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TAINÁ BULHÕES

ilustrações
Thalston Gama de Laia
© 2021 Tainá Bulhões

Ilustrações
alston Gama de Laia
Edição
Gabriel Guimarães Filpi

Catalogação na Publicação (CIP)

Gonçalves Bulhões, Tainá, 1989


Contos Sagrados do Agbê / Tainá Bulhões
Montes Claros, MG, Pá de Mundo Editora, 2021.
960 - História da África
ISBN: 978-65-994987-0-1

1ª Edição, 2021. Livro digital produzido no Brasil.

Este E-book foi diagramado com as fontes Cormorant Garamond


e Pompiere. Suas dimensões são ideais para leitura digital
e não é adequado para impressão.

Sua publicação foi viabilizada através da aplicação de recursos da


Lei Aldir Blanc (2020) na cidade de Montes Claros - MG
Sumário
Apresentação - Agbê: Contos Sagrados 05

A Cabaça e o Mito da Criação 07

O Xequerê Real 12

O Xequerê de Oxum 17

A Autora - Tainá 22
Apresentação

Agbê: Contos Sagrados

Contar histórias é a mais antiga das artes e


possibilita o resgate da memória cultural e afetiva.
Não temos pretensão cientí ca tampouco somos
detentores de uma única verdade. Mas com todo
respeito à origem e à ancestralidade que envolve o
tema pedimos licença. Importa esclarecer a opção por
usar os termos Agbê e Xequerê como sinônimos
devido a essa própria utilização dos termos no Brasil.
Queremos apenas dividir com você esses contos sobre
o Agbê, que estavam dispersos, mas que agora foram
reunidos neste livro digital Contos Sagrados do Agbê.
O conto “A cabaça e o mito da criação'' é
inspirado no mito africano de origem Abomei,
registrado por Parrinder em seu famoso livro “África -
Mitologia Africana”. Edward Geo rey Simons
Parrinder. Parrinder foi professor de Religião em
Londres e ministro metodista, passou vinte anos
ensinando na África Ocidental e estudando religiões
africanas e foi membro fundador do Departamento
05
o de Estudos Religiosos na University College de
Ibadan, Nigéria.
O segundo, “O Xequerê Real”, teve como
referência o conto registrado e publicado pela orga-
nização religiosa Àsà Òrìsà Aláà n Òyó, localizada
na cidade de Oyo, na Nigéria. A organização atua na
preservação da cultura e da religião Yorubá e
promove a divulgação de conteúdos em seu blog Àsà
Òrìsà Aláà n Òyó.*
O último conto, “O Xequerê de Oxum”, foi
compartilhado por Fabiano Pajeú, importante
mestre pernambucano do ofício de confeccionar
Agbês, que ouviu o conto em um terreiro de can-
domblé de Olinda.
E assim como essas histórias a eles foram
contadas, agora as contamos para você...

*Blog disponível em:


https://asaorisaalaa noyo.wordpress.com/

06
A Cabaça e o Mito da Criação

O Agbê é feito de cabaça, fruto de uma família


muito grande de plantas trepadeiras. Ela foi uma das
primeiras plantas cultivadas no mundo por causa de
seus diferentes usos: para alimentação, como
recipiente, artesanato e usos sagrados.
A cabaça é originária do continente africano, mas
há muitas centenas de anos ela foi levada para a Ásia,
Europa e Américas, por grupos nômades ou mesmo
por sementes que utuaram através dos oceanos
dentro da cabaça.
07
Consideradas como elementos com poderes
especiais, as cuias e cabaças estão presentes em várias
práticas e tradições religiosas, indígenas e africanas.

08
No mito africano da origem de Abomei, antiga
capital de Benin, o Universo é considerado uma
cabaça redonda e o horizonte ca nas bordas, na
união das metades desse fruto, é ali que céu e mar se
juntam. A terra é considerada plana, utuando
dentro da grande esfera.
09
Dentro dela também estão as águas, não só no
horizonte como por debaixo da Terra, e é por isso que
se alguém fura o solo sempre descobre água. O Sol, a
Lua e as estrelas movem-se na metade superior da
cabaça. Diz a lenda que, quando Deus criou todas as
coisas, a sua primeira preocupação foi formar a
Terra, xando os limites das águas e unindo bem às
bordas da cabaça.

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Uma cobra divina enrolou-se à volta da Terra,
para segurá-la e mantê-la rme, e levou Deus a vários
lugares, estabelecendo a ordem e sustentando todas
as coisas com os seus movimentos essenciais.

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O Xequerê Real

No antigo reino de Oyó, localizado em parte


onde, atualmente, estão situados os países de Nigéria
e Benin, a cabaça vestida de contas é chamada de
Xequerê (Shekere – na gra a Yorubá) e está ligada à
religião e a família. Ele tem um papel muito
12
importante na música tradicional e em rituais, por
seus poderes espirituais da criação.
O Xequerê é tocado durante a cerimônia de
instalação dos reis, quando o rei vai para qualquer
viagem e, também, antes que um rei possa receber
qualquer visitante importante. O Xequerê era
tocado por bateristas Xequerê, que visitavam o
palácio de Oyó uma vez por mês ou quando recebiam
convites especiais feitos pelo rei.
Era um tabu para qualquer membro da família
Xequerê não ter um instrumento em sua casa para
identi cação ou não realizar rituais para acalmar e
apreciar o espírito de Xequerê para orientação,
proteção e dom da vida.

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Reza a lenda que o rei Aláà n Onisile, um dos
governantes do Império Yorubá de Oyó, amava e
admirava o Xequerê. Xequerê era o instrumento
musical que fazia o Aláà n dançar. Devido a isso, o
Xequerê passou a ser cada vez mais disseminado pela
região e seu uso fortalecido.
14
Desconcertado e confuso o rei não foi capaz de
chorar, porque Xequerê já o tinha feito feliz, e o
aceitou de boa fé. Mas desde esse dia o Xequerê foi
banido de se envolver em qualquer passeio triste
novamente se acredita e ele nunca mais deve ser
usado para informar um rei sobre a morte de um
parente.

15
Certa vez, quando o rei Aláà n estava no
concurso de jogos Ayò-Olópón, ele recebeu a visita
de Ológbò, o chefe baterista Xequerê, que trazia uma
triste notícia. Ológbò e seu grupo zeram alguns
Xequerês com cabaças e colocaram búzios dentro,
porem ao chegarem tocando os chocalhos, o Rei, que
admirava aquele som, começou a dançar alegre. Os
bateristas Xequerês param de tocar ao verem que o
rei não entendeu a mensagem na música e então lhe
contam sobre a morte do seu amado lho.

16
O Xequerê de Oxum

Um recém-chegado tocador de tambor encantara


a bela Oxum. Ela não sabia muito sobre o jovem,
apenas que seu nome era Xangô, que ele gostava
muito de tocar, de dançar e gostava bastante das
mulheres, e elas dele.
17
Oxum era conhecida por toda a aldeia por ser a
mais sedutora, bela e graciosa entre as mulheres e ela
tinha consciência disso.
Mesmo sabendo que Xangô gostava de música,
dança e das mulheres, Oxum passava dias e dias
imaginando como ter o amor daquele tão disputado
homem só para si. Precisava mostrar seus dotes para o
jovem.

18
Certo dia ela teve uma ideia...
Oxum faria um instrumento, assim como ela,
sedutor e gracioso, para atrair a atenção e o amor do
belo rapaz.
Pegou uma cabaça, sementes de ave-maria e os
de palha da costa que haviam por ali, e com a
paciência e amor que só Oxum tem, foi tecendo em
volta da cabaça uma rede com os os de palha da
costa e prendendo aos os, as sementes de ave-maria.
19
Depois de dias dando nós e prendendo as
sementes com os os de palha da costa, nalmente
estava pronto o instrumento feito para seduzir
Xangô. Estava pronto o Agbê, ou Xequerê.
Certa tarde Xangô foi ao rio matar sua sede. De
longe ele ouviu um som que nunca tinha ouvido e isso
chamou a sua atenção. Olhou em sua volta a m de
descobrir de onde vinha aquele som tão envolvente e
deu de cara com uma jovem de pés descalços, com os
cabelos soltos e apenas com algumas tas amarelas
cobrindo seu corpo. Era Oxum.

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Oxum tocava docemente. Oxum dançava com o
vento. Oxum era de nitivamente a mais bela da
aldeia, pensava Xangô.
Xangô cou irremediavelmente enfeitiçado com
tanta beleza. Xangô caiu de amores por Oxum e cou
com ela por muito tempo, mas Xangô não era
homem de uma mulher só e Oxum sabia disso.
E foi assim que contaram.

21
Foto: Elza Cohen
a autora:
Tainá
Produtora cultural e mestre em
Geogra a pela UFMG. Se dedica
desde 2009 na pesquisa e extensão
etnográ ca com comunidades tradi-
cionais e cultura popular.
Conheceu o Agbe em 2014, através
de uma o cina de confecção do
instrumento em Belo Horizonte. O
aprendizado da o cina a aproximou
do Maracatu de Baque Virado, mani-
festação da qual é brincante desde
então.
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Contar histórias é a mais antiga das artes e
possibilita o resgate da memória cultural e
afetiva. Não temos pretensão cientí ca
tampouco somos detentores de uma única
verdade. Mas com todo respeito a origem e
ancestralidade que envolve o tema pedimos
licença. Queremos apenas dividir com você
esses contos sobre o Agbê que estavam
dispersos, mas que agora foram reunidos neste
livro.
Tainá Bulhões

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