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PLANO DIRETOR, SUSTETABILIDADE DA CIDADE E DESIGUALDADES.

Resumo
O objetivo deste trabalho é refletir sobre as diretrizes e ações dos Planos Diretores no
que diz respeito a implementação dos Parques Urbanos. Devido ao intenso processo de
urbanização no Brasil, a busca pela sustentabilidade das cidades e pela igualdade de
gênero proposto pela Agenda 2030 na construção do espaço urbano tornou-se um
desafio para os gestores públicos, em razão das profundas desigualdades socioespaciais
ocasionadas por uma administração capitalista. As ações intersetoriais e a promoção da
acessibilidade por intermédio dos instrumentos urbanísticos, significa garantir a função
social das áreas de valor ambiental e paisagístico, fomentando a todos o Direito a
Cidade.

PALAVRAS CHAVE: Plano Diretor, Parque Urbano, Sustentabilidade.

Introdução
De acordo com Corrêa (2002, p. 01), o espaço urbano é “[...] o conjunto de
diferentes usos da terra justapostos entre si [...]”, estabelecendo assim seus diferentes
setores: comércio, serviço, lazer, educação, residências e espaços propícios para
crescimento da cidade. A expansão da cidade vinculado a ocupação desordenada desses
espaços reflete as desigualdades sociais causadas pelo sistema capitalista, onde não
existem direitos básicos para a maioria dos cidadãos, posto isso, é importante identificar
e discutir os fatores que influenciam esse desequilíbrio socioespacial.
Segundo Lefebvre (2001), as problemáticas das cidades urbanas surgiram a
partir da industrialização, que foi o motor para o crescimento populacional nas cidades,
juntamente ao capitalismo. Nesse contexto os Parques Urbanos tornam-se uma
alternativa para minimizar os impactos nas cidades insalubres, para melhorar a
qualidade socioambiental da população, além de proporcionar atividades recreativas no
âmbito social. Os instrumentos da política urbana surgem como forma de diminuir as
desigualdades sociais e preservar as áreas ambientais, contudo o planejamento urbano
mostra-se governado para manutenção de poder e privilégios.
Benévolo (2001) informa que, na busca de resolver os tormentos advindos do
aumento populacional nas cidades, surgiu o planejamento urbano na Pós-Revolução
industrial, nos séculos XVIII e XIX, com o objetivo de eliminar problemas de
insalubridade, sonoros e estruturais. Segundo Monte-Mór (2005), inicia-se o primeiro
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plano em Barcelona, primeira medida para expansão urbana liderada por Cerdá 1, com o
objetivo de erradicar problemas de salubridade e desenvolver planos de ordenamento de
vias e quarteirões, além de realizar a Teoria Geral da Urbanização. O Barão Georges
Eugene Haussmann; de acordo com Harouel (1990, p. 113), elaborou um plano de
urbanização para a cidade de Paris, e seu objetivo era “[...] dar a ilusão de uma perfeita
homogeneidade do espaço urbano”; com a implantação de equipamentos públicos,
grandes artérias, ampliação de vias, ruas e avenidas. A introdução dos Planos Diretores
no Brasil provocou mudanças no cenário urbano através das legislações, entretanto as
questões sociais e ambientais foram ignoradas em favor do planejamento voltado apenas
para o espaço construído.
Nas cidades do Brasil, conforme Macedo e Sakata (2010), os Parques Urbanos
não emergem por meio da necessidade urbana das cidades, mas da tentativa de
reprodução do desenho urbano internacional pela alta sociedade. No século XIX, o
Brasil passa por reformulações e evoluções que se adequam a novas atribuições
gerenciais. Os parques públicos ganharam novas funções durante o século XX, e passam
a ter uma demanda social e de preservação ambiental, “Essas funções requalificam os
parques e novas denominações, novas objetivos são atribuídos a eles” (MACEDO E
SAKATA, 2010, p.13).
A urbanização das cidades brasileiras sucedeu em meados do século XX,
alinhada a uma política urbana caracterizada por uma administração capitalista, ou seja,
a uma lógica de acumulação de capital, de propriedade privada e lucro. Diante disso,
percebemos a constante ocupação da malha urbana das cidades de forma desordenada
em espaços de valor cultural e ambiental. Eventualmente, com o progresso industrial,
houve um boom populacional nas cidades estabelecendo uma urbanização caótica e
desigual. Essas desigualdades socioespaciais são reveladas na produção das cidades.
Além disso, o Estado conduz o planejamento urbano a uma lógica gerencial fora do
contexto dos interesses coletivos, priorizando a reprodução de interesses das classes
burguesas.
Durante o final do século XX, segundo Maricato (2003) houve a partir da
administração gerencialista uma expansão das periferias urbanas (1980), que fomentou
a segregação socioespacial, pobreza, poluição, violência, ocupações irregulares e a
exclusão social. A governança pública exerce um papel decisivo na integração de metas

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Ildefons Cerdà, em 1859, foi responsável por elaborar um plano para a cidade de Barcelona; é
considerado um dos primeiros tratadistas de Arquitetura e Urbanismo
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comuns para a sustentabilidade das cidades, atuando assim, no controle de medidas que
possibilitam o surgimento de tecnologias que estabelecem um padrão sustentável e uma
promoção da inclusão social (LOPES, 2016).
O Estado tem a responsabilidade de promover práticas democráticas de governo
sobre controle social por intermédio de políticas públicas eficazes, no entanto a
administração pautada no modelo gerencial, imposta por interesses burocráticos
dominantes, favorece cidades fragmentadas e desiguais, negligenciando assim, a sua
função em ampliar a equidade social (LOPES, 2016).
Quando falamos em políticas públicas, é entendido por Secchi (2013, p. 2) como
“[...] uma diretriz elaborada para enfrentar um problema político”. No atual cenário
político-econômico e social, destaca-se o problema ambiental, que interfere diretamente
na sustentabilidade da cidade. E consequentemente, com os problemas ambientais cada
vez mais agravante nas últimas décadas, há a crescente necessidade de medir a
efetividade das políticas ambientais, além disso, fomentar a criação de diálogos, de
instrumentos urbanísticos e a integração entre as políticas para possíveis soluções ou
mitigações.
A gestão do meio ambiente deve ser realizada de forma intersetorial 2 a partir da
inclusão dos diferentes órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios objetivando ações eficazes. As políticas de desenvolvimento urbano e social
através de ações intersetoriais, podem ajudar no desempenho dos gestores e técnicos, na
participação popular com interações capazes de promover desde da criação de políticas
públicas até à sua implementação (NASCIMENTO, 2010).
A partir da promulgação da Constituição Federal e da Lei 10.257 foram
introduzidos princípios para promover o equilíbrio na gestão da vida urbana. No Brasil
o Estatuto da Cidade promoveu o direito às cidades sustentáveis, a participação social,
instrumentos de planejamento e intervenção para gestão do espaço, com objetivo de
garantir o avanço do desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana, diante disso nota-se a primeira iniciativa para possibilitar a formulação,
integração intersetorial, federativa e territorial para o desenvolvimento das cidades
(NASCIMENTO, 2010).

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“Intersetorialidade é aqui entendida como a articulação de saberes e experiências no planejamento,
realização e avaliação de ações, com o objetivo de alcançar resultados integrados em situações
complexas, visando um efeito sinérgico no desenvolvimento social.” (JUNQUEIRA; INOJOSA;
KOMATSU, 1997).
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Para a execução das políticas pública é significativo a interação entre as


diferencias instâncias para o processo das escolhas prioritárias das políticas a serem
executadas juntamente com os investimentos financeiros. Os recursos federais são
transferidos para os Estado e Municípios a fim de formular e implementar políticas
públicas eficazes, assim, os Municípios tem uma função primordial na construção da
cidade. O Ministério do Desenvolvimento Regional (criado com propósito de amenizar
as desigualdades no planejamento territorial urbano e da política fundiária dos
municípios) deve estar articulado com os municípios, com programas de políticas
intersetoriais, federais e territoriais (NASCIMENTO, 2010).
Os governos municipais tem maior responsabilidade no controle da ocupação do
solo, na produção ilegal do espaço urbano que segue a uma lógica de concentração de
capital e pela gestão urbana que não alcança a maioria da população. A legislação
urbana é aplicada com intuito de promover poder e privilégios e como consequência a
presença de marginalizações “[...] é o conflito que opõe a população, que luta para
permanecer no local, apoiada por um parlamentar clientelista, insensível à questão
social ou ambiental, [...] e que tem como adversários o ministério público e as ONGs
[...]” (MARICATO, 2003, p.158).
Tanto a Constituição Federal de 1988, em seus capítulos dedicados a instituição
da política urbana (nos.182 e 183), regulamentada pelo Estatuto da Cidade apresenta
uma series de regras formais para população, entretanto não resultaram textos de fácil
aplicação. A falta de diretrizes legítimas e a Pseud- Participação na construção das
cidades mantem ações de políticas públicas através do uso do solo, da apropriação
privada, e por consequência proporciona a falta de disponibilidade para ceder terrenos
para urbanização dificultando a concretização do direito à cidade. (MARICATO, 2003).
A participação social na gestão dos Planos Diretores enfrenta grandes desafios,
no que se refere a construção, implantação e avaliação das políticas públicas através de
uma organização burocrática marcada por uma participação social tácita, uma
deficiência no preparo técnico e institucional e na sua elaboração que muitas vezes não
se adequa a uma determinada realidade social, “[...] o desempenho prático das
instituições é moldado pelo contexto social em que elas atuam [...]” (FONSECA, 2005,
p. 37) . Além disso, há uma dificuldade do aparato legal em conscientizar a sociedade
para modificar e fiscalizar políticas de cunho ambiental para diminuir os impactos do
crescimento econômico.
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O projeto de expansão urbana levou em consideração a urbanização sustentável


tardiamente, no entanto cabe ao governo frear os impactos socioambientais por
intermédio das instituições e instrumentos. Diante disso o desenho institucional urbano
e ambiental deve inserir a accoutability importante componente para diminuição da
exploração das áreas ambientais através do controle, fiscalização e transparência das
políticas sociais.
A importância do desenvolvimento sustentável surge em meio a um contexto
urbano com aplicação de leis de forma arbitrária e desigual, que atinge principalmente
as classes pobres, que ocupam a cidade de forma ilegal em áreas ambientais com “[...]
políticas sociais para as cidades minimamente eficazes para conflitos que passam a
adquirir dimensões gigantescas. As mortes por desmoronamento, causadas pela
ocupação irregular de encostas, tem crescido a cada ano [...]” (MARICATO, 2003,
p.161).
Os espaços públicos urbanos tornaram-se um elemento importante para o
desenvolvimento sustentável das cidades, com objetivo de promover as funções sociais
do espaço urbano e a prevenção ao dano ambiental. A agenda 2030 propõe; a Igualdade
de Gênero, Cidades e Comunidades Sustentáveis como um dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS). No que diz respeito aos parques urbanos está
previsto que: 11.7 “Até 2030, proporcionar o acesso universal a espaços públicos
seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças,
pessoas idosas e pessoas com deficiência”.
A perspectiva de gênero torna-se uma relevante discussão na construção dos
parques urbanos, os limites sociais impedem a promoção da acessibilidade no momento
em que o acesso aos espaços públicos é desigual. Parte da sociedade convive com
barreiras físicas e simbólicas no espaço urbano, nesse cenário não existem espaços
seguros para as mulheres. Deste modo, fomentar o combate à discriminação e violência
de gênero nas cidades é garantir o direito à cidade as mulheres, para isso é indispensável
a participação na formulação das políticas públicas no processo de tomadas de decisões,
no planejamento e avaliação.
A aplicação da transversalidade no panorama de gênero na implantação de
parques urbanos propõe a diversidade de usos, equidade, empoderamento, mobilidade e
segurança a partir da percepção da complexidade das relações que geram desigualdades
e fragilidade incentivando a concepção de espaços públicos democráticos e sustentáveis.
Segundo Tatiana e Paulo:
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“[...] tratar de transversalidade é mais do que discutir sobre políticas


sensíveis a gênero ou raça, mas antes vincular- se a uma perspectiva
ontológica que identifica nessas categorias elementos estruturantes das
relações de poder, além de reconhecer a interseccionalidade de diferentes
dimensões da vida social nas relações de poder” (TATIANA E PAULO ,
2017, p.07).

De acordo com Maricato (2003) o patrimonialismo no Brasil está estruturado nas


ações do Estado, percebemos o patrimônio público negligenciado em razão do
patrimônio fundiário privado. A sociedade marcada pelo patriarcado reflete a falta de
reconhecimento da mulher nos espaços públicos na elaboração dos planos diretores
dificultando a promoção de ambientes igualitários e seguros. Por mais que as mulheres,
no passar dos anos tenham aumentado a sua participação nas políticas públicas essa
conquista não veio atrelada ao espaço urbanizado.
A interseccionalidade permite pensar na produção do espaço, não apenas
unicamente conduzidas pelas disputas econômicas. As políticas públicas devem
considerar as intersecções de raça, gênero e os problemas socioeconômicos, as mulheres
negras de acordo com Telles “ocupam a posição mais baixa na pirâmide da economia,
entre todas as categorias raciais e de gênero” (2012, p.217).
A conscientização do problema possibilitou a discussão sobre as ações
governamentais e sociais com políticas que aspiram planejamento urbano orientados
para a inclusão da mulher no futuro das cidades. A construção dos espaços públicos
considerando a perspectiva de gênero significa qualificar o ambiente urbano para todos,
identificando a dificuldade e necessidade vividas no cotidiano do gênero feminino.
Pensar em soluções e na gestão democrática para transformar os espaços públicos é
inevitável para garantir igualdade no acesso à cidade.
Portanto, o poder público precisa estabelecer uma postura legal na aplicação dos
instrumentos urbanísticos com iniciativas que permita a população usufruir do espaço
público, não perdendo de vista as questões ambientais, as desigualdades de gênero
produzidas nos espaços urbanos e a sustentabilidade da cidade. Ainda cabe a sociedade
o dever de vigilância e ações diretivas. Uma vez que, só pode alcançar cidades
sustentáveis e participativas através do planejamento transformativo com comunidades
políticas, primando à participação dos cidadãos na criação de suas existências.
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REFERÊNCIAS

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outubro de 1988.

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COMO AS NAÇÕES UNIDAS APOIAM OS OBJETIVOS


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https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em 05 de novembro de 2021.

Escritório das Nações Unidas de Serviços (UNOPS), Instituto Semeia. Parque para
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FONSECA, Antônio Ângelo M. Instituição e desenvolvimento territorial: o


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Feira de Santana, 2005. 355p.il.

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JUNQUEIRA; INOJOSA, R. M. & Komatsu. Descentralização e intersetorialidade


na gestão pública municipal no Brasil: a experiência de Fortaleza. 1997. (2!! prêmio
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LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.

LOPES, Alberto. Políticas públicas para cidades sustentáveis: integração,


intersetorial, federativa e territorial. Rio de janeiro: IBAM, MCTI, 2016.

MONTE-MÓR, Roberto L. Teoria urbana e o planejamento urbano no Brasil. In:


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Editora UFMG, 2005.

MACEDO, Silvio Soares; SAKATA, Francine Gramacho. Parques Urbanos no Brasil.


Brazilian Urban Parks. 3. ed. Editora da Universidade de São Paulo. Ano 2010.

MARICATO, Hermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade. São Paulo II,


Habitação, Estudo. Av. 17. agosto, 2003.

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públicas. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 101, p. 95-120, jan./mar. 2010.
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TATIANA, Dias Silva. PAULO, Carlos do Pin Calmon. Transversalidade e políticas


públicas. XXII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la
Administración Pública, Madrid, España, 14 - 17 nov. 2017.

TELLES, Edward E. O significado da raça na sociedade brasileira. Tradução para o


português de Race in Another America: The Significance of Skin Color in Brazil. 2004.
Tradução: Ana Arruda Callado. Revisão Técnica e Formatação: Danilo França.
Princeton e Oxford: Princeton University Press. Versão divulgada na internet em
Agosto de 2012.

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