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EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA

RELAÇÃO DE EMPREGO E A RESPONSABILIDADE DO


EMPREGADOR
Carlos Henrique Bezerra Leite 1

Sumário: Introdução. 1. Eficácia Vertical dos Direitos Fundamentais de Primeira


Dimensão. 2. Eficácia Vertical dos Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão. 3.
Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais. 4. Eficácia Horizontal dos Direitos
Fundamentais nas Relações de Emprego. 4.1. Eficácia Horizontal Direta e Indireta.
4.2. Análise de um Caso Difícil. Conclusão. Referências.

Fonte: LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Eficácia horizontal dos direitos


fundamentais na relação de emprego. Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo,
SP, v. 75, n. 1, p. 24-29, jan. 2011.

INTRODUÇÃO
Questão importante acerca da eficácia das normas jurídicas é que diz respeito à
eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais, sendo certo que a questão torna-
se, ainda, mais relevante quando se está diante dos direitos fundamentais sociais
trabalhistas.
Buscar-se-á no presente artigo analisar, em primeiro lugar, a eficácia vertical dos
direitos fundamentais sociais e, em seguida, a eficácia horizontal desses direitos. Ato
contínuo examina-se a aplicação da eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das
relações sociais tuteladas pelo Direito do Trabalho brasileiro.
Ao final, propõe-se a adoção da eficácia horizontal dos direitos fundamentais
nas relações empregatícias, como forma de efetivação dos princípios que sustentam o
Estado Democrático de Direito.
1 EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA
DIMENSÃO
Entende-se por eficácia vertical dos direitos fundamentais a limitação imposta
pelo ordenamento jurídico à atuação dos governantes em relação aos governados, pois se
reconhece que entre ele há uma relação vertical de poder, ou seja, entre Estado (mais
forte) e indivíduo (mais fraco).
A eficácia vertical, portanto, está vinculada à evolução do Estado Absoluto ao
Estado Liberal, cabendo a este último o dever de respeitar e assegurar os direitos
fundamentais de primeira dimensão, também chamados de direitos civis e políticos,
especialmente o direito à vida, à propriedade, à liberdade, à igualdade formal. Noutro
falar, a eficácia vertical dos direitos fundamentais tem por efeito impedir interferência
estatal na vida privada dos cidadãos. Por isso, a doutrina tradicional sustenta que os
direitos de primeira dimensão são direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado.
Nesse sentido, a eficácia vertical dos direitos fundamentais guarda relação com
a teoria do status negativo, de JELLINEK, pois o Estado atua apenas no aspecto negativo,
ou seja, limitando-se a respeitar (e assegurar) as liberdades individuais, especialmente o
direito à vida e à propriedade.
No Estado liberal, nessa perspectiva, as relações entre os particulares eram
regidas pelos princípios da autonomia plena da vontade e do pacta sunt servanda, não
podendo o Estado intervir ou interferir em tais relações. Havia, pois, uma separação quase
estanque entre o Direito Constitucional (regulador das relações enter o Estado e os
particulares) e o Direito Civil (regulador das relações entre particulares).
Como bem lembra CARLA MAIA DOS SANTOS:
“No Estado liberal a Constituição regulava apenas as relações entre o Estado e os
particulares, enquanto o Código Civil disciplinava as relações privadas. Os direitos
fundamentais funcionavam como limites à atuação dos governantes em favor dos
governados, tratava-se de direitos públicos subjetivos, oponíveis em face do Estado. No
Direito Privado o princípio fundamental era o da autonomia privada, ou seja, a liberdade
de atuação dos particulares, que deveriam pautar suas condutas apenas nas leis civis” .
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Nesse passo, o papel do Direito do Trabalho seria apenas o de regular o contrato


de trabalho, assegurando a plena autonomia da vontade dos seus sujeitos na sua
elaboração, execução e extinção.
2 EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA
DIMENSÃO
Com o advento do Estado Social, cuja característica marcante é a inserção de
direitos sociais nas Constituições, surge a chamada teoria do status positivo, ou seja, o
Estado, além de proteger os direitos (liberdades) individuais, passa a atuar positivamente
em prol dos direitos sociais, seja intervindo nas relações entre os particulares (dirigismo
contratual), seja atuando diretamente por meio de prestações estatais positivas.
Verifica-se, então, que os ordenamentos jurídicos passam a permitir que o
indivíduo exija do Estado, além do dever de abstenção nos seus direitos de primeira
dimensão, uma atuação positiva, a fim de assegurar diretamente a realização de um direito
fundamental social.
Vale dizer, o Estado Social passa a promover, diretamente, prestações de
serviços, por meio de políticas públicas, para a realização de direitos, como o direito à
saúde, à educação, ao trabalho, à assistência social, ao lazer, à cultura etc. Os direitos
sociais, portanto, passam a ser exigíveis, cabendo aos Poderes do Estado, inclusive o
Judiciário, asseguar a sua plena fruição.
Daí a correta observação de INGO WOLFGANG SARLET, para quem é
“possível falar de uma dupla significação de eficácia vinculante dos direitos
fundamentais. Assim, se de acordo com um critério formal e institucional os detentores
do poder estatal formalmente considerados (os órgãos dos Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário) se encontram obrigados pelos direitos fundamentais, também
em um sentido material e funcional todas as funções exercidas pelos órgãos estatais
também o são (...) Do efeito vinculante inerente ao art. 5º, § 1º, da CF decorre, num
sentido negativo, decorre que os direitos fundamentais não se encontram na esfera de
disponibilidade dos poderes públicos, ressaltando-se, contudo, que, numa concepção
positiva, os órgãos estatais se encontram na obrigação de tudo fazer no sentido de
realizar os direitos fundamentais” .
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3 EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Além da eficácia vertical, até aqui estudada, que consiste na vinculação dos
Poderes estatais aos direitos fundamentais, podendo os particulares exigi-los diretamente
do Estado, surgiu na Alemanha, com expansão na Europa e, atualmente, no Brasil, a teoria
da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Com o evolver das relações econômicas, políticas e sociais, que implicou o
surgimento do chamado neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, verificou-se que não
apenas o Estado tem o dever de proteger e promover a efetivação dos direitos
fundamentais, como também os particulares entre si.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada de eficácia
dos direitos fundamentais entre terceiros ou de eficácia dos direitos fundamentais nas
relações privadas, decorre do reconhecimento de que as desigualdades estruturantes não
se situam apenas na relação entre o Estado e os particulares, como também entre os
próprios particulares, o que passa a empolgar um novo pensar dos estudiosos da ciência
jurídica a respeito da aplicabilidade dos direitos fundamentais no âmbito das relações
entre os particulares.
Nesse passo, adverte DANIEL SARMENTO, em excelente monografia sobre o
tema:
“O Estado e o Direito assuem novas funções promocionais e se consolida o
entendimento de que os direitos fundamentais não devem limitar o seu raio de ação às
relações políticas, entre governantes e governados, incidindo também em outros
campos, como o mercado, as relações de trabalho e a família” .
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4 EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS


RELAÇÕES DE EMPREGO
No âmbito das relações de trabalho, especificamente nos sítios da relação
empregatícia, parece-nos não haver dúvida a respeito da importância do estudo da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais, mormente em razão do poder empregatício
(disciplinar, diretivo e regulamentar) reconhecido ao empregador (CLT, art. 2º), o qual,
por força dessa relação assimétrica, passa a ter deveres fundamentais em relação aos seus
empregados.
Afinal, a Constituição da República consagra, no Título II, Capítulo I, um
catálogo não apenas de “Direitos”, como também de “Deveres” Individuais e Coletivos,
a cargo, não apenas do Estado, como também da sociedade e das pessoas naturais ou
jurídicas, sobretudo quando estas últimas desfrutam de posições econômicas, políticas e
sociais superiores (poderes) em relação a outros particulares.
4.1 Eficácia Horizontal Direta e Indireta
Há duas teorias que se ocupam da eficácia horizontal dos direitos fundamentais:
a teoria da eficácia indireta ou mediata e a teoria da eficácia direta ou imediata.
Para a teoria da eficácia indireta ou mediata, os direitos fundamentais são
analisados na perspectiva de duas dimensões: a) dimensão negativa ou proibitiva, que
veda ao legislador editar lei que viole direitos fundamentais; b) dimensão positiva,
impondo um dever para o legislador implementar direitos fundamentais, ponderando,
porém, quais deles devam se aplicar às relações privadas.
Nos termos da proposta da teoria da eficácia direta ou imediata, como o próprio
nome sugere, alguns direitos fundamentais podem ser aplicados diretamente às relações
privadas, ou seja, sem a necessidade da intervenção legislativa.
Adverte, com razão, ARMANDO CRUZ VASCONCELLOS que as
“violações aos direitos fundamentais podem partir tanto do Estado soberano como,
também, dos agentes privados. Essa tendência atual de aplicação horizontal dos direitos
fundamentais não visa se sobrepor à relação anterior, uma vez que o primordial nessa
questão é nos atentarmos para que a aplicação dos direitos fundamentais, no caso
concreto, esteja sempre ponderada com os demais princípios. Diversas questões
precisam ser melhores desenvolvidas, como qual a forma dessa vinculação e seu
alcance” .
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Eis alguns exemplos em que o STF reconheceu a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais nas relações privadas:
“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO
CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES
PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no
âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre
pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados
também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES.
A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a
possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que
têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema
de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido
pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que
asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que
encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede
constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua
incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela
própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no
âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL
SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE
NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM
GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas
que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo
seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode
denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC,
sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição
privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus
associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla
defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o
recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de
suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir
a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida
pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus
sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes
ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO” (STF-RE 201819/RJ, rel. Min. ELLEN
GRACIE, rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, j. 11/10/2005, 2ª T., DJ 27/10/2006, p. 64).
“CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR
BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL
DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO
TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao
recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi
aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja
aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da
igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se
baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a
nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag
110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização
não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido” (STF-RE 161243/DF, rel. Min.
CARLOS VELLOSO, j. 29/10/1996, 2ª T., DJ 19-12-1997, p. 57).
Parece-nos corretas as considerações de PEDRO LENZA, para quem,
“sem dúvida, cresce a teoria da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações
privadas (‘eficácia horizontal’), especialmente diante de atividades privadas que tenham
um certo ‘caráter público’, por exemplo, em escolas (matrículas), clubes associativos,
relações de trabalho etc.”
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Lembra INGO WOLFGANG SARLET que há duas considerações a respeito da


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aplicação da teoria da eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas. Primus,


quando há relativa igualdade das partes figurantes da relação jurídica, caso em que deve
prevalecer o princípio da liberdade para ambas, somente se admitindo eficácia direta dos
direitos fundamentais na hipótese de lesão ou ameaça ao princípio da dignidade da pessoa
humana ou aos direitos da personaliade. Secundum, quando a relação privada ocorre entre
um indivíduo (ou grupo de indivíduos) e os detentores de poder econômico ou social,
caso em que, de acordo com o referido autor, há certo consenso para se admitir a aplicação
da eficácia horizontal, pois tal relação privada assemelha-se àquela que se estabelece entre
os particulares e o poder público (eficácia vertical).
Como as relações de trabalho subordinado são marcadas pela desigualdade entre
os particulares, de um lado o empregador, que detém o poder empregatício (econômico,
regulamentar, diretivo e disciplinar), e do outro o empregado, hipossuficiente econômico,
vulnerável e subordinado juridicamente, parece-nos inegável a plena aplicação da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais nas relações empregatícias.
Aliás, a própria CLT, em seu art. 2º, deixa claro que o empregador é a empresa
que, “assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviço”. Vale dizer, o empregador detém o poder de direção sobre a prestação
pessoal de serviços do trabalhador.
Há de se destacar a acertada observação de PEDRO LENZA, para quem, na
aplicação da teoria da eficácia horizontal,
“poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamentais, quais
sejam, o princípio da autonomia da vontade privada e da livre iniciativa de um lado (CF,
arts. 1º, IV, e 170, caput) e o da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade
dos direitos fundamentais (art. 1º, III) de outro. Diante dessa ‘colisão’, indispensável
será a ‘ponderação de interesses’ à luz da razoabilidade e da concordância prática ou
harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual
dos interesses deverá prevalecer” .
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Importa referir que no campo das relações de trabalho subordinado,


nomeadamente nas relações empregatícias, há amplo espaço para a adoção da teoria da
eficácia horizontal dos direitos fundamentais, tanto no plano individual quanto no plano
metaindividual.
À guisa de exemplo, podemos citar o direito dos empregados à indenização por
danos morais e materiais decorrentes de assédio moral ou sexual (CF, arts. 1º e 5º, X).
Neste caso, se a lesão a um direito fundamental (e da personalidade) é perpetrada pelo
empregador, cabe a este, e não ao Estado, o dever de reparar os danos morais e materiais
sofridos pelo trabalhador assediado.
Outros exemplos: o direito do empregado à reintegração ou indenização por
motivo de discriminação de raça, sexo, idade, religião etc. praticado diretamente pelo
empregador no ambiente de trabalho (CF, art. 1º, 3º, IV, 5º, X); o direito dos trabalhadores
à sadia qualidade de vida no meio ambiente do trabalho (CF, arts. 1º, III e IV; 5º, XXIII;
7º, XXII; 200, VIII; 225). Em todos estes casos, é facilmente factível a adoção da teoria
da eficácia horizontal dos direitos fundamentais para responsabilizar diretamente a parte
(empregador) que detém poder na relação empregatícia.
4.2 Análise de um Caso Difícil
Há, porém, situações que se situam em uma linha cinzenta para a aplicação da
eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de emprego. É o que ocorre,
por exemplo, na hipótese de responsabilização do empregador pelas lesões físicas ou
psíquicas sofridas pelo empregado em razão de um assalto ocorrido dentre de um ônibus
pertencente ao empregador.
Neste caso, há colisão de direitos fundamentais do empregador e do empregado,
já que ordenamento jurídico reconhece o direito à segurança de todas as pessoas, físicas
ou jurídicas (CF, art. 5º, caput), sendo que, nesta hipótese, verifica-se, de um lado, o
direito do empregador à segurança do seu patrimônio (propriedade) oponível ao Estado;
de outro lado, o direito do empregado à sua segurança pessoal, também oponível ao
Estado. Se, porém, o empregado ajuizar ação em face do empregador e postular reparação
por danos morais e materiais decorrentes do assalto sofrido dentro do ônibus da empresa?
Parece-nos que o magistrado, neste caso, deverá analisar o caso concreto e, com base nos
princípios da razoabilidade ou proporcionalidade, escolher entre dois bens juridicamente
protegidos o de maior valor: a incolumidade física e psíquica do cidadão trabalhador ou
o patrimônio do empregador? A nosso ver, no caso em tela, o primeiro, por estar
vinculado mais fortemente ao princípio da dignidade da pessoa humana, deve prevalecer
sobre o segundo, porquanto este está vinculado ao direito de propriedade que, por sua
vez, encontra relativização constitucional vinculada à sua função socioambiental (CF, art.
170, III e VI).
É preciso destacar, porém, que em alguns julgados, os tribunais trabalhistas vêm
solucionando tais casos apenas com base no direito infraconstitucional, isto é, à luz da
teoria da responsabilidade (objetiva ou subjeitva) do empregador. Conseguintemente,
absolvem os empregadores sob o fundamento de que a responsabilidade pela segurança,
in casu, é do Estado. Nesse sentido:
RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRADOR DE
TRANSPORTE COLETIVO. ASSALTO. RESPONSABILIDADE. A caracterização do dano
moral dá-se pela confirmação de lesão sofrida, e que esse dano deve estar ligado a direitos
personalíssimos tutelados pela ordem jurídica, tais como honra, dignidade, honestidade,
intimidade, entre outros. No presente caso, não me parece razoável atribuir culpa à reclamada
pelo ocorrido, de forma a condená-la ao pagamento de indenização por dano moral, quando
escapa de sua responsabilidade a segurança pública dos trechos percorridos pelos seus
empregados, na execução de seus serviços. Precedentes. RECURSO DE REVISTA
CONHECIDO E PROVIDO (TST-RR 1175400-80.2007.5.09.0651, j. 03/03/2010, Rel. Ministro
Emmanoel Pereira, 5ª T., DEJT 12/03/2010).
RECURSO DE REVISTA - VIGILANTE - ASSALTO - ACIDENTE DE TRABALHO -
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESPONSABILIDADE DO
EMPREGADOR - FATO DE TERCEIRO. Hipótese em que a controvérsia foi dirimida à luz da
indenização derivada de acidente de trabalho, arrimada na responsabilidade civil do empregador
(dolo ou culpa), prevista no inciso XXVIII do art. 7.º da Constituição Federal. Nesse contexto, o
assalto à mão armada praticado no local de trabalho, com a morte da empregada que exercia a
atividade de vigilante, quando não evidenciada falha na adoção de medidas de segurança, não
obstante o lamentável evento, escapa totalmente à vontade do empregador, tendo no ato de
terceiro sua causa exclusiva, circunstância que, por si só, tem o condão de quebrar o nexo de
causalidade, afastando, via de conseqüência, o dever de indenizar os danos materiais ou morais
eventualmente sofridos. A repreensão a criminalidade é tarefa do Estado (CF, art. 144), ainda
que tal mister não venha sendo cumprido a contento. Nesse passo, transferir essa obrigação para
o particular seria responsabilizar injustamente alguém que não concorreu para o infortúnio.
Recurso de revista não conhecido (TST-RR 184200-36.2007.5.08.0201, j. 24/06/2009, Rel. Juiz
Conv. Douglas Alencar Rodrigues, 3ª T., DEJT 14/08/2009).
Há, porém, alguns julgados que, com base na existência de culpa do empregador,
decorrente de sua omissão na questão da segurança no trabalho, vêm deferindo a
postulação dos trabalhadores, como se infere dos seguintes arestos:
RECURSO DE REVISTA. 1. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE
ACIDENTE DO TRABALHO. MOTORISTA DE ÔNIBUS. ASSALTO. HOMICÍDIO
CONSUMADO. CULPA POR OMISSÃO. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício
do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause
a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (art. 19
da Lei nº 8.213/91). Assim, quando o empregador, indiferente à segurança do obreiro, concorrer
para caracterização do evento danoso com dolo ou culpa, por ação ou omissão, ficará obrigado
a repará-lo, nos exatos limites dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Recurso de revista
conhecido e desprovido. 2. DANO MATERIAL. ARESTOS INSERVÍVEIS. Com a
apresentação de paradigma inservível, porque proveniente de Corte não trabalhista (art. 896, “a”,
da CLT), não prospera recurso de revista. Recurso de revista não conhecido. 3. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. Não caracterizada a contrariedade indicada e sem divergência
jurisprudencial válida (art. 896, -a-, da CLT), desmerece conhecimento o recurso de revista.
Recurso de revista não conhecido (TST-RR 28900-66.2006.5.17.0007, j. 01/04/2009, Rel.
Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª T., DEJT 30/04/2009).
I) AGRAVO DE INSTRUMENTO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ACIDENTE
DE TRABALHO - MOTORISTA DE ÔNIBUS - ÓBITO DO EX-EMPREGADO -
INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE E DE CULPA DA EMPREGADORA -
VIOLAÇÃO DO ART. 7º, XXVIII, DA CF. Diante da constatação de possível violação do art.
7º, XXVIII, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar
o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II) RECURSO DE
REVISTA PATRONAL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ACIDENTE DE
TRABALHO - MOTORISTA DE ÔNIBUS - ÓBITO DO EX-EMPREGADO -
INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE E DE CULPA DA RECLAMADA -
INCIDÊNCIA DO ART. 7º, XXVIII, DA CF. 1. Para a existência do dever de reparar o dano
causado, alguns pressupostos devem estar presentes, sem os quais o próprio instituto da
responsabilidade não pode subsistir, quais sejam, o dano experimentado pelo ofendido, a ação
ou a omissão do causador, o nexo de causalidade e a culpa ou o dolo. Trata-se do estabelecimento
do nexo causal entre lesão e conduta omissiva ou comissiva do empregador, sabendo-se que o
direito positivo brasileiro alberga tão-somente a teoria da responsabilidade subjetiva, derivada
de culpa ou dolo do agente da lesão em matéria trabalhista (CF, art. 7º, XXVIII). 2. In casu, o
Regional confirmou a sentença condenatória de pagamento de indenização por danos morais
sofridos pela família do ex-empregado, em razão do óbito resultante do assalto no ônibus no qual
era motorista, por culpa, ainda que levíssima, da Empregadora, que não se preocupou com a
segurança e vida dos empregados, visando a inibir os assaltos mediante a instalação de cofre
forte ou roleta nos veículos, que, ainda que não tivesse o condão de evitar o assalto, ao menos
inibiria as investidas dos meliantes, mormente em dia de festa na cidade, onde o número de
visitantes dos municípios vizinhos aumenta consideravelmente. 3. Como se pode notar de toda
a argumentação lançada na decisão regional, o elemento de convicção do julgador foi
substancialmente o sentido de solidariedade humana em face da dor sofrida pela família do ex-
empregado, externado na busca de alguma justificativa, por mais frágil que fosse, para manter a
indenização de R$ 20.000,00 à família enlutada, já que a instalação de catraca ou cofre nos
ônibus não impediria o assalto, não sendo absolutamente elemento de segurança contra roubos.
No caso, a norma constitucional (CF, art. 7º, XXVIII), bem como a jurisprudência do TST é
clara, no sentido de que a responsabilidade é subjetiva, dependendo de comprovação da culpa
do empregador para imposição da obrigação de indenizar. 4. Ora, se por um lado, a norma civil
não alcança a esfera trabalhista, iluminada pelo comando constitucional do art. 7º, XXVIII, por
outro, nenhuma atividade laboral está infensa a riscos de acidente (no próprio dizer de Guimarães
Rosa, em sua epopéia “Grande Sertão: Veredas”, “viver é muito perigoso”), mas a CLT somente
admite o adicional de periculosidade para as atividades de risco acentuado, ínsito ao manuseio
de explosivos, inflamáveis (art. 193), e energia elétrica (Lei 7.369/85, art. 1º), o que descartaria
de plano a invocação da responsabilidade objetiva diante da natureza da atividade desenvolvida
pela empresa, enquadrando-a no rol de atividades de risco. 5. Dessa forma, verifica-se que não
se encontram presentes, na espécie, os pressupostos que delineiam o dever de reparar o dano
causado, quais sejam, a culpa ou dolo da Empregadora e a ação ou omissão que teria concorrido
para a mencionada lesão. 6. Assim, não há como se atribuir responsabilidade à Empregadora
pelos danos morais sofridos pela família do ex-empregado, decorrentes do óbito resultante do
assalto, sob pena de violação do art. 7º, XXVIII, da CF, pois não caracterizada a culpa, nem
sequer levíssima, da Reclamada pelo evento. Recurso de revista provido (TST-RR 176840-
82.2005.5.17.0132, j. 15/04/2009, Rel. Ministro Ives Gandra Martins Filho, 7ª T., DEJT
17/04/2009).
A nosso ver, contudo, a solução que mais se harmoniza com a máxima
efetividade dos direitos fundamentais, data venia, é a que adota a teoria da eficácia
horizontal de tais direitos. Vale dizer, não nos parece constitucionalmente correto adotar
uma interpretação meramente gramatical do enunciado normativo previsto em apenas um
inciso (CF, art. 7º, XXVIII) e olvidar outros incisos e o próprio comando (cabeça) do
artigo no qual está inserido (CF, art. 7º, caput, XXII), além de outros dispositivos contidos
na própria Carta Republicana. Noutros termos, à luz da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, não se pode adotar exclusivamente a teoria da responsabilidade subjetiva
do empregador pela segurança e saúde dos trabalhadores quando, no próprio texto
constitucional, há previsão para tal responsabilização de modo objetivo.
Segurança, no Estado Democrático de Direito brasileiro, é direito fundamental
de primeira dimensão (CF, art. 5º, caput), como direito à segurança pessoal; de segunda
dimensão (CF, arts. 6º, 7º, XXII), como direito à segurança social, no trabalho, alimentar;
e, numa perspectiva mais ampla e difusa, de terceira dimensão (CF, arts. 225, caput),
como direito à segurança de uma sadia qualidade de vida, inclusive no ambiente laboral
(CF, art. 200, VIII).
Ora, em virtude do fenômeno da constitucionalização de todo o direito pátrio, é
o Direito do Trabalho que deve ser interpretado à luz do Direito Constitucional. A
hermenêutica constitucional, pois, há de ser observada em todos os ramos do direito,
especialmente do direito do trabalho, tendo em vista que os direitos sociais dos
trabalhadores compõem o catálogo dos direitos fundamentais consagrados no Texto
Constitucional.
Felizmente, vem surgindo no TST alguns acórdãos encampando a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. É o que se depreende dos
seguintes julgados:

(...) DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - FERROVIÁRIO - MAQUINISTA - RESTRIÇÃO


À SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES PRIMÁRIAS - FISIOLÓGICAS E ALIMENTAÇÃO
- INSTALAÇÕES SANITÁRIAS INSUFICIENTES E NÃO HÁBEIS AO USO. Nos termos
dos arts. 7º, XXII, da Constituição Federal e 157, I, da CLT, é direito do trabalhador a edição de
normas que reduzam os riscos inerentes ao trabalho e é dever do empregador zelar pela
observância das normas relativas à segurança e medicina do trabalho. Logo, o empregado faz jus
a um ambiente laboral que preserve sua integridade física e mental. No caso dos autos, diante do
quadro fático-probatório delineado no acórdão regional, insuscetível de reexame nesta fase
processual, nos termos da Súmula nº 126 do TST, constata-se, com efeito, a existência de
restrição para satisfação das necessidades fisiológicas e de alimentação do reclamante, visto que
o autor, na função de maquinista e submetido a regime de monocondução, não podia abandonar
o comando da máquina por período superior a 45 segundos, em face do acionamento do
dispositivo denominado "homem morto", que, ultrapassado o exíguo tempo de 45 segundos freia
de emergência toda a composição ferroviária. Outrossim, registrado categoricamente no acórdão
regional que o reclamante não podia parar a composição ferroviária para ir ao banheiro ou fazer
uma refeição, pois qualquer parada não programada deve ser comunicada ao Centro de Controle
de Operação - CCO e realizada apenas depois de autorizada pelos despachadores. Ainda, ficou
consignado na decisão recorrida que o autor submetia-se à jornada de trabalho de oito horas, que
poderia ser diminuída ou aumentada, sendo que os deslocamentos entre pátios ferroviários, sem
parada, poderiam ter duração por longos períodos de 4h30min a 6h30min. Ademais, das
premissas fático-probatórias fixadas no acórdão regional, verifica-se que não existiam
instalações sanitárias suficientes e hábeis ao uso, pois apenas duas locomotivas adquiridas pela
reclamada e que entraram em operação em novembro de 2006 demonstraram-se adequadas,
sendo que as demais sequer eram habitualmente utilizadas e existia falta de água nas torneiras
dos lavatórios e de vasos químicos. Com efeito, a preservação da saúde do empregado deve ser
garantida, com a adoção de medidas que tornem o seu local de trabalho isento de riscos à
integridade física e psicológica do laborante, sob pena de se tornar ineficaz e carente de força
normativa o postulado previsto no primeiro artigo da Carta da República, o que não se coaduna
com a eficácia horizontal dos direitos fundamentais reconhecida pela doutrina e pela
jurisprudência majoritárias de nosso país. No caso vertente, a conduta da reclamada ofende o
direito do empregado à saúde e à dignidade no trabalho - direitos da personalidade - sendo
passível de reparação moral. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. DANO MORAL -
QUANTIFICAÇÃO. O art. 944 do Código Civil prevê que a indenização é medida pela extensão
do dano, incumbindo ao magistrado valorar e ponderar os elementos que darão a sua dimensão
e, consequentemente, permitirão a fixação da indenização com base na equidade. Revelando-se
excessiva a indenização arbitrada pelas Instâncias ordinárias, que escapa dos limites da
razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se a redução do seu montante, adequando-o ao
comando do aludido preceito legal. No caso em exame, nada obstante as circunstâncias fáticas
descritas no acórdão regional e que deram ensejo à condenação da reclamada ao pagamento da
indenização por danos morais certamente se revestirem de gravidade considerável, pois a
conduta da reclamada em não proporcionar instalações sanitárias adequadas e a restrição da
satisfação de necessidades básicas do reclamante, quais sejam, as fisiológicas e de alimentação,
causarem prejuízo à saúde do autor, a Corte a quo manteve a condenação em comento sob o
único fundamento de casos reiterados propostos contra a reclamada; que restou atacado
especificamente pela ora recorrente - frise-se; contudo, referida circunstância deve ser sopesada
com outras particularidades do caso concreto, como por exemplo, a extensão do dano, a culpa
do empregador e a duração de seis anos do contrato de trabalho, fato incontroverso nos autos,
que repercute na extensão do dano. Nessa esteira, não se vislumbram fundamentos suficientes
para sustentar o montante mantido no acórdão regional no importe de R$ 100.000,00 (cem mil
reais), que se demonstra desproporcional. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.
... (TST-RR 1649-37.2010.5.03.0035, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, j.
09/11/2016, 7ª T., DEJT 11/11/2016).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO DE REVISTA - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E
TELÉGRAFOS (ECT) - EMPREGADA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS -
DESPEDIDA - MOTIVO VÁLIDO - NECESSIDADE - DEVER DE IMPLEMENTAR
ADAPTAÇÕES RAZOÁVEIS A PROPICIAR MANUTENÇÃO NO EMPREGO - DIREITOS
HUMANOS - NORMAS INTERNACIONAIS, CONSTITUCIONAIS E LEGAIS 1 - Hipótese
em que o TRT nega provimento ao recurso ordinário da Reclamada (ECT), mantendo a
determinação de reintegração da Reclamante, pessoa portadora de necessidades especiais,
despedida antes do término do período de experiência, com base em parecer de equipe
avaliadora. Apelo fundado em alegações de nulidade por negativa de prestação jurisdicional,
ausência de necessidade de motivação do ato, inexistência de estabilidade e ausência do dever
de adaptação do local de trabalho. 2 - Se o TRT reputou inválida a despedida da Reclamante,
porquanto a própria Agravante limitou seu poder diretivo ao criar normas em Edital de concurso
que asseguram a aplicação da legislação protetiva ao portador de necessidades especiais, não há
como reconhecer a ausência de jurisdição em relação à aplicabilidade, ou não, da Súmula n.º
390, I, do TST ao caso. Não violados os arts. 93, IX, da Constituição da República e 832 da CLT.
3 - A validade do ato de despedida da Reclamante pela Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT) estava condicionada à explicitação de motivo válido, expondo de maneira
circunstanciada as causas e as particularidades que ensejaram a decisão. Não se dispensava
parecer de equipe multiprofissional, a ser formada de acordo com o que determina o art. 43 do
Decreto n.º 3.298/99 (que regulamenta a Lei n.º 7.853/89, que, por sua vez, dispõe sobre a
Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de
proteção, e dá outras providências). Precedentes do STF e inteligência da Orientação
Jurisprudencial n.º 247, II, da SBDI-1 do TST. 4 - Também constitui dever da Reclamada a
implementação razoável de meio eficaz que propicie a manutenção da Reclamante no emprego.
Em realidade, é dever de todos os órgãos e entidades da Administração direta e indireta
tratamento prioritário e adequado aos assuntos objetos desta Lei n.º 7.853/89, tendente a
viabilizar medidas de promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores público
e privado, de pessoas portadoras de deficiência (art. 2.º, parágrafo único e III, “c”, da Lei n.º
7.853/89). Mas não é só: trata-se também de respeitar direitos humanos, protegidos
constitucionalmente nas regras e princípios que emanam dos arts. 1.º, III e IV, 3.º, IV, 24, XIV,
203, IV, 227, § 2.º, e 244 da Constituição da República. Nas relações privadas de emprego, há
de se observar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, decorrente do princípio da
dignidade da pessoa humana. Assim, considerando que os direitos fundamentais refletem o norte
axiológico da sociedade, então sua observância, respeito e efetividade não devem se restringir
ao Estado, mas a toda e qualquer relação jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado.
No plano internacional, há de se recordar que o Brasil é signatário, desde 30/3/2007, da
Convenção da Organização das Nações Unidas - ONU sobre os Direitos de Pessoas com
Deficiência. Este é, em realidade, o primeiro - e até agora o único - tratado internacional com
estatura de norma constitucional da história do nosso País, por força de sua aprovação, pelo rito
de emenda à Constituição (art. 5.º, § 3.º), resultante no Decreto n.º 6.949, de 26/8/2009. Não
custa recordar, ainda, que “negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua
deficiência, emprego ou trabalho” constitui tipo penal descrito no art. 8.º, III, da Lei n.º 7.853/89.
Agravo de instrumento a que se nega provimento (TST-AIRR 142140-04.2004.5.03.0036, j.
02/12/2009, Rel. Juiz Conv. Douglas Alencar Rodrigues, 6ª T., DEJT 11/12/2009).
CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA NO
CEARÁ. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. A
controvérsia dos autos cinge-se em saber se se aplica aos processos administrativos instaurados
no âmbito dos conselhos de fiscalização profissional, para apuração de falta grave, os princípios
do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal. A jurisprudência desta Corte
superior já firmou o entendimento de que os conselhos regionais e federais de fiscalização do
exercício profissional não possuem natureza autárquica em sentido estrito, ao contrário, são
autarquias sui generis, dotadas de autonomia administrativa e financeira, não lhes sendo
aplicáveis as normas relativas à administração interna das autarquias federais. Logo, esses
conselhos profissionais, como é o caso do reclamado, são considerados entes paraestatais. Nesse
contexto, verifica-se que não se lhes aplica a Lei nº 9.784/99, que dispõe sobre normas básicas
sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, já que não
pertencem à Administração Pública. Entretanto, essa tese não afasta a necessária observância
dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, os quais protegem todos os
brasileiros e estrangeiros, residentes aqui ou de passagem pelo território nacional. Com efeito, o
artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna assegura aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes. Esse dispositivo é aplicável não só aos processos judiciais, mas também aos
processos administrativos, inclusive aos procedimentos instaurados fora do Poder público. Trata-
se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, reconhecida pela doutrina moderna,
conferindo-lhes aplicabilidade no âmbito privado, de modo que os direitos fundamentais
assegurados pela Constituição devem ser observados tanto nas relações entre o Estado e cidadãos
como nas intersubjetivas. Esse entendimento garante a aplicabilidade dos direitos fundamentais
previstos na Constituição Federal às relações de trabalho, sem prejuízo dos direitos trabalhistas
previstos na Carta Magna. No caso dos autos, verifica-se que os princípios do contraditório e da
ampla defesa e do devido processo legal foram violados no procedimento instaurado para
apuração de falta grave do reclamante. Desse modo, constata-se que o Regional, ao manter a
nulidade do inquérito administrativo instaurado para apuração de falta grave do reclamante, após
o qual o obreiro foi dispensado por justa causa, conferiu aplicabilidade irrepreensível aos direitos
fundamentais previstos na Constituição Federal, observando, fielmente, sua eficácia nas relações
trabalhistas. Recurso de revista não conhecido... (TST-RR 267300-64.2003.5.07.0003, Rel. Min.
José Roberto Freire Pimenta, j. 15/05/2013, 2ª T., DEJT 24/05/2013).
DANO MORAL. AUSÊNCIA DE INSTALAÇÕES SANITÁRIAS. CORTADORA DE
CANA-DE-AÇÚCAR. MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO (R$1.200,00).
VALOR EXCESSIVAMENTE MÓDICO. ELEVAÇÃO PARA R$10.000,00. A sociedade
encontra-se em um estágio em que não se admite o desrespeito à figura do ser humano. Vive-se,
atualmente, como disse Norberto Bobbio, na era dos direitos. A pessoa humana é objeto de
proteção do ordenamento jurídico, sendo detentora de direitos que lhe permitam uma existência
digna, própria de um ser humano. Não se vislumbra, na realidade contemporânea, nenhuma
brecha sequer para o desrespeito aos direitos mínimos assegurados à pessoa. Immanuel Kant, em
sua obra ‘Fundamentação da Metafísica dos Costumes’, já defendia que, ‘no reino dos fins, tudo
tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo
equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite
qualquer equivalência, compreende uma dignidade’ (KANT, Immanuel. Fundamentação da
Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Tradução Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin
Claret, 2004, p. 65). Adotando o pensamento citado, verifica-se que o ser humano é sujeito
detentor de dignidade, pois não possui um preço nem pode ser substituído por algo equivalente.
Com efeito, não se tolera mais nenhuma forma de tratamento desumano ou degradante ao
indivíduo. A Constituição Brasileira de 1988, reconhecida mundialmente pelo seu caráter
democrático e garantidor de direitos humanos, consagra o princípio da dignidade da pessoa
humana como um fundamento da República Federativa do Brasil. Ademais, institui, no rol dos
direitos individuais do cidadão, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou
degradante. No seu artigo 170, caput, erige o trabalho humano como fundamento da ordem
econômica, que tem por fim assegurar a todos existência digna. A doutrina moderna, de maneira
pacífica, entende que os direitos individuais consagrados na Constituição não se limitam mais
somente à relação entre Estado e cidadão. Hodiernamente, os direitos fundamentais são dotados
de eficácia horizontal, devendo ser observados, também, nas relações privadas. Ora, é de
conhecimento de todos as péssimas condições de trabalho a que são submetidos os cortadores de
cana-de-açúcar. O artigo 7º da Constituição Federal é de aplicação obrigatória a todos os
trabalhadores, sem distinção de nenhum tipo de atividade, sendo norma de natureza cogente, e,
salvo expressa dicção em contrário, de aplicação direta e imediata (artigo 5º, § 1º, da Constituição
Federal). A NR nº 31, por sua vez, estabelece preceitos a serem observados na organização e no
ambiente de trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o desenvolvimento das
atividades da agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura com a
segurança e saúde e meio ambiente de trabalho. O acórdão regional consignou que a reclamante,
ora recorrente, ficava exposta aos efeitos decorrentes da acumulação dos detritos, armazenados
em buraco escavado no chão. Registrou, também, que a reclamada não atendia a nenhuma das
regras referentes às condições sanitárias estabelecidas pela NR nº 31. Essa atitude patronal, de
não fornecer banheiros, nos termos dessa NR, para seus trabalhadores, é ofensiva à dignidade da
pessoa humana. Ante todo o exposto, verifica-se que o quantum indenizatório, no valor de
R$1.200,00, revela-se excessivamente módico e irrisório, ante a gravidade da conduta patronal
e o constrangimento a que foi exposta a reclamante. É certo que a jurisprudência desta Corte, em
regra, não admite a majoração do valor da indenização por danos morais, em virtude da
necessidade do revolvimento fático-probatório para tanto. Entretanto, este Tribunal vem
entendendo que, nos casos em que a indenização for fixada em valores excessivamente módicos,
cabível se torna a majoração desse valor nesta instância extraordinária. Precedentes. Portanto, o
Regional, ao fixar o quantum indenizatório em valor excessivamente irrisório (R$1.200,00),
violou o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, não observando, fielmente, os parâmetros
da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser fixado o valor de R$10.000,00, que, sem
provocar o enriquecimento indevido da trabalhadora, compense adequadamente o dano moral
causado pela conduta antijurídica de seus empregadores, e, principalmente, melhor atenda à
gravidade da situação fática nestes autos delineada e à finalidade preventivo-sancionatória que
condenações dessa natureza necessariamente devem ter, de modo a inibir a reiteração da conduta
lesiva em casos semelhantes. Assim, majora-se o valor da indenização por danos morais para
R$10.000,00. Recurso de revista conhecido e provido. INTERVALO INTRAJORNADA
PARCIALMENTE USUFRUÍDO. DIREITO AO PERÍODO DE UMA HORA, E NÃO
APENAS AOS MINUTOS FALTANTES PARA ATINGIR O MÍNIMO LEGAL. Diante do
posicionamento consolidado nesta Corte superior, firmado por meio da Resolução nº 185/2012,
em decorrência das discussões travadas na -2ª Semana do TST-, realizada em setembro de 2012,
editou-se a Súmula nº 437, cujo item I, fruto da conversão da Orientação Jurisprudencial nº 307
da SBDI-1, vigente à época da interposição do recurso, assim dispõe: -Após a edição da Lei nº
8.923/94, a não concessão ou concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso
e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período
correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o
valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da
efetiva jornada de labor para efeito de remuneração-. Dessa forma, suprimido parte do intervalo
destinado ao repouso e à alimentação do empregado, deve ser pago, como extra, todo o período
mínimo assegurado, e não apenas o tempo remanescente. Recurso de revista conhecido e provido
(TST-RR 886-57.2010.5.09.0459, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, j. 17/04/2013, 2ª T.,
DEJT 26/04/2013).
RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. DISPENSA ARBITRÁRIA.
TRABALHADOR PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA. 1. O sistema jurídico pátrio consagra
a despedida sem justa causa como direito potestativo do empregador, o qual, todavia, não é
absoluto, encontrando limites, dentre outros, no princípio da não discriminação, com assento
constitucional. A motivação discriminatória na voluntas que precede a dispensa implica a
ilicitude desta, pelo abuso que traduz, a viciar o ato, eivando-o de nulidade. 2. A proteção do
empregado contra discriminação, independente de qual seja sua causa, emana dos pilares
insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil, notadamente os arts. 1º, III e IV,
3º, IV, 5º, caput e XLI, e 7º, XXX. 3. Acerca da dignidade da pessoa humana, destaca Ingo
Wolfgang Sarlet, em sua obra ‘Eficácia dos Direitos Fundamentais’ (São Paulo: Ed. Livraria do
Advogado, 2001, pp. 110-1), que ‘constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade
da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que não podem ser
submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual são intoleráveis a
escravidão, a discriminação racial, perseguição em virtude de motivos religiosos, etc. (...). O que
se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física
do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas,
onde a intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências indevidas, onde sua
igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do
poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto
de arbítrio e injustiças’. 4. O exercício do direito potestativo de denúncia vazia do contrato de
trabalho sofre limites, igualmente, pelo princípio da proteção da relação de emprego contra
despedida arbitrária, erigido no art. 7º, I, da Constituição - embora ainda não regulamentado,
mas dotado de eficácia normativa -, e pelo princípio da função social da propriedade, conforme
art. 170, III, da Lei Maior. 5. Na espécie, é de se sopesar, igualmente, o art. 196 da Carta Magna,
que consagra a saúde como ‘direito de todos e dever do Estado’, impondo a adoção de políticas
sociais que visem à redução de agravos ao doente. 6. Nesse quadro, e à luz do art. 8º, caput, da
CLT, justifica-se hermenêutica ampliativa da Lei 9.029/95, cujo conteúdo pretende concretizar
o preceito constitucional da não-discriminação no tocante ao estabelecimento e continuidade do
pacto laboral. O art. 1º do diploma legal proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória para
efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção. Não obstante enumere certas
modalidades de práticas discriminatórias, em razão de sexo, origem, raça, cor, estado-civil,
situação familiar ou idade, o rol não pode ser considerado numerus clausus, cabendo a integração
pelo intérprete, ao se defrontar com a emergência de novas formas de discriminação. 7. De se
observar que aos padrões tradicionais de discriminação, como os baseados no sexo, na raça ou
na religião, práticas ainda disseminadas apesar de há muito conhecidas e combatidas, vieram a
se somar novas formas de discriminação, fruto das profundas transformações das relações sociais
ocorridas nos últimos anos, e que se voltam contra portadores de determinadas moléstias,
dependentes químicos, homossexuais e, até mesmo, indivíduos que adotam estilos de vida
considerados pouco saudáveis. Essas formas de tratamento diferenciado começam a ser
identificadas à medida que se alastram, e representam desafios emergentes a demandar esforços
com vistas à sua contenção. 8. A edição da Lei 9.029/95 é decorrência não apenas dos princípios
embasadores da Constituição Cidadã, mas também de importantes tratados internacionais sobre
a matéria, como as Convenções 111 e 117 e a Declaração sobre os Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho, de 1998, todas da OIT. 9. O arcabouço jurídico sedimentado em
torno da matéria deve ser considerado, outrossim, sob a ótica da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, como limitação negativa da autonomia privada, sob pena de ter esvaziado seu
conteúdo deontológico. 10. A distribuição do ônus da prova, em tais casos, acaba por sofrer
matizações, à luz dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, tendo em vista a aptidão para a produção
probatória, a possibilidade de inversão do encargo e de aplicação de presunção relativa. 11. In
casu, restou consignado na decisão regional que a reclamada tinha ciência da doença de que era
acometido o autor - esquizofrenia - e dispensou-o pouco tempo depois de um período de licença
médica para tratamento de desintoxicação de substâncias psicoativas, embora, no momento da
dispensa, não fossem evidentes os sintomas da enfermidade. É de se presumir, dessa maneira,
discriminatório o despedimento do reclamante. Como consequência, o empregador é que haveria
de demonstrar que a dispensa foi determinada por motivo outro que não a circunstância de ser o
empregado portador de doença grave. A dispensa discriminatória, na linha da decisão regional,
caracteriza abuso de direito, à luz do art. 187 do Código Civil, a teor do qual o exercício do
direito potestativo à denúncia vazia do contrato de trabalho, como o de qualquer outro direito,
não pode exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes. 12. Mais que isso, é de se ponderar que o exercício de uma atividade laboral é
aspecto relevante no tratamento do paciente portador de doença grave e a manutenção do vínculo
empregatício, por parte do empregador, deve ser entendida como expressão da função social da
empresa e da propriedade, sendo, até mesmo, prescindível averiguar o animus discriminatório
da dispensa. 13. Ilesos os arts. 5º, II - este inclusive não passível de violação direta e literal, na
hipótese -, e 7º, I, da Constituição da República, 818 da CLT e 333, I, do CPC. 14. Precedentes
desta Corte. Revista não conhecida, no tema... (TST-RR 105500-32.2008.5.04.0101, Redatora
Min. Rosa Maria Weber, j. 29/06/2011, 3ª T., DEJT 05/08/2011).

RECURSO DE REVISTA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. JUSTA CAUSA


NÃO CARACTERIZADA. DANO MORAL. NORMA REGULAMENTAR QUE PROÍBE O
RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE EMPREGADOS. ABUSO DO PODER
DIRETIVO DA RECLAMADA. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À LIBERDADE. A partir da segunda metade do
século XX, consolidou-se a percepção de que também os denominados "poderes privados"
podem vulnerar os direitos fundamentais das pessoas com as quais mantêm relações jurídicas,
principalmente naquelas de natureza assimétrica, em que um dos polos está em estado de sujeição
ou é hipossuficiente do ponto de vista jurídico, econômico ou social. Daí a consagração da
denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou a sua eficácia na esfera do Direito
Privado ou entre particulares, instrumento mediante o qual o Poder Judiciário atua para limitar o
exercício arbitrário ou abusivo do poder por particulares que atinja os direitos fundamentais
daqueles com os quais estes se relacionam. Também não cabe, hoje, nenhuma dúvida quanto à
aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais em geral no âmbito das relações
trabalhistas. Afinal, a doutrina contemporânea reconhece e proclama que "os direitos
fundamentais não são como os chapéus que se deixam na entrada do local de trabalho, eis que
tais direitos, assim como as cabeças, não podem ser separados da pessoa humana em nenhum
lugar, sob nenhuma circunstância." Discute-se, no caso, a configuração do dano moral decorrente
da despedida por justa causa em razão de relacionamento amoroso entre os empregados da
empresa ré. O Regional manteve a decisão em que se considerou válida a rescisão do contrato
de trabalho da autora, por justa causa, por concluir que houve a quebra de confiança e de fidúcia
entre as empregadoras e a empregada. A Corte a quo consignou que a reclamante detinha total
conhecimento, ao assinar contrato de trabalho, da existência do código de ética na empresa,
fixando regras de conduta moral. Assentou que a própria recorrente, em depoimento pessoal,
confirma ciência e assinatura do código de ética por ocasião da sua contratação e que passou a
residir em companhia do coordenador geral da obra em que ela trabalhava, a partir de novembro
de 2011, o que perdura atualmente. Na hipótese dos autos, é preciso enfatizar que não houve
nenhuma alegação ou registro de que a reclamante e seu colega de trabalho e companheiro
agiram mal, de que entraram em choque ou de que houve algum incidente envolvendo-os, no
âmbito interno da própria empresa. Portanto, a dispensa por justa causa da reclamante,
incontroversamente decorreu exclusivamente por conta da existência de relacionamento afetivo
entre os empregados da empresa ré. Esses fatos configuram, sim, invasão injustificável ao
patrimônio moral de cada empregado e da liberdade de cada pessoa que, por ser empregada, não
deixa de ser pessoa e não pode ser proibida de se relacionar amorosamente com seus colegas de
trabalho. Ao contrário: isso é inerente à natureza humana. Diante desse contexto fático, não cabe
a menor dúvida de que preceitos constitucionais fundamentais estão sendo atingidos, como a
dignidade da pessoa humana e a liberdade, tendo em vista que a vida pessoal dessa empregada,
sem nenhuma justificativa razoável e sem real necessidade, foi desproporcionalmente limitada
pela empregadora. Com efeito, em razão da condição hierárquica da relação existente entre
empregado - subordinado - e empregador, tem-se que esse último detém o poder diretivo, o qual,
no entanto, deve observar os limites estabelecidos na Constituição Federal e nas leis, devendo os
atos empresariais, sejam eles tácitos, sejam escritos (regulamentos internos e demais normas
internas), ser razoáveis, sendo vedado seu uso abusivo e contrário à função social que deve
presidir e, ao mesmo tempo, servir de limite daqueles próprios atos empresariais. Destaca-se,
aqui, a necessidade de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, preconizado no
artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, o qual se concretiza pelo reconhecimento e pela
positivação dos direitos e das garantias fundamentais, sendo o valor unificador de todos os
direitos fundamentais, ao da liberdade, que constitui um dos pilares principais de efetivação da
dignidade humana. Vale ressaltar, por oportuno, que uma das principais características dos
direitos fundamentais é sua inalienabilidade ou indisponibilidade, que resulta da fundamentação
do direito no valor da dignidade humana: da mesma forma que o homem não pode deixar de ser
homem, ele não pode ser livre para ter ou não dignidade - o Direito não pode permitir que o
homem se prive de sua dignidade. Nesse contexto, serão indisponíveis exatamente os direitos
fundamentais que visam resguardar diretamente a potencialidade do homem de viver com
dignidade e de se autodeterminar, como o direito à proteção da personalidade e da vida privada
do trabalhador, que se destina a salvaguardar a liberdade do trabalhador de tomar decisões sem
coerções externas, mormente quando envolver questões inerentes à própria natureza humana,
como é, sem dúvida, o direito de estabelecer relacionamentos amorosos com pessoas com quem
um determinado empregado ou empregada houver convivido no ambiente de trabalho, situação
ora em análise. Ademais, a norma regulamentar que proíbe aos empregados da reclamada que
mantenham qualquer forma de relacionamento afetivo ou amoroso com alguns de seus colegas
de trabalho também fere direta e frontalmente o artigo 5º, II, da Constituição Federal, ao tentar
tornar ilícito, no âmbito da empresa, um comportamento que a Constituição e as leis
absolutamente não proíbem e até estimulam por meio do artigo 226 da mesma Norma
Fundamental, que assegura a especial proteção do Estado à família e à união estável entre o
homem e a mulher, como entidade familiar. Por fim, tal conduta empresarial também ignora por
completo o disposto no artigo 21 do Código Civil brasileiro, que estabelece incisivamente que
"a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará
as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma" (destacou-
se). Diante disso, é forçoso concluir que está configurado, no caso, o abuso do poder diretivo da
empresa, a qual, fundamentando-se exclusivamente em norma interna que proíbe o
relacionamento amoroso entre empregados, dispensou a reclamante, violando direta e
indiscutivelmente seu patrimônio moral, lesão que deve ser reparada, já que não configurada a
justa causa alegada pela reclamada. Recurso de revista conhecido e provido. HORAS EXTRAS
INDEVIDAS. CARGO DE CONFIANÇA CARACTERIZADO. ENQUADRAMENTO NO
ARTIGO 62, INCISO II, DA CLT. O Regional, com respaldo no conjunto fático-probatório,
consignou ter ficado comprovado nos autos que a autora se enquadra na hipótese do art. 62, II,
da CLT. Assentou que a reclamante, como engenheira de obras, além de possuir poderes de
gestão em diferentes níveis de responsabilidade, não estava sujeita a qualquer controle de jornada
de trabalho. O Tribunal Regional assinalou que a própria autora, em seu depoimento, confessou
que exercia cargo de confiança. Extrai-se do depoimento da parte que, como engenheira de
produção, era responsável por duas torres, acrescentando que cuidava dos processos de execução
de serviços, cuidar, organizar e treinar os funcionários para a execução das tarefas e que estavam
subordinados à autora aproximadamente 30 pessoas. Ainda, que repassava a ordem de serviço
para o estagiário e para o encarregado da torre e, por fim, a parte esclareceu que os engenheiros
da obra não tinham controle de horário de trabalho. Ressalta-se que decidir de maneira diversa
daquela do Regional acerca da natureza jurídica da função desempenhada pela reclamante
demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, não permitido nesta instância recursal
de natureza extraordinária, ante o óbice previsto na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista
não conhecido. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. No caso, conforme se observa da
fundamentação do acórdão regional, a reclamante não trabalhava em ambiente insalubre. O
Regional alicerçou sua decisão em laudo pericial apresentado aos autos, no qual o expert
concluiu que o antigo local onde a reclamante desenvolvia as suas atividades de Engenheira de
Produção I encontrava-se provido de salubridade. Ressalta-se que rever a conclusão do Tribunal
de origem demandaria o revolvimento de fatos e provas, não permitido nesta instância recursal
de natureza extraordinária, ante óbice previsto na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não
conhecido. DIFERENÇA SALARIAL. DESVIO DE FUNÇÃO. O Regional, com base no
acervo fático-probatório dos autos, manteve a sentença em que se indeferiu o pedido de diferença
salarial por desvio de função, sob o fundamento de que a autora não conseguiu demonstrar que
laborou como coordenadora de obra, visto que os depoimentos das suas testemunhas são
inservíveis como prova, por serem tendenciosos e contraditórios. Ademais, a Corte a quo
assentou que, de acordo com o que ficou evidenciado nos autos, o coordenador de obras é o
responsável pelo conjunto da obra, enquanto que o engenheiro de produção tem sob sua
responsabilidade uma ou mais torres do empreendimento. Na hipótese, a própria recorrente, em
seu depoimento, afirmou que era responsável apenas pelas 8ª e 9ª torres. Diante desse contexto,
o Tribunal Regional concluiu ser improcedente o pedido da autora por absoluta falta de amparo
fático e legal, haja vista que ela jamais trabalhou como coordenadora de obras, tendo, durante
todo o período contratual, desempenhado suas atividades na função de engenheira. Assim, para
se adotar entendimento diverso, necessário seria, inequivocamente, o revolvimento fático-
probatório dos autos, procedimento vedado nesta instância recursal de natureza extraordinária,
nos termos em que dispõe a Súmula nº 126 desta Corte. Recurso de revista não conhecido.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. NÃO CONFIGURADO. O
Regional, com base no acervo fático-probatório dos autos, manteve a sentença em que se
indeferiu o pedido de indenização por danos morais, sob o fundamento de que a autora, diante
da imprestabilidade da prova testemunhal, não conseguiu demonstrar que sofreu assédio moral
por parte das empresas reclamadas, que, ultrapassando o âmbito do poder diretivo, cometeram
ato ilícito em razão do abuso de direito e do abuso no poder diretivo. O Tribunal Regional
concluiu que, não havendo prova da existência de coação e/ou constrangimento durante a reunião
com a equipe de auditoria da reclamada, foi correta a sentença em que se julgou improcedente o
pleito de indenização por dano moral, em face da não comprovação do assédio moral alegado
pela recorrente. Assim, para se adotar entendimento diverso, necessário seria, inequivocamente,
o revolvimento fático-probatório dos autos, procedimento vedado nesta instância recursal de
natureza extraordinária, nos termos em que dispõe a Súmula nº 126 desta Corte. Recurso de
revista não conhecido. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 297, ITENS I E II, DO TST. No que se refere à
responsabilidade solidária, verifica-se que a Corte de origem não se manifestou sobre a matéria.
Não foram interpostos embargos declaratórios com vistas a sanar a omissão. Assim, o tema
carece de prequestionamento, nos termos do que preconizam os itens I e II da Súmula nº 297
desta Corte. Recurso de revista não conhecido (TST-RR 1102-84.2012.5.08.0003, Rel. Min. José
Roberto Freire Pimenta, j. 24/05/2016, 2ª T., DEJT 03/06/2016).
CONCLUSÃO
Como síntese das ideias lançadas neste artigo, apresentamos as principais
conclusões a respeito da eficácia vertical e horizontal no paradigma do Estado
Democrático de Direito.
Sob o prisma da eficácia vertical, cabe ao Estado promover a defesa (segurança
pública) e a proteção do direito à segurança aos trabalhadores em todas as suas dimensões.
Mas, na perspectiva da eficácia horizontal, a promoção dos direitos fundamentais,
especialmente o direito à segurança, é também responsabilidade dos particulares,
mormente quando estes atuam, nas relações jurídicas que estabelecem com outros
particulares, com supremacia de poder.
Quanto maior o poder (econômico, político, cultural) do empregador na relação
empregatícia, maior a sua responsabilidade no tocante à responsabilidade pelas lesões
sofridas pelos seus empregados em seus direitos fundamentais em decorrência da relação
de emprego.
É preciso que a doutrina e a jurisprudência justrabalhistas passem a interpretar e
aplicar os direitos sociais dos trabalhadores com arrimo não apenas na eficácia vertical,
como também na eficácia horizontal dos direitos fundamentais, pois a relação
empregatícia é um dos sítios naturais de sua aplicabilidade em nosso sistema jurídico.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Malheiros, 2008.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 677.
SANTOS, Carla Maia dos. Qual a distinção entre eficácia vertical e eficácia horizontal
dos direitos fundamentais? Disponível em http://www.lfg.com.br. 16 de novembro de
2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2006, p. 382-383.
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006, p. 323.
VASCONCELLOS, Armando Cruz. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas
relações privadas de subordinação. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2107, 8 abr. 2009.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12595>. Acesso em: 11
ago. 2010.

Notas:
1 Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC/SP). Professor de Direitos Sociais e Metaindividuais do
Mestrado e Doutorado (FDV). Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região/ES. Ex-Procurador
Regional do Ministério Público do Trabalho/ES. Ex-Diretor da Escola de Magistratura do Trabalho no Estado do
Espírito Santo. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de Livros e Artigos Jurídicos.
2 SANTOS, Carla Maia dos. Qual a distinção entre eficácia vertical e eficácia horizontal dos direitos fundamentais?
Disponível em http://www.lfg.com.br. 16 de novembro de 2008.
3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.
382-383.
4 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 323.
5 VASCONCELLOS, Armando Cruz. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas de
subordinação . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2107, 8 abr. 2009. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12595>. Acesso em: 11 ago. 2010.
6 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 677.
7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.
392-400.
8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 677.

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