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Texto extraído do livro “Caruso´s Method of voice production - the scientific culture of the voice”

by P.Mario Marafioti, M.D. (tradução e adaptação para o português: Débora Lorenti Lupianhe)

CAPÍTULO X – Segundo princípio

1. A extensão total da tessitura natural da voz é produzida usando somente a mínima tensão das cordas
vocais e a mínima respiração (expiração) exigida por cada tom. Este é o mecanismo correto para a
produção da voz.

2. Os sons laríngeos devem ser transportados até a boca livres de qualquer interferência; a liberdade é o
pilar fundamental na produção da voz.

Quando o mecanismo da produção vocal entra em ação, o aparelho respiratório através dos músculos
da respiração leva o ar até as cordas vocais e as coloca em vibração. As cordas vocais, coordenadas por
músculos e cartilagens da laringe, possui uma elasticidade que se adapta a inúmeros ajustes e dá origem
a uma série de diferentes tons que constituem a tessitura da voz.

O som embrionário, resultado da mínima tensão das cordas vocais que vibram através da mínima
respiração, constitui o tom mais baixo do alcance natural da voz produzida pelo correto mecanismo. Este
som é muito fraco e não tem qualquer utilidade na prática do canto, mas serve com grande valia no
mecanismo da produção vocal, pois estabelece o mais profundo ponto de apoio para os consecutivos tons
da tessitura, como a fundação da base do alicerce de um edifício.

Ao comparar o desenvolvimento da extensão natural da voz com a construção de uma casa vemos
uma grande semelhança na estrutura de ambas, que nos mostra o quanto são importantes os sons
inferiores da extensão vocal na produção da voz. A fundação de um edifício está no plano subterrâneo,
que facilmente escapa de nossa observação, mas é tão importante quanto o que está acima do solo, se
não mais, pois é no subsolo que está o real suporte da estrutura, e quanto maior sua profundidade maior o
edifício.

No desenvolvimento da voz há uma série de tons que são de menor intensidade, e de poder sonoro
limitado, no entanto determina o alicerce para a formação da voz. Esses tons formam a região mais baixa
da extensão vocal e se formam em seu limite fisiológico apenas com a mínima respiração e a mínima
tensão das cordas vocais; assim criam um fácil e natural mecanismo de produção vocal por estabelecer
um preliminar ajuste das cordas vocais que irá determinar toda a extensão da voz.

Quando estes baixos e fracos tons preliminares são gradualmente sucedidos por uma série de tons
mais agudos e mais altos, a produção vocal se beneficia por se colocar numa base correta em que
permanecerá, a menos que os órgãos vocais sejam afetados por influências artificiais capazes de alterar
seus ajustes originais.

Com este mecanismo a voz adquire uma maior amplitude, porque de acordo com leis da acústica
quanto maior o tamanho do instrumento, menos ar é usado na produção dos sons, e menor é a altura do
tom resultante. Portanto, ao usar uma pequena expiração e ao manter os órgãos vocais em completo
relaxamento, assim amplia-se o instrumento vocal ao máximo e um alcance de menor extensão é criado.
Este é o menor limite fisiológico da extensão natural da voz.

Cantores que descuidadamente cultivam o hábito de forçar sua produção tonal desde o início de sua
prática adquirem um mecanismo que diminui a extensão de suas vozes, além de privá-los do inestimável
suporte que vem da base inferior de sua escala natural, a base sólida na construção da voz cantada. Suas
vozes consequentemente não têm maior resistência que das casas construídas sobre a areia.

O alcance natural da voz, portanto, é formado por uma série de sons progressivos, estendendo-se
desde o mais baixo até o mais alto tom da voz, quando produzido por um correto mecanismo vocal. Para
garantir que estes sons tenham uma correta formação é imprescindível que a tensão das cordas vocais
durante seus vários ajustes e a quantidade de ar necessária para produzi-los trabalhem em harmoniosa
concordância. O cumprimento dessas regras resulta num mecanismo de produção vocal que é controlado
pela mínima tensão das cordas vocais e mínimo ar liberado pelos pulmões.
É também óbvio que as cordas vocais, aumentando sua tensão e diminuindo seu comprimento na
produção de tons agudos, estão sob um controle fisiológico que garante que os ajustes sejam feitos com
quase imperceptível aumento de sua potencia, o que evita o canto forçado e estridente. Portanto, para
produzir o mecanismo correto da voz, a capacidade de mover e produzir energia devem ser regida em
trabalho conjunto à lei fundamental do mínimo de força para o máximo de eficiência; as vozes com base
nesta lei estão livres de esforço e mais próximas da perfeição.

Outro fator importante na produção vocal é a necessidade dos sons atingirem a boca sem interferência,
onde eles serão transformados em voz plena. Os sons laríngeos devem viajar livremente da laringe à
faringe com o número original de vibrações, alcançando assim a excelência de uma ressonância
proporcional ao volume total de suas vibrações. Isso é de primordial importância, pois, se as vibrações da
laringe são impedidas de alcançar livremente a capacidade de ressonância, é produzida uma voz de má
qualidade, débil e frágil em volume.

As causas para esse tipo de interferência na execução da voz, embora sejam muito sérias, nunca
ganharam a devida importância. Essas causas acima mencionadas, que prejudicam as vibrações de vir
para frente, são a contração da laringe e faringe, o enrijecimento da língua e do palato, e acima de tudo o
encurvamento da epiglote na abertura da laringe.

Com estas interferências no aparelho vocal, a região que vai desde a traqueia até os lábios torna-se
mais estreita ficando reduzida em tamanho, causado uma falha estarrecedora na produção da voz.

De acordo com as regras da acústica aplicada em tubos de ressonância, a afinação do tom torna-se
mais alta à medida que o tamanho do tubo é reduzido em largura. Neste caso o aparelho vocal é o tubo de
ressonância mais perfeito, com seu poder de elasticidade a contração exagerada causa certa alteração no
timbre da voz. A propriedade elástica do aparelho vocal, que lhe permite estabelecer um perfeito controle
de suas dimensões, deve ser utilizada de forma natural durante seus ajustes na produção de diferentes
tons de sua extensão, evitando qualquer exagero na regularidade do mecanismo vocal. Nesta questão, o
exercício de adaptação do aparelho vocal deve ser tão gradual que é quase involuntário por parte do
cantor.

O grande “Prima Donna” Emmy Destinn, questionado por anos sobre suas sensações enquanto
cantava, disse: "Quando eu canto me sinto como se eu não tivesse garganta." Esta declaração proclama a
mais maravilhosa e instrutiva verdade sobre a produção vocal.

Um mecanismo simples de produção vocal permite à laringe produzir sons livres e plenos, sem tensão,
e conta com auxílio constante da expiração, que fornece qualquer quantidade de ar necessária para sua
produção e transporta as ondas sonoras para a ressonância.

No entanto, criando tais obstáculos já mencionados – abaixamento da epiglote, contração da língua e


palato – cria-se na abertura da faringe uma obstrução para a liberdade do som, que não deve ser
esquecida.

Professores de canto e especialistas em voz têm negligenciado a ilustração do funcionamento correto


desses órgãos que produzem a voz, talvez por um equívoco no mecanismo vocal do aparelho respiratório
e das cordas vocais que monopolizam quase toda sua atenção, em muito prejuízo à cultura vocal.

Pesquisas e publicações sobre a respiração e a função das cordas vocais são inúmeras; no entanto,
apesar de todas as elaboradas discussões e sugestões dos métodos de respiração, desenvolvimento do
diafragma e produção tonal, o canto ruim prevalece mais presente do que em qualquer outra época. Agora
se torna imprescindível estabelecer a condição exata dos papéis desempenhados por esses órgãos dentro
do mecanismo vocal, para que sejam usados com valor apropriado no cultivo da voz.

A epiglote é uma cartilagem flexível que, ao fechar a abertura da laringe, protege os órgãos vocais
de corpos estranhos tais como comida, ou bebida, o qual, de outro modo ser facilmente transportado para
dentro do aparelho de respiração durante a inspiração.

No processo de produção de voz tem a função importante de manter a cavidade laríngea aberta
para a passagem livre dos sons no seu caminho desde as cordas vocais para a boca.
Retratando a epiglote como uma porta para a laringe, a sua única função é manter-se aberto
durante o processo respiratório e vocal, e para fechar durante a passagem de comida e bebida, ou, em
outras palavras, durante o ato de engolir.

Para o nosso objetivo, é importante ilustrar a função da epiglote apenas com relação ao
mecanismo da voz, em que a sua posição se levantada ou abaixada na direção da abertura da laringe,
estabelece uma diferença no resultado da voz produzida, que é digno da mais cuidadosa consideração.

A epiglote, sendo ligada à base da língua, está estreitamente relacionada com todos os seus
movimentos e sua relação. Quando a epiglote fica ereta ou se dobra em direção à laringe, a produção da
voz tem uma consequência decisiva. Na deglutição, a epiglote deve dobrar em direção à laringe, fechando
assim a sua abertura e evitando a entrada de alimentos no aparelho respiratório. A língua ajuda este
movimento através da contratação de sua base empurrando a epiglote para trás e para baixo. Quando o
ato de engolir é finalizado, ambos os órgãos retomam a sua antiga posição: a epiglote de pé, e a língua
relaxada no assoalho da boca. Esta é a posição natural para o canto, mas ela é muitas vezes revertida por
uma produção de voz deficiente, que substitui o mecanismo de engolir para o de cantar.
Esta função equivocada não pode ser fisiológica, como é evidente que para ter o número total de
vibrações das cordas vocais transportadas para a caixa de ressonância precisa-se de uma grande
abertura da garganta, a maior possível deve ser formada.
A interferência desses dois órgãos é tão comum que poucos cantores escapam de sua influência. Na
maioria dos casos, a língua é o pior inimigo dos cantores, pois é na verdade o fator responsável pela sua
contração que exerce pressão sobre a epiglote de maneira que ela é forçada para baixo na direção da
abertura da laringe. Por conseguinte, o espaço estreito existente entre a epiglote e a faringe torna-se ainda
mais estreito, assim asfixiando e impedindo um grande número de vibrações de alcançar as câmaras de
ressonância. Esta condição inicia uma desordem original, que traz um desequilíbrio no mecanismo de
produção da voz.

Parece que uma influência instintiva (resultado de uma reação nervosa ou má interpretação do
mecanismo de produção da voz) faz cantores “barricar” a volta da sua boca quando eles começam a
cantar. Eles começam pela contratação de seus órgãos da laringe, como que em legítima defesa contra
um inimigo imaginário - o som - segurando também todas as partes do seu corpo em uma posição tensa e
rígida. As cordas vocais, assim, reduzem em tamanho por uma contração da laringe, produz sons forçados
que são grandemente prejudicados de alcançar as câmaras de ressonância pelo abaixamento da epiglote,
e pela contração da base da língua. Assim, a maioria das ondas sonoras fica confinada à laringe sozinha
para a sua ressonância. Isto implica que primeiramente a voz está centrada fora do seu foco natural, a
boca, e é, por conseguinte, deslocada; e também que as vibrações são impedidas de obter a sua
expansão natural e de alcançar as câmaras de ressonância.
Esta desordem torna-se cada vez mais potente, pois, consequentemente, resulta na pressão do
aparelho respiratório, que atua sob a mesma influência nervosa e concepção errada do mecanismo do
canto. Então a luta vocal começa.
A laringe, reagindo à explosão violenta de ar, aumenta a sua tensão, e produz uma voz decididamente
afiada e fina. O cantor, preocupado com seus resultados vocais deficientes, tenta melhorá-los,
aumentando a respiração. É como a adição de mais combustível para uma fogueira que já está sufocada
pelo excesso deste. Quanto mais respiração o cantor acrescenta mais apertados os órgãos vocais se
tornam, quanto mais sua voz não mostra resultados mais convencido ele se torna de que não está dando
fôlego suficiente. Assim, um círculo vicioso é estabelecido.
Então todos os recursos de métodos elaborados sobre respiração e apoio do diafragma e os ajustes
mais vigorosos da laringe são postos em ação. Os pulmões se tornam uma máquina de sopro e, com essa
explosão violenta de ar, as cordas vocais dificilmente terão sucesso em controlar o ritmo de suas
vibrações. O congestionamento do rosto do cantor traz evidências dos esforços dolorosos e da luta que ele
está fazendo. Os músculos, os vasos sanguíneos e os nervos do pescoço se evidenciam em um destaque
horrível, tornando o desempenho ainda mais doloroso. Como ápice destes esforços ineficazes, o grande e
esperado efeito “explode” e é normalmente incorporado num apito estrangulado muito semelhante ao de
uma locomotiva enferrujada. Já diziam nossos ancestrais latinos: "Parturiunt montes ridiculus mus
nascitur!" ("Montanhas explodem e um rato ridículo nasce.")

Este é o espetáculo que o público médio é chamado a testemunhar no canto dos dias de hoje, quando
por causa desses falsos métodos centenas de vozes falham e cantores cujo presente natural seria o
direito a uma carreira longa e gloriosa são obrigados a abandonar o canto depois de alguns anos de
dolorosa luta e dedicar-se, na maioria dos casos, à profissão de ensinar.

No entanto, para dizer que o canto correto (capaz de realizar lindamente todos os sentimentos humanos
de forma espontânea) é uma função muito simples é afirmar uma verdade fisiológica. É certo que se a
natureza fosse deixada sozinha para governar o mecanismo da voz, por suas regras fisiológicas, sem a
interferência de profanas teorias incongruentes e métodos, uma forma natural de cantar baseada em
verdades científicas que já existem seria a garantia real para a cultura da voz correta. Os estudantes
devem se lembrar que todos os erros no início da sua formação torna-se um hábito permanente no canto
futuro.

Quando o som, por uma completa liberdade, consegue entrar no domínio de toda capacidade de
ressonância, outro fator importante completa a sua formação. Todas as suas características - volume,
qualidade, intensidade, etc - que estão ligadas à propriedade da ressonância, resultam na voz com
enriquecedora potência. Vamos tratar essa grande vantagem em outro capítulo, dedicado à ressonância e
suas mais importantes contribuições à produção da voz.

A visão original sobre a regra também foi jogada pelos ares no cultivo da voz, com uma concepção
quase inteiramente em oposição à maioria das teorias sobre a função da respiração no canto, que será
tratada em detalhes num próximo capítulo.

Devemos dizer, no entanto, que a liberdade do som representa o pilar fundamental em que o correto
mecanismo de produção vocal é construído.

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