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Ana Carolina Martins Pinheiro
2
Marilda Lopes Pinheiro Queluz
RESUMO
A revista Illustração Paranaense (1927-1933) pretendia criar uma identidade cultural e
visual para o Paraná, sobretudo por meio de um movimento denominado Paranismo,
promovendo ideais das elites econômicas, artísticas e intelectuais locais. Fartamente
ilustrado, o “mensário paranista de artes e atualidades” contém aproximadamente 2800
imagens nas 30 edições analisadas. Entre fotografias, desenhos, gravuras, pinturas e
esculturas, o modelo estético planejado pelos paranistas materializou-se principalmente
nas imagens fotográficas, cerca de 2000. Tal abundância é efeito das inovações
tecnológicas tanto na fotografia quanto na imprensa, sobretudo nas revistas ilustradas;
e também em virtude do proprietário do periódico, o fotógrafo João Baptista Groff, ser o
autor da maioria dessas imagens. Neste artigo, serão investigadas as funções
relacionadas às fotografias publicadas nesta revista, com base na observação de seus
conteúdos e contextos. Entre retratos, paisagens e interiores, as fotografias
contribuíram para a assimilação do processo modernizador e das transformações
culturais do período. Serviam como ilustração, mediação, informação, construção de
modelos de masculinidades, feminilidades, e de padrões estéticos, forjando uma
perspectiva de futuro ancorada em ideais políticos conservadores. A revista traz
representações de práticas socioculturais das elites brancas, patriarcais e
eurocêntricas, sendo raras as aparições de personagens “à margem” dos ideais
paranistas, mostrando as tensões e contradições presentes na opacidade das
fotografias e nas entrelinhas do periódico.
1
Mestranda do curso de Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná – UTFPR, oianapinheiro@gmail.com, CAPES;
2
Doutora pelo curso de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC-SP, pqueluz@gmail.com;
INTRODUÇÃO
AS FOTOGRAFIAS PARANISTAS
Figura 07: Festa das sombrinhas e Congada num dia de festa de S. Benedicto.
Fonte: Illustração Paranaense, mai. 1928.
A revista também mostrava eventos das pessoas ricas de outras cidades,
como Ponta Grossa e Paranaguá; e as jovens patrícias em ocasiões mais
cotidianas como nos footings, em que caminham pela cidade desfilando suas
roupas da moda europeia. Na página ao lado das sombrinhas, porém, a
Illustração Paranaense mostra um grupo diferente de pessoas caminhando, um
evento inédito na revista: uma festa de pessoas negras.
A Congada de São Benedito é uma atividade encenada por descendentes
de pessoas escravizadas, relacionadas às irmandades católicas Nossa Senhora
do Rosário e de São Benedito. No Paraná há registros de Congadas em Curitiba,
Castro, Paranaguá e, principalmente, na Lapa, onde há um Santuário de São
Benedito, patrono espiritual da comunidade negra lapeana (MuPa; Sesc PR).
A fotografia não tem autoria ou marcação de local, e é acompanhada por
uma poesia descrevendo o dia de festa, assinada por Raul Bopp. A imagem
mostra três homens com roupas típicas da festa e duas jovens mulheres, todos
em movimento e acompanhados por um grupo de pessoas ao fundo. Ninguém
olha para a câmera ou está posando, os pés estão para fora do enquadramento
e um dos homens aparece pela metade. Esta é a única ocasião da revista em
que pessoas negras são o assunto central. Em outro momento, aparece um
funcionário de uma hípica fotografado junto a um cavalo, e uma ilustração de
paisagem urbana com uma mulher negra lavando roupa no canto da imagem.
Outra população paranaense sub-representada nas fotografias da revista
são as comunidades indígenas. Os povos originários são um assunto essencial
no Paranismo, e aparecem nas lendas escritas pelo historiador Romário Martins,
em pinturas, ilustrações e principalmente esculturas de João Turin. Sempre
descritos do ponto de vista de homens descendentes de imigrantes europeus.
Na figura 08, as duas fotografias ilustram a reportagem intitulada
“Montaigne e os índios do Brasil”. Escrita por Raul Gomes, o texto resume e
comenta alguns relatos do filósofo Michel de Montaigne, que acompanhou
indígenas brasileiros levados a corte de Carlos IX na França do século XVI.
As imagens participam da memória e da história de modo que “não é
possível pensar a imagem se não a situarmos no sistema no qual ela está
conectada” e isso inclui o seu “contexto, a própria imagem, aquele que a fez,
aquele que a contempla, num tempo e num espaço histórico” (Samain, 2012).
As fotos dessa reportagem não possuem marcação de autoria, e não estão
mencionadas no texto, ou seja, não há nenhuma pista sobre a data, local ou
motivo das fotografias. O conteúdo dos textos e a escolha da imagem
essencializa a figura das pessoas indígenas, demonstrando a visão
estereotipada do paranismo sob esses povos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Pollock, Griselda. Modernity and the Spaces of Femininity. In: _____. Vision and
Difference. London and New York: Routledge, 2003. p. 70–127.
Samain, Etienne. As imagens não são bolas de sinuca. In: Samain, Etienne (Org.).
Como pensam as imagens. Campinas: Editora UNICAMP, 2012. p. 21–36.
Schwarcz, Lilia. M. Lendo e agenciando imagens: o rei, a natureza e seus belos naturais.
Sociologia & Antropologia. Rio de Janeiro, v. 04, n. 02, p. 391–431, outubro, 2014.
Shohat, Ella.; Stam, Robert. Estereótipo, realismo e luta por representação. In: _____.
Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 261–312.