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O CINEMA MODERNO

Antonio Costa. “Compreender o Cinema.” Rio de Janeiro, Globo, 1987.


Diferentemente das anteriores, aquela que propusemos chamar de idade do cine-
ma moderno é mais difícil de circunscrever e definir.

Não existe uma inovação tecnológica comparável à do cinema sonoro a ponto de


modificar e unificar o estatuto da narração, como aconteceu entre os anos 20 e
30. Primeiro a introdução da cor e, depois, a da tela panorâmica não têm efeitos
suficientes para modificar o estatuto expressivo, tendo, no máximo, o efeito de
reforçá-lo, uma vez que tais inovações têm o objetivo de limitar a emergente con-
corrência da televisão.

São inovações menos espetaculares que lançam as bases para o desenvolvimen-


to de novos usos e de novas configurações da linguagem cinematográfica. Dos
anos 30 aos 60, tais inovações se sucedem continuamente. A introdução da pelí-
cula pancromática (isto é, dotada de maior sensibilidade) e das objetivas com
foco curto tinha permitido melhorar as filmagens contínuas com uma potenciação
de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de
campo que permitia tomadas contínuas sem os excessivos fracionamentos da
decupagem clássica.

A difusão de câmeras mais fáceis de manobrar e mais leves, com formato reduzi-
do, e o progressivo melhoramento das técnicas de gravação direta do som favo-
recem a saúde dos estúdios.

Em síntese, tais inovações tecnológicas favorecem a ruptura dos esquemas tradi-


cionais (produtivos e expressivos) e a difusão de usos do cinema que, anterior-
mente, tinham sido feitos só em caráter excepcional (as vanguardas históricas e
certos momentos heróicos do neo-realismo).

Uma nova consciência das potencialidades e dos mecanismos de comunicação


do meio, afirmada em estreita concomitância com as temáticas desenvolvidas
pelas ciências humanas (psicologia, semiótica, estética, sociologia), atribui ao
cinema papéis importantes não só para a definição de novos modelos de repre-
sentação, mas também para o conhecimento das mudanças em curso.

A ideologia dominante no cinema moderno é uma ideologia progressista: à ex-


pressão de uma nova subjetividade individual ou coletiva, à definicão de uma
nova linguagem e de novas tipologias expressivas, é atribuída a tarefa de captar
as mudanças e produzir ou acelerar processos de transformação moral, social e
política.

A pesquisa do novo e a recusa da tradição, em analogia com o que se vinha verifi-


cando nas outras formas de expressão, levam o cinema a reforçar tendências
paralelas da literatura, das artes plásticas e figurativas.

É difícil circunscrever cronologicamente o cinema moderno, mesmo porque ele


mergulha suas raízes em experiências de vanguarda que existiram anteriormente.
Contudo, se tentamos definir a idade do cinema moderno como aquela em que a
instituição cinematográfica vive concretamente as possibilidades de mudança,
sob as pressões dos grupos de vanguarda ou por necessidade fisiológica de
renovação, se tentamos, dizíamos, definir o cinema moderno nesses termos, os
possíveis limites cronológicos vão do final dos anos 50 até cerca da metade dos
anos 70; ou seja, da afirmação da nouvelle vague francesa até a “nova
Hollywood” e o “cinema novo alemão”.

A “POLÍTICA DE AUTORES” E A LIÇÃO DE BAZIN

Foi depois do Festival de Cannes de 1959, onde o cinema novo francês obteve
uma elogiosa safra de reconhecimentos, que se começou a falar de nouvelle
vague cinematográfica.

A etiqueta teve sucesso e se tornou corrente para designar um modo novo de


fazer os filmes e, simultaneamente, uma nova atitude frente ao cinema.

Entre os protagonistas da “nova onda” recordemos François Truffaut, que, com


Os incompreendidos (1959), recebeu em Cannes o prêmio de melhor direção;
Claude Chabrol, que tinha estreado no ano anterior com Nas garras do vício
(1958); Jean Luc Godard, cuja estréia no longa-metragem com Acossado (1960),
provocara grandes agitações; Eric Rohmer e Jacques Rivette, que começam,
respectivamente, com Le sigue du Lion (1959) e Paris nous appartient (1960).

A característica comum destes cinco novos diretores era de ter começado a


ocupar-se de cinema escrevendo artigos e ensaios na revista Cahiers du Cinéma,
fundada em 1951 por Bazin e Doniol-Valcroze, e no semanário Arts.

Junto deles foram também agrupados sob a etiqueta de nouvelle vague Louis
Malle, que fora assistente de Robert Bresson e autor de Ascensor para o cadafal-
so (1957) e Os atuantes (1958), e A. Resnais, iniciando no longa-metragem com
Hiroshima, meu amor (1959), depois de uma notável carreira no campo do
documentário (Nuit et brouillard, 1955, Toute memoire du monde, 1957 etc.). A
atividade deles, como a de outros jovens e menos jovens como Agnès Varda,
Marker, Franju, era acompanhada com grande atenção pelos jovens críticos dos
Cahiers du Cinéma, pelo interesse comum de romper com o cinema tradicional.

Pouco importa se hoje aqueles mesmos protagonistas neguem que a nouvelle


vague tenha existido ou admitam, no máximo, que tenha sido um bom achado em
termos de publicidade. O advento da nouvelle vague não foi importante só porque
assinalou a estréia de uma nova geração de diretores, mas especialmente a for-
ma pela qual foi preparada tal estréia e pelo significado que adquiriu.

Associando-se a um profético texto de A. Astruc publicado na revista L’écran


francais em 1948, “Naissance d’une nouvelle avant-garde: la caméra-stylo” (trad.
it. in Brignaffini 1984, 49-51), esses jovens prefiguravam um tipo de cinema pes-
soal, no qual a câmera pudesse ser utilizada com a mesma simplicidade e liberda-
de com a qual o romancista e o ensaísta usam a caneta. Um cinema, portanto,
espontâneo, imediato e com custos baixos, que pudesse evitar os complicados
procedimentos dos estúdios e o artificial cuidado formal da produção francesa
“de qualidade”, ou seja, aquela produção que, após o momento mágico dos anos
trinta e quarenta, com a afirmação do “realismo poético”, não tinha conseguido
renovar-se no segundo pós-guerra.

No clima estagnado da cinematografia francesa dos anos cinqüenta, onde uma


política de pura sobrevivência tornava praticamente impossível estréias de novos
diretores, os jovens redatores dos Cahiers du Cinéma, sonhando usar um dia a
câmera de filmar como uma caneta, começaram a exercitar-se e usando primeiro
a caneta como máquina de filmar. . . e fazendo da atividade crítica um momento
preparatório da ação criativa.

A “política de autores” tornou-se a palavra de ordem do grupo. Antes de ser o


trampolim para lançar-se como autores, essa fórmula proposta pelos jovens
redatores dos Cahiers apresenta um novo modo de ver o cinema, tendo por finali-
dade a valorização do diretor-autor. Referindo-se ao cinema europeu, a diretores
como Dreyer, Bresson ou Antonioni, essa “política” não criava problemas particu-
lares, mesmo porque na Europa, justamente por causa das afinidades que o cine-
ma tinha mantido com a cultura literária e artística e com os métodos de produção
artesanal, a tradição de um cinema de autor tinha criado raízes mais profundas
que em outras regiões.

Mais complexo se tornava o problema com os diretores americanos. Diretores


perfeitamente inseridos no mecanismo produtivo hollywoodiano, como Hitchcock,
Minnelli, Hawks, eram minuciosamente analisados como autores, e da produção
americana de diretores europeus como Lang, Renoir ou Ophüls se sublinhava a
continuidade com a obra precedente.

Tais opções comportavam a elaboração de um método de análise do filme capaz


de reconhecer na mise-en-scêne, isto é, na direção e não nas declarações
programáticas ou na intencionalidade explícita da tese política ou moral do filme,
o valor e o significado de uma obra. Tratava-se de um método que, enquanto
particularmente atento à identificação dos valores técnico-formais do filme, pode
ser definido e aproximado ao método da crítica estilística em literatura e ao méto-
do iconológico nas artes figurativas (ver De Vincenti, 1980, 147-84).

André Bazin, que foi uma espécie de pai espiritual desse grupo de jovens, defen-
deu com vigor a validade do método seguido, mesmo quando podia ter dúvidas
quanto às escolhas feitas. Num famoso artigo intitulado “Comment peut-on être
hitchcockohawksiens?” publicado nos Cahiers du Cinéma em 1955, escreveu em
defesa de seus jovens colegas estas palavras:

Mas se eles apreciam a tal ponto a mise-en-scène é porque nela descobrem em


grande parte a própria matéria do filme, uma organização dos seres e das coisas
que encontra em si o próprio significado, tanto moral quanto estético. O que
Sartre escrevia sobre o romance é verdadeiro para todas as artes, para a cinema
como para a pintura. Cada técnica remete para uma metafísica. A unidade e a
mensagem moral do expressionismo alemão não se revelam hoje mais na mise-
en-scène do que nos temas ou, mais precisamente, não é exatamente aquilo que,
do seu projeto moral, se tinha dissolvido completamente no universo visual que
permanece para nós a coisa mais significativa (trad. it. In. Grignaffini, 1984, 148-
49).

Uma das conseqüências da afirmacão da nouvelle vague foi a de dar uma resso-
nância mais ampla ao trabalho crítico e teórico de Bazin, graças à estreita relação
que se estabeleceu no seu grupo, e, apesar de sua morte prematura (1958), entre
a dimensão teórica e a criativa.
A contribuição fundamental de Bazin consiste em ter elaborado uma teoria da
linguagem cinematográfica não mais baseada na montagem (como se tinha conti-
nuado a fazer do período mudo para a frente) mas sobre aqueles elementos como
a trilha sonora, a película pancromática, as objetivas capazes de refletir a profun-
didade de campo, a tela panorâmica — que, acentuando a impressão de realidade
da imagem fílmica, tinham evidenciado progressivamente o caráter manipulatório
e artificial da montagem tradicional.

Através do estudo da obra de Wyler, Welles (em particular de Cidadão Kane, 1941)
e de Rossellini, Bazin tomou distância das teorias da “montagem soberana” ela-
boradas pelos soviéticos, em particular por Eisenstein e Pudovkin e também se
afastou das posições da decupagem clássica de Hollywood. Forçando os textos
analisados (mas nisso consiste a produtividade do seu método, que prevê uma
intervenção ativa que não se limita à paráfrase e à repetição do que é evidente no
filme), Bazin prefigurou um tipo de cinema que respeita ao máximo as condicões
cotidianas de percepção das coisas, dos objetos, da vida.

Ontologia e linguagem é o titulo do primeiro tomo de sua obra, publicada postu-


mamente: Qu’est-ce que c’es le cinéma? (Bazin, 1958-62), cujo fio condutor é a
exaltação do caráter de reprodução mecânica da realidade que o cinema produz.

Restituindo-nos a dimensão visual de um evento sem recorrer à manipulação e à


interpretação de um tema (enquanto a reprodução é realmente mecânica), o cine-
ma pode revelar a sua essência. Porém, é por esse motivo que o cineasta deve
respeitar a continuidade e a duração real do evento dramático representado, sem
interrupção e interpolações de montagem. Daí decorre uma norma assim enuncia-
da no texto “Montagem proibida”:

“Quando o essencial de acontecimento depende da presença simultânea de dois


ou mais fatores da ação, a montagem é proibida” (Bazin, 1958-62, 75).

Essa norma nasce da necessidade de respeitar, mais que a objetividade do even-


to representado, a subjetividade do espectador e a ambigüidade de cada situa-
ção. A montagem, enquanto redução do ponto de vista ao de quem faz os “cor-
tes”, é interpretada como um procedimento que predetermina a “fecha” o sentido
da seqüência. A filmagem contínua, a que Bazin chama de “plano-seqüência”,
teria a propriedade de permitir ao espectador um percurso de leitura mais livre,
autônomo.

Evidentemente há algo forçado nesta teoria. O uso do plano-seqüência não elimi-


na a montagem (que se reconstitui como montagem interna ao plano ou monta-
gem contínua) nem conduz milagrosamente ao grau zero a escrita fílmica, tanto é
assim que o uso do plano-seqüência em autores como Godard, Straub ou Garrel
ou no húngaro Jancsó ou no italiano Bertolucci se tomará um procedimento de
afirmação de uma radical subjetividade do autor. E todavia existe nessas idéias
de Bazin uma intenção, rica de implicações e de possibilidades futuras, de ade-
quar o cinema às tendências de estética contemporânea que atribui ao destinatá-
rio da mensagem estética um papel ativo e que concebe o texto como uma estru-
tura aberta na qual a função das estruturas técnico-formais é de multiplicar os
percursos de leitura e tornar ambíguo (não rigidamente preestabelecido) o senti-
do.
O NOVO CINEMA DOS ANOS 60

É possível determinar uma série de características comuns que, indo além das
notáveis diferenças de cultura nacionais, de tradições cinematográficas, de situa-
ções políticas, possam restituir-nos uma imagem unitária do movimento de reno-
vação que, nas pegadas ou ao lado da experiência da nouvelle vague, revestiu o
cinema nos anos 70.

Miccichè, um crítico que idealizou e dirigiu um festival que nos anos 60 foi inteira-
mente dedicado ao conhecimento e à difusão do novo cinema (Mostra
lnternazionale del Nuevo Cinema di Pesaro), sintetizou nos quatro pontos seguin-
tes as inovações desse movimento que, em graus variáveis, incidiu sobre a insti-
tuição cinematográfica no mundo inteiro (Miccichè, 1972):

a) Estrutura narrativa: é abandonado o enredo romanesco tradicional e a constru-


ção da personagem acabada e são adotadas soluções mais próximas das novas
tendências literárias (embora nem sempre ou não necessariamente nelas inspira-
das).

b) b) Linguagem fílmica: abandono das formas sintáticas e expressivas tendentes


a ocultar o procedimento de encenação e adoção de técnicas de filmagem, de
recitação e de montagem de tipo “antinaturalista” e destinadas a evidenciar a
subjetividade do autor.

e) Ideologia: em vez de evidenciar uma mensagem ideológica unívoca e direta,


confiada geralmente a um herói positivo (como no passado o chamado “realismo
socialista”, em alguns momentos da neo-realismo italiano e do realismo francês),
surgiram formas mais fluidas e indiretas, baseadas em procedimentos metafóri-
cos ou alegóricas.

d) Estruturas de produção: manifesta-se sempre uma exigência de mudança,


mesmo que de formas muito distintas segundo as diferentes situações; pode-se
variar dos projetos de um circuito de distribuição radicalmente alternativo, como
aquele esboçado nos Estados Unidos por Jonas Mekas e pelos film-makers do
New American Cinema Group, às propostas “reformistas” dos cineastas dos
países do Leste socialista que lutavam para conquistar um mínimo de controle
sobre o sistema de produção e de distribuição (Miccichè, 1972, 12-13).

Junto a esses traços distintivos que permitem unificar experiências nascidas e


desenvolvidas em contextos diversos e distantes um do outro, é preciso recordar
a formação e a rápida maturação de um novo tipo de público, que atribui ao cine-
ma um papel diferente daquele por ele tradicionalmente desempenhado, um públi-
co mais maduro e preparado no aspecto político-cultural e no do conhecimento
do cinema e da sua linguagem.

A nouvelle vague

Todo bom filme — dizia Truffaut — deve saber exprimir ao mesmo tempo uma
concepção da vida e uma concepção do cinema.

A nouvelle vague francesa não representou apenas a estréia de uma nova gera-
ção de cineastas decididos a exprimuir as próprias inquietações e o próprio mal-
estar. Foi também — e talvez principalmente — a afirmação de um novo tipo de
cineasta, para o qual a tomada de consciência crítica do meio expressivo usado e
a reflexão sobre a sua natureza são tão importantes quanto uma opção moral.

Nós somos os primeiros cineastas — dizia orgulhosamente Godard no início dos


anos 60 — a saber que Griffith existe. Uma nova consciência da linguagem cine-
matográfica - tema do qual se apropria a pesquisa crítico-teórica na década que
também vê o nascimento da semiologia do cinema - acompanha e alimenta boa
parte da produção dos diretores da nova onda.

Isso é particularmente evidente no cinema de J. L. Godard. Os temas tratados nos


seus filmes podem ser os mais diversos: retratos de “rebeldes sem causa” em
Acossado (1960) e O demônio das onze horas (1965); a guerra da Argélia em O
pequeno soldado (1960) e a guerra geral em Tempo de guerra (1963); os proble-
mas da mulher, do casal, da prostituição etc. em Uma mulher é uma mulher
(1961), Viver a vida (1962), Uma mulher casada (1964) etc.

Contudo, além dos aspectos narrativos e sociológicos, cada um destes filmes é


também um ensaio sobre imagens e sobre cinema, sobre a relação entre o diretor
e as estórias que narra, entre autor e personagem interpretada; sobre a relação
entre as palavras e as imagens; sobre o papel que os vários meios de comunica-
ção (a palavra, o cinema, a publicidade, os jornais, etc.) têm em plasmar e definir
o horizonte das nossas experiências.

As técnicas de recitação e de filmagem baseadas na improvisação (real ou


sinuulada, pouco importa); as técnicas de montagem pouco respeitadoras das
regras clássicas que garantiam cortes fluidos e “invisíveis”; as técnicas de
mixagem, isto é, a combinação dos vários componentes da trilha sonora (diálo-
gos, ruídos etc.); todos os aspectos técnicos e expressivos do cinema de Godard
destinam-se a obter uma desestruturação da continuidade fílmica e uma ruptura
do fluxo narrativo.

Desta política da dissonância e da desmontagem que o transformará no mais


inovador dos diretores da sua geração, Godard, aprofundando e expressando
procedimentos inspirados nas técnicas de distanciamento introduzidas pelo
teatrólogo alemão Bertolt Brecht, chegará depois de 1968 a uma estrita prática
marxista-leninista, que muitas vezes se traduziu numa negação do cinema procla-
mada através do próprio cinema.

Mais fiel à tradicional vocação narrativa do cinema é a obra de Truffaut, que


tampouco pode ser definido um narrador tradicional.

Truffaut pode encontrar inspiração, na sua experiência auto-biográfica como


também no chamado “ciclo de Antoine Doinel” iniciado com Os incompreendidos
(1959) e concluído com L’amour en fuite (1979), ou em obras literárias, como em
Jules e Jim (1961), As duas inglesas e o amor (1971), La chambre verte (1978), ou
rever gêneros tradicionais do cinema americano ou francês, como em Tirez sur le
pianiste (1960), A noiva estava de preto (1967) ou De repente, num domingo
(1983); em todos os casos, nas suas estórias os temas recorrentes são as inquie-
tações e a dificuldade dos seres em dar uma forma acabada à própria necessida-
de de amar e de se comunicar com os outros.

Freqüentemente, as narrações de Truffaut, desenhadas sempre com uma grande


elegância e sentido de equilíbrio, repropõem a separação entre arte e vida, entre a
completa harmonia da obra, do texto, do espetáculo e a incerteza, a desarmonia
da existência: este é o tema central de A noite americana (1973), o mais belo filme
que tenha sido rodado sobre o cinema; mas contínuas referências ou alusões a
esse tema e, em geral, a momentos, mitos, estilos e situacões do cinema prece-
dente cobrem toda a obra de Truffaut.

O momento de maior aproximação entre cinema e novas técnicas de narração


literária é representado pelos filmes de Alain Resnais. Com Hiroshima, mon
amour (1959), com roteiro de Marguerite Duras, e O ano passado em Marienbad
(1961), com roteiro de Alain Robbe-Grillet, Muriel (1963) e A guerra acabou (1966),
Resnais desenvolveu uma ampla pesquisa sobre a interioridade, o tempo e a
memória, unindo sempre um excepcional empenho a nível do estilo e da pesquisa
formal a uma intensa participação nas problemáticas contemporâneas.

Junto aos autores acima citados, a experiência da nouvelle vague levou à afirma-
ção de outros novos diretores, como Chabrol e Malle, Rivette e Rohmer, todos
autores que continuaram a dar provas de alto nível e de grande interesse mesmo
em anos recentes: bastaria recordar, entre estes, Rohmer, que, permanecendo fiel
a uma sua concepção extremamente rigorosa de cinema, conseguiu alcançar um
público mais numeroso com filmes como La femme de l’aviateur (1982) e Les
nuits de pleine lune (1984).

Embora os laços entre eles se tenham logo dissolvido e desaparecido a situação


que havia feito falar de grupo ou de escola, o mérito indiscutível da nouvelle va-
gue foi o do chamar a atenção para os fermentos de renovação que, em medida e
intensidade variáveis, estavam se manifestando em diferentes latitudes.

O New Amenican Cinema Group e as experiências underground

A fundação, em Nova York, 1960, do New American Cinema Group, à qual se se-
guirá pouco depois a constituição da New York Film Makers Cooperative (1962),
são as duas etapas que sancionam a formação de um movimento de vanguarda
cinematográfica nos Estados Unidos e que coroam quase trinta anos de tentati-
vas de cinema experimental (tinha sido uma mulher, Maya Deren, que, com
Mashes of the afternoon, 1943, havia tentado desenvolver um cinema de pesquisa
marcadamente influenciado pelas experiências da vanguarda européia).

A idéia de um cinema pessoal, realizado fora de qualquer condicionamento, é


baseada por esse grupo de vanguarda, que utiliza o formato reduzido (16 mm e 18
mm) e foge de toda forma de distribuição tradicional. Tudo aquilo que, por moti-
vos de mercado, de censura e de ideologia, fora ignorado por Hollywood torna-se
objeto desse cinema, que ganhará logo a etiqueta de cinema underground (sub-
terrâneo), a mesma dos vários movimentos artísticos, literários e musicais que
constituíram a diversificada constelação das vanguardas dos anos 60.

Mesmo sendo impossível encontrar entre os film-makers (como se autodefiniram)


do New American Cinema uma linha unitária, pode-se identificar uma vontade
comum de usar o cinema com a mesma liberdade e autonomia de outras formas
de expressão: por isso as referências à experiência poética de Stan Brackhage
(Dog star man, 1965) e em Gregory Markopoulos

(Twice a man, 1963) à ação teatral de Shirley Clarke (The connection, 1961) e de
Jonas Mekas (The brig, 1964); os últimos dois filmes citados documentam
performances do Living Theatre, que foi o mais importante grupo teatral de van-
guarda a operar nos anos 60.

A ligação com a pintura do vanguarda foi garantida pelas experiências cinemato-


gráficas do pintor Andy Warhol, um dos mais significativos representantes da pop
art. Num programa de negação do cinema narrativo e das suas leis de composi-
ção, Warhol realizou filmes com um único enquadramento fixo num único assun-
to: Sleep (1964) mostra durante seis horas um homem que dorme, enquanto
Empire (1965) tem como tema único o Empire State Building, o mais célebre arra-
nha-céu de Nova York, filmado ao longo de oito horas.

O New American Cinema Group tratou de antecipar, realizar e pôr em circulação


um tipo de cinema que não deixasse margens de mediação ou compromissos
com Hollywood.

Todavia, não se pode negligenciar a freqüência com que os mitos de Hollyvvood e


as mais típicas configurações do imaginário cinematográfico retornam nos fil-
mes: alusões ou referências explícitas ao cinema hollywoodiano clássico se
encontram em Flaming creatures (1963) de Jack Smith, em Scorpio rising (1963) e
lnauguration of pleasures dome (1966) de Kenneth Anger, para não falar da pintu-
ra e do cinema de Andy Warhol (das serigrafias dedicadas a Marilyn Monroe a
filmes como Lonesome cowboys, 1968).

Certamente se trata de retornos à mitologia hollywoodiana em forma irônica ou


dessacralizante, mas que reconhecem implicitamente a Hollywood um papel es-
sencial na produção da mitologia contemporânea (Sklar, 1975, 352).

Como em outros países, um dos momentos de maior interesse dessas experiênci-


as alternativas é representado pelo cinema documentário, que recebeu nomes
como “cinema verdade”, “cinema direto, “candid camera” etc. Trata-se de experi-
ências que, além do interesse intrínseco que apresentam, prepararam a renova-
ção do cinema narrativo.

Foi o caso do Free Cinema na Grã-Bretanha, onde uma geração de diretores


(Karel Reisz, John Schlesinger, Tony Richardson etc.) fez os primeiros ensaios no
campo do documentário. Nos Estados Unidos, o filme de maior destaque nessa
área que está entre documentário e ficção é provavelmente Shadows (1960), de
John Cassavetes, que é, de qualquer maneira, a versão “recitada” de um trabalho
precedente que se perdeu e baseado sobre improvisações (Marsolais, 1974, 268-
69).

Mitos e realidades do cinema direto

No âmbito dos processos de renovação dos modelos narrativos tradicionais (que


tinham tido em Hollywood o centro de expansão máxima) ou das modalidades de
produção (sistema econômico-industrial e técnico) que nos anos 60 atingiu o
cinema em todos os lados, um lugar à parte cabe ao fenômeno do “cinema verda-
de” ou “cinema direto”.

Utilizando equipamentos leves (câmara de 16 mm e gravador para registro sincro-


nizado do som) e adotando módulos expressivos emprestados pela reportagem
de televisão ou baseados na improvisação, dá-se um novo impulso ao cinema
documentário de caráter etnológico e sociológico.
Desviantes podem ser os apelos a experiências precedentes, como fizeram os
franceses que adotaram a fórmula “cinema verdade” com uma referência não
muito pertinente ao soviético Vertov ou como fizeram os canadenses que tiveram
o grande documentarista inglês J. Grierson como fundador do National Film
Board, o organismo que deu um grande impulso à pesquisa e experiências nesse
campo.

Marsolais, um crítico canadense grande conhecedor de toda a experiência do


cinema direto, estabeleceu nos seguintes pontos a técnica e o espírito desse tipo
de cinema.

a) filmagem sincronizada de imagens e som;

b) emprego de aparelhos ;manejáveis e aperfeiçoados a ponto de permitir a filma-


gem em quaisquer condições;

a) atores não profissionais que se limitam a interpretar a si próprios;

d) recurso à improvisação e relativa recusa das técnicos de estúdio;

e) papel ativo da câmera, que procura estabelecer um contato direto e imediato


com o real;

f) gravação das palavras no próprio momento da ação;

g) assunção por parte do cineasta de todas as conseqüências, éticas e estéticas,


de tais técnicas (Marsolais, 1974, 335).

Os centros de desenvolvimento e difusão do cinema direto foram o Canadá (com


Macartney-Filgate, Koenig, Kroitor, Brault, Perrault etc.), os Estados Unidos (com
Drew, Leacock, Maysles, Pennebaker, Clarke, Kramer, Cassevetes etc.) e a Fran-
ça, que teve em Rouch um etnólogo que fez da câmera um instrumento de pesqui-
sa, um expoente de primeiro plano.

No âmbito canadense, pode ser recordada a série Candid eye (15 média-
metragens para a televisão), na qual trabalharam entre 1958 e 1960 Macartney-
Filgate, Koenig, Kroitor, Dufaux, Brault e outros. A experiência de Candid eye nos
parece hoje particularmente... ingênua. O olho da câmera jamais é cândido, ingê-
nuo, talvez perverso: ele se torna instrumento daquela perversão aceita e com-
partilhada que é o voyeurismo (Metz, 1977) cinematográfico, isto é, o prazer de
ver sem ser visto. Um dos resultados mais interessantes dessa experiência foi o
filme Lonely boy (1961-62), que Koenig e Kroitor dedicaram ao cantor Paul Anka e
a seus concertos. Aqui, a técnica das filmagens a distância, com o uso da teleob-
jetiva, para registrar de surpresa comportamentos e reações do público, adquire
um valor de análise sociológica, além da curiosidade. Esse filme pode ser consi-
derado o precursor dos mais recentes e famosos filmes dedicados a concertos
de rock, a partir de Monterey Pop (1969), de Pennebaker, e Woodstock (1970). de
M. Wadleigh.

Nesses filmes, a análise sociológica a o registro de um fenômeno de sucesso e


de um ritual coletivo se traduzem de fato numa dilatação e num prolongamento do
efeito espetacular devidos à propriedade do meio empregado (televisão e cine-
ma).
Uma função bem diversa é atribuída ao meio de reprodução: a câmera, na série
de filmes de Brault e Perrault dedicada aos habitantes da Ile-aux-Coudres: Pour la
suite du monde (1963), La règne du jour (1967) e La golette (1969). No primeiro
desses filmes, a comunidade dos habitantes da ilha aceita retomar, sob o olhar da
câmera, uma atividade abandonada há tempos: a pesca do marsuíno branco.
Nesse caso, os cineastas não fingem filmar um evento sem serem vistos, nem os
“protagonistas” fingem não saber que estão sendo filmados.

Diremos sim que os cineastas provocam a produção de um evento e que os prota-


gonistas o predispõem e o realizam para que seja filmado. Os velhos e os jovens
da ilha assumem conscientemente o papel de atores, de protagonistas da recupe-
ração de uma técnica de pesca há muito abandonada. Vivem um acontecimento
sem fingir que ele seja habitual, mas com a plena consciência de atuar numa
encenação.

Experiências deste gênero nascem da constatação de que cada documentário


clássico, de Nanuk, o esquimó (1922), de Flaherty, a Drifters (1929), de Grierson, é
um filme “recitado”, não só pela “encenação” que qualquer filmagem, mesmo a
mais aparentemente casual, comporta, mas sobretudo pelo papel de ator que a
pessoa filmada, consciente ou inconscientemente, assume.

Em vez de simular um evento através do ocultamento da sua encenação, é enca-


rada como argumento do filme a encenação do evento e a sua filmagem. Assim,
atribui-se um papel ativo à câmera e ao conjunto dos atos relativos à reprodução
visual e sonora, dando-lhes uma função maiêutica. Um procedimento análogo,
que se fundamenta na consciência de manter distintos “documentário” e”ficção”,
está na base da vasta produção do etnólogo e cineasta Jean Rouch, que realiza
com o sociólogo Edgar Morin Crônica de um verão (1960). Aqui a presença da
câmara e do “observador” tem a função de suscitar reações e facilitar o processo
de liberação da interioridade a das recordações dos entrevistados chamados a
falar das próprias experiências.

Sem dúvida existe uma relação entre as técnicas do cinema direto e as inovações
de linguagem do novo cinema dos anos 60. Mas é igualmente indubitável que em
torno do tais experiências, mais citadas do que conhecidas de perto, construíram-
se ingênuas mitologias de reprodução direta da realidade, de espontaneidade
criativa etc., e que conhecem uma grande difusão no âmbito das lutas estudantis
e operárias de 1968 e dos anos imediatamente posteriores.

Tentativas de renovação no Leste europeu

Uma onda de renovação atingiu também os países socialistas, onde o cinema,


embora não sofrendo os condicionamentos do mercado e sendo menos vinculado
do que no Ocidente às exigências do lucro, sofria outros tipos de restrição, devi-
dos ao exagerado poder do sistema político-burocrático.

Já nos anos 50, após a morte de Stalin (1953), a o XX Congresso do PCUS (1956),
durante o qual foram pela primeira vez denunciados oficialmente os “desvios”
stalinistas, começou-se a falar de um cinema do “degelo”.

Para este nosso rápido perfil, interessa destacar as tentativas de renovar


temáticas o linguagens que se afastavam das formas de cinema celebrativo e
propagandista e enfrentavam problemáticas mais atuais.
Também na URSS e nos seus satélites se afirmaram nos anos 60 novos autores
que foram acompanhados com grande interesse no Ocidente, porque constituíam
uma confirmação da validade da primazia do autor proclamada pela nouvelle
vague e por apresentarem novidades temáticas e, em alguns casos, pesquisas
expressivas.

Andrei Tarkovski, com A infância de Ivan (1962) e com Andrei Roublev (concluído
em 1966, mas apresentado no Festival de Cannes numa versão incompleta só em
1968), constituiu o caso mais notório e discutido.

Na Polônia, onde, entre o final dos anos 50 e início dos anos 60, algumas tentati-
vas de diretores da geração intermediária, como Wajda, Munk, Kawalerowicz etc.,
de encanar temáticas contemporâneas em termos anticonformistas tinham en-
contrado duras críticas do sistema, houve estréias notáveis como as de Polanski
e Skolimowski: o primeiro com A faca na água (1962), que fora precedido de três
breves filmes experimentais (Dois homens e um armário, Quando caem os anjos e
O gordo e o magro), elaborados com um registro grotesco e surrealista; o segun-
do com Sinais particulares: nenhum (1964), primeiro capítulo de uma espécie do
trilogia de fundo autobiográfico que prosseguiria com Walkover (1965) e Bariera
(1966).

Também pana a Checoslováquia se falou de uma nouvelle vague (nova vlná) a


propósito de autores como Milos Forman, de quem relembramos Cerny Petr
(1963) e Os amores de uma loura (1965), e Evald Schorm, que estreou com o
longa-metragem Kazdy den odvahu (1964).

O clima de renovação do cinema do Praga, comprovado também pelas pesquisas


de Vera Chytilová e Nemec, teve uma brusca interrupção com a intervenção arma-
da das tropas do Pacto de Varsóvia, que pôs fim à política reformista de Dubcek
(1968).

Um outro importante pólo de renovação foi constituído pelo cinema húngaro, que
revelou no curso dos anos 60 uma grande vitalidade e originalidade e impôs no-
vos diretores, como Kovacs, Gaal, Jancsó, Gyöngyössy, Szabo etc.

Destes foi Jancsó quem, com Os sem esperança (1964), Csllagok Katonak (1967)
e Csad és Kiáltás (1968), se impôs com maior força pela originalidade de seu
estilo baseado numa singuIar e complexa orquestração dos movimentos da
câmera e das personagens que desenham, nos vastos espaços da cena, coreo-
grafias abstratas.

A afirmação internacional de autores como os citados levou a um conhecimento


maior das cinematografias nacionais a que eles pertencem. Assim, expressões
originais de linguagem cinematográfica, integrantes de um clima de renovação
em curso a nível internacional, tornaram-se o instrumento de conhecimento e de
representação do aspectos profundamente radicados do culturas e tradições
nacionais ou de peculiares situações histórico-políticas.

Fenômenos como os que se observaram nos países do Leste europeu se verifica-


ram também em outras cinematografias “menores”, como aquelas da América
Latina ou do Sudeste asiático. O caso mais notório foi o do cinema novo brasilei-
ro, que teve em Glauber Rocha o seu mais válido representante. Em filmes como
Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967) e O dragão da mal-
dade contra o santo guerreiro (1969), a adoção do modelos expressivos da van-
guarda cinematográfica internacional convive com um grande compromisso de
conhecimento e interpretação das características originais e das contradicões da
situação política e cultural do Brasil.

A situação italiana

De que modo o cinema italiano, que, com a experiência neo-realista tinha, a longo
prazo, influenciado o surgimento do novo cinema, participa da fase do cinema
moderno?

O neo-realismo como movimento ou como etapa irrepetível do nosso cinema e da


nossa história cede o lugar a autores que, àquela experiência, com ou sem razão,
continuarão a referir-se ou a serem associados a gêneros que dela continuarão a
ser devedores, mesmo que de formas diferentes.

Os autores que tinham ligado o seu nome ao neo-realismo ou que em nome do


neo-realismo haviam estreado ou se tinham reciclado, prosseguiram as suas
carreiras que, portanto, devem ser consideradas no “singular”. Raramente a crise
do neo-realismo implica crises desses autores, que (é o caso de Visconti) de-
monstram ter recursos criativos e produtivos que vão além das temáticas daque-
la fase e que conseguem gerir com digno profissionalismo aquela comprometedo-
ra herança (é o caso do De Sica).

Somente em Rossellini se manifestará nos anos 60 uma crise de profundas pro-


porções que atingirá as próprias razões de fazer cinema e que determinará uma
crescente atenção à televisão e a uma função didática das linguagens
audiovisuais.

Autores como Antonioni e Fellini que, mesmo tendo estreado no âmbito neo-
realista, tinham mostrado uma clara tendência para superá-lo, abrem no final dos
anos 50, respectivamente com A aventura (1960) e com A doce vida (1959), a fase
de suas maturidades, aprofundando temáticas ligadas sobretudo à subjetividade
das personagens e afirmando as suas próprias e inconfundíveis características
estilísticas.

Quanto ao cinema de gênero, nas suas melhores expressões, encontradas entre


as comédias de costume, ele soube acompanhar a evolução da sociedade italiana
na passagem do pós-guerra ao milagre econômico, recolhendo a herança daque-
les estreitos vínculos entre cinema e vida social que o neo-realismo havia intro-
duzido. Por outro lado, não se pode esquecer que para a fase mais rica e criativa
da “comédia à italiana” contribuem diretores, roteiristas e atores que se tinham
formado em íntimo contato com o movimento de renovação do pós-guerra.

Esse dado era indispensável para esclarecer as razões pelas quais, na Itália, no
campo cinematográfico, não haverá nos anos 60 uma revolta contra os pais neo-
realistas. Não existe no cinema uma revisão crítica daquela experiência nem uma
nítida ruptura com aquela tradição como a que se verificou no campo literário da
vanguarda do Gruppo 63 (neo-vanguarda que, aliás, não terá relações de desta-
que com o cinema); nem as experiências underground, se excetuarmos Carmelo
Bene, que é um caso isolado e para quem o cinema é um breve parêntesis (ver
Costa, 1981), conseguem se tornar um movimento que entra em relação dialética
com a instituição cinematográfica. Quanto às experiências, reais ou apenas dese-
jadas, do cinema “militante” que amadureceram no âmbito da geração de 68 e
nos seus prolongamentos, convém registrar que, quando existe polêmica com o
neo-realismo, ela se desenvolve numa ótica tão sectária que traz de volta os
piores fantasmas ideológicos dos anos 50. Das numerosas o, muitas vezes, exce-
lentes estréias dos anos 60 (Olmi, Petri, Pasolini, os irmãos Taviani, Orsini,
Forreri, Bellochio), nenhum produz fraturas claramente observáveis com a tradi-
ção neo-realista. Podem ser identificados, mas sem nunca adquirir dimensões de
movimento, aqueles traços distintivos do novo cinema dos anos 60: tentativas de
uma política produtiva com baixos custos e capaz de favorecer o surgimento de
novos autores são experimentadas no início dos anos 60, mas faltam os pressu-
postos para nascer um movimento análogo à nouvelle vague francesa; o abando-
no da mensagem ideológica unívoca nem sempre comporta a capacidade de
afrontar com instrumentos adequados a mudança econômica e social e não impe-
de o retorno, sob formas atualizadas, de mitos e ideologias neo-realistas; no
plano das técnicas de narração e de linguagem se observa uma modernização, à
qual faltam elementos de tensão teórica ou estilística comparáveis aos que se
encontram em outros países ou em outras áreas de expressão (ver Miccichè,
1975a).

A única tentativa de unir um momento de reflexão teórica (com atualizações no


campo da lingüística, da semiologia e das teorias do cinema moderno) e produção
criativa é representada pela experiência de Pasolini, que elabora, na metade dos
anos 60, e no âmbito da já citada Mostra Internazionale dei Nuovo Cinema di
Pesaro, a sua proposta de um “cinema de poesia”.

Procurando identificar em diretores diferentes como Antonioni, Godard e


Bertolucci (mas tendo presentes as experiências de Rocha, Jancsó ou Olmi)
elementos comuns que permitissem falar do uma “língua do cinema de poesia”,
Pasolini constitui uma tentativa do reelaboração solidamente apoiada na sua
própria e personalíssima vivência criativa e intelectual da “teoria do autor” e na
nova consciência crítica da linguagem cinematográfica que caracteriza a aventu-
ra do cinema moderno (ver Pasolini, 1972, 171-191).

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