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A ceia do Senhor ou Santa Ceia como é mais conhecida, é um momento de comemoração muito

esperado pela Igreja porque retrata toda a simbologia do amor doador de Cristo por nós. Bem, pelo menos
era para ser assim.
Muitas pessoas sentem medo, receio e se tornam arredios quando o assunto é a sua participação na
ceia. Isso ocorre, porque muitos foram ensinados que esse momento é um modo de medição da santidade,
espiritualidade e ausência de pecado. Fomos ensinados que não participar do corpo e do sangue de Jesus
através desse ritual é a evidência de que há algo errado. E participar escondendo esse “algo errado” é
certamente uma autocondenação.
Mas, por que tanta agonia para um momento que deveria ser de reflexão e renovação?
Vamos então, definitivamente entender o que a Bíblia nos diz.
O texto clássico utilizado está em I Coríntios 11: 23-30:
Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído,
tomou o pão; E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por
vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo:
Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de
mim. Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor,
até que venha. (1 Cor 11: 23-30- NVI)
Até aqui é pura alegria. Sentimo-nos felizes e regozijantes. O terror começa nos versículos abaixo:
Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do
corpo e do sangue do Senhor. (1 Cor 11:20 - NVI)
Observação 1: O que seria “comer indignamente”?
Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. (1 Cor 11:28 - NVI)
Observação 2: Examine-se a si mesmo... O que isso quer dizer?
O que acontece aqui, é que a ênfase humana farisaica explora a palavra “examinar” no sentido
negativo de “examine-se para não comer”. E o versículo traz uma mensagem totalmente na contramão do
que é ensinado.
Vamos ler novamente:
Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. (1 Cor 11:28 - NVI)
Examinar-se não deve ser um ato realizado apenas no dia da ceia, mas diariamente, em seus
momentos com o Senhor. Examinar-se é o momento em que se busca enxergar quais áreas da sua vida
ainda precisam ser salvas - áreas vulneráveis e que necessariamente não precisam ser áreas pecaminosas.
Ex.: No meu autoexame, identifico que sou procrastinador, tenho uma ira quando as coisas fogem do
meu controle e essa ira me domina (falo palavras feias, ofendo pessoas, me vingo), etc.
Ao realizar esse exame em particular (somente eu e o Pai), digo a Ele que sim, sou procrastinador
(estou redigindo esse arquivo um dia antes do encontro – “risos”) e que isso muitas vezes impede que o
trabalho seja feito com maior excelência. Reconheço isso em mim, confesso e quero ser tratado. No final
da minha oração de conversa franca, eu digo: Sou o Freitas, um filho amado de Deus, em recuperação da
procrastinação, ira, complexo de inferioridade.
E participo da ceia.
Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar
de toda a injustiça. (1 Jo 1:9 - NVI)
E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (Jo 8:32 - NVI)
E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê. E logo o pai do menino, clamando,
com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade. (Mc 9:23-24)
A confissão de pecados ou o reconhecimento de áreas vulneráveis em sua vida abre portas de cura
e de restauração.
Vamos continuar com o texto bíblico:
Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo
o corpo do Senhor. (1 Cor 11:29 - NVI)
Observação 3: O que seria comer e beber indignamente, então?
Indigno é o ser humano que acredita que seus méritos o tornam merecedor de participar da mesa.
Indigno é o ser humano que se julga mais justo que os demais; Veja o texto abaixo:
E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e
desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O
fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os
demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na
semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem
ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim,
pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si
mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado. (Lc 18:9-14 - NVI)
Vamos analisar outro cenário, o dia em que Jesus celebrou a ceia com os seus discípulos.
E os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara, e prepararam a páscoa. E, chegada à tarde,
assentou-se à mesa com os doze. E, comendo eles, disse: Em verdade vos digo que um de vós me há de
trair. (Mt 26: 19-21 - NVI)
E, quando comiam, Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse:
Tomai, comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos;
Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão
dos pecados. (Mt 26: 26-28 - NVI)
Então Jesus lhes disse: Todos vós esta noite vos escandalizareis em mim; porque está escrito: Ferirei
o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão. Mas Pedro, respondendo, disse-lhe: Ainda que todos se
escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei. Disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que, nesta mesma
noite, antes que o galo cante, três vezes me negarás. (Mt 26: 31-34- NVI)
Mas tudo isto aconteceu para que se cumpram as escrituras dos profetas. Então, todos os discípulos,
deixando-o, fugiram. (Mt 26:56 - NVI)
Ora, Pedro estava assentado fora, no pátio; e, aproximando-se dele uma criada, disse: Tu também
estavas com Jesus, o galileu. Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes. (Mt 26: 69-70
- NVI)

Analisemos: Jesus conhecia seus discípulos e sabia quem eles eram e o que fariam horas depois
daquela ceia. Haviam sentados à mesa: um negador, um traidor e dez fugitivos. Quantos Jesus expulsou?
Alguns acreditam que Judas deixou o local antes, mas não há uma certeza quanto a isso, pois no relato da
ceia no livro de Mateus ele sai antes, mas em Lucas, ele sai depois. Entretanto, ainda temos em cena outros
11 com debilidades. E todos participaram da ceia.
O que queremos aqui não é valorizar uma vida de pecado, mas garantir o acesso à mesa do Senhor
a todos e todas, confiados na obra da cruz e no poder de salvação em Cristo. Ele nos vê, não em nossas
debilidades, mas no potencial que temos por meio do Espírito Santo. Ele nos vê com o mesmo olhar que viu
um discípulo negador se tornando cheio do poder de Deus e ministrando uma pregação de cinco minutos
com 3.000 conversões e mudando o mundo com a Palavra de Deus escrita em sua própria vida.

Vamos continuar com I Coríntios 11:30:


Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem. (1 Cor 11:30 - NVI)
Quem são os que dormem? Respondo com o versículo de Lucas 18:11:
O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como
os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. (Lc 18:11 - NVI)
Os dorminhocos, comatosos e doentes, são aqueles que acreditam que não precisam de Jesus porque
já atingiram um estado de autossuficiência e se bastam. Acreditam que conquistaram a graça por mérito
próprio e não por causa da bondade e amor de Jesus em nos resgatar, sendo nós ainda pecadores.
Participamos da ceia, não por sermos dignos, merecedores, bons. Mas, por causa de um corpo
rasgado e sangue derramado. Participamos por causa da partilha de Cristo no calvário.
O Senhor se entristece ao testemunhar nosso estado de provação quando já ofereceu resposta à
aflição que sentimos.
A ceia é partilha e transcende o ritual. Estamos ceando quando partilhamos com os nossos irmãos,
quando partilhamos com o anônimo. Estamos ceando quando defendemos a causa da viúva e do órfão,
dos que sofrem preconceitos, dos que sofrem agressão psicológica, física ou espiritual. Ceamos com Cristo
quando sentimos as dores do próximo e choramos com ele. A atitude de doação nos guia ao coração do Pai.
Não sou digno e certamente sou o mais indigno dos pecadores. Tem misericórdia de mim, Senhor.

REFERÊNCIAS:
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica
Internacional.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado:: versículo por versículo. 876 p. v. 2/
Lucas,João. São Paulo: Hagnos, 2014.
FILHO, Silvio. A IDENTIDADE LUTERANA E A NOSSA LIBERDADE NA PRÁTICA DA SANTA CEIA.
In: FILHO, Silvio. A identidade Luterana e a nossa liberdade na prática da Santa Ceia. Espírito Santo, 2019.
Disponível em: https://www.academia.edu/search?utf8=%E2%9C%93&q=a+santa+ceia. Acesso em: 4 dez.
2020.
NOVO Testamento Interlinear: Grego - Português. 4. ed. rev. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil,
2004. 992 p.
ROCHA, Rosania. Santidade na Cidade: A jornada da alma. São Paulo: Efata, 2018. 149 p.

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