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NO TRABALHO
Dimensões individuais e culturais
Saúde e bem-estar
NO TRABALHO
Dimensões individuais e culturais
1ª edição
2012
Diretor Geral
Ingo Bernd Güntert
Editora-chefe
Juliana de Villemor A. Güntert
Gerente Editorial
Marcio Coelho
Coordenadora Editorial
Luciana Vaz Cameira
Assistente Editorial
Maria Fernanda Moraes
Diagramação
Sergio Gzeschenik
Produção Gráfica
Fabio Alves Melo
Capa
Ana Karina Rodrigues Caetano
Coordenador de Revisão
Lucas Torrisi Gomediano
Preparação de Original
Tássia Fernanda Alvarenga de Carvalho
Bibliografia.
ISBN 978-85-8040-029-8
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
As opiniões expressas neste livro, bem como seu conteúdo, são de responsabilidade de seus autores, não
necessariamente correspondendo ao ponto de vista da editora.
Apresentação...................................................................................................7
Sobre as organizadoras.................................................................................355
Sobre os autores...........................................................................................357
Apresentação
atenção passa a ser dada, também, ao papel desempenhado pelos fatores indivi-
duais na configuração do bem-estar laboral.
Acompanhando tal tendência, o presente livro, desenvolvido pelo Grupo de
Trabalho “Cultura e Saúde nas Organizações”, da Associação Nacional de Pesquisa
e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP), procura trazer as diferentes perspectivas
sobre as quais a saúde e o bem-estar no trabalho vêm sendo abordados nos últimos
anos, incluindo-se a visão mais recente da Psicologia Positiva. Nesse sentido, ele
contém uma primeira parte, em que são discutidos os limites e as interfaces dos
conceitos de saúde e de bem-estar em geral e no trabalho, em particular, com outros
construtos similares, como qualidade de vida, estresse e burnout. Na segunda parte,
são analisados, então, em capítulos sucessivos, alguns dos vários fatores individuais e
organizacionais que concorrem para a saúde e o bem-estar do trabalhador, em sua vida
em geral e em seu contexto laboral. Esperamos que a presente obra possa contributir
para o aprofundamento do debate acerca da saúde e do bem-estar do trabalhador
entre profissionais e acadêmicos brasileiros com interesse no estudo das organizações.
Introdução
Abordar aspectos relacionados à saúde apresenta-se como um desafio diante da
mudança paradigmática ocorrida nas últimas décadas, por meio da qual saúde passa
a ser concebida numa perspectiva positiva, englobando o conceito de qualidade de
vida (QV) e o de bem-estar.
No âmbito da saúde, o avanço teórico o conceitual de algumas áreas de conhe-
cimento, como a psicologia, aliado ao crescente desenvolvimento social, revelou ser
inadequado o modelo biomédico que prioriza o aspecto biológico na determinação
da díade saúde-doença. Nesse sentido, as doenças psicológicas, os processos de adap-
tação social e os distúrbios psicossomáticos são alguns dos exemplos de transtornos
que evidenciaram a multicausalidade na determinação da saúde-doença. Baseado na
multiplicidade de fatores determinantes e em uma visão integradora do homem, novos
modelos, portanto, surgiram, como o biopsicossocial.
O foco nos estudos sobre saúde-doença, que era estabelecido, até recentemente,
sobre os aspectos negativos, passou a abordar o fenômeno numa perspectiva positiva
a partir do artigo de Seligman e Csikszentmihalyi (2000), publicado na American
Psychologist (questão abordada em detalhe no capítulo 7 deste livro).
A partir da proposta de Seligman e Csikszentmihalyi (2000), cientistas foram
influenciados a incluir em suas pesquisas aspectos positivos relacionados à qualidade
12 Saúde e bem-estar no trabalho: dimensões individuais e culturais
tratamento e sua prevenção podem ser conhecidos e estudados. Resulta dessa postura
Hipócrates ainda hoje ser considerado o pai da medicina.
Com a queda do Império Romano no século V d.C., inicia-se o período histó-
rico da Idade Média, marcado pela influência da Igreja em todas as áreas da vida e,
dentre elas, nas práticas sobre os processos de saúde-doença. Com isso, retornaram
as explicações sobrenaturais sobre os processos de saúde-doença, que eram, então,
compreendidos como punição de Deus por algum mal praticado. Além disso, o corpo
humano, criado à imagem e semelhança de Deus, não era apropriado para o estudo e
a intervenção científica. Dessa forma, a prática médica estava nas mãos da Igreja, que
buscava expulsar os espíritos causadores do mal-estar à pessoa enferma (Straub, 2005).
No período Renascentista, René Descartes (1596-1650), ao descrever os reflexos
básicos do corpo humano, compara-o a uma máquina. Segundo esse pensador, mente
e corpo eram processos separados e autônomos, sujeitos a diferentes leis de causali-
dade, postulação que ficou conhecida como o dualismo cartesiano, e que influenciou
a comunidade científica da época, e suas discussões reverberam na atualidade.
Contudo, o dualismo cartesiano tem sido bastante questionado tanto por posturas
filosóficas como por meio dos avanços tecnocientíficos que permitiram a comprova-
ção de conexões de comunicação entre o que se chamou de mente e corpo (Aldwin,
1994). Porém, ainda que bastante questionada atualmente, essa abordagem da relação
mente-corpo como instâncias independentes permitiu um avanço significativo no
estudo do corpo humano e, em especial, a realização de dissecações e o estudo da
anatomia humana em sua época. Desse modo, o corpo, entendido como uma instância
independente da mente, já não era considerado divino e, portanto, poderia ser mani-
pulado sem que isso significasse uma profanação do divino. Instaurava-se, assim, um
ambiente histórico-cultural propício para o estudo das causas biológicas das doenças,
em contrapartida ao estudo das causas espirituais que marcaram o período anterior,
a Idade Média.
No período da Renascença, avanços tecnológicos também foram importantes para
o estabelecimento do modelo biomédico de tratamento das doenças. Como exemplo,
pode citar-se não só o desenvolvimento do termômetro por Galileu, em 1592, e do
microscópio por Leewenhoek (1632-1723), como também a aplicação desses ins-
trumentos no estudo e na descrição das células como unidades básicas de todos os
organismos vivos por Hooke (1635-1703). Ainda nesse período, Pasteur (1822-1895)
isolou a bactéria do bicho da seda, provando que um micro-organismo provocava a
doença da raiva, e Charles Darwin publicou seu livro A origem das espécies, que colocava
o homem em condições iguais aos demais seres da natureza (Straub, 2005).
14 Saúde e bem-estar no trabalho: dimensões individuais e culturais
outro lado, destacar que estes foram alicerces fundamentais para que se pudessem
discutir as questões atuais sob diferentes perspectivas.
Na perspectiva do modelo biopsicossocial, considera-se que a compreensão dos pro-
cessos de saúde-doença exige a análise de três dimensões da esfera humana: o aspecto
biológico, o psicológico e o social, cada qual contribuindo de maneira significativa
tanto para o desenvolvimento de saúde-doença como para sua manutenção, resposta
ao tratamento e complicações associadas.
Outra característica dessa nova perspectiva de saúde é o aspecto positivo e não
mais o negativo como outrora. Saúde passa a ser considerada o completo bem-estar
biopsicossocial e não mais a ausência de doença. Essa definição, em contrapartida,
evidencia que poucos indivíduos podem ser classificados como completamente sau-
dáveis, uma vez que o estado de completo bem-estar biopsicossocial é utópico e difícil
de ser atingido. Nesse sentido, os estados de saúde-doença constituem-se como dois
extremos de um continuum, e não mais dois polos opostos. Um indivíduo, portanto,
pode localizar-se mais no polo da saúde ou mais no polo da doença, porém os extremos,
de completa saúde ou de completa doença, seriam uma medida utópica. Assim, um
indivíduo que se encontra adoecido ou com um mal-estar em relação a determinado
aspecto de sua vida também pode apresentar algo de saúde em relação a outros aspectos
de sua vida e vice-versa.
A definição de saúde da OMS introduz, além da ideia da importância dos fatores
psicossociais nos processos de saúde, a da avaliação que o indivíduo realiza de seus
estados internos e externos, sejam eles em nível biológico, psicológico ou social,
incluindo as concepções relacionadas à qualidade de vida e ao bem-estar.
Essa definição chama a atenção dos atuais profissionais das áreas de saúde e
humanas para a importância da percepção do indivíduo sobre si mesmo e sobre o
que o cerca, tornando-se mais apropriada para explicar os problemas de saúde rela-
cionados a aspectos psicossociais, assim como os aspectos biológicos em interação
com os aspectos psicossociais (Straub & Berger, 2004). Como exemplo, estão os pro-
blemas de saúde tais como a fibromialgia ou o burnout. Embora estudos demonstrem
a existência de marcadores biológicos relacionados a seu diagnóstico ou mesmo a
possibilidade de tratamento farmacológico deles, a compreensão dessas síndromes
passa, necessariamente, pela avaliação dos aspectos psicossociais envolvidos e, mais
especificamente, pela avaliação subjetiva do indivíduo de seus estados alterados,
motivo pelo qual o diagnóstico se torna complexo e muitas vezes discutível dentro
da perspectiva médica. Além do mais, essas síndromes se encontram relacionadas
com as atividades desenvolvidas pelos indivíduos em conjunto com características
16 Saúde e bem-estar no trabalho: dimensões individuais e culturais
A própria OMS, por intermédio do seu Grupo de Trabalho com foco na Qualidade
de Vida, desenvolveu, em 1998, um instrumento de avaliação de Qualidade de Vida, o
WHOQOL-100, que foi traduzido para vários idiomas e validado no Brasil por Fleck,
Louzada, Xavier, Chachamovich, Vieira, Santos e Pinzon (1999).
Diante de tantos instrumentos, torna-se difícil aos pesquisadores a escolha daquele
que melhor se aplica aos objetivos de determinada investigação. Para uma decisão
correta, é necessário que se escolha o instrumento que, de maneira mais simples e
fácil para os respondentes, atenda ao seu objetivo de estudo.
A importância atribuída à QV atingiu proporções que englobam todas as condições
de vida dos cidadãos, podendo apresentar-se como fonte de satisfação versus insatis-
fação; prazer versus sofrimento; alegria versus tristeza; saúde versus doença; felicidade
versus infelicidade (Ferreira & Mendes, 2003).
expectativas de vida. Trata-se, assim, da própria condição de vida dos indivíduos. Por
analogia, pode dizer-se que o cidadão que vive em condições adequadas diante de sua
cultura, de seus valores e de suas expectativas, consequentemente, tende a vivenciar
bem-estar. Essa correlação hipotética deve ser verificada empiricamente, apesar de o
conceito de QV estar mais focado na percepção de aspectos ambientais/situacionais,
e o conceito de bem-estar estar relacionado a aspectos individuais, como os afetos, a
felicidade, a autoaceitação, etc.
Os estudos sobre bem-estar emergiram com foco em duas abordagens distintas.
Uma delas integra dimensões relacionadas ao afeto, à satisfação com a vida e à felici-
dade, demonstrando como as pessoas experienciam suas vidas positivamente (Diener,
Oishi & Lucas, 2003); a outra privilegia os conceitos de autoaceitação, autonomia,
propósito de vida, domínio do ambiente, crescimento pessoal e relações positivas com
os outros (Ryff, 1989).
Medidas de bem-estar
Diferentemente do que se constatou em relação à quantidade de instrumentos
utilizados para aferir a qualidade de vida, em relação ao bem-estar encontra-se um
número reduzido de instrumentos disponíveis na literatura.
Um bastante usado internacionalmente tem sido a versão reduzida do Questionário
de Saúde Geral (QSG-12), de Goldberg (1972). Originalmente concebido como um
Saúde, qualidade de vida e bem-estar 23
Por outro lado, Gouveia et al. (2003) adaptaram para amostras brasileiras a Escala
de Satisfação com a Vida, de Diener et al. (1985), bem como uma Escala de Afetos
Positivos e Negativos, desenvolvida por Diener e Emmons (1985). Mais recentemente,
Gouveia, Milfont, Fonseca e Coelho (2009) apresentaram dados mais abrangentes
sobre a validade e a precisão da versão brasileira da Escala de Satisfação com a Vida, de
Diener et al. (1985), provenientes de cinco diferentes grupos da população brasileira. A
existência de diferentes domínios em que a vivência do bem-estar subjetivo encontra
campo para prosperar, ou não, assim como a multidimensionalidade do construto,
demonstra haver necessidade de analisar esse fenômeno em diferentes níveis, desde
os mais globais até os mais específicos.
Em síntese, os fenômenos abordados neste capítulo e neste livro devem ser anali-
sados utilizando metodologias que os compreendam considerando a complexidade que
os envolve, razão pela qual se abordarão, a seguir, os modelos interativos que podem
ser utilizados nos estudos sobre bem-estar e qualidade de vida.
Figura 1 - Diagrama que ilustra o efeito moderador, sendo que a variável B modera a
relação entre A e C.
Figura 2 - Diagrama que ilustra o efeito mediador, sendo que a variável A influencia
a variável B, que influencia C, sendo B a variável mediadora.
Para testar os efeitos moderadores e mediadores, podem ser utilizadas duas técnicas
de análise de dados: a regressão múltipla e a modelagem por equações estruturais. A
preferência deve ser dada à modelagem por equações estruturais, em função de ela
prover informação sobre o grau de adequação do modelo como um todo, mas o uso
cauteloso da regressão múltipla também é uma boa alternativa (Holmbeck, 1997).
Como mencionado anteriormente, foge ao escopo deste texto detalhar como realizar
as análises estatísticas; excelentes textos foram indicados para os interessados em
aprofundar essa discussão.
A utilização de qualquer modelo de análise nos estudos sobre saúde, qualidade de
vida e bem-estar deve, necessariamente, ser precedida por aplicação de instrumentos
fidedignos e coerentes com o propósito da investigação, o que não é fácil, em razão
da quantidade de instrumentos encontrados na literatura.
A compreensão cada vez mais aprofundada dos fenômenos ligados à saúde, como
qualidade de vida e bem-estar, deve, obrigatoriamente, passar por análises empíricas
que envolvam modelos estatísticos complexos, mas que sejam capazes de elucidar
como as variáveis antecedentes, moderadoras e/ou mediadoras se inter-relacionam
gerando qualidade de vida e bem-estar.
Com isto, é possível propor modelos preventivos de intervenção que façam a dife-
rença, assim como estabelecer políticas públicas que promovam a saúde dos cidadãos.
Considerações finais
Este capítulo teve como objetivo discutir os avanços, as lacunas e as divergências
teórico-metodológicas nos estudos sobre saúde, qualidade de vida e bem-estar. As
pesquisas sobre saúde avançaram teoricamente, ultrapassando a perspectiva biológica
de análise desse processo para uma perspectiva biopsicossocial. Com isso, passaram
a ser considerados os processos de adaptação social e os distúrbios psicossomáticos,
como os transtornos, o que evidencia a multiplicidade de fatores determinantes no
processo da saúde-doença e leva a uma visão integradora do homem.
Saúde, qualidade de vida e bem-estar 29
Considerando que os estudos sobre qualidade de vida e bem-estar têm atraído cada
vez mais a atenção dos estudiosos, o capítulo revisa o conceito de qualidade de vida,
apresenta suas similaridades e divergências em relação ao bem-estar, discute a noção
de bem-estar sob diferentes perspectivas, demonstrando que o enfoque subjetivo é o
mais utilizado na psicologia, e, por fim, reafirma a sua importância para a determinação
de novos horizontes para pesquisas nas áreas das ciências humanas e sociais.
O bem-estar caracteriza-se como a representação das pessoas sobre as avaliações
feitas acerca de seu estado biopsicossocial e, consequentemente, está relacionado às
vivências afetivas positivas e à avaliação da satisfação com a vida de um modo geral.
No que se refere à qualidade de vida, as pesquisas identificam haver um foco priori-
tário nas perspectivas situacionais, focadas nas percepções das pessoas sobre diversos
aspectos de sua vida.
A partir dessas concepções teóricas advindas do modelo biopsicossocial de saúde,
discutiu-se a necessidade de se estudar essa temática a partir de modelos interativos,
considerando os diferentes níveis de análise, haja vista ser um construto que se tem
tornado cada vez mais complexo, em virtude do avanço das pesquisas que buscam
conhecer o modo de funcionamento das variáveis individuais e contextuais que pro-
movem os processos de saúde.
Nessa perspectiva, o capítulo discute a importância de se estudar o bem-estar
e a qualidade de vida com base em modelos definidos a partir da identificação dos
níveis de análise das variáveis estudadas e de modelos interativos. Portanto, esclarece
sobre os conceitos fundamentais para a compreensão dessas variáveis no processo de
desenvolvimento da saúde ou do adoecimento.
À guisa de conclusão, o capítulo alia as interfaces teóricas e metodológicas
desde a perspectiva da evolução conceitual do modelo de saúde para uma visão de
saúde como um “estado de completo bem-estar biopsicossocial”, demonstrando que
o contexto cultural, as posições na vida, os objetivos, os valores e as expectativas são
dimensões fundamentais na vivência da qualidade de vida. Nesse sentido, analisa o
fenômeno de forma integrada, considerando as múltiplas possibilidades por meio das
quais a saúde pode prosperar, sejam elas consequência de características do próprio
indivíduo ou externas a ele. Assim, abre caminho para o desenvolvimento de estudos
posteriores que visem a desvelar a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar a partir
de dimensões individuais e culturais, incentivando o desenvolvimento de pesquisas
científicas que deem conta da multiplicidade de fatores que podem influenciar tais
fenômenos.
30 Saúde e bem-estar no trabalho: dimensões individuais e culturais
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