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Sem trono, castelo ou poder, 'rei' de


Portugal vive como se fosse monarca
FEBRUARY 09, 2022

Portugal instaurou a república há 111 anos, mas se ainda tivesse um rei, hoje
ele seria Dom Duarte Pio de Bragança, 76.

Apesar de ser considerado "chefe da Casa Real", não tem status oficial no
país, nem qualquer tipo de subsídio do governo. Ainda assim, D. Duarte
conta que a vida inteira tem trabalhado a serviço da pátria, participando de
comemorações históricas, eventos culturais em todo o território nacional, e
levando a cultura portuguesa a outros países. Casa Real é uma fundação sem
fins lucrativos, que promove ações em países lusófonos: entre outros,
desenvolve projetos de formação e capacitação de professores no Timor Leste
e assiste pessoas fugindo do terrorismo em Cabo Delgado (Moçambique).

O escritório da Fundação Casa Real, onde recebeu a reportagem do TAB,


fica numa rua tranquila em meio ao burburinho do turístico bairro do
Chiado, em Lisboa. Assim que me cumprimentou, disse que eu poderia tirar
a máscara — embora a sala fosse bem pequena, afirmou sentir-se protegido
por tomar ivermectina semanalmente — medicamento indicado para
combater parasitas e piolho, com ineficácia comprovada no tratamento da
covid-19.

Quando lhe foi dito que no Brasil houve grande adesão à ivermectina e,
mesmo assim, o Brasil tem seguido com alto número de infectados, preferiu
seguir com o foco no local. "Em Portugal tem tido muito efeito. Estive com
várias pessoas infectadas e não apanhei", relatou. Apesar disso, garantiu que
está devidamente imunizado com as vacinas, incluindo a dose de reforço.

Embora critique a Direção Geral da Saúde (o ministério da saúde local) na


condução da pandemia, elogiou o atual primeiro-ministro, António Costa,
do Partido Socialista (PS), que em janeiro conquistou a maioria absoluta nas
eleições parlamentares. Ele considera que Costa tem feito um bom governo
"dentro das possibilidades e da doutrina do Partido Socialista".

Também gosta do atual presidente, Marcelo Rebelo de Sousa (sem partido).


Ele mesmo, porém, não votou em nenhum dos dois. Isso porque ele não
vota em pleitos nacionais. "Pela minha posição familiar, de chefe da Casa
Real portuguesa, devo manter neutralidade", afirmou D. Duarte em seu
escritório, cercado de imagens da família real, anotações com senhas, uma
grande árvore genealógica e um pequeno retrato do papa emérito Bento 16.

D. Duarte vota apenas nas eleições municipais de Sintra, onde reside,


porque acredita que sua opinião sobre o governo local não fere a
neutralidade exigida para seu papel nacional. Prefere não citar nomes, mas
contou que já votou no PSD (centro-direita), no PS (centro-esquerda) e até
no Partido Comunista. "Muitas vezes o candidato comunista é o melhor. Há
municípios onde, de fato, os comunistas têm feito as melhores governações",
disse.
Não julga membros da família real que se metem mais em política
partidária. Sabe que seus três filhos costumam votar, mas não pergunta em
quem e prefere não saber. Também não vê problemas no posicionamento
político de Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL), seu primo brasileiro
eleito deputado federal por São Paulo em 2018. "Não vejo problema, porque
ele não é o chefe da casa real. Então ele tem esse direito", afirmou,
explicando como funciona a hereditariedade para o trono, se houvesse um.
"O pai dele [Eudes] poderia ter sido chefe da casa real, mas abdicou. O tio
do Luiz Philippe, Dom Luiz, é que é o chefe."

Família real parece ter sempre disputas. O último rei de Portugal, D.


Manuel 2º, não deixou descendentes. Morreu no exílio e sem filhos — seu
pai e seu irmão haviam sido assassinados alguns anos antes. Depois da sua
morte, dois "ramos" da família entraram em briga. De um lado, os
descendentes de uma filha bastarda do antepenúltimo rei reivindicavam o
direito à cabeça da casa real. De outro, vem de uma linhagem do infante
(príncipe) D. Miguel, irmão do nosso D. Pedro 1º, do qual D. Duarte é
descendente. A briga foi encerrada em 2006, com decisão judicial dizendo
que "bastardia" não dá direito ao trono, real ou hipotético.
A família Bragança completa, em foto de 1999. No colo, Dom Dinis de Bragança Imagem: Arquivo
Pessoal

Sempre muito cordial e sorridente, D. Duarte esquiva-se de criticar qualquer


político, seja português, brasileiro ou de qualquer outra parte. Chegou a
dizer algo sobre lideranças africanas, mas logo pediu para retirar a
declaração, alegando que seria "pouco simpático" de sua parte.

Contou que gosta muito do Brasil e que, durante a juventude, visitava o país
uma vez por ano. O pedido de casamento com Isabel, sua esposa há 26 anos
e mãe de seus três filhos, foi feito em Ilhabela (SP).

"Minha mãe é brasileira, neta da princesa Isabel, o que me dá privilégios no


Brasil. Uma vez um policial me parou porque eu estava entrando na
contramão numa rua, sem perceber. Começou a dizer que era algo muito
perigoso e me pediu os documentos. Ao ler 'Bragança', perguntou se eu era
da família da Princesa Isabel. Eu disse que sou bisneto dela. O policial era
preto. Disse que como agradecimento ao que ela fez eu não precisaria pagar
multa, mas pediu para eu ir até a delegacia para apresentar-me aos colegas",
relatou.

Numa das primeiras visitas ao Brasil, foi ao Recife, onde conheceu pessoas
"muito interessantes", como o escritor Ariano Suassuna e o sociólogo
Gilberto Freyre. Desde então, fez muitos amigos na cidade e sempre tenta
começar suas viagens pela capital nordestina.

Na mais recente visita ao país, foi com a filha passar uns dias na Amazônia;
ficou hospedado numa maloca "com algumas comodidades para turistas".
No Rio de Janeiro, já almoçou na favela de Vigário Geral. "Meus amigos e
primos do Rio ficaram preocupados quando contei que iria, mas foi tudo
ótimo. Aliás, quando voltar ao Brasil, vou outra vez lá almoçar", afirmou.

Os Bragança, em foto na casa de Sintra, em Portugal Imagem: Arquivo Pessoal

Sentem-se à vontade em solo brasileiro, mas acha que seria melhor se


Portugal e Brasil fossem um só. "É sempre muito delicado dizer isso aos
brasileiros, mas eu acho que foi um erro D. Pedro 1º separar Portugal e
Brasil, porque se tivesse continuado, com a morte do pai, ele mantinha-se rei
do Brasil e de Portugal — e a capital voltava a ser o Rio de Janeiro, ou São
Paulo, conforme ele decidisse", ponderou. E garante que não pensa só pelo
lado dos portugueses. "Foi prejudicial para o Brasil também, que perdeu
uma dimensão europeia, africana e asiática, porque Portugal tinha territórios
em todo o mundo."

Sem perder o tom moderado, costuma corrigir quem chama as ex-colônias


portuguesas de ex-colônias. Segundo ele, o status nunca foi de colônia, como
eram as espanholas e inglesas, mas de províncias ultramarinas. "Nas colônias
os habitantes não são nacionais.

Os habitantes das províncias ultramarinas portuguesas eram todos


portugueses", explicou. Segundo ele, é "um pouco" como a relação da
Holanda com as Antilhas Holandesas, ou da França com a Guiana Francesa.
"Na monarquia, tínhamos estatuto de reino unido, que funcionou
sobretudo com o Brasil."

Alega que a história é ensinada errada, seja no Brasil, seja em Portugal, sobre
a relação inicial entre os atuais países. "Aprende-se que Portugal roubou o
Brasil. Isso não faz sentido porque era o mesmo país. A contribuição de
Portugal para o Brasil foi muito grande.

Quando se conta essa história errada criam-se problemas no relacionamento


humano. Se as pessoas pensam que Portugal roubou o Brasil, ficam com
certo azedume", avalia. No entanto, há quem julgue que se passa o contrário
— que nas escolas lusitanas, os livros de história não apresentem de fato a
violência da colonização.

De sua parte, D. Duarte se mostra empenhado em melhorar o intercâmbio


entre todos os países de língua portuguesa. "Gosto de visitar instituições que
se interessam pelo desenvolvimento da agricultura, como a Unicamp
[Universidade Estadual de Campinas]. Tento fazer o intercâmbio de
conhecimento entre essas universidades e a agricultura em Angola, Guiné e
Timor, onde tenho trabalhado mais. Há muito que os antigos territórios
portugueses em África podem aprender com a tecnologia brasileira", elogia.

Esperança monárquica
A renda para suas despesas pessoais e suas obras de caridade vem de
consultorias e aluguéis de alguns imóveis da família. A maior parte dos bens
teriam sido "confiscados" durante a ditadura de António Salazar, na versão
de D. Duarte. Oficialmente, o último rei, D. Manuel 2º, deixou o
patrimônio em testamento para sua "amada pátria".

Independentemente de bens e riquezas pessoais, D. Duarte defende que as


monarquias são os melhores sistemas de governo na Europa, citando os
países nórdicos, Holanda e Bélgica como bons exemplos. "O único que teve
problema recentemente foi o rei de Espanha. Há também problemas
familiares, mas é algo que todas as famílias têm hoje em dia. Mas não
incomoda o povo - o povo gosta da família real e fica com pena quando há
problemas - e não afeta a vida política dos países", disse.

Reconhece que, em Portugal, não seria nada fácil um retorno à monarquia,


porque a Constituição proíbe tal mudança. Para alterar o texto, é preciso de
dois terços dos parlamentares e o assunto não está na pauta de nenhum dos
partidos eleitos.

"Mas é um capítulo que é antidemocrático, porque o povo português não


pode escolher seu futuro, não pode escolher uma monarquia. Hoje, com
liberdade de informação, estou convencido de que a monarquia ganhava em
Portugal", assegurou. E ele mesmo lembrou que, pelas suas contas, o
conjunto de associações monarquistas somem apenas uns 10 mil associados.

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