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TRADUÇÃO:

ENCICLOPÉDIA BARSA

SERVIÇO DE PESQUISAS
TÍTULO DO ARTIGO

Carta de S. Jerônimo ao papa Dâmaso, a propósito da vulgata (1976)

Com esta carta colocada à guisa de


prefácio na nova tradução – revisão
dos quatro evangelhos, de que fora
encarregado, e que acabava de realizar
(a denominada VULGATA), S. Jerônimo
apresenta ao papa Dâmaso seu trabalho
(ano de 384).
Jerônimo ao Beato papa Dâmaso.

Obrigas-me a fazer obra nova duma antiga, assim que, depois de já espalhadas cópias das escrituras
por todo o mundo, me vejo na contingência de tomar assento, feito um árbitro, e, dado que (as
cópias) variam entre si, decidir quais são as que se encontram em concordância com a verdade do
(texto) grego. Trabalho que me é imposto pela piedade filial para contigo, mas que não deixa de ser
uma perigosa presunção: a de que ajuíze dos outros justamente aquele que deveria por todos ser
julgado, a de mudar (as palavras bíblicas a que já se acostumou) a língua do ancião – é forçar um
mundo já entrado em anos a retornar aos rudimentos próprios da infância!…

Pois qual será o douto – ou igualmente o indouto – que, havendo tomado nas mãos o volume e
percebido que o que aí vai lendo é de saber diferente daquele a que uma vez se habituou para
sempre, não há de prorromper em imediato protesto, gritando que eu, falsário, sou um sacrílego cuja
ousadia chega ao ponto de em livros tradicionais fazer acréscimos, mudanças correções!?

Como compensação à acrimônia que assim me atinge, dois motivos tenho de consolo: por um lado,
que a ordem de execução (desse trabalho) vem de ti, que és o Sumo Sacerdote, e, por outro, que são
os próprios maldizentes a dar testemunho confirmatório de que aquilo que varia não é verdadeiro.
Pois se é ao teor dos textos latinos que se deve prestar fé, digam-nos então a qual deles: são quase
tantos quantos os próprios códices (livros): se ao contrário é para procurar a verdade (saindo-a da
comparação) de mais exemplares, então por que não remontamos ao original grego e corrigimos
aquilo que (no latim) foi em má forma posto em circulação por tradutores sem correção ou
“emendado” para pior por palpiteiros incompetentes ou aditado ou trocado por copistas sonolentos?

Não quero discutir o caso do Antigo Testamento, que, traduzido para a língua grega pelos setenta
anciãos, não chegou por segunda mão. Não me interessa que ressaibos tem Áquila (o tradutor) ou
Símaco (o papa), ou por que motivo Teodocião (versão das escrituras para o grego) adota uma linha
intermédia entre os tradutores antigos e os novos: tradução verdadeira seja aí aquela que os
apóstolos aprovaram.

Do que falo agora é do Novo Testamento, que sem dúvida alguma é grego, exceto o Apóstolo
Mateus, que por primeiro compôs na judeia em hebraico o evangelho de Cristo. Este (NT), em todo
o caso, quando, em nossa língua latina se apresenta com teor diverso e mostra diferentes
ramificações (em sua transmissão), deve-se buscá-lo na sua fonte única (o grego). Deixo de lado os
tais códices (livros) que segundo insiste a maldosa polêmica de uns pouco indivíduos, teriam (a
patrociná-los) os nomes de São Luciano “de Antioquia” e São Hesíquio “da Palestina”: a estes dois
certamente não era lícito fazer qualquer emenda ao Antigo Testamento após a versão dos setenta, e
quanto ao Novo de nada serve que hajam introduzido emendas, uma vez que as traduções
anteriormente feitas para muitas línguas atestam que tais acréscimos são falsos.

Portanto, este rápido presente prefácio não quer ser mais que uma apresentação dos quatro
evangelhos, cuja sequência é Mateus, Marcos, Lucas, João, corrigidos mediante confronto com
códices (livros) gregos, mas dos bem antigos. Para evitar que resultasse uma discrepância
(discordância) muito grande com o texto latino a que estamos habituados, moderamos nossa
interferência no texto de acordo com o seguinte critério: corrigimos só aquilo que parecia constituir
alteração do sentido (original), e o resto nos resignamos a deixar como estava.

Juntos reproduzimos também, como estão no grego, os cânones (modelos ou regras) que Eusébio,
bispo de Cesareia, seguindo Amônio (Alexandrino), ordenou em número de dez; caso algum dos
interessados em detalhes quiser saber o que nos evangelhos está igual ou semelhante ou nem
paralelo, verifique-o pela discriminação que encontrará feita nesses cânones (conjuntos de regras).
É que neste ponto um grande erro encontrou terreno fértil em nossos códices (livros), quando
(copistas, etc.) acrescentaram num evangelista – por pensarem que aí estivesse em falta – aquilo que
no mesmo assunto um outro evangelista trazia a mais; ou quando um dos evangelistas exprimiu de
forma diferente de outro algo que no sentido era idêntico, e então alguém que der início se
enfronhara (revestirá) na literatura de um dos quatro evangelistas entendeu que também os outros
tinham que ser “emendados” na base desse primeiro. Como consequência, temos que agora está
tudo misturado, encontrando em Marcos muita coisa que é de Lucas e de Mateus, e por sua vez em
Mateus o que é de João e de Marcos, e nos restantes (igualmente) coisas que são próprias de outros.

Portanto, pela leitura dos cânones que aí vão junto ficarás a par de todos os paralelos que há entre os
evangelistas e restituirás a cada qual o que é seu, ficando assim eliminado o erro de confundir as
coisas. No primeiro cânon (se indicam as perícopes, “conjunto de versículos que formam um
pensamento”, em que) concordam quatro evangelistas, Mateus + Marcos + Lucas + João; no
segundo concordam três, Mateus + Marco + Lucas; no terceiro, três, Mateus + Lucas + João; no
quarto, três, Mateus + Marco + João; no quinto, dois, Mateus + Lucas; no sexto, dois, Mateus +
Marcos; no sétimo, dois Mateus + João; no oitavo, dois, Lucas + Marcos; no nono, dois, Lucas +
João; no décimo o que cada um publicou de próprio e que não se encontra nos demais. ...

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