mais significa- bens construídos na cidade do Rio de Ja-
tivo neste processo de ampliação do con- neiro no século XIX e nas primeiras déca-
ceito de patrimônio e, assim, contribuin- das do século XX e que até então não ha-
do na (re)construção de identidades regi- viam sido reconhecidos como patrimônio
onais e locais, são os órgãos estaduais de cultural pelo IPHAN.
preservação do patrimônio cultural, cria- Após a fusão entre os Estados do Rio de
dos a partir de meados da década de 1960. Janeiro e da Guanabara, em 1974, a atua-
O primeiro órgão estadual de patrimônio ção da DPHA-GB – agora transformada em
cultural a surgir no Brasil foi a Divisão de Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio de Janeiro (INEPAC) – passou a re-
da Guanabara (DPHA-GB), criada em 31 alizar tombamentos de edifícios ecléticos
de dezembro de 1964. O papel da DPHA- construídos nas primeiras décadas do sé-
GB na incorporação ao patrimônio daque- culo XX em outras cidades fluminenses. A
les bens historicamente rejeitados pelo partir de 1983, pontes, mercados, estações
330 IPHAN é referencial: em 15 de julho de ferroviárias e coretos construídos no final
Anais | Congresso Abracor 2009
3
Adolfo Morales de Los
do século XIX e no início do século XX utilização de búzios, conchas, cacos de Rios Filho, um dos
com elementos estruturais metálicos im- azulejos e detritos industriais como faróis primeiros – se não o
primeiro – a se dedicar
portados da Inglaterra, da França e da Ale- de automóveis, a Casa da Flor teve seu à obra de Grandjean de
Montingy, afirma que
manha passam a ser também objeto de tombamento solicitado ao INEPAC através não lhe foi “indiferente
o meio brasileiro.
tombamento pelo INEPAC. de um abaixo-assinado com quase duas mil Procurou adaptar-se ao
Os tombamentos pelo INEPAC destes assinaturas produzido pela população e mesmo, como são
provas incontestes: o
bens arquitetônicos antes marginalizados visitantes da região, demonstrando como traçado pompeiano da
mansão da Rua
prosseguem em marcha acelerada e, atu- a participação da sociedade desempenha General Polidoro – com
almente, parte significativa do acervo tom- um papel fundamental neste processo de o grande beiral que
possuía; a feição,
bado por aquele órgão corresponde a bens ampliação conceitual do patrimônio reco- também pompeiana, do
seu solar na Gávea,
deste período. Segundo Gustavo Rocha- nhecido pelos órgãos oficiais. No parecer com a bela galeria
porticada; a
Peixoto, em que se posiciona a favor o tombamen- manutenção do
A preocupação em preservar bens to, o arquiteto Ítalo Campofiorito, mem- carácter colonial no
edifício do Seminário
arquitetônicos fora do espectro ainda res- bro do Conselho de Tombamento do de São Joaquim; a
varanda semi-circular
trito de atuação do, então, IPHAN, foi uma INEPAC e relator deste processo, afirma: da Rua do Passeio (...)”
(MORALES DE LOS
das vertentes principais da ação dos ór- Aparentemente insólita e bizarra, essa RIOS FILHO, 1941: p.
gãos estaduais desde o início de sua ativi- fabricação onírica (‘eu sonho para fazer e 254).
4
Silvana Rubino
dade (...). A antiga DPHA e, já no novo faço’) tem efeitos visuais tão lindos e ines- observa que, em toda a
“fase heróica” do
Estado do Rio, o INEPAC centraram o co- perados quanto os muros do Park Guell de IPHAN (1937-1967), o
órgão federal não
meço de sua tarefa preservadora na arqui- Antonio Gaudi em Barcelona, com que é tombou nenhum edifício
tetura eclética, e mesmo modernista. Até freqüentemente comparada. Trata-se, sem construído durante a
Primeira República.
o início da década de 60 a arquitetura tom- dúvida, de um traço vital da vertente po- 5
Originalmente se
chamava Conselho de
bada no Brasil era praticamente toda dos pular e traumatizada de nossa arte, um bem Defesa do Patrimônio
períodos colonial e imperial e estava res- cultural de valor, curiosamente tão cele- Histórico, Artístico e
Turístico do Estado de
trita aos grandes exemplares isolados e de brado, mas ainda não incorporado ao São Paulo
(CONDEPHAT), tendo
valor excepcional. O primeiro diretor do patrimônio oficial. Considerando a sua be- incluído o termo
“Arqueológico” somente
INEPAC, Alex Nicolaeff, escreveu sobre leza e o seu caráter genuinamente popular no ano seguinte à sua
aquele momento: “Além da quase total e atendendo ás diretrizes culturais da nova criação.

indiferença por manifestações mais sim- Administração, opino pela conveniência do


ples de arquitetura, prevalecia o nível de tombamento estadual da Casa da Flor (...).
obras eruditas, um certo descaso pela ar- (CAMPOFIORITO, 1984, p. 28)
quitetura de ferro da Revolução Industrial O Conselho de Defesa do Patrimônio
e exemplares ecléticos. (ROCHA PEIXOT, Histórico, Arqueológico, Artístico e Turís-
1990: 06). tico do Estado de São Paulo
Assim, o DPHA-GB e o INEPAC foram (CONDEPHAAT) 5 foi criado em 1968,
preservando bens dos mais diversos esti- como consequência direta da criação da
los e linguagens arquitetônicas, da arqui- Secretaria de Cultura do Estado de São
tetura erudita e vernacular, garantindo a Paulo no ano anterior. Já entre os primei-
preservação da história carioca e ros tombamentos realizados pelo órgão,
fluminense e contribuindo para a em dezembro de 1969, estão dois palace-
(re)construção de identidades locais nas tes ecléticos construídos na segunda me-
diversas regiões do Estado e de uma iden- tade do século XIX na cidade de
tidade regional para o Rio de Janeiro que Pindamonhangaba com os recursos pro-
ultrapassava em muito as limitações im- venientes da cultura cafeeira: o Palacete
postas pelo conceito de identidade nacio- Visconde de Palmeira e o Palácio 10 de
nal do IPHAN, que ignorava toda a arqui- Julho. Em 1972, é tombado o Quartel da
tetura produzida na capital brasileira du- Luz, projeto de Francisco de Paula Ramos
rante a República Velha (1889-1930), o Rio de Azevedo de 1892.
da Belle Époque e de Pereira Passos4 e até A partir daí, o CONDEPHAAT realiza
mesmo manifestações da mais autêntica dezenas de tombamentos de edifícios
cultura popular, como a Casa da Flor em ecléticos, representativos da riqueza pro-
São Pedro da Aldeia. duzida pelo ciclo do café e pela industriali-
Seja no que se refere ao reconhecimen- zação de algumas regiões do Estado a par-
to de manifestações representativas de tir da segunda metade do século XIX. No
identidades locais, seja no que se refere à que se refere aos exemplares da arquitetu-
incorporação da arquitetura vernacular ao ra do ferro e da arquitetura industrial, os
patrimônio oficial, o tombamento da Casa primeiros tombamentos pelo
da Flor pelo INEPAC, em 1983, se consti- CONDEPHAAT ocorrem em 1974, e nos
tui em um marco. Uma construção cuida- anos seguintes diversas estações ferroviárias,
dosamente conformada, ao longo de dé- fábricas, vilas operárias, centrais elétricas,
cadas, por Gabriel dos Santos, através da pontes pênseis e armazéns são tombados. 331
Anais | Congresso Abracor 2009
O Instituto Estadual do Patrimônio His- (Cinema Glória, de 1925), em Timbaúba
tórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), (Cine-Teatro Recreios Benjamin, de 1916)
criado em 1971, também vem tombando e em Palmares (Cine-Teatro Apollo, de
importantes exemplares da arquitetura 1914), assim como os edifícios ecléticos
eclética desde 1975, quando foram de- do Quartel do Derby (1925) e do Palácio
clarados patrimônio histórico e artístico de da Justiça (1924-1930), ambos em Recife.
Minas Gerais o Palácio da Liberdade, o Até mesmo a antiga Escola de Medicina,
Arquivo Público Mineiro e o Centro de construída em estilo neocolonial entre
Cultura de Belo Horizonte (antigos Con- 1926 e 1927 foi reconhecida como
selho Deliberativo, Câmara Municipal e patrimônio histórico e artístico
Museu de Mineralogia), todos na capital pernambucano pela FUNDARPE. O
mineira. Em 1977, o tombamento do Con- patrimônio industrial e a arquitetura do
junto Arquitetônico e Paisagístico da Pra- ferro pernambucanas também têm sido
ça da Liberdade, incluindo os edifícios das valorizados pela FUNDARPE, que já tom-
Secretarias Estaduais de Segurança Públi- bou o Conjunto Fabril da Tacaruna em
ca, Obras Públicas, Fazenda, Educação, Recife (1895), a Estrada de Ferro Recife-
Interior e Justiça, dentre outros imóveis, Gravatá (1881-1894), a Estação Ferroviá-
representou o reconhecimento definitivo ria de Petrolina (final do século XIX) e a
dos valores históricos e estéticos das cons- torre de atracação de Zepelins no Campo
truções ecléticas erguidas logo após a cri- do Jiquiá em Recife (1930).
ação da cidade, em 1895. O caso do IPHAE talvez seja, junto com
Em 1973, são criados a Fundação do o INEPAC, o mais representativo da im-
Patrimônio Histórico e Artístico de portância que os órgãos estaduais de pre-
Pernambuco (FUNDARPE) e o Instituto do servação têm tido na constituição das iden-
Patrimônio Histórico e Artístico Estadual tidades regionais. Até mesmo pelas carac-
do Rio Grande do Sul (IPHAE). No caso terísticas da arquitetura gaúcha foi natural
da primeira, é surpreendente como a pro- que as ações de preservação levadas a cabo
dução dos séculos XIX e XX foi privilegia- pelo IPHAE se concentrassem nas constru-
da: dos 51 bens tombados em definitivo ções ecléticas vinculadas à imigração itali-
pela FUNDARPE em 1998, 30 (cerca de ana e alemã. Assim, dos 98 bens tombados
59%) correspondem a edifícios pelo IPHAE até fevereiro de 2008, 65 (66%
neoclássicos, ecléticos, neocoloniais ou do total) correspondem a exemplares da
arquitetura do ferro, demonstrando o inte- arquitetura do final do século XIX e início
resse do órgão estadual de preservação do do século XX, com especial destaque para
patrimônio cultural de suprir as lacunas a arquitetura eclética: o tombamento de 50
deixadas pelo IPHAN, ampliando o con- edifícios construídos entre 1850 e 1930 em
ceito de patrimônio edificado. Os primei- diversos municípios nas mais diversas ver-
ros bens tombados pela FUNDARPE foram tentes da arquitetura eclética garantirá a
exatamente dois exemplares do século preservação das diferentes matrizes cultu-
XIX: a antiga Casa de Detenção do Recife, rais que influenciaram e compõem a
atual Casa de Cultura, um edifício multifacetada identidade gaúcha.
neoclássico inaugurado em 1855 e tom- A compreensão do Brasil como um país
bado em 03 de setembro de 1980, e a plural, múltiplo e diversificado se sobre-
Ponte do Itaíba, em Paudalho, construída põe, assim, à visão de uma nação com uma
entre 1872 e 1875 e tombada em 08 de identidade cultural unificada pois, como
novembro de 1980. afirma Stuart Hall, “as nações modernas
Outro dado significativo é que o reco- são, todas, híbridos culturais” (HALL, op.
nhecimento de exemplares da arquitetura cit.: p. 62):
do século XIX através do tombamento pela Em vez de pensar as culturas nacionais
FUNDARPE não se limita à capital, mas como unificadas, deveríamos pensá-las
ocorre em municípios de todas as regiões como constituindo um dispositivo
do Estado. Assim, além de diversos exem- discursivo que representa a diferença
plares do Neoclássico recifense da segun- como unidade ou identidade. Elas são atra-
da metade do século XIX – que ressaltam vessadas por profundas divisões e diferen-
a importância de uma certa escola ças internas, sendo ‘unificadas’ apenas
neoclássica pernambucana no período –, através do exercício de diferentes formas
construções neoclássicas foram tombadas de poder cultural. Entretanto – como nas
nos municípios de Vitória de Santo Antão, fantasias do eu ‘inteiro’ de que fala a psi-
Brejo da Madre de Deus, Itamaracá, Cabo canálise lacaniana – as identidades naci-
de Santo Agostinho e Camaragibe. Foram onais continuam a ser representadas como
332 tombados cinemas ecléticos em Recife unificadas. (ibid., pp. 61-62)
Anais | Congresso Abracor 2009
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Anais | Congresso Abracor 2009
DOMIT, Renata S.
Graduada em História pela Universidade Federal do Paraná.
Especialista em Conservação Restauração de Bens Culturais Móveis pelo CECOR.

ZAMPIER, Ângela.
Graduada em Desenho Industrial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Especialista em Conservação Restauração de Bens Culturais Móveis pelo CECOR.

MAROUFLAGES DO PAÇO MUNICIPAL DE CURITIBA:


UMA REFLEXÃO SOBRE A RE-RESTAURAÇÃO NO CONTEXTO
DA TEORIA CONTEMPORÂNEA DA CONSERVAÇÃO

A teoria contemporânea da conservação traz novos questionamentos para o âmbito


de conservadores e restauradores. Neste sentido pretendemos adequar o trabalho de
restauração das marouflages do Paço Municipal de Curitiba às premissas da nova teo-
ria, sem minorar a contribuição basilar que a teoria de Cesari Brandi tem até hoje. O
complexo trabalho de re-restauração das telas exemplifica como o debate interdisciplinar
é fundamental e que é possível realizar um trabalho criterioso aliando as duas teorias.

The contemporary conservation theory brings new self questionings to the restoration
professionals. That way, we intend to adequate our restoration work of the marouflages
of the “Paço Municipal de Curitiba” (the historic Curitiba city administration center) to
the new statements conservation theory, without diminish Cesari Brandi’s fundamen-
tal theory valid until present days. The complex re-restoration process undergoing in
the paintings exemplify that the interdisciplinary debates is fundamental and that is
possible to do a careful job using both theories.

PALAVRAS-CHAVE:
MAROUFLAGE - RE-RESTAURAÇÃO - ÉTICA - CONSERVAÇÃO

FICHA TÉCNICA
Obra: Restauro e reciclagem do Paço Municipal de Curitiba (1914-1916).
Tombamento: Monumento Federal 1986.
Local: Praça Generoso Marques, Curitiba – Paraná.
Empresa executora: Emadel Engenharia e Obras.
Responsável Técnico: Arquiteto Humberto Fogassa (crea/pr 20293-D).

INTRODUÇÃO

O restauro de uma obra envolve inúme- – 1925). Dentre essas, 4 grandes figurati-
ros detalhes que devem ser ordenados e vas e 17 menores não figurativas. Ao mes-
levados em conta na mesma proporção de mo tempo havia a necessidade de se criar
forma a possibilitar a intervenção. um ambiente de trabalho compatível para
No trabalho de restauração das podermos realizar a intervenção, já que,
marouflages do Paço Municipal de as telas não necessitavam ser removidas do
Curitiba, estas questões foram muito bem teto e teriam de ser trabalhadas in loco, si-
estudadas e discutidas, etapa por etapa, multaneamente aos trabalhos de reforma do
para que, ao final, alcançássemos um re- edifício. Ou seja, em paralelo com a mão-
sultado prudente, respeitando todas as pre- de-obra especializada dos restauradores, o
missas da teoria da restauração. trabalho de reciclagem do prédio envolvia
De início tínhamos um grande desafio: uma ampla equipe de engenharia civil com-
trabalhar com o mesmo critério utilizado posta por: pedreiros, marceneiros, eletricis-
em atelier adaptando para uma obra de tas, etc., todos executando os trabalhos ao
grande porte. 40 metros quadrados de tela, mesmo tempo e no mesmo espaço.
divididos por molduras de gesso forman- Procuramos utilizar da melhor forma a
do um conjunto de 21 telas, todas atribuí- interdisciplinaridade existente, buscando
das ao pintor paranaense João Ghelfi (1890 sempre que todos se fizessem entender, 335
Anais | Congresso Abracor 2009
desde a firma de engenharia, o arquiteto res- resolvidas seriam empecilhos que colocari-
ponsável, a restauradora que gerenciou to- am em risco a boa execução de um trabalho
dos os trabalhos e, a equipe de restauro. de restauração criterioso. Outras questões
Diversas vezes nos deparamos com a difi- mais tarde se impuseram e, da mesma for-
culdade de justificar para uma empresa ma, foram discutidas entre todos.
habituada com trabalhos de grande porte, O próximo ponto analisado foi a unida-
a necessidade de um trabalho de restaura- de que o conjunto das telas exprimia e
ção que, frequentemente é pormenoriza- como deveríamos proceder respeitando
do. Minúsculos pontos imperceptíveis ao esta coesão. Embora cada tela apresentas-
olho nú destreinado e que levam muito se um nível de estado de conservação dis-
tempo para serem tratados. tinto, no final do processo todas deveriam
Neste sentido a restauradora Luciane ter a mesma leitura estética, formando as-
Ribas, responsável por gerenciar a equi- sim a unidade potencial do conjunto. Além
pe e os trabalhos de restauro, manteve do estado de conservação, a qualidade da
sempre um excelente diálogo com a fir- técnica também era diferente. As telas fi-
ma de engenharia e sua equipe. O arqui- gurativas, sem dúvida, chamavam mais a
teto responsável, Humberto Fogassa, por nossa atenção, mas, o critério aplicado te-
sua vez, foi sensível ao perceber que a ria que ser o mesmo em todas.
restauração das telas tinha um prisma di- Ao chegarmos em acordo a respeito des-
ferente da pintura mural e merecia outro tes pontos e dos critérios que iríamos se-
tipo de debate e critério. guir, estes nos nortearam para debater as
Estas foram questões iniciais que mere- questão seguintes.
ceram nossa atenção. Se não fossem bem

RE-RESTAURAÇÃO
A questão principal que se colocou dian- or ameaçava a integridade da obra e alte-
te de nós foram as intervenções anteriores e rava a leitura da tela.
o nosso trabalho de re-restauração. Clara- Além disso, a legitimidade estava sendo
mente sabíamos que nossa intervenção era ofendida, já que a tela possuía uma gran-
absolutamente pertinente e necessária. Mes- de porcentagem de repintura que ultrapas-
mo assim, não era possível nos eximir de sava as fronteiras das lacunas, distorcendo
cometer excessos na remoção dos tratamen- o desenho e criando novos sentidos para
tos anteriores e muito menos de reincidir alguns elementos da pintura. Não nos cabe
no erro precedente. julgar a intervenção anterior, visto que,
A re-restauração é tema freqüente nos pertence a outro período onde se difundi-
trabalhos contemporâneos, desde os anos am outras técnicas e critérios. Ainda as-
1980, e já foi largamente discutida por meio sim, não podemos deixar de lembrar que
de estudiosos da conservação. TOLLON já na década de 1960, BRANDI (2004)
(1995) propõe que existam dois tipos de assinalava em sua Teoria da Restauração
significado para o termo re-restauração: o que, no que concerne a legitimidade, bus-
primeiro seria de recuperar a autenticida- ca-se desenvolver a unidade potencial dos
de da obra, ou seja, voltar ao estado origi- fragmentos retraçando a unidade originá-
nal; e o segundo, de apenas restabelecer a ria, embora sempre se limitando a desen-
leitura estética e não a autenticidade. O volver as sugestões implícitas nos própri-
autor também chama a atenção para o os fragmentos. Evitando assim, cometer um
parâmetro usado para guiar a re-restaura- falso histórico ou uma ofensa estética ide-
ção, onde o viés histórico seria um argu- alizando ou modificando a idéia original.
mento contra a re-intervenção. Por outro Sabemos também que na Teoria Con-
lado, o mote estético justificaria a nova res- temporânea da Conservação segundo
tauração, e, sendo assim, apenas aspectos VIÑAS (2005), a objetividade e a busca
técnicos importantes poderiam sustentar o pela verdade são temas ultrapassados.
argumento da re-restauração. Dessa maneira, devemos assumir o cará-
Neste sentido, entendemos que a nossa ter subjetivo da restauração tentando, ex-
intervenção não buscou recuperar o esta- tirpar os excessos cometidos por “peritos”
do original, e sim, apenas, restituir a leitu- da verdade. Dentro deste conceito temos
ra e a unidade potencial da obra. No caso a questão da reversibilidade que foi trata-
das marouflages os aspectos técnicos jus- da como uma utopia pela teoria contem-
tificaram a re-restauração, juntamente com porânea e foi substituída pelo conceito da
os problemas estéticos. Pois o uso de ma- re-tratabilidade. Uma vez que, segundos
teriais inadequados na intervenção anteri- os estudiosos da conservação, nenhum tra-
336
Anais | Congresso Abracor 2009
tamento é inteiramente reversível, embo- “reempregar” os mesmos materiais e técnicas
ra, possa admitir a sua re-tratabilidade. e, sim, para substituir por outros mais moder-
Deste modo procuramos, mesmo subjeti- nos e adequados. Afinal, de que valeria a nossa
vamente, limitar nossa intervenção no senti- remoção se fôssemos apenas remontar a mes-
do de remover o tratamento anterior até onde ma linha de atuação encontrada. Neste senti-
se achava necessário e sempre buscando do, quando decidimos remover a repintura,
utilizar técnicas e materiais re-tratáveis, des- que, em muitos casos estava distorcendo a
de o tratamento estrutural até a reintegração idéia original, no momento da reintegração
pictórica. Ainda que os debates sobre a pro- deveríamos respeitar estritamente as frontei-
posta de tratamento fossem abordados de ras das lacunas, sem perpretar como antes um
maneira subjetiva, sempre ficou claro que falso histórico e uma ofensa estética.
não “removeríamos” para simplesmente

TRATAMENTO REALIZADO
Começamos o tratamento realizando o necessárias a remoção da grossa camada
mapeamento do estado de conservação. de cera que estava camuflando muitos
Antes disso, não poderíamos imaginar cortes e algumas perdas de suporte.
quantos problemas o conjunto de 21 telas Após a limpeza, remoção de verniz e
apresentava. Os principais danos que cha- repintura, aplicamos verniz para servir de
maram nossa atenção foram os cortes no interface e assinalar o início de nossas in-
interior da tela ocasionados pela remoção tervenções, uma vez que este cria uma
e recolocação das marouflages na inter- barreira entre o original ou, em alguns
venção anterior, e, que confirmamos por casos, entre a intervenção anterior e nos-
aparecerem apenas em telas que tinham sas adições, servindo como uma espécie
sido removidas no passado. Ou seja, nem de registro. Fato este de suma importância
todas apresentavam os cortes, somente as para uma restauração futura, que terá mais
que foram retiradas na intervenção anteri- facilidade para distinguir o histórico de
or. Em seguida observamos que estas mes- intervenções pelo qual a obra passou.
mas telas, pelo fato das bordas estarem sob Posteriormente à interface, pudemos ini-
um cordonete, foram recortadas para faci- ciar a aplicação de enxertos, visto que as
litar a sua remoção. Constatamos este fato telas, apesar de possuírem reentelamento,
quando retiramos um pedaço do cordão e não possuíam enxertos nas perdas de su-
notamos a permanência do pedaço de porte e estas eram facilmente reconhecí-
borda recortada ainda colado. Haviam te- veis, pois haviam sido reintegradas direta-
las não figurativas com mais de 58 cortes, mente no tecido do reentelamento sem
que estavam mascarados com camadas que houvesse, ao menos, algum tipo de
grossas de cera pigmentada, caracterizan- nivelamento. Com exceção de algumas
do, mais uma repintura de cera, do que telas não figurativas que possuíam a ca-
um nivelamento propriamente. Além dis- mada de cera pigmentada que exercia tam-
so, após exames com luz UV, pudemos bém o papel de nivelamento.
ter noção da quantidade de repintura exis- A etapa seguinte constituiu-se do
tente e como esta se sobrepunha à tela, nivelamento e, em seguida, a reintegração
muito além das lacunas. das lacunas. Nesta fase, novamente, de-
O tratamento propriamente dito foi ini- batemos muito a respeito dos critérios e
ciado com a limpeza superficial, seguin- técnicas que deveriam ser utilizadas. É
do-se da remoção de verniz oxidado e re- certo que, apesar da complexidade que
moção parcial da repintura nas telas figu- envolve a limpeza e remoção de verniz e
rativas. Decidimos remover apenas a repintura, a etapa da reintegração é o que
repintura grotesca que distorcia os traços mais se destaca ao olhar do público em
originais. Nestes locais o restaurador an- geral, pois de fato, é o evento que devol-
terior não respeitou nem o princípio de ve a unidade potencial e a leitura da obra.
legitimidade e nem o de legibilidade enun- É justamente por essas mesmas questões
ciado por BRANDI (2004), sendo assim, que a reintegração deve ser sumariamen-
nossa ação foi justificada. Após as figurati- te embasada nos critérios da teoria da res-
vas, passamos para limpeza e remoção de tauração, já que em mesma medida pos-
verniz nas telas não figurativas. Estas, ape- sui a capacidade de restituir, ou também
nas em casos específicos, sofreram a re- danificar e distorcer, contrariando os pre-
moção de repintura, onde apresentavam ceitos já tão discutidos como o da legiti-
repinturas grosseiras que destoavam de midade e legibilidade.
todo o conjunto de telas não figurativas. Optamos por empregar a técnica do
Houve casos igualmente em que foram pontilhismo, levando em conta a questão 337
Anais | Congresso Abracor 2009
da legibilidade, onde a intervenção deve peitando a idéia original do artista.
ser sempre reconhecível. No entanto, se- De fato, a etapa da reintegração é crucial
gundo BRANDI (2004), sem infringir a e muito perigosa, porque pode colocar a
própria unidade, ou seja, invisível a uma perder todo um longo processo pautado e
certa distância, embora, quando próxi- bem sucedido. Neste sentido, buscamos a
mo, reconhecível de imediato sem a ne- melhor técnica e os melhores materiais,
cessidade da utilização de instrumentos da mesma forma como procedemos em
especiais. todas as outras etapas. Novamente temos
Utilizamos tintas próprias para restaura- que consignar o mérito, em grande parte,
ção e reversíveis com solvente, garantin- à restauradora e ao arquiteto responsável
do dessa maneira a re-tratabilidade da que sempre procuraram proporcionar os
obra, tão almejada pelos teóricos contem- materiais necessários por nós solicitados.
porâneos da conservação e de fundamen- Sem este apoio seria impossível realizar
tal importância, pois, não é lícito impedir um trabalho sério e criterioso.
uma restauração futura. Finalizamos os trabalhos com a etapa da
Além disso, as fronteiras da lacuna fo- apresentação estética e por sequência a do
ram respeitadas sempre, assegurando a verniz final. A apresentação estética foi
manutenção da legitimidade da obra, por- necessária em algumas regiões onde ha-
quanto, não cometemos um falso históri- via abrasionamentos e estes estavam in-
co e muito menos um ultraje estético, res- terferindo na leitura da obra.

CONCLUSÃO
É do nosso entendimento que um trabalho embasadas e registradas.
de restauração bem-sucedido deve estar de Deste modo, princípios como da legibilidade
acordo com os parâmetros teóricos da con- e legitimidade - da teoria clássica - como os de
servação. Com esta visão, procuramos in- subjetividade e re-tratabilidade - da teoria con-
cessantemente adequar nossas reflexões aos temporânea - foram colocados em prática com
conceitos clássicos, pois estes ainda são caráter de igualdade.
basilares para a teoria da restauração, e con- Em conclusão, acreditamos ter obtido
ceitos contemporâneos. Acreditamos que as sucesso em nossa intervenção, abordan-
premissas teóricas foram respeitadas na prá- do criteriosamente cada etapa e com a res-
tica em todo o processo e podemos afirmar ponsabilidade necessária ao patrimônio
que todas as intervenções foram devidamente cultural e artístico de Curitiba.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia: Ateliê Editorial, 2004.
TOLLON, Françoise. Algumas questões sobre re-restauração. Anais do IV Colóquio Internacional de ARAAFUS. Paris: Araafu, 1995.
VIÑAS, Salvador Muñoz. Teoria contemporânea da conservação. In: CALEY, Thomas (org.) Técnicas inglesas de conservação e
restauração de pinturas de cavalete. São Paulo: [s.n.], 2005.
338
Anais | Congresso Abracor 2009
Valéria de Mendonça
Coordenadora do Núcleo de Conservação e Restauro
Instituição: Pinacoteca do Estado de São Paulo

A documentação de Conservação e Restauro:


ética e responsabilidade profissional

The conservation records stored at the archives of the Pinacoteca do Estado are a
small sample within the history of restoration and conservation in São Paulo. In 2003
the Conservation Department introduced a project in order to organize and preserve
the records about all sort of documents that refers to the restoration or any other sort of
works executed on the collection. The aim of this presentation is to point out the
criteria adopted, bringing to light how the few and obsolete information and data were
recuperated and how it became the basis for the future plans to warrant the continuity
of all the existing information, as a documental archive. There will be also some
considerations such as ethic commitments, once engaged professionals at the Brazilian
artistic heritage, aiming to motivate and give new perspectives to the young
professionals, with little experience, to guarantee the preservation of records and its
role in the future preservation of our cultural heritage.

Palavras-chave:
Código de ética/ procedimentos/ preservação/ arquivo documental

A documentação preservada no arquivo mos esses conceitos e nos compromete-


da Pinacoteca do Estado de São Paulo é mos a aplicá-los durante o exercício da
um pequeno retrato da história da conser- profissão, mas no decorrer desses anos
vação e restauro paulista. Apesar de ser posso afirmar que existe uma lacuna entre
uma instituição centenária, somente em esse conhecimento e a prática profissio-
2003 o Núcleo de Conservação e Restau- nal. Muitos dos conservadores restaurado-
ro implantou, com o apoio da Vitae, um res que atuam em bens culturais se esque-
projeto para preservação e organização da cem ou negligenciam esses critérios éti-
documentação referente aos trabalhos e cos.
intervenções realizadas nas obras de seu O campo de atividades que nos envol-
acervo. vem como profissionais é bastante amplo
O objetivo dessa apresentação será apon- e vem sendo exercido tanto em coleções
tar os critérios que introduzimos para a sua particulares ou empresariais, museus pú-
implantação, como recuperamos as antigas blicos ou privados, e atingem um número
e poucas informações existentes e como enorme de obras que tem seus dados de
estamos garantindo sua continuidade como conservação e restauro, com as
um arquivo documental. Abordaremos al- especificações das metodologias aplicadas
gumas reflexões que envolvem o nosso e materiais empregados, perdidos ou com-
compromisso ético como profissionais atu- prometidos.
antes no patrimônio artístico brasileiro. Há alguns poucos anos atrás ainda justi-
Os relatórios com documentação fotográ- ficávamos os relatórios ou apresentações
fica e descrição dos procedimentos públicas com fotos insuficientes e mal ti-
adotados durante um processo de conser- radas à falta de verba ou equipamentos ina-
vação e restauro fazem parte do Código de dequados, mas nessa era digital e de gran-
Ética do profissional que atua em qualquer de acessibilidade econômica, isso não mais
bem cultural móvel ou imóvel. Eles têm se justifica. Essa negligência talvez pudes-
como objetivo reunir com precisão, dados se ser atribuída a não regulamentação da
e imagens, permitindo aos restauradores profissão, mas também sabemos que até
acompanhar a evolução material da obra, cursos com mínima duração incluem a
além de, constituir uma importante fonte Carta de Veneza ou a Carta de Restauro
de pesquisa para diversos especialistas. no seu “programa” básico. Acredito então
Ao iniciarmos nossa formação aprende- que o problema está em atitudes individu- 339
Anais | Congresso Abracor 2009
ais, algumas até institucionais e que isso, junto aos seus associados uma maior serie-
felizmente, ainda pode ser revisto ao re- dade no cumprimento desse artigo do nos-
forçarmos o conceito da prática com mai- so código de ética.
or responsabilidade. A Pinacoteca de São Paulo exerce a po-
Cabe aos novos cursos de formação, cuja lítica de reconhecer a importância dos tra-
oferta deve aumentar nos próximos anos, balhos de seus colegas, ao compartilhar e
sensibilizar e orientar os novos profissio- dividir seus resultados, para que juntos
nais que estão ingressando na área, como possamos garantir a preservação futura do
também as associações de classe, reforçar conjunto de nossos bens culturais.

O Arquivo Documental de Conservação e Restauro


O principal critério e metodologia para dade e sistematização a esse processo foi
sua implantação em 2003 foi levantar e necessário rever várias atitudes: as condu-
recuperar qualquer fonte de informação tas individuais e da equipe, a inserção pre-
referente ao estado de conservação das cisa de dados e informações, os modelos
obras do acervo. Esses poucos dados exis- dos laudos técnicos, o modo de fotografar
tentes estavam dispersos em diversos do- as obras, a remoção, ou não, de etiquetas
cumentos como atas, registros de entrada, e informações aplicadas nos versos, etc.
livros de ocorrências, cópias xerox de an- Com essa revisão criou-se uma
tigos laudos, processos, etc. e foram recu- normatização nos procedimentos que atu-
perados, obra a obra, quando isso era pos- almente são adotados.
sível. Havia também a informação oral, A equipe técnica faz uma revisão cons-
fornecida por antigos funcionários, que tante dos campos preenchidos nos laudos
pode ser documentada e transcrita em lau- técnicos, visando registrar o maior nume-
dos para algumas obras. ro de dados, para que a informação futura
Com os recursos fornecidos pela Vitae seja sempre bem precisa. (ex. como foi
conseguimos dar início a um processo de aplicado o verniz, pincel, compressor,
trabalho que hoje, para sua continuidade, spray, etc.)
exige disciplina, afinco, responsabilidade - adoção do registro fotográfico em má-
e ética profissional. quina mecânica automática para todos os
Dentro do Programa de Apoio a Museus procedimentos de conservação e restau-
conseguimos: ro. Utilizamos a imagem digital apenas
- a contratação de duas bibliotecárias por para os laudos de empréstimos de obras e
quatro meses. as ocorrências internas.
- a aquisição de arquivos deslizantes e - uso de filme em rolo Fuji 400 ASA 36
adequação do espaço físico na sala de tran- poses.
sito da Reserva Técnica para sua implan- - ampliação das imagens em formato 10
tação em local climatizado. x 15 cm em papel brilhante com margem.
- o desenvolvimento de pastas suspensas - foto com luz ultravioleta e luz rasante
neutras em Syntipaper, polipropileno de antes das intervenções e em alguns casos
alta densidade, 250 g também após o retoque.
- o levantamento das informações por A justificativa na adoção de filme foto-
autor e obra – (adotou-se o nome artístico) gráfico, em plena era digital, é garantir uma
- a identificação das fotos e documenta- documentação consistente e acessível a
ção sem fontes de registro pelos conserva- qualquer momento. A Pinacoteca não dis-
dores-restauradores. põe, ainda, de recursos para aquisição de
- a adoção do arquivo em pastas por au- equipamentos digitais que nos permitam
tores - alguns casos estão subdivididos por reproduzir e arquivar com segurança o que
numero de registro museológico. Ex. produzimos atualmente.
Almeida Jr. 47 obras em 14 pastas e uma Assim que isso for possível, ou que, no-
para os objetos. vas tecnologias forem introduzidas no
-uso de cartelas em material neutro mar- mercado visando um registro mais preci-
ca Archives para inserção de fotos e eti- so, esses procedimentos serão revistos e
quetas. adequados.
-identificação das obras, autor e título e A Pinacoteca do Estado disponibiliza o
data da foto nas cartelas com tinta perma- acesso a esse arquivo para pesquisadores
nente. e interessados na área por meio de prévio
Após sua implantação, para dar continui- agendamento.

340
Anais | Congresso Abracor 2009
TRINDADE, Ana Lígia
Bibliotecária formada pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, atuando na Biblioteca Martinho Lutero da
Universidade Luterana do Brasil (Canoas-RS). Pós-
graduada no Curso de Especialização em Dança pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Bailarina, coreógrafa e professora de Dança Clássica na
cidade de Canoas, Cachoeirinha e Gravataí – RS

MEMÓRIA E DIREITOS AUTORAIS NA DANÇA:


a notação do movimento na
preservação da informação coreográfica

Pensar a dança como patrimônio cultural é entendê-la passível de registro, inventá-


rio, tombamento, e necessitando de todas as salvaguardas para ser preservada. E quando
partimos desta idéia nos deparamos imediatamente com um desafio paradoxal que
ronda todos os bens imateriais e particularmente a dança, já que sabemos dos limites
impostos pela especificidade desta linguagem que apesar de ter o corpo, tão palpável,
como matéria-prima, tem o movimento, tão efêmero e fugaz, como idioma. O Direito
Autoral protege a expressão de idéias nos trabalhos publicados e não publicados na
área artística, reservando para seus autores o direito exclusivo de reproduzir seus tra-
balhos. O caso Graham ilustra como o direito autoral é importante para proteger core-
ógrafos na transmissão dos seus trabalhos coreográficos. Devido à natureza efêmera,
exclusiva da coreografia, é essencial captar a dança em um determinado formulário de
notação para registro de direitos autorais.

PALAVRAS-CHAVE:
Memória da dança – Direitos autorais – Notação coreográfica – Registro de proprieda-
de intelectual

It thinks dances like cultural patrimony is going to understand her subject to record,
inventory, and needing all the safeguards for to be preserved. And when we start from
this idea we have an encounter immediately with a paradoxical challenge that patrols
all of the incorporeal property and in particular it dances, since we know about the
imposed limits by the specificity of this language that despite of have the body, so
palpable, as raw material, has the movement, so ephemeral, like language. The
copyright protects the expression of ideas in the works published and done not publish
in the artistic area, reserving for his authors the exclusive right of reproduce his works.
The Graham’s case illustrates the copyright is important for protect choreographers in
the transmission of his choreographic works. Due to the exclusive, ephemeral nature
of the choreography, is essential grasp it dances in a determined form of notation for
record of copyright.

KEYWORDS:
Memory of the dances – copyright – choreographic Notation – Record of intellectual estate

1 INTRODUÇÃO
A memória só existe quando cuidamos fugir, desaparecer...
dela. Isso é fato. A memória é a referên- “A memória é uma evocação do passa-
cia. De onde partimos? Para onde vamos? do” (CHAUÍ, 2003, p. 138). Conforme
O que aconteceu no meio do caminho? E Chauí, memória é a capacidade humana
por aí vai. Em toda área encontramos para reter e guardar o tempo que se foi,
memorialistas, aqueles que se dedicam a salvando-o da perda total. A lembrança
não deixar a memória morrer, escapar, conserva aquilo que se foi e não retornará
341
Anais | Congresso Abracor 2009
jamais. É nossa primeira e mais fundamen- Todo conhecimento que nos é transmitido
tal experiência do tempo. é fruto do acúmulo de milhares de anos de
Como consciência da diferença tempo- trabalho, elaboração e transmissão de conhe-
ral - passado, presente e futuro -, a memó- cimento humano, ou seja, muitas mentes
ria é uma forma de percepção interna cha- pensaram e produziram muito para que te-
mada introspecção, cujo objeto é interior nhamos o volume de conhecimento gerado e
ao sujeito do conhecimento: as coisas pas- acumulado até hoje, que é constantemente
sadas lembradas, o próprio passado do acrescido e retransmitido para as gerações fu-
sujeito e o passado relatado ou registrado turas. Todo conhecimento deve ser transmiti-
por outros em narrativas orais e escritas. do, pois corre o risco de se deteriorar, perder-
Além dessa dimensão pessoal e se no tempo. (TELLES, 2003, p. 83)
introspectiva (interior) da memória, é pre-
ciso mencionar sua dimensão coletiva ou É obrigação e responsabilidade de cada
social, isto é, a memória objetiva gravada nos geração, á sua maneira, contribuir de al-
monumentos, documentos e relatos da His- guma forma para o acréscimo do conheci-
tória de uma sociedade. mento humano.

2 MEMÓRIA DA ARTE: PRESERVAÇÃO DA ARTE DA DANÇA

Na comunidade que trabalha com arte culo teatral é a memória do conjunto de sen-
contemporânea, é quase unânime a idéia sações de um espectador ou um crítico, mas
de que a arte trata, antes de qualquer outra não é um espetáculo. O que temos na histó-
coisa, de si mesma. Raramente pensamos ria dessas obras, então, é um conjunto de
nas consequências disso para o conceito e vestígios de que elas existiram, não a pró-
a prática de uma herança cultural. Se a arte pria história (AVELLAR, 2007, p. 4).
trata da arte, a obra de arte fala, ao mesmo
tempo, de toda a história cultural, de toda A dança, no entanto, apesar de momen-
a sua genealogia, e também, da maneira tânea, deixa traços na memória, como sen-
como se insere nesta história cultural. Isso timento, como experimentação ou como
pode parecer simples se pensamos em ter- imagem. Imagem que deve ser captada,
mos de um quadro, uma edificação, um li- descrita, perpetuada. Manifestação artísti-
vro, uma sinfonia, um filme. Torna-se pro- ca que exige registro e disseminação.
blema quando chegamos a um espetáculo A dança é uma arte efêmera, isto é, no
cênico, uma execução musical, uma recita- momento em que ela se realiza ela também
ção (AVELLAR, 2007). se desfaz, só ficando presente na memória
Qual seria a diferença na relação entre de quem teve a oportunidade de presenciá-
essas duas categorias de obras e a herança la. A dança é diferente das artes visuais tra-
cultural? Segundo Avellar (2007), em rela- dicionais que uma vez feitas ficam imortali-
ção à primeira, fica evidente que as própri- zadas e preservadas nos museus. Por esta
as obras iluminam qualquer registro sobre razão é importante que se investigue e re-
elas. A construção teórica sobre um deter- gistre a dança e seu contexto.
minado quadro e seu pintor, o estudo de Desde que a dança é executada como
um movimento cinematográfico, ou a his- uma arte, a sobrevivência de todo o traba-
tória da dramaturgia ocidental, giram em lho da dança depende do que está sendo
torno de objetos concretos e contemporâ- preservado com a tradição ou do que está
neos: o próprio quadro, a cópia do filme, o sendo escrito em algum formulário. Onde
conjunto de peças de teatro. Em relação à a tradição é contínua e ininterrupta, onde
segunda categoria, conforme Avellar, como se muda no estilo e a interpretação (inevi-
temos obras que desaparecem no próprio tável quando bailarinos diferentes execu-
ato de sua criação, podemos contar apenas tam o mesmo material) pode ser corrigida
com seu registro em outro meio, e com a e a dança será preservada em seu formu-
memória dos que as presenciaram. lário original. Mas quando uma tradição é
quebrada (se, por exemplo, as tradições
Fácil perceber que se trata, então, de culturais de um grupo étnico misturam-se
uma herança precária, ou até mesmo falsa: nas de outro), as danças que seguem po-
o vídeo que registra um espetáculo de dan- dem, não somente, mudar radicalmente,
ça pode ser dança, mas não é um espetácu- mas pode mesmo desaparecer. Por esta
lo, o disco contendo uma execução musi- razão os métodos de registro da dança (no-
cal pode ser música, mas não é uma execu- tação coreográfica) são importantes na pre-
342 ção musical, a memória sobre um espetá- servação de sua história.
Anais | Congresso Abracor 2009
3 PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DA DANÇA
Hoje em dia já dispomos de mais recur- cênico simultaneamente. A vídeo-câmera
sos para preservação da memória de dan- requer luz especial e um cuidado extra na
ças, assim como uma maior consciência da orientação da lente. Programas, figurinos
importância destes para a reconstrução pos- originais, notação musical, entrevistas
terior na manutenção do acervo histórico jornalísticas, desenho de luz, detalhes da
de nossa cultura artística do movimento produção, entre outras possibilidades são
humano. Há várias maneiras de se recons- também fonte de pesquisa para uma re-
truir uma dança. A forma mais antiga de construção bem feita. Estas são algumas
aprender uma dança é através das memóri- razões do porquê todos os tipos de docu-
as dos bailarinos, onde há a transmissão de mentos e registros são necessários para a
geração para geração. Entretanto, os bailari- dança, inclusive o desenvolvimento de
nos perdem detalhes e tendem a incorporar seus sistemas de notações específicos.
seus próprios estilos no movimento. Este Quando verificamos o registro especifi-
problema aumenta quando os bailarinos camente com o objetivo de ter um traba-
aprendem de pessoas que não participaram lho armazenado para perpetuação da in-
do processo coreográfico original. Há tam- formação, observamos a existência de vá-
bém hoje o registro audiovisual, que provê rios tipos: gravação em vídeo, DVD, im-
um acesso instantâneo e muito valioso para pressão de programas, reportagens em jor-
a dança. A imagem audiovisual é, entretan- nais e revistas, fotos, e até mesmo, o figu-
to, bidimensional, perde clareza e visibili- rino do espetáculo é uma forma de regis-
dade, não indica todas as ações do espaço tro da obra.

3.1 Preservação da informação digital


A utilização das novas tecnologias no Mais grave do que isso: devido ao fato dos
universo da dança vem sendo experienciada dados de computador dependerem, para
desde meados da década de 60. A primeira serem visualizados, de complexos sistemas
pesquisa conhecida no uso do computador cooperantes de hardware e software, a
como assistente coreográfico data de 1964, rápida obsolescência dos componentes
realizada por Jeanne Beaman e Paul Lê torna-se uma ameaça constante de perda
Vasser. de acesso aos acervos. Considerando iso-
Entretanto existem dúvidas quanto á pre- ladamente a questão da conservação, os
servação da informação armazenada em dados digitais oferecem dificuldades mui-
meios eletrônicos. No momento, é preo- to mais severas do que os convencionais.
cupação da comunidade científica garan- Os suportes digitais são frágeis por na-
tir o acesso as informações armazenadas tureza. Dadas as enormes densidades de
nesses meios eletrônicos, já que existem gravação, pequenos defeitos nas mídias
muitas controvérsias quanto à longevidade podem tornar grandes massas de informa-
dos dados neste tipo de suporte. ção indisponíveis. Essa alta densidade, ali-
Conforme profissionais da área da ada à delicadeza dos processos de leitura
tecnologia da informação, se não houver e gravação, faz com que os suportes físi-
preservação de suas fontes originais de cos da informação digital tenham uma ex-
informação perde-se o que temos de mais pectativa de vida média de no máximo
importante, o conhecimento. Preservar é umas poucas décadas.
uma medida de segurança que permite a O maior problema da preservação dos
transferência da informação para gerações dados digitais não é a fragilidade dos su-
futuras. portes de armazenamento e sim a rápida
Ressaltamos neste contexto que não exis- mudança de tecnologia. Não basta garantir
te uma solução única e final para a preser- a sobrevivência e longevidade das mídias:
vação digital. Assim sendo, podemos dizer é necessário garantir que as informações
que a preservação da informação, ainda é possam ser recuperadas e entendidas.
um dos calcanhares de Aquiles da informa- Ao contrário de uma página de papel,
ção digital (CUNHA, 1999). Pesquisas in- que pode ser lido diretamente, ou de um
dicam que a vida média de uma mídia microfilme, que na pior das hipóteses irá
óptica é de 30 anos, mas o seu equipamen- necessitar de uma vela e uma lupa, arqui-
to de leitura estará obsoleto em dez anos. vos digitais requerem sofisticados sistemas
A informação digital é muito mais sujei- cooperantes de hardware e software para
ta à adulteração, vandalismo, e perdas aci- tornar a informação inteligível. Conside-
dentais do que sua contraparte analógica; rando a velocidade com que esses siste-
e seus suportes são frágeis e perecíveis. mas são superados e abandonados por seus
343
Anais | Congresso Abracor 2009
1
Rudolph Benesh
(1916-1975): Nascido
fabricantes, deixando de receber qualquer institucionalmente, cabendo aos profissio-
em Londres, Reino suporte, é possível chegar a uma situação nais da informação a garantia da preserva-
Unido, em 1916. A
painter, he married Joan em que vastos acervos digitais sejam per- ção e manutenção do documento digital de
Rothwell (1920– ), born
in Liverpool, didos, não sendo mais possível encontrar forma íntegra e autêntica. “Temos muito
Merseyside, NW
England, UK, a former
os equipamentos e programas necessários mais a discutir sobre documento digital
member of the Sadler’s para acessá-los (DOLLAR, 1992 apud antes de chegarmos a qualquer fórmula ou
Wells Ballet. Seu pai
era tcheco e sua mãe VALLE JR., 2003). resultado, porém, é assustador imaginar que
anglo-italiana.
Contabilista qualificado, A preservação digital é um assunto com- enquanto discutimos, muitos documentos
Benesh sempre foi
fascinado pelas artes e
plexo e recente e não se atem somente ao foram e estão sendo perdidos” (INNARELLI,
pelas ciências. Estudou estudo das mídias, técnicas de backup, 2004, p. 19).
arte na faculdade de
Wimbledond e música técnicas de migração, técnicas de autenti- Desta forma, talvez ainda o papel e a
na faculdade de Morley.
Conhece Joan Rothwell cação etc. Este assunto deve ser estudado escrita sejam o meio mais seguro de pre-
em 1947 (casam-se me
1949), iniciando juntos
de forma interdisciplinar e servação da memória.
um trabalho que culmina
com a primeira
apresentação pública da
3.2 A notação do movimento na preservação da informação coreográfica
notação, desenvolvida
por eles, na Royal
Quanto à dança, a notação do movimen- forma mais completa de representar uma
Opera House (Casa de to nos traz a certeza de registro e preser- sequência de movimentos. A maneira mais
Ópera Real), em
setembro 1955. Em vação das informações coreográficas ne- original de representação, sem interven-
seguida é publicada a
“Introdução à notação cessárias para a construção da memória ções ou influências externas. A obra exa-
da dança de Benesh”. A
notação de Benesh é
desta arte. Contudo a notação coreográfi- ta, como o autor originalmente a criou.
incluída nas exibições ca pode ser utilizada com outros objeti- O debate sobre a necessidade da nota-
britânicas de
descobertas vos como o auxílio ao coreógrafo profissi- ção da dança é pertinente em uma época
tecnológicas e
científicas do Pavilhão onal na criação coreográfica, na transmis- onde se prova ser mais rápido e mais ba-
do Governo na
Exposição Universal de
são da obra ao corpo de baile e na reposi- rato gravar um desempenho em uma fita
Bruxelas, em 1958. E, ção de coreografias de outros profissionais. de vídeo. Entretanto, o papel da notação
em 1960, o Royal Ballet
Company (Companhia Embora as gravações de vídeos e DVDs da dança foi sempre controverso, sua po-
Real de Ballet) contrata
Faith Worth como o
também auxiliem nos dois últimos objeti- sição marginal quando considerado de
primeiro notator
profissional da
vos, a notação coreográfica deveria apre- encontro à tradição oral de difusão do
companhia da dança. sentar a pura intenção do coreógrafo cria- ballet. Isto deve, em parte, ser atribuído
Em 1962, o The Benesh
Institute of Choreology dor, sem as intervenções interpretativas ao desenvolvimento esporádico de um sis-
(Instituto Benesh de
Coreologia), foi
dos bailarinos executantes. tema executável, apropriado às flutuações
fundado, com senhor Uma notação coreográfica parece ser a da dança como arte na cultura ocidental.
Frederick Ashton como
o presidente e Arnold
Haskell como o vice-
presidente. Em 1965, 4 PROPRIEDADE INTELECTUAL E DANÇA
com financiamento da
Fundação Gulbenkian, O Benesh Institute foi fundado em 1962 por e coreografias de dança, filmes, fotografias,
constitui sua biblioteca
de notações, com intuito Rudolph1 e Joan Benesh, para treinar e exami- pinturas, esculturas e outros trabalhos visu-
de proteção de direitos
autorais de trabalhos nar estudantes, coordenar os desenvolvimen- ais de arte como programas de computador
coreográficos, e seu
primeiro curso de
tos técnicos, conservar uma biblioteca da es- (softwares), reservando para seus autores o
treinamento. Joan crita do movimento para proteção dos direitos direito exclusivo de reproduzir seus traba-
Rothwell Benesh
(diretora do Curso de autorais em trabalhos coreográficos. Ele é o lhos. Ambas as áreas possuem legislação
treinamento) uniu
alguns dos primeiros guardião do sistema de escrita mais usado por específica sobre o assunto.
graduados e formou
uma equipe de
companhias de dança da Inglaterra para regis- A intenção dos direitos autorais é prote-
professores e tro de propriedade intelectual. ger “o trabalho original de autoria literária
pesquisadores para o
estudo e exploração da A Propriedade Intelectual pode ser consi- ou artística” que esteja em forma tangível.
utilização da notação
em uma variedade de derada como um gênero, que se subdivide Isso inclui pinturas, livros, filmes, coreogra-
aplicações: Dança
moderna (Janet Wilks),
em duas espécies: a propriedade industrial fias (se os passos forem escritos em papel),
dança Classica e o direito autoral. música, arquitetura e todos os outros tipos
(Marianne Balchin),
danças tradicionais/ O Direito de Propriedade Industrial está de arte. Por um tempo determinado, esses
folclóricas (Robert
Harold), dança caráter
voltado para a utilidade das criações no âm- trabalhos não podem ser copiados ou repro-
(Melvina Bura), dança
histórica (Wendy Hilton,
bito empresarial ou comercial. Compreende duzidos sem a permissão do portador dos
Belinda Quirey), análise o Registro de Marcas, Registro de Desenhos, direitos autorais. Os direitos sobre a obra se
coreográfica (Kathleen
Russell), estudo do Indicações Geográficas, Transferência de iniciam no momento da sua criação. Entre-
trabalho na medicina
(Francis Green e, mais
Tecnologias e Concessão de Patentes. tanto, o registro é a forma mais segura de
tarde, Julia McGuiness O Direito Autoral protege a expressão de estabelecer a data de criação, sua autoria e
Scott), com Rudolf
Benesh, como o diretor idéias nos trabalhos publicados e não publi- titularidade, oferecendo uma garantia de
do Instituto, asseguran-
do a compatibilidade, a cados nas áreas da literatura, teatro, música prova em caso de violação.
economia e o rigor
conceitual de cada novo
trabalho desenvolvido. 4.1 O Caso Graham
Em 1973, no campo de
Sussex, foi aberto o
Centro de Treinamento
Há alguns anos, o legado coreográfico de herdeiro Ron Protas, se afirmou proprietá-
do Instituto. Com um Martha Graham2 foi ameaçado quando seu rio dos direitos autorais sobre todos os tra-
344
Anais | Congresso Abracor 2009
programa de duração de
balhos de Graham. Se isso fosse correto, to- tegido muito dos seus trabalhos mais im- três anos, no nível de
das as empresas e as escolas, incluindo a Es- portantes. No direito americano, notação uma Universidade, a
instrução oferecida
cola, a Fundação e a Companhia de Martha é uma condição essencial do direito de incorporava uma larga
escala de opções de
Graham teriam de, necessariamente, solicitar autor. Entretanto Graham tinha resistido à estudo da dança e do
movimento, realçadas
permissão para executar alguma obra coreo- notação de seus bailados, sobre o motivo pelo estudo da
gráfica de Graham, muito provavelmente sob de que estavam inacabados e eram notação do movimento
de Benesh. Logo após,
a forma de taxas monetárias, que a maioria modificáveis para diferentes bailarinos. Rudolf Benesh foi
diagnosticado com
das companhias de dança não tem verbas Para realmente entender o quanto foi câncer e morreu em
para poder arcar. importante esta vitória para a dança, e não maio 1975. O sistema
de notação da dança,
Em 2000, Protas entrou em litígio com apenas para a Companhia Martha Graham, a Coreologia, foi
incluída no currículo
os diretores da companhia, impedindo que é importante compreender a forma como a do London’s Royal
Academy of Dance e é
o repertório de Graham fosse dançado. A dança é preservada, e como pode ser desafi- utilizado para
briga na Justiça se estende desde então, e adora tentar conservá-la. documentar todas as
produções importantes
a companhia ficou sem poder dançar pe- A vitória para o campo da dança está no do Royal Ballet. They
opened their own
ças de Graham. fato de que, quando o tribunal anunciou institute in 1962, and
have been a major
No entanto, a justiça americana consi- que a Companhia Martha Graham tinha o influence on many
derou a Fundação como legítimo proprie- direito de propriedade e de executar o tra- notators and
educators.
tário dos direitos autorais desses trabalhos balho de Martha Graham, os bailarinos
2
Martha Graham
e poderia continuar a exercê-los e permi- futuros irão aprender a executar as obras (1894-1991):
Coreógrafa, professora
tir que outras companhias de dança as exe- coreográficas com os bailarinos que tra- e famosa bailarina
cutassem, poupando, assim, o legado co- balharam diretamente com Graham pela estadunidense nascida
em Allegheny County,
reográfico de Graham. Em 2002, depois primeira vez e, em seguida, aqueles baila- próximo a Pittsburgh,
Pensilvânia, que com
de uma crise financeira e lidando com esta rinos seriam capazes de passar o trabalho suas inovações
pendenga judicial, a respeitada companhia para uma nova geração. Se o tribunal vi- técnicas exerceu
enorme influência no
criada por Martha Graham conseguiu a esse a conceder os direitos ao Sr. Protas, mundo inteiro e
revolucionou a dança
permissão para voltar a dançar o repertó- suas obras e sua integridade poderiam ter moderna e tornou-se
conhecida como a mãe
rio da sua criadora e líder do movimento sido perdidas para sempre. da dança moderna.
revolucionário da dança moderna nos Es- Copyright e dança pode ser ainda muito Fundou a Martha
Graham School of
tados Unidos. mais confuso. O caso Graham serve como Contemporary Dance
(1927) que formou
O caso Graham ilustra como o direito um forte lembrete para a comunidade da quatro gerações de
bailarinos e
autoral é importante para proteger coreó- dança de como é importante registrar suas coreógrafos. Criou um
grafos na transmissão dos seus trabalhos obras coreográficas para evitar os custos estilo próprio de dança
chamado, o método
coreográficos. Graham parece não ter pro- de uma batalha jurídica. Graham, de grande
expressividade
emocional, rompendo
com as regras
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS convencionais da
dança do século XIX,
Pensar a dança como patrimônio cultural é nhias de dança da Inglaterra para registro criando sua própria
técnica que encantou
entendê-la passível de registro, inventário, de propriedade intelectual. Na América, a o mundo. Foi
revolucionando seu
tombamento, e necessitando de todas as sal- notação de Laban é a mais utilizada. estilo, tornando-se
vaguardas para ser preservada. E quando O registro é o processo formal de apre- uma das principais
figuras da dança
partimos desta ideia nos deparamos imedia- sentação de documentação que compro- contemporânea.
Desenvolveu uma
tamente com um desafio paradoxal que ron- ve a sua titularidade dos direitos de um técnica que
compreendia uma
da todos os bens imateriais e particularmen- determinado trabalho. profunda relação entre
te a dança, já que sabemos dos limites im- Direitos autorais passam a existir quan- respiração e
movimento e muito
postos pela especificidade desta linguagem do um trabalho é “fixado em um meio de contato com o chão e
passou (1934) a
que apesar de ter o corpo, tão palpável, como expressão”. Para obras coreográficas isto utilizar músicas
compostas
matéria-prima, tem o movimento, tão pode ser feito através de uma gravação de especialmente para
efêmero e fugaz, como idioma. vídeo da peça ou notações coreográficas. seus trabalhos.
Durante 50 anos de
Importante lembrar que a dança é nor- Uma vez que esta fixação ocorre, o core- carreira constam cerca
de 200 coreografias
malmente preservada através do melhor ógrafo passa a ser o autor. explorando os mais
diversos temas, como
desempenho de bailarinos que já aprende- O melhor método talvez seja algo próxi- a sensibilidade
ram e/ou realizaram a obra e transmitidos mo do vídeo. No entanto, há outro proble- feminina, a mitologia
grega, questões
de geração em geração. Dos outros méto- ma aqui: o vídeo é, geralmente, sociais e o folclore
americano. Escreveu
dos disponíveis para capturar e preservar bidimensional e capaz de gravar a partir de uma autobiografia,
Bloody Memory
uma obra coreográfica, a notação do movi- uma única perspectiva de uma vez. A dan- (1991), onde detalhou
mento é um dos melhores. Como já foi ça é tridimensional e muitas vezes os baila- seu método e morreu
em Nova York.
mencionado, O Benesh Institute conserva rinos devem ser capazes de ver o que está
uma biblioteca da escrita do movimento sendo feito pelo corpo todo (e não só pela
para proteção dos direitos autorais em tra- frente ou por trás) de uma só vez, a fim de
balhos coreográficos. Ele é o guardião do reproduzir o movimento corretamente. Na
sistema de escrita mais usado por compa- dança, é importante o que acontece quan-
345
Anais | Congresso Abracor 2009
do e onde a platéia não pode ver. Aqui a anotação não é usada para planejar
O uso primário de anotação de dança é uma nova coreografia, mas para documen-
a documentação, análise e reconstrução tar uma dança existente.
de coreografia e formas de dança ou exer- O debate sobre a necessidade da nota-
cícios técnicos. A notação da dança é uma ção da dança é pertinente em uma época
ferramenta que pode ser utilizada para aju- onde se prova ser mais rápido e mais ba-
dar bailarinos a aprender um balé mais rato gravar um desempenho em uma fita
rápido e precisamente. Outro propósito de de vídeo, mesmo correndo o risco de não
anotação de dança é a documentação e se ter condições de preservação da me-
análise da dança em etnologia da dança. mória da dança.

REFERÊNCIAS
AVELLAR, Marcello Castilho. O corpo é a memória da dança. 2007. Disponível em: <www.idanca.net> Acesso em : 29 out. 2007.
CHAUÍ, Marilena. A memória. In: ______. Convite á filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. Unid. 5, Cap. 3, p. 138-142.
CUNHA, M. B. Desafios na construção de uma biblioteca digital. Ciência da Informação, Brasília, v. 28, n. 3, p. 257-268, set./dez., 1999.
DOLLAR, Charles M. Archival theory and information technologies: the impact of information technologies on archival principles and
methods. Macerata: University of Macerata Press, 1992.
INNARELLI, Humberto Celeste. Palestra “Documentos digitais e sua fragilidade em relação ao suporte”. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL
DE BIBLIOTECAS DIGITAIS, 2., 2004, São Paulo. Palestra... São Paulo: UNICAMP, 2004.
THE MARTHA Graham Legacy. Londondance, 2005. Disponível em: < http://www.londondance.com/content.asp?CategoryID=1300> Acesso
em: 14 nov. 2007.
MAYNARD, Kim. Copyright and dance. Public Knowledge, Washington, 2007. Disponível em: < www.publicknowledge.org/blog/2156>
Acesso em: 12 nov. 2007.
TELLES, Fernando da Silva. Educação: transmissão de conhecimento. In: CALAZANS, Julieta; CASTILHO, Jacyan; GOMES, Simone
(Coords.). Dança e educação em movimento. São Paulo: Cortez, 2003.
VALLE JR., Eduardo Alves do. Sistemas de Informação Multimídia na Preservação de Acervos Permanentes. Belo Horizonte: Univer-
sidade Federal de Minas Gerais, 2003. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação), Universidade Federal de Minas Gerais, 2003.
Disponível em: <http://www.npdi.dcc.ufmg.br/orientacoes/mestrado/edujr/dissertacao.pdf> Acesso em: 29 out. 2007.
346
Anais | Congresso Abracor 2009
CERCEAU, Marcelo
Superior incompleto
Conservador / Restaurador autônomo
Marcelo Cerceau Restaurações

UTILIZAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA RECICLÁVEL NA


CONFECÇÃO DE MOLDES NO RESTAURO DE PRÉDIOS
TOMBADOS PELO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

O presente trabalho consiste na apresentação de um processo alternativo na confec-


ção de moldes utilizados no restauro de prédios tombados pelo patrimônio histórico
tendo como base a utilização de matéria-prima totalmente reciclável. Tal processo
consiste na substituição do silicone bi-componente, substância comumente utilizada
no fabrico de moldes, por bastões adesivos termo fundíveis que, graças à ação de um
termo processador, são fundidos ao serem empregados na confecção de moldes no
restauro, proporcionando não apenas uma notável economia de tempo e redução do
custo, mas também contribuem para a preservação do meio ambiente.

Palavras-chave:
restauro, matéria-prima, molde, reciclável.

This work was developed in order to present an alternative process in the production
of main pattern (molds) used in restoration of historical safekeeping buildings. The
process consists mainly in utilizing a raw-mater fully recycled (reused) which is
conquered by substituting the silicone bi-component, which is commonly applied in
the manufacturing of the main patterns (molds) by thermo-fusible sticking-plaster. A
thermo processing equipment is used to melt the sticking-plaster to be resulted into the
main pattern (mold) for the restoration. Due to this process, besides the preservation of
the environment, it provides no waste of time and very low costs.
Key-words: restore, raw material, shapes mold, recycled.

INTRODUÇÃO
A preocupação com o meio ambiente já curso de minha atuação profissional, de-
há muito deixou de ser um problema ape- parei-me com a necessidade de confecci-
nas das esferas administrativas federais, es- onar alguns moldes. Atualmente o proces-
taduais e municipais. Cada vez mais se faz so convencional utiliza como matéria-pri-
necessário que tenhamos atitude, que to- ma os silicones bi-componentes. A partir
memos esta responsabilidade como pesso- do momento em que tive a oportunidade
al. Dessa forma, poderemos contribuir para de manipular tal material, pude tomar ci-
transformar o mundo e mudar a história e o ência da excessiva quantidade de resídu-
futuro do planeta que desejamos deixar para os que seriam descartados no meio ambi-
os nossos filhos e netos. Seguindo este ra- ente, dada a impossibilidade de
ciocínio procuro no dia-a-dia, em meu tra- reaproveitá-los.
balho, desenvolver novas metodologias Deve-se ter presente que é uma preocu-
que, além de me proporcionar praticidade pação constante entre os ambientalistas o
e economia, possam atender à exigência destino da matéria-prima que não compor-
da preservação do meio ambiente. ta total reciclagem. Tendo em vista que a
Atuo profissionalmente na conservação biosfera não é capaz de absorver todos
e restauração de elementos decorativos in- esses resíduos, é forçoso reconhecer que
tegrados à fachada e interiores de prédios tais substâncias geram graves problemas
tombados pelo patrimônio histórico. No quando descartadas, dentre eles a polui-
347
Anais | Congresso Abracor 2009
ção e o próprio aquecimento global. constatar o enorme desperdício de maté-
No intuito de encontrar soluções para ria-prima no processo de confecção de
enfrentar tal problema uma série de me- moldes e estudar hipóteses de modifica-
canismos têm sido criados. Um dos exem- ção nesse processo, visualizei a possibi-
plos dessa preocupação é a destinação que lidade de empregar uma matéria-prima al-
hoje se dá à areia utilizada pela indústria ternativa que não fosse tão agressiva ao
siderúrgica: graças ao trabalho de uma meio ambiente. Ademais, a utilização de
Química Industrial esta areia, antes des- tal processo não só atendeu aos objeti-
cartada aos milhões de toneladas no meio vos perseguidos, mas mostrou-se extrema-
ambiente, pode ser reaproveitada pela in- mente lucrativa, vez que propiciou uma
dústria de pavimentação em até 70%. redução considerável de custos e de tem-
O presente trabalho tem por objetivo po. Passa-se à apresentação do projeto de-
descrever o mecanismo que encontrei para senvolvido e à descrição de seus resulta-
contribuir à preservação ambiental. Após dos.

PROJETO DESENVOLVIDO

Em um primeiro momento vislumbrou- e aplicado à peça diretamente, mas exige


se a possibilidade de utilização de um um cuidado adicional: faz-se necessária a
novo material no fabrico dos moldes: tra- aplicação prévia de uma camada de
ta-se dos silicones, que são polímeros, desmoldante, óleo, graxa ou vaselina sóli-
inorgânicos formados por um núcleo de da, com o objetivo de inibir o efeito adesi-
silício (...-Si-O-Si-O-Si-O-...). Cumpre no- vo e facilitar a retirada do molde da peça
tar que pela variação no tamanho dessa ao ser moldada. O resultado de tal proces-
cadeia, pode-se manipular as característi- so é a incorporação de todos os detalhes
cas do material que podem variar desde da peça em uma fina camada maleável,
uma consistência totalmente sólida, até um com tempo de resfriamento de apenas cin-
líquido viscoso. co minutos. Importante nesta fase do pro-
Ocorre que no mercado é comum a uti- cesso é ter a habilidade suficiente para
lização do silicone bi-componente para a evitar bolhas e aplicar uma fina camada
realização de operações como essa. Tal para que fique bem maleável e na consis-
substância, porém, não dispensa o descar- tência bem líquida para incorporar todos
te, visto que sua reciclagem, em tese, se- os detalhes da peça a ser moldada.
ria possível se o resíduo fosse fragmenta- Para conclusão do molde de bastão ade-
do em pequenos pedaços e incorporado sivo termo fundível é necessária a confec-
em um novo molde. No entanto, esta so- ção de um contra-molde à base de gesso
lução não é satisfatória por ser necessária para uma melhor fixação ao ser preenchi-
a adição de mais silicone bi-componente do. Apesar do gesso não ser reaproveitado
para consolidação dos fragmentos, aumen- em outros moldes ele pode ser reciclado
tando ainda mais a quantidade do produ- por se tratar de um produto biodegradável.
to que será descartado. Um segundo pro- O que realmente impressiona no resulta-
blema apresentado pelo produto é o pro- do desse processo é o fato de que o molde
cesso de secagem, que leva várias horas e obtido através da utilização do silicone
o seu alto custo. contido nos bastões adesivos termo
Em função dos inconvenientes na utili- fundíveis pode ser totalmente reciclado ao
zação do silicone bi-componente, desen- ser lavado com detergente e seco antes de
volveu-se uma metodologia que consiste ser fundidos novamente, podendo-se re-
na substituição dessa matéria-prima por petir o processo por inúmeras vezes.
outra que, além de ser totalmente Em contrapartida, na utilização do
reciclável, apresenta um custo menor e um silicone bi-componente para o fabrico de
rápido tempo de secagem. A proposta é moldes, deve-se utilizar o próprio silicone
de simples elaboração, porém surte resul- bi-componente na estrutura do contra-mol-
tado importantíssimo: refiro-me a substi- de, o que exige uma quantidade de produ-
tuição do silicone bi-componente (encon- to muito maior. Em função disso, o resulta-
trado no mercado na forma liquida) por do final apresenta um custo superior diante
bastões adesivos termo fundíveis (encon- da exigência de uma maior quantidade.
trados no mercado na forma sólida) que Ademais, o descarte de tal produto na na-
são fundidos ao serem empregados na con- tureza levaria um tempo indeterminado
fecção de moldes no restauro. para sua decomposição a exemplo dos
O molde confeccionado com bastão pneus e dos plásticos, o que acaba sendo
348
adesivo termo fundível pode ser fundido inevitável quando da sua utilização.
Anais | Congresso Abracor 2009
RESULTADOS
A substituição do silicone bi-componen- mente 10 kg. de silicone bi-componente a
te por bastões adesivos termo fundíveis um custo aproximado de R$30,00 p/ kg.
apresenta uma miríade de possibilidades Ou seja, a confecção de um molde apre-
de aplicação: seja na indústria da constru- sentaria um custo total de R$300,00, caso
ção civil, na restauração do Patrimônio se utilizasse o silicone bi-componente. Por
Histórico, bem como em qualquer outra outro lado, a partir da utilização dos bas-
área da indústria de qualquer setor, desde tões de cola quente para confeccionar uma
que seja necessária a confecção de algum peça bem maior, com 63 cm de compri-
molde. mento por 19 cm de largura, exige-se ape-
Além de apresentar-se como uma solu- nas o 1.4 kg. de matéria-prima,
ção que prioriza a preservação ambiental, correspondendo a um custo total de me-
dada a utilização de material totalmente nos de R$30,00.
reciclável, a substituição do produto mos- Cabe ainda frisar a diferença no tempo
trou-se muito mais econômica. Tomando de secagem: enquanto o molde elaborado
como exemplo a confecção de um molde a partir da utilização do silicone bi-com-
para uma peça com 30 cm de comprimen- ponente exige horas de secagem, a utili-
to por 12 de altura: para a confecção de zação de bastões adesivos termo fundíveis
tal molde seriam necessários aproximada- exige um tempo médio de 5 minutos.

CONCLUSÃO

A partir dos dados demonstrados, per- forme se afirmou no início deste traba-
cebe-se que soluções simples podem re- lho, é necessário que cada um de nós faça
solver problemas extremamente comple- a sua parte para contribuir na construção
xos. Com efeito, pela simples substitui- de um mundo melhor para os nossos fi-
ção de uma matéria-prima por outra, lo- lhos e netos. Acredita-se que com a pro-
grou-se não apenas a redução dos custos posta ora apresentada podemos contribuir
e do tempo, como também atender às exi- de alguma forma no alcance desse objeti-
gências de preservação ambiental. Con- vo.

Figuras 1 e 2: prédio tombado pelo Patrimônio Histórico na cidade


Petrópolis restaurado a partir da técnica de utilização dos bastões
adesivos termo fundíveis para a confecção de moldes dos elemen-
tos decorativos integrados à fachada.

Figura 4: reconstituição da tampa de jarro e utilização de estrutura


metálica soldada com molde de pinha ou pinhão em bastão adesivo
Figura 3: tampa original de jarro com detalhe de pinha ou pinhão. termo fundível
349
Anais | Congresso Abracor 2009
350
Anais | Congresso Abracor 2009
Claudio Antonio Santos Lima Carlos
Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
(DAU) do Instituto de Tecnologia (IT) da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Forma de apresentação: comunicação livre

E A MEMÓRIA URBANA?
Alguns aspectos do processo de
proteção do bairro carioca do Leblon

A presente comunicação traz resultados obtidos pela pesquisa realizada no período


2004-2008, com vistas à análise da política urbana da cidade do Rio de Janeiro, ao
longo do período 1992-2006, com destaque para a utilização do instrumento de prote-
ção urbana, denominado Área de Proteção Urbana (Apac), criado em 1988 e consoli-
dado pelo Plano Diretor Decenal da Cidade, em 1992.
No contexto da aplicação das Apacs sobre o tecido urbano da cidade foi destacado
o período 2001-2006 devido ao fato de caracterizar um momento de apropriação das
Apacs, pela prefeitura, com o deliberado objetivo de controlar e direcionar o cresci-
mento urbano da cidade. O período se inicia pelo estabelecimento da Apac do Leblon,
decretada pela prefeitura sob contexto bastante conturbado e polêmico. A análise do
evento contribui com novos elementos à discussão do tema revelando graves e inusitadas
consequências ao bairro do Leblon e também à cidade.

Palavras-chave:
Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac). Conservação Urbana. Patrimônio Cul-
tural. Rio de Janeiro. Leblon.

This communication brings results of the survey conducted in the period 2004-2008,
aiming to the analysis of urban policy in Rio de Janeiro, over the period 1992-2006, focusing
on the use of the instrument of urban protection, called Protection Area of the Cultural
Environment (Apac), created in 1988 and consolidated by the City Plan in 1992.
In the context of the implementation of Apacs on the city was seconded the period 2001-
2006 due to the fact that characterize a deliberate aim to control and direct urban growth
of the city with Apacs by mares. The period begins for the establishment of Apac of Leblon
neighborhood, ordered by mares under the very troubled and controversial context. The
analysis of the event contributes with new elements to the discussion of the subject and
reveal unusual and serious consequences to the neighborhood of Leblon as well to the city.

Keywords:
Protection Area of Cultural Environment (Apac). Urban Conservation. Cultural Heritage.
Rio de Janeiro. Leblon.

Introdução
A partir de 1979, face ao quadro urba- de, Gamboa, Santo Cristo e parte do Cen-
nístico da cidade, caracterizado por suces- tro/Sagas (1985-1988), ocorridos através de
sivas e radicais operações de renovação mobilização comunitária alavancaram essa
urbana de partes expressivas de seu sítio, tendência que, gradativamente, alcançou
a proteção urbana passou a representar todas as regiões da cidade.
uma concreta alternativa às comunidades Em virtude desse processo, a partir de
de bairros da cidade, principalmente aque- 1988, a legislação carioca passou a contar
les situados na sua Área Central. O Proje- com o primeiro instrumento urbanístico
to Corredor Cultural (1979) e a proteção específico, voltado à proteção de áreas ur-
dos bairros de Santa Teresa (1984), Saú- banas, denominado inicialmente Área de 351
Anais | Congresso Abracor 2009
1
Pesquisa realizada em
2007 por ocasião da
Proteção Ambiental (Apa) e mais tarde con- a partir de todo o processo que originou o
elaboração de tese de sagrado no Plano Diretor da Cidade (1992) instrumento Apac e a sua atual aplicação.
doutoramento em
urbanismo, defendida sob a denominação de Área de Proteção Ao tomarmos contato com diversos au-
em 17/04/2008 no
Programa de Pós- do Ambiente Cultural (Apac), aplicável em tores mundiais ligados ao tema, observa-
Graduação em
Urbanismo (PROURB)
áreas urbanas com relevância cultural. mos que a conservação urbana e os
da Faculdade de É importante observar que devido aos consequentes instrumentos para realizá-la,
Arquitetura e Urbanismo
da UFRJ. efeitos urbanísticos imediatos causados pela da maneira como vem sendo empreendida
sua aplicação, a Apac passou a ser conside- no mundo, enseja o triunfo da forma sobre
rada por associações de moradores, como o conteúdo cultural impondo uma barreira
espécie de antídoto contra os processos de a ser vencida por teóricos e técnicos atu-
degradação e as consequências da especula- antes na área de conhecimento. A tendên-
ção urbana que impõem a perda de qualida- cia de associação de áreas urbanas históri-
de de vida das comunidades. cas às atividades da indústria turística vem
O instrumento de proteção urbana pas- se consolidando desde os anos 1960,
sou também a ser apontado pela indústria como principal alternativa de viabilizar
da construção civil como responsável pelo economicamente a conservação do
“engessamento” e a degradação da cida- patrimônio arquitetônico das cidades, es-
de, ameaçando o setor com a diminuição pecialmente as latino-americanas. Esta
de suas atividades e a consequente estagna- postura, ao longo dos anos, induziu à de-
ção do mercado imobiliário. O quadro con- formação e à falsificação de sítios históri-
tribui para a formação de jogo político que cos, artigo cada vez mais destacado como
alimenta os meios de comunicação e trans- fator de diferenciação das cidades, num
formam as Apacs em manchetes diárias nos mundo cada vez mais globalizado e
jornais cariocas, alcançando também os tri- paisagisticamente homogêneo. O fenôme-
bunais. no é criticado por vários autores, tais como,
Ultimamente, o Poder Executivo Muni- Françoise Choay (2001), Ramon Gutierrez
cipal passou também a ver nas Apacs um (2004), Andréas Huyssen (2000), Henri
poderoso instrumento de controle de uso Pierre Jeudy (2005), Otília Arantes (2001),
e ocupação do solo, tendo em vista às dentre outros, que, de forma unânime,
consequências imediatas da sua aplicação denunciam a formação de uma onda sau-
e a falta de uma política urbana clara, de- dosista caracterizada pela valorização das
corrente de um debate aberto à população paisagens históricas.
carioca. Cabe destacar que a equivocada No entanto, ao analisarmos a conserva-
interpretação do instrumento, juntamente ção urbana como vem se desenvolvendo
com o boicote imposto pela prefeitura ao na cidade do Rio de Janeiro, observamos
Plano Diretor que, até hoje, nunca foi re- que a experiência carioca acrescenta, ao con-
visto, caracterizaram as gestões municipais, texto teórico mundial, um inédito aspecto
a partir de 1993. O quadro contribuiu efe- que deve ser cuidadosamente avaliado, ou
tivamente para a transformação do instru- seja, a utilização deliberada de instrumen-
mento de proteção da memória urbana ca- tos legais de proteção no planejamento da
rioca em instrumento, única e exclusiva- cidade, a despeito de discussões e debates
mente, de planejamento urbano, cada vez com a sua população organizada.
mais distante da sua função principal. A pesquisa realizada na Apac-Leblon
Em função disso, todas as Apacs (2001)1 revelou dados estarrecedores acer-
estabelecidas na cidade, no período 2001- ca dos efeitos da proteção urbana imposta
2006, foram criadas a partir de decretos ao sítio da cidade sem um devido debate e
municipais, incidindo principalmente sobre monitoramento de seus resultados. O qua-
os bairros da zona sul da cidade, área con- dro aponta para uma urgente revisão da atu-
flagrada e valorizada em termos imobiliári- al política urbana e de conservação do
os. O contexto formado é caracterizado patrimônio cultural em vigor, face às graves
pelo distanciamento entre a teoria e a prá- consequências urbanísticas, administrativas,
tica, a idealização e a realidade, observada sociais e econômicas impostas à cidade.

O bairro do Leblon

A ocupação urbana da área corresponden- Visconde de Albuquerque e os aterros da


te ao atual bairro do Leblon se deu efetiva- Lagoa Rodrigo de Freitas que viabilizaram a
mente na década de 1920, basicamente a construção dos loteamentos na encosta do
partir de duas intervenções urbanas que con- Morro Dois Irmãos e próximo à própria ave-
tribuíram substancialmente para o feito: a nida citada. O conjunto arquitetônico que
canalização do rio que originou a Avenida caracterizou a sua ocupação inicial se ca-
352
Anais | Congresso Abracor 2009
2
Segundo Sônia
racterizou por um maior número de casas No fim da citada década, passou a vigo- Zylbenberg (2007,
do que prédios de apartamentos que eram rar na cidade uma política urbanística e p.18): “O Leblon era
considerado por
ocupados por segmentos abastados da soci- habitacional que deu ênfase à erradicação alguns, a exemplo da
Revista Rio Ilustrado,
edade carioca. Morar junto ao mar e a La- de favelas, localizadas em vários bairros ‘um bairro salubre, com
intenso movimento
goa assumiram o significado de elevado cariocas, especialmente os da zona sul, social, esportivo e
status social no contexto da sociedade cari- com a consequente remoção de suas popu- comercial (...) poderoso
rival de Copacabana’”.
oca. Nesse sentido, o bairro do Leblon, nos lações para conjuntos habitacionais locali- 3
Segundo Maurício
Abreu (1987, p. 126), o
anos 1930, já era considerado um local va- zados na zona oeste. Nesse contexto, de Censo de 1960,
lorizado a ponto de ser considerado como valorização imobiliária, as Favelas do Mor- 104.038 favelados
exerciam atividades
o principal rival de Copacabana. Em fun- ro do Pinto e da Ilha das Dragas, deram lu- remuneradas,
destacando-se aí as
ção dessa valorização, em decorrência da gar a empreendimentos imobiliários de clas- ocupações industriais e
da construção civil, que
sua localização próxima ao mar, apesar de se média, dentre os quais se destaca o con- absorviam 36% dos
distante, o bairro passou a desenvolver o domínio conhecido popularmente como trabalhadores. A
prestação de serviços
papel de local ideal para veraneio de parte Selva de Pedra. seguia-lhe em
importância, com 34%,
da população carioca2. Os anos 1970 trouxeram para o Rio de enquanto que a
administração pública,
Nos anos 1940 e 1950, ocorreu a intensi- Janeiro, como um todo, um grande boom o comércio e os
ficação da sua ocupação urbana que con- imobiliário que impôs novas legislações transportes absorviam,
cada um, de 6 a 8%
sistiu de um grande incremento das ativi- urbanísticas e edilícias que apontaram para dos favelados (...)”.

dades da construção civil que acarretou níveis crescentes de verticalização das


significativas transformações em sua pai- novas edificações e, consequentemente,
sagem. Ocorreram, no período, grandes um maior aproveitamento do solo urbano
transformações paisagísticas que incluíram da cidade. Os decretos nº 3.800, de 1970,
a verticalização das novas edificações, e o nº 322, de 1976, consolidaram essas
nova ordenação do espaço urbano e, novas regras estabelecendo grandes impac-
consequentemente, a sua ocupação por seg- tos nas paisagens urbanas de bairros das
mentos de população com perfil zonas norte e sul da cidade em decorrên-
socioeconômico diferente da anterior, ou cia da implantação das novas tipologias,
seja, da classe média. Esses novos habitan- especialmente o bairro do Leblon.
tes passaram a ocupar prédios de apartamen- Destaca-se também no período, a ocor-
tos com, em média, três e quatro pavimen- rência de alguns fatos urbanos importan-
tos influenciados pela Art Déco, tes, tais como, a melhoria de acessos para
Neocolonial e Modernismo. Algumas des- outras partes da cidade, através da cons-
sas edificações remanescentes vieram a ser trução de corredores viários como o Tú-
protegidas pela Apac decretada em 2001. nel Rebouças, bem como o crescimento
No entanto, o bairro ainda possuía uma gradual da urbanização dos bairros de São
infra-estrutura urbana e de transportes ain- Conrado e Barra da Tijuca. As interven-
da bastante precária. O Leblon era acessado ções urbanísticas corroboraram a alta va-
apenas pela orla marítima e da Lagoa, e tam- lorização do bairro em decorrência da sua
bém pela Avenida Ataulfo de Paiva, possu- localização próxima ao mar, transforman-
indo, no entanto, apenas a Avenida do-o em uma das mais valorizadas áreas
Niemeyer como via de saída em direção à da cidade, em termos imobiliários.
São Conrado e a Barra da Tijuca, áreas com Nesse sentido, o Leblon também passou
ocupação urbana ainda bastante incipiente. a ostentar, de forma crescente, prédios com
O contexto contribuiu para a transforma- mais de dez pavimentos, que substituíram
ção do bairro em “ponto final” da zona sul as antigas edificações, com em média qua-
o que acarretou também a sua valorização tro pavimentos. A intensa renovação urba-
imobiliária, reafirmando seu status de bair- na do bairro provocou a apreensão de mo-
ro de elite na cidade do Rio de Janeiro. radores que viram as suas privilegiadas ca-
Concomitantemente, a urbanização cres- racterísticas paisagísticas serem bruscamen-
cente de Copacabana e Ipanema, condu- te transformadas, ameaçando, principal-
ziu o Leblon a também ser lugar estratégi- mente os logradouros classificados pela le-
co de moradia de mão de obra operária, gislação em vigor como Centros de Bairros
atuante na construção civil, bem como em (CB). Em função disso, movimentos sociais
outros serviços demandados pelas classes urbanos organizados surgiram no período,
média e alta residentes no próprio bairro em favor da preservação paisagística do
e em outros limítrofes da zona sul. O fato Morro Dois Irmãos, do prédio do antigo
conduziu ao surgimento de favelas que Hotel Leblon e também do ambiente urba-
chegaram a ter no final dos anos 1950, uma no do bairro, como um todo.
população considerável, especialmente Em 1986, através de iniciativa da pró-
concentrada nas favelas da Praia do Pinto pria comunidade local, ocorreu movimen-
e da Ilha das Dragas3. to social urbano organizado em prol da 353
Anais | Congresso Abracor 2009
4
O Decreto n.4.569/84
vetou a construção de
proteção paisagística do bairro que solici- patrimônio edificado perdeu força entre
apart-hotéis na cidade. tou formalmente à Prefeitura, a revisão da moradores, em função da ideia de que a
Em 1988, o Decreto
n.7.982/88, estabeleceu legislação urbanística vigente para o local, restrição de gabarito em 25m, constituir
que os apart-hotéis
deveriam ser face ao processo especulativo que se aba- fator suficiente de contenção dos proces-
regulamentados pelos
mesmos parâmetros
tia sobre seu solo urbano. Observou-se, no sos radicais de renovação urbana, a prin-
edilícios que as entanto, que, aos poucos, a idéia de uma cipal preocupação da comunidade.
edificações residenciais
multifamiliares legislação específica de proteção do seu
(Compans, 2005,
p.233).
5
Segundo Cristina A Proteção do bairro
Grillo, em reportagem
de 03/10/2000,
publicada na Folha de Em 1999, treze anos após a decretação do duzido de tombamentos e nenhuma Apac
São Paulo, a “Lei dos
Apart-Hotéis tem
Peu-Leblon, já era possível observar no bairro decretada durante a sua gestão, foram os
provocado uma corrida
em busca de terrenos
um número pequeno de edificações remanes- principais alvos de críticas do adversário,
ainda vagos na zona sul centes do período 1930-1950. A paisagem contribuindo sobremaneira para a sua der-
carioca. Vários edifícios
de até três andares urbana original do Leblon já ostentava uma rota nas eleições, a partir do fato da sua as-
foram demolidos para
dar lugar aos novos
renovação considerável, com inúmeras sociação direta aos interesses da constru-
prédios. No final de edificações com 25 metros de altura, confor- ção civil, amplamente divulgada pelos
setembro, foi concedida
uma liminar impedindo o me estabelecido pelo Peu. Os novos empre- meios de comunicação. O então candida-
licenciamento para
novos apart-hotéis, endimentos ostentavam padrão construtivo to César Maia prometeu em campanha cas-
atendendo a uma ação
de inconstitucionalidade
sofisticado, apesar do gosto duvidoso, tradu- sar a lei 41/99 e, por conseguinte, associou
movida pelo PSDB. O zido em suas fachadas principais caracteriza- a sua imagem à conservação do patrimônio
mérito da ação deverá
ser julgado na próxima das pelo uso do mármore, do granito e am- cultural arquitetônico da cidade.5
semana. Na Câmara
dos Vereadores tramita plas varandas em balanço. De janeiro a julho de 2001, a prefeitura
um projeto de lei
alterando a que está em
No mesmo ano também ocorreu uma recebeu 11 pedidos de demolição de imó-
vigor. Proposto pelo grande polêmica em torno da lei 41/99 que veis localizados no bairro do Leblon. O
vereador reeleito
Eliomar Coelho (PT), o regulamentou a construção de apart-hotéis número foi considerado excessivo para, tão
projeto estabelece
obrigatoriedade de uma na cidade, suspensa na cidade desde curto espaço de tempo, gerando grande
vaga de garagem para
cada apartamento e
19844. O projeto de lei que a gerou (PL repercussão na mídia. Após seis meses de
área mínima de 40 43-A/99) foi sancionado sem vetos pelo inércia administrativa justificada pela pre-
metros quadrados, entre
outras alterações. O então prefeito Luiz Paulo Conde. Cabe feitura, por análises técnicas, a prefeitura
projeto recebeu 12
emendas, que estão em
destacar que a abrangência proposta para criou uma Apac para o bairro em tempo
análise em várias os novos parâmetros edilícios para os apart- record, ou seja, um mês, sem nenhum
comissões da casa, e só
deverá ser votado na hotéis, incluíram a orla marítima da ZE-5 respaldo ou discussão popular. A medida
próxima legislatura.
Coelho diz que a (da Barra da Tijuca até o final da praia do foi amplamente justificada, através da
intenção de Cesar Maia
não o fará retirar sua
Recreio dos Bandeirantes), onde os apart- mídia carioca, pelos temores de uma pos-
proposta. “Não é por hotéis poderiam chegar ao gabarito máxi- sível “onda de especulação” viabilizada
causa de anúncios
feitos pelo futuro mo previsto para hotéis, ou seja, de 15 pela Lei 41/99, que na ocasião já se en-
prefeito que vou mudar
meu projeto. Se houver pavimentos. contrava praticamente neutralizada e sen-
mesmo a intenção de
resolver o problema, ele
Em função disso, na ocasião, foi ampla- do rediscutida no âmbito do Poder
será resolvido, mas mente difundido o temor de que a inci- Legislativo e também Executivo.
temos que ficar de olhos
abertos”, disse. dência dessas tipologias levaria à cidade Em função disso, o ato revelou a delibe-
A suspensão da
concessão de novas ao caos e à demolição em massa de rada intenção de utilização do instrumen-
licenças por causa da
liminar reduziu o ritmo
edificações, que conduziria à to de proteção urbana com o intuito de
de procura por terrenos descaracterização dos bairros da orla da barrar os 11 pedidos de demolição. A
para apart-hotéis. De
acordo com Sérgio cidade, especialmente os da zona sul. O açodada iniciativa de proteger o bairro
Feijó, presidente da
Associação de Leblon em função disso, passou suposta- mereceu críticas até do próprio secretário
Moradores do Jardim
Botânico (zona sul, um
mente a ser considerado como uma possí- municipal de urbanismo da prefeitura da
dos bairros com maior vel alternativa de localização desses no- cidade, à época, que em entrevista a um
número de apart-hotéis
em construção), dois vos empreendimentos. grande jornal carioca declarou ser favorá-
terrenos estão sendo
negociados na esquina
Vale a pena destacar que o prefeito da vel ao debate e a revisão da aplicação do
das ruas Professor Aires cidade no período 1997-2000, o arquiteto instrumento no Leblon. Em sua opinião,
Saldanha e Jardim
Botânico. Em um deles Luiz Paulo Conde, era aliado político de houve equívocos na redação do decreto que
funciona um posto de
gasolina; em outro, um César Maia, até 1999, quando ocorreu o protegeu indevidamente alguns imóveis,
centro espírita.
In http://
rompimento das suas relações políticas. Os deixando de fora outros merecedores da
www1.folha.uol.com.br/ dois disputariam as eleições para prefeito proteção. Configurou-se a partir de então,
folha/cotidiano/
ult95u13476.shtml em 2000, quando César Maia saiu vence- de forma oportunista, a associação da ad-
6
Na ocasião, o
secretário declarou que: dor para desempenhar as funções de pre- ministração do prefeito César Maia às Apacs
“Temos que buscar um
feito no período 2001-2004. Os apart-ho- e à defesa do patrimônio cultural da cida-
téis e o baixo desempenho do adversário de, em oposição ao seu antecessor que pas-
nas questões relativas à proteção do sou a ser associado aos interesses da cons-
patrimônio cultural, ou seja, número re- trução civil, especialmente os apart hotéis6.
354
Anais | Congresso Abracor 2009
ponto de equilíbrio entre
Após a decretação da Apac iniciou-se Também em 2007, a prefeitura, por im- interesses e aspirações,
uma batalha judicial entre proprietários de posição judicial, publicou o decreto que podem ser
conflitantes, porém não
imóveis preservados e a prefeitura, em 28.223/07 que detalhou os critérios a se- deixam de ser legítimos.
(...) Nenhuma
busca do resgate da “garantia do direito rem adotados na renovação de imóveis administração
de propriedade” que, segundo os recla- tutelados pela Apac criada em 20019 - preservou tanto, mas o
bom senso é o limite e
mantes, teria sido prejudicado em face do Apesar das “boas intenções”, as medi- deve também haver
espaço para uma
impedimento legal da demolição. Ações das, além de desnecessárias, não surtiram renovação criteriosa”.
(In O bom senso é o
populares foram impetradas junto ao Mi- o efeito desejado, muito pelo contrário, limite, Jornal do Brasil –
nistério Público Estadual e à Vara de Fa- foram encaradas por moradores do bairro, Rio de Janeiro, 05/05/
2002).
zenda Pública por associações locais lide- como mais uma medida arbitrária da pre- 7
Parecer da Promotora
Denise de Tarin, no
radas pela Associação de Proprietários de feitura. O fato também revelou uma extre- processo
2005.001.09800.00
Pequenos Prédios (APPP), criada após a ma morosidade e descompasso da prefei- (Averiguar os critérios
decretação da Apac-Leblon. A ação tura em face às demandas urbanísticas ine- para a Apac Leblon), às
fls. 266, datado de 20/
impetrada por moradores no Ministério rentes ao estabelecimento de Apacs que 10/2005. “A atribuição
desta Procuradoria é de
Público Estadual foi julgada improceden- incluem principalmente seu preservação do
patrimônio cultural e o
te, devido ao fato de o referido pleito di- monitoramento e constante discussão de que se pretende com o
zer respeito às questões de natureza seus efeitos junto às comunidades direta- questionamento objeto
desta investigação é
patrimonial, ou seja, supostas perdas finan- mente envolvidas e os demais setores da justamente ao contrário,
ainda restou
ceiras de proprietários do bairro em fun- sociedade civil organizada. Os estudos que comprovado para o
interesse que moveu a
ção da proteção legal. Devido a isso o pro- embasaram o decreto 28.223/07 talvez ti- representação
cesso foi arquivado7. No entanto, a Ação vessem certo sentido em 2001, ano da encaminhada ao MP é
meramente patrimonial,
Popular impetrada junto à 14ª Vara de decretação da Apac, não seis anos depois, razão pela qual me
posiciono pelo
Fazenda Pública prosperou8. após consolidados os efeitos negativos arquivamento do feito,
O trâmite da citada ação impôs à prefeitu- destacados anteriormente. por falta de interesse a
legitimar a atuação do
ra, diversos procedimentos administrativos Em novembro de 2007, um ano após a Ministério Público”.
8
Processo nº
prévios ao ato de proteção legal do decisão da 11ª Câmara Cível de cancela- 2007.001.171437-5,
Ação Popular impetrada
patrimônio cultural, em geral, que foram mento, por unanimidade, da proteção de por associações dos
negligenciados pela prefeitura, em 2001, tais todos os bens particulares existentes nos bairros do Leblon e de
Ipanema.
como, exposição pública de motivos técni- bairros do Leblon e de Ipanema, a 3ª Vice- 9
O citado decreto visou
estabelecer para
cos que embasaram a proteção dos 218 imó- Presidência do Tribunal de Justiça (TJ) edificações tuteladas,
localizadas no interior
veis situados no bairro, a comunicação aos “inadmitiu os recursos extraordinário e da Apac do Leblon, uma
proprietários de imóveis protegidos, do ato especial” impetrados pelo prefeito da ci- altura de 17 metros, a
partir da obrigatória
de proteção e suas respectivas conseqüên- dade, corroborando as sentenças anterio- adoção de um gabarito
de cinco pavimentos.
cias, com o estabelecimento de prazo para res de 1ª e 2ª instâncias que anularam o No entanto, o decreto
também estabeleceu
interposição de recursos contrários ao ato anexo II do Decreto 20.300/01, composto como alternativa para
administrativo; e estabelecimento de critéri- da listagem de imóveis preservados pela essas edificações
alcançarem a altura
os de renovação dos imóveis tutelados. Apac do Leblon. A decisão, uma vez con- máxima de 25,00m,
estabelecida pelo Peu,
Seis anos depois da publicação do decre- firmada, gerará uma tão inusitada quanto um artifício de
escalonamento da
to 20.300/01, por imposição judicial, a pre- inédita situação que consistirá de uma volumetria que consiste
feitura efetivou o cumprimento das citadas Apac que objetiva a proteção da memória da imposição de um
recuo de 2,50m a cada
exigências relativas aos ritos burocráticos urbana de um bairro, sem nenhum imóvel pavimento acrescido à
edificação até alcançar
inerentes à proteção legal. Divulgou em seu protegido, contrariando todos os precei- o limite máximo de 25
próprio site, o histórico do bairro e a análi- tos teóricos que embasaram a formulação metros. A medida visa
claramente à restrição
se dos elementos constantes do conjunto do instrumento. parcial do direito de
construir em prol da
arquitetônico protegido, feita através de Em fevereiro de 2008, a prefeitura so- garantia da leitura e
valorização das
fichamento individual de cada edificação. freu nova derrota no Superior Tribunal de fachadas preservadas,
Com relação à comunicação oficial do ato Justiça (STJ), em função do não acolhimen- a partir do logradouro,
tentando integrar
de proteção legal, exigida obrigatoriamen- to do recurso encaminhado pela Procura- paisagisticamente as
novas edificações ao
te logo após a decisão administrativa, a pre- doria Geral do Município (PGM) contra as conjunto protegido.
Ocorre que, passados
feitura providenciou o envio de carta ofici- sentenças exaradas pelo Tribunal de Justi- seis anos da decretação
al a cada um dos moradores e/ou proprie- ça do Rio que consideraram nulo o anexo da Apac, a falta desses
importantes critérios
tários de edificações protegidas pela Apac, II do Decreto 20.300/01. Segundo notici- propiciou o surgimento
de inúmeras “novas
seis anos depois, cujo texto informava so- ado pelo jornal O Globo, em 06/03/2008, edificações” que
prejudicaram “a
bre as imposições legais, direitos e deveres a PGM recorreu novamente ao STJ com ambiência protegida” e
resultantes da proteção. poucas possibilidades de lograr êxito. também os “aspectos
físicos de salubridade e
habitabilidade dos bens
preservados”.
Efeitos da Apac no bairro do Leblon
A pesquisa realizada na Apac do Leblon de forma clara, consequências negativas de
revelou um lado até então obscuro das uma política de proteção urbana pouco
Apacs impostas pela prefeitura, expondo, amadurecida e ainda desprovida de
355
Anais | Congresso Abracor 2009
referenciais teóricos metodológicos sólidos, zação imediata de imóveis protegidos e a
baseados no profundo conhecimento e na consequente excessiva valorização de imó-
análise da realidade socioeconômica da po- veis tutelados.
pulação da cidade. A pesquisa levantou dados alarmantes
As tendências de opinião detectadas a que apontam para ações especulativas,
partir de entrevistas com habitantes e pro- atualmente, em curso no bairro, detectan-
prietários de imóveis preservados da Apac- do imóveis total ou parcialmente vazios,
Leblon, apontam invariavelmente para num local com um dos metros quadrados
baixíssimos níveis de identificação da po- mais caros da cidade. Nos casos levanta-
pulação local com aspectos culturais do dos de imóveis preservados a situação é
bairro, desde o segmento da população gravíssima, tendo em vista a incidência de
mais jovem aos mais velhos. Ao contrário propriedade total ou parcial de pessoas
do que foi amplamente difundido nos mei- jurídicas. Partindo-se do princípio de que
os de comunicação, em 2001, a tendência edificações preservadas não podem ser
de opinião da população local direciona- demolidas, o fato pode ter tido origem em
se a não ligar a Apac à melhoria da quali- data anterior à decretação da Apac, man-
dade de vida do bairro que tampouco se tendo-se até hoje em função da possibili-
sente valorizada pela proteção legal. A qua- dade de anulação legal do Decreto 20.300/
lidade de vida é pura e simplesmente rela- 01. Espantosamente constata-se que uma
cionada à melhoria da segurança e da infra- Apac foi capaz de inserir uma área supos-
estrutura urbana locais. A partir desses da- tamente histórica na dinâmica urbana da
dos é possível constatar que a comunidade cidade através da intensificação da produ-
do Leblon considera o PEU (1986) sufici- ção e valorização imobiliária, chegando a
ente para garantir a ambiência do bairro, produzir uma “reserva de mercado” a es-
afastando as ameaças provenientes da pera do fim das restrições por ela impostas.
verticalização exacerbada. Mesmo assim, apesar dos dados levan-
É também possível observar na comuni- tados pela pesquisa, é possível concluir que
dade do Leblon, uma incomum aversão a a Apac é um instrumento de extrema impor-
qualquer tipo de presença ou iniciativa da tância para a conservação do patrimônio
prefeitura, fato que demonstra extremo cultural da cidade, porém o contexto políti-
desgaste do poder público municipal jun- co-administrativo praticamente inviabilizou
to aos moradores. Sendo assim, dentre os a sua evolução e debate, conduzindo a sua
entrevistados, a receptividade às medidas aplicação, a efeitos contrários aos seus obje-
de proteção impostas pela Apac, confor- tivos originais. A aplicação do instrumento
me tendência de opinião detectada pelo de proteção urbana no bairro do Leblon nos
estudo piloto, é a pior possível. Em fun- mostra ironicamente a sua efetiva contribui-
ção de todo o processo que envolveu a ção para o acirramento de processos
proteção legal do bairro e o nível cultural especulativos do solo urbano, revelando as-
dos entrevistados, é possível constatar in- sim uma grande falha a ser reparada através
dignação, revolta e, sobretudo, intensa de ações de monitoramento constante da
mobilização em busca anulação do decre- área em questão pela prefeitura, assim como,
to 20.300/01. por reflexões teóricas acerca das
No tocante aos aspectos imobiliários, metodologias empregadas para a sua elabo-
pode-se considerar que a Apac-Leblon ração e implantação. A pesquisa evidencia
gerou efeitos desastrosos. As conseqüên- que os efeitos provenientes da aplicação da
cias imediatas do ato administrativo da Apac em áreas desvalorizadas e com pouca
proteção proporcionaram graves interfe- atividade imobiliária são bem diferentes da-
rências nos valores das edificações situa- queles obtidos em áreas valorizadas e com
das na APAC evidenciadas pela desvalori- intensa atividade imobiliária.

Considerações finais
A experiência da proteção do bairro do mais eficazes e coerentes com a realidade
Leblon deixa clara a necessidade da pre- física, social e econômica da cidade. O
feitura particularizar critérios de proteção amplo debate da questão da conservação
e de conservação, monitorar constante- urbana com os setores da construção civil
mente resultados e impactos gerados pela também é fundamental nesse processo, e
implantação de Apacs na cidade, sob ris- buscaria mitigar a histórica e aguda oposi-
co de gerar graves problemas urbanísticos ção existente entre os interesses e propósi-
para a cidade, a curto-médio prazo. O pro- tos dos dois setores (patrimônio cultural e
cesso, sem dúvida, contribuiria para a for- construção civil), visando um melhor con-
356 mulação de instrumentos de conservação vívio entre a conservação de áreas urbanas
Anais | Congresso Abracor 2009
e a produção imobiliária da cidade. A tare- gradativamente, os efeitos contrários à con-
fa, sem dúvida, é árdua, porém não é im- servação urbana observados, até então, na
possível, a partir do momento em que haja opinião pública carioca.
a plena conscientização de governantes e Parece óbvio que o processo de discus-
comunidades da necessidade do constante são e debates sobre o planejamento da ci-
debate e confronto de idéias. dade, que inclui o instrumento Apac deve
Numa perspectiva mais ampla, conclui- ter continuidade. Técnicos e governantes
se que as Apacs devem ser definitivamen- precisam entender que a memória coleti-
te encaradas pelo poder público e as co- va é o fator que motiva toda e qualquer
munidades da cidade como conseqüênci- iniciativa de proteção e conservação de
as de uma política urbana democrática e áreas urbanas. Ela é inerente à população
coletivamente debatida e não um instru- carioca como um todo. Não é privilégio
mento que a determine. de poucos. O planejamento urbano é a
A participação efetiva de comunidades principal ferramenta capaz de viabilizar,
no processo de planejamento da cidade social e economicamente, a inserção des-
e, por consequência, no de conservação ur- sas áreas no processo de gestão do solo da
bana, é imprescindível e contribuiria sobre- cidade. O entendimento dessas, dentre
maneira para a diminuição de equívocos de outras premissas teóricas, conduziria na-
avaliação, bem como a imposição de valo- turalmente a uma discussão com a socie-
res apenas recorrentes entre intelectuais e dade civil carioca organizada muito mais
urbanistas. Essa participação se daria através ampla e transparente que remeteria à for-
de debates e programas informativos que di- mulação de uma política urbana mais jus-
vulgariam de forma transparente os objeti- ta e adequada para a cidade, que obvia-
vos e consequências da proteção e da con- mente incluiria a Apac como elemento
servação urbana. Só assim, seria possível capaz de garantir a sua imprescindível di-
mitigar e até, quem sabe, reverter versidade cultural e paisagística.

Bibliografia
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18/11/2007.
357
Anais | Congresso Abracor 2009
358
Anais | Congresso Abracor 2009
NUNES, Carmen L. da Silveira
Arquiteta

GIORDANI, Marilei E. Piana


Arquiteta

BECHSTEDT, Roberto
Arquiteto

PRADO, Rossanna
Antrop

1
O espaço embaixo do
RODOVIÁRIA DE PORTO ALEGRE E SEU Viaduto da Conceição é
ocupado por um terminal
de ônibus
ENTORNO COMO PATRIMÔNIO intermunicipais.
2
AEIC: Área Especial de
Interesse Cultural.

Introdução
Apresentamos a seguir o “Projeto de quatro integrantes do grupo, em dezem-
Revitalização da Área da Rodoviária de bro de 2007, tendo recebido conceito
Porto Alegre e seu Entorno”. O presente “A”.
trabalho teve início durante o Curso de A escolha da área recaiu sobre a Estação
Especialização em Patrimônio Cultural Rodoviária Central de Porto Alegre e seus
em Centros Urbanos, promovido pelo arredores por sua vocação como Porta da
PPG-PROPUR/Urbanismo, da Faculdade Cidade, justificada pela importância como
de Arquitetura/UFRGS, concluído pelos pólo atrator nos limites do Bairro Centro.

A área da Rodoviária
Com uma localização privilegiada, cen- fluxos persistem no tempo e no espaço,
tral, às margens do Lago Guaíba, a área alavancados há mais de 200 anos pela vo-
como um todo sofreu com o processo de cação do comércio popular e das funções
crescimento urbano desordenado, que a re- de embarque e desembarque para abasteci-
legou ao abandono. Marcada por sucessi- mento do Centro. O seu uso constante con-
vos aterros, a presença da Viação Férrea e figura uma vitalidade intrínseca à área dada
de inúmeras edificações históricas, consti- pelos usuários – que chegam, saem, traba-
tui-se em importante testemunho da evolu- lham e circulam neste extremo do Centro.
ção urbana da capital gaúcha, incluindo não Inaugurada em 1970, a Estação Rodoviária
apenas seus méritos como também suas Central de Porto Alegre acompanhou o cres-
mazelas. Por seu forte caráter popular e “à cimento da cidade e atende seu público
margem” do Rio, sua história é pouco co- dentro das expectativas, até hoje.
nhecida, o que coloca em constante amea- Os Objetivos deste estudo, sem entrar no
ça o legado do Patrimônio Histórico e Cul- sistema de distribuição viária do Centro
tural, presente no cotidiano dos porto- foram, basicamente: caracterizar o local
alegrenses como característica do Centro até como Atrator social, grande porta de entra-
hoje. da e saída da Capital; promover a
A Rodoviária de Porto Alegre e seu entor- revitalização da área, através da recupera-
no, apesar dos serviços 24h, não causam ção edilícia, dos espaços urbanos e das re-
uma boa impressão ao viajante: pouca si- lações sociais; incrementar o uso para pro-
nalização, tumulto do tráfego e profusão teção e manutenção (resgate) do patrimônio
popular – gera estranhamento, até que se material e imaterial; e garantir
entendem as lógicas envolvidas neste anti- sustentabilidade econômica em conformi-
go processo de mobilidade urbana. Esses dade com seus diversos grupos sociais.

Metodologia: Áreas
Durante orientação docente, em atelier, área selecionada foi dividida com base nas
desenvolvemos estudo aprofundado para per- características morfológicas encontradas, or-
cepção ambiental, histórica, morfológica, denadas pelo critério da antiguidade. Foram
espacial e social. Devido à sua riqueza, a identificadas 6 áreas distintas: a Área 1 co-

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Anais | Congresso Abracor 2009
incide com o perfil natural da península, potencial turístico pouco aproveitado, nos
situada na orla do Guaíba, razão por que propomos a: a) Promover atividades para
nela encontramos as edificações mais anti- garantir a preservação do rico patrimônio
gas – quando era Balneário – e próximo ao edificado (Eixo Voluntários da Pátria Histó-
Mercado, como artéria comercial. A Área 2 rica), e a sustentabilidade econômica e so-
caracteriza-se pela presença de edifícios cial local, revitalizando a Área. Através da
comerciais, alguns dos quais tornaram-se rápida implementação de melhorias de bai-
ícones no cenário da arquitetura porto- xo custo, dar luz às potencialidades turísti-
alegrense, tais como o Ed. Ely e o Ed. Cha- cas e culturais já estruturadas, porém des-
ves e Almeida. A Área 3 destaca-se pela conexas; b) Usar acessos, vazios urbanos e
presença de armazéns e depósitos que ser- edificações ociosas, ampliando eixos de uso
viram de apoio às atividades da Viação Fér- diurno e noturno nos acessos monitorados
rea, presente ali até 1970. A Área 4 foi con- à Rodoviária, garantindo a segurança do vi-
formada pela presença da Estação Rodoviá- ajante; opções de espaços verdes na área
ria, com a instalação de diversos hotéis em central (praças, parques fechados e abertos,
seu entorno imediato. A Área 5 é o espaço etc.), c) Promover a acessibilidade geral a
viário por excelência, resultante da pré-exis- pedestres, muito complicada; d)
tência da Viação Férrea1. A Área 6, antiga Implementar ações para os grupos de usuá-
Doca das Frutas, é a que maior proximida- rios identificados: viajantes - regionais, na-
de mantém com a orla do Guaíba – não cionais e internacionais; cidadãos em des-
guardando, entretanto, nenhuma relação locamento; motoristas; comerciantes; con-
com a Voluntários da Pátria Histórica em sumidores de toda ordem; fiéis de diversos
virtude da separação física causada pela credos; excluídos sociais (catadores, prosti-
Cortina de contenção do Muro da Mauá. É tutas, etc); e) Consolidar um circuito de
importante registrar que todas as áreas, à serviços populares de Inclusão Social e
exceção da 1, foram criadas pela sucessão sustentabilidade já presentes na área – res-
de aterros . taurante popular, posto de coleta de óleo
Como Estratégias de Intervenção, partin- comestível, triagem de lixo seco, etc;
do de uma localização privilegiada (Cen- normatizar os usos e resgatar a cidadania
tro), com intensa vitalidade comercial e na área.

Metas
Considerando a área como Porta de En- do rebaixamento da via, com acesso inter-
trada da Capital e Ponto de distribuição dos no por esteiras rolantes, para embarque e
fluxos da cidade – “XIS” da Rodoviária, e desembarque; identidade visual dos táxis;
respeitando as suas peculiaridades de uso · Entrada integrada ao Trensurb, por
apresentamos, como propostas : acesso interno p/ transbordo;
· Inclusão da área como AEIC2 pela · Criação do Túnel das Bicicletas, vão
Prefeitura Municipal de Porto Alegre; de travessia/acesso (por baixo da Rua da
· Comunicação visual de Apresentação Conceição) com Bicicletário e estruturas de
da Cidade – capital do Rio Grande do Sul – apoio às Ciclovias da área central;
e Sinalização Turística Internacional, con- · Criação de Praça do Miolo, no mio-
forme normas do IPHAN/MinC; lo do quarteirão da área A2 – chegada da
· Qualificação das ambiências da Área nova passarela, acesso seguro às igrejas e
– recuperação das edificações, pavimenta- sobrados da Cel. Vicente;
ção, alargamento dos passeios, iluminação, · Hotel 1 Real , no antigo prédio do
sinalização, mobiliário urbano, segurança IRGA (conforme Central do Brasil/RJ);
e acessibilidade universal; · Remodelação do Posto da Chevrolet
· Segurança: Central de na Av. Júlio de Castilhos (posto de gasoli-
Monitoramento específica para acessos à na, loja de conveniências e bar, equipado
Rodoviária; com antiguidades);
· Concurso para a elaboração de dese- · Criação da Praça do Tempo, com a
nho para a Nova Passarela, configurando-a instalação de um relógio monumental;
como Pórtico, definidor de identidade vi- · Criação da Praça da Rodoviária, no
sual – referência espacial (Laçador, via Ae- terreno contíguo ao Terminal (Secretaria de
roporto; e Nova Passarela, via Rodoviária); Segurança Pública do Estado / ex-RFFSA),
· Criação do Túnel dos Táxis, através como Área Verde do Centro, espaço de es-

360
Anais | Congresso Abracor 2009
pera e contemplação, e acesso seguro à resgate da história do local com enfoque de
Rodoviária; Turismo Cultural (Projeto Roteiro Turístico
· Instalação na Rodoviária: “Painel do 3MUSEUS);
Santiago”, do renomado cartunista gaúcho · Criação do Bairro Boêmio; recupe-
Santiago, confecção de dois painéis colori- ração do conceito das antigas Casas de Di-
dos em azulejos, no Saguão de Entrada versão; Salões de Baile; estruturas com Lei
(10x3m), apresentando e valorizando a iden- Seca nos arredores da Rodoviária;
tidade cultural do Estado ao retratar, com · Criação do Museu do Sexo e do
humor, cenas e causos do interior do RS Trottoir das Gurias; – no acesso da Rua
(Metrô de Madrid); Garibaldi, com iluminação cênica, sex-
· Instalação do Núcleo de Apoio ao shops, cafés e livrarias especializadas, gale-
Viajante, no pavimento superior da Rodo- rias de arte erótica, salões de beleza, moda
viária, para informações turísticas em ge- de profissionais do sexo;
ral: hotéis, roteiros e gastronomia; dados · Vitrines da luz vermelha, nas
acerca de órgãos nacionais e internacionais, edificações centenárias, para resguardo cli-
consulados e demais serviços públicos (rede mático e visual das profissionais do sexo
de ensino, empregos, etc); fomentar o turis- (Amsterdam);
mo interno e rural; · Reabilitação de edificações centená-
· Elaboração do Guia de Curiosidades rias para comércio, moradia e habitação po-
da Rodoviária (nº visitantes, nº pastéis, pular, conforme especificações do GECC;
metros de papel higiênico, litros de com- plano de uso dos estacionamentos;
bustível, quilos de café, etc.); piadas e · Eco-sustentabilidade e Inclusão so-
cartuns; cial: eco-zoneamento sustentável/Bairro Eco-
· Guia de Hotéis Baratos, em profu- lógico com estruturas de apoio e sinaliza-
são na área, heranças do trem e da Sta. Casa; ção específicas: Ciclovias, estrebarias, be-
· Guia do Corredor Cultural da Volun- bedouros, paradas para carroças e carrinhos
tários – Caminho Novo/ Voluntários Histó- (tração humana);
rica, contendo diretrizes para utilização, · Cozinha e horta comunitárias, inte-
qualificação urbanística e ambiental do Eixo gradas ao Restaurante Popular já existente
da Rua Voluntários da Pátria até o Mercado (Min. Desenv. Social e Combate à Fome/
Público, revertendo a degradação física pelo BR) em lotes c/ pouco ou nenhum uso;
uso comercial, residencial e turístico (con- · Posto do GAPA, creches e
forme Corredor Cultural - Rio de Janeiro/ ambiências, privilegiando a ventilação e
RJ); insolação;
· Instauração da Escola de Ofícios, · Implementação de Usina de
para demandas de hotéis e de autônomos, Reciclagem, com ênfase em fornecimento
em conjunto com a Escola de Ofícios Anti- de matéria-prima para indústrias – pilar de
gos – qualificação técnica da mão-de-obra, sustentabilidade;
essencial p/ recuperação das edificações · Loja de Dècor-Lixo, com objetos de
históricas (conforme Talleres de Ofícios – design assinados, confeccionados em suca-
Bs. Aires). ta;
· Elaboração de projeto paisagístico · Tombamento Patrimonial do Edifí-
para o Complexo Viário da Conceição (A5), cio Ely.
que use a água como elemento de resgate · Criação do Grupo Executivo do Cor-
da percepção ambiental do Rio e a modifi- redor Cultural – GECC –, cujo objetivo é
cação antrópica do lugar (aterro); coordenar e articular as ações de Gestão do
· Criação do Parque do Rio, incorpo- Patrimônio Histórico e Cultural presente na
rando a praça do Frigorífico, com anfitea- área da Rodoviária e seu entorno. Tendo
tro, estacionamento e agenda de “Cinema como modelo o Corredor Cultural /RJ, essa
no Casco”; aproveitar o muro para configurá- gestão dar-se-á com órgãos da Administra-
lo como parque fechado; trajeto da Ciclovia, ção Pública, empresas privadas e associa-
conectando a Zona Norte com Zona Sul, ções civis da área, buscando estabelecer
para travessia segura pelo Centro; acesso mecanismos de atuação, assessorar a restau-
pela Rodoviária através da Entrada Integra- ração e normatizar a recuperação edilícia,
da/Trensurb; captar e otimizar recursos e valorizar o teci-
· Criação do Museu do Transporte, do social multifacetado.

361
Anais | Congresso Abracor 2009
Haveriam ainda propostas envolvendo xo custo e ligeira execução, ser
as especificidades de uso do espaço in- implementadas pela Municipalidade, vi-
terno da Estação Rodoviária, a serem dis- sando otimizar a Rodoviária enquanto
cutidas com a Direção da Concessioná- equipamento urbano de uma Capital, res-
ria e os responsáveis pelo Condomínio. taurando relações, edifícios e ambiências,
As modificações propostas aqui contem- ao privilegiar o uso e a preservação da
plam necessidades que podem, com bai- Área para o futuro.

Conclusão
Pretende-se aqui fazer um convite à apre- cal a posição de pólo de referência de En-
ciação de uma gama variada de propostas trada da Cidade, resgatando os valores
para um futuro pautado pelo respeito à vo- identitários e respeitando a pluralidade so-
cação de um lugar, numa territorialidade cial ali encontrada, sob o prisma do
singular como a das cercanias da Rodoviá- Patrimônio Cultural Urbano.
ria de Porto Alegre. Acreditamos que a vi- Ainda que essa reflexão tenha se consti-
são patrimonialista é capaz de dar respos- tuído a partir de um exercício acadêmico,
tas para revitalização da área, otimizando o “Projeto de Revitalização da Área da Ro-
as heranças materiais e imateriais, e apre- doviária e seu Entorno” poderá desencadear
sentar propostas no âmbito da recuperação modificações essenciais que valorizem a
arquitetônico-ambiental, inclusão social e identidade, a memória e a história do Cas-
turismo cultural. Dessa forma, elaboramos co Patrimonial da área Central de Porto
o estudo com o objetivo de restituir ao lo- Alegre.

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VERISSIMO, Luiz Fernando e Fonseca, Joaquim da. Traçando Porto Alegre. Porto Alegre: Artes e Ofícios Ed., 1994.

362
Anais | Congresso Abracor 2009
Reconhecimento e
Formação Profissional

363
Anais | Congresso Abracor 2009
364
Anais | Congresso Abracor 2009
Arq. DE ORELLANA Rojas, Juan Eduardo.

Arquitecto. Maestría en Arquitectura. Restaurador, Historiador


de la Arquitectura y Museólogo. Universidad Femenina del
Sagrado Corazón UNIFÉ, Jefe del Departamento de
Arquitectura.

Arq. MIRANDA North, Rossana Eli

Arquitecta. Maestría en Educación Ambiental. Especialista en


Acondicionamiento Ambiental y Sistemas Constructivos.
Universidad Femenina del Sagrado Corazón UNIFE

Arq. LEBRÚN Aspíllaga, Ana María

Arquitecta. Maestría en Ingeniería de Sistemas, Maestría en


Turismo y Gestión Cultural, Máster en Museología. Directora
Nacional de Museos del Instituto Nacional de Cultura. Museo de
la Nación.

LA FORMACIÓN DEL ARQUITECTO


RESTAURADOR DE MONUMENTOS
Ethos, Deontología Profesional, Ética Política y Responsabilidad Social

Luego de la globalización y de la postmodernidad, a las democracias de los países


emergentes, les hace falta una puesta al día de las estructuras y las superestructuras de
los contenidos de los planes de estudio. La democracia sufre cambios dramáticos en la
efervescencia del pueblo y de la parsimonia de las dominantes quienes nunca se
preocuparon por educarlo. Los universitarios, una elite cuyos exponentes máximos
son los postgraduados debemos retomar la misión con la que fue creada nuestra
institución: la de generar consciencia y memoria de la sociedad y su cultura. El mode-
lo económico norteamericano, de competencia salvaje y con ventaja, ya decadente,
tomado como ejemplo en nuestros países, el terremoto del 15 de agosto y la
especulación inmobiliaria de éste derivado nos llevan a replantearnos la necesidad de
reformular el Ethos, la deontología, la ética política, la cultura histórica, técnica y
etnográfica, y la responsabilidad social del restaurador.

Após a globalização e da pós-modernidade as democracias dos países emergentes, care-


cem de uma atualização das estruturas e as grandes estruturas dos conteúdos dos planeja-
mentos de estudo. A democracia submete-se a mudancas dramáticas na ebulição do povo
e da parcimônia dos dominantes que nunca se preocuparam em educá-los. Os estudantes
universitários, uma elite cujos expoentes máximos são os pós-graduados devemos reto-
mar a missão com que nossa instituição foi criada: gerar a consciência e a memória da
sociedade e de sua cultura. O modelo econômico norte-americano, de salvagem compe-
tência e com vantagem já de diminuição, tomada como o exemplo em nossos países, o
terremoto de 15 de agosto e a especulação dos bens imobiliários deste derivado nos leva
a necessidade de formular novamente o Ethos, a deontología, a ética política a cultura
histórica técnica e etnográfica, e a responsabilidade social do restaurador.

After globalization and post modernity, democracies in emerging countries are in


need of an updating of contents in their studies plans structures and superstructures.
Democracy undergoes dramatic changes in a context of people’s effervescence and
the parsimony of a dominant class which neglected their education. University students,
elite in which postgraduate students are the maximum exponents, are to re-take the
mission and reason this institution was created: raise consciousness and memory of
society and its culture.
The American economic model (of wild competitiveness and advantage, and already
in decay) taken as model in our countries, the October 15th earthquake and the
consequent real-state speculation take us to restate the need of reformulating the Ethos,
deontology, public ethics, historic, technical and ethnographic culture, and the social
responsibility of restorers.
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Palabras Clave
Deontología restauradora; Pedagogía profesional del Restaurador; Pedagogía Social de
la Restauración; Teleología de la Restauración-Conservación.
Comunicación de la Ponencia

Introducción “Global”
Para los países latinoamericanos en vías preparado cuadros dirigentes, conocedores
de desarrollo, con pasados similares de aris- de la compleja problemática que vivimos;
tocracia y oligarquía, acostumbrados a conscientes de lo que se puede hacer y con-
gobiernos dictatoriales que representaban vencidos de lo que se debe hacer. No
esos intereses, defensores de una cultura politizados ni gobernados por ideologías
verdadera, la postmodernidad (tanto apasionadas. No se pide un absoluto
arquitectónica, cuanto filosófica) y la positivismo ni el triunfo de una tecnocracia
globalización (económica y comunicativa) pseudoneoliberal que, como hemos visto,
importadas, han generado cambios en las ha fracasado rotundamente. Se cayó en la
estructuras de la cultura, aún en su trampa de formar profesionales “socializa-
infraestructura. Pero, no ha sucedido lo dos” en extremo, sin los conocimientos
mismo, o en el mismo nivel, en el campo mínimos de las culturas existentes y pre-
de las superestructuras ideológicas, de casi cedentes; o de dirección y gestión del es-
ninguna disciplina, entre ellas, la Política y tado, en tanto defensa nacional; o de
la economía, pero, ante todo, en las políti- comunicación según niveles sociales,
cas culturales. Nuestros países han estado económicos o culturales; las excepciones
acostumbrados a estos gobiernos a la regla lo son por formación familiar. Se
dictatoriales de “coroneles” o generales, cayó, luego, en la trampa, de la
represivos, generalmente de baja Universidad-empresa o de la universidad
instrucción, sujetos a fuertes pasiones al servicio de la empresa, entendiendo a
paranoides, posicionados de espaldas al ésta como generadora de empleos y, por
bien común y en busca de sus propios lo tanto, salvadora de bienestar común,
intereses y de los suyos o de quienes los símbolos de progreso. Es más, se ha fo-
mantenían en el poder, ignorantes de lo que mentado profesionales aguerridamente
se debía hacer; inconscientes de lo que se competitivos para sobresalir, a tal extre-
podía hacer e incapaces de entender la mo que existen programas “Reality shows”
complejidad de la problemática. A pesar de para “eliminar” al contendiente, como el
los cambios, aún en la etapa democrática patrocinado por el millonario Donald
que se vive, ello no ha cambiado en nuestras Trump: El Aprendiz, y otros similares.
clases dominantes, pese a la peligrosa Se produjo, profesionales
efervescencia de participación (muchas veces “revolucionarios” sin base técnica, en un
soliviantada por campañas de primer momento; y “yuppies” sin
desinformación por grupos extremistas o sensibilidad social, más recientemente. Ya
ultranacionalistas) en el pueblo llano. tarde se ha caído en cuenta que lo que se
Los grupos de poder siguen gobernando, ha provocado es una fuerte crisis laboral,
bien de manera abierta o como el poder primero, financiera, después y ya, hace
tras el poder. Cambiaron de piel, los lo- muy pocos meses, económica. Es eviden-
bos se vistieron de ovejas, entendieron te que la culpa no es exclusiva de los
que, por el camino que iban, el planeta, gobernantes y la casta que los mantiene
sería inviable para los seres humanos y, en el poder. También lo es de los
los más progresistas, han cambiado sus profesionales, quienes al ver la ineficacia
costumbres respecto a emisiones de gases, final de sus acciones y de su accionar (es
contaminación de las aguas y desperdicio probable que técnicamente intachables) no
de energía, tornando la vista hacia recur- corrigieran sus métodos, estrategias y
sos energéticos más limpios. Las industrias enfoques, bassdos en una
se han hecho “limpias” y se ha aumenta- retroalimentación y corrección permanen-
do el consumo para bajar costos, pero lejos tes (feed back).
de hacer el consumo (primario, secundario El ideal social de la empresa, que daría
y terciario) extensivos a todo ciudadano, trabajo con remuneración justa nunca se
lo que se ha hecho es hacerlos intensivos. cumplió y el espejismo de las universida-
Las elites dominantes, cada vez consumen des y centros técnicos de capacitación
más y requieren de más dinero para ello. profesional, sólo sirvió para proveer de
Por eso decimos que en el campo socio- “capital humano” para enriquecer a los
político y en el económico no ha habido más ricos facilitando de capital intelectual
366 cambio alguno. Las universidades no han a las empresas. La tecnología de punta, fue
Anais | Congresso Abracor 2009
utilizada para recortes de personal y aumen- tos como el mercantilismo o el estado gi-
to de responsabilidad laboral (con aumento gante y competidor con el ámbito privado,
de horas de trabajo, o sin ello) y no se se piensa reestructurar la economía, hallar,
utilizaron los impuestos con fines sociales o en palabras del presidente de Francia, Nicolas
educativos. No se creó identidad nacional o Zarkoszy, un nuevo orden mundial, no se
regional; no se rescató la cultura como medio está considerando la educación ni la
de cohesión social. No se usó la mayor formación humana de crecimiento personal,
productividad para mejorar salarios. propios de la postmodernidad en la agenda.
Ahora que las bolsas han colapsado (con- No se ha considerado tampoco en la inclusión
juntamente con el patrimonio en peligro); de las diferentes etnias en la identidad de las
ahora que el falso neoliberalismo y el li- naciones y se mantiene la idea de una sola
beralismo a ultranza quedan tan obsole- cultura.

La Conservación y la Restauración de Monumentos en la identidad nacional


En nuestro medio profesional y de manera al, pero no se la vio tan cerca, como que
usual, la palabra monumento se refiere a ya la estamos viviendo. Este mal entendi-
edificaciones de interés cultural (estético, do “neoliberalismo”, que no es otra cosa
históricos o ambos). No obstante, ello de- que un neomercantilismo disfrazado, pues
riva de la palabra latina Monere (recuerdo, se hacen “lobbies” para obtener favores
memoria) y hacía referencia al antepasado estatales o leyes a favor de determinadas
parental (patris + Moneo). Era, connotativo, empresas; la corrupción de funcionarios
por lo tanto, de identidad, de conocer las (extensión de los “lobbies”, cuando éstos
raíces de quien conservaba esos fallan), la colocación en cargos de
“monumenta” (como Maximus en la pelí- gobierno de miembros de grupos
cula Gladiator). La conservación y, en ca- empresariales; y el proteccionismo, vías
sos extremos, la restauración de monumen- subsidios estatales a determinadas
tos es un acto de mantenimiento de la actividades económicas para tener una
Identidad; de defensa de la Identidad y, por ventaja competitiva, acciones que se ha
lo tanto, de Defensa Nacional. Un pueblo venido dando en casi todos los países, ha
con identidad soportará adecuadamente y determinado el fracaso de un supuesto neo
con alta resiliencia los embates liberalismo. En el plano laboral, ha suce-
pseudouniversalizadores de la cultura glo- dido lo mismo, sea en un exceso de
bal. Un pueblo con identidad puede llegar proteccionismo al trabajador o en una
a tener mayores actitudes thymóticas que actitud complaciente con las empresas,
uno que no la posea. aceptando una evidente explotación a los
En esto adherimos, aunque no en todo, trabajadores. O incluso, como lo ha dicho
ni sin reservas, a lo que manifiesta De Soto, retardando los pasos para la
Fukuyama (1992): es necesario la posesión formalización del capital potencial de
de una fuerte identidad grupal, social y personas y familias emergentes.
nacional para que, en busca de La idea de la identidad y de la
reconocimiento de ese grupo al que se pertenencia a un grupo (gremio) es funda-
pertenece y con el que se identifica, un mental. Ello nos lleva a pensar en la mejor
pueblo será capaz de acciones de alto nivel de las democracias, la participativa, la del
de trascendencia, lo que incluye una autogobierno a través de dichos grupos y
actitud más positiva hacia el trabajo, más gremios: Juntas de Vecinos, colegios
ética, al igual que la contrapartida del profesionales, sindicatos de trabajadores,
empleador de mejorar las condiciones de etc. que velen por una mejora continua
trabajo y de recompensar dicho trabajo con en el desempeño de sus actividades y
una mayor retribución económica. A la puedan, así exigir, así, una mejor
vez, el trabajador, cualesquiera que fuere interacción económica con los
su rubro, sentirá un mayor orgullo por ese empleadores y el cumplimiento, por parte
trabajo gremial y por hacerlo cada vez del Estado del “contrato social” por el cual,
mejor. se paga impuestos, a cambio de una
Así, se ve, la actitud thymótica es de actividad estatal, entre otras, en el campo
ambas partes del proceso de producción de la educación. En el Perú, la educación
y en busca del bien común. Si esto no se estatal es muy deficiente; la salud no va
entiende, se continuará en la crisis mejor que la educación; la administración
económica en la que estamos sumidos. de justicia sigue el mismo camino y la
Cuando se planteó el primer resumen, seguridad ciudadana es escasa. El Estado
enviado, de este trabajo, se pensó en que claudica y no cumple con su parte, su
se avecinaba una crisis económica y soci- administración y gestión es deficiente. Ni 367
Anais | Congresso Abracor 2009
1
Son: Carolina
Hernández A., de la
qué decir, de la Defensa de la Cultura, en- Torata, Carumas, Arequipa, etc. y, más
UNIFE; Juan Manuel tre la que debiera encontrarse un eficiente recientemente, el de Pisco, en agosto de
Parra D. de la PUCP; y
Natalie Diflorio T.de la fomento de la Conservación y Restauración 2007, que afectó gravemente a excelen-
UPC, de tercer año de
Arquitectura de de los Bienes Culturales. Y ésta es la ligazón tes muestras del barroco de Ica, como la
diferentes universidades
particulares.
entre lo que hemos venido tratando y la iglesia de la Compañía de Jesús de Pisco.
Defensa del patrimonio Monumental, Igualmente afectó a monumentos más
traducido en Conservación y Restauración recientes y ejecutados con cemento y
de los Monumentos y en el estudio de ladrillo, como la Iglesia-Santuario de
Patrimonio Cultural Intangible: Identidad. Nuestro Señor de Luren, en Ica. En muchos
Pero resulta interesante, como lo hizo ver casos, estos monumentos formaban parte
Bourdieu (1991) que las bases que se de la identidad regional de los iqueños,
establecen para lograr, no sólo el gusto, como lo fue la Iglesia de la Compañía de
sino la cultura, en general, a través del Pisco, la que fue rápidamente y brutalmen-
gusto, va variando. Los códigos cambian, te demolida, sin existir un informe técni-
pero no por evolución natural, sino por- co del organismo oficial del estado perua-
que los grupos de poder se reservan para no que vela por los monumentos el INC
sus propios “ghettos” sociales, patrones de (Instituto Nacional de Cultura). Lo mismo
reconocimiento que impliquen la exclusión quiso hacerse con la Iglesia – Santuario
de los “no-invitados”, de los “no-vip”. Una de Nuestro Señor de Luren, pero, la
vez que los “no-vip” logran descifrar el có- participación activa de la población, lide-
digo y lo lograr adoptar, éste cambia rada por 3 jóvenes estudiantes de
inmediatamente, tanto por un acto de puro arquitectura de tercer año1, impidió que
consumismo, como por “distinción”, enten- se consumara dicho atentado. ¿Qué movió
dida como diferenciación. Es decir, se trata o motivó a esos tres estudiantes a liderar
de un acto deliberado de exclusión y de no la defensa de su patrimonio, cuando los
inclusión. No sólo tratan de mantener en la grandes señores de Ica no hicieron nada?
ignorancia a las masas, sino que las separan Lo veremos más adelante.
o, mejor dicho se separan. Si bien es cierto El mismo INC le retiró la condición de
que no todos los conocimientos deben monumento a dicha iglesia y a muchos
llegar a todos, pues no todos pueden ser otros monumentos, a fin de que su
capaces de entender (y en esto entramos demolición sea más expeditiva. Los
en un campo pedagógico de competencias) intereses económicos para llegar a una
es inaudito pensar en la creación de nuevos reactivación urbana en esa ciudad con una
códigos, de nuevas interpretaciones, con la iglesia “más moderna” llegaron a niveles
finalidad de mantener a sectores enteros de escandalosos. Arquitectos de una prestigi-
la sociedad fuera de la identidad nacional. osa universidad limeña se prestaron para
Pero, las masas excluidas se enfrentan a la participar en el concurso de la nueva
necesidad de pertenencia a un grupo y iglesia (con lo que se asegurarían el paso
buscan, así SU propia identidad, que puede, a la fama), más como un nuevo Eróstrato
o no, ser consecuente con la de las elites. que como émulos de Oscar Niemeyer o
De los bienes culturales, las obras de Antemio de Tralles e Isidoro de Mileto,
arquitectura, a los que llamamos monu- pues como dice Marconi, se comportan
mentos, tienen, como dice Marconi como arquitectos arquistar. Se dijo que la
(comunicación escrita de abril de 2008) la iglesia estaba totalmente colapsada,
particularidad de no poder ser puestos a cuando la misma ha soportado todas las
resguardo, es decir, están sujetos a los réplicas posteriores (algunas muy fuertes)
agentes de riesgo y, en caso de daño sin ningún tipo de apuntalamiento, apeos
pueden, incluso, resultar peligrosos a la o reestructuraciones, y sin que el daño
vida humana, se requiere, de una sufrido empeore. La patología se produjo
formación y una mentalidad, además de porque la torre, mal anclada en su base
eminentemente técnica, así, humanista, cayó sobre la cúpula y la perforó. El
ética y sensible, aunque muy diversa a la pueblo, tal vez ignorante, pero con
que deben seguir aquellos que se dedican identidad con su patrimonio, salvó lo suyo.
a la restauración obras de arte mueble pues Estamos aquí frente a lo que debió ser la
la arquitectura no es un “Ars visiva”. En el Conservación y lo que debe ser la
caso del Perú, los constantes terremotos Restauración, su Thymós, su Ethos y su
han determinado la historia de la Deontología, en cuanto a la técnica. Lo que
arquitectura peruana, más que la moda trataremos seguidamente, pero primero
misma. Recientemente ha habido terremo- definiremos Conservar y Restaurar.
tos el 2001, uno que destruyó muchos Los pueblos tradicionales, milenarios
368 monumentos históricos de Moquegua, acostumbrados a fenómenos (humanos o
Anais | Congresso Abracor 2009
2
El término Luren
naturales) que afectan a los monumentos alteraciones, manteniéndolo en estado de viene del quechua
están acostumbrados, en un acto “anti eficiencia, en la posibilidad de ser usado y Hurin, que significaba,
en la cosmogonía
thànatos” de devolver a sus monumentos sin peligro para los usuarios, No podemos prehispánica, bajo.
Desde antes de los
caídos la gloria que tenían y su re entender a la conservación como una acto españoles, existía un
tótem que salía en
funcionalización. El mal entendido de protección extrema de los agentes procesión desde esta
concepto de “autenticidad” no está presen- patógenos, pues eso implicaría una especie zona: Hurin Ica, hacia
el Hanan Ica (Ica alta)
te en ellos ya que esta sobrevaloración del de momificación, algo posible para una y había un
intercambio de tótems.
concepto (pertinente para los bienes obra de arte (al ser colocada en un depósi- Esta procesión aún
muebles) no lo es para los inmuebles pues to con las condiciones “ad Hoc”) pero, por subsiste bajo la forma
de un Cristo negro
su uso frecuente, su deterioro progresivo lo expuesto, imposible para la arquitectura. crucificado, el Señor
de Luren, quien tiene
obligan a un continuo mantenimiento, Restauración es devolver a un monumen- que ver, además con
los terremotos. Es una
como parte de la conservación y, también to sus condiciones de eficiencia, belleza y procesión popular, sin
como parte de ésta, al recambio de piezas función a través de acciones de reparación, cargadores cófrades,
todo el pueblo que
antiguas en nuevas, quedando poco de integración o reintegración de los objetos desea lo carga sin
parar, en turnos
original, a lo largo del tiempo. Esta pérdida perdidos para asegurar la función perdida individuales sin
cuadrillas. El templo –
de originalidad, mal entendida como (por colapso o riesgo del mismo), la Santuario tiene esa
pérdida de autenticidad es un asunto me- estabilidad estructural, y la belleza venida forma y esa
orientación porque
ramente comercial coleccionista; valor a menos. En este punto, podemos enten- está diseñado para
que estas funciones
degenerado en precio, traspuesto de las der que en países como el Perú, la acción populares sean
posibles, en un marco
artes visuales a la arquitectura. Por ello, la de conservación se basa en la de
Conservación, que no es otra cosa que restauración. En esto asumimos una
realizar acciones frecuentes a fin de posición pro marconiana.
asegurar que un monumento no sufra

Thymós, Ethos y Deontología del Restaurador de Monumentos.


Thymós es un aspecto del alma humana,
aquella que hace las veces de impulso vi- y de búsqueda de que esa valoración sea
tal, pero que además motiva o impulsa un compartida, sea “consciencia” popular (as-
conjunto de comportamientos externos, en pecto de educación de la población); de
tanto manifestaciones del alma. Para Platón, coraje para enfrentarse a los grupos de
el Thymós era una búsqueda de dominio que pretenden mantener “una”
reconocimiento en el grupo y de uno cultura; “su” cultura y al pueblo, en la
mismo, a la vez era lo que confería el ignorancia e hypothymia; una capacidad
coraje y aquello que hace que los seres de indignación, cuando esos grupos de
humanos demos valor a las cosas, más allá poder atentan, o pretenden hacerlo, en
de su precio comercial y en ese deseo de contra de edificaciones valoradas como
reconocimiento, de valoración y de ánimo, monumentos y que, a su vez, pueden ser
busca, y hasta exige que haya otras men- receptáculos de patrimonio inmaterial,
tes que formen consciencia (conocimiento como es el caso de Luren.
común o conjunto), como la indignación Filológicamente Ethos es un punto de
conjunta ante un acto considerado injusto partida que nos lleva al concepto de
o que afecta la integridad de un grupo. Ésta “personalidad”. Para Aristóteles era el hábi-
es la respuesta a la pregunta sobre aquello to, carácter o modo de ser de algo. Cuando,
que motivó a estos tres jóvenes a luchar como en este caso, hablamos de un futurible,
por su Templo – Santuario del Señor de como es el resultado de un proceso
Luren y a levantar al pueblo en contra del educativo, el Ethos se convierte en un deber
INC; en contra de los grandes intereses ser, en un perfil personal y profesional, que
económicos puestos en juego en una refleje las aptitudes, los conocimientos, las
reconstrucción de ciudades, de la destrezas y habilidades, y las actitudes que
magnitud del desastre de Ica, Pisco, debe tener un restaurador de monumentos.
Chincha y Cañete; incluso en contra del Es una creación del hombre (de una cierta
mismo obispo que deseaba pasar a la clase de hombres, para determinados fines)
historia (como el Obispo De Sully de París) por parte de la sociedad. Así, ¿cuál es el Ethos
construyendo una iglesia monumental de un restaurador?
pero sin espíritu y en contra del Témenos Como “aptitudes”, el restaurador debe
propio del lugar2. El ejemplo de estos tenerlas para la comprensión e
muchachos nos lleva a afirmar que en la interpretación histórica; para la
formación de un arquitecto restaurador, el comprensión de las ideologías y las ideas
aspecto Thymótico es imprescindible, im- espirituales de los pueblos en los que
portante y necesario. Debe haber una trabajará es decir, aptitud de Antropólogo
capacidad de valoración de lo patrimonial Cultural y de etnógrafo y sus
369
Anais | Congresso Abracor 2009
conocimientos; capacidad de vencer el estar adecuado al “deber ser”, sino al cómo
miedo a un, siempre posible, colapso del se ES. La actuación o accionar debe estar
monumento, sin dejar la seguridad; aptitud adecuado, no con cómo se debe actuar,
de compartir, con el pueblo para el que sino en el cómo se actúa en la realidad.
trabaja, la importancia de sus hallazgos, y Así llegaríamos al estado de cinismo y
del mismo monumento, que no hayan sido corrupción como el que se vive
advertidos o sean actualmente actualmente. Las actitudes de un restaura-
desconocidos por el pueblo; de trabajar dor deben ser, siempre, transparentes y
en un equipo interdisciplinario de manera sujetas a la crítica, sin dejar, por ello, de
transdisciplinaria; debe poder conciliar avanzar. Debe haber una fuerte resiliencia
con el arqueólogo los lugares dónde éste a la crítica y, sin llegar a la tozudez, de-
debe excavar, con que extensión y fender las ideas y bases teóricas desde las
profundidad, sabiendo hipotetizar aquello que se ha actuado. Debe tener el coraje
que debe o puede hallar. Como para defender el patrimonio de los agen-
“conocimientos”, son casi los mismos en- tes socales que atenten en contra de ellos,
ciclopédicos que los del arquitecto, pero aún cuando sean “sólo” bienes intangibles.
con mayor profundidad, con un Si combinamos ambos términos, reitera-
conocimiento de las técnicas constructivas mos la actitud thymótica, mejor, corajuda,
antiguas de los que el arquitecto común del restaurador. Además debe prevalecer
desconoce; debe manejar la historia soci- en él una absoluta honestidad al informar
al y de la cultura, la historia del Arte y de de lo que ha sucedido durante las obras
la Arquitectura, manejar la literatura artís- de restauración y consignarlo en un libro
tica muy bien, con conocimientos, más diario. Como se puede ver, la actitud en
que medianos de iconografía; conocer de el Ethos tiene relación directa con la
paleografía para poder leer textos en Deontología profesional y con la Ética
archivos, de primera mano; ser política del restaurador.
hermeneuta de lo que connotan o pudieran La Deontología profesional del restau-
significar los monumentos y su entorno; rador de monumentos debe estar basada
conocimientos de comportamiento en la deontología del arquitecto, pero debe
estructural avanzados, de comportamiento ir aún más allá por cuanto tiene una
de los materiales y sus interacciones quí- responsabilidad en la transmisión correcta
micas y físicas; técnicas de relevamiento del mensaje del monumento en toda su
de los más avanzados (un buen autenticidad, aunque ello signifique, tener
relevamiento con indicación de los daños que intervenir en la originalidad de la
presentes, cualificados y cuantificados sig- misma obra. Un ejemplo basta para acla-
nifica un 50% de los problemas de la rar esta aparente dicotomía. Lo auténtico
restauración respondidos); conocer las puede ser, o no, lo original; esta palabra
mejores maneras de intervenir sin alterar tiene que ver con origen (arjé: principio),
mayormente el monumento más allá de es decir, lo que es, desde el principio de
lo que se encuentra; conocer de teoría de algo. Así, desde un plano mental, espiritu-
la comunicación para poder informar al, (psyque, thymos) yo mismo, no soy ori-
correctamente al pueblo para el que ginal, he cambiado, pero no se puede decir
trabaja en sus propios términos. El restau- que he dejado de ser auténtico. Desde un
rador ha de tener “destrezas” en el uso de plano estrictamente biológico, tampoco lo
aparatos de precisión para indagar la par- soy, al menos en un altísimo porcentaje.
te física del monumento; en la Mis células, con la excepción de las
retrospección arquitectónica para indagar neuronas, se han renovado, no son las
la historia no documentada en archivos o mismas; prácticamente todo yo, me
bibliotecas, de “leer” las respuestas en el renuevo cada 7 años. Obviamente ello me
mismo monumento. quita originalidad, pero no por ello dejo
Pero dentro de los más importantes ras- de ser auténtico. Filológicamente la
gos de ese Ethos, están las “actitudes”. palabra Auténtico deriva de tres palabras
Según Guzmán (2007), “El Ethos es el griegas que quieren decir el ser uno mismo
espíritu que permea a un grupo social, un en verdad (To autón, to ontos, to eikós) y,
conjunto de actitudes y valores, de hábi- en verdad, no he dejado de ser quien soy
tos arraigados en el grupo.”. En este senti- en mí mismo, a pesar de los cambios
do el Ethos del restaurador debe coincidir (mentales y biológicos) obrados en mí. En
con el del grupo, pero con el “debiera ser” el caso de los monumentos, no sujetos a
del grupo. Contrariamente a lo que predica especulaciones comerciales sucede lo
la denominada “política realista” mismo y aún en aquellos que sufren
370 (Fukuyama, 1992) en la que el Ser no debe presiones inmobiliarias. Ahora bien, ello
Anais | Congresso Abracor 2009
hace justificable cualquier acción. El res- restaurador. Por tanto, hacer evidente su
taurador de monumentos debe ser consci- intervención en el monumento no debería
ente de sus límites de ignorancia y actuar estar en el código deontológico del restau-
con la humildad pertinente, pero debe rador. Esta evidencia debe estar encriptada
conocer sus capacidades y conocimiento sólo para aquellos a quienes les puede
y actuar con honor y orgullo. La interesar ese dato, no para quien va a ver
transmisión de la verdad que porta en sí el perjudicada la lectura del mismo.
monumento es la prioridad, no la obra del

Ética política y Responsabilidad social. En el plano en el que nos estamos


moviendo, tocamos, frontalmente, la polí- personas desarrolladas.
tica y, por tanto, la ética en la actuación. El Carolina, Juan Manuel y Nathalie
trabajo del restaurador de monumentos es comprendieron este hecho desde su propio
público, pertenece a la polys, por lo tanto desarrollo. De manera inversa, desde su
es político. Es político porque trata con la pobreza, los pobladores del anexo
población, y a ella le sirve. No requiere Bernales en Humay, Pisco, Ica, lo
pertenecer a un partido político o ejercer comprendieron y han buscado el apoyo
un cargo público. Su accionar es público y de la “academia” para llegar a su
su función, como el de cualquier Desarrollo Sostenible.
universitario posgraduado debe ser el de Aquí es donde entramos en el ámbito
“consciencia de la sociedad”, de indicarle de la Responsabilidad Social. Este
el rumbo, sea con sus obras, que con su concepto se creó para que las empresas
accionar, pues tienen el privilegio de ser que obtenían ganancias y excedentes, en
“lo mejor de lo mejor” de una sociedad. Ya muchos casos contaminando o depredan-
se pertenece a una elite siendo do el hábitat de pueblos enteros, “devolvían
universitarios, más aún de posgrado. Su el favor”, en un principio, o “llegaron a ser
deber es, además devolver a la sociedad conscientes de su responsabilidad para con
académica el esfuerzo desplegado para ese pueblo o sociedad.
formarlo. En caso extremo, la labor se tor- Los pobladores de Bernales, sobre todo
na eminentemente política cuando se las señoras, luego del terremoto y de la
convierten en asesores de nuestros mal pre- pérdida, casi total de sus viviendas,
parados (o interesados) políticos o si sufrieron casi un sacudón en la cabeza.
decidiesen entrar en la política activa. Su Con la ayuda de la Cruz Roja están
capacidad de tolerancia y de convivencia en rehaciendo sus hogares, pero se han
la interculturalidad y en la integración debe percatados que tenían un riqueza enorme
ser máxima y, nuevamente, ser el ejemplo ante ellos, por un lado cultural, la Casa de
de la sociedad en la que están inmersos. la Hacienda y, por otro natural, la “Lagu-
Aún en la docencia, su trabajo sigue na de Morón”, Oasis natural en pleno
siendo político porque la idea fundamen- desierto, con una biodiversidad
tal es preparar ciudadanos para una nueva interesante, con capacidad para ser
sociedad democrática más activa y explotada turísticamente por ellos, sin
participativa, la que, sin dejar de lado la intermediarios, pero eficientemente capa-
representatividad, reduzca al mínimo citados. A la par, la laguna es capaz de
indispensable su función, sobre todo para soportar un uso racional de piscicultura,
aquello que requiera de una visión sin perder su potencial turístico. Al recurrir
“macro”, en tanto que la parte “micro” a la Academia, en este caso, a la UNIFE,
debe ser asumida, por grupos de vuelcan sobre los profesionales
competencias (o competentes) como los posgraduados que tenemos cátedra allí, una
gremios, Colegios Profesionales, Juntas de responsabilidad social a la que la
Vecinos, Sindicatos, quienes desde su Universidad, cualquiera que fuere, nunca
Ethos, se auto gobiernen y coadyuven con debe negarse pues para eso se creó, para so-
el gobierno nacional. lucionar los problemas de la sociedad, de la
Se busca así, un desarrollo sostenible, polys, de la Urbs. Pero no sólo los
con corresponsabilidades políticas, universitarios (catedráticos o estudiantes)
cogobierno, control extenso, en libertad debemos tener esa responsabilidad social,
de generar riqueza y de lograr una justa cualquier egresado universitario debiera
repartición de la misma, conduciendo el tenerla, en correspondencia al uso de esa
Desarrollo Social desde el Desarrollo realidad, tantas veces usada en la cátedras
Personal. Una sociedad es desarrollada, no universitarias para la formación y que, usu-
en función de la cantidad de riqueza que almente sólo quedan en el plano teórico, con
genere sino, en tanto exista, siempre, más lo que los pobladores pierden la esperanza. 371
Anais | Congresso Abracor 2009
La universidad no es el Campus en el que emergencia social y la rapidez de los
se halla. ES “el claustro”, son sus acontecimientos impelen a una pronta
estamentos, docentes, estudiantes y adaptación para el desarrollo sostenible y
egresados y es en el seno del claustro don- adaptado a las propias, muy posmodernas,
de las ideas deben ser discutidas pero no formas de ese desarrollo. La conservación
para quedar en el plano teórico, sino para del patrimonio se yergue en una forma de
su urgente puesta en práctica, sobre todo desarrollo basada en el aprovechamiento
en países como el nuestro, en los que la de lo existente no en su momificación.

Bibliografía
BOURDIEU, Pierre. La Distinción Criterio y bases sociales del gusto. Trad. Mª del Carmen Ruiz de Elvira. Madrid, Altea, Taurus, Alfaguara
S.A. 1991
DE SOTO, Hernando: El Misterio del Capital ¿porqué el capitalismo triunfa en occidente y fracasa en el tercer mundo? 1ª Ed. Lima, Ed.
El Comercio, 1999.
FUKUYAMA, Francis. El fin de la Historia y en último hombre. Traducción P. Elias. 1ª Ed. 1ª Reimpr. Buenos Aires, Planeta, 1992
GUZMÁN, Danilo. “El Ethos Filosófico”, en Praxis Filosófica Nº24 (ISSN 0120-4688) Cali, Universidad del Valle, enero/junio 2007.
MARCONI, Paolo. Voces “Conservare e Restaurare” en Enciclopedia Treccani. Roma, Istituto Treccani.
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Segurança e
Políticas Institucionais

373
Anais | Congresso Abracor 2009
374
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SERPA GOUVEIA, Fabíola Bristot
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo - Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

SOUZA, João Carlos


Professor e Doutor, Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal de Santa Catarina

A Segurança contra incêndio como uma abordagem


de conservação do patrimônio histórico edificado

A segurança contra incêndio como uma abordagem de conservação preventiva do


patrimônio histórico edificado permite garantir a sua longevidade por meio de inter-
venções conscientes e manutenção adequada aliado ao conhecimento dos riscos de
incêndio e formas de proteção, e visa não somente a preservação do patrimônio em si,
mas a continuidade de diversas práticas sociais, culturais e econômicas para as gerações
futuras. Este artigo apresentará exemplos de aplicação do sistema de projeto baseado em
desempenho em edifícios históricos como forma de aliar a obtenção de níveis adequados
de segurança à garantia da integridade e de seu caráter histórico. A análise global do risco
de incêndio é aplicada para estabelecer níveis mínimos de proteção juntamente com
diretrizes para intervenções, visando a sua salvaguarda para gerações futuras.

Fire safety as an approach to preventive conservation of historic buildings can


guarantee longevity to them by means of conscientious interventions, maintenance
allied to the knowledge of fire risks and forms of protection. It not only aims at the
preservation of heritage in itself, but the continuity of several social, cultural and
economic practices for the future generations. The article will present an example of
performance-based design application in historic buildings to unite the accomplishment
of appropriate levels of security to the guarantee of integrity and historical character.
The global analysis of fire risk is applied to establish minimum levels of protection with
ways of interventions, being aimed at its safeguards for future generations.

Palavras-chave:
Conservação, Incêndio, Patrimônio, Prevenção

Introdução

A segurança contra incêndios tem como cios ou centros históricos, pode ser consi-
objetivos fundamentais: a proteção da vida derada uma abordagem atual de conserva-
humana, de modo a garantir condições se- ção. (ARAÚJO et al, 200-)
guras de escape, e do patrimônio, com a A incidência de incêndios em edifícios
manutenção da estabilidade estrutural do históricos pode ser explicada, em parte, por
edifício, bem como a possibilidade de aspectos específicos que potencializam o
extinção do incêndio através de sistemas risco de incêndio, e que podem vir a difi-
de proteção. No entanto, além do caráter cultar ou até mesmo impedir a extinção das
essencial da salvaguarda da população, é chamas antes do colapso estrutural da
necessário ressaltar a relevância da preser- edificação. São estes aspectos: as caracte-
vação de objetos, edifícios ou sítios histó- rísticas construtivas, implantação, idade,
ricos/ arqueológicos, que também possu- ocupação e instalações.
em valor inestimável tanto para uma cida- De um modo geral, as regulamentações
de, país, como, até mesmo, para a Huma- vigentes referentes à segurança contra in-
nidade. (ONO, 2004) Desta maneira, a cêndios se aplicam às edificações novas,
prevenção aos riscos, levando em consi- sendo inadequadas à garantia da proteção
deração os aspectos ambientais, os impac- de edificações que abrigam o patrimônio
tos e os riscos ás estruturas físicas de edifí- histórico, artístico ou cultural, devido à 375
Anais | Congresso Abracor 2009
especificidade de suas características. As 2001, e NFPA 914: Fire Protection in
normas prescrevem a aplicação de siste- Historic Structures. Estas normas destacam
mas de combate a incêndios, tais como o estabelecimento de planos de emergên-
proteção por extintores ou hidrantes, que cia, critérios mínimos para implementação
acabam por não minimizar os riscos de um de um programa de prevenção contra in-
princípio de incêndio. (NETTO, 1998) cêndio, medidas de segurança para novas
Atualmente, no contexto da segurança construções e reformas de edificações exis-
contra incêndio em edificações históricas, tentes, manutenção preventiva e corretiva
os principais documentos de referência aos e particularidades dos diferentes usos de
projetistas são as normas americanas NFPA edificações históricas ou que abrigam acer-
909 – Protection of cultural resources, vos histórico-culturais. (ONO, 2004)

A Conservação do Patrimônio Histórico


A expressão “patrimônio histórico” pode história urbana e social, bem como pelo pas-
ser definida, de acordo com CHOAY, como sado, presente e futuro de uma sociedade.
“um bem destinado ao usufruto de uma (MENEZES, TAVARES, 2003)
comunidade que se ampliou a dimensões O termo preservação tem uma
planetárias, constituído pela acumulação abrangência genérica, e, de acordo com uma
contínua de uma diversidade de objetos abordagem institucional pode ser definida
que se congregam por seu passado comum: como toda e qualquer ação do Estado a fim
obras e obras-primas das belas-artes e das de conservar a memória de fatos ou valores
artes aplicadas, trabalhos e produtos de culturais da nação. Seguindo uma visão jurí-
todos os saberes e ‘savoir-faire’ dos seres dica, aparece o conceito de tombamento,
humanos.” (CHOAY, 2006, p.11) que é o meio posto à disposição do Poder
Neste sentido,o patrimônio histórico Público para a efetiva tutela do patrimônio
edificado, dentre toda a gama de bens per- cultural e natural do país. Por outro lado, de
tencentes ao contexto do patrimônio his- acordo com uma definição técnica, a con-
tórico, pode ser caracterizado como o que servação é toda a ação que visa prevenir a
mais diretamente se relaciona com a vida deterioração e abrange todos os procedimen-
de todos (CHOAY, 2006), e, por esta ra- tos que prolongam a vida de uma edificação
zão, optou-se, neste trabalho, pelo estudo histórica. (NAPPI, 2007)
de edificações históricas. A segurança contra incêndio como uma
Preservar os edifícios históricos, desta abordagem de conservação preventiva do
maneira, significa preservar a imagem da patrimônio histórico edificado permite ga-
cidade, que é um: bem patrimonial e cultu- rantir a longevidade destes bens culturais
ral que abarca uma variedade de dimensões, por meio de intervenções conscientes e
tais como: os aspectos construtivos, estéti- manutenção adequada aliado ao conheci-
cos, decorativos, sociais, culturais e simbó- mento dos riscos de incêndio e formas de
licos; processo de construção dinâmico e proteção, e visa não somente a preserva-
intimamente relacionado com as mudanças ção do patrimônio em si, mas a continuida-
sociais; e um dos aspectos de interesse de de de diversas práticas sociais, culturais e
salvaguarda, como forma de respeito pela econômicas para as gerações futuras.

O sistema baseado em desempenho no contexto da


segurança contra incêndio em edificações históricas
Nos dias atuais, tanto no Brasil como nos verificando-se os seus usos, as exigências
outros países do mundo todas as soluções do cliente/empreendedor, bem como as
e recomendações relativas à segurança con- necessidades da sociedade. O sistema a
tra incêndios são baseadas em um modelo ser utilizado no processo de projeto é de-
normativo caracterizado como prescritivo, finido de acordo com a complexidade do
que consiste em exigências detalhadas e programa de necessidades do edifício em
padronizadas para diversas situações e con- questão. (MATTEDI, 2005) Nesta situação,
figurações espaciais de edifício. a utilização do sistema baseado em desem-
Atualmente encontra-se mundialmente penho é recomendável em programas mais
em evidência uma nova filosofia de proje- complexos, como, por exemplo, em edifí-
to, baseado em desempenho, com uma cios históricos, uma vez que tornam a ino-
abordagem ampla, seguindo a premissa de vação das estratégias de segurança um fa-
que todas as estratégias de proteção con- tor condicionante no processo de projeto.
tra incêndios devem ser desenvolvidas Pode-se afirmar, de acordo com o que
376
como um sistema integrado de segurança, fora acima descrito que o processo de pro-
Anais | Congresso Abracor 2009
jeto baseado em desempenho caracteriza- mensuráveis e os métodos de verificação. Os
se como uma estrutura racional de proje- resultados obtidos nesta parte do processo
to e construção, possibilitando, no entan- devem estar de acordo com as diretrizes
to, uma maior flexibilidade, de modo a estabelecidas na fase qualitativa e seguindo
permitir adaptações e mudanças. Nesta um embasamento técnico e científico.
metodologia prega-se a transformação de (MEACHAM et al, 2002)
objetivos claramente definidos no início Com relação ao patrimônio histórico
do processo de projeto em dados concre- edificado, pode-se afirmar que o objetivo
tos, os quais possibilitam uma avaliação principal da segurança contra incêndios é
sobre a capacidade da proposta em aten- o estabelecimento de um programa ade-
der aos parâmetros estabelecidos no iní- quado de proteção, com o menor impacto
cio deste processo. (MATTEDI, 2005) possível sobre o edifício, ou seja, garan-
Conceitualmente, o modelo de desem- tindo a integridade e o caráter histórico
penho é dividido em dois momentos: qua- do mesmo, o que pode ser alcançado com
litativo e quantitativo. A fase qualitativa tem a aplicação do sistema baseado em desem-
a função de definir a estrutura e as diretri- penho. Com isso, é necessário o entendi-
zes para o desenvolvimento da porção mento de que para a realização de inter-
quantitativa. É neste momento que são es- venções com a finalidade de prover ele-
tabelecidos as metas, requisitos e níveis de mentos de segurança contra incêndio em
desempenho a serem alcançados no proje- edificações históricas é fundamental a
to. A porção quantitativa, que é a fase onde compreensão dos conceitos básicos de
todo o sistema de desempenho é consoli- preservação histórica e da proteção con-
dado, envolve os critérios de desempenho tra incêndio.

Exemplos de aplicação do Sistema baseado em desempenho em edifícios históricos


Para uma melhor compreensão das for- tões relativas à segurança contra incêndio
mas de aplicação do sistema de projeto com aspectos referentes à preservação his-
baseado em desempenho na segurança tórica.
contra incêndio de edifícios históricos, tor- A intenção dos projetistas era enfatizar
na-se necessária a análise de exemplos que a abordagem baseada em desempenho
utilizaram esta abordagem. Neste contex- principalmente a partir da verificação da
to, pode-se citar o caso do Teatro resistência ao fogo dos elementos a serem
comunale Piccinni, em Bari, Itália, descri- utilizados na consolidação do edifício,
to no trabalho denominado Performance- bem como a propagação de fumaça. Para
based fire protection of historical tanto, a edificação foi estudada
structures, desenvolvido por BUKOWSKI detalhadamente no que se refere aos as-
et al, 2008. pectos estruturais, decorativos e funcio-
O Teatro comunale Piccinni (ver figura nais.
01) foi construído a partir da segunda me- Uma das primeiras iniciativas de proje-
tade do século XIX e inaugurado em 4 de to a serem tomadas, neste caso, foi o esta-
Outubro de 1854, resistindo até os dias belecimento de três compartimentos dis-
atuais praticamente sem sofrer alterações tintos: foyer, plateia e camarotes (2); palco
significativas em sua estrutura. Neste sen- e camarins (1); e galeria e museu do teatro,
tido, o projeto de restauro deste teatro junto ao telhado (3). (ver figura 02) Além
pode ser considerado um dos primeiros desta medida, foram inseridas três novas
exemplos na Itália de integração de ques- escadas de emergência, sistemas de detecção

Figura 01: Fachada e interior do Teatro Piccinni


Fonte: www.teatroviviani.it
377
Anais | Congresso Abracor 2009
1
Um método
probabilístico puro
envolve uma formulação
matemática complexa.
Com isso, GOUVEIA
propõe um método de
quantificação do risco de
incêndio que não
necessite da aplicação
da matemática
avançada,o qual é
caracterizado pelo autor
como semi-
probabilístico.

Figura 02: Compartimentação do Teatro


Fonte: BUKOWSKI et al, 2008

e exaustão de fumaça e sistemas de extinção alguns casos, como nas vigas e pilares, foram
de incêndio, verificando-se as formas ideais combinados madeira e concreto. As novas es-
para cada situação (sprinklers – água ou gás). truturas inseridas no teatro, como as três no-
As estruturas de madeira pré-existentes foram vas escadas de emergência, foram executadas
reforçadas com elementos resistentes ao fogo em estrutura de aço, devido à sua
(90 minutos) devidamente verificados. Em reversibilidade.

Método da Análise Global do Risco de Incêndio


Um dos instrumentos para se estabelecer podem ser agrupados em três categorias:
níveis mínimos de segurança contra incên- Carga de incêndio, Compartimento e Polí-
dio para edificações históricas é a análise tica de preservação. A carga de incêndio
global de risco, que é um método semi- abrange duas propriedades dos elementos
probabilístico1 adaptado por GOUVEIA para combustíveis alojados na edificação: a den-
as condições brasileiras, especificamente, sidade da carga de incêndio e a sua posi-
para edificações históricas. Este método ção (altura) em relação ao nível de descar-
possibilita estimar o risco global de incên- ga. O compartimento refere-se à situação
dio de uma edificação isolada ou um con- da edificação no contexto urbano, ou seja,
junto de edifícios através de simulações con- a distância em relação à unidade do corpo
siderando diversos cenários de incêndio. Com de bombeiros mais próxima, as condições
isso, é possível a determinação do conjunto de acesso à edificação e o perigo de gene-
de medidas ativas e passivas eficazes na re- ralização do incêndio (propagação para
dução do risco de incêndio a um máximo edificações adjacentes). A política de pre-
aceitável. servação consiste em um parâmetro espe-
A exposição ao risco de incêndio é cal- cial, que explicita a política de preserva-
culada, desta maneira, atribuindo-se pesos ção para a referida edificação ou conjunto
aos parâmetros favoráveis ao desenvolvi- (proteção por lei municipal, estadual, naci-
mento e propagação do incêndio, os quais onal e mundial). (GOUVEIA, 2006)

A aplicação do método da análise global do risco de


incêndio na cidade de Ouro Preto –MG
Para um melhor entendimento da aplica- edifícios de relativa complexidade no que
ção do método da análise do risco global se refere à segurança contra incêndio, de-
de incêndio, torna-se necessário a investi- vido à intensa e continua adaptação de
gação de outros trabalhos realizados utili- usos das edificações (de residencial para
zando esta abordagem. Um exemplo é a comercial) e da geminação das
pesquisa realizada por ARAÚJO na cidade mesmas(GOUVEIA, 2006), enquanto que
de Ouro Preto, MG, que será brevemente no Bairro Antônio Dias os edifícios em sua
explicitada adiante. maioria são de caráter residencial. (ver fi-
A pesquisa foi realizada em duas etapas, gura 05)
com início na Rua São José (ver figura 03), Nesta pesquisa foi utilizado o método
onde foi realizado somente o levantamento da observação sistemática, com o auxílio
da carga de incêndio das edificações, e, de uma planilha para a coleta de dados,
em seguida, no Bairro Antônio Dias (ver os quais consistem na identificação do
figura 04), onde o diagnóstico de risco de objeto, sua forma aproximada, o tipo de
incêndio abrangeu tanto os fatores de ris- material empregado e suas dimensões.
co das edificações, como a proposição de (GOUVEIA, 2006)
medidas de segurança com a finalidade de Durante o levantamento verificou-se que
minimizar o risco global de incêndio. A o fato de que para a maioria das
378
Rua São José consiste em um conjunto de edificações, mesmo sem ter sofrido inter-
Anais | Congresso Abracor 2009
Figura 03: Rua São José, Ouro Preto, MG Figura 04: Bairro Antônio Dias, Rua Bernardo Vasconcelos, Ouro
Fonte: GOUVEIA, 2006 Preto, MG - Fonte: ARAUJO, 200-

venções significativas no que se refere à


reutilização, mantendo, assim, muitas de
suas características originais, como a
configuração dos ambientes e a disposi-
ção das aberturas, não há preocupação
com a manutenção destes edifícios. (ver
figura 06)
Na proposição de medidas redutoras do
risco global de incêndio foram considera-
das aquelas que abrangem a totalidade das
edificações do bairro, com a preocupação
de evitar a descaracterização das mesmas,
dando enfoque às condições precárias nas
quais muitas delas se encontram. Com a
Figura 05: Mapa
simulação de implantação de medidas de do Bairro Antônio
segurança, tornou-se possível a avaliação DiasFonte:
ARAUJO, 200-
de intervenções pontuais a serem execu-
tadas, como: a substituição de instalações
elétricas, a relocação de botijões de gás
para áreas externas protegidas, bem como
o estudo de meios de escape, principal-
mente para as edificações ocupadas por
estudantes. Ainda é relevante citar que as
intervenções para a recuperação dos edi-
fícios também contribuem significativa-
mente para o estabelecimento de um ní- Figura 06:
Exemplo de
vel desejável de segurança contra incên- deterioração dos
dio. (ARAÚJO et al, 200-) edifícios
Fonte:
ARAÚJO, 200-
As intervenções em edifícios históricos
Tanto em intervenções em edifícios his- Manutenção: prevê a realização de pro-
tóricos de modo geral como, neste caso, cedimentos preventivos que, em muitos
no que se refere à inserção de elementos casos, impedem a ocorrência de proble-
de proteção contra incêndios é necessário mas significativos, como os incêndios.
o entendimento dos seguintes conceitos: Entretanto, é necessário afirmar que os
Intervenção mínima: qualquer interven- objetivos de preservação do patrimônio
ção, por mais cuidadosa e sofisticada que histórico para as gerações futuras justifi-
seja, ocasionará danos nos materiais origi- cam os esforços que sejam necessários,
nais, o que acarretará uma inevitável per- tendo em vista que os resultados espera-
da de autenticidade. dos dependem, em grande parte, das de-
Reversibilidade: os materiais ou soluções cisões a serem tomadas em termos de uma
construtivas em uma dada intervenção verdadeira política de conservação.
devem poder ser removidos ao final de sua (HENRIQUES, 2003)
vida útil, sem ocasionar danos aos materi- A partir deste conhecimento é possível
ais originais ou, no caso da impossibilida- a proposição preliminar de instrumentos
de de remoção, não devem comprometer de atuação no contexto da segurança con-
a possibilidade de novas aplicações (re- tra incêndio como abordagem de conser-
aplicabilidade). vação do patrimônio histórico. Primeira-
379
Anais | Congresso Abracor 2009
mente é necessário o entendimento e veri- cio evitam a propagação de chamas, man-
ficação dos riscos de incêndio visando sua tendo o fogo em seu local de origem de
eliminação ou controle. Com o método de modo a facilitar a sua extinção. Os siste-
análise global do risco de incêndio, é pos- mas de proteção ativa, juntamente com a
sível a identificação e a classificação do compartimentação, são elementos funda-
mesmo, estabelecendo prioridades, de modo mentais de segurança. As formas de
a revelar as condições mais indesejáveis que detecção e alarme, sistemas de combate
possam ocorrer em um edifício ou conjun- automático, extintores portáteis, hidrantes
to de edifícios. e mangueiras devem ser instalados, verifi-
A limitação da combustibilidade dentro cando as condições estruturais, estéticas e
da edificação também aparece como uma dos riscos apresentados pelo uso do edifí-
importante medida de redução dos riscos cio.
de incêndio. É necessário ressaltar que to- Além de todas estas medidas de prote-
dos os materiais devem ser verificados ção, é necessário destacar o estabeleci-
quanto à sua capacidade de ignição, e, mento de planos de emergência. Este ins-
quando os novos elementos com caracte- trumento tem por finalidade a identifica-
rísticas adequadas ao desempenho ao fogo ção da vulnerabilidade da edificação a si-
são inseridos, estes não devem interferir tuações de emergência, como os incêndi-
nos aspectos decorativos do edifício. os, antecipar seus possíveis impactos, in-
A compartimentação deve ser conside- dicar a melhor forma de prevenção, atri-
rada em qualquer projeto de intervenção buir responsabilidades, bem como a pro-
em edificações históricas. O uso de portas posição de um plano de ação e de recupe-
corta-fogo, elementos isolantes, bem como ração do edifício que veio a sofrer um in-
a atuação sobre o lay-out interno do edifí- cêndio. (ONO, 2004)

Considerações finais
Na preservação contra incêndio em vel aplicação na proteção contra incêndio em
patrimônio histórico é necessário observar, patrimônio histórico edificado, tendo em
primeiramente, quais os aspectos a serem vista que esta abordagem permite que exi-
protegidos: o edifício em si, os objetos nele gências funcionais, de caráter qualitativo,
contido ou ambos. Para o estabelecimento sejam convertidas em metas quantitativas de
destes objetivos, é necessário o entendi- projeto, com a indicação de níveis mínimos
mento e aplicação dos conceitos da preser- de segurança a serem alcançados.
vação histórica. A utilização do método da análise do ris-
No que se refere à aplicação dos elemen- co global de incêndio consiste em uma fer-
tos de segurança contra incêndio em ramenta para a aplicação do sistema de pro-
edificações históricas, a problemática con- jeto baseado em desempenho em edifícios
siste em encontrar soluções que atendam o históricos, uma vez que, por meio deste, é
nível de proteção adequado com o menor possível conhecer qual a probabilidade de
impacto possível sobre o edifício. Desta ocorrência de um incêndio em uma dada
maneira, pode-se afirmar que o sistema de edificação e, assim, estabelecer níveis mí-
projeto baseado em desempenho é de viá- nimos de proteção para a mesma.

Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Silvia M. S. de, SOUZA, Vicente C. M. de, GOUVEIA, Antônio M. C. de. Análise de risco de incêndio em cidades históricas
brasileiras: a metodologia aplicada à cidade de Ouro Preto. In: Rev. Int. de Desastres Naturales, Accidentes e Infraestructura Civil. Vol.5(1)
p.55 a 67, 200-.
BUKOWSKI, Richard W, NUZZOLESE, Vincenzo, BINDO, Mirella. Performance-based fire protection of historical structures. In: Fire Technology,
p.39 a 51, 2008. Disponível em: http://fire.nist.gov/bfrlpubs/fire03/PDF/f03027.pdf, acesso em 15/04/2008.
HENRIQUES, Fernando. A conservação do patrimônio: teoria e prática. In: ENCORE, 2003, LNEC, Lisboa, 12p. Artigo técnico.
GOUVEIA, Antônio M.C. Análise do risco de incêndio em sítios históricos. Brasília, DF. IPHAN/ Monumenta, 2006.
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2005. 228p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) Departamento de Engenharia Civil. Universidade Federal de Ouro Preto – Escola
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MEACHAM, Brian, TUBBS, Beth, BERGERON, Denis, SZIGETI, Francoise. Performance system model: a framework for describing the
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MENEZES, Marluci, TAVARES, Martha L. A imagem da cidade como patrimônio vivo. In: ENCORE, 2003, LNEC, Lisboa, 10p. Artigo técnico.
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NETTO, Carlos Garmatter. Incêndios em edificações de interesse de preservação: necessidades de uma nova abordagem. NUTAU, 1998,
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ONO, Rosária. Proteção do patrimônio histórico-cultural contra incêndio em edificações de interesse de preservação. Palestra apresentada
na Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2004.
380
Anais | Congresso Abracor 2009
SERPA GOUVEIA, Fabíola Bristot
Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo - Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

SOUZA, João Carlos


Professor e Doutor, Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal de Santa Catarina

Prevenção contra incêndios em edifícios


históricos: A importância do projeto

Este artigo trata da importância da integração dos elementos de segurança contra


incêndio na fase de projetos para intervenções em patrimônio histórico edificado. As
normas e regulamentações brasileiras são fontes únicas de informação para a elabora-
ção de projetos e se aplicam somente às edificações novas, sendo ineficientes à prote-
ção do patrimônio histórico contra incêndios. Tendo em vista que a prevenção aos
riscos é considerada um dos pilares da atual abordagem de conservação do patrimônio
histórico, o objetivo deste trabalho é descrever as principais medidas de segurança
que devem ser previstas nos projetos de intervenção edifícios históricos, assim como
os sistemas construtivos que devem ser implantados para que a estrutura resista a um
incêndio ou que evitem a propagação do fogo.

This article deals with the importance of integration of fire safety elements in the
phase of projects for interventions in built historic heritage. The Brazilian norms and
regulations are only sources of information for elaboration of projects and they are
only applied to new constructions, being inefficient to protection of historic building
against fires. In view of that prevention to risks is considered one of them pillars of the
current boarding of conservation of the historic heritage, the objective of this work is
to describe the main measures of security that must be foreseen in the intervention
projects in historical buildings, as well as the constructive systems that must be implanted
so that the structure resists a fire or that they prevent the propagation of the fire.

Palavras-chave:
Incêndio, prevenção, projeto, reabilitação

Introdução

O fogo foi e continua sendo um elemen- sidade por meio do crescimento do inte-
to essencial ao desenvolvimento resse acadêmico acerca deste tema. No
tecnológico. Hoje, passados alguns milha- entanto, ainda há muito a ser pesquisado,
res de anos da história da humanidade, o planejado e aplicado no que se refere a
fogo faz parte do cotidiano porém , de este assunto e cobrir demandas que rei-
tempos em tempos, normalmente por des- vindicam modernização e segurança.
cuido nosso, age com sua natureza selva- De acordo com HANSSEN (1993), num
gem e destruidora, consumindo em pou- incêndio, além das perdas diretas, repre-
cas horas patrimônios em cuja construção sentadas pela perda do patrimônio e even-
e crescimento foram investidos vários tualmente de vidas, há outras perdas, di-
anos, muito esforço e recursos econômi- tas indiretas, tão ou mais importantes,
cos, deixando a coletividade privada dos como por exemplo:
serviços e bens produzidos pelo estabele- - Perdas de vidas, ferimentos, defor-
cimento atingido. mações e distúrbios emocionais;
São evidentes as consequências que os - Perdas para a comunidade, diminui-
incêndios causam à sociedade, tanto no ção da produção, redução no mercado de
âmbito social como no econômico e, prin- negócios, empregos e impostos;
cipalmente, humano. Atualmente, nota-se - Danos pela água de extinção, de-
uma maior preocupação por parte da so- molições, ação da fumaça e calor;
ciedade no que se refere à segurança con- - Deficiência nos valores segurados
tra incêndios, e isso reverbera na Univer- e indenizações insuficientes; 381
Anais | Congresso Abracor 2009
- Lucros cessantes, perda de merca- seja efetivo e econômico. Todos os mem-
dos e de campanhas publicitárias; bros da equipe do projeto convencional
- Custos de reconstrução, busca de devem incluir em seus campos de atua-
capital e créditos, aluguel de locais provi- ção específicos a consideração das condi-
sórios, compra apressada de equipamen- ções de emergência que podem criar os
tos. incêndios. O quanto antes forem conheci-
No contexto da preservação do dos e estabelecidos os objetivos de segu-
patrimônio histórico, pode-se afirmar que rança contra incêndios e se tomarem as
os sítios históricos que sofreram interven- medidas de cálculo e desenho respectivas,
ções de revitalização tiveram seus edifíci- mais eficazes e econômicos serão os re-
os componentes adaptados para receber sultados.
novos usos (reabilitação), com a finalida- Atualmente, no Brasil, percebe-se a ten-
de de integrá-los a uma nova dinâmica dência de não inserção dos elementos de
social e econômica das cidades segurança contra incêndios tanto em pro-
(PROCORO, DUARTE, 2006). Com isso, jetos de intervenção em patrimônio histó-
novos materiais de acabamento, sistemas rico, quanto em projetos arquitetônicos de
construtivos e equipamentos necessários edifícios novos. As normas e regulamen-
ao desenvolvimento das novas atividades tações brasileiras são fontes únicas de in-
foram inseridos neste contexto, resultan- formação para a elaboração de projeto. Em
do na introdução de riscos de incêndio que geral a legislação brasileira sobre o assun-
anteriormente não existiam. (MITIDIERI; to é falha. Algumas de nossas leis e nor-
IOSHIMOTO, 1998) mas técnicas falam em sistemas de prote-
Neste sentido, a segurança contra incên- ção, preventivos ou de combate, mas não
dios pode ser conceitualmente definida estabelecem obrigatoriedade.
como uma série de medidas e recursos in- Além disso, as regulamentações vigen-
ternos e externos à edificação, bem como as tes referentes à segurança contra incêndi-
possíveis áreas de risco adjacentes, as quais os se aplicam às edificações novas, sendo
viabilizam o controle de um incêndio. inadequadas à garantia da proteção de
Pode-se afirmar que os objetivos essenci- edificações que abrigam o patrimônio his-
ais da segurança contra incêndio são: a pro- tórico, artístico ou cultural, devido à
teção da vida humana, de modo a garantir especificidade de suas características. As
condições seguras de escape, e do normas prescrevem a aplicação de siste-
patrimônio em geral, com a manutenção mas de combate a incêndios, tais como
da estabilidade estrutural do edifício, bem proteção por extintores ou hidrantes, que
como a possibilidade de extinção do incên- acabam por não minimizar os riscos de um
dio através de sistemas de proteção, devi- princípio de incêndio. Estes sistemas,
damente planejados na fase de projeto para exceto os móveis, exigem requisitos míni-
intervenção em edificações históricas. mos para a sua implantação em uma
Os cuidados para prevenção de incên- edificação, como a disponibilidade de es-
dios vão desde os procedimentos adotados paço físico e estabilidade estrutural, os
para o restauro da edificação, incluindo a quais, no caso de edificações já existentes
seleção de materiais compatíveis e ou de limitada intervenção, acabam por
incombustíveis adequados, até os sistemas ter o seu atendimento dificultado ou até
de prevenção e combate ao fogo. Em in- mesmo impossibilitado. (NETTO, 1998)
tervenções em edifícios históricos, as ques- O projeto de proteção contra incêndios,
tões relativas à segurança contra incêndio desta maneira, não deve ser considerado
devem ser cuidadosamente observadas simplesmente um cumprimento mínimo
devido à sua influência na segurança dos dos requisitos de segurança prescritos em
usuários, bem como a garantia da conti- uma norma. De maneira inversa, o proje-
nuidade dos bens culturais para as gera- to deve contemplar questões não previs-
ções futuras. tas na legislação e fazer parte da elabora-
A análise integral e consciente da segu- ção do projeto de intervenção em edifíci-
rança contra incêndios em edifícios deve os históricos, de modo a garantir não so-
formar parte do processo de elaboração mente a economia, mas principalmente a
de projetos para intervenções em segurança de seus usuários e a salvaguar-
patrimônio histórico edificado para que da do patrimônio histórico e cultural.

A atuação do Corpo de Bombeiros

Na maioria das cidades brasileiras os cri- pos de Bombeiros, são empíricos, dificil-
térios para distribuição de unidades de Cor- mente baseando-se em projetos ou estudos.
382
Anais | Congresso Abracor 2009
As unidades são simplesmente espalhadas que vidas sejam perdidas e prejuízos incal-
pela área interna ao perímetro urbano ou, culáveis aconteçam (NFPA, 1987).
ainda mais frequentemente, são concentra-
das em uma única base ou quartel, com a Neste sentido, pode se dizer que o su-
incumbência de atender a toda uma região. cesso de uma operação de combate a um
Esta tendência de concentrar vários veícu- incêndio depende essencialmente do se-
los num único ponto, conjugada com a fal- guinte:
ta de critérios para instalação das bases de - - Do tempo decorrido entre o mo-
partida das viaturas incrementa em dema- mento de sua irrupção e o início dos tra-
sia a demora para atendimento das chama- balhos de extinção;
das de emergência, ou seja o tempo respos- - - Da área que o fogo conseguiu do-
ta médio é muito superior ao máximo minar neste lapso de tempo;
admissível. - - Da velocidade de combustão do
A maior ou menor possibilidade de não material e de seu poder calorífico.
permitir o desenvolvimento de um incên- O quadro no 1 descreve as várias fases
dio depende do momento em que o fenô- de uma operação de emergência, desde
meno é descoberto, da rapidez com que quando é ativada através de uma solicita-
assume grandes proporções e do tempo ção de socorro, até a saída de cena da
decorrido entre a descoberta do fogo e o unidade que atendeu a chamada, no tér-
início do combate (tempo resposta). mino do serviço no local da ocorrência.
Como se observa na figura 1, os primei- Na prática o tempo de viagem t 9-t 8
ros minutos são vitais em operações de corresponde ao fator de maior pondera-
atendimento a emergências para se evitar ção no somatório de todos os tempos que
compõem o tempo resposta ou, em ou-
tras palavras, da demora do atendimento
de uma chamada de emergência, sendo
que, na maioria dos casos, ele ainda é
acrescido pela dificuldade de se locali-
zar com rapidez o local do incidente. O
tempo de viagem depende de vários fa-
tores tais como existência de vias adequa-
das, condições de tráfego, tipo de veícu-
lo disponível, obstáculos, etc., porém
Figura 1 Diagrama da possibilidade de sucesso na extinção de depende principalmente da distância en-
um incêndio em relação ao tempo de atendimento (fonte: Manual
do NFPA, 1987).
tre o incidente e a base da unidade de
emergência.
Quadro 1 - Tempo de resposta em sistemas de emergência

As unidades para atendimento de emergências devem ser distribuídas na região de estudo de maneira que a distância média até o ponto
mais provável de ocorrência do sinistro, por ser o elemento mais importante para formação do tempo de viagem, seja a menor possível.
383
Anais | Congresso Abracor 2009
Incêndio em edifícios históricos
A incidência de incêndios em edifícios devido a ausência de separação corta-fogo
históricos pode ser explicada, em parte, por entre as edificações, juntamente com a gran-
aspectos específicos que potencializam o de quantidade de materiais combustíveis
risco de incêndio, e que podem vir a difi- estocados no interior das mesmas, aliado à
cultar ou até mesmo impedir a extinção das dificuldade de acesso aos edifícios pelo
chamas antes do colapso estrutural da corpo de bombeiros ocasionada pelas ruas
edificação. São estes aspectos: demasiadamente estreitas ocupadas por
Características Construtivas: Grande veículos estacionados. (ONO, 2004)
parte das edificações de interesse de pre- Outros exemplos mais recentes são os
servação são caracterizadas pelo uso de incêndios ocorridos em Mariana (MG),
alvenarias com características estruturais Ouro Preto (MG), Pirenópolis (GO) e
autoportantes e de vedação apenas em Florianópolis (SC).
suas paredes externas, enquanto que suas O incêndio ocorrido na Igreja de Nossa
compartimentações internas (pavimentos, Senhora do Carmo, em janeiro de 1999,
escadas, divisórias) e coberturas são cons- na cidade de Mariana, MG, destruiu gran-
tituídas predominantemente por madeira. de parte do piso de madeira, dois altares
Implantação: De maneira geral, nos cen- laterais e todo o telhado, incluindo a pin-
tros urbanos históricos a implantação das tura barroca original do seu forro. Esta
edificações se dá junto ao alinhamento edificação, concluída em 1784, havia pas-
predial, de modo a ocupar toda a testada sado por um processo de restauração de 4
do terreno e, em alguns casos, ocupando anos e se destacava entre as construções
inteiramente o terreno. Além disso, tem- coloniais mineiras devido a peculiaridade
se as ampliações irregulares nos miolos de de sua arquitetura. A unidade do corpo de
quadra, que acabam por definir comuni- bombeiros mais próxima se localizava na
cações internas entre edificações, bem cidade de Ouro Preto, ocasionando uma
como edifícios geminados com as mesmas considerável demora no atendimento da
características, os quais configuram uma ocorrência.
edificação única delimitada pela via pú- Um outro incêndio mais recente, no Bra-
blica. Deste modo, verifica-se a possibili- sil, foi o ocorrido na Igreja Nossa Senhora
dade de propagação de incêndio de uma do Rosário de Pirenópolis, GO, em setem-
edificação para outras em seu entorno. bro de 2002, o qual destruiu completamen-
Idade: A idade da edificação acaba por te o edifício, datado da primeira metade
potencializar o risco de incêndio e sua pro- do século XVIII, em taipa de pilão, e havia
pagação quando não são realizados os ser- sido restaurado em 1999. (ONO, 2004)
viços de manutenção do edifício propria- Em abril de 1994, um incêndio ocorreu
mente dito e de suas instalações. nas instalações do Hospital de Caridade,
Ocupação: Grande parte dos edifícios em Florianópolis, SC atingindo e destruin-
históricos situados nas áreas centrais das do cerca de 70% da área construída. Este
cidades acabam por adquirir um caráter edifício é composto pela capela, construída
comercial e de serviços gerais sem as de- em 1762, e pelo hospital, inaugurado em
vidas adequações. (NETTO, 1998) 1789, constituindo-se como um dos prin-
Instalações: De maneira geral, para ade- cipais referenciais urbanos da paisagem do
quação ao uso atual, são adaptadas às centro de Florianópolis.
edificações históricas instalações elétricas Em agosto de 2005, um incêndio na ala
e de GLP, muitas vezes sem esquerda do Mercado Público de
dimensionamento adequado. Florianópolis, SC, destruiu toda a área in-
Um dos incêndios de repercussão mun- terna deste lado do complexo, a qual pre-
dial em centros urbanos históricos foi o cisou ser inteiramente reconstruída. O
ocorrido em 1988 no bairro do Chiado, edifício foi construído no ano de 1898, em
na Baixa Pombalina, em Lisboa, Portugal, substituição ao antigo mercado, o qual foi
o qual destruiu 18 edifícios datados do demolido em 1896 após 45 anos de funci-
século XVIII. O incêndio se desenvolveu onamento.

Prevenção e Proteção Prevenção contra incêndio


De acordo com SEITO (1988), as me- São medidas tomadas para evitar
didas utilizadas na segurança contra in- eclosões de incêndios ou para reduzir a
cêndios são classificadas, quanto a sua probabilidade de seu alastramento e evi-
concepção e operacionalidade, em pre- tar a exposição dos ocupantes e da pró-
ventivas e protetoras: pria edificação ao fogo.
384
Anais | Congresso Abracor 2009
Proteção contra incêndio
São medidas tomadas para o controle do trole de materiais, meios de escape,
crescimento do incêndio e a sua conse- compartimentação dos ambientes, prote-
qüente contenção ou extinção. Estas me- ção da estrutura, etc.
didas se referem ao conjunto de disposi- · Medidas de proteção ativa, que são
ções, sistemas construtivos ou equipamen- acionadas a partir do princípio do incên-
tos de detecção e combate ao fogo. A pro- dio: Ventilação do incêndio, contenção da
teção contra incêndio, portanto, diz res- fumaça, detecção e alarme e equipamen-
peito aos materiais de construção, cami- tos para extinção do fogo.
nhos de fuga, sistemas e equipamentos de A proteção ao fogo depende direta-
detecção, alarme, controle ou extinção do mente do bom funcionamento e desem-
incêndio. Dentre as medidas de proteção penho dos sistemas e dos equipamentos
contra incêndios pode-se distinguir ainda: no momento de sua utilização; portan-
· Medidas de proteção passiva, aquelas to, está implícita a possibilidade das
que não dependem de qualquer medidas de proteção, em algum momen-
acionamento em caso de emergência: con- to, falharem.

Problemas de vizinhança
O principal problema de implantação de responsáveis pela intervenção no
edificações de centros históricos é a rela- patrimônio histórico.
ção com os edifícios vizinhos: geralmente O acesso de viaturas do Corpo de Bom-
são geminados ou demasiadamente pró- beiros é outro fator a considerar. Isto é
ximos uns dos outros. Esta característica particularmente importante no caso de
favorece a possibilidade da transmissão do conjuntos com vários prédios no mesmo
fogo do prédio contíguo e, até mesmo, de local, sendo somente um com a frente para
incêndios no outro lado da via pública, e a via pública, com o acesso aos demais
deve ser considerado pelos profissionais via pilotis ou passagens estreitas.

Compartimentação
A compartimentação consiste em dividir inclusive, da capacidade operacional do
a edificação em locais compartimentados, Corpo de Bombeiros da cidade.
isto é, em zonas divididas entre si por sepa- De maneira geral, nos sítios históricos é
rações corta fogo. Este zoneamento deve ser comum a existência de edificações geminadas
planejado, se possível, separando zonas de apresentando elementos de
diferentes usos, isolando as rotas de fuga e compartimentação em condições precárias.
os vazios internos que possam servir como Aliado a esse fato, é usual a adaptação de
rotas de fumaça (DIAMANTES, 2005). novos usos a estes edifícios sem preocupa-
Consiste essencialmente em circundar o ção com o isolamento adequado entre os
local a ser compartimentado por paredes, mesmos. Um outro fator é a rusticidade ou
forros e entrepisos resistente a um certo deterioração dos acabamentos e vedações das
número de horas de fogo e calor. Este nú- edificações históricas, o que vem a ocasionar
mero de horas é função da provável dura- diferença de resistência ao fogo entre juntas
ção do incêndio que possa ocorrer nos de compartimentação. (GOUVEIA, 2006)
ambientes circundantes, e que depende,

Considerações Finais
Na preservação contra incêndio em As exigências de proteção não são so-
patrimônio histórico é necessário observar, mente as existentes em normas e código
primeiramente, quais os aspectos a serem de obras ou de proteção contra incêndio.
protegidos: o edifício em si, os objetos nele O profissional não deve se ater às exigên-
contido ou ambos. Para o estabelecimen- cias mínimas, nem sempre suficientes em
to destes objetivos, é necessário o enten- algumas localidades e casos específicos,
dimento e aplicação dos conceitos da pre- como em edifícios ou sítios históricos, mas
servação histórica. Neste sentido, pode-se sim estudar soluções técnicas mais conve-
afirmar que o objetivo principal da segu- nientes e eficientes, considerando, além do
rança contra incêndios é o estabelecimen- ponto de vista econômico, a salvaguarda
to de um programa adequado de proteção, do patrimônio para as gerações futuras.
com o menor impacto possível sobre o Faz-se necessário, portanto, que o pró-
edifício, ou seja, garantindo a integridade prio edifício possua equipamentos que
e o caráter histórico do mesmo. permitam um combate imediato ao prin- 385
Anais | Congresso Abracor 2009
cípio de incêndio pelos próprios ocupantes autoprotegido para impedir a propagação do
da edificação, assim como sistemas de ori- incêndio. Os elementos do projeto devem
entação e alarme que possibilitem a evacu- considerar os recursos locais disponíveis
ação das pessoas em tempo hábil, sem pâ- para lutar contra o fogo. Não se pode espe-
nico ou atropelos que, frequentemente, cau- rar que as guarnições de bombeiros propor-
sam mais vítimas que o próprio fogo. cionem a completa proteção dos ocupantes
O conceito de criar segurança contra in- e bens de um edifício e mais, esta deverá
cêndio baseia-se na filosofia de que o edifí- estar apoiada pelas defesas ativas e passivas
cio, por si mesmo, deve ser projetado para do edifício, para conseguir uma razoável
permitir a extinção manual do fogo e estar segurança frente aos efeitos do sinistro.

Referências bibliográficas
DIAMANTES, David. Principles of fire prevention. Thompson. New York, 2005.
GOUVEIA, Antônio M.C. Análise do risco de incêndio em sítios históricos. Brasília, DF. IPHAN/ Monumenta, 2006.
HANSSEN, Cláudio A. Curso de proteção contra incêndios. Edeme, Florianópolis, 1993
MITIDIERI, Marcelo L; IOSHIMOTO, Eduardo. Proposta de Classificação de Materiais e Componentes Construtivos com relação ao Com-
portamento Frente ao Fogo– Reação ao Fogo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP, São Paulo, BT/PCC/222, 25 p., 1998.
NETTO, Carlos Garmatter. Incêndios em edificações de interesse de preservação: necessidades de uma nova abordagem. NUTAU, 1998,
São Paulo, 6p. Artigo técnico.
NFPA - National Fire Protection Association. Manual de protección contra incêndios. 16a ed. Editorial Mapfre, SA. Madrid, 1987.
ONO, Rosária. Proteção do patrimônio histórico-cultural contra incêndio em edificações de interesse de preservação. Palestra apresentada
na Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2004.
PROCORO, Andreza, DUARTE, Dayse. Uma nova maneira de pensar sobre o gerenciamento de riscos de incêndios em espaços urbanos
históricos. XXVI ENEGEP, 2006, Fortaleza, CE, 9p. Artigo técnico.
SEITO, Alexandre Ito. Fumaça de incêndio. In Tecnologia de Edificações. Editora Pini, São Paulo, 1988.
386
Anais | Congresso Abracor 2009
ALMEIDA, Thais Helena de.
Conservadora-restauradora, Especialista em Conservação e Restauração de Bens
Culturais Móveis, (UFRJ, 1989) e Mestre em Cultura e Identidade, (UFV, 2005).
Laboratório de Restauração, Biblioteca Nacional.

BOJANOSKI, Silvana.
Conservadora-restauradora, Especialista em Conservação de Obras em Papel
(UFPr, 1999) e Mestre em História (UEM, 2007).
Centro de Conservação e Encadernação, Biblioteca Nacional.

TRATAMENTOS QUÍMICOS APLICADOS À


BIODETERIORAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS
NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Um dos grandes desafios a ser enfrentado pelos profissionais da área de conservação


e restauração está relacionado ao dano causado por agentes biológicos como fungos e
insetos bibliófagos em acervos culturais. Para enfrentar este importante fator de
biodeterioração vários materiais e métodos, incluindo produtos químicos tóxicos, fo-
ram utilizados ao longo do tempo.
O objetivo deste trabalho é, a partir de uma pesquisa bibliográfica e de aplicação de
um questionário em algumas instituições, verificar quais os produtos químicos foram
indicados para tratar a biodeterioração de acervos documentais e bibliográficos a par-
tir dos anos 40, identificando-se os problemas decorrentes do seu uso.

Palavras-chave:
políticas de preservação – biodeterioração – acervos documentais – produtos químicos.

One of the major challenges to be faced by professionals in the area of conservation


and restoration is related to damage caused by biological agents such as mould and
insects in cultural collections. To deal with this important factor of biodeterioration,
including toxic chemicals, various materials and methods have been used over the
time.
The objective of this work is to make an inventory of chemicals used for the treatment
of biodegradation of archival and library materials from the 40s, through a bibliographic
research and an application of a questionnaire in institutions of the Rio de Janeiro, and
thus identify the problems that arise from their use.

Key-Words:
preservation policies – biodeterioration – archival and library materials – chemical products.

Introdução

No processo de amadurecimento do re- dos indivíduos, acelerar de alguma forma


conhecimento profissional do conserva- a degradação dos acervos e, mais ainda,
dor-restaurador considera-se necessário afetar o meio ambiente.
aprofundar discussões sobre sua atuação Para os profissionais da conservação-res-
e responsabilidade na sociedade em um tauração que atuam em países de clima
sentido mais amplo. Diante dos novos ru- tropical-úmido, um dos grandes desafios
mos que a sociedade está tomando, as a ser enfrentado é o dano causado em acer-
questões ecológicas e, especialmente, a vos culturais por agentes biológicos como
responsabilidade do que cada um pode fungos e insetos bibliófagos. Para enfren-
fazer para melhorar a qualidade de vida tar este importante fator de
dos seres humanos, são pontos a serem biodeterioração, vários materiais e méto-
pensados. Nesse contexto cabe analisar o dos, incluindo produtos químicos tóxicos,
impacto de ações voltadas para a preser- foram utilizados ao longo do tempo. Nos
vação de bens culturais que possam, por últimos anos, porém, pesquisas indicaram
exemplo, trazer problemas para a saúde que o uso indiscriminado desses produtos 387
Anais | Congresso Abracor 2009
1
As instituições onde o
questionário foi
tem eficácia limitada, pois podem propi- ção encontrada nas instituições.
aplicado são as ciar a resistência e tolerância dos agentes Para a realização deste estudo foram
seguintes: Academia
Brasileira de Letras biológicos aos inseticidas e pesticidas, selecionadas treze instituições localizadas
(Biblioteca Lúcio de
Mendonça), Arquivo envolvem riscos de contaminação dos se- na cidade do Rio de Janeiro. Buscando
Nacional, Arquivo
Público da Cidade do
res humanos, animais e meio ambiente e definir um universo representativo, foram
Rio de Janeiro, ocasionam alterações físico-químicas que utilizados alguns critérios: todas são insti-
Biblioteca Nacional,
Biblioteca Pública aceleram os processos de degradação dos tuições públicas que custodiam acervos
Estadual, Fundação
Casa de Rui Barbosa, materiais. Diante deste quadro, a partir dos arquivísticos e bibliográficos expressivos.
Fundação Oswaldo
Cruz (Biblioteca de
anos 90, os profissionais da área da conser- Também se buscou selecionar tanto insti-
Obras Raras), Instituto vação vêm aperfeiçoando e utilizando no- tuições que possuem setores e equipes de
de Filosofia e Ciências
Sociais da UFRJ vas técnicas de controle e desinfestação, tais conservadores-restauradores atuantes, as-
(Biblioteca), Museu de
Astronomia e Ciências como o controle integrado de pragas, con- sim como instituições que não contam com
Afins, Museu de Belas
Artes, Museu Histórico
gelamento e uso de gases inertes, dando um esses profissionais nos seus quadros. Ape-
Nacional (Laboratório novo enfoque ao tratamento de acervos. sar de abranger um universo bastante re-
de Restauração de
Papel e Biblioteca), Considerando que o uso indiscriminado de duzido e restrito a uma região do Brasil,
Real Gabinete
Português.
praguicidas resultou na contaminação de considerou-se que os dados identificados
2
Foram consultados os muitos acervos e possivelmente em proble- nos questionários são válidos para levan-
Anais do Congresso da
ABRACOR no período mas de saúde para as pessoas que com eles tar a discussão sobre o uso de produtos
de 1988 a 2002.
Também foram trabalham, o objetivo deste estudo é, a par- químicos em acervos documentais.1
realizadas pesquisas
com palavras-chave
tir de uma pesquisa bibliográfica e de apli- Paralelamente realizou-se uma pesquisa
nos Anais da Biblioteca cação de um questionário em algumas insti- na internet e nas publicações da área de
Nacional no período de
1940 a 2001, tuições, verificar quais produtos químicos conservação e restauração de acervos bi-
disponíveis no
endereço eletrônico foram indicados para tratar a biodeterioração bliográficos e documentais. Foram consul-
<http://objdigital.bn.br/
acervo_digital/anais/
de acervos documentais e bibliográficos a tados anais institucionais e de congressos 2,
anais.htm> partir dos anos 40, identificando-se os pro- artigos e textos, cadernos técnicos, manu-
blemas decorrentes do seu uso. Também se ais, desde a década de 40 até o momento,
buscou averiguar quais tratamentos de con- permitindo traçar uma linha histórica dos
trole biológico as instituições entrevistadas tratamentos utilizados no controle da
estão utilizando atualmente. biodeterioração de acervos nesse período.
Para tanto foi definido um universo de Também foram pesquisadas as legislações
instituições onde foi proposto um questio- referentes ao emprego e autorização de
nário com questões sobre os tratamentos produtos químicos domissanitários. Ainda
aplicados no controle de pragas. Esse ques- que não tenha sido feito um levantamento
tionário foi respondido por pessoas dire- bibliográfico exaustivo, as obras consulta-
tamente responsáveis pela guarda dos acer- das possibilitaram identificar os procedi-
vos. Ao final, as respostas foram tabula- mentos e produtos utilizados ao longo do
das, possibilitando uma análise da situa- tempo no controle de pragas em acervos.

O contexto do uso e controle de praguicidas

Muitos dos produtos químicos aplicados cípio mostrou-se eficaz no controle de in-
em acervos são os mesmos utilizados no setos nos centros urbanos, na agricultura
controle de pragas na agricultura ou no e como suporte dos programas de comba-
combate a epidemias causadas por inse- te e controle de insetos vetores de doen-
tos vetores de doenças. Diante disso é pre- ças. No entanto, o DDT, um organoclorado
ciso inicialmente entender o processo de com elevado poder residual e moderada-
desenvolvimento, comercialização e regu- mente tóxico, não é biodegradável, sendo
lamentação desses produtos. acumulativo nos tecidos de animais por
A partir de 1940, com a evolução da ci- anos. Também se mostrou carcinogênico
ência e a descoberta de novos inseticidas, em cobaias (FIOCRUZ, 2008).
houve uma revolução na metodologia de O uso de inseticidas sintéticos desde
controle de pragas na agricultura e nas áre- então tem aumentado, surgindo novas clas-
as urbanas. A descoberta dos compostos ses de praguicidas, substituindo os
orgânicos sintéticos possibilitou a geração organoclorados que já não conseguiam
de imensa gama de produtos, classificados controlar os insetos, pois com a continui-
como organoclorados, clorofosforados, dade de pesadas doses destes, eram sele-
organofosforados, carbamatos, piretróides, cionados indivíduos mais tolerantes, con-
dinitro compostos, cloronitrofenol, etc. figurando resistência ao produto. Diante
(SUCEN, 2008). da constatação da sua persistência no meio
O lançamento do DDT (Dicloro-Difenil ambiente e acúmulo nos organismos, mui-
388 Tricloroetano), no final dos anos 40, a prin- tos países criaram legislações restritivas ao
Anais | Congresso Abracor 2009
3
A lista de POPs,
uso dos organoclorados. Internacional de químicos potencialmen- conhecida como
Os Organofosforados, produzidos tam- te tóxicos, para a troca de informações so- “dúzia suja”, inclui os
seguintes inseticidas:
bém na década de 40, vieram substituir os bre produtos químicos. Em 1985 a Orga- DDT, aldrin, dieldrin,
clordano, endrin,
organoclorados. Apesar de serem nização das Nações Unidas para a Alimen- heptacloro, mirex,
toxafeno.
biodegradáveis e permanecerem por mui- tação e a Agricultura – FAO (Food and (CALAZANS, 2004)
to pouco tempo no ambiente, seu grau de Agricultures Organization of the United
toxidade, que varia do extremamente tó- Nation) adotou o Código Internacional de
xico ao de baixa toxidade, sendo respon- Conduta sobre Distribuição e Utilização
sável por grande número de casos de into- de Pesticidas. “As Diretrizes de Londres”,
xicações e mortes no País. Outro grupo em 1987, tratou de produtos químicos no
importante é o dos carbamatos, que che- Comércio Internacional que foi base para
garam ao mercado por volta de 1950. Seus a criação do Prior Informed Consent (PIC),
derivados atuam como inseticidas, envolvendo regras internacionais entre pa-
nematicidas e fungicidas. Os piretróides íses exportadores e importadores sobre a
foram comercializados a partir de 1976, comunicação prévia quando qualquer tran-
substituindo os orgafosforados. Os sação for estabelecida, objetivando a ex-
piretróides têm sido bastante empregados portação de produtos perigosos que este-
na área da saúde e na agricultura devido à jam proibidos ou severamente restritos no
sua alta eficiência, sendo necessária me- mercado interno. Convenções como a da
nor quantidade de produto ativo, resultan- Basiléia sobre Movimentos
do em menor contaminação nas aplica- Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e
ções. Em geral é seguro para mamíferos e de Depósito Final, em 1992, a Convenção
não se registrou acúmulo de resíduos no do PIC, a Convenção do POP – com o ob-
ambiente. (SUCEN, 2008). jetivo de reduzir ou eliminar emissões e
Na década de 70 já se percebia uma pre- descargas de poluentes orgânicos persisten-
ocupação com as questões ambientais. A tes no meio ambiente, de 2001, demons-
Conferência de Estocolmo sobre o meio tram, segundo Calazans (2004), a preocu-
ambiente, em 1972, foi um marco decisi- pação internacional em relação à utiliza-
vo para a consolidação destas discussões. ção de produtos químicos como agentes
A partir de então se passou a estudar mé- poluentes.
todos de aplicação mais apropriados e uma No panorama nacional, apesar das preo-
política de uso racional dos praguicidas cupações de organismos internacionais em
que respeitasse o meio ambiente. Os controlar esses produtos, o Brasil
praguicidas urbanos tinham então que incrementou na década de 70 programas
atender a maiores exigências quanto à se- de desenvolvimento que incluíam a im-
gurança e persistência no ambiente. plantação de fábricas para a produção de
(SUCEN, 2008). agrotóxicos e, já na década de 80, pratica-
Segundo CALAZANS (2004) o planeta foi mente triplicou o uso de defensivos agrí-
inundado por DDT e BHC, tanto na agri- colas. (GONÇALVES, 2004).
cultura como em campanhas de saúde pú- Com a criação do Conselho Nacional
blica. Ainda hoje esses produtos se encon- do Meio Ambiente – CONAMA, em
tram amplamente distribuídos pelo meio 1981, o Brasil iniciou sua Política Naci-
ambiente e são facilmente encontrados onal do Meio Ambiente. É de 1998 a Lei
como contaminantes de alimentos. Em re- de Crimes Ambientais que classifica
lação ao tempo de desativação dos produ- como crime a produção, processamento,
tos orgânicos, alguns são capazes de per- embalagem, importação, exportação,
manecer ativos por 30 anos, resultando na comercialização, fornecimento, transpor-
contaminação do meio ambiente e no te, armazenamento, guarda, depósito ou
desequilíbrio biológico. Denominados uso de produtos ou substâncias tóxicas,
POP‘s – Poluentes Orgânicos Persistentes perigosas ou nocivas à saúde humana ou
– são produtos químicos com alta tóxidade, ao meio ambiente, em desacordo com
persistindo intactos e movendo-se por lon- exigências estabelecidas em Lei
gas distâncias através do meio ambiente.3 (CALAZANS, 2004).
Preocupados com o comércio, manuseio, Somente em 1985 a Portaria n°329 de
distribuição, utilização, armazenamento e 02 de setembro proibiu em todo o territó-
formulação de produtos químicos, na dé- rio nacional a comercialização e distribui-
cada de 70, órgãos internacionais adota- ção de alguns produtos agrotóxicos
ram medidas de controle destas questões. organoclorados. Constam dessa portaria os
De acordo com Calazans (2004), em 1976 organoclorados, como o BHC, DDT,
o Programa das Nações Unidas para o Meio Lindane, Pentaclorofenol, que como se
Ambiente – PNUMA instalou o registro verá a seguir, constam na bibliografia 389
Anais | Congresso Abracor 2009
4
No banco de dados
ainda constam os
pesquisada da área de conservação e restau- ativamente de convenções internacionais
produtos: o baygon (ou ração e também são citados nas entrevistas para a proteção do meio ambiente, mas
propoxur), da família dos
carbamatos, a vapona realizadas com as instituições. segundo Calazans (2004), não as ratificou
(ou diclorvós), da família
dos organofosforados. E O Brasil tem, desde então, participado nem as internalizou.
ainda, ácido bórico,
brometo de metila,
cumacloro, K-Otrine, Produtos químicos utilizados no controle de
ortofenilfenol, óxido de
etileno, fosfina e timol. pragas em acervos identificados na pesquisa bibliográfica
(BURGI et all, 1990)
Na primeira etapa do estudo, para identi- que seja o inseto atacante, o pó extermina-
ficar quais os produtos químicos utilizados rá. CASTRO (1969, p. 176)
no controle de pragas em bibliotecas e ar- Na obra “O Bibliófilo Aprendiz”, Rubens
quivos ao longo do tempo, considerou-se Borba de Moraes, que atuou em impor-
uma lista de produtos relacionados no “Ban- tantes bibliotecas brasileiras na década de
co de dados: materiais empregados em con- 40, recomenda no texto “Bicho, mofo e
servação-restauração de bens culturais”. Essa outras calamidades” o uso do DDT em pó
obra resultou do levantamento, organizado nas obras e o líquido nas estantes. De acor-
por Sérgio Burgi, Marylka Mendes e Anto- do com esse autor: “Caso encontre um bi-
nio Carlos N. Baptista em 1990, dos pro- cho, retire e isole imediatamente o volu-
dutos químicos utilizados na área de con- me, desinfete todos os que estão pertos,
servação e restauração. No capítulo sobre desinfete a prateleira, desinfete tudo com
inseticidas, rodenticidas e fungicidas cons- abundância de DDT. Só coloque o doen-
tam, dentre outros produtos, os seguintes te no lugar depois de alguns meses e fique
organoclorados: BHC, paradiclorobenzeno, vigiando toda a estante em perigo.”
pentaclorofenol (pó da china).4 Essa obra é (MORAES, 2005, p. 97)
uma referência importante porque identifi- Referências sobre o uso de
ca que, na década de 90, os profissionais pentaclorofenol também foram encontra-
da área de conservação e restauração ainda das em CORUJEIRA (1973), COBRA (2003)
continuavam utilizando produtos e MOTTA (1971). Uma solução de
organoclorados que já haviam sido legal- pentaclorofenol com álcool etílico, tam-
mente proibidos pela Portaria n°329 de 02 bém conhecido como pó da china, foi
de setembro de 1985. indicada por Edson Motta na obra “O Pa-
O contexto de uso intensivo de pel – problemas de conservação e restau-
pesticidas se reflete na literatura da área ração” para limpeza e desinfecção de es-
de conservação e restauração. Desde os tantes e também como prevenção contra
anos de 1940 até meados da década de insetos. Esse autor afirma ainda:
1980, são encontradas em várias obras Inseticida e, simultaneamente, fungicida
recomendações de uso de vários pesticidas é o PENTACLOROFENOL. A forma
organoclorados. molhável, que é também solúvel em álco-
A referência ao uso do DDT foi encon- ol absoluto, pode ser aplicada em solução
trada em várias obras. (CASTRO, 1969; de 2%, diretamente sobre o livro, com pin-
GUARNIERI, 1980; MORAES, 2005; cel ou algodão, juntos às costuras e entre
MOTA, 1971; FLIEDER, 1983) os cadernos que compõem o volume. O
CASTRO (1969), por exemplo, recomen- PENTACLOROFENOL protege ainda as
da utilizar DDT até mesmo nos materiais lombadas de couro contra o desenvolvi-
utilizados na encadernação, como as co- mento de fungos. (MOTTA, 1971, p.76)
las e fios de cânhamo. Esse autor recomen- A partir dos anos 1980 observa-se uma
da pulverizar periodicamente nas estantes mudança na literatura da área de conser-
o NEOCID, um derivado do DDT, para vação, recomendando-se a partir de então
tornar os livros imunes aos insetos. Esse a aplicação de fumigações em ambiente
autor descreve como aplicar o pesticida fechado ou em câmaras. O óxido de
nos livros: etileno foi considerado muito eficiente no
Nos livros antigos, suspeitos de conta- controle de insetos e de micro-organismos
minação, pulveriza-se o NEOCID entre o (FLIEDER, 1983), sendo intensivamente
dorso e o falso-dorso. Abrindo-se o livro utilizado em bibliotecas e arquivos de vá-
ao centro, totalmente, o couro do dorso rios países. No entanto, partir da metade
se afasta, permitindo a introdução do pó. dos anos 1980, verificou-se que a exposi-
Pondo-se o livro de pé e abrindo-se as fo- ção crônica ou acima de determinados li-
lhas à maneira de fole de acordeon, pul- mites a esse gás poderia aumentar os ris-
veriza-se com o aparelho pulverizador de cos de leucemia, de tumores no cérebro e
pó; fecha-se o livro conservando entre as de outros tipos de cânceres, além de oca-
folhas o pó que haja penetrado. Qualquer sionar alterações nos cromossomos e afetar
390
Anais | Congresso Abracor 2009
5
Em GUARNIERI
o sistema reprodutivo. (HENGEMIHLE, etileno em câmaras especiais de vácuo. (1980) o timol aparece
2008). Entre outros produtos químicos usados associado com cloreto
de mercúrio ou com o
Na literatura brasileira, referência sobre estavam vapores de cristais de timol, cloreto de mercúrio
mais éter e benzina,
o uso do óxido de etileno aparece em ortofenil fenol e aldeído fórmico. O timol conhecida como
fórmula de
BECK (1985) e nos Anais da Biblioteca era empregado por muitos conservadores Hetherington.
Nacional (1991) onde se registra que na e curadores de acervo devido a facilidade
década de 1980 pensou-se em utilizar o de seu uso em câmaras de fabricação do-
óxido de etileno associado ao gás freon, méstica. Mas hoje sabemos que todos es-
mas não chegou a concretizar-se tal práti- tes produtos químicos podem ser prejudi-
ca. Sabe-se que nessa época houve a pro- ciais às pessoas e objetos. O óxido de
posta de compra de uma câmara denomi- etileno, por exemplo, é extremamente tó-
nada Mallet para tratamento do acervo da xico aos seres humanos, mesmo em pe-
Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacio- quenas quantidades, e pode ser retido pelo
nal. A proposta era realizar nesse equipa- material após o tratamento. O timol, que
mento fumigações com brometo de metila é assimilado por inalação ou contato com
para erradicar insetos e a desinfecção e a pele, pode acarretar danos imediatos ou
esterilização de contaminações fúngicas a longo prazo para a saúde. (OGDEN,
com o óxido de etileno. (MALLET, 1984) 2001, p. 21)
No entanto esse equipamento não chegou A partir dos anos 90 observam-se mu-
a ser efetivamente utilizado. danças no cenário de controle de pragas
Também a partir dos anos 1980 aparece em museus, bibliotecas e arquivos com a
na literatura a recomendação da fosfina (ou divulgação de propostas de tratamentos
gastoxin ou phostoxi). (BECK, 1985; alternativos utilizando o congelamento,
LUCCAS, 1995) A fosfina é um fumigante gases inertes ou CO2. (FREITAS, 1994;
vendido na forma de pastilhas, largamen- GONÇALVES, 2008; OGDEN, 2001,
te utilizado na agricultura e em produtos PRICE, 2001; SCHÄEFER, 2008; SILVA,
armazenados. FLORÃO et all (2008) res- 1994;). O desenvolvimento e adoção des-
salta sua alta toxicidade e registra os óbi- ses novos tratamentos na área de conser-
tos ocorridos nas mais diferentes situações, vação de acervos, em um primeiro mo-
salientando o desvio de seu uso para fina- mento resultam da constatação de que a
lidades suicidas. BECK (1985) afirma que aplicação de produtos químicos não resol-
durante vários anos o Arquivo Nacional via efetivamente a ação das pragas em
contratou os serviços de desinfestação pe- acervos, além de colocar em riscos a saú-
riódica do acervo, mediante o uso de pas- de das pessoas. Contudo, a busca de trata-
tilhas de fosfeto alumínio (fostoxin) em mentos alternativos também reflete um
ambientes lacrados. No entanto, segundo contexto mais amplo de preocupações
essa autora, em 1981 especialistas da área com à preservação do meio ambiente,
consideraram esse método obsoleto por- devendo-se ainda considerar as restrições
que se verificou que a fosfina deixava re- de uso de produtos agrotóxicos impostas
síduos tóxicos e agressivos para o papel. pela legislação desde os anos 80.
Outro produto bastante citado na litera- Análise dos dados do questionário apli-
tura é o timol (MOTA, 1971; DUVIVIER, cado nas instituições
s.d.; COBRA, 2003; SILVA Filho, 2008; Os dados obtidos nos questionários apli-
LUCCAS et all, 1995) Trata-se de cristais cados nas instituições confirmam o uso de
incolores, muito solúvel em álcool e utili- vários produtos que foram citados ou re-
zado como fungicida.5 De acordo com in- comendados na literatura da área de con-
formações de BURGI et all (1990), o timol servação e restauração e também apontam
é capaz de causar vômito, diarréia e de- para a mudança de procedimentos nas úl-
pressão cardíaca. Pode também ocasionar timas décadas.
manchas em determinados tipos de papéis. A primeira pergunta questionou se a ins-
OGDEN (2001) alerta sobre os proble- tituição entrevistada possuía uma política
mas decorrentes dos tratamentos realiza- específica para o controle de pragas. As
dos com fumigações e afirma: respostas foram positivas em cinco insti-
Até recentemente, a fumigação foi um tuições (38,5%) e negativas em oito
método comum de sustar o crescimento (61,5%). Considerando-se que essa ques-
dos fungos, mas hoje já não é mais reco- tão está relacionada com um processo de
mendada. A fumigação é perigosa para as efetivação de ações de preservação, pre-
pessoas e alguns objetos, e não garante que visivelmente as respostas positivas foram
estes fiquem permanentemente livres do dadas pelas instituições que possuem se-
mofo. Há uma década, os materiais mofa- tor de conservação-restauração implanta-
dos eram expostos a vapores de óxido de do e um corpo técnico atuante. Por outro 391
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lado, no questionário, a maioria das insti- quais produtos químicos estão sendo apli-
tuições afirmou que adotam ações relaci- cados nos ambientes de acervo.
onadas com a conservação preventiva. Em relação à aplicação no ambiente de
Todas realizam o controle de alimentos nos guarda, foi citado o uso dos seguintes pro-
ambientes; 84,6% fazem manutenção, vis- dutos químicos: querosene nas estantes,
toria e limpeza do ambiente; 61,53% fa- naftalina, gel inseticida (sem identificar o
zem controle de rotas de entrada de pra- produto), fosfina, K-Otrine, piretróides
gas e monitoramento do acervo. microencapsulados (para baratas), iscas gra-
Outra pergunta, questionando sobre qual nuladas (para ratos), iscas para cupim.
o tratamento físico-químico atualmente Sobre os produtos químicos aplicados ao
aplicado no controle de pragas, aponta longo do tempo diretamente nos acervo,
para o não uso de produtos químicos di- os entrevistados indicaram os seguintes:
retamente no acervo. Em relação ao trata- BHC (ou Lindane) e DDT (inseticidas
mento específico do acervo, uma institui- organoclorados), timol (fungicida), vapona
ção (7,7%) apontou o uso do congelamen- (inseticida organofosforado), ortofenilfenol
to e três (23%) utilizam ou estão implan- e preventol (fungicidas), lysoform
tando o tratamento com atmosfera anoxia (formoldeído fungicida).
ou CO2. A fumigação em câmara de gás, Dentre esses produtos químicos citados,
ainda utilizando o timol, foi apontada por conforme já foram apontado anteriormen-
uma única instituição. te, os mais preocupantes em termos de
Um grande número de instituições toxidade e efeitos perniciosos para a saú-
(69,23%) afirma realizar somente a de humana e meio ambiente são os
desinfestação do ambiente, ação realiza- organoclorados. Se agruparmos as respos-
da por uma empresa comercial contrata- tas para BHC e DDT e incluirmos resposta
da. No entanto, na questão sobre quais os indicando o uso de um “pó branco” não
produtos químicos utilizados no presente identificado, encontraremos respostas in-
ou no passado, das instituições que disse- dicando o uso até os anos 80 desse tipo
ram realizar a desinfestação do ambiente, de produto, em 46% das instituições. Duas
somente uma declarou acompanhar a apli- instituições relataram que, mesmo não
cação e saber quais os produtos utilizados havendo notícias de aplicação desses pro-
pela empresa contratada. Ou seja, no uni- dutos nos seus acervos, em algum momen-
verso de instituições entrevistadas, os téc- to receberam e incorporaram acervos con-
nicos diretamente responsáveis pelo acer- taminados em locais anteriores.
vo não têm conhecimento ou controle de
Conclusão
A pesquisa bibliográfica mostrou que em leira que regula o uso dos produtos que fo-
décadas anteriores foram aplicados no con- ram ou ainda estão sendo utilizados em
trole da biodeterioração em acervos docu- acervos. Inclusive foi identificada publica-
mentais vários produtos químicos desenvol- ção recente recomendando a utilização de
vidos para o controle e eliminação de pra- produtos químicos legalmente proibidos.
gas na área da agricultura e no combate de Também falta conhecimento e controle,
epidemias provocadas por insetos vetores por parte dos responsáveis dos acervos,
de doenças. sobre os produtos utilizados quando da
Contudo não foi encontrado na literatu- contratação de empresas para realizar
ra brasileira da área de conservação e res- desinfestações do ambiente.
tauração estudo específico sobre a utiliza- Tanto a bibliografia como os questioná-
ção desses produtos em acervos documen- rios confirmaram o uso indiscriminado dos
tais, bem como informações quanto a inseticidas em décadas anteriores, o que
toxidade, periculosidade e riscos para a pode ter levado a contaminação de acer-
saúde dos seres humanos e efeitos vos e de pessoas que tiveram contato com
colaterais nocivos para o acervo. O único esses materiais. No entanto, ainda são es-
trabalho encontrado que apontou essas cassas as discussões sobre esses problemas.
questões foi o “Banco de Dados” elabora- Faltam recomendações de segurança para
do por BURGI et all (1990). manusear acervos contaminados, qual o
Constatou-se no estudo que a ausência tipo de Equipamentos de Proteção Indivi-
de algumas discussões é preocupante. Tan- dual (EPIs) necessários, como proceder
to as respostas dos questionários como a para identificar os contaminantes, etc. A
bibliografia consultada indicam que os exceção é o Caderno Técnico publicado
profissionais da área de conservação e res- pela Associação Paulista de Conservado-
tauração desconhecem a legislação brasi- res e Restauradores de Bens Culturais em
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2004, que reúne vários artigos que discu- centes com a redução da aplicação de pro-
tem os riscos existentes no trabalho dos dutos químicos diretamente sobre os acer-
profissionais conservadores-restauradores. vos e a busca de procedimentos alternati-
Por outro lado, constatou-se uma signi- vos, menos agressivos ao ser humano, ao
ficativa e positiva mudança em anos re- meio ambiente e também aos acervos.

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