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20 Junho 2022
Índice
Introdução
1. Contextualização……………………………………1
2. Estado da arte……………………………………3
3. Questões de investigação……………………………………4
4. Fontes e metodologia……………………………………5
Conclusão
5. Resultados……………………………………6
6. Considerações finais……………………………………14
7. Referências bibliográficas……………………………………15
Introdução
Deste modo, o objetivo desta pesquisa é compreender como foi esta receção por parte
da imprensa portuguesa às novas vagas de cinemas português e francês, através dos
textos e debates críticos publicados em algumas revistas de cinema e cultura da época.
i) Contextualização
Há várias discussões no que concerne o surgimento daquilo a que se chama a nova vaga.
A nova vaga consiste num movimento cinematográfico que surgiu em várias partes do
mundo, nomeadamente entre finais dos anos 50 e inícios dos anos 70, porém, até o
próprio período da nova vaga é discutido, não existindo uma faixa temporal estipulada
como certa por todos. De todas as novas vagas, a mais famosa será, provavelmente, a
francesa, a qual é denominada usualmente de "nouvelle vague".
Há, por outro lado, quem afirme que a nouvelle vague apenas começou em 1958 com Le
beau serge, filme de Claude Chabrol e também outros que defendem que na verdade só
1
aquando da estreia de Les quatre cent coups de François Truffaut, em 1959, é que se deu
início ao movimento. Como podemos ver, perspectivas distintas para o mesmo conceito.
Até dentro daquilo que supostamente unirá as películas deste novo cinema francês entre
si há controvérsias.
O novo cinema português surge tardiamente quando comparado a outras "novas vagas"
e de modo muito débil. É aqui que entra o papel da imprensa. De uma forma recorrente,
a imprensa assumiu a batalha que tinha como objetivo a revitalização do cinema
português. Várias publicações são exemplo desta aspiração a uma mudança nas
estruturas do cinema em Portugal e quando essa mudança começou a aparentemente
ocorrer, a imprensa tomou para si a nova missão de divulgar e comentar sobre este novo
cinema.
Embora a expressão “novo cinema” se tenha popularizado, a verdade é que são vários
os que defendem que esta não está relacionada com a doutrina defendida pela nouvelle
vague que lhe deu nome, como é caso de Fonseca e Costa, António Macedo, António
Cunha Telles, Alberto Seixas Santos, entre outros. De uma maneira ou de outra, estes
reiteram que a unidade do novo cinema enquanto movimento sociocultural ou estético
nunca existiu, sendo que a única unidade existente entre todos os elementos que deram
forma a este novo cinema era o desejo de mudar os cânones vigentes no cinema
português até então.
As perspetivas são várias, todas elas defensoras de determinado ponto de vista e não
parece existir um consenso possível. Contudo, estas contradições que poderiam ser
vistas como entraves ao conhecimento do que foi este “novo” cinema, podem ser na
verdade indicadores da riqueza de afluências que este concentra, tornando-o capaz de
encerrar em si uma série de concepções que outro tipo de movimentos não permitiria.
1
COSTA, João Bénard da – Breve história mal contada de um cinema mal visto In FERREIRA, Vítor
Wlamidiro, CASIMIRO, Jorge, SILVA, Helena Vaz da – Portugal 45-95 nas Artes, nas Letras e nas Ideias.
Lisboa: Centro Nacional de Cultura, 1998. ISBN: 972-96507-4-8, pp. 47-78
2
ii) Estado da arte
A primeira obra de referência que encontrei foi a de Jorge Pelayo 2 , na qual grande parte
dos periódicos de cinema estão catalogados por ordem temporal e alfabética. Graças a
esta obra tive a possibilidade de organizar a minha procura em relação às fontes que
poderia utilizar futuramente.
A tese de mestrado de Joana Isabel Duarte3 faz também uma listagem dos principais
títulos de periódicos que noticiaram sobre cinema ao longo das épocas e sendo um
trabalho algo abrangente nesse aspeto, contém uma vasta bibliografia, a qual pude
aproveitar para constituir a minha lista bibliográfica.
Para compreender um pouco mais acerca do novo cinema português, é necessário recuar
e encontrar as suas raízes, onde está a origem das influências que se refletem na atuação
dos integrantes deste novo cinema. Assim, temos de resgatar o termo nouvelle vague e
analisar os contornos do que a mesma representa, foi e continua a ser no panorama
cinematográfico. Les Cahiers du cinema: histoire d’une revue, Tome I: A l'assaut du
2
PELAYO, Jorge – Bibliografia portuguesa de cinema: uma visão cronológica e analítica. 2ªed. Lisboa:
Cinemateca Portuguesa, 1998. ISBN: 972-619-118-1
3
DUARTE, Joana Isabel Fernandes (2018) – «Se não se podem ver filmes, leiam-se as revistas»: Uma
abordagem da imprensa cinematográfica em Portugal (1930-1960). Porto: [edição de autor]. Vol. I.
Dissertação de mestrado em História da Arte, Cultura e Património Visual na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto
4
LOURENÇO, Jaime, CENTENO, Maria João (2019) – A Evolução da Imprensa sobre Cinema em
Portugal: Da Ditadura aos Primeiros Anos da Democracia. Media & Jornalismo. [Em linha]. pp. 19-35,
149-164. [Consult. 18 Out. 2022]. Disponível em WWW: <URL: https://doi.org/10.14195/2183-
5462_35_10>.
3
cinema 1951-19595 atravessa este período de mudanças, perturbações e contestações,
tentando demonstrar como é que realmente nasceu esta “nova vaga” do cinema francês
que haveria de inspirar o cinema um pouco por o todo mundo, tanto na forma como era
visto, como no modo que era feito.
Sendo uma área de investigação ainda pouco estudada, são várias as questões referentes
ao papel da imprensa no meio cinematográfico, o seu contributo na divulgação dos
filmes ao grande público e, principalmente, a sua reação ao novo cinema português e o
impacto da mesma neste domínio. Contudo, a dimensão dessas problemáticas é vasta,
de modo que foi necessário encontrar uma direção mais específica no modo como irei
abordar a temática.
Desta forma, o caminho que escolhi para efetuar as questões de investigação está focado
maioritariamente com o papel da crítica cinematográfica dentro das publicações
selecionadas, o modo como esta examinava os filmes na época, os destaques feitos pela
mesma dentro dos novos cinemas francês e português e as diferentes perspetivas destas
publicações entre si.
5
BAECQUE, Antoine de – Les Cahiers du cinema: histoire d’une revue, Tome I: A l'assaut du cinema
1951-1959. CAHIERS DU CINEMA, 1991. ISBN: 978-286-642- 107-6
6
CUNHA, Paulo, SALES, Michelle (org.) – Cinema Português: Um Guia Essencial. São Paulo: SESI-SP,
2013. ISBN: 978-85-65025-60-7
7
COSTA, João Bénard da – Breve história mal contada de um cinema mal visto In FERREIRA, Vítor
Wlamidiro, CASIMIRO, Jorge, SILVA, Helena Vaz da – Portugal 45-95 nas Artes, nas Letras e nas Ideias.
Lisboa: Centro Nacional de Cultura, 1998. ISBN: 972-96507-4-8, pp. 47-78
4
- Qual a contribuição das publicações selecionadas para estudo, tendo em conta apenas
o ângulo do cinema, para a representação cultural no meio português?
- Tendo em conta as premissas defendidas por cada uma destas publicações, é possível
verificar diferenças de tratamento por parte de ambas perante estes novos cinemas?
Tendo como foco central a imprensa, grande parte das fontes selecionadas para o
trabalho de investigação foram revistas culturais e cinematográficas, existentes no
período escolhido para análise, isto é, de 1960 a 1974.
Revistas culturais:
- Seara Nova, uma revista de doutrina e crítica com uma duração que cobre todo o
período em análise, aborda variadas temáticas, incluindo o cinema, dedicando esse
espaço à crítica de determinados filmes, incluindo os do novo cinema, tanto francês
como português. No espaço temporal a estudar teve dois diretores, sendo eles Augusto
Casimiro e Fernando Guerreiro. Está disponível online na “Revista de Ideias e Cultura”.
Os números relativos ao período abrangido situam-se entre o nº.1371 e 1550, tendo
regularidade mensal ou bimestral.
- O Tempo e o Modo, revista com uma vertente semelhante à da Seara Nova, foi dirigida
por António Alçada Baptista, editada por Pedro Tamen, pertencendo a chefia da redação
a João Bénard da Costa. Em 1969, João Bénard da Costa assume a direção até 1972,
sendo que em Junho do mesmo ano, Luís Matoso aparece como único responsável pela
revista. Na sequência do 25 de Abril, a direção interina foi exercida alternadamente por
Guilherme Jorge e por Luís Matoso. É uma revista com forte dimensão cultural, na qual
são realizadas não só críticas de filmes, como debates sobre os mesmos em que é
discutida a sua mensagem e importância. Está disponível online na “Revista de Ideias e
Cultura”, sendo que cobre todo o período em estudo (números 1 a 108, publicação
mensal, bimestral ou trimestral).
Vídeos:
5
- Novo Cinema, Cinema Novo: 1960-1974 – Parte II, RTP Arquivos
Estes vídeos são pertencentes a um programa da série dedicada por parte da RTP (Rádio
e Televisão de Portugal) à história da produção cinematográfica em Portugal, a partir do
aparecimento do cinema sonoro, e consistem nos depoimentos de personalidades
marcantes no panorama do cinema português como Fernando Lopes, Paulo Rocha,
António Cunha Telles, António de Macedo, José Fonseca e Costa, António Pedro
Vasconcelos, entre outros. Ambos os vídeos são da autoria de Pedro Éfe, José de Matos
Cruz, António de Macedo, sendo o texto da responsabilidade de Ricardo Machaqueiro e
produção de Pedro Éfe. A realização, argumento e montagem ficaram a cargo de Jorge
Queiroga.
Conclusão
v) Principais resultados
Antes de qualquer consideração, creio ser pertinente fazer uma breve exposição do
contexto que originou e permitiu a existência das duas publicações em análise neste
trabalho.
Deste modo a Seara Nova firmou-se durante as quase cinco décadas de ditadura como o
órgão dos insubmissos cultos e intransigentes que tudo sujeitaram ao dever de erguer a
voz em nome do saber, da exigência de dignidade e da vontade de equidade. Mais do
que um programa preciso, a Seara Nova definiu uma atitude, a de que os meios e os fins
não podem deixar de identificar-se e de que a força e a grandeza da obra comum
residem na pluralidade das opiniões e dos gestos dos homens livres e corajosos que a
executam. Durante longos períodos, a própria possibilidade de um articulista publicar
num periódico de ideias com expressão nacional reconhecido pela sua independência e,
como tal, pela oposição ao salazarismo, só foi facultada pela firme capacidade de
resistência às tribulações que fizeram a vida deste periódico em particular.
6
A que muito mais há a acrescentar, desde logo no campo da crítica literária, musical, de
artes plásticas e de cinema.
Verificou-se com O Tempo e o Modo o que é muito frequente nos periódicos com uma
existência relativamente longa: sob um mesmo título e, neste caso, também uma
numeração única, encontramos revistas distintas, com programas e redações sucessivas.
Se o título ganha prestígio nos anos iniciais e as condições para a criação de novos
periódicos se mostram adversas, como o foram durante o salazarismo e o marcelismo, a
possibilidade de conquista interna e de transmutação programática advém elevada. Com
efeito, é um testemunho fundamental da irreverência do seu tempo tanto na fase de
inspiração católica, ensaística e literária, como nos períodos que se lhe seguiram que se
distinguiram pela riqueza e complexidade das transformações culturais e políticas dos
finais da década de 60 e pela radicalização política que antecedeu e, sobretudo,
acompanhou a reposição da democracia. Em cada um destes três momentos, tão
7
próximos e tão distantes, as páginas do mensário cristalizaram a sua circunstância de
forma eloquente e com expressão nacional.
A primeira crítica a um filme português que poderia ser indício deste “novo” cinema a
ocorrer em ambas as publicações é a de Pássaro de Asas Cortadas de Artur Ramos. Este
revela de imediato a preocupação existente em relação ao quadro geral do cinema
português à época. Ambas abordam os problemas do cinema português, pelo que n’O
Tempo e o Modo afirma-se que “os cineastas devem trabalhar pensando sobretudo nos
problemas específicos da nossa cinematografia”8, enquanto na Seara Nova diz-se que
No decorrer dos dois artigos são expostas duas perspetivas que embora distintas, fazem
o mesmo “apelo”: é necessária uma reforma na cinematografia portuguesa, um novo
impulso que lhe devolva a vida.
Embora a expressão “novo cinema” se tenha popularizado, a verdade é que são vários
os que defendem que esta não está relacionada com a doutrina defendida pela nouvelle
8
BRAGANÇA, Nuno Manuel Maria Caupers - Pássaro de asas cortadas, O Tempo e o Modo, n.
5 (1963)
9
COSTA, José Fonseca e – A propósito de “Pássaro de Asas Cortadas”, Seara Nova, n. 1414 (1963)
8
vague francesa que lhe deu nome, como é caso de Fonseca e Costa, António Macedo,
António Cunha Telles, Alberto Seixas Santos, entre outros. De uma maneira ou de outra,
estes reiteram que a unidade do novo cinema enquanto movimento sociocultural ou
estético nunca existiu, sendo que a única unidade existente entre todos os elementos que
deram forma a este novo cinema era o desejo de mudar os cânones vigentes no cinema
português até então. Com a realização deste objetivo, graças a películas como
Belarmino (Fernando Lopes) e Os Verdes Anos (Paulo Rocha), esta união
aparentemente desaparece.
Em relação a estes filmes que surgem mais tarde ou mais cedo nas páginas destes
periódicos, vários pontos de vista são oferecidos, pelo que se debruçaram numa análise
profunda sobre aqueles que aparentavam ser os primeiros filmes de uma nova geração
de cineastas portugueses. Seixas Santos chega a afirmar nas páginas d’O Tempo e o
Modo que “Belarmino de Fernando Lopes será, com Verdes Anos, o primeiro filme que
uma geração ousa reivindicar.”10. Manuel da Luz, um dos nomes mais presentes na
revista Seara Nova no que concerne a escrita sobre cinema faz um balanço sobre a
situação do cinema português aquando das estreias dos filmes de Paulo Rocha e
Fernando Lopes, para além do regresso de Manoel de Oliveira, caso excecional na
cinematografia portuguesa, do qual chega-se mesmo a apontar que “é, de facto, o nosso
único cineasta.”11.
10
BRAGANÇA, Nuno Manuel Maria Caupers de; MORAIS, José Domingos; LOPES, Gérard
Castello; VASCONCELOS, António Pedro; VILARDEBÓ, Carlos; SANTOS, Alberto Seixas;
COSTA, João Bénard da; ROCHA, Paulo - Belarmino, de Fernando Lopes, O Tempo e o Modo, n. 18
(1964)
11
s/n - Acto de Primavera, de Manoel de Oliveira, Seara Nova, n. 1418 (1964)
12
LUZ, Manuel Machado da – Os verdes anos, Seara Nova, n. 1419 (1964)
9
fôlego ao que está a ser realizado em matéria de cinema português, é consciente das
falhas, limitações e condicionalismos do panorama vivido à época dentro do mesmo,
alertando também para a importância de reconhecer os problemas, pois só assim seria
possível tentar colmatá-los. A título exemplificativo, temos o seguinte artigo nas colunas
d’O Tempo e o Modo:
A divulgação destas revistas não se cingia apenas aos comentários sobre filmes, estando
presentes nas suas páginas outros registos como debates, excertos de opiniões de outras
publicações tanto nacionais como estrangeiras (vários artigos de Cahiers du Cinéma são
aqui traduzidos), entrevistas a personalidades relevantes no painel do cinema,
apresentação de festivais de cinema, etc.
“(...) a semana do cinema francês começou com a estreia de alguns filmes que mais
tarde serão exibidos comercialmente. Alguns deles, em especial a Duas horas da
vida de uma mulher, da realizadora Agnès Varda, e Lola, de Jacques Demy, se fará
referência aquando da sua exibição normal, dado o seu especial interesse. Contudo,
foram os filmes exibidos em sessões por convite na sala do Palácio Foz, que melhor
representaram cinema francês, sem todavia nos darem uma Visão actualizada
daquela cinematografia, pela ausência de alguns dos seus principais valores,
nomeadamente Resnais, Franju, Godard, Mermengoz, Astruc, Autant-Lara, Malle,
Chabrol, e tantos outros.”14
Tudo isto demonstra um esforço constante no sentido de que o cinema português não
fosse esquecido, apesar dos entraves que sobretudo a censura impunha, não só a filmes
portugueses, como a muitos filmes estrangeiros que apenas eram dados a conhecer ao
público português muito tempo depois da sua estreia, frequentemente com cortes que
retiravam toda a espinha dorsal da narrativa e essência da obra ou que nunca chegaram a
ser exibidos, sendo isso apenas possível após o 25 de Abril.
13
ANTÓNIO, Lauro – O crime da Aldeia Velha de Manuel Guimarães, O Tempo e o Modo, n. 22 (1965)
14
MORGADO, Fernando; PINA, Manuel - Os filmes da semana do cinema francês, Seara Nova, n. 1407
(1963)
10
“A partir de 25 de Abril, o cinema em Portugal viu-se, assim, de algum modo,
colocado num novo ponto de partida. Para já, entre as medidas imediatas anunciadas
no programa de atuação da Junta de Salvação Nacional, as que mais diretamente
dizem respeito à atividade cinematográfica são a abolição da censura e o anúncio da
publicação de uma nova lei do cinema pelo governo provisório.” 15
“A importância da crítica era mais do que evidente. Uma boa crítica a um filme
podia desencadear uma carreira de várias semanas. […] Um filme admirável de
Altman, ‘Nashville’, passou uma rápida semana no Berna. Quando a minha crítica
saiu o filme já estava a sair do cartaz. Mas foi reposto no Nimas, com um excerto da
crítica no anúncio, e fez quase três meses de excelentes lotações. A critica tinha um
poder que hoje em dia não tem.”16
A partir dos anos 70, há uma tendência em ambas as revistas para que os textos sobre
cinema passem a ter uma dimensão mais abstrata, no sentido em que não se discutem os
filmes concretos, mas o ofício cinematográfico em si. Há uma menção sucessiva ao
realismo como corrente estética - o termo é várias vezes utilizado, existindo textos que
se debruçam apenas sobre ele17, uma reflexão em como é que o cinema (nomeadamente
o português) poderia atingir esse realismo, sendo defendido que o cinema deveria
voltar-se para o seu interior, não buscando emitir a ilusão de que a realidade filmada e a
realidade fílmica são iguais, mas aceitando que essa diferença é que torna o cinema uma
arte suscetível de interesse.
“O cinema é o domínio dos indícios, porque atua como representação analógica mas
não fotográfica da realidade - o que destrói essa identidade estático-ideal e a própria
ilusão do movimento contínuo das impressões luminosas na retina do espetador. É
nesta margem de erro (todo o seu ser) que se desenvolve e fundamenta toda a
15
LOPES, João - Espetáculos: Cinema: Política e Cinema Político, Seara Nova, n. 1544 (1974)
16
ANTÓNIO, Lauro – Memórias: A Grande Ilusão, III. In: Take – Cinema Magazine. Lisboa, Agosto de
2008, pp. 79-84. In CUNHA, Paulo (2008) – A crítica que mudou a crítica de cinema na imprensa
portuguesa: o caso Diário de Lisboa, 1968. Colóquio Internacional “O Cinema através da Crítica.
Cinema, teoria, literatura e crítica de cinema na Península Ibérica”. Coimbra.
17
GUERREIRO, Fernando; RAPOSO, Eduardo Paiva - À margem de um realismo cinematográfico, O
Tempo e o Modo, n. 79 (1970)
11
inevitável simbologia do cinema. Para empregar de um modo moral o cinema há que
partir da verdade inicial, que é a sua constante ficcionabilidade (que será sempre
seletiva de real), e só daí se poderá controlar utilmente quaisquer circunstâncias de
possível ambiguidade.”18
“(…) a tecla das dificuldades de toda a ordem que, entre nós, rodeiam a criação
cinematográfica não devem servir aos nossos realizadores para justificarem os maus
filmes que vão fazendo nem certos críticos para estabelecer duas bitolas de
apreciação: uma aplicável ao produto nacional, outra vigorando quando se trata de
filmes estrangeiros. Um filme é uma obra de arte e, como tal, deve ser analisada, isto
é, independentemente das circunstâncias do momento e do lugar que envolveram a
sua feitura.”20
18
GUERREIRO, Fernando; RAPOSO, Eduardo Paiva - À margem de um realismo cinematográfico, O
Tempo e o Modo, n. 79 (1970)
19
LOPES, João - Política e cinema político, Seara Nova, n. 1544 (1974)
20
COSTA, José Fonseca e – A propósito de “Pássaro de Asas Cortadas”, Seara Nova, n. 1414 (1963)
12
Esta citação é exemplo de uma das opiniões existentes na altura, pelo que esta pertence
ao grupo daqueles que não acredita que a quantidade se deva sobrepôr à qualidade e que
ainda que a situação do cinema português seja delicada, isso não justifica “agarrar”
qualquer produção fílmica portuguesa como uma tábua de salvação. Não obstante, há
outro “lado da moeda” que apoia exatamente o contrário: “Devemos estar gratos a
Fernando Lopes, não pelo êxito ou pelo fracasso da sua experiência, mas pelo simples
facto de ter tentado.”21
Não diria que existe propriamente uma diferença de tratamento por parte da crítica em
relação ao novo cinema francês quando comparado com as críticas ao novo cinema
português, mas antes uma diferença de conjeturas: o ponto de situação destes dois
cinemas era muito distinto, o cinema francês embora tenha tido os seus altos e baixos
não atravessou uma fase de quase extinção como a que se verificou no cinema
português. Enquanto vários artigos destes periódicos se debruçam sobre o significado e
perspetiva de determinada película francesa, outros tantos são, de uma forma mais ou
menos óbvia, apelos à revitalização da cinematografia portuguesa que durante um certo
tempo se encontra em estado letárgico e durante outro tanto fica à procura do seu lugar
de afirmação que, na minha perspetiva, não foi capaz de encontrar mesmo já no fim do
período desta análise.
O caso específico do Diário de Lisboa ilustrado pelo texto de Paulo Cunha, revela que
não só a imprensa especializada se interessava por cinema, mas também a imprensa
generalista e jornais conceituados como é o caso do periódico em questão, pelo que o
mediatizado braço de ferro entre o Diário de Lisboa e a associação de exibidores
Cineasso em 1968 provocou uma reação por parte dos diferentes setores da crítica como
talvez nunca antes tivesse existido, sendo um exemplo algo revelador de que apesar de
21
VASCONCELOS, António Pedro – Em relação a Belarmino, O Tempo e o Modo, n. 18 (1964)
13
todas as diferenças existia uma solidariedade nesse setor. A razão desta solidariedade
tem como base o objetivo maior que tinham em comum: a revitalização do cinema
português.
Em jeito de conclusão, deixo aqui o meu apelo a que mais investigadores procurem
saber mais sobre esta área que é a história do cinema português e da extraordinária (e
surpreendente a meu ver) contribuição da imprensa para a sustentação e renovação do
mesmo.
14
vii) Referências bibliográficas
COSTA, João Bénard da – Breve história mal contada de um cinema mal visto In
FERREIRA, Vítor Wlamidiro, CASIMIRO, Jorge, SILVA, Helena Vaz da – Portugal
45-95 nas Artes, nas Letras e nas Ideias. Lisboa: Centro Nacional de Cultura, 1998.
ISBN: 972-96507-4-8, pp. 47-78
ANTÓNIO, Lauro – Memórias: A Grande Ilusão, III. In: Take – Cinema Magazine.
Lisboa, Agosto de 2008, pp. 79-84. In CUNHA, Paulo (2008) – A crítica que mudou a
crítica de cinema na imprensa portuguesa: o caso Diário de Lisboa, 1968. Colóquio
Internacional “O Cinema através da Crítica. Cinema, teoria, literatura e crítica de
cinema na Península Ibérica”. Coimbra.
CUNHA, Paulo, SALES, Michelle (org.) – Cinema Português: Um Guia Essencial. São
Paulo: SESI-SP, 2013. ISBN: 978-85-65025-60-7
15
CUNHA, Paulo – Uma nova história do novo cinema português. 1ªed. Outro Modo
Cooperativa Cultural, 2018. ISBN: 978-989-54095-1-8
DUARTE, Joana Isabel Fernandes (2018) – «Se não se podem ver filmes, leiam-se as
revistas»: Uma abordagem da imprensa cinematográfica em Portugal (1930-1960).
Porto: [edição de autor]. Vol. I. Dissertação de mestrado em História da Arte, Cultura e
Património Visual na Faculdade de Letras da Universidade do Porto
16