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A difusão de câmeras mais fáceis de manobrar e mais leves, com formato reduzi-
do, e o progressivo melhoramento das técnicas de gravação direta do som favo-
recem a saúde dos estúdios.
Foi depois do Festival de Cannes de 1959, onde o cinema novo francês obteve
uma elogiosa safra de reconhecimentos, que se começou a falar de nouvelle
vague cinematográfica.
Junto deles foram também agrupados sob a etiqueta de nouvelle vague Louis
Malle, que fora assistente de Robert Bresson e autor de Ascensor para o cadafal-
so (1957) e Os atuantes (1958), e A. Resnais, iniciando no longa-metragem com
Hiroshima, meu amor (1959), depois de uma notável carreira no campo do
documentário (Nuit et brouillard, 1955, Toute memoire du monde, 1957 etc.). A
atividade deles, como a de outros jovens e menos jovens como Agnès Varda,
Marker, Franju, era acompanhada com grande atenção pelos jovens críticos dos
Cahiers du Cinéma, pelo interesse comum de romper com o cinema tradicional.
André Bazin, que foi uma espécie de pai espiritual desse grupo de jovens, defen-
deu com vigor a validade do método seguido, mesmo quando podia ter dúvidas
quanto às escolhas feitas. Num famoso artigo intitulado Comment peut-on être
hitchcockohawksiens? publicado nos Cahiers du Cinéma em 1955, escreveu em
defesa de seus jovens colegas estas palavras:
Uma das conseqüências da afirmacão da nouvelle vague foi a de dar uma resso-
nância mais ampla ao trabalho crítico e teórico de Bazin, graças à estreita relação
que se estabeleceu no seu grupo, e, apesar de sua morte prematura (1958), entre
a dimensão teórica e a criativa.
A contribuição fundamental de Bazin consiste em ter elaborado uma teoria da
linguagem cinematográfica não mais baseada na montagem (como se tinha conti-
nuado a fazer do período mudo para a frente) mas sobre aqueles elementos como
a trilha sonora, a película pancromática, as objetivas capazes de refletir a profun-
didade de campo, a tela panorâmica que, acentuando a impressão de realidade
da imagem fílmica, tinham evidenciado progressivamente o caráter manipulatório
e artificial da montagem tradicional.
Através do estudo da obra de Wyler, Welles (em particular de Cidadão Kane, 1941)
e de Rossellini, Bazin tomou distância das teorias da montagem soberana ela-
boradas pelos soviéticos, em particular por Eisenstein e Pudovkin e também se
afastou das posições da decupagem clássica de Hollywood. Forçando os textos
analisados (mas nisso consiste a produtividade do seu método, que prevê uma
intervenção ativa que não se limita à paráfrase e à repetição do que é evidente no
filme), Bazin prefigurou um tipo de cinema que respeita ao máximo as condicões
cotidianas de percepção das coisas, dos objetos, da vida.
É possível determinar uma série de características comuns que, indo além das
notáveis diferenças de cultura nacionais, de tradições cinematográficas, de situa-
ções políticas, possam restituir-nos uma imagem unitária do movimento de reno-
vação que, nas pegadas ou ao lado da experiência da nouvelle vague, revestiu o
cinema nos anos 70.
Miccichè, um crítico que idealizou e dirigiu um festival que nos anos 60 foi inteira-
mente dedicado ao conhecimento e à difusão do novo cinema (Mostra
lnternazionale del Nuevo Cinema di Pesaro), sintetizou nos quatro pontos seguin-
tes as inovações desse movimento que, em graus variáveis, incidiu sobre a insti-
tuição cinematográfica no mundo inteiro (Miccichè, 1972):
A nouvelle vague
Todo bom filme dizia Truffaut deve saber exprimir ao mesmo tempo uma
concepção da vida e uma concepção do cinema.
A nouvelle vague francesa não representou apenas a estréia de uma nova gera-
ção de cineastas decididos a exprimuir as próprias inquietações e o próprio mal-
estar. Foi também e talvez principalmente a afirmação de um novo tipo de
cineasta, para o qual a tomada de consciência crítica do meio expressivo usado e
a reflexão sobre a sua natureza são tão importantes quanto uma opção moral.
Junto aos autores acima citados, a experiência da nouvelle vague levou à afirma-
ção de outros novos diretores, como Chabrol e Malle, Rivette e Rohmer, todos
autores que continuaram a dar provas de alto nível e de grande interesse mesmo
em anos recentes: bastaria recordar, entre estes, Rohmer, que, permanecendo fiel
a uma sua concepção extremamente rigorosa de cinema, conseguiu alcançar um
público mais numeroso com filmes como La femme de laviateur (1982) e Les
nuits de pleine lune (1984).
A fundação, em Nova York, 1960, do New American Cinema Group, à qual se se-
guirá pouco depois a constituição da New York Film Makers Cooperative (1962),
são as duas etapas que sancionam a formação de um movimento de vanguarda
cinematográfica nos Estados Unidos e que coroam quase trinta anos de tentati-
vas de cinema experimental (tinha sido uma mulher, Maya Deren, que, com
Mashes of the afternoon, 1943, havia tentado desenvolver um cinema de pesquisa
marcadamente influenciado pelas experiências da vanguarda européia).
(Twice a man, 1963) à ação teatral de Shirley Clarke (The connection, 1961) e de
Jonas Mekas (The brig, 1964); os últimos dois filmes citados documentam
performances do Living Theatre, que foi o mais importante grupo teatral de van-
guarda a operar nos anos 60.
No âmbito canadense, pode ser recordada a série Candid eye (15 média-
metragens para a televisão), na qual trabalharam entre 1958 e 1960 Macartney-
Filgate, Koenig, Kroitor, Dufaux, Brault e outros. A experiência de Candid eye nos
parece hoje particularmente... ingênua. O olho da câmera jamais é cândido, ingê-
nuo, talvez perverso: ele se torna instrumento daquela perversão aceita e com-
partilhada que é o voyeurismo (Metz, 1977) cinematográfico, isto é, o prazer de
ver sem ser visto. Um dos resultados mais interessantes dessa experiência foi o
filme Lonely boy (1961-62), que Koenig e Kroitor dedicaram ao cantor Paul Anka e
a seus concertos. Aqui, a técnica das filmagens a distância, com o uso da teleob-
jetiva, para registrar de surpresa comportamentos e reações do público, adquire
um valor de análise sociológica, além da curiosidade. Esse filme pode ser consi-
derado o precursor dos mais recentes e famosos filmes dedicados a concertos
de rock, a partir de Monterey Pop (1969), de Pennebaker, e Woodstock (1970). de
M. Wadleigh.
Sem dúvida existe uma relação entre as técnicas do cinema direto e as inovações
de linguagem do novo cinema dos anos 60. Mas é igualmente indubitável que em
torno do tais experiências, mais citadas do que conhecidas de perto, construíram-
se ingênuas mitologias de reprodução direta da realidade, de espontaneidade
criativa etc., e que conhecem uma grande difusão no âmbito das lutas estudantis
e operárias de 1968 e dos anos imediatamente posteriores.
Já nos anos 50, após a morte de Stalin (1953), a o XX Congresso do PCUS (1956),
durante o qual foram pela primeira vez denunciados oficialmente os desvios
stalinistas, começou-se a falar de um cinema do degelo.
Andrei Tarkovski, com A infância de Ivan (1962) e com Andrei Roublev (concluído
em 1966, mas apresentado no Festival de Cannes numa versão incompleta só em
1968), constituiu o caso mais notório e discutido.
Na Polônia, onde, entre o final dos anos 50 e início dos anos 60, algumas tentati-
vas de diretores da geração intermediária, como Wajda, Munk, Kawalerowicz etc.,
de encanar temáticas contemporâneas em termos anticonformistas tinham en-
contrado duras críticas do sistema, houve estréias notáveis como as de Polanski
e Skolimowski: o primeiro com A faca na água (1962), que fora precedido de três
breves filmes experimentais (Dois homens e um armário, Quando caem os anjos e
O gordo e o magro), elaborados com um registro grotesco e surrealista; o segun-
do com Sinais particulares: nenhum (1964), primeiro capítulo de uma espécie do
trilogia de fundo autobiográfico que prosseguiria com Walkover (1965) e Bariera
(1966).
Um outro importante pólo de renovação foi constituído pelo cinema húngaro, que
revelou no curso dos anos 60 uma grande vitalidade e originalidade e impôs no-
vos diretores, como Kovacs, Gaal, Jancsó, Gyöngyössy, Szabo etc.
Destes foi Jancsó quem, com Os sem esperança (1964), Csllagok Katonak (1967)
e Csad és Kiáltás (1968), se impôs com maior força pela originalidade de seu
estilo baseado numa singuIar e complexa orquestração dos movimentos da
câmera e das personagens que desenham, nos vastos espaços da cena, coreo-
grafias abstratas.
A situação italiana
De que modo o cinema italiano, que, com a experiência neo-realista tinha, a longo
prazo, influenciado o surgimento do novo cinema, participa da fase do cinema
moderno?
Autores como Antonioni e Fellini que, mesmo tendo estreado no âmbito neo-
realista, tinham mostrado uma clara tendência para superá-lo, abrem no final dos
anos 50, respectivamente com A aventura (1960) e com A doce vida (1959), a fase
de suas maturidades, aprofundando temáticas ligadas sobretudo à subjetividade
das personagens e afirmando as suas próprias e inconfundíveis características
estilísticas.
Esse dado era indispensável para esclarecer as razões pelas quais, na Itália, no
campo cinematográfico, não haverá nos anos 60 uma revolta contra os pais neo-
realistas. Não existe no cinema uma revisão crítica daquela experiência nem uma
nítida ruptura com aquela tradição como a que se verificou no campo literário da
vanguarda do Gruppo 63 (neo-vanguarda que, aliás, não terá relações de desta-
que com o cinema); nem as experiências underground, se excetuarmos Carmelo
Bene, que é um caso isolado e para quem o cinema é um breve parêntesis (ver
Costa, 1981), conseguem se tornar um movimento que entra em relação dialética
com a instituição cinematográfica. Quanto às experiências, reais ou apenas dese-
jadas, do cinema militante que amadureceram no âmbito da geração de 68 e
nos seus prolongamentos, convém registrar que, quando existe polêmica com o
neo-realismo, ela se desenvolve numa ótica tão sectária que traz de volta os
piores fantasmas ideológicos dos anos 50. Das numerosas o, muitas vezes, exce-
lentes estréias dos anos 60 (Olmi, Petri, Pasolini, os irmãos Taviani, Orsini,
Forreri, Bellochio), nenhum produz fraturas claramente observáveis com a tradi-
ção neo-realista. Podem ser identificados, mas sem nunca adquirir dimensões de
movimento, aqueles traços distintivos do novo cinema dos anos 60: tentativas de
uma política produtiva com baixos custos e capaz de favorecer o surgimento de
novos autores são experimentadas no início dos anos 60, mas faltam os pressu-
postos para nascer um movimento análogo à nouvelle vague francesa; o abando-
no da mensagem ideológica unívoca nem sempre comporta a capacidade de
afrontar com instrumentos adequados a mudança econômica e social e não impe-
de o retorno, sob formas atualizadas, de mitos e ideologias neo-realistas; no
plano das técnicas de narração e de linguagem se observa uma modernização, à
qual faltam elementos de tensão teórica ou estilística comparáveis aos que se
encontram em outros países ou em outras áreas de expressão (ver Miccichè,
1975a).