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Distribuição no espaço e no tempo

Descrever e entender a distribuição dos organismos na natureza é uma das questões centrais da
ecologia. A descrição da distribuição engloba a confecção de mapas de distribuição, que podem seguir
três modelos distintos: 1) mapas com pontos de ocorrência, 2) mapas com uma área de distribuição
irregular, em que os limites da distribuição são mais precisos e 3) mapas com informação sobre
distribuição e abundância, que dependem de técnicas (cricagem) para interpolação entre pontos de
amostragem. Todos os mapeamentos retiram suas informações centrais de coletas feitas no campo,
dados armazenados em museu, literatura e bases de dados na internet, por isso a importância das
coleções biológicas e da coleta e armazenamento das informações obtidas em campo. É importante
ressaltar que nenhum dos modelos de mapeamento da distribuição são perfeitos, e que todos
apresentam algumas desvantagens. Os modelos baseados em pontos, apesar de mais precisos, são
geralmente subestimativas da distribuição total de uma espécie e dependem fortemente do tamanho e
da freqüência de amostragem das áreas. Por outro lado, os mapas com áreas de distribuição muitas
vezes extrapolam a distribuição de uma espécie, pois utilizam os pontos de ocorrência somados a
pontos potenciais de distribuição das espécies baseado em variáveis climáticas por exemplo. Por último,
os mapas de abundância devem ser interpretados com cautela, porque muitas vezes apenas algumas
localidades possuem dados de abundância. Independente do tipo de mapa, todos representam apenas
uma simplificação da distribuição dos organismos na natureza.

Desde o início da ecologia como ciência, muitos pesquisadores têm tentado responder o que determina
porque os organismos ocorrem ou estão ausentes de certas localidades. De fato, essa pergunta pode ser
aplicada a diferentes escalas espaciais de distribuição. O estudo dos fatores que limitam a distribuição
geográfica de um determinado organismo se encontra dentro do ramo que conhecemos como
biogeografia, uma ciência que mistura geografia, zoologia e ecologia. Nessa escala espacial, fatores
ecológicos, históricos e evolutivos comandam a distribuição dos organismos. Mas quais são os fatores
ou processos responsáveis pela limitação da distribuição dos organismos? A distribuição espacial dos
organismos pode ser vista como um reflexo de seu nicho ecológico. O nicho multidimensional, como
discutido por Hutchinson, é delimitado por uma combinação de variáveis ambientais que determinam a
capacidade de um organismo sobreviver, reproduzir e manter populações viáveis. Nesse sentido, o
organismo só ocorre dentro se sua área de tolerância, de maneira que sua distribuição é inicialmente
restrita por tais fatores ambientais. Alguns organismos podem ser mais tolerantes as condições
ambientais e assim apresentar distribuições mais extensas enquanto outors são menos tolerantes e
possuem distribuição mais restrita. Os dois extremos desses contínuos de padrões de distribuição são
espécies cosmopolitas x espécies endêmicas. Como essas condições abióticas variam ao longo do
tempo, a distribuição dos organismos está sofrendo constantes expansões e retrações. Essas mudanças
no tamanho da distribuição, seus limites e na abundância dos organismos são o reflexo do
crescimento/declínio das populações e dos padrões de colonização/extinção em resposta as mudanças
nas condições abióticas. Ao longo da área de distribuição dos organismos também é possível encontrar
um gradiente de condições abióticas, com localidades mais favoráveis e outras menos favoráveis
(geralmente as bordas da distribuição são localidades consideradas menos favoráveis, pois estão mais
próximas do limite da distribuição – onde as condições não são adequadas). Nesse sentido, é possível
que as localidades mais favoráveis funcionem como habitats fonte, onde a taxa de natalidade é maior
que a de mortalidade e os indivíduos produzidos em excesso colonizam novas áreas. Por outro lado, as
áreas mais próximas do limite da distribuição, funcionam como habitats dreno, onde a mortalidade é
mais alta e a população é mantida pela emigração de indivíduos dos habitats fonte.

Apesar da importância das condições ambientais na delimitação da distribuição dos organismos, outros
fatores também atuam na delimitação das distribuições. É o caso de perturbações no ambiente natural,
como tempestades, incêndios e erupções vulcânicas. Essas perturbações são responsáveis pelo declínio
populacional de diversas espécies de plantas e animais, e podem até mesmo levar tais populações a
extinção local, restringindo sua distribuição. Perturbações naturais periódicas podem impedir a
expansão da distribuição das espécies, como em ambientes dominados por gramíneas em que os
incêndios constantes impedem a expansão da distribuição de árvores de maior porte. Em alguns casos, a
perturbação pode ser o gatilho responsável pela colonização de novas espécies.

Interações interespecíficas também atuam diretamente, em conjunto com os fatores físicos, na


determinação dos limites de distribuição dos organismos. A competição é uma interação negativa para
ambas as espécies envolvidas, em que espécies que compartilham recursos limitantes apresentam uma
diminuição na aptidão. Nesse sentido, a competição tem forte influência nos limites de distribuição das
espécies, sendo responsável pela exclusão mútua de espécies em uma escala maior. Sendo assim,
exemplos de espécies ecologicamente similares ou aparentadas que apresentam distribuições
adjacentes e não sobrepostas podem ser consideradas evidências do papel da competição na limitação.
Um trabalho clássico que comprova o efeito da competição na distribuição das espécies é o estudo da
distribuição das cracas no costão rochoso, realizado por Paine em 1966. Nesse estudo, Paine
demonstrou que duas espécies de cracas competem por espaço e possuem distribuições adjacentes no
costão rochoso. A remoção experimental de Balanus balanoides permite a colonização de Cthamalus
stellatus na parte inferior do costão, porém B. balanoides não invade a porção superior mesmo com a
remoção de Cthamalus. Dessa maneira, Paine demonstra que a distribuição de Balanus é restrita pelas
condições ambientais da porção superior do costão, onde essa craca não sobrevive devido aos efeitos da
dessicação. Por outro lado, Cthamalaus consegue sobreviver e manter populações nas duas porções do
costão, mas sua distribuição é restrita na porção inferior pela competição com Balanus balanoides, que
é a espécie dominante.

Dado que a predação é uma interação de consumo, geralmente as distribuições de predadores e presas
estão fortemente associadas na escala geográfica, ou seja, nos limites da distribuição geográfica do
predador está contida a distribuição da presa. Porém, uma vez que essa relação é negativa para presa e
positiva para o predador, em uma escala mais local podemos observar uma relação negativa entre as
distribuições desses organismos. Diversos estudos mostram que, em escala local, as presas evitam
utilizar microhabitats que possuem maior abundância ou presença de pistas olfativas e visuais de
predadores. Os predadores também podem influenciar a seleção de habitats pelas presas, que tendem a
preferir habitats mais complexos estruturalmente porque estes fornecem mais rotas de fuga e
oportunidades de abrigo contra os predadores. Sendo assim, apesar de não influenciar a distribuição
geográfica dos organismos, a predação pode impedir a expansão da distribuição local e influenciar os
padrões de seleção de habitat das presas. Esse padrão de seleção de habitat pode variar ao longo do
tempo, em função da presença/ausência ou dos padrões de atividade dos predadores. Os únicos casos
em que a predação pode restringir a distribuição geográfica de uma espécie estão relacionados a
invasões de predadores, que podem sofrer explosões populacionais nos habitats invadidos e extinguir as
populações de presas nativas. Por último, o mutualismo também é importante na determinação da
delimitação da distribuição dos organismos. Nos casos de mutualismos obrigatórios entre os
organismos, existe uma forte associação biogeográfica entre as espécies envolvidas, que possuem
distribuições quase idênticas. Porém, tais relações mutualísticas tão especializadas são raras na
natureza, de maneira que a influência da interação na distribuição não é tão aparente. Por exemplo, no
caso de polinizadores e plantas, não existe uma correspondência perfeita entre a distribuição de um par
de polinizadores e plantas, mas há sempre plantas para os polinizadores se alimentarem e vice-versa.

Vimos até agora que fatores abióticos e interações interespecíficas são responsáveis pela limitação na
distribuição dos organismos, de maneira que a distribuição pode ser vista como um reflexo do nicho
ecológico de uma espécie. Dessa maneira, algumas espécies podem estar ausentes de habitats
adequados devido a interações interespecíficas, como a competição. Porém, apenas interações e
condições abióticos não são suficientes para prever a distribuição de um organismo. Na verdade, é
preciso levar em conta sua história evolutiva, suas capacidades de colonizar novos hábitats e as
barreiras geográficas existentes no passado e no presente que possam impedir o organismo de ocupar
uma área considerada adequada tanto em termos de condições abióticas quanto bióticas. Nesse
contexto, barreiras também são delimitadores da distribuição. Como nos parágrafos anteriores
discutimos a relevância de barreiras climáticas e ecológicas, a partir de agora discutiremos a relevância
de barreiras geográficas e da história nos padrões de distribuição dos organismos.

Todos os organismos possuem a capacidade de se deslocar de seu local de nascimento para novas áreas.
Esse deslocamento, em geral, é restrito a um período do ciclo de vida dos animais e das plantas. Como
um fenômeno demográfico, a dispersão de indivíduos jovens (em sua maioria) permite a ocupação de
novas áreas na escala local, mas não costuma afetar a distribuição geográfica dos organismos. A
dispersão como um processo biogeográfico ocorre raramente, em casos em que os organismos
participam de eventos de dispersão em longa distância. Para que a dispersão seja responsável pela
expansão da distribuição dos organismos é necessário que 1) o organismo seja capaz de se deslocar para
uma nova área, 2) lide com as condições desfavoráveis durante o deslocamento e 3) se estabeleça com
sucesso na nova área. Dessa maneira, existem pelo menos 3 mecanismos de expansão da distribuição
ligados a dispersão: dispersão aos saltos, difusão e migração secular. A dispersão aos saltos está ligada a
eventos de dispersão por longas distâncias, que permitem que os organismos colonizem novas áreas.
Evidências clássicas desse mecanismo operando são exemplos de colonização de ilhas, especialmente
novas ilhas formadas após erupções vulcânicas (o caso de Anak Krakatau). Em comparação ao
mecanismo de dispersão aos saltos, a difusão é um mecanismo populacional que depende de gerações
de organismos que expandem suas distribuições para fora dos limites. É comum em casos de espécies
invasoras, em que após a chegada inicial (trazida pelo homem ou via dispersão aos saltos) há um
contínuo aumento da distribuição espacial devido a difusão da população ao longo das gerações. Em
contraste a esses mecanismos mais rápidos, a migração secular ocorre ao longo de centenas de
gerações, e por ser um processo tão lento, permite a evolução da espécie ao longo da migração secular.
A dispersão pode ser realizada de forma ativa ou passiva, e alguns organismos possuem uma habilidade
maior para colonizar novas áreas do que outros. Dispersão passiva: dispersão de sementes, foresia,
organismos carregados por correntes marinhas.

Mas, nem todos os organismos possuem habilidade de ultrapassar barreiras e algumas barreiras podem
ser intransponíveis. Experimentos transplantando organismos mostram que muitas vezes a ausência de
uma determinada espécie de certa localidade não está ligada as condições abióticas e bióticas, e sim a
sua capacidade de colonizar aquela área. Essa capacidade pode estar relacionada a presença de uma
barreira geográfica (no presente ou no passado) ou a ausência de tempo necessário para que a espécie
consiga dispersar e formar uma população viável na nova área. Diversos estudos já demonstraram que
rios podem funcionar como barreiras para dispersão de organismos, como primatas, pequenos
mamíferos, sapos e até mesmo algumas aves. O mesmo pode acontecer com montanhas. Essas
barreiras geográficas podem impedir a expansão da distribuição dos organismos, e contribuir para
padrões de distribuição endêmicos. Por outro lado, esse tipo de barreira geográfica também pode
contribuir para especiação (formação de novas espécies), dado que os poucos indivíduos que
conseguem ultrapassar a barreira geográfica tendem a formar uma nova população e se tornam isolados
da outra população (ausência de fluxo gênico). Esses processos podem levar a especiação alopátrica.
Nesse contexto, discute-se muito o papel dos rios (como Amazonas e Negro) como barreiras geográficas
responsáveis pela diversificação de espécies e a alta riqueza encontrada atualmente na Amazônia,
apesar de que existem tanto estudos com resultados em favor quanto contra a hipótese dos rios como
barreiras.

A distribuição é dinâmica no tempo ecológico e no evolutivo. Ecologico: exemplo clássico de migração


(não é expansão da dsitribuição, apenas um caso de que os organismos seguem as condições favoráveis
e alteram sua distribuição como resposta a variação sazonal das mesmas). No tempo evolutivo, é
possível observar que diversas mudanças nos climas, vegetação e até mesmo na configuração dos
continentes são responsáveis por padrões de distribuição atual. Uma evidência clara disso é a
observação da deriva continental e seu papel nas distribuições disjuntas de diversos grupos atualmente
(é uma evidência de vicariância e não de dispersão). Outra evidência é o surgimento do istmo do
Panamá (ponte de terra que liga o continente norte-americano ao sul-americano) durante o Pleistoceno
e seu papel na dispersão de diversas espécies. Ao mesmo tempo, estudos comparando a distribuição
atual e dos fósseis também nos permite perceber que tais mudanças climáticas foram responsáveis por
alterações na distribuição dos organismos ao longo do tempo evolutivo. Fim da glaciação e expansão das
distribuições, papel das mudanças climáticas nas distribuições disjuntas (espécies que ficaram restritas a
refúgios climáticos), mudanças climáticas que restringiram espécies anteriormente com distribuição
extensa a pequenos refúgios e atualmente tais espécies possuem distribuição restrita devido a
competição com outros organismos superiores. Dado que atualmente o homem tem sido responsável
por alterações na vegetação e também nas condições climáticas, podemos prever que no futuro diversas
espécies sofreram novas alterações em suas distribuições com contrações e expansões, e quem sabe até
mesmo extinções. Estudos atuais utilizando o nosso conhecimento atual sobre a distribuição potencial
das espécies com base em características climáticas têm tentado prever o que acontecerá no futuro com
as previsões de mudança climática, e tem mostrado cenários de retrações e extinções de determinadas
espécies. Porém, tais modelos baseados apenas em clima sofrem diversas críticas, uma vez que já vimos
que apenas fatores físicos não são suficientes para explicar a distribuição de uma espécie na natureza.

Glossário

Alopátrica; alopatria= especiação devido ao isolamento, diferentemente da especiação simpátrica

Anak Krakatau = vulcão surgido na região Indonésia e que está em processo de colonização por novas
espécies

Simpatria, simpátrica = especiação que ocorre quando as populações vivem em conjunto

Especiação = divergência genética de duas ou mais populações que leva ao surgimento de novas
espécies

Vicariância =mecanismo no qual ocorre a separação da distribuição de uma espécie, que passa a ter
duas populações vivendo isoladamente. Esse mecanismo é proveniente do surgimento de barreiras
geográficas, placas tectônicas ou eventos climáticos, e pode levar a especiação alopátrica.

Foresia = exemplo de dispersão passiva, em que organismos chamados “foréticos” pegam carona do
corpo de outros organismos, sendo carregados para novas áreas de maneira passiva. Os foréticos não
são parasitas

Pleistoceno = época do período Quaternário, na escala de tempo evolutivo

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