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Bárbara Maria Moraes de Castro Ferreira

A Fotografia ao Serviço das Ciências Humanas

Bárbara Maria Moraes de Castro Ferreira

No século XIX alguns cientistas, de diversas áreas das ciências humanas, utilizaram
a fotografia como meio auxiliar no desenvolvimento dos seus estudos, com o fim
de registar, catalogar e arquivar, através das características fisionómicas, o
indivíduo. São exemplo disso, os cientistas Duchenne de Boulogne, Hugh Diamond,
Francis Galton e Alphonse Bertillon.

Duchenne de Boulogne (1806-1875) médico,


neurologista, fotógrafo francês e membro da Sociedade
de Medicina de Paris, foi especialista no campo da
eletrofisiologia. Influenciado pelos estudos de fisionomia
que se faziam na época, conduziu uma das experiências
mais impressionantes, a electroestimulação dos
músculos faciais. Estes eram estimulados com choques,
provocados por sondas metálicas eletrificadas, sendo
Fig. 1 - Duchenne de Boulogne.
a gravação das expressões resultantes (muitas delas
distorcidas e grotescas), realizadas pela recente câmara fotográfica. Duchenne
compreendeu a função comunicativa da fotografia e os princípios do
enquadramento e da luz, os quais aplicava no seu trabalho. Utilizava o processo
colódio húmido e tinha um enorme cuidado com a iluminação, utilizando uma luz
coada de modo a que os vincos e os músculos faciais estimulados pelos impulsos
elétricos ficassem claramente definidos, não deixando de se preocupar com a pose
do retratado. As suas imagens apresentavam fundo neutro de modo a criar uma
atmosfera anónima. Duchenne aconselhou-se com respeitados fotógrafos,
notando-se nos seus trabalhos influência de Nadar na iluminação. Em 1862
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publicou o livro intitulado Mecanisme de la Physionomie Humaine, ilustrado com as


suas fotografias, que dado o vasto leque de expressões, serviu também como base
de estudo na formação dos artistas das Belas-Artes.

Fig. 3 - 16 imagens de diferentes Fig. 2 - Estudo fisionômicos de análise Fig. 4 - Experiência facial de
expressões faciais induzidas por eletrofisiológica. electroestímulos.
correntes elétricas.

Hugh Welch Diamond (1809-1886), fotógrafo inglês e médico de profissão,


especializou-se no tratamento de doentes mentais e foi diretor do asilo em Surrey,
um hospital psiquiátrico para mulheres. Apaixonado pela fotografia foi um dos
fundadores da Royal Photographic Society, tendo promovido o desenvolvimento e
a divulgação deste novo invento. Trabalhando
na crença de que as expressões faciais
manifestavam os estados mentais, levou-o a
desenvolver um estudo que envolvia a utilização
da fotografia, como meio de registo dos seus
pacientes, afim de diagnosticar a sua doença a
partir das características fisionómicas. Este campo
da ciência, conhecido por morphopsycology, foi
desenvolvido no século XIX.
Fig. 5 - Hugh Welch Diamond.
Diamond usou as fotografias não só como forma
de registo e arquivamento dos diferentes tipos de insanidade, como também
as utilizou para acompanhar a evolução do paciente e em alguns casos contribuir
para a sua recuperação. Com esta investigação Diamond foi considerado o “pai da
fotografia psiquiátrica”.
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Fig.6 -Paciente do asilo de Surrey. Fig. 7 - Mulher sentada com um Fig.8 - Uma paciente do asilo
pássaro, c.1855. de Surrey.

Francis Galton (1822-1911) antropólogo, estatístico e matemático inglês, trabalhou


no estudo da hereditariedade fundando a ciência da Eugenia – melhoramento das
raças humanas. A paixão de Galton pela fisionomia e pela fotografia, levou-o a
desenvolver o processo Composite Photography, com o qual criava retratos
tipológicos. O retrato composto envolvia a exposição
de um número arbitrário de retratos individuais de um
determinado grupo de pessoas, numa mesma chapa
fotográfica, com um tempo de exposição selecionado
em função do número de retratos usados. A
sobreposição dos retratos fazia desaparecer os traços
individuais, os que não eram partilhados pelos vários
indivíduos e eram acentuadas as características
Fig. 9 - Francis Galton.
fisionómicas dominantes, comuns ao grupo. O processo
de composição resultou na produção de uma imagem um pouco turva, embora os
traços comuns surgissem acentuados.
Com estas fotografias compostas, Galton demonstrava as características
fisionómicas de determinados grupos culturais, raças e classes, incluindo
criminosos e doentes mentais. Sobre o retrato composto Galton escreveu, que não
tinha retratado nenhum tipo específico de pessoa, mas sim uma figura imaginária,
dotada de características médias de um grupo específico. Este representava o
retrato de um tipo e não de um indivíduo.
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Fig. 10 - Retratos de soldados e um Fig.11- Cartão com exemplo de Fig.12 - Retrato Composto.
retrato composto (ao centro). retratos compostos.

Alphonse Bertillon (1853-1812), criminologista e antropólogo francês, foi o


precursor da identificação humana. Diretor do serviço de fotografia, no sector de
arquivamento, da polícia da Prefeitura de Paris, criou o sistema “Antropometria
Judiciária”. Bertillon acreditava que as
pessoas com determinadas características
fisionómicas, eram suscetíveis de serem
criminosas, e que poderiam ser
identificadas através de características
físicas. Com base nesta ideia os indivíduos
Fig. 13 - Alphonse Bertillon.
eram assim identificados, através das
medidas da cabeça e do corpo, forma das orelhas, sobrancelhas, boca e olhos e
marcas individuais, tais como tatuagens e cicatrizes. Estas medições eram então
registadas em cartões padronizados, que também suportavam uma fotografia de
frente e outra de perfil do suspeito.

Fig. 14 - As fichas de identificação. Fig.15 – Cartões do aspetos dos olhos que ajudaram os
policias a identificar suspeitos, com o sistema Bertillon.
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Uma das contribuições mais importantes de Bertillon, para a ciência forense, foi o
uso sistemático da fotografia para documentar cenas de crime, com o objectivo de
criar provas e de estudar o corpo e as circunstâncias da morte da vítima. Usando
uma câmara montada num tripé alto, com a lente da máquina apontada para o
chão, realizava vistas da cena de cima para baixo, para gravar todos os detalhes nas
imediações do corpo da vítima. A fotografia servia então, como documento de
visualização da cena do crime, antes de esta ter sido perturbada pelos
investigadores.

Fig.16 - Fotografia vista de cima para baixo do local Fig. 17- Fotografia do assassinato da Madame Veuve Bol.
do crime.

No século XIX, nos mais variados campos das ciências humanas, os estudos
científicos baseados na fisionomia humana deixou-nos um interessantíssimo legado
de imagens fotográficas, para a História da Fotografia.

Projection on a Vertical Plane


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Referências Bibliográficas

ÁLVAREZ, Tresa Montiel, La Fotografía Policial en el Silo XIX in ArtyHum Revista de Artes y
Humanidades, nº 21, Vigo, 2016.
Disponível no site:
https://www.academia.edu/21292947/La_fotograf%C3%ADa_policial_en_el_siglo_XIX._El_siste
ma_Bertillon

Francis Galton and Composite Portraiture in Galton.org.


Disponível no site: http://galton.org/composite.htm

FRIZOT, Michael, Nouvelle Histoire de la Photographie, Bordas / Adam Biro, 1994.

GALTON, Francis, Composite portraits made by combining those of many different persons into a
single figure in Nature V.18, 1878.
Disponível no site: http://galton.org/essays/1870-1879/galton-1878-nature-composite.pdf

HANNAVY, John, Encyclopedia of Nineteenth – Century Photography, Routledge – Taylor & Francis
Group, London, 2008.

HOY, Anne H., The Book of Photography: The History, The Technique, The Art, The Future,
National Geographic – Washington, D.C. , 2005.
PEARL, Sharrona, About Faces: Physiognomy in Nineteenth-Century Britain, Harvard Universty
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PEARL, Sharrona, Through a Mediated Mirror: The Photographic Physiognomy of Dr. Hugh Welch
Diamond. History of Photography,33(3), 2009
Disponível no site:
https://pdfs.semanticscholar.org/6243/a34c32a0cf8d165c91807f4110f285c1eab7.pdf

ROSENBLUM, Naomi, A World History of Photography, Abbeville Press - Publishers, 1997.


SCORSTO, Helen, O uso da fotografia em processos de identificação e o método Bertillon –século
XIX, in ESTUDIOS HISTORICOS –CDHRPyB-Año IV, nº9, 2012 .
Disponível no site: http://www.estudioshistoricos.org/edicion9/eh0911.pdf

SOUGEZ, Marie-Loup, História da Fotografia, Dinalivro,2001.

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