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PARÂMETROS DESCRITORES DE UMA COMUNIDADE

O termo biodiversidade engloba a variação de todas as formas de vida e em

todos os níveis em que ela se manifesta, desde os genes até as comunidades e

ecossistemas e este caráter multidimensional torna a tarefa de medir a diversidade

bastante difícil (Rambaldi & Oliveira 2003). Apesar disto, a estimativa de diversidade é

uma ferramenta de grande aplicação nos campos de monitoramento e conservação

ambiental, onde é utilizada como indicador de qualidade.

1. ESTIMATIVAS DE BIODIVERSIDADE

O estudo da diversidade biológica nunca foi tão importante quanto atualmente,

pois, qualquer projeto ligado à conservação ou ao uso sustentado exige um

conhecimento mínimo de ecologia e inventariar a fauna e flora de uma determinada

porção de um ecossistema é o primeiro passo para sua conservação e uso racional

(Santos 2006). Entretanto, em função da elevada diversidade natural, principalmente,

associada aos ecossistemas tropicais, é praticamente impossível determinar o número de

espécies total e, assim, a única opção factível é inventariar alguns grupos taxonômicos e

algumas características físicas do ambiente como indicadores do ecossistema como um

todo.

Para que inventários biológicos se tornem úteis para a tomada de decisões em

conservação, é essencial que protocolos de coleta e análise de dados sejam

desenvolvidos e testados, isto, porque é necessário que trabalhos distintos possam ser

comparáveis, o que nem sempre é possível em função de diferenças nos métodos

utilizados e no esforço amostral (Santos 2006). Muitas vezes, os inventários de fauna e

flora são feitos utilizando coletas intensivas, procurando obter o maior número possível
de espécimes em uma dada localidade e produzem listas de espécies, incremento de

material em coleções biológicas e alguns poucos dados sobre a riqueza local. Isto não é

suficiente para a realização de um bom inventário e um bom trabalho de

monitoramento!

A diversidade biológica e suas variações no espaço geográfico

A riqueza em espécies pode ser definida como o número absoluto de espécies

presentes em uma comunidade, independente da identidade das espécies presentes, que

pode ser definida como composição. Já a diversidade de espécies leva em consideração

o número de espécies, a composição e a abundância relativa entre as espécies, nascendo

daí, os conceitos de equitabilidade e dominância. Um ambiente é mais diverso à

medida que o número de espécies presentes for maior e à medida que a abundância de

cada espécie for mais equitativa, não havendo espécies muito dominantes em relação às

outras.

A diversidade de espécies deve ser tratada, também, em um contexto espacial e

geográfico (Figura 1). O número de espécies, bem como, a equitabilidade na abundância

das mesmas em um determinado local (de mesmo habitat) é chamado de diversidade

alfa (α). Em uma escala regional, entretanto, é possível observarmos várias localidades,

incluindo, vários tipos de habitat (fragmentos) e, assim, a diversidade regional ou o

número total de espécies em uma região biogeográfica é denominada de diversidade

gama (). Das diferenças possíveis de se observar entre a diversidade alfa e gama, surge

um terceiro conceito de diversidade, relacionado à substituição de espécies de uma

localidade para outra, que é denominado de diversidade beta (β). A diversidade beta

pode ser estimada pela razão entre a diversidade  e a média das diversidades α

estimadas para todas as localidades de uma região (β =  / α).


A) xy xy B) xy z

xy xy k w

α = 2;  = 2; β = 1 α = 1,25;  = 5; β = 4

x y
C)
x
y

α = 1;  = 2; β = 2

Figura 1: Relação entre as diversidades α,  e β. Em cada caso, há uma região


representada em branco e uma localidade representada em cinza. As letras representam
espécies distintas. Adaptado de Rambaldi & Oliveira ( 2003).

Podemos perceber que quanto maior a mudança na composição de espécies, de

um local para o outro, maior é a diversidade β. Logo, este conceito é muito importante

para a proposição de programas de conservação, pois, afeta, por exemplo, a quantidade

de unidades de conservação necessárias para proteger toda a biodiversidade de uma

região.

2. COLETA DE DADOS DE DIVERSIDADE

O primeiro passo na execução de projetos de inventário de biodiversidade é a

seleção de grupos a serem amostrados, uma vez que é impossível inventariar todos os

táxons presentes em um ecossistema e, para esta escolha, é importante ter em mente a

noção do que seja um bioindicador. O conceito de bioindicador se refere a um

parâmetro biológico de comportamento conhecido diante da variação de determinada

condição externa ou de estresse. Ele deve ser capaz de diagnosticar, de forma rápida e
objetiva, a condição em que se encontra um sistema biológico (Rambaldi & Oliveira

2003). Para ser um bom bioindicador, uma espécie deve também ser conspícua e

facilmente amostrada.

Uma vez escolhido o grupo e o local a serem amostrados, é importante

selecionar métodos de coleta, de modo a amostrar partes diferentes do ambiente

(serrapilheira, sub-bosque, troncos e copa das árvores, por exemplo). Outro ponto

fundamental é que no planejamento da coleta, deve-se levar em conta medidas de

esforço amostral. A melhor estratégia é dividir o esforço em unidades de tamanho

padronizado, que podem ser usadas como réplicas em análises estatísticas. Esta divisão

deve ser feita com atenção, pois, todo o material coletado deve ser guardado e

examinado como unidades separadas (de acordo com as unidades amostrais). As

unidades amostrais dependem do método escolhido: poderiam ser, por exemplo,

medidas de tempo, unidades de áreas ou número de coletas.

3. ESTIMATIVAS DE RIQUEZA

A riqueza em espécies obtida em um inventário depende, não apenas das

características do ambiente amostrado, mas também, do esforço de coleta despendido.

E, como saber quantas amostras devem ser realizadas em um inventário? Uma forma

simples de resolver este problema é a construção de curvas do coletor (Figura 2). As

curvas de acumulação de espécies representam um excelente procedimento para avaliar

o quanto um inventário se aproxima de capturar todas as espécies do local estudado. Se

a curva se estabiliza, isto é, atinge um ponto em que o aumento do esforço de coleta não

implica em aumento no número de espécies, isto significa que você tem uma boa

estimativa da riqueza amostrada.


50

40
RIQUEZA ESTIMADA DE ESPÉCIES

30

20

10

0
1 35 69 103 137 171 205 239 273 307 341 375 409 443 477
SEGM ENTOS

Figura 2: Curva do coletor hipotética, mostrando o aumento do número de espécies à


medida que novas amostras (segmentos) são adicionadas. As barras verticais mostram a
variação possível na estimativa de riqueza de espécies, quando se utiliza processos de
aleatorização das amostras.

4. ALGUNS MÉTODOS UTILIZADOS EM INVENTÁRIOS RÁPIDOS

Ajuste de modelos de distribuição de abundância

Em estudos de diversidade biológica é possível observar que as espécies nunca

apresentam abundâncias iguais, sendo algumas espécies muito mais comuns e outras,

muito raras. Essa variação pode ser visualiza em gráficos, onde as espécies são

colocadas no eixo X, em ordem decrescente de abundância, enquanto a abundância é

colocada no eixo Y. A idéia básica, quando se constrói modelos de distribuição de

abundância, é que a distribuição dos recursos entre as espécies em comunidades menos

impactadas ocorre de forma mais equitativa do que em comunidades impactadas.


Assim, ao construirmos um modelo de distribuição de abundância, seriam esperados

quatro possíveis ajustes (Figura 3):

i) Modelo de Broken Stick: este modelo reflete um estado bastante

eqüitativo, onde um fator ecológico importante estaria regulando a

distribuição das espécies na comunidade, de modo que nenhuma espécie

torna-se abundante sobre as outras. É um modelo teórico que descreveria

comunidades sem qualquer nível de perturbação;


ii) Modelo lognormal: este modelo é considerado um bom descritor da
estrutura de grandes comunidades estáveis, no equilíbrio ou próximas dele.
Esta distribuição é uma conseqüência do Teorema do Limite Central que
prediz que se há um grande número de fatores atuando para determinar a
quantidade de uma variável, esta terá uma distribuição normal. No nosso
caso, a variável é a abundância das espécies e os fatores são todos os
processos ecológicos que governam a comunidade estudada;

iii) Série logarítmica: este modelo deve predizer bem o que ocorre quando
espécies chegam a um ambiente insaturado ocupando frações do nicho
restante, em intervalos ao acaso. As espécies chegam e monopolizam parte
dos recursos disponíveis na comunidade, restando cada vez menos
recursos disponíveis para a entrada e estabelecimento de novas espécies;

iv) Série geométrica: este modelo assume que uma espécie dominante utiliza
um recurso limitado com uma proporção k, a segunda espécie mais
dominante utiliza a mesma proporção k dos recursos que restaram e assim,
sucessivamente, até o ajuste de todas as espécies (S). Uma comunidade
com estas características segue a hipótese do nicho preferencial, o que
deve ocorrer em ambientes severos ou impactados, pobres em espécies e
em estágios iniciais de sucessão.
Broken Stick

Abundância

Distribuição
Lognormal

Série Geométrica Série Logarítmica

Espécies ordenadas pela abundância


Figura 3: Modelos de distribuição de espécie-abundância teóricos. O modelo de Broken
Stick descreve uma situação teórica de comunidades em equilíbrio, enquanto, a Série
Geométrica seria o padrão observado em comunidades alteradas.

Um exemplo da aplicação deste tipo de procedimento foi o estudo realizado no

Parque Estadual do Rio Doce, com comunidades de peixes em lagos onde houve a

introdução de peixes piscívoros exóticos e lagos onde não houve a introdução destas

espécies exóticas (Figura 4). É possível notar que a estrutura da comunidade de peixes

se modificou onde houve a perturbação estudada, de modo que houve uma maior

monopolização de recursos por algumas espécies.


6
Águas Claras
Gambá
Águas Claras
5 Gambá
Bonita
Azul
4 Gambazinho
Gambazinho
Lagoinha
Lagoinha
Ln (n+1)

0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14

Espécies
Adaptado de Latini (2001).

Figura 4: Distribuição de espécie-abundância para as comunidades de peixes dos lagos


Águas Claras e Gambá (com espécies exóticas) e dos lagos Gambazinho e Lagoinhas
(sem espécies exóticas). Fonte: Latini ( 2001).

Índices baseados na abundância proporcional de espécies

É possível encontrar, na literatura, um grande número de índices sugeridos como

estimadores de diversidade e estes são muito utilizados em estudos comparativos de

comunidades. Serão mostrados, aqui, apenas dois destes índices. Entretanto, vale

ressaltar que para tornar comunidades comparáveis, utilizando estes índices, é

necessário delinear um método de amostragem a partir de réplicas. Uma vez feito isto, é

possível fazer o cálculo destes índices para cada amostra, obtendo assim uma estimativa

média e estimativas de variação (variância), o que permite a aplicação de testes

estatísticos comuns como o teste T e a Análise de Variância (ANOVA).


i) Índice de diversidade de Berger Parker:

B=1/d

d = Nmax / N

Onde B = índice de Berger Parker; Nmax = número de indivíduos da espécie mais


abundante na amostra; N = número total de indivíduos na amostra.

ii) Índice de diversidade de Simpson:

D = 1 / Ʃ1S Pi2

Onde D= índice de Simpson; S = é o número total de espécies; Pi é a proporção


de indivíduos observada para cada espécie.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Latini, A. O. 2001. O efeito da introducao de peixes exoticos nas populacoes nativas de


peixes de lagoas do Parque Estadual do Rio Doce, Minas Gerais. UFMG.
Rambaldi D. M., and D. A. S. Oliveira. 2003. Fragmentação de ecossistemas: causas,
efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de políticas públicas. Ministério
do Meio Ambiente, Brasília.
Santos, A. J. 2006. Estimativas de riqueza espécies. Pages 19-41 in L. Cullen Jr, C.
Valladares-Padua, and R. Rudran editors. Métodos de estudos em biologia da
conservação e manejo da vida silvestre. Universidade Federal do Paraná,
Curitiba.

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